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EDUCAÇÃOE CIBERESPAÇO

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Carlos Henrique Medeirose Maria Lucia Moreira Gomes

EDUCAÇÃOE CIBERESPAÇO

Brasília

2008

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Copyright© 2008 por Carlos Henrique MedeirosCopyright© 2008 por e Maria Lucia Moreira Gomes

Título Original: Educação e Ciberespaço

Editor-chefe: Tomaz AdourEditoração Eletrônica: Bernardo FrancoCapa: Maria Fernanda

Ficha CatalográficaDados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Camara Brasileira do Livro - SP, Brasil)

Usina de LetrasSCS Quadra 01 Bloco E – Ed. Ceará sala 809 – Brasília – DFCEP: 70303-900www.usinadeletras.com.br

Impresso no Brasil / printed in Brazil

Souza, Carlos Henrique Medeiros de & Gomes, Maria Lucia MoreiraEducação e Ciberespaço / 1ª. ed. Brasilia: Editora Usina de Letras, 2008.158p

ISBN

1 – Tecnologia na educação 2 – Educação e recursos de redes de computadores 3 – Internet na Educação 4 – Educação e Ciberespaço

CDD 371.334

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SUMÁRIO

Presentación 51 – O conhecimento humano 71.1 – Do saber espontâneo ao saber científico 71.2 – Caminhos reinventados na transmissão do conhecimento 102 – Um breve recorte de algumas abordagens teóricas2 – da aprendizagem 12

2.1 – O método por descoberta de Dewey 122.2 – A educação progressista e emancipadora de Paulo Freire 152.3 – A epistemologia genética de Jean Piaget 202.4 – Principais contribuições de Piaget às idéias de Papert 232.5 – A zona proximal de desenvolvimento de Vigotsky 262.6 – Uma rede de abordagens das teorias 323 – Comunidades e ambiência virtual de aprendizagem 364 – Ciberespaço: o mundo reinventado 414.1 – Cibernética e comunicação 434.2 – A formação de uma nova sociedade: sociedade em rede 474.3 – Um não-lugar 534.4 – Virtual, real, atual: novos conceitos para velhos pré-conceitos 564.5 – A interatividade no ciberespaço: o conhecimento compartilhado 604.6 – Os modos de produção e recepção do texto escrito no ciberespaço:4.6 – a hipertextualidade 61

4.7 – A linguagem dos chats: metáfora da liberdade 674.8 – Entre o verso e o reverso – a verdade de cada um 744.9 – Por uma inteligência coletiva 805 – A construção do conhecimento à luz das teorias cognitivas 825.1 – A relação sujeito/objeto 825.2 – O conhecimento sob a perspectiva do desenvolvimento cognitivo 845.3 – Os conceitos cognitivos na teoria desenvolvimentista de Piaget 855.4 – O desenvolvimento contínuo e os fatores que interferem neste5.4 – processo 87

5.5 – O espaço da interação social 895.6 – A exploração, a motivação e o interesse como elementos5.6 – impulsionadores do conhecimento 92

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5.7 – Vygotsky e a dimensão da interação social para o desenvolvimento5.7 – cognitivo 93

5.8 – A cultura e o significado na teoria de Vygotsky 955.9 – Reunindo teorias e fazendo conexões 965.10 – O conhecimento numa visão planetária: a inserção do sujeito na5.10 – cultura globalizante 97

5.11 – Derrubando muros, (re)construindo redes 996 – Condutas autônomas de aprendizado: a reconstrução de paradigmas 1036.1 – Protagonizando a própria ação 1056.2 – Organizando um currículo em redes 1076.3 – A WEB a serviço do aprendizado 1106.4 – Interação via e-mail 1136.5 – Listas de discussão, Fóruns e Newsgroups 1136.6 – Ambientes de conversação on-line ou chats 1146.7 – Ambientes de aprendizado baseados na Web 1156.8 – Portais da Web 1166.9 – Web Rings 1176.10 – Servidores de compartilhamento de arquivos 1176.11 – Construindo um conhecimento significativo 1187 – O ensino / aprendizagem a distância: um modelo de educação7 – redimensionado 120

7.1 – Um novo modelo de aprendizagem autônoma 1207.2 – O Brasil no contexto da educação independente 1237.3 – Experiências que dão certo 1287.4 – A Educação a Distância em discussão 1317.5 – O desafio de se criar material para um modelo de aprendizagem7.5 – autônoma 134

7.6 – A ação docente nos ambientes permeados pelas novas tecnologias7.6 – digitais 136

7.7 – Sob a leitura de experiências 1377.8 – Uma prática pela democratização do ensino ou um acentuado7.8 – processo de exclusão social? 140

7.9 – Refletindo sobre o possível 1438 – Do fim ao recomeço: um caminho que não se esgota 146Referências 151

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PRESENTACIÓN

El estudio y el conocimiento de la educación y el cibespa-cio es un tema central en la formación de los estudiantes de cual-quier nivel y modalidad educativa, ya que la manera en que se haenfrentado la construcción del conocimiento científico y el uso dela tecnología para tal fin, han dificultado a los alumnos la com-prensión y el manejo adecuado de la tecnología.

Lo anterior, tomando en consideración que los tiempos dela tecnología que nos tocan vivir han alterado las concepciones detiempo, espacio, causalidad, privacidad, etc., sin embargo es im-portante tener presente que éstas nos permiten mezclar, compri-mir y codificar informaciones muy diversas y las telecomunicacio-nes llevan a cabo su transmisión, tal es el caso del Internet queabre infinitas oportunidades y ambientes de aprendizaje y posibili-dades creativas en la elaboración de materiales y estrategias de co-municación, de tal manera que en la sociedad del conocimiento yde la información las llamadas nuevas tecnologías, penetran enforma práctica, en el conocimiento y en enormes volúmenes deinformación, posibilitando la investigación y el acceso rápido.

Además, tal como lo exponen los autores del presente li-bro, en la sociedad de la globalización y de las TIC con todas lascríticas que actualmente se le realizan, tales como desigualdad, de-sarraigo, normalización y uniformización cultural, alteración delespacio privado, aumento del desempleo, sin que todo ello au-mente el volumen de la producción y del mejoramiento de la cali-dad de vida, etc. nos han traído otras coordenadas de vida e inter-pretación; por ello es importante hacer hincapié en la educación yconsiderar que no se puede dejar de pensar que estos son los tiem-pos histórico-tecnológicos actuales y que debemos preparar a losestudiantes para ello del modo más crítico, porque es evidente, lafalta de una clara exposición del conocimiento y el uso de la tec-nología, tanto por parte de los profesores como los autores de tex-tos, han influido para que la preparación de los estudiantes sea de-ficiente e incompleta.

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La experiencia docente y de investigación de los Profeso-res Carlos Henrique Medeiros e Maria Lucia Gomes, han permi-tido la elaboración de este libro, con el objeto de introducir a losprofesores y profesionistas de diferentes disciplinas al estudio de laproblemática del conocimiento, el ciberespacio y el uso de las tec-nologías. Además brindan a grandes rasgos sugerencias desde elpunto de vista del aprendizaje y la enseñanza constructivista, cog-noscitiva e interactiva para facilitar el tránsito de paradigmas edu-cativos hacia una sociedad digital.

Como ello, no es simple, mencionan los escollos principa-les y algunas sugerencias que faciliten a los docentes, darse cuentade estos cambios culturales vertiginosos, para crear conciencia encómo se podría poner en practica el aprendizaje y la enseñanzapara el logro de un verdadero conocimiento.

En Educação e Ciberespaço, los autores exponen en formaclara y amena, una discusión del conocimiento humano, así comoun breve recorte de algunas de las teorías del aprendizaje queapoyan para el estudio de las comunidades y ambientes de apren-dizaje virtual. Se aborda el tema del ciberespacio de manera polé-mica. Empero, a diferencia de otros libros, el presente aborda laconstrucción del conocimiento a la luz de las teorías cognitivasdesde una perspectiva epistemológica crítica, con la cual buscanque las personas interesadas en la producción del conocimientoexperimenten otras formas de enseñar y aprender. Lo anteriorpermite, sin lugar a dudas, superar los planteamientos tradiciona-les e introducir una conducta autónoma del aprendizaje.

El presente libro es un importante esfuerzo de sistematizarla importancia de la educación en el ambiente cibernético, lo cualpermite efectuar una revisión innovadora de la enseñanza-apren-dizaje, por lo que será, sin duda, una obra de suma utilidad en elámbito educativo.

Dra. Martha Vergara FregosoProfesora-Investigadora de la

Universidad de Guadalajara, Jalisco-México

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1 – O CONHECIMENTO HUMANO

Gostaríamos de fazer um breve percurso através da histó-ria do conhecimento e, dessa forma, tornar evidentes os rumos to-mados pelo homem, através do tempo e do espaço, fazendo seusaber mais atualizado, abrindo ele próprio os caminhos para essaconstrução.

1.1 – Do saber espontâneo ao saber científico

Imaginemos, inicialmente, o homem pré-histórico, lu-tando com os elementos da natureza que se apresentava hostil esobre a qual deveria ter o domínio para viver e sobreviver. Um dia,após uma tempestade, o homem descobre que um raio queimou omato e que um animal preso nele cozinhou e ficou delicioso e queesse mesmo fogo dá o calor. Mas como produzi-lo, conservá-lo,transportá-lo?

Assim, para sobreviver e facilitar sua existência, o homemdeveria permanentemente dispor do saber e, mais do que isso,construí-lo por si só, e isso ele o fez de diversas maneiras até che-gar à pesquisa científica.

O homem pré-histórico elaborava seu saber a partir de suaexperiência e de suas observações pessoais. Ao descobrir as folhassecas queimadas por uma faísca, havia descoberto o fogo e cons-truído um novo saber, que poderia ser reutilizado para facilitarsua vida. Através dessa pesquisa espontânea, o homem conhecia ofuncionamento das coisas e poderia fazer previsões a partir daí.Essa experiência pessoal tem dado ao homem, através da história,inúmeros conhecimentos.

Um saber construído através da intuição é chamado, nalinguagem de hoje, de senso-comum e este é muitas vezes engana-dor, visto que não é provado cientificamente. Acreditar que o Solgirava em torno da Terra foi um exemplo deste saber movido pelo

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senso-comum, desmistificado posteriormente através da pesquisacientífica.

Durante muitos séculos as religiões e mitologias eram res-ponsáveis pelas explicações sobre os fenômenos que envolviam ohomem, suas inquietudes quanto ao mundo e seu funcionamento,a sua própria existência e principalmente seu futuro. O que não sepodia explicar pela razão era compensado por mitos e explicaçõessobrenaturais.

A necessidade de transmitir essa construção do saber le-vou o homem a querer compartilhá-lo e divulgá-lo, dando origemà tradição, princípio de tal saber. A tradição é responsável pormuitas ações que ainda hoje permanecem sendo seguidas e passa-das de geração em geração. Ela dita o que se deve conhecer, com-preender, e indica, conseqüentemente, como se comportar. Estessaberes que se perpetuam pela tradição parece não se basearemem qualquer dado da experiência racionalizada, e acreditar que onúmero 13 ou passar debaixo de uma escada trazem azar vêm pro-vavelmente de infelizes experiências reais.

Chamaremos atenção aqui para a questão da autoridadedos que se encarregam da transmissão da tradição, como a escolae a igreja, que se portam como autoridades na transmissão de umconhecimento que, na verdade, deveria ser experienciado para serentendido e aceito. Sua força deve-se ao fato de que nem todos po-dem construir um saber espontâneo e é muito mais cômodo con-duzir sua vida através de um repertório já pronto.

A questão da autoridade ainda é presente em nossos diasmesmo que dela não nos apercebamos. O saber transmitido nasescolas, por exemplo, é aquele que parece útil e necessário a sertransmitido aos membros da sociedade, desse modo, ensina-sehabitualmente uma única interpretação de um fato histórico,mesmo que este possa dar margem a várias interpretações. No en-tanto, a escola tem por missão ensinar o modo de construção dosaber, de maneira que o estudante possa aprender os princípios desua validade e possa julgar o saber oferecido, de, em alguns casos,

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optar entre duas ou mais alternativas possíveis ou mesmo de cons-truir um saber diferente.

Desde cedo o ser humano sentiu a fragilidade desse saberque tinha por fundamento a intuição, o senso-comum ou a tradi-ção; desenvolveu a necessidade de saber mais e de ter conheci-mentos mais elaborados e, portanto, mais confiáveis. Porém, essatrajetória foi longa e das especulações dos filósofos da Antiga Gré-cia ao predomínio da ciência no que foi denominado Século dasLuzes (séc. XVIII), o homem presenciou um saber ora fundamen-tado nas explicações religiosas, ora na observação empírica doreal, até que no lugar das leis divinas surgissem a noção de leis danatureza e a idéia de que a ciência tem por objetivo definir suasleis. Para isso inúmeros projetos de publicação de obras surgiram,reunindo conhecimentos, como a célebre Enciclopédia ou Dicio-nário Racional das Ciências, das Arte e dos Ofícios.1

É no século XIX que a ciência triunfa e o número de des-cobertas avança consideravelmente: ciência e tecnologia se encon-tram. A pesquisa fundamental, que se baseia no conhecimentoatravés do próprio conhecimento, é seguida da pesquisa aplicada evisa a resolver problemas concretos. As descobertas e suas explica-ções modificam sobremaneira o perfil do século e diversos domí-nios da atividade humana são atingidos. Os setores produtivos al-cançam índices nunca antes conseguidos, graças ao uso dasmáquinas e às novas fontes de energia; os bens produzidos sãomais amplamente distribuídos com o auxílio das ferrovias e nave-gação a vapor; o telégrafo e o telefone aproximam mais os lugarese os homens; os micróbios e bacilos são descobertos, bem como omodo de preveni-los e de como combatê-los; a população urba-niza-se e as cidades, iluminadas pela eletricidade e dotadas de mo-dernos sistemas de transporte, abastecem-se de produtos de todosos tipos e tornam-se mais prazerosas para se viver.

1. Vasta publicação francesa dirigida por D’Lambert e Diderot (1751-1772) e quetinha por objetivo tornar conhecido o progresso da ciência e do pensamento emtodos os domínios.

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Em meio a esse devir de progresso, o homem do séculoXIX percebe o quanto essas mudanças e esses melhoramentostransformam sua vida, tornando-a mais facilitada e mais agradá-vel. A época lhe parece repleta de maravilhas, graças à ciência,fonte inesgotável de progresso, mesmo que, em contrapartida, ve-nha acompanhada de problemas no plano social, ônus indiscutívelpara um mundo que avança na descoberta de novas tecnologias.

1.2 – Caminhos reinventados na transmissão do conhecimento

Na Era da Fala e da Linguagem, a ciência era encarnadapor uma comunidade viva, via de regra uma pessoa mais velhaque armazenava informações durante toda sua vida e as repassavaaos mais novos. Conversa puxava conversa e a importância daoralidade para o conhecimento era muito grande, mas o mundoficou amplo e a informação foi ganhando uma importância e umprestígio do qual ninguém queria abrir mão.

Com a Era da Escrita surge o segundo tipo de transmissãodo saber e o aparecimento da “mídia portátil”, o livro, e já não sedependia exclusivamente da memória de uma pessoa para o acú-mulo de ciência, embora poucas eram as obras escritas, geral-mente a mão, manu script; o responsável pelo acolhimento do co-nhecimento parece não ser mais os idosos , mas s im ocomentarista, o intérprete, o copista ou escriba. Com o advento daImprensa, sem dúvida a invenção mais poderosa e influente de to-das, em 1462, pelo alemão Johanes Gutenberg, e o barateamentoda reprodução de textos, surge o instrumento ideal de relação como saber: a biblioteca, onde cada volume ou cada tema remete a ou-tro em um passeio restrito às paredes do lugar. Passa-se do copistaou escriba ao sábio ou erudito.

A imprensa, mesmo que indiretamente, também tornoupossível o ensino básico e foi auxiliar importante nas revoluçõesda ciência, através das revistas; a comunicação de massa, através

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dos jornais e folhetos, e até a religião, através da Bíblia, o primeirolivro impresso.

Podemos considerar a imprensa como a matriz de muitasoutras invenções importantes do milênio passado, pois influen-ciou indiretamente as que se seguiram, possibilitando o enormecrescimento da ciência e das tecnologias.

Um dos importantes modelos de comunicação que pro-porciona uma interação perfeita entre as partes é o tipo um e um,como o caso do telefone; segue-se a ele o centro emissor ligado avários receptores, os modernos meios de comunicação de massacomo rádio, televisão, cinema. Não há interatividade entre aspartes e a mensagem é difundida em um único sentido; é o tipoum e todos.

É interessante observar que a maioria dos avanços tecno-lógicos que fazem parte do processo da evolução da comunicaçãoconduz, em grande parte dos casos, à maior democratização dosaber e da informação. O espaço cibernético, que tanta polêmicacausou nos fins do século passado e ainda continua causando, abrepossibilidades de comunicação inteiramente diferentes da mídiaclássica. A capacidade de transmitir palavras, imagens e sons nãose limita aos donos de jornais, editoras, redes de rádio ou televisãocomo ocorre na comunicação de massa.

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2 – UM BREVE RECORTE DE ALGUMASABORDAGENS TEÓRICAS

DA APRENDIZAGEM

2.1 – O método por descoberta de Dewey

Dewey2 formulou uma filosofia educacional empírica, quepropôs a aplicação do método científico em situações de aprendi-zagem que se caracterizam por “continuum” experiencial. Consi-derou a aquisição do saber como fruto da reconstrução da ativi-dade humana a partir de um processo de reflexão sobre aexperiência, continuamente passada ou reconstruída. Toda expe-riência em desenvolvimento faz uso de experiências passadas e in-flui nas experiências futuras. O uso do método empírico foi pro-posto como uma dinâmica que envolve as seguintes etapas:

• Ação: a experiência sobre um objeto físico.• Testagem: a reflexão que permite encontrar outros ele-

mentos ou objetos, fornecendo um meio para testar ashipóteses inicialmente levantadas.

• Depuração: a comparação dos resultados com os re-sultados esperados, retornando à experiência de modoa depurar as idéias, corrigindo os possíveis erros ouconfirmando as observações iniciais.

• Generalização à observação de novas experiênciascom objetivo de transferir os resultados a outras si-tuações.

O principio da continuidade foi colocado por Dewey nosentido de que toda nova experiência é construída a partir das ex-periências anteriores do indivíduo, que, por sua vez, constrói onovo conhecimento, estabelecendo conexões com conhecimentosadquiridos no passado. Não há crescimento sem construção. Mas,

2. (DEWEY, 1979: 17, 26)

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para que a educação conduza ao crescimento, é necessário que asexperiências tenham significado educativo e motivem os alunospara o prazer de aprender. Nesse sentido, cabe ao professor com-preender o processo de aprendizagem dos alunos e respeitar a di-reção das suas experiências. A educação deve se desenvolver, se-gundo os princípios da comunidade e da interação, que estão emcontínua conexão entre si.

Para este autor, toda experiência humana é social e de-corre de interações, em que estão envolvidas condições externas,ou objetivas, e condições internas. A interação é decorrente doequilíbrio entre esses dois fatores. O professor precisa identificarsituações que conduzam ao desenvolvimento, ou seja, reconheceras situações em que interações ocorrem. Isso significa que “(...) omeio ou o ambiente é formado pelas condições, quaisquer que se-jam, em interação com as necessidades, desejos, propósitos e apti-dões pessoais de criar a experiência em curso”3.

Dewey considerou o meio social e a educação como fato-res de progresso, embora não tenha enfatizado a perspectiva histó-rica de desenvolvimento do indivíduo. Contudo, acentuou que asações dos indivíduos são controladas pela situação global em queeles se encontram envolvidos e na qual participam e atuam coope-rativamente dentro de sua comunidade. A escola constitui umacomunidade, quando os indivíduos que dela participam têm aoportunidade de contribuir com o trabalho, sentindo-se responsá-veis pela execução das atividades compartilhadas.

A máquina é vista como um instrumento produzido pelohomem para regular interações e garantir eficientemente determi-nadas conseqüências; e é aperfeiçoada à medida que é utilizada.Nessa definição é feita referência às modificações que o homemproduz nas máquinas por ele projetadas, mas não se faz alusão àsrelações dialéticas estabelecidas entre o homem e os instrumentos,mas apenas em si mesmo.

O fim último da educação é o “autodomínio”, ou seja, a“formação da capacidade de domínio de si mesmo”, o que não sig-

3. IBDEM, 1979: 37)

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nifica desgoverno. Dewey propõe substituir o controle ou domí-nio externo pela liberdade de movimento, de ação e de jul-gamento, como um meio de reflexão sobre a realização dos pró-prios impulsos e atos à luz de suas conseqüências. “Liberdade éautodomínio”4

Neste contexto,é dada importância à experiência significa-tiva para a criação de um ambiente de aprendizagem e descoberta,no qual alunos e professores se engajem num trabalho de investi-gação científica, ocasionando, assim, o processo cíclico ação-testa-gem-depuração-generalização, ou seja, o autodomínio na repre-sentação entre os conhecimentos que o aluno possui – o velho –para a construção de um novo conhecimento.

A etapa de aplicação do método empírico, denomi-nado por Dewey de testagem, evolui e assume a função de Feed-back, que permite ao aluno, em qualquer etapa de uma atividade,obter uma noção de seu processo de desenvolvimento e não umasentença definitiva e final de avaliação para uma resposta certa ouerrada.

Ao considerar como critério fundamental que os conhe-cimentos trabalhados no computador sejam “apropriáveis”, se-gundo os princípios da continuidade, do poder e da ressonânciacultural, assume-se o pensamento desta teoria. O conhecimentoem elaboração deve ter uma relação de continuidade com os co-nhecimentos que o aluno detém, que são acionados na construçãode projetos de interesse do aluno – projetos significativos em seucontexto social.

Assim, o professor precisa conhecer os interesses, as ne-cessidades, as capacidades e as experiências anteriores dos alunospara propor planos, cuja concepção resulte de um trabalho coope-rativo realizado por todos os envolvidos no processo de aprendi-zagem. O desenvolvimento resulta de uma ação em parceria, emque alunos e professores aprendem juntos.

4. PAPERT, 1979: 64

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A melhor aprendizagem ocorre quando o aprendiz assumeo comando de seu próprio desenvolvimento em atividadesque sejam significativas e lhe despertem o prazer.5

(...) o que torna o ato de aprender um ato de alegria e con-tentamento, no qual o cognitivo e o afetivo estão unidos di-aleticamente.6 (Freire, 1995)

A participação da comunidade na escola deve dar-se nosentido da colaboração e da cooperação para executar ações e nãopressupõe a co-responsabilidade e a co-gestão, defendidas porFreire.

2.2 – A educação progressista e emancipadora de Paulo Freire

Na filosofia da educação de Freire, a pedagogia progres-siva e emancipadora deve deixar espaço para o aluno construir seupróprio conhecimento, sem se preocupar em repassar conceitosprontos, o que freqüentemente ocorre na prática tradicional, quefaz do aluno um ser passivo, em quem se “depositam” os conheci-mentos para criar um banco de respostas em sua mente.

O homem desenvolve relações entre ação e reflexão pormeio de experiência concreta. “Não pode haver reflexão e açãofora da relação homem-realidade” – relação que se cria, quando ohomem compreende sua realidade e a transforma. Por sua vez, aotransformar sua realidade, o homem se modifica, modificandosua ação e sua reflexão em um processo dialético. Portanto, educa-ção é uma busca constante do homem, que deve ser o sujeito desua própria educação. O homem “não pode ser o objeto dela. Porisso, ninguém educa ninguém”.7

Defende a educação progressista e emancipadora no sen-tido histórico e libertário, em que a prática educativa é o “ele-

5. IBDEM,19946. FREIRE, 19957. IBDEM, 1995: 17.28

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mento fundamental no processo do resgate da liberdade”. A edu-cação deve priorizar o diálogo entre o conhecimento que oeducando, sujeito histórico de seu próprio processo de aprendiza-gem, traz e a construção de um saber científico. A visão de mundodo aluno é incorporada ao processo, que está sempre associado auma leitura crítica da realidade e ao estabelecimento da relação deunidade entre teoria e prática.

A partir da dimensão do senso comum é que se alcançaum novo patamar de conhecimento de natureza científica quecontinue a ser significativo para o aluno. Nessa relação dinâmica:

Não é possível negar a prática em nome de uma teoria que,assim, deixa de ser teoria para ser verbalismo ou intelectua-lismo; ou negar a teoria em nome de uma prática que, as-sim, se arrisca perder-se em torno de si mesma. Nem eli-tismo teoricista nem basismo praticista, mas a unidade ou arelação teoria e prática.8

A educação não se reduz à técnica, “(...) mas não se fazeducação sem ela”. Utilizar computadores na educação, “em lugarde reduzir, pode expandir a capacidade crítica e criativa de nossosmeninos e meninas. Depende de quem o usa, a favor de que e dequem e para quê”. O homem concreto deve se instrumentalizarcom os recursos da ciência e da tecnologia para melhor lutar “pelacausa de sua humanização e de sua libertação”.9

Retomando de Freire a crítica à “educação bancária” e as-sumindo para a alfabetização a dimensão de “ler a palavra” e “ler omundo”, no sentido de permitir ao aluno tornar-se sujeito de seupróprio processo de aprendizagem, por meio da experiência di-reta, o aluno deixa de ser o consumidor de informações, quandoatua como criador de conhecimento e desenvolve criticamente suaalfabetização com o uso de ferramentas informáticas, segundo seupróprio estilo de aprendizagem. “A verdadeira alfabetização com-

8. IBDEM, 1995:299. FREIRE, 1995

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putacional não é apenas saber como usar o computador e as idéiascomputacionais. É saber quando é apropriado fazê-lo” PAPERT.10

Contudo, Papert acentua que “quase todas as experiênciasque pretendiam implementar uma educação progressista foramdecepcionantes apenas porque não foi suficientemente longe, emtornar o estudante o sujeito do processo, ao invés de o objeto”, de-vido à inexistência de uma ferramenta apropriada para a criação eimplementação de novos métodos. Assim, mesmo quando se obti-nha algum sucesso, este não podia ser generalizado. A ferramentacomputacional pode ser o instrumento que permita romper com aabordagem instrucionista, que caracteriza a educação tradicionalem prol da educação progressista Papert.

Papert se distancia de Freire no grau de relevância quecada um atribui à escola tal como ela está hoje. Para Papert, asmudanças educacionais estão ocorrendo, embora a escola comoInstituição não as tenha assumido. Os professores progressis-tas procuram empregar o computador como um instrumentode transformação, mas a escola criou um currículo para o com-putador e, assim, acrescentou mais uma disciplina para reforçara prática tradicional. Contudo, ele admite que essa crítica nãocoopera nem orienta as possíveis mudanças educacionais que po-deriam ocorrer. A transformação da escola torna-se possível,quando se procura entender o movimento que ocorre em seu in-terior, quando se busca compreendê-la como um organismo emdesenvolvimento.

Entre as idéias de Papert e de Freire, existem alguns pon-tos de discordância em aspectos referentes à função do ensino e àsreais possibilidades de mudarmos a escola. Em um encontro ocor-rido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC–SP),em novembro de 1995, ambos analisaram tais pontos e deixaramimportantes contribuições, que constam no vídeo O futuro da es-cola, TV PUC, São Paulo, em 1995. Na ocasião, Freire defendeu apedagogia da curiosidade e da pergunta; Papert concordou, masacentuou que a escola e os recursos tecnológicos estão sendo utili-

10. PAPERT, 1985:187

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zados pelas estruturas sociais para o conservadorismo e as políti-cas opressoras. E é, segundo ele, ridícula a idéia de que “a tecnolo-gia pode ser usada para melhorar a escola. Isso (a tecnologia) irásubstituir a escola que conhecemos”, havendo um desequilíbrioentre o aprendizado e o ensino, este último muito mais valorizadoque o aprendizado.

Freire concorda com a evidência da denúncia de Papert,mas enfatiza a dimensão histórica do homem nas mudanças domundo. Embora constate que “a escola está péssima”, não con-corda com a idéia de que a escola “esteja desaparecendo ou vá de-saparecer”. E apela para que “modifiquemos a escola”, isto é, não setrata de acabar com a escola, mas de mudá-la completamente. “Eucontinuo lutando no sentido de pôr a escola à altura de seu tempoe isto não é soterrá-la nem sepultá-la, mas é refazê-la (...). A escolanão é em si mesma errada, ela está errada.”

Papert, com o pragmatismo característico das pessoas queconvivem no contexto norte-americano, não acha que tenhamosforça para mudar a escola, a cujos erros se referem os seus funda-mentos. E se isso for mudado, estaremos muito próximos de nãoter mais escola. Mas considera inconcebível que a escola, da ma-neira como foi idealizada, continue a existir. As pessoas estãoaprendendo a procurar o saber ao usar o computador e as redes enão ficarão passivamente ouvindo “o professor oferecer-lhes o sa-ber já adquirido por elas”. Contudo, Papert cita modelos singula-res de distritos escolares que “aceitaram a semente de mudança” eestão obtendo bons resultados, o que mostra ser possível mudar aescola, embora o sistema educacional tenha seus próprios interes-ses e não esteja aberto ao diálogo. Logo, é preciso desenvolver umaação política para a transformação da escola.

Para Freire, não importa preservar ou não a denominaçãoescola; o importante é ter “(...) um determinado espaço e tempo,onde determinadas tarefas se cumprem, tarefas históricas, políti-cas”, etc. As duas tarefas principais da escola são “proporcionar oconhecimento do conhecimento já existente e produzir o conheci-mento ainda não existente”.

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De tudo o que foi discutido no vídeo, fica muito claro queas idéias e os objetivos de ambos são, em grande parte similares,embora Freire tenha uma perspectiva voltada para a linha histó-rico-política e considere Papert mais metafísico. Almeida11 de-clara que Papert “(...) aponta na direção da desescolarização ou doenfraquecimento da proposta organizacional escolar” e que seuprojeto pouco acrescenta às políticas de transformações sociais.

A principal discordância entre Freire e Papert, embora nãoexplicitamente assumida, é a ênfase que Freire continua a dar àsdimensões espacial e temporal da escola. Quando se tem acesso aredes de computadores interconectados à distância, a aprendiza-gem ocorre freqüentemente em espaço virtual, que precisa ser in-serido nas práticas pedagógicas.

Obviamente não se trata de propor o fim do espaço esco-lar, uma vez que o contato entre as pessoas continua sendo pri-mordial, e a escola é um espaço privilegiado de interação social,mas devem interligar-se e, integrarem-se aos demais espaços deconhecimento hoje existentes e inserir em seu bojo os recursoscomputacionais e a comunicação através de redes. Dessa forma,interligam-se alunos, professores e pesquisadores, e todos ajudama criar pontes entre conhecimentos, valores, crenças, etc. – o quepoderá constituir um novo elemento de cooperação e transforma-ção social.

É necessário construir outra configuração educacional,que integre os novos espaços de conhecimento em uma propostade renovação da escola. Nessa nova configuração, o conhecimentonão pode estar centralizado no professor, nem no espaço físico enem no tempo escolar, mas deve ser visto como um processo empermanente transição, progressivamente construído, conforme oenfoque da teoria piagetiana.

11. ALMEIDA,1988:88

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2.3 – A epistemologia genética de Jean Piaget

Para a filosofia piagetiana, o conhecimento não é transmi-tido. Ele é construído progressivamente por meio de ações e coor-denações de ações, que são interiorizadas e se transformam. “A in-teligência surge de um processo evolutivo no qual muitos fatoresdevem ter tempo para encontrar seu equilíbrio”.12

A partir de suas próprias ações, o sujeito, como ser ativo,constrói suas estruturas em interação com o seu meio, pois na vi-são de Piaget:

O conhecimento não procede, em suas origens, nem de umsujeito consciente nem de objetos já constituídos (do pontode vista do sujeito) que a ele se imporiam. O conhecimentoresultaria de interações que se produzem a meio caminhoentre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmotempo, mas em decorrência de uma indiferenciação com-pleta e não de intercâmbio entre formas distintas. 13

Segundo Piaget, a inteligência é um instrumento de adap-tação do sujeito ao meio. As relações epistemológicas que se esta-belecem entre o sujeito e o meio implicam um processo de cons-trução e reconstrução permanente que resulta na formação deestruturas do pensamento. Tais estruturas se formam, se conser-vam ou se alteram através de transformações geradas a partir deações interiorizadas. Assim, as aquisições de estruturas são per-manentes e cada vez mais complexas.

A teoria piagetiana avança em relação ao conceito de ex-periência ao considerar fundamental que “(...) a experiência não érecepção, mas ação e construção progressivas. (...) a objetividadeda experiência é uma conquista da assimilação e da acomodaçãocombinadas, isto é, da atividade intelectual do sujeito”14

12. PIAGET, 1972:1413. IBDEM, 1972: 1414. BECKER, 1993:172

21

Assimilação e acomodação são os mecanismos básicos ne-cessários à construção do conhecimento resultante de um pro-cesso de adaptação que se constitui na interação entre sujeito e ob-jeto. Assimilação é a ação do sujeito sobre o objeto, isto é, o sujeitoatua sobre o objeto e o transforma pela incorporação de elementosdo objeto às suas estruturas, existentes ou em formação. Acomo-dação é a ação do sujeito sobre si próprio, ou seja, é a transforma-ção que os elementos assimilados podem provocar em um es-quema ou em uma estrutura do sujeito. A adaptação é umequilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Uma não podeocorrer sem a presença da outra.

A condição para o conhecimento é a generalização queocorre pela ação do sujeito em uma determinada situação histó-rica. Um conjunto de ações de mesmo tipo possibilita a aplicaçãode esquemas que levam à generalização. Portanto, o “(...) esquemaé aquilo que é generalizável numa determinada ação.”15

O sujeito, inserido em certo contexto histórico, político esocial, realiza reflexões sobre sua ação, ou seja, o sujeito apropria-se de sua ação, analisa-a, retira elementos de seu interesse e a re-constrói em outro patamar. A ação material do sujeito e suas pos-síveis evocações propiciam abstrações empíricas, enquanto as abs-trações reflexivas resultam das coordenações das ações do sujeito.

Na visão de Piaget “(...) a ação constitui um conhecimento(um savoir faire) autônomo”, cuja tomada de consciência parte deseu resultado exterior e atinge as coordenações internas das ações,que conduzem à conceituação.16. Assim, a experiência que propi-cia a construção de conhecimento não se caracteriza simples-mente por um fazer ou mesmo por um saber fazer, mas sim poruma reflexão sobre o saber fazer. A isso, Piaget chamou abstraçãoreflexionante Becker17.

O desenvolvimento das estruturas da inteligência é anali-sado por Piaget por períodos denominados estágios ou estádios:

15. BECKER,1993:1816. PIAGET,1978:17. BECKER, 1993:18

22

• Estágio sensório-motor – caracterizado pela centrali-zação no próprio corpo, objetivação e inteligência prá-tica; esse estágio tem duas tarefas essenciais: a aquisi-ção da capacidade simbólica, incluindo a linguagem, ea aquisição do objeto permanente;

• Estágio operacional – corresponde ao período da inte-ligência representativa e das operações concretas denúmeros, classes e relações;

• Estágio formal – ou das operações representativas,constituídas pela utilização da lógica formal e do ra-ciocínio hipotético-dedutivo.

Nessa visão, Piaget considerou que os estágios se desenvol-vem em ordem seqüencial, num processo contínuo de construçãoprogressiva do pensamento lógico. Entretanto, dependendo de si-tuações específicas, como influências culturais, sociais, educacio-nais, ou mesmo experimentações, pode ocorrer aceleração ouatraso no desenvolvimento dos estágios, mas nunca alterações emsua seqüência. As situações somente poderão influenciar no de-senvolvimento do indivíduo se ele já construiu estruturas que lhepermitam assimilar essas situações, apropria-se delas e empregá-las na construção de novos conhecimentos.

A aprendizagem do aluno só acontece na medida em queeste age sobre os conteúdos específicos e age na medidaem que possui estruturas próprias, previamente construí-das ou em construção. Portanto, (...) a construção do conhe-cimento envolve conteúdos específicos e conteúdos estru-turais.18

Se as estruturas lógicas do pensamento são adquiridas pelaprópria ação do sujeito sobre o meio, cabe à pedagogia propi-ciar condições para a construção progressiva dessas estruturas,por meio de métodos ativos que envolvam a experimentação, a re-flexão e a descoberta. Piaget é muito explícito nesse sentido, ao

18. IBDEM, 1993:122

23

enfatizar que “(...) compreender é inventar, ou reconstruir porreinvenção.” 19

Entretanto, é preciso considerar a distinção entre o fazer eo compreender para que a prática pedagógica tenha uma perspec-tiva reflexiva, não se restringindo ao fazer que segundo Piaget:

Fazer é compreender em ação uma dada situação emgrau suficiente para atingir os fins propostos, e com-preender é conseguir dominar, em pensamento, asmesmas situações até poder resolver os problemas porelas levantados, em relação ao porquê e ao como dasligações constatadas (...)20

Portanto, fazer é uma condição necessária, mas não sufi-ciente para a compreensão. Esta consiste em atingir um saber queantecede à ação e que pode ocorrer mesmo na sua ausência – oque não significa apenas acrescentar novos dados ou informações,mas sim reelaborá-los, reconstruí-los a partir da ação do sujeito. Ateoria piagetiana estabelece uma continuidade entre o desenvolvi-mento e a aprendizagem sob a ótica do sujeito, que, em interaçãocom um objeto de conhecimento, desenvolve “(...) um processo dereinvenção ou redescoberta devido à sua atividade estrutura-dora”21 Castorina.

2.4 – Principais contribuições de Piaget às idéias de Papert

Durante meio século, Piaget e seus colaboradores elabora-ram uma epistemologia de incontestável valor para a compreensãodo desenvolvimento humano, para a compreensão das práticas pe-dagógicas e de sua evolução. Papert, após trabalhar durante cincoanos no Centro de Epistemologia Genética de Piaget, transfere-separa o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e inicia um

19. DOLLE, 1987: 19720. PIAGET, 197821. CASTORINA,1996:22

24

trabalho junto a pesquisadores de computação e inteligência arti-ficial. Ali, desenvolve a proposta construcionista e a linguagem deprogramação logo, voltada para uso em educação.

A proposta de Papert atribui ao computador um papel quese contrapõe à abordagem instrucionista do CAI. Para Papert, aatividade de programação permite observar e descrever as açõesdo aluno, enquanto ele resolve problemas que envolvem abstra-ções, aplicação de estratégias, estruturas e conceitos já construí-dos, ou a criação de novas estratégias, estruturas e conceitos. As-sim possibilita “(...) transformar ações em conhecimentos (...)desvelando os caminhos possíveis que ele (aluno) pode adotarpara resolver problema, ao mesmo tempo em que proporciona aosque o observam elementos para melhor compreender o processocognitivo e/ou incitá-lo.”22

Papert aponta a ênfase dada ao aspecto cognitivo pela teo-ria piagetiana e vai além dela, ao afirmar que “(...) a compreensãoda aprendizagem deve referir-se à gênese do conhecimento” econstituir “um ensaio numa epistemologia genética aplicada, quese amplia para além da ênfase cognitiva de Piaget, com o intuitode incluir a preocupação com o afetivo”23, a partir dos mecanis-mos de apropriação dos objetos de conhecimento, no contexto daspráticas pedagógicas em ambiente computacional.

Outros autores visualizam a afetividade como um fortecomponente dos estudos piagetianos. Mas, seja qual for o grauatribuído por Piaget ao aspecto afetivo, este não pode ser ignoradono processo de aprendizagem e torna-se fortemente explícito narelação com o computador.

No prefácio da edição brasileira do livro de Papert, intitu-lado “Logo: computadores e educação”, Valente afirma que, paraPapert, o computador é a ferramenta que propicia ao usuário “for-malizar seus conhecimentos intuitivos”, identificar seu estilo depensamento, conhecer o próprio potencial intelectual e empregá-

22. MANTOAN, 199523. PAPERT, 1985:13

25

lo no “desenvolvimento de habilidades e aquisição de novos co-nhecimentos”.

Baseado em Piaget, Papert considera as crianças como“construtores ativos de suas próprias estruturas intelectuais”24. Noentanto, “ao levar em conta os instrumentos que os indivíduosempregam em suas construções – que são fornecidos pela culturada qual o sujeito faz parte – ele discorda de Piaget ao atribuirmaior importância ao meio cultural como fonte desses instrumen-tos”25. A ênfase de Papert não se encontra na hierarquia de desen-volvimento dos estágios, mas sim nos materiais disponíveis para aconstrução de suas estruturas, pois o computador – instrumentocultural produzido pelo homem – permite “mudar os limites entreo concreto e o formal”. Papert26. O computador possibilita mani-pular concretamente conhecimentos que só eram acessíveis pormeio de formalizações, ou seja, quando o sujeito já havia atingidoo estágio formal de desenvolvimento.

Papert considera que o segundo estágio piagetiano estádeixando de ser obrigatório e essa é a grande ruptura proporcio-nada pelo uso dos recursos computacionais. No período da inteli-gência representativa e das construções concretas, o conheci-mento ainda não trabalha com operações formais e estárelacionado às situações específicas, que são necessariamente situ-ações imediatas. A diferença significativa entre o segundo e o ter-ceiro estágio é que as formalizações separadas de seu conteúdo sãomuito abstratas, mas o computador permite aproximá-las e mani-pulá-las, facilitando sua compreensão.

Muitos professores se esforçam para priorizar o conheci-mento formal e tentam impor aos alunos estilos abstratos de pen-samento, por acreditar que o terceiro estágio constitui o “verda-deiro estofo” do pensamento. Contudo, o pensamento concretonos acompanha continuamente e os computadores podem provo-car uma “inversão epistemológica para formas mais concretas de

24. IBDEM, 1985:3325. IBDEM, 1985:2026. IBDEM, 1985:37

26

conhecer – uma inversão da idéia tradicional de que o progressointelectual consiste em passar do concreto para o abstrato”27. Comtudo isso, ele quer dizer que “precisamos de uma metodologia quenos permitirá permanecer perto de situações concretas”., uma vezque o pensamento abstrato não deve ser usado indiscriminada-mente, nem o pensamento concreto é um indício de pensamentoelementar. Deve haver um equilíbrio entre concreto e abstrato, eambos são ferramentas para intensificar o pensamento.

A contribuição fundamental de Piaget às idéias de Papertrelaciona-se à teoria do conhecimento da aprendizagem e à sua in-serção no ambiente informatizado, que favorece a integração entreo conteúdo que está sendo aprendido e à estrutura desse conteúdo.Papert procura entender como a criança aprende ao enfatizar a es-trutura do que está sendo aprendido. Ele busca encontrar meiospara promover a aprendizagem, segundo um enfoque mais inter-vencionista, a ser empregado em ambientes computacionais ade-quados às estruturas dos alunos, e que propicie a eles estabelecerconexões entre as estruturas existentes, com o objetivo de cons-truir estruturas novas e mais complexas.

No ambiente de aprendizagem informatizado, é essencialincentivar a compreensão através da reflexão e da depuração. Nasatividades de programação, a reflexão propicia a assimilação deconceitos ou de estruturas através da resolução de problemas ouda implementação de projetos. A depuração implica a aplicação deconceitos ou de estruturas que podem ser revistos, explicitados oumesmo reelaborados para outro nível de compreensão; ou seja, adepuração promove a acomodação.

O fazer e o compreender estão vinculados aos problemascom que o sujeito se depara em sua realidade (física ou social),mas a teoria piagetiana, embora considere as condições sociais,não as enfatiza. Porém, a internalização cultural estudada por Vy-gotsky, bem como seu constructo da “zona proximal de desen-volvimento (ZPD)” podem ser articulados com estudos piaget-ianos, integrando aspectos cognitivos e sócio-históricos. Essa

27. PAPERT, 1994: 123

27

articulação é possibilitada pela “relação de compatibilidade entreas teorias”, que “abre um espaço de intercâmbio” entre elas, noqual se percebe uma relação dialética que aproxima as indagaçõesmetodológicas de Piaget e de Vygotsky28.

2.5 – A zona proximal de desenvolvimento de Vigotsky

A teoria de Vygotsky tem como perspectiva o homemcomo sujeito total enquanto mente e corpo, organismo biológico esocial, integrado em um processo histórico. A partir de pressupos-tos da epistemologia genética, sua concepção de desenvolvimentoé concebida em função das interações sociais e respectivas rela-ções com os processos mentais superiores, que envolvem meca-nismos de mediação. As relações homem-mundo não ocorrem di-retamente; são medidas por instrumentos ou signos fornecidospela cultura.

O conceito de mediação decorre da idéia de que o homemtem a capacidade de operar mentalmente sobre o mundo, isto é,de representar os objetos e fatos reais através de seu sistema de re-presentação simbólica, o que lhe dá a possibilidade de operarmentalmente tanto com objetos ausentes como com processos depensamento imaginários.

Vygotsky afirma que “(...) a linguagem e o desenvolvi-mento sócio-cultural determinam o desenvolvimento do pensa-mento. Assim, o sistema simbólico fundamental na mediação su-jeito-objeto é a linguagem humana, instrumento de mediaçãoverbal do qual a palavra é a unidade básica”.29

A fala humana, além de ser um instrumento de comunica-ção verbal e de contato social, ainda funciona de forma completa-mente integrada ao pensamento: organiza os elementos domundo, nomeia-os e classifica-os em categorias conceituais, deacordo com os símbolos de determinada linguagem. Portanto, a

28. CASTORINA et all. 1996:4329. VYGOTSKY, 1989:44

28

palavra, como categoria cultural, é parte integrante do desenvolvi-mento, funciona como intercâmbio social e como pensamento ge-neralizante, ao caracterizar uma classe de objetos do mundo.

Luria salienta a importância do desenvolvimento sócio-histórico, ao citar que a linguagem carrega consigo os conceitosgeneralizados, que são a fonte de conhecimento humano. Os ins-trumentos culturais – a fala, a escrita, os computadores, etc. – ex-pandem os poderes da mente, tornando a sabedoria do passadoanalisável no presente e passível de aperfeiçoamento no futuro30.

Fundamentado em Engels e Marx, Vigotsky analisa a ca-racterísticas do homem, ao longo do processo de evolução da es-pécie humana, através da formação da sociedade com base no tra-balho, na qual se desenvolvem as atividades coletivas, a invenção ea utilização de instrumentos. A transmissão racional e intencionalda experiência e do pensamento a outros requer um sistema medi-ador, cujo protótipo é a fala humana, oriunda da necessidade deintercâmbio durante o trabalho.

Para compreender o indivíduo, é necessário compreenderas relações sociais que se estabelecem no ambiente em que elevive. Isso significa compreender as relações entre atividade práticae trabalho, no sentido de que a atividade prática é transformadorae institucionalizada, envolve dialeticamente o trabalho manual eos processos comunicativos. Atividade prática não se restringe àação sobre os objetos, mas, sobretudo, ao posicionamento do ho-mem em relação ao mundo historicamente organizado.

Sujeito e objeto são criados em contínua interação, que serealiza na atividade prática. O sujeito que atua no mundo é um sersocial, histórico e cultural, que incorpora normas e sistemas sim-bólicos culturalmente construídos, transforma-os e transforma-seuma relação dialética, em que a atividade envolve, desde o que ini-cialmente ocorre como atividade externa, através dos instrumen-tos mediadores, até a “sua transformação por uma atividade men-tal”31. Assim, a análise do processo de desenvolvimento não deve

30. IBDEM, 1988: 2631. CASTORINA, 1996: 30

29

concentrar-se em seus resultados ou produtos, mas sim em todo oprocesso; deve acompanhar suas fases, buscar sua natureza, suaessência e suas causas dinâmicas.

Piaget e Vygotsky tratam a questão da internalização deforma diferente. Piaget considerou a interação com a realidade fí-sica como a internalização de esquemas que representam as regu-laridades das ações físicas individuais generalizadas, abstraídas einternalizadas. Essa visão de internalização relaciona-se direta-mente com a linha de desenvolvimento natural vygotskyana.

Vygotsky refere-se à internalização como transformaçãodo fenômeno social e cultural em processo intrapsicológico.Quaisquer avanços no plano interpsicológico provocam desen-volvimentos adicionais o plano intrapsicológico, o que não sig-nifica a “transmissão” de um plano para outro, mas sim uma“transformação”32.

Para este psicólogo, o indivíduo interioriza formas de fun-cionamentos psicológicas apreendidas, através da cultura, mas aoassumi-las, torna-as suas, reelabora-as ou as recria, e as incorporaàs suas estruturas. O indivíduo constrói seus próprios significadose emprega-os como instrumentos de seu pensamento individualpara atuar no mundo.

Vygotsky considerou que a criança só pode operar dentrode certos limites situados entre o seu desenvolvimento e suas pos-sibilidades intelectuais. E relacionou a aprendizagem com o de-senvolvimento em constructo denominado zona proximal dedesenvolvimento (ZPD),“a distancia entre o nível de desenvolvi-mento atual, como determinado pela independência na resoluçãode problemas” por crianças e o nível superior de “(...) desenvolvi-mento potencial, como determinado através da resolução de pro-blemas com ajuda de adultos ou em colaboração com outras cri-anças mais capazes.”

Através da identificação da ZPD do aluno, pode-se diag-nosticar o que ele já produziu, mas principalmente o que poderáproduzir em seu processo de desenvolvimento.

32. CASTORINA, 1996:30

30

O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, serácapaz de fazer sozinha amanha. Portanto, o único tipo posi-tivo de aprendizado é aquele que caminha à frente do de-senvolvimento, servindo-lhe de guia. (...) O aprendizadodeve ser orientado para o futuro, e não para o passado.33

A teoria de Vygotsky enfatiza que a aprendizagem se en-contra envolvida no desenvolvimento histórico-social do sujeito eque esse desenvolvimento não ocorre sem a presença da aprendi-zagem – que é a fonte do desenvolvimento. Assim, os processos dedesenvolvimento e de aprendizagem não são coincidentes; o de-senvolvimento segue a aprendizagem e esta origina o surgimentoda ZPD. A aprendizagem origina-se na ação do aluno, abre osconteúdos específicos e sobre as estruturas previamente construí-das que caracterizam seu nível real de desenvolvimento no mo-mento da ação. A intervenção é realizada no sentido de orientar odesenvolvimento do aluno para que ele possa apropriar-se dos ins-trumentos de mediação cultural.

Há divergências entre Piaget e Vygotsky, mas para melhorcompreender o processo pedagógico, precisa-se conhecer e articu-lar tanto o sujeito epistêmico piagetiano como o ser social estu-dado por Vygotsky, cujo desenvolvimento se produz pela interna-lização, que possibilita a apropriação dos instrumentos demediação fornecidos pela cultura.

A perspectiva de Vygotsky que Papert retoma refere-se aopapel da palavra na aprendizagem. A palavra é um elemento fun-damental nas inter-relações (aluno-aluno, aluno-professor, aluno-computador) que se estabelecem em um ambiente de aprendiza-gem informatizada. Esse ambiente favorece no desenvolvimentode processos mentais superiores, quando empregado, segundo ociclo descrição–execução-reflexão-depuração. Uma vez que asidéias representadas no computador expressam o mundo tal comoo sujeito percebe, ele propicia a comunicação desse mundo às ou-tras pessoas, que, por sua vez, se envolvem na construção compar-

33. VYGOTSKY, 1989

31

tilhada de conhecimentos sobre esse mundo percebido. Isso pro-voca o pensamento reflexivo e a depuração das idéias do sujeito.

Quando o professor trabalha com temas emergentes nocontexto dos alunos, as atividades se dão, inicialmente, no planointerpsicológico e formam um campo de percepção, que é explo-rado com o auxílio do computador. O objetivo é levar os alunos aoperar com aspectos da situação para melhor compreendê-la, parainterligar as informações com conhecimentos que já possui, paraapreender os conceitos e as representações envolvidas no pro-cesso. A internalização é um processo individual, que ocorrequando o aluno constrói seu próprio significado sobre o tema,transformando-se e transformando seu contexto numa relação di-alética entre o interpsicológico e o intrapsicológico.

O foco central dos estudos de Papert não é a máquina, esim a mente. O computador é um “portador de germes” ou “se-mentes culturais” que promove movimentos sociais, culturais e in-telectuais. Portanto, o aporte de recursos culturais, entre os quais ocomputador, não elimina nem substitui a atividade construtiva.

Para promover a aprendizagem em ambientes computaci-onais, segundo o enfoque construcionista de Papert, além de tra-balhar com conhecimentos significativos, o educador deve identi-ficar a ZPD de cada aluno. Assim, poderá atuar de formaadequada às estruturas que o aluno demonstra possuir e propiciaro estabelecimento de conexões entre essas estruturas, para a cons-trução de estruturas novas e mais complexas. Para tanto, é funda-mental que o professor se esforce por reconhecer os temas de inte-resse dos alunos, bem como por perceber, quando e como intervir,embora não exista nenhuma regra para isso. A adequada atuaçãodo professor é, sobretudo, uma ação pessoal, intuitiva e subjetiva.

32

2.6 – Uma rede de abordagens das teorias

Uma abordagem que emprega os instrumentos culturaiscomo elementos de transformações social provoca frontalmenteuma ruptura epistemológica com o ensino tradicional.

Ao incorporar as idéias aqui especificadas, Papert consi-dera as iniciativas, expectativas, necessidades, ritmos de aprendi-zagem e interesses individuais dos alunos; valorizam, ainda, a ini-ciativa do professor e suas intervenções em atividades que não sãomeras seqüências de conteúdos sistematizados nem tampoucosimples experimentações espontâneas. Dessa forma, cria-se umarede de inter-relações de conceitos, estratégias e pessoas, o que de-manda um trabalho cooperativo e uma mudança nas relações pro-fessor-aluno e aluno-aluno. Isso conduz a um pensar interdiscipli-nar, dialógico, que poderá provocar uma mudança de paradigmaeducacional.

Nessa abordagem o aluno é incitado a estabelecer conexõesentre o novo conhecimento em construção e outros concei-tos de seu domínio, empregando para tal a sua intuição. Issosignifica que não é o professo quem traz exemplos de seuuniverso de significações para que os alunos estabeleçamsuas conexões a partir deles. O aluno emprega seus própriosconhecimentos, sua forma de ver o mundo, e vai estabele-cendo conexões e construindo novos relacionamentos entreos conhecimentos anteriormente adquiridos, ou mesmoconstruindo novos conhecimentos de maneira intuitiva enatural, sem o formalismo tradicional adotado nos sistemasde ensino. 34

Contudo, existem educadores e pensadores sabem que re-conhecem a importância da apropriação de instrumentos cultu-rais para provocar transformações na escola e na sociedade, masnão concordam que o computador possa ser um instrumento pro-vocador de mudanças. Para eles, o computador é um recurso per-

34. ALMEIDA, 1985:16

33

petuador do ensino baseado na instrução e no controle, não é ade-quado ao equacionamento de problemas sociais emergentes e aodesenvolvimento da autonomia e da autocrítica. Saviani destaca-se, entre os críticos do computador na educação, apesar de afirmara importância “(...) de se apropriar dos instrumentos teóricos epráticos necessários ao equacionamento dos problemas detecta-dos na prática social” 35.

A idéia de rede como representação do conhecimento trazuma contribuição significativa para a compreensão das teorias ar-ticuladas neste trabalho e para outras interconexões que se estabe-lecem adiante. Em uma rede, “(...) as relações entretecem, articu-lam-se em teias, em redes, construída social e individualmente, eem permanente estado de atualização”. A rede é constituída pornós e ligações. Os nós podem representar objetos, lugares, pes-soas, eventos, etc. As ligações são as relações entre os nós. Os nós eas ligações entre as teorias criam relações de reciprocidade, de du-alidade, de não-linearidade, de múltiplas articulações, de aberturaa mudanças36.

O critério fundamental de que os conhecimentos tra-balhados no computador sejam apropriáveis pode romper barrei-ras, ao fazer com que a aprendizagem tenha sentido para o alunoque desenvolve seus programas ou acessa a rede, segundo seus in-teresses e necessidades e insere, também, novos nós ou ligações.Para o aluno, o conhecimento necessário é aquele que o ajudará aobter mais conhecimento. A isso, denomina matética37 – a “artede aprender” no sentido de desenvolver o conhecimento sobreaprendizagem.

Nesse ambiente, as atividades se desenvolvem em torno deprojetos, não se atêm a conteúdos previamente estabelecidos ou adeterminados temas. Os alunos são incitados a expressar suas pró-prias idéias em projetos, a explicitar a solução adotada, segundoseu estilo de pensamento, a testar e a depurar seu trabalho e a em-

35. IBDEM, 1985:8136. MACHADO, 1995:13837. Termo usado por PAPERT, 1995: 125

34

pregar pensamentos intuitivos ou racionais, num movimento na-tural entre os pólos objetivos e sujeito do pensamento.

Alunos e professores, sujeitos da própria ação, participamativamente de um processo contínuo de colaboração, motivação,investigação, reflexão, desenvolvimento do senso crítico e da cria-tividade, de descoberta e de reinvenção. É a superação tanto daperspectiva instrucionista como da empiricista ou experimental, apartir da resolução de problemas que surgem no contexto social,com o uso de ferramentas culturais como elementos de transfor-mação social. Os problemas ou projetos trazem embutidos concei-tos de distintas áreas inter-relacionadas em uma situação real esingular, que ignora a compartimentação do conhecimento.

Um ambiente criado e explorado, segundo essa aborda-gem, favorece a integração em rede entre diferentes formas e con-teúdos de conhecimento, desconsidera as barreiras entre as disci-plinas e propicia relações de parceria e reciprocidade quecaracterizam uma perspectiva interdisciplinar.

Almeida esclarece que não se trata de abolir as disciplinasnem de propor a supremacia de uma nova disciplina ou teoria. Oque se busca é uma nova atitude diante do conhecimento, que uti-lize microcomputador como ferramenta para o desenvolvimentointegral do sujeito, de acordo com suas próprias condições, inte-resses e possibilidades, “substituindo a concepção fragmentáriapela unitária de ser humano”38.

A interdisciplinaridade se concretiza pela integração entreas disciplinas e pelo diálogo que se estabelece entre os sujeitos en-volvidos nas ações desencadeadas pelos projetos e devolve a iden-tidade às disciplinas, fortalecendo-as39. Essa atitude revela-se peloreconhecimento da “provisoriedade do conhecimento”, pelo exer-cício da dúvida, pelo questionamento das próprias posições e pro-cedimentos, pelo convívio com as diferenças e pela busca da tota-lidade do conhecimento, que se constrói na ação do sujeito que

38. FAZENDA, 1993:3139. IBDEM, 1994

35

representa suas idéias no microcomputador, segundo o ciclo des-crição–execução–reflexão-depuração40.

Embora o discurso de Papert não explicite claramente adimensão política de sua proposta, pode-se afirmar que ela per-mite uma “práxis transformadora”, que se revela:

Na competência e grau de poder realizar transformaçõessubstantivas (...) e subverter a ordem conservadora dos atu-ais moldes de ensino, (...) uma vez que há uma dimensão deresposta à produção individual, ao senso da criatividade, àparticipação e à contribuição de cada aprendiz na formaçãode uma comunidade de construção participativa (...), quedesperta a consciência moral dos cidadãos41

Papert faz algumas referências ao papel do professor noambiente computadorizado, mas isso não é o foco central de suasreflexões. Contudo, suas idéias se concretizam apenas na práticapedagógica do professor.

40. ALMEIDA,1995:1841. ALMEIDA, 1988:93

36

3 – COMUNIDADES E AMBIÊNCIA VIRTUALDE APRENDIZAGEM

Compreendida como fato social, a Educação não está des-colada da realidade material e subjetiva que a gera e lhe confere es-pecificidade. Nesse sentido, o desenvolvimento de relações sociaisde novo tipo, promovidas e propiciadas, sobretudo por transfor-mações que se operam na base material de vida e conseqüente-mente nas novas configurações de poder, resultam na necessidadede desenvolvimento de processos educativos novos.

É assim que as novas tecnologias da informação e da co-municação, e especificamente o ciberespaço, com as possibilida-des que encerram, adquirem importância fundamental e mere-cem destaque em qualquer reflexão que venha a ser feita sobre aimportância e as demandas para uma educação na atualidade,uma vez que, estas já vêm sendo amplamente utilizadas em diver-sos setores da cultura contemporânea, correspondendo, portanto,o importante elemento constitutivo da base histórica sobre a qualse desenvolve o que vem sendo conhecida como sociedade dainformação.

A questão das novas tecnologias e conceitos como saberflexível, aprendizagem cooperativa, interdisciplinariedade, trans-disciplinariedade, currículo integrado, redes de aprendizagem eeducação continuada e à distância começam a se fazer cada vezmais presentes nos ambientes acadêmicos e políticos, sobretudoquando está em pauta a discussão sobre a necessidade de renova-ção dos processos educacionais.

Como nos informa LEVY42

Trabalhar hoje equivale cada vez mais a aprender a transmi-tir saberes e produzir conhecimentos.

42. LEVY, 1999

37

(...) o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que am-pliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas hu-manas.

Nesse sentido, ainda nas palavras do autor, torna-se impe-rativa a adaptação dos dispositivos e do aparato do aprendizadoaberto e à distância no cotidiano e no ordinário da educação e acriação de um novo estilo de pedagogia que incorpore as novastecnologias e favoreça, ao mesmo tempo, os aprendizados indivi-dualizados e o aprendizado coletivo, em rede.

Não se debate, portanto, a importância da discussão emquestão no âmbito deste trabalho, ou seja, o estudo sobre as comu-nidades de trabalho/aprendizagem em rede. A inter e transdisci-plinariedade, tão requisitadas pelas necessidades impostas na atu-alidade pelo modo de produção hegemônico típico da sociedadecontemporânea, demandam e estimulam o saber construído cole-tivamente e a construção de redes e comunidades de trabalho. Asnovas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC) e o ci-berespaço apenas as viabilizam e potencializam se utilizadas ade-quadamente em um contexto pedagógico.

O uso das novas tecnologias da informação e comunica-ção (NTIC) encerram potenciais e limites e conferem singularida-des específicas se aplicadas ao ensino presencial ou à distância esuscitam uma longa discussão quando analisadas em relação auma ou a outra modalidade de ensino. A sua utilização, portanto,encerra a necessidade de construção de um modelo pedagógicoque dê suporte à implementação de projetos. Estas duas modali-dades tendem a ser complementares, uma vez que, cada uma de-las, por si só, encerra também potenciais e limites.

No entanto, o uso das NTIC amplia as possibilidades doensino à distância e podemos acreditar, que, pelas possibilidadesque oferecem em termos de superação das barreiras impostaspelo tempo e espaço, sua utilização, em um futuro não muito dis-tante, tenderá a superar a presencial, principalmente pela abran-gência que vem sendo almejada pelos projetos institucionais, que

38

têm buscado, cada vez mais, a conquista de mercados que se defi-nem para além das fronteiras nacionais.

Deter-nos-emos, portanto, no âmbito do presente traba-lho, a uma breve reflexão sobre a constituição de comunidades detrabalho e aprendizagem em rede em sistemas de educação à dis-tância que utilizam a Web como suporte tecnológico e seus poten-ciais para responder às demandas e desafios postos pela sociedadecontemporânea.

Compreendemos aqui como comunidade virtual deaprendizagem em rede, os grupos que se constituem em ambien-tes virtuais estruturados com funções pedagógicas explícita e nor-malmente definidas e que lançam mão das ferramentas de infor-mática on-line disponíveis para a promoção da aprendizagem.

As possibilidades de utilização das novas tecnologias dacomunicação em projetos educacionais à distância a partir da in-terconexão pelo universo on-line são ilimitadas. No entanto, nomomento, ainda variam segundo duas abordagens básicas a de-pender da concepção de educação que fundamente a respectivaproposta pedagógica. Utilizaremos aqui, a tipologia proposta porD. JONASSEM (1996), que qualifica dois tipos de abordagens: aobjetivista, que prioriza e persegue a potencialização ao acesso àinformação que os novos meios encerram, ou a abordagem cons-trutivista, que prioriza e define a utilização dos meios como possi-bilidade de ampliação dos sistemas de interação e a construçãogradativa da autonomia do aprendiz.

Reconhecemos aqui a fragilidade da tipologia propostapara o fim que almejamos, tendo em vista o fato de que esta nãosuporta a existência de variações que correspondam a modelosintermediários, que mesclem elementos das duas abordagens. Noentanto, teremos as duas aqui como "tipos ideais" que deverão ser-vir para evidenciar as implicações e riscos da adoção exclusiva decada uma delas.

Segundo a abordagem objetivista, na definição da estraté-gia pedagógica a ser utilizada em um projeto educacional que in-corpore as novas tecnologias da comunicação e da informação, a

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ênfase permanece no processo de transmissão de conteúdos previ-amente estabelecidos, no qual a tecnologia apenas otimiza e po-tencializa o acesso a estes. Embora a adoção desta abordagem nãoimplique, necessariamente, o desprezo da experiência vivida, o co-nhecimento é concebido como algo pronto e que , portanto, reco-menda a criação de formas para que esteja cada vez mais acessível.

A utilização da Web como suporte tecnológico, assimcomo a constituição de comunidades de trabalho/aprendizagemem rede, segundo essa concepção, é importante principalmentepor potencializar o acesso a esse conhecimento.Os projetos que sefundamentam nesta abordagem, geralmente, tendem a oferecer osconteúdos de forma previamente estruturada de maneira a dar se-qüência ao processo de aprendizagem a partir do oferecimento dosuporte tecnológico ao aluno .

A adoção desta abordagem implica mudança significativano processo educacional na medida em que redimensiona o papeldo professor no processo pedagógico. No entanto a questão dapromoção de maior autonomia por parte do discente deve servista com cautela, uma vez que, a ênfase do trabalho recai sobre atecnologia e as possibilidades ilimitadas que estas encerram e nãona promoção de uma mediação pedagógica qualificada especifica-mente para este fim. Embora não se despreze e até possa ser res-saltada a importância da experimentação e da colaboração entreos pares para a promoção e consolidação do processo de aprendi-zagem, este não se constitui no foco principal do processo.

Nestas circunstâncias, nos parece que o uso das novas tec-nologias em projetos educacionais à distância em nada contribuipara uma mudança qualitativa substancial em termos de modeloeducacional e práticas pedagógicas vigentes, sendo estas utilizadasapenas para potencializar características já existentes em modelosanteriores. O acesso a um número maior de informações e a auto-nomia que o aluno possa vir a conquistar em relação à figura doprofessor, não implica necessariamente desenvolvimento de com-petências e habilidades suficientes e necessárias para interagir e

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explorar os novos potenciais em termos de aprendizagem postospela sociedade contemporânea.

A segunda abordagem, a construtivista, ressalta o poten-cial das novas tecnologias para a promoção do processo de intera-ção entre os discentes e destes com os professores, consideradosfundamentais, segundo esta abordagem, para a realização daaprendizagem.

Segundo esta concepção, o conhecimento é uma constru-ção humana de significados, que se dá ancorado no contexto emque as pessoas aprendem e que se opera a partir do estímulo cau-sado pelo desejo ou necessidade. Sendo assim, o processo deaprendizagem verdadeiramente significativo, ou seja, que atribui eadquire significado, é individual e, o conhecimento não pode sertransmitido, na medida em que se dá a partir de um processo deconstrução independente em cada pessoa e pode ser otimizadoem situações de trocas e de experimentação, a proporção que ad-quire significado compartilhado socialmente.

Levando em consideração as características de uma apren-dizagem significativa (ativa; construtiva; reflexiva; colaborativa;intencional; contextual; etc.), as novas tecnologias adquirem im-portância na medida em que permitem a reconceitualização deprojetos educacionais à distância a partir da superação dos limitesà interatividade impostos pelas tecnologias anteriores como o rá-dio, a televisão e o vídeo, permitindo a concepção e operacionali-zação de projetos pedagógicos que tenham a abordagem constru-tivista na base de sua fundamentação.

Frente ao uso das novas tecnologias, o redimensiona-mento do papel do professor, segundo esta abordagem, avançanão no sentido do seu descarte, mas da transcendência do papelde mero transmissor de conteúdos, rumo à sua transformação emfacilitador e estimulador do processo de aprendizagem.

Assim, a incorporação das novas tecnologias a projetoseducacionais à distância suportam duas possibilidades de leitura:potencialização do acesso à informação e ampliação das possibili-dades de interação, colaboração e autonomia do aprendiz.

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4 – CIBERESPAÇO: O MUNDO REINVENTADO

O desenvolvimento cognitivo, neste novo contexto, apa-rece mediado pelas relações sociais no ciberespaço, fundamentadono interesse e nas condutas autônomas de aprendizado. Qual osignificado desse novo meio de comunicação? Na realidade, o ci-berespaço recupera a possibilidade de ligação de um contexto quehavia desaparecido com a escrita e os outros meios estáticos de co-municação. A Era da Comunicação Virtual traz um redimensio-namento da oralidade, esta, agora, numa escala planetária. Osprincípios da escrita se confundem com os da oralidade, gerandouma nova forma de se comunicar, é o tipo todos e todos, onde nãohá distinção entre emissores e receptores; todos podem ocupar asduas posições à medida que a mensagem circula.

A escrita e a leitura experimentam mudanças radicais como surgimento do espaço cibernético. O leitor de um texto em redenão é mais um receptor passivo de leitura; ele participa da escrita-emissão deste mesmo texto, já que tem diante de si um potencialde mensagem e não uma mensagem estática.Vivemos hoje, se-gundo Pierre Levy, “uma redistribuição da configuração do saberque se havia estabilizado no século XVII com a generalização daimpressão.”43

Lévy afirma ainda que se deve à complexificação e ao des-locamento dos centros de gravidade a sucessão da oralidade, daescrita e da informática como forma de gestão social do conhe-cimento, reiterando com isso que nenhuma mudança acontecede repente, mas é fruto de forças comandadas pelo próprio ho-mem, reunindo sempre as experiências anteriores, sem preteri-las.“O saber oral e os gêneros do conhecimento fundados sobre aescrita ainda existem, é claro, e sem dúvida irão continuar exis-tindo sempre.”44

43. LÉVY, 1990, p.10.44. IBIDEM, p.10

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Não podemos, sob pena de completa alienação diante dasmutações que ora se processam no mundo, ficar alheios ao queestá acontecendo desde dentro do próprio lar até o mundo de pro-dução, onde os efeitos do encurtamento do espaço, fenômeno querecebeu o nome de globalização, ou mundialização, conforme pre-fere Lévy45, se firmam de maneira imperiosa. Já não somos osmesmos e isso vem corroborar a máxima que diz que ninguém sebanha duas vezes no mesmo rio. Dessa forma, como poderíamoscair na utopia de aceitar uma comunicação que tivesse parâmetrosestáticos e sem mudanças impostas pelo tempo?

As pessoas deixam a técnica falar por elas em vez de cri-ticá-la e estudá-la para só então desafiar seus supostos benefíciosou acentuar seus malefícios. É preciso ir mais longe e não ficarpreso a um ponto de vista, pois, certamente, a técnica e as tecnolo-gias atuais muito terão a ensinar aos filósofos sobre a filosofia eaos historiadores sobre a história.

Antes de encarnar a forma contemporânea do mal e po-tência má e isolada, a técnica deveria ser vista não como um sis-tema isolado que agisse por si só, mas como instrumento que temo homem concreto situável e datável por trás dele. A técnica e a ci-ência, como afirma Levy, são, tais como a sociedade, a economia, areligião, puras abstrações:

Nem a sociedade, nem a economia, nem a filosofia nem areligião, nem a língua, nem mesmo a ciência e a técnica sãoforças reais, elas são, repetimos, dimensões de análise, querdizer, abstrações. Nenhuma destas macroentidades ideaispodem determinar o que quer que seja porque são despro-vidas de qualquer meio de ação.46

O processo de comunicação de um povo é estável até omomento em que alguém dissemine um novo dispositivo de co-municação e o equilíbrio de até então seja desestruturado. Foi as-sim com a escrita, o alfabeto, a impressão, com os meios de comu-

45. LÉVY, 1998, p.14 46. LÉVY, 1990 p.13

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nicação e transportes modernos. Isto não significa a anulação dohomem enquanto ser, como afirmam alguns, mas uma reinvençãodo próprio homem e seus meios de se comunicar e de se rela-cionar, implicando um novo modo de aquisição e transmissão doconhecimento.

Sabemos que a nova tecnologia da informação abre possi-bilidades para atingir melhores resultados na área cognitiva, masnão é uma garantia em si mesma, pois o que vemos é um grandefascínio por essa tecnologia, adquirindo um caráter onipotente,capaz de solucionar todo problema de aprendizagem ou, quemsabe, revolucionar o ensino de tal forma, que, como preferemacreditar alguns céticos da nova tecnologia, teremos professoreseletrônicos, preterindo, dessa forma, a tão famosa, mas tambémtão desacreditada, figura do professor.

Nesta sociedade, na qual a atenção é pesadamente diri-gida para a informação e a tecnologia da informação, o riscomaior é confundir-se informação com conhecimento e cha-mar uma sociedade apenas bem informada de uma sociedade comconhecimento.

4.1 – Cibernética e comunicação

A comunicação e a cibernética são fenômenos interligadose torna-se cada vez mais difícil pensar em comunicação humanasem a utilização de computadores. Cabe aqui, portanto, lembrar-mos que foi após a Segunda Guerra Mundial que a difusão das in-formações tornou-se necessária para as potências vencedoras esistemas de transmissão de informações foram criados.

Wiener47foi um dos principais inventores da chamada re-volução cibernética e esteve envolvido diretamente na construçãodos primeiros computadores, ao lado de outros cientistas. Em seulivro, Cibernética e Sociedade, que se relaciona diretamente comos fatores pós-guerra, Wiener trata do impacto da cibernética na

47. WIENER, 1954

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sociedade, e o mundo, segundo ele, estaria caminhando para umasociedade em que o homem seria cada vez mais dispensável, e seufuturo, ordenado por máquinas. Ele foi um dos principais invento-res da chamada revolução cibernética.

A principal preocupação de Wiener e de seus contemporâ-neos estaria relacionada com a teoria das mensagens. Através deum estudo detalhado das mensagens entre o homem e as máqui-nas, entre as máquinas e as máquinas é que se poderiam criar me-canismos de direção das máquinas e da sociedade e, através dessesfatores, as relações sociais compreendidas.

A transmissão das mensagens se efetuaria da mesmaforma entre homens e entre as máquinas não importando comoestas mensagens fossem recebidas. Deste modo, o homem estariacercado de limites quanto à comunicação, ao contrário da comu-nicação entre as máquinas, que estava fadada a desempenhar oprincipal papel na sociedade pós-guerra que surgia. A finalidadedesta nova ciência seria criar uma sociedade perfeita, regida pormáquinas que trariam a solução para todos os problemas.

A cibernética, nesta época, ensaiava seus primeiros passose Wiener não via problemas na construção dessa nova sociedade,acreditando na ilimitada capacidade de atividades da máquina e asubstituição completa do homem. Dessa forma não haveria lugarpara o acaso ou desordem: teríamos uma sociedade mecanizada.A ciência seria fundamental para a construção desta sociedade,alimentando assim a nova utopia social.

Não demorou que se seguisse a essa teoria uma série decríticas à formação de uma sociedade liderada por máquinas. En-quanto que para Wiener a comunicação era considerada como va-lor central para o homem na sociedade, para outros teóricos da ci-bernética esse tipo de organização social era sinônimo do caos eda desordem, a entropia, termo largamente usado pelos estudiososcríticos dessa área, como Virilio e Baudrillard, sobre os quais fala-remos mais detalhadamente posteriormente, quando trataremosdas correntes contrárias e favoráveis às novas tecnologias.

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Por muito tempo reservado aos militares para cálculos ci-entíficos, o uso da máquina disseminou-se nos anos 60, prevendoum desenvolvimento de hardware cada vez mais freqüente. O quenão se poderia prever era que um movimento geral de virtualiza-ção iria acontecer afetando sobremaneira a vida social. Os compu-tadores ainda eram máquinas de calcular, colocadas em salas refri-geradas acessíveis apenas a alguns cientistas e que, vez em quando,apresentavam listagens só possíveis de serem lidas por entendidos.

A virada fundamental data provavelmente dos anos 70,quando a comercialização de máquinas, contendo pequeno chipeletrônico, capazes de efetuar cálculos aritméticos e lógicos,desenvolveu diversos processos econômicos e sociais em grandeescala.

Estava aberta uma nova fase de automação na produçãoindustrial com as linhas de produção flexíveis e as máquinas in-dustriais com controles digitais, e

(...) desde então, a busca sistemática de ganhos de pro-dutividade por meio de várias formas de uso de apare-lhos eletrônicos, computadores e redes de comunica-ção de dados (...) foi tomando conta do conjunto dasatividades econômicas.48

Daí para a invenção do computador pessoal foi um passo.A partir de circunstâncias econômicas e sociais específicas, que seapossaram das novas possibilidades técnicas, estava criado uminstrumento (escapando dos serviços de processamento de dadosde grandes empresas) de criação, de organização, de simulação ede diversão que tendia a um crescimento sem proporção e se en-contrava agora nas mãos de uma população.

Foi então, há duas décadas apenas, que a informática per-deu pouco a pouco sua especificidade técnica, militar e industriale passou a ser usado em setores como telecomunicação, edi-toração, cinema e televisão. Novas formas de mensagens interati-

48. LÉVY, 1999, p.31

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vas apareceram e vimos o surgimento dos videogames, as inter-faces e interações sensório-motoras e o surgimento dos famososhipertextos.

Finalmente, mas não por último, a informática abre asportas para o mundo quando as diferentes redes de computadoresse juntam uma às outras e um grande número de pessoas e decomputadores conectados à inter-rede começa a crescer grandio-samente. Estava criado um espaço de comunicação, de sociabili-dade, de organização e de negociação: a sociedade em rede.

Aliando eficiência cada vez maior dos equipamentos,como velocidade, capacidade de memória e taxas de transmissão,à baixa contínua dos preços dos produtos de informática, pode-mos entender a influência exponencial da informática em nossasvidas e as mutações culturais e sociais que a acompanham. Talvezpareça lógico que muitas mudanças qualitativas aproveitarão estaonda e, certamente, irão alterá-la, revertendo o quadro de uso so-cial do virtual. Este é um caminho que talvez não possamos impe-dir, se nos basearmos nos exemplos de tecnologia transformadaem armas por mentes destruidoras, que permeiam a história.Nosso objetivo, no entanto, é evidenciar o caráter construtivodesse processo tecnológico e de como seu aparecimento facilitou avida econômica, social e educacional dos homens.

Esse processo de mundialização crescente atinge não só ossetores ligados diretamente às formas de comunicação, aos trans-portes e ao capital, mas a todos os segmentos do viver humano,como a ciência, a filosofia, o corpo e o sono. Para Lévy essas trans-formações nada mais são do que o próprio processo de constitui-ção do homem:

A conquista espacial persegue explicitamente o estabeleci-mento de colônias humanas em outros planetas (...).Osavanços da biologia e da medicina nos incitam a uma rein-venção de nossa relação com o corpo, com a reprodução,com a doença e com a morte (...) seleção artificial do hu-mano transformado em instrumento pela genética. O de-senvolvimento de nanotecnologias capazes de produzir ma-

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teriais inteligentes em massa, simbióticos microscópicosartificiais de nossos corpos (...) poderia modificar comple-tamente nossa relação com a necessidade natural e com otrabalho, e isso de maneira bem mais brutal ...Os progressosdas próteses cognitivas com base digital transformam nos-sas capacidades intelectuais tão nitidamente quanto o fa-riam mutações de nosso patrimônio genético. As novas téc-nicas de comunicação por mundos virtuais põem em novasbases os problemas do laço social (...) a hominização, o pro-cesso de surgimento do gênero humano não terminou, masacelera-se de maneira brutal.49

Os últimos trinta anos viram surgir uma sociedade semi-desterritorializada onde o tempo torna-se mais importante que oespaço. É, ao mesmo tempo, uma sociedade local e não-local, umaespécie de aldeia mundializada em que todos podem estar emcontato com todo o planeta sem sair de suas casas, modificandopadrões, comportamentos, formas de pensar e agir. Essa aldeiamundializada vem se estruturando sobre a formação de um sis-tema de redes digitais de informação e comunicação que interco-nectam, em tempo real, os diversos pontos do planeta e seus inú-meros agentes constitutivos. Isso é proporcionado pela Internetque constitui uma meta rede e engloba uma série de outras redesmenores, tornando possível a circulação globalizada de informa-ções e comunicação em escala planetária.

4.2 – A formação de uma nova sociedade: sociedade em rede

A vida nas grandes cidades tem se tornado, indiscutivel-mente, cada vez mais difícil. O tempo gasto no trânsito, a violênciaque avança inexorável sobre os indivíduos que ousam passear pe-las ruas provocam o isolamento social na busca por segurança etranqüilidade. O trabalho aumenta à medida que se opta por man-ter um nível razoável de vida num momento economicamente di-

49. LEVY, 1998, p.15

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fícil; o espaço destinado ao lazer e às atividades sociais é evidente-mente mais raro.

São muitos os fatores que levam o homem a fugir do es-tresse da cidade grande e se isolar, optando até mesmo por um tra-balho em casa, de onde ele pode se comunicar com o mundo exte-rior através do seu computador. Neste mundo não há limites deidade, aparência, distância ou facilidade de locomoção e é per-mitida uma troca de informação imediata, com uso de programasespecíficos.

A expansão da telemática tem provocado algumas trans-formações de grande significação, principalmente no que se refereàs participações individuais dos cidadãos. A passividade proporci-onada pela televisão vem, pouco-a-pouco, sendo substituída pelaintrodução do vídeo-texto no sistema de TV a cabo, fator que per-mite uma certa interatividade, bem como realça a função informa-tiva deste meio de comunicação.

Em profundo desenvolvimento está a adaptação dos apa-relhos de TV como terminais da Internet, uma das principaisrevoluções na história da rede. Vários programas de correio ele-trônico se expandem e permitem que os indivíduos interajamcom milhões de instituições, grupos e indivíduos que tenhamacesso à rede.

Podemos dizer que há uma espécie de espírito de liber-dade em pontos de encontro, chats, grupos de discussão e outrosprogramas que possibilitam a participação individualizada naRede. Aí a comunicação aparece mais democrática e o processoparece desinstitucionalizado, realizando uma certa compensaçãopara a natureza coercitiva da comunicação institucional, como porexemplo, o vocabulário tão próprio dos internautas nos bate-papos. Os chats funcionam como pontos de encontro sem fron-teira explícita entre o pessoal e o individual, entre o conhecido e oanônimo.

Diante de tantas mudanças na sociedade moderna, trazi-das pela cibercultura, inferimos que estamos diante de uma novaforma de produção social do espaço, na qual o tempo-real instan-

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tâneo é um tempo sem tempo e o novo dia-a-dia é destituído deespaço e matéria. A imagem-fluxo, a presentificação, a realidadevirtual e as diversas possibilidades de comunicação no ciberespaçosugerem um novo ambiente: as cidades digitais. A realidade vir-tual que se apresenta no ciberespaço não é somente fruto de con-templação sensorial das imagens e troca de informações, mas umaforma objetiva de ser da nova materialidade do arranjo social emredes de comunicação.

Há uma cultura se firmando fora dos espaços materiaisatravés das telecidades, como chamam alguns. Estamos diante deoutro tipo de produção cultural na qual a referência a um lugardesaparece e diante disso um novo processo de conceituação deterritório emerge. Devido ao fato de que no espaço cibernéticonão existem fronteiras, diversas pessoas se identificam na rede,passando a ter uma relação afetiva com o espaço virtual que nãodeixa de ser uma forma de territorialização.

Entre outros aspectos importantes da cidade eletrônica te-mos a ausência de mobilidade das pessoas e dos serviços, fatoresque se tornam verdadeiras barreiras físicas na cidade real. O cibe-respaço nos permite evitar o tráfego, a violência urbana, a fila dosbancos, a demora na entrega das cartas. Pierre Lévy afirma que ainserção de um grupo maior de pessoas, empresas e organizaçõespolíticas no ciberespaço pode provocar um esvaziamento da ci-dade real e, em contrapartida, um povoamento sem fronteiras deuma cidade eletrônica.

Uma comunidade virtual, segundo Pierre Lévy, é constru-ída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre pro-jetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudoisso independentemente das proximidades geográficas e das filia-ções institucionais50. Ele afirma ainda que as relações sociais nociberespaço não excluem as emoções fortes, não desaparecendo aresponsabilidade individual nem a opinião pública e seu julga-mento. Os encontros físicos também não são substituídos na rede,mas constituem um complemento ou um adicional. Através da

50. LÉVY,1999, p. 127

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netiqueta51 as comunidades virtuais se comunicam e se informamsob um conjunto de leis que regem suas relações. A reciprocidadeé uma espécie de moral implícita da comunidade virtual e para to-dos os participantes os outros serão sempre os mais humanos pos-síveis cujas personalidades deixam-se transparecer por seu estilode escrita, suas zonas de competências, suas tomadas de posição.

Segundo Lévy, as relações virtuais não substituem as pre-senciais, apenas as complementam, da mesma forma que o cinemanão substituiu o teatro e que as pessoas falam depois da escrita. Otelefone não substituiu os encontros entre as pessoas e as cartas deamor não impedem os amantes de se beijar. Tudo isso constituiapenas modificações e não substituição do anteriormente vivido,como afirmam alguns céticos das novas tecnologias. Uma comu-nidade virtual não é irreal, imaginária ou ilusória, mas um cole-tivo relativamente permanente organizado em torno de um cor-reio eletrônico mundial, e, como afirma ainda este autor, o termo“comunidade virtual” é inapropriado devendo ser substituído por“comunidade atual” para descrever os fenômenos de comunicaçãocoletiva no ciberespaço.

É ainda Lévy quem afirma a respeito dessas relaçõesciberespaciais:

A cibercultura é a expressão da aspiração de construção deum laço social, que não seria fundado nem sobre links terri-toriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as rela-ções de poder, mas sobre a reunião em torno de centro deinteresses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamentodo saber, sobre a aprendizagem cooperativa,52

(...) sobre processos abertos de colaboração. O apetite paraas comunidades virtuais encontra um ideal de relação hu-mana desterritorializada, transversal, livre. As comunidadesvirtuais são motores, os atores, a vida diversa e surpreen-dente do universal por contato.53

51. Neologismo sugerido por Lévy in Cibercultura. São Paulo: Ed.34,1999, p.12852. Grifo meu53. LÉVY,1999, p.130

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Lévy faz uma abordagem interessante quando fala das tec-nologias e suas implicações para a inteligência e a cognição. Se-gundo ele, ninguém é inteligente por si só, mas se é inteligentejunto com o grupo intelectual do qual é membro, com sua língua etoda herança de métodos e tecnologias intelectuais:

Fora da coletividade, desprovido de tecnologias intelectuais,“eu” não pensaria. O pretenso sujeito inteligente nada maisé do que um dos micro-atores de uma ecologia cognitivaque o engloba e restringe.54

As pessoas não estão desvinculadas das mudanças queocorrem, e mesmo que a elas tenham resistência, delas fatalmenteprecisarão para construir seu conhecimento e não correr o riscode uma alienação completa e irreversível, haja vista a velocidadecom que tudo acontece no mundo da comunicação.

Nesta nova sociedade envolvida pela cibernética, o pensa-mento se dá em rede na qual neurônios, módulos cognitivos,humanos, instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, li-vros e computadores se interconectam, transformam e traduzemas representações.

Segundo Lévy:

O meio ecológico no qual as representações se propagam écomposto por dois grandes conjuntos: as mentes humanas eas redes técnicas de armazenamento, de transmissão das re-presentações. A aparição das tecnologias intelectuais, comoa escrita e a informática, transforma o meio no qual se pro-pagam as representações.55

Nenhuma sociedade fica estática diante do tempo, os indi-víduos não aceitam passivamente perpetuar uma cultura. Eles tor-nam-se agentes de mutação constante e, de acordo com seus pro-jetos e interesses, modificam e reinventam os conceitos herdados,

54. LÉVY, 1993, p.135 55. IBIDEM, p.138

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de modo que toda estrutura social só pode manter-se ou transfor-mar-se através de interações de pessoas singulares.

Costuma-se colocar a técnica como vilã diante das mu-danças que nem sempre agradam ou beneficiam a todos, como seesta pudesse ser entendida separadamente do homem. É impossí-vel separar o ser humano de seu ambiente material, da mesmaforma que, não podemos separar o mundo material – e menosainda sua parte artificial – das idéias por meio das quais os objetostécnicos são concebidos e utilizados, nem dos humanos que os in-ventam, produzem e utilizam.56

O ciberespaço pode ser visto como elemento de apoio dainteligência coletiva e uma das principais condições para o seu de-senvolvimento, fornecendo a ela um ambiente propício per-meado pela interatividade, apesar de alguns fatores negativos queo acompanham, como isolamento, sobrecarga de informação, de-pendência, dominação, exploração e outros, com a agravante deconstituir ainda um instrumento só alcançável por uma determi-nada classe social.

Gostaríamos de reservar um espaço aqui, já que falamosde sociedade em rede, para falarmos sobre os canais de bate-papo,ferramenta elaborada para permitir conversação entre vários usu-ários sem restrições de números de participantes e de conteúdo deconversas. Com esse assunto, voltamos a abordar a questão da ne-tiqueta, ou seja, as regras que criam indicações para o comporta-mento nos canais. Interessante seria colocar que o não-cumpri-mento dessas regras implica punições, como o usuário ser banidodo canal, medida essa que, apesar das regras, pode ser tomada ar-bitrariamente, não precisando justificar sua atitude a nenhumainstituição oficial.

Além dessas restrições, existe a possibilidade de se criarcanais privados, onde só podem entrar pessoas convidadas. Osfreqüentadores desses canais não aparentam ter um projeto vol-tado para o futuro ou um propósito definido, querem apenas con-versar despreocupadamente com outras pessoas que comunguem

56. LÉVY, 1999, p. 22

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de um mesmo interesse. Isto compreende bem o aspecto efêmerodessas relações, dada a volatilidade, inclusive técnica. Seus fre-qüentadores não são assíduos ou permanentes, haja vista o grandenúmero de canais distribuídos por cidades, idades, regiões, e a uti-lização de nicks57 que permite diversas máscaras em diferentesmomentos.

4.3 – Um não-lugar

Muitas são as denominações dadas a esse novo lugar ondese dá interação, comunicação, conhecimento e informação. Umdeles estaria ligado à questão da desterritorialização tão discutidaentre os estudiosos das novas tecnologias. A possibilidade de secomunicar instantaneamente com o mundo, sem se deslocar fisi-camente, cria uma espécie de nomadismo às avessas, em que oshomens podem estar em diversos lugares do planeta sem se deslo-carem fisicamente de onde estão.

Essa geografia virtual acaba criando uma nova forma deconvivência e sociabilidade. Mexer-se não é mais deslocar-se de um ponto a outro da superfície terrestre, mas atraves-sar universos de problemas, mundos vividos, paisagens dossentidos.58

Qualquer cidadão do mundo que disponha de uma certaestrutura tecnológica doméstica, pode estar, de sua residência, emcontato com os quatro cantos do planeta, realizando negócios,praticando lazer, criando ou fazendo circular informações. Omundo humano, depois de milênios de vida social sedimentadana territoriedade, se desterritorializa. O espaço virtual se impõeem detrimento do espaço geográfico. Nações, antes instituiçõesbásicas para o fortalecimento do capitalismo, enfraquecem-se di-

57. termo largamente usado pelos internautas nos bate-papos: apelido, alcunha58. LÉVY, 1998, p. 14

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ante da potência de uma economia transnacional e cada vez maisvirtualizada.

A cidade vai, assim, perdendo sua importância nummundo ainda moldado prioritariamente em modelos sistêmicoslocais, criando uma série de conflitos, muitos deles ainda não visí-veis. É, desse modo, difícil negar que o tempo se transformou emuma variável para se entender o mundo espacial e simbólico dehoje, onde a cidade desempenha ainda um papel importante. Dasmegalópolis, entramos na era das megamáquinas. A cidade trans-forma-se em mercado multifuncional, servindo ao capital e des-truindo a cidade como realidade social. Estamos vivendo umtempo de criação de cidades eletrônicas e do urbanismo das telas;a interação homem-máquina toma o lugar das fachadas dos imó-veis, da superfície dos loteamentos; a cidade passa a ser o trajetode ponto para ponto de um espaço vertical, espaço de percurso;deixou de ser um lugar de produção para ser um lugar de comuni-cação e até de diversão. Vivemos uma dicotomia: de um lado as ci-dades concretas, com todas as suas mazelas; de outro, as telecida-des dos cartões postais eletrônicos digitais.

Estamos diante de uma discussão entre lugar e não-lugar.O primeiro está, geralmente, associado a uma materialidade defi-nida por relações simbólicas, identitárias e históricas do grupo so-cial que mora ali; o segundo inclui os lugares de passagens, de nãofixação e da ausência de identidade sentida pelas pessoas que ofreqüentam, como shoppings, aeroportos, auto-estradas. No cibe-respaço, um não-lugar, caracterizado como passagem e momentode fixação de uma consciência individual e solitária, é instituídauma relação de identificação construída pelos usuários da rede di-ante da tela do computador.

Há uma cultura se firmando fora dos espaços materiaisatravés das telecidades cuja estrada principal é via satélite e cabode fibra ótica. Apesar da dificuldade de caracterizar essa sociedadeeletrônica, estamos diante de um novo tipo de produção cultural,na qual a referência identitária a um lugar desaparece. A idéia deterritorialismo associado ao enraizamento às fronteiras físicas e ao

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controle político desaparece, dando lugar ao acesso à rede e a no-vos territórios culturais imaterializados.

Para Augé (1994) a modernidade é produtora de não-lu-gares e a distinção entre estes e os lugares passa pela oposição dolugar ao espaço, e, como vivemos atualmente relações através doespaço – o ciberespaço – podemos dizer que este também consti-tui um não-lugar. Um lugar de passagem como são os aeroportos,as estações e as estações aeroespaciais, as grandes cadeias de ho-téis, os parques de lazer, e as grandes superfícies da distribuição,enfim todos aqueles que mobilizam o espaço extraterrestre parauma comunicação tão estranha que muitas vezes só põe o indiví-duo em contato com uma outra imagem de si mesmo.59

É ainda este autor quem afirma:

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional ehistórico, um espaço que não se pode definir como identitá-rio, nem como relacional, nem como histórico definirá umnão-lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a supermo-dernidade é produtora de não-lugares.60

Este não-lugar, de acordo com esta abordagem, impostopelo ciberespaço e característico da supermodernidade, é conside-rado uma metáfora para a solidão e não se deve confundi-lo comos não-lugares constituídos em relação a certos fins (transporte,trânsito, comércio, lazer) e as relações que as pessoas estabelecemcom esses espaços. O ciberespaço, ao contrário, pensa ele, medeiaum conjunto de relações que o homem estabelece consigo próprioe com os outros que só dizem respeito indiretamente a seus fins.

De uma certa forma, não é difícil entendermos todos essesconceitos associados a lugares, a territórios, a relações presenciaise à solidão. Vivemos, como já expusemos acima, um mundo per-meado por conflitos, angústias, medos, e todos esses fatores soma-dos levam-nos a um recuo da vida em sociedade e conseqüente-

59. AUGÉ, 1994, p. 7560. IBIDEM, p. 75

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mente a uma procura pela solidão, forma segura e única,pensamos, de sobrevivência. Não é surpreendente que vivamos, naesteira desse processo, relações virtuais, se assim pudermoschamá-las, que nos mantenham seguros e ao mesmo tempo nãonos excluam totalmente do mundo e das pessoas.

4.4 – Virtual, real, atual: novos conceitos4.4 – para velhos pré-conceitos

No decorrer deste trabalho fizemos, várias vezes alusão aovirtual sem sequer nos determos no significado que possui estetermo. Usamo-lo sempre no sentido de oposição ao real e nosapropriaremos agora destes dois termos, real e virtual, para me-lhor os entendermos, avaliando se aquilo que se chama de vir-tual pertence a um mundo imaginário ou é apenas uma novaforma de representação da realidade.A oposição virtual-real nãose sustenta logicamente, mas é largamente usada coloquialmente.Se pudermos abordar o tema, inicialmente, de uma forma ele-mentar, poderíamos dizer que o virtual é o que estar por vir e oreal a realização dessa virtualidade. A popularização da Internettornou estes termos populares e familiares, embora não os expli-que satisfatoriamente.

Procede, então, a afirmativa de que o virtual não é real?Acreditamos que exista aí um equívoco e, se partirmos do exem-plo da língua, poderemos facilmente entender isso. Podemos con-siderar que a língua é um elemento virtual, o que a torna real é afala, no entanto tratamos ambas como símbolos reais. Quando fa-lamos que as relações no ciberespaço são virtuais, estamos, a meuver, cometendo um erro já que não falamos com pessoas imaginá-rias ou não exploramos lugares, livros ou assuntos irreais. Existeum ser por trás de cada um desses elementos e apenas a maneirade acessá-los é que se faz diferente, razão por que é inapropriado otermo como oposição ao real. Como Lévy sustenta, o virtual não‘substitui’ o real, ele multiplica as oportunidades para atualizá-

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lo.61 É uma nova forma de relacionamento, uma nova forma de es-paço e que não é oposto ao real. Projetamos nós mesmos em vá-rios lugares diferentes, virtuais, prontos a se atualizar em vários es-paços e momentos diferentes: são desdobramentos de eus emdiferentes interações, todas reais, mas diferentes, ora aqui, ora emtoda a parte, ora em si, ora misturado.62

Os textos trocados na Internet são as atualizações de umalinguagem virtual em comum partilhada pelas pessoas presentesneste mesmo espaço. As pessoas fazem-se entender mesmo nãoestando “próximas” e são interpretadas a partir das atualizações deseus textos. Um grupo se atualiza, troca significados e apresenta-ções num mundo que foge ao ‘ordinário’, como disse Lévy63, por-que se faz num espaço diferente, a Internet, que tende a se tornarcada vez mais usual e cotidiana, perdendo seu caráter extraordiná-rio. Separar o real de virtual é uma mera convenção popular parao mundo fora do computador e dentro do computador e, comodiz Lévy, no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empre-gada para significar irrealidade, enquanto ‘realidade’ pressupõeuma efetivação material, uma presença tangível.64

O termo virtual tem sua raiz etimológica no latim ‘virtua-lis’, derivado da palavra ‘virtus’ que significa, originalmente, po-tência, força. Na atualidade, esse termo foi retomado de formasbem diferenciadas, variando conforme a ótica de cada autor e deseu ceticismo ou não diante das tecnologias virtuais. André Pa-rente65 considera o virtual uma questão complexa e que admitedefinições contraditórias e antagonistas. Ele considera que exis-tem pelo menos três concepções do que seja virtual: a que vê aimagem, na cultura contemporânea, como auto-referente, rom-pendo com os modelos de representação; uma segunda tendência,com as quais comungam os autores Baudrillard e Virilio, que vê o

61. LÉVY,1999, p. 8862. LÉVY, 1996, p.3363. LÉVY, 1999, p. 3764. IBIDEM, p. 4765. PARENTE, 1999, p.28

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virtual como sintoma e não como causa das mutações culturais,isto é, a imagem pós-moderna é um significante sem referente so-cial; e uma terceira tendência, compartilhada por Pierre Lévy, queconsidera o virtual como uma função da imaginação criadorafruto de agenciamentos os mais variados entre a arte, a tecnologiae a ciência, capazes de criar novas condições de modelagem do su-jeito e do mundo.66 De acordo com este autor:

A virtualização não é uma desrealização (a transformaçãode uma realidade num conjunto de possíveis) mas uma mu-tação de identidade, um deslocamento do centro de gravi-dade ontológico do objeto considerado: em vez de se definirprincipalmente por sua atualidade (uma “solução”), a enti-dade passa a encontrar sua consistência essencial numcampo problemático. Virtualizar uma entidade qualquerconsiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaci-ona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interroga-ção e em redefinir a atualidade de partida como resposta auma questão particular.67

Essas argumentações sobre o tema da virtualização refle-tem três pontos de vista diversos sobre três fenômenos distintos,embora próximos, conceitualizados da mesma forma. Na reali-dade, nos parece que todas as acepções levantadas são pertinentesem relação a determinados fenômenos característicos da socie-dade atual. O que se assiste é uma intensificação desses processosde virtualização e sua manifestação em novos dispositivos, comono caso das imagens digitais.

Os dois primeiros pontos de vista abordados são próxi-mos, embora não se assemelhem. Eles remetem para o desapareci-mento do real enquanto categoria de pensamento, idéia não com-partilhada por Parente e Lévy, que, longe de considerarem ovirtual como oposição ao real, acreditam que estes são momentosdistintos de criação/expressão. Parente afirma que:

66. IBIDEM, p. 1467. LÉVY,1996, p. 17

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(...) a idéia de uma substituição do real se reporta a uma di-cotomia visivelmente exportada das categorias da represen-tação; imagem no lugar do objeto, máquinas no lugar dohomem, imaginário no lugar do real. A operação que leva àsimulação é própria da imagem e da linguagem, onde querque elas se encontrem.68

Surgido no final dos anos 60, o termo realidade virtualservia para designar um conjunto de tecnologias de visualizaçãocom ajuda do computador. Hoje o mesmo termo remete a umagrande diversidade de conceitos e tecnologias de modelagem, vi-sualização e transmissão de dados: fractais, imagens de síntese, si-muladores de vôo, realidades artificiais, sistemas de telepresença,ciberespaço. Para muitos especialistas a realidade virtual é umaverdadeira janela que se abre para outros mundos, através da qualentramos em mundos simulados que podemos tocar e sentir dire-tamente como se fossem verdadeiros.

Assumimos neste trabalho o conceito de virtual enquantopossibilidade do real, já que nosso enfoque se concentra nas diver-sas possibilidades de construir o conhecimento proporcionadaspelas infovias. Acreditamos não poder falar em simulação sem fa-lar em irrealidade e não vemos o mundo que se descortina no ci-berespaço como algo irreal ou fruto da imaginação. Virtual é, por-tanto, a possibilidade de viajar por lugares nunca antes visitadosatravés do ciberespaço, representando imagens que antes, sim, fi-cavam apenas no nível da suposição, das simulações construídasem nosso cérebro, sem concretização. Hoje, com a tecnologia vir-tual, podemos tornar real o que antes era apenas imaginável.

68. PARENTE, 1999, p. 14

60

4.5 – A interatividade no ciberespaço:4.5 – o conhecimento compartilhado

Geralmente encontramos o termo interatividade atribuídoa novas tecnologias de informação e comunicação. Pierre Lévyaborda este tema em sua obra, Cibercultura, como um problema,justamente pelos diversos sentidos dados a esse termo, confun-dindo-o com interação muitas vezes.

A interação pode ser definida, entre outras coisas, como aexistência de reciprocidade das ações de vários agentes físicos oubiológicos, inclusive os humanos; a interatividade, por outro lado,define particularmente uma qualidade técnica das máquinas ‘inte-ligentes’. Essa qualidade técnica é que dá à máquina um conjuntode propriedades específicas de natureza dinâmica. Segundo PierreLévy o problema não está no uso do mesmo termo, mas em nãoexplicitar o que se entende por ele.

O autor fala de diversos tipos de interatividade que vãodesde a mensagem linear característica da imprensa, rádio, TV ecinema, conferências eletrônicas – até a mensagem participativados videogames e a comunicação em mundos virtuais, envolvendotrocas contínuas. A interatividade é caracterizada pela possibili-dade cada vez mais crescente, proporcionada pelos dispositivostécnicos, de transformar os envolvidos na comunicação, aomesmo tempo, em emissores e receptores da mensagem. Dessaforma, muda-se o conceito de comunicação, antes consideradauma relação passiva do emissor diante da mensagem emitida porum receptor. É inegável que a evolução da técnica direciona umnovo tipo de comunicação, interativa, mas não podemos dizer quesomente a evolução tecnológica implica uma nova forma de co-municação, já que muitos cientistas, fazendo amplo uso dos avan-ços tecnológicos, ainda permanecem na obsolescência quanto aoconceito de comunicação.

A grande contribuição das novas tecnologias de informá-tica e comunicação é que, ao mesmo tempo que elas rompem asbarreiras espaço-temporais, possibilitando a comunicação à dis-

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tância e em tempo real de múltiplos sujeitos geograficamente dis-persos, fornecem estruturas técnicas para a comunicação e oacesso à informação em rede. A possibilidade do trabalho em redecomo estrutura de acesso e tratamento de informação quantocomo estrutura de intercâmbio e de atividade participativa consti-tui a grande característica dessas tecnologias. A atividade em redeé bastante antiga e, na verdade, o que mudou foram as estruturasda rede, de crescente complexidade, cercadas de condições es-paço-temporais e pelas limitações dos dispositivos técnicos quecontinuam evoluindo de forma fantástica. Elas permitem imple-mentar novas formas de interação social, fazendo emergir a possi-bilidade da troca imediata no ciberespaço. Neste novo e revolucio-nário processo de comunicação, os indivíduos tornam-seemissores e receptores, produtores e consumidores de mensagens.A comunicação abandona, assim, sua forma linear e de mão única,para tornar-se poliglota, polissêmica e policêntrica.

Seria impossível falar em novas formas de comunicaçãosem falar no impacto que estas causaram no campo do conheci-mento. A tecnologia em si não basta e a construção do conheci-mento não pode ser abordada sem levar em conta o impacto tec-nológico. As relações na produção do saber passam a adquirirdimensões bastante inovadoras, tornando-se pluridirecionadas edinâmicas, abrindo possibilidades de vários interessados interagi-rem no próprio processo, rompendo com velhos modelos que serestringem à comunicação unilateral que privilegiam o emissorem detrimento do receptor. Este agora não deve apenas aceitar ounão a mensagem, mas tornar-se sujeito do processo de construçãodo conhecimento numa comunidade educacional interativa.

4.6 – Os modos de produção e recepção do texto escrito4.6 – no ciberespaço: a hipertextualidade

A compreensão das características que particularizam otexto escrito em meios eletrônicos demanda uma reflexão sobre as

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diferentes maneiras pelas quais, historicamente, os avanços tecno-lógicos promoveram alterações na estrutura lingüística e nos mo-dos de interação via linguagem escrita, privilegiados em diferentesépocas e contextos. Considerando as práticas de leitura, é possívelpercebermos uma evolução que vai desde a dependência total namodalidade oral, dos textos antigos, até uma fase em que a recep-ção da escrita passa a se ancorar mais no aspecto visual do texto.Neste momento o texto passa a desenvolver características pró-prias sem haver, no entanto, uma ruptura drástica entre as práticasorais e as escritas. O que ocorreu foi uma integração complexaonde textos orais e escritos passam a conviver de uma forma com-plementar e mista.

O contexto cibernético não só permite que a escrita ocupeespaços antes reservados a interações orais como viabiliza a exis-tência de um novo tipo de texto, o hipertexto, que se caracterizapor incorporar textos escritos e orais e diferentes recursos áudio-visuais: fotografia, som e vídeo.

Inicialmente o texto escrito tinha como suporte o rolo,uma longa faixa de papiro que o leitor precisava segurar com asduas mãos para poder desenrolar. Neste tipo de suporte, o textoera construído em trechos divididos em colunas que ficavam visí-veis, à medida que o rolo era desenrolado, no sentido horizontal,pelo leitor. A natureza desse suporte impedia que o leitor pudesseler e escrever simultaneamente, o que vem a se modificar com ocódex, um avanço em termos de suporte. Este se caracterizava porser um objeto composto de uma série de folhas dobradas, umcerto número de vezes, de modo a formar cadernos, que erammontados e costurados uns aos outros e protegidos por uma enca-dernação, semelhante ao livro que temos hoje. A invenção do có-dex permitiu que o texto fosse colocado na superfície da página elocalizado através da paginação, numerações e índices.

Na escrita cibernética, voltamos a ter a construção de umtexto que se apresenta na tela como uma grande faixa que se ex-pande no sentido vertical, mas cuja construção deixa de ser linearcomo era no rolo ou na escrita convencional: o hipertexto, que in-

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corpora elementos de navegação eletrônica que facilitam a locali-zação de trechos escritos de uma forma mais eficiente do queaquela permitida pelo texto no papel. Essa transição de um tipo desuporte para outro coloca o leitor frente a um objeto novo quepermite novos tipos de interação e pensamento bem como de-manda técnicas de leitura inéditas até então.

Vale ressaltar que embora a invenção do alfabeto grego te-nha sido um grande avanço para o sistema de escrita, a ausênciade espaçamento entre as palavras tornava o texto impossível de serlido apenas com o emprego dos olhos. Não havia uma outra formade leitura que não fosse o treino de leitura em voz alta, buscandoencontrar sentido nas letras escritas ininterruptamente. O espaçoentre as palavras, introduzido posteriormente, afetou a prática demanuscritos e favoreceu o desenvolvimento da cópia silenciosa.

Todo esse processo de visualização do texto contribuiupara que a escrita se impusesse como uma modalidade distinta ecom características particulares inéditas nos textos orais, o quetornou o texto mais adequado para esse novo tipo de recepção vi-sual e silenciosa. Essa tendência ganha maior projeção com a in-venção da imprensa, permitindo uma maior circulação de textosescritos nas práticas cotidianas e uma maior padronização dasnormas da escrita.

Na situação acadêmica, os alunos consultam textos escri-tos, discutem os textos lidos oralmente e produzem novos textosescritos a partir das leituras e discussões orais. Até mesmo os pro-fessores fazem uso da oralidade, fundamentados em textos escri-tos que demandam discussões e novas produções acadêmicas es-critas. Essa construção mista e híbrida de diversas formas deexpressão é uma marca da linguagem nos meios eletrônicos, comopodemos verificar nos textos que permeiam a interação nas salasde bate-papos e a construção de texto eletrônico ou hipertexto. Oprimeiro faz uso da escrita em situações de diálogo em tempo realenquanto o segundo não só expande e explora os recursos expres-sivos desenvolvidos pela escrita como também mescla diferentestipos de texto e linguagem de uma forma bem peculiar.

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Podemos verificar nos meios eletrônicos vários tipos dehipertextos: hipercards, que constituem os cartões eletrônicos queagregam diferentes linguagens e se apresentam como texto iso-lado; cd-roms, que apresentam um certo número de textos rela-cionados através de links eletrônicos, mas que permitem apenasleitura; hipertextos exploratórios, que são sistemas de distribui-ção de hipertextos contendo vasta gama de textos e outros dadosque podem ser acessados simultaneamente por vários usuários e,finalmente, os hipertextos abertos, que permitem aos usuáriosadicionarem textos ou novos links aos textos disponíveis em rede,possibilitando-os assumirem simultaneamente papéis de leitor eprodutor.

A possibilidade e a agilidade de acesso aos diferentes linksfavorece a construção de textos-base mais reduzidos, talvez moti-vados pelo estresse visual causado pela tela do computador. De-vido a essas características peculiares, o texto eletrônico não seconstrói mais de uma forma linear e seqüencial, como o texto im-presso, mas sim de uma forma multilinear e multi-seqüencial. Notexto impresso, o leitor tem acesso a um todo, o qual pode ou nãoser acessado de uma forma fragmentada enquanto que no hiper-texto o leitor tem a seu dispor não mais um todo fechado mas pos-síveis caminhos de navegação entre muitos textos. Outra caracte-rística do hipertexto aberto é que, diferente do texto impresso, eleé mais dinâmico e não passa pelo processo de revisão, edição e in-tenso trabalho antes da cópia final. Do ponto de vista lingüístico, aescrita no ciberespaço traz para o primeiro plano a relação entre afala e a escrita, construída, como já dissemos, de forma híbrida eincorporando não só essas modalidades, mas outras que os avan-ços tecnológicos colocam a nosso alcance.

Parente define o hipertexto, integrando as suas principaisfunções em sistema ideário:

(...) um método intuitivo de estruturação e acesso à base dedados multimídia; um esquema dinâmico de representaçãode conhecimentos; um sistema de auxílio à argumentação;uma ferramenta de trabalho em grupo. 69

65

Da passagem do rolo à tela, visto por muitos como o fimdo livro, é para Parente apenas um novo suporte para os textos, damesma forma que foi o códex. Nunca o livro e a leitura estiveramtão presentes, pois são textos o que está sendo distribuído pelas re-des eletrônicas.

O autor afirma que o hipertextual introduz três vetoresimportantes;

1- o aumento exponencial da transmissão e recuperaçãodo texto;

2- a participação do leitor na escritura, interagindo,transformando, introduzindo, imprimindo;

3- criação de textos em grupos através de sistemas degroupware70.

Enfim, um controle maior sobre o texto feito com precisãoe velocidade.

A cultura escrita sempre viveu de uma visão intelectualistae lingüística de que nada se interpõe entre o texto e o leitor. O hi-pertexto desconstrói essa idéia, rompendo com a seqüencialidadedo texto, com o modelo que o vê apenas como um objeto, não pas-sível de intromissão. Na realidade, numa visão mais contem-porânea de educação, sabemos que não podemos ter a leitura deum texto como um modelo engessado de interpretação. O texto sóse torna texto na sua relação com a exterioridade do leitor, quesó é exterior na medida que o texto também o é. O que antes erauma forma de dominação, hoje pretende ser uma forma de li-bertação. Ontem, o texto era escolar, hoje ele é a sociedademesma. Ele tem forma urbanística, industrial, comercial, televisivaou hipertextual.71

A escrita no hipertexto e no ciberespaço reúne algumasdas principais figuras de expressão da cultura contemporânea e

69. PARENTE,1999, p.80 70. groupaware: equipe71. PARENTE,1999, p. 89

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que Lévy chama de rizoma. São elas a multiplicidade, heterogenei-dade, acentramento, infinitude, metamorfose.

Cabe aqui fazermos uso de alguns princípios do rizomatextual retomados por André Parente:

1- Princípio da conexão: as conexões feitas de um pontode um rizoma a outro, por proximidade e vizinhança.Essas conexões são acentradas e topológicas, opondo-se ao modelo hierarquizado.

2- Não-linearidade: a ordem dos textos é eventual, po-dendo ser permutada ou combinada, através da açãodo leitor ou de um agente cibernético, lembrando osmovimentos vanguardistas da literatura.

3- Multilinearidade: mudança do conteúdo do texto, deacordo com o percurso do leitor.

4- Temporalidade: transformação do texto, na ordem eno conteúdo, dependendo da interação com o usuário.

5- Interatividade: pode se dar de duas formas: depen-dendo das diversas formas de relação hipertextual edas possibilidades que o sistema oferece ao usuáriopara interferir e transformar o texto, permitindo a co-autoria do leitor no texto.

6- Heterogeneidade: Aglomeração de atos diversos na ca-deia semiótica, não só lingüísticos como perceptivos,gestuais, cognitivos, provocando uma hibridização en-tre as diversas mídias utilizadas, a que se dá o nome dehipermídia ou multimídia.

Por todas essas considerações feitas a respeito do hiper-texto podemos relacioná-lo ao sonho de Mallarmé, eviden-ciado no livro Máquina e Imaginário, de Arlindo Machado, emque este sonho se sustenta na criação de um livro, O Livre, que secaracteriza por ser impessoal, sem autor, que se multiplica por ummovimento que lhe é próprio. Impossível de se transformar emrealidade no século XIX, parece ter-se tornado possível através docomputador. É finalmente um sonho tendo se convertido emrealidade.

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O sonho de Marllamé, perseguido durante toda sua vida,era dar forma a um livro integral, um livro múltiplo que jácontivesse potencialmente todos os livros possíveis, ou tal-vez uma máquina poética, que fizesse proliferar poemasinumeráveis; ou ainda um gerador de textos, impulsionadopor um movimento próprio, no qual palavras e frases pu-dessem emergir, aglutinar-se em arranjos precisos, para de-pois desfazer-se, atomizar-se em busca de novas combi-nações.72

4.7 – A linguagem dos chats: metáfora da liberdade

Nunca uma revolução foi tão rápida. Em apenas trintaanos, a rede de computadores criada pelos norte-americanos parauso militar transformou-se numa gigantesca malha de sites e demilhões de usuários, sendo alguns desses milhões brasileiros. Paraeles, o mundo depois da Internet já não é mais o mesmo e os jo-vens usuários vêem o computador como uma extensão natural desuas vidas. Querem respostas imediatas, são curiosos e valorizammuito o direito à liberdade, à privacidade e formam assim uma es-pécie de tribo que, paradoxalmente, sociabiliza a sua solidão, jáque viaja o mundo, visita museus e faz uma série de coisas semsair de seu quarto. Ganham uma nova identidade ao esconderem-se atrás de pseudônimos e, sem terem o desafio de olhar nos olhosde seus interlocutores, transformam-se em pessoas simpáticas, en-graçadas, arrojadas, podendo ser qualquer um que desejarem ser,transformando-se em atores comunicantes.

O isolamento social ocasionado pelas diversas possibilida-des que a rede oferece, pode ser considerado um grande vilão emtempos de ciberespaço, mas a desumanização e alienação alegadasjá eram antes existentes no ser humano devido à complexidade davida urbana, outro processo paradoxal de desumanização. À me-dida que as pessoas se aglomeram, mais se isolam em seus mun-dos sob o pânico da violência.

72. MACHADO, A. 1993, p.165

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O filósofo LÉVY apresenta a rede como um pharmacon,ou seja, nem veneno nem remédio, ou os dois ao mesmo tempo,dependendo do uso correto ou incorreto que se faz dela.

A virtualização do cotidiano e, especialmente, a Internet es-tão nos obrigando a conceber uma nova arquitetura, umaarquitetura dos espaços de comunicação e do conheci-mento, que tem por desafio político conciliar a rede “real” eo “cyberespace.” Estamos vivendo um momento em quedescobrimos novas formas de tradições e transmissão dastradições.73

Não existe um meio de recuar, na verdade a Internet jáfoi incorporada à vida cotidiana da classe média, proporcio-nando uma grande comodidade nunca antes estabelecida. Seu su-cesso é resultado de um jogo entre estímulo e resposta. A interati-vidade e a compulsividade de estar on-line e de obter respostasimediatas levam as pessoas a ficarem conectadas a um mundo semfronteiras, que já as levou a extremos patológicos, mas, em contra-partida, parece ter melhorado e ampliado o universo de relaçõesda maioria.

Um dos recursos mais populares utilizados na Internet sãoas salas de bate-papo (chats), os canais do MSN, Blogs, Fóruns e ofamoso e consagrado orkut. A possibilidade de conversar compessoas do outro lado do mundo, em tempo real associada ao con-fortável anonimato dos nicknames (apelidos) torna os chats atrati-vos para muitas pessoas. Recursos como o MSN permitem comu-nicações instantâneas em tempos de crise, desastres naturais,guerras e outros fatos.

Os blogs e os fóruns são hoje largamente usados como fer-ramentas de auxílio a aulas presenciais, logrando grande êxito,porque além de seu caráter atrativo, há uma possibilidade de inte-gração, possibilitando que tópicos de discussão sejam sempre atu-alizados, ampliando discussão para outras pessoas interessadas, seeste for público.

73. http: www.uol.com.br/internet/webzona/levy.htm

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Um dos aspectos mais interessantes destes novos ambien-tes virtuais é a linguagem característica, marcada pela iconizaçãoda mensagem, os smileys74 ou marcadores convencionais. Pode-mos notar também o largo uso dos termos de informática, umaeconomia dos caracteres digitados e um grande “descaso” com asregras gramaticais, isso sem ignorar a soberania da língua inglesano mundo. Novas palavras e expressões invadiram o vocabuláriodas pessoas fazendo com que haja uma tendência ao abrasileira-mento desses termos, já que muitos não possuem correspondentesna língua portuguesa.

Nessa ‘conversa’ escrita/teclada, os adolescentes internau-tas constroem um novo código discursivo, utilizando-se de recur-sos paralinguísticos que dotam a escrita de características de orali-dade: alongamentos de letras, emoticons (uma aglutinação dostermos emotion e icon) ou signos gráficos do teclado que acabampor construir expressões faciais sob uma perspectiva horizontal,abreviações, marcadores conversacionais entre outros, quebrandocada vez mais as fronteiras entre o oral e a escrita. Estas conversa-ções nas salas de bate-papo apontam para uma nova forma de re-presentação mental discursiva:

<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== oiiieeeeeeeee<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi OiOi Oi Oi !!!!!!!!!!!<[-FrAjOlA-]> hehehehehe<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== q foi???<[-FrAjOlA-]> saiu ontem naum?<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== não<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== :(<[-FrAjOlA-]> q foi dq?<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== q você riu<[-FrAjOlA-]> ri desses oi oi oi oi oi

74. Seqüência curta de caracteres, sendo letras ou símbolos, usual-

mente representando uma expressão facial. Seu intuito é expressar

algum tipo de sentimento, que suplemente a mensagem escrita.

70

<[-FrAjOlA-]> foi engraçado<[-FrAjOlA-]> hehehehe<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== a tha!!<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi Oi OiOi Oi Oi !!!!!!!!!!!<[-FrAjOlA-]> hehehehehehe<[-FrAjOlA-]> ¶:)<[-FrAjOlA-]> e<[-FrAjOlA-]> Autor: Leon Pessanha ([-FrAjOlA-])<[-FrAjOlA-]> ops, msg errada<[-FrAjOlA-]> hehehehe<Nathalia-Risso_felizinhaaaaaaa> ==^*^== q isso???????????<[-FrAjOlA-]> nada naum, é coisa do meu script* [-FrAjOlA-] está usando »¡« FrAjOlA Script »!« pegue sua cópia [email protected] <[-FrAjOlA-]> hehehehehehe<[-FrAjOlA-]> mó doidera [-FrAjOlA-] é [email protected] * Pergunte pra mim![-FrAjOlA-] é um nick registrado[-FrAjOlA-] está em #campos[-FrAjOlA-] usando irc.matrix.net.br[-FrAjOlA-] inativo 8segs, conectado desde Sábado 21/07/2001 16:26

Se observarmos o que LURIA afirma a respeito da lingua-gem escrita, veremos que está havendo, nos chats, um processoque desconstrói sua verdade, tal a criatividade que envolve a lin-guagem dos internautas:

A linguagem escrita não contém quase nenhum meio com-plementário, não verbal, de expressão. Não supõe nem o co-nhecimento da situação por parte do destinatário, nem umcontato simpráxico, não dispõe dos meios (gestos, mímica,entonação, etc.) que desempenham o papel de ‘marcadoressemânticos’ no monólogo e o procedimento de separação departes do texto com a pontuação ou por meio de parágrafosé somente um substituto parcial destes marcadores. Destaforma, toda a informação expressa na linguagem escrita de-verá se apoiar somente na utilização suficientemente com-pleta dos meios gramaticais desdobrados da linguagem. 75

71

Ao escrever o que lemos acima, o autor não imaginava quedécada mais tarde o computador invadiria a vida das pessoas,muito menos a Internet ou os canais de bate-papo, revolucio-nando assim a linguagem escrita, extrapolando seus moldes con-vencionais. Não imaginaria ele que os traços semânticos de quefala, hoje, já se estabelecem na escrita peculiar dos internautas. Es-tamos diante de uma linguagem escrita constituindo diálogosmantidos em tempo real, que tem um retorno imediato, e sem queas pessoas estejam face-a-face.

A rapidez da comunicação via chat ou e-mail permite umafluência maior da linguagem, quase com a mesma rapidez da fala.Quando escrevemos uma carta para alguém, entre o tempo da es-crita e o envio da mesma, há um período para se repensar seu con-teúdo. Na rede, escreve-se o que se pensa e a mensagem é publi-cada imediatamente.

Se tivermos a oportunidade de passar alguns minutos deconversa on-line, ou visitar esses mundos virtuais, como pudemosperceber acima, iremos nos deparar com as palavras abreviadas,até o ponto de se converterem em uma, duas, ou, no máximo, trêsletras (não = n; sim= s; de=d; você =vc; qualquer=qq). Isso sem fa-lar no extermínio da pontuação e da acentuação (é =eh; não=naum), remetendo-nos dessa forma à fonética e não à etimologiadas palavras. Acrescentamos ainda o interessante e amplo uso deemoticons, entre os quais destacamos alguns:

: ) expressão de alegria: ( expressão de tristeza: ))))) gargalhada[ ] abraço}{ beijo

A que se pode atribuir esse jeito tão peculiar de escrever,não perdendo de vista que pertence, em sua maioria, a jovens?Não é preciso ir muito longe para obtermos a resposta para essa

75. LURIA, 1986, p.169

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indagação. A linguagem sempre foi ou pretendeu ser um instru-mento de liberdade (e de dominação), de revelação de uma ideo-logia, que permeou e continua permeando a nossa historia. Todosos avanços sociais e culturais só aconteceram porque alguém ou-sou falar, de modo diferente, o que ninguém talvez jamais tivessetentado, mesmo que tenha pensado. Foi assim com a questão daabolição da escravatura, da independência dos países, da con-quista da mulher por um espaço sem discriminação. É assim como preconceito racial, com a conquista pelo direito ao voto (Diretasjá”), com as lutas políticas em que o povo tem voz e vai às ruas di-zer não a um sistema econômico repressor e massacrante, comovimos na revolta do povo no país vizinho, Argentina, contra o go-verno de Fernando de La Rua( dezembro, 2001). Isso apenaspara citar alguns fatos em que a linguagem tenha sido sinônimode libertação.

Pensamos que a linguagem dos jovens nos canais de con-versas virtuais, nada mais é do que um exemplo deste caráter li-bertário inerente à linguagem. Não pretendemos aqui abordar aquestão da ‘falta de linguagem dos jovens, que não falam nem es-crevem e ninguém sabe como se comunicam’, queixa freqüentedos mestres. Não estariam eles pretendendo exterminar de vezcom a língua engessada que lhes é imposta nos bancos escolares,cobrada nos vestibulares e que, segundo eles, nada ou muitopouco tem a ver com a fala, grande questionamento de muitos?Ou seria apenas sua linguagem mais uma transgressão entre tan-tas feitas por essa juventude que não sabe para que direção sevolta, mas caminha e, nesse caminho, aprofunda raízes que, longede serem ignoradas, certamente terão repercussão na nova socie-dade que se forma?

Segundo Bakhtin a língua vive e evolui historicamente nacomunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstratodas formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes.76

E daí para deduzirmos que uma grande transformação da línguase avizinha, é preciso muito pouco.

76. BAKHTIN, 1981, p. 124

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A verdadeira mistura de diversos elementos que é o dia-leto dos chats, o uso de códigos importados da informática e errosortográficos, freqüentemente propositais, seria um espelho daproposta da Internet: uma rede democrática que se governa por simesma. A alteração da grafia seria, como já dissemos, uma trans-gressão de regras que não constituem nenhuma novidade se noslembrarmos da linguagem dos telégrafos ou dos radioamadores.

Uma hipótese levantada por Lévy para essa nova lingua-gem seria a criação de uma ideografia dinâmica, misturando oprincípio de escritas que utilizam conceitos ou idéias ao invés desímbolos fonéticos com o caráter dinâmico dos novos suportesmultimídia. A exemplo das representações pictóricas, essa seriauma forma de comunicação universal, passível de compreensãopor todas as pessoas, uma revolução, por assim dizer, nas rela-ções humanas.

Vale ressaltar aqui a distinção feita por Fiorin quanto adiscurso e texto. Segundo ele o discurso é o reflexo de uma ideolo-gia, ou seja, a materialização das formações ideológicas77 en-quanto o texto é o lugar de manipulação consciente em que o indi-víduo organiza os elementos de expressão disponíveis paraveicular seu discurso. O discurso para Fiorin é, portanto, social, eo texto, individual. Todo texto cita outros textos, já que é determi-nado pelas formações ideológicas, sendo o enunciador o suporteda ideologia. O seu dizer é a reprodução inconsciente do dizer deseu grupo social.

No entanto é no texto que o falante pensa estar inovando,daí a ilusão da liberdade discursiva.O discurso simula ser indivi-dual já que o campo da organização individual é o plano da mani-festação pessoal. O discurso é, portanto o lugar das coerções soci-ais, enquanto o texto é o espaço da “liberdade” individual.78 Odiscurso simula ser individual para ocultar que é social.

Falamos acima na liberdade com que os jovens usam a lín-gua, transgredindo normas gramaticais, reinventando a própria

77. FIORIN,1998, p.4178. IBIDEM, p.42

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língua e atribuímos isso à necessidade de liberdade, de ir além dasnormas coercitivas de uma sociedade. Na verdade, o discurso dosjovens na Internet retrata a ideologia da classe jovem, seus pensa-mentos, desejos e mistérios, conflitos e medos, mas o seu texto, aoparecer diferente, novo, transgressor simula no espírito do falanteo sentimento de liberdade de expressão e ele aparece aí livre de to-das as coibições sociais que lhes são impostas.

4.8 – Entre o verso e o reverso – a verdade de cada um

É necessário advertir que não nos lançamos deslumbrada-mente frente a esta nova conquista humana sem vermos o ladocontraproducente deste fenômeno de mundialização proporcio-nado pela cibercultura. O que tentamos ressaltar é que estamos di-ante de um fenômeno irreversível, que está mudando o rumo dahumanidade no que diz respeito à informação e ao conhecimentode um modo geral, e não podemos ignorá-lo, mas ao contrário,sermos parceiros, sem deixarmos de ser críticos, desse processo,fazendo uso do que consideramos producente e conexo.

Todas as transformações vividas pelo mundo contemporâ-neo e pela sociedade capitalista acabaram conduzindo a um au-mento progressivo de questionamento das diversas estruturasconsagradas ao longo da modernidade.

Os pressupostos conceituais que antes figuravam válidospara a explicação do mundo foram sendo colocados em xeque, ge-rando uma situação de perplexidade e de crise de modelos quevem atingindo todas as áreas, inclusive e mais amplamente a dosaber. É consensual no meio acadêmico e intelectual que as ciên-cias vivem imersas numa crise existencial sem precedentes na his-tória da humanidade. Esta crise transpõe o âmbito acadêmico e ci-entífico para penetrar na vida das pessoas.

Sabemos que o ciberespaço trouxe com ele uma série decontradições e vemos neste contexto os dois lados desta moeda: deum lado a rede como supermercado planetário, como a vê Bill Ga-

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tes e, do outro, como elemento que propaga a cibercultura propor-cionando as trocas de saberes, as novas formas de cooperação e decriação coletiva nos espaços virtuais.

Não pretendemos nos debruçar neste trabalho sobre olado negativo que permeia a questão, pois toda nova descobertapossui, de certa forma, algo que implica perdas e danos. Foi assimcom a imprensa que preteria a língua falada e a escrita manual (eos escribas); com a expansão das rodovias que colocava em xequeas ferrovias (e os ferroviários); com a fotografia, objeto de questio-namento dos artistas plásticos; com o telefone que substituía osbate-papos presenciais, afastando o homem do convívio social;com a televisão que desunia a família não permitindo mais suaslongas conversas noturnas na sala de estar, divertindo e ‘corrom-pendo’ o homem; com a chegada do homem à lua, que diminuía oespaço interplanetário, detonando sonhos e ilusões e tornandopossível o nunca antes imaginado; com a máquina que agilizava otrabalho do homem, ao mesmo tempo que o excluía dos antigosmoldes do mundo produtivo e, finalmente, o computador, que‘aprisiona e isola as pessoas’, trazendo com ele a possibilidade depasseios globalizados pela Internet.

Muitas são as críticas que se fazem da mundializaçãoacentuada por esta ferramenta do século XX, produzindo avançosgigantescos em todas as áreas do conhecimento científico, bemcomo nos campos da técnica, mas que, em contrapartida, produ-ziu nova cegueira para os problemas globais fundamentais e com-plexos, e esta cegueira gerou inúmeros erros e ilusões... afirmaMorin.79

Entre tantas críticas que são feitas podemos destacar algu-mas, juntamente com a desconstrução que Lévy faz a seu respeito.Uma delas seria a tão propalada substituição dos valores humanospelo acirramento do uso da técnica. Segundo esse autor é um errosupor que o virtual substitui o real, as telecomunicações e a tele-presença vão substituir os deslocamentos físicos e os contatos di-retos. A perspectiva da substituição negligencia a análise das práti-

79. MORIN, 2000, p. 45

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cas sociais efetivas e parece cega à abertura de novos planos deexistência.80 Comungamos da assertiva de Lévy que diz que é in-dispensável a lucidez e o reconhecimento de que a cibercultura éum fenômeno irreversível e parcialmente indeterminado e seriano mínimo negativista um pensamento voltado para os aspectosminoritários, como a cibercriminalidade; parciais, como o cibe-respaço a serviço do poder dominante; ou equivocados como asubstituição do real pelo virtual, ou o espaço geográfico sob aameaça de desaparecimento.

Na contramão da abordagem de Lévy temos afirmativasdiferentes quanto a esse processo de virtualização:

Do mesmo modo como o hipertexto remove as barreiras dapágina impressa, a era da pós-informação vai remover asbarreiras da geografia. A vida digital exigirá cada vez menosque você esteja num deteminado lugar em determinadahora, e a transmissão do próprio lugar vai começar a se tor-nar realidade.81

Hoje em dia, quando a noção de distância deu lugar, em fí-sica, à noção de uma potência de emissão instantânea, aótica ondulatória alcança uma flutuação das aparências naqual a distância não é mais, como desejava o poeta, a pro-fundidade da presença, mas somente sua intermitência.Com o intervalo de espaço (signo negativo) e o intervalo detempo (signo positivo) tendo há pouco cedido lugar ao in-tervalo do signo nulo da velocidade-luz das ondas que vei-culam a informação, examinemos agora os problemas colo-cados pela inovação de uma digitalização dos sinais (áudio,vídeo e tácteis) permitindo não mais, como antes, com a es-tética do aparecimento, a representação da realidade sensí-vel, mas antes sua efetiva apresentação intempestiva graçasaos captadores, sensores e outros teledetectores daquilo quedesignamos como telepresença.82

80. LÉVY,1999, p. 21181. NEGROPONTE, 1995, p. 159 82. VIRILIO, 1993, p. 103

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Outra crítica feita ao ciberespaço e rechaçada por Lévy é aquestão da dominação, ou seja, a suspeita alardeada por muitos deque a cibercultura serve aos interesses do capitalismo virtualemergente ou do novo sistema de domínio mundial tecno-facista,ciber-financeiro ou americano-liberal. Segundo Lévy esta é umaverdade apenas parcial, já que a grande mudança da civilizaçãocontemporânea leva a uma reinterpretação da natureza da potên-cia militar, econômica, política e cultural. Com essas novas práti-cas de informação algumas forças atuais ganharão poder, outrosirão perdê-lo enquanto outros começam a ocupar espaços que nãoexistiam antes da emergência do ciberespaço. Impossível deter ocrescimento do setor econômico já que qualquer grupo ou indiví-duo que lance mão de um mínimo de competências técnicas, podeinvestir no ciberespaço por conta própria e adquirir dados, entrarem contato com outros grupos e difundir informações que elejulga dignas de interesse.

O que devemos ter em mente é que o capitalismo não é in-compatível com a democracia, nem a inteligência coletiva com su-permercado planetário. Não podemos escolher um em detrimentodo outro. O ciberespaço não muda em nada o fato de que há rela-ções de poder e desigualdades econômicas entre os humanos. Aocontrário, como afirma Lévy,

(...) ao aumentar a transparência do mercado e facili-tar as transações diretas entre fornecedores e consumi-dores, o ciberespaço certamente acompanha e favoreceuma evolução “liberal” na economia da informação edo conhecimento e até mesmo, provavelmente, nofuncionamento geral da economia.83

Na esteira da acusação de um processo de dominação tra-zida pela cibercultura, temos outra, a da exclusão social e desi-gualdade entre classes de uma sociedade e entre nações de paísesricos e pobres. O risco é real, pois o acesso ao ciberespaço exige

83. LÉVY, 1999, p. 232

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infra-estruturas de comunicação e de máquinas de custo alto paraas regiões em desenvolvimento, além de a montagem e a manu-tenção constituírem um alto investimento. Se estes equipamentosestivessem disponíveis para a massa, seria preciso superar os obs-táculos humanos, ultrapassando os freios institucionais, políticose culturais bem como os sentimentos de incompetência e desqua-lificação frente às novas tecnologias.

Para Lévy, os instrumentos com suporte digital é a conju-gação eficaz das inteligências e das imaginações humanas, distri-buída por todos os lugares, aquilatada constantemente, colocadaem sinergia em tempo real, proporcionando a inteligência, que elechama de coletiva, que contribui para acelerar a mutação em an-damento e para isolar ou excluir ainda mais aqueles que dela nãoparticiparem.

É o fim do mundo “exterior”, o mundo inteiro torna-se su-bitamente endótico, um fim que implica tanto o esquecimento daexterioridade espacial quanto da exterioridade temporal (now-fu-ture) em benefício único do instante “presente”, deste instante realdas telecomunicações instantâneas.84, afirma Virilio, um dos prin-cipais críticos da chamada cibercultura, embora ele negue vee-mente isso em seu discurso. Mas não podemos nos esquecer deque o processo de universalização que presenciamos, bem como avirtualização e aceleração de mudanças são apenas tendências defundo, que deverão ser irreversíveis e, portanto, cabe-nos integrá-las aos nossos raciocínios e decisões.

Entre tantos pontos positivos do ciberespaço que Lévyaborda, devemos aqui citar o que consideramos importante para odesenvolvimento desse trabalho: a rede é um espaço livre de co-municação interativa e comunitário; um instrumento mundial deinteligência coletiva. Outros há que vêem o ciberespaço como umshopping center em escala mundial, concluindo o último estágiodo liberalismo econômico, já que seu objetivo final é a venda deprodutos que os torna financeiramente estáveis; outros ainda que

84. VIRILIO, 1993, p. 107

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fazem uso deste espaço globalizado para darem vazão a suas neu-roses e psicopatias, mas não serão nestes que vamos nos deter.

Temos ainda uma veemente crítica ao despertar dessas no-vas tecnologias no pensamento de Baudrillard que coloca o ho-mem como vítima da máquina da mesma forma que ela o é dele.A técnica, segundo ele, é alienante e torna o homem uma excres-cência inumana das faculdades maquinais85.

A extrema importância hoje dada à máquina significapara ele ser vencido por ela, preterindo dessa forma o sentimentoe o pensamento humanos:

Se apostamos nesse tipo de inteligência, entendida comofunção superior a todas as outras, coordenadora de todas asoutras, mas função ela mesma de um aparelho técnico e demodelos operacionais, se nos agarrarmos a essa definiçãopoderosa, então estamos vencidos antecipadamente pelamáquina.86

Ainda mais à frente ele afirma sobre a inutilidade do pen-samento diante da supersignificação dada à máquina:

Liberado de toda funcionalidade, doravante condenado àsmáquinas intelectuais entregue à clandestinidade, o pensa-mento se torna de novo livre para não levar a lugar algum,para ser a efetuação triunfal do Nada, para ressuscitar oprincípio do Mal.(...) doravante estamos livres de uma outra liberdade.Libertos da representação por seus próprios represen-tantes, os homens estão enfim livres para ser o que sãosem passar pela pessoa do outro, nem mesmo pela li-berdade ou pelo direito de serem livres(...) As palavras, a linguagem estão livres para se corresponderem sempassar pelo sentido. Assim também, liberta da repro-dução, a sexualidade se torna livre para se desdobrar

85. BAUDRILLARD, 2002, p. 12186. IBIDEM, p. 122

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no sentido do erótico, sem a preocupação com os finse com os meios.87

Encontramos nas colocações de Jean Baudrillard talvezuma das mais contundentes críticas a esse processo de moderniza-ção liderado pelas máquinas.É o homem perdendo sua própriaidentidade diante da sedução proporcionada pela tecnologia. É re-alizada a troca impossível entre o homem e a máquina, já que ne-nhum deles, máquina ou homem, deve perder sua singularidade eespecificidade para tomar uma o lugar do outro e vive-versa.

4.9 – Por uma inteligência coletiva

Como já dissemos anteriormente, não nos cabe aqui mos-trar o lado obscuro da tecnologia, mas enfatizar o lado produtivo,vendo-o como bem público. A World Wide Web é um gigantescodocumento auto-referencial, onde dialogam uma multiplicidadede pontos de vista, até mesmo dos que criticam a Web.

Convencido de que não existe uma abordagem neutra eobjetiva da cibercultura, Pierre Lévy defende o projeto da ‘inteli-gência coletiva’ já que o melhor uso possível das tecnologias digi-tais deve ser permitir que os seres humanos conjuguem suas ima-ginações e inteligências a serviço do desenvolvimento e daemancipação das pessoas.88 Este projeto é o dos primeiros idea-lizadores e defensores do ciberespaço, a aspiração mais profundado movimento da cibercultura, não é uma ‘utopia’ tecnológica,mas o aprofundamento de um ideal de emancipação e de exalta-ção do humano que se fundamenta nas disponibilidades técnicasde nossos dias.

Lévy destaca que esse projeto é acompanhado por trêsproposições fortes. A primeira é que não deve haver submissão dosujeito ou consumidor na inteligência coletiva, sob pena de des-

87. IBIDEM, P. 12488. LÉVY,1999, p.208

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caracterizar seu nome e sua função primeira. Sua atividade deveser espontânea, descentralizada e participativa, não excluindo ofavorecimento dos poderes científicos, econômicos ou políticos,visto que foi isso que permitiu à Internet o desenvolvimento quetem hoje.

A segunda proposição é que a inteligência coletiva não éum programa a ser aplicado ou uma solução pronta para serusada, é antes uma cultura a ser inventada, um projeto que valo-riza as singularidades, que serve, em última instância à pessoa.Lévy vê o projeto com uma natureza ambivalente, como já disse-mos antes neste trabalho, pharmacon, ou seja, remédio e venenoao mesmo tempo.

Em último lugar, o autor destaca que a existência de su-portes técnicos não garante a atualização das virtualidades maispositivas no que diz respeito ao desenvolvimento humano, poismesmo que o ciberespaço estenda-se de forma irreversível, o fu-turo permanece em aberto quanto a seu significado final paranossa espécie.

Essa constatação faz-nos reportar a uma abordagem feitapor Morin, onde ele afirma que vivemos um mundo de incertezas:

Nova consciência começa a surgir: o homem, confrontadode todos os lados às incertezas, é levado em nova aventura.É preciso aprender a enfrentar a incerteza, já que vivemosem uma época de mudanças em que os valores são ambiva-lentes, em tudo que é ligado. 89

Toda esse pensamento a respeito do projeto de inteligência

coletiva possui inúmeros obstáculos que vão desde os mal-enten-didos até às idéias pessimistas propagadas por críticas sem funda-mento, mas, como o próprio Pierre Lévy diz, nada há de certeza,apenas uma idéia e um projeto voltado para o desenvolvimento dahumanidade.

89. MORIN, 2000, p. 84

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5 – A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTOÀ LUZ DAS TEORIAS COGNITIVAS

Diante das questões abordadas no primeiro capítulo, po-demos perceber que o homem mudou nas suas relações com ouniverso, com o outro, e isto implica, naturalmente, mudança nosmodelos como vem construindo seu conhecimento até então.

Iniciaremos agora uma viagem pelos caminhos trilhadosaté então pelos estudiosos que se voltam para o processo do co-nhecimento até chegarmos a novas abordagens sobre este tema,deixando evidente que um mundo, cujo modelo de transmissãodo saber transforma-se a cada dia mediado por novos paradigmasde informação, não pode ficar imutável e passivo.

5.1 – A relação sujeito/objeto

Nosso entendimento sobre o conhecimento sempre tevecomo parâmetros as teorias que abordam a relação entre sujeito eobjeto, colocando-os ambos em patamares distintos, separadosum do outro, vendo o sujeito como aquele que se apropria do ob-jeto e após a exploração e investigação do mesmo, constrói seuconhecimento.

Este modelo, que separa o sujeito do objeto, atravessou ge-rações e sobre este pilar, muitas teorias de desenvolvimento cogni-tivo foram sendo difundidas.O paradigma cartesiano separa o su-jeito e o objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia e a pesquisareflexiva de um lado, e de outro a ciência e a pesquisa objetiva.

Segundo Edgar Morin909 esta dissociação atravessa o uni-verso de um extremo a outro:

90. MORIN, 2000, p. 26

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Sujeito /ObjetoAlma/CorpoEspírito/MatériaQualidade/QuantidadeFinalidade/CausalidadeSentimento/RazãoLiberdade/DeterminismoExistência/Essência

O paradigma acima, segundo o autor, produz dupla visãodo mundo, ou seja, o desdobramento de um mesmo mundo: deum lado, o mundo dos objetos passíveis de observações, ma-nipulações e experimentações; de outro, o mundo dos sujeitosque se questionam sobre problemas de existência, de comunica-ção, de destino.

Até bem pouco tempo, e mesmo ainda hoje, as teoriasde aprendizagem dividiam-se em duas correntes: uma empiristae outra apriorista. Para o primeiro as bases do conhecimento es-tão nos objetos, em sua observação; os indivíduos são conside-rados tábulas rasas e o conhecimento algo fluido, que pode serrepassado de um para o outro pelo contato entre eles, seja deforma oral, escrita, gestual... É nesta teoria que se baseia a maio-ria das correntes pedagógicas que conhecemos, entre elas obehaviorismo.91

Para os aprioristas ou inatistas, a origem do conhecimentoestá no próprio sujeito, ou seja, sua bagagem cultural está geneti-camente armazenada dentro dele, bastando que o estimulem paraque este conhecimento seja aflorado.

Muitos estudiosos, entre estes Piaget e Vygotsky, base-ando-se nestes estudos, elaboraram sua própria teoria, fundindoas duas correntes acima mencionadas em uma única, sob o pontode vista interacionista, ou seja, o desenvolvimento mental seriafruto da interação do organismo com o meio; a forma como o co-

91. Teoria e método de investigação psicológica que procura examinar de modomais objetivo o comportamento humano e dos animais, com ênfase nos fatos objeti-vos(estímulos e reações).

84

nhecimento é formado na mente, o desenvolvimento cognitivo,era pesquisado cientificamente.

Faz-se pertinente, portanto, que estes autores acima men-cionados sejam trabalhados, haja vista a importância de seus estu-dos para a questão da construção do conhecimento. Apontaremostambém na direção de novos estudos bastante contemporâneosque, de uma certa forma, acabam por desmistificar antigas teorias,sem contudo desmerecê-las. Sabemos que o assunto abordadoneste trabalho é muito instigante e suscita sempre novas pesqui-sas, principalmente no âmbito do conhecimento; não podemos,pois, ficar indiferentes diante das mudanças que acontecem nouniverso, num momento em que podemos estar conectados a vá-rios lugares do planeta e ainda assim considerarmos que nada mu-dou na relação homem/saber.

5.2 – O conhecimento sob a perspectiva5.2 – do desenvolvimento cognitivo

Piaget, biólogo suíço, estudou o desenvolvimento da in-teligência, do nascimento à maturidade do ser humano, ana-lisando a evolução do raciocínio. Fruto de suas observações,sistematizadas posteriormente como uma metodologia de análise,o método clínico, Piaget estabeleceu as bases para sua teoria,formalmente chamada de EPISTEMOLOGIA GENÉTICA. Emsua teoria, ele aborda as relações entre sujeito e meio como inte-ração radical, de modo que a consciência não se inicia a partir doconhecimento dos objetos nem através da ação do sujeito, maspor um estado diferenciado. Desse estado derivariam dois movi-mentos complementares, que ele vai nomear de incorporação eacomodação.

O trabalho de Piaget como biólogo influenciou largamenteno sistema concebido por ele para explicar o desenvolvimento in-telectual. Trabalhando nesta área com moluscos, ele tomou conhe-cimento da interação destes com o meio ambiente. Os moluscos, a

85

exemplo dos organismos vivos, adaptam-se constantemente àsmudanças de condições ambientais, o que levou Piaget a conside-rar que os atos biológicos são resultado de adaptação ao meio fí-sico e que contribuem na organização do ambiente.

A partir daí Piaget passou a entender o desenvolvimentointelectual nos mesmos moldes do biológico, ou seja, os conceitosbiológicos seriam apropriados para pesquisar a evolução mentalentendida como atos de organização e adaptação ao meio.

Para Piaget, a atividade intelectual não deve ser vista dis-sociada do funcionamento total do organismo da mesma formaque o processo de organização não deve estar separada do pro-cesso da adaptação:

Do ponto de vista biológico, a organização é inseparável daadaptação: eles são dois processos complementares de umúnico mecanismo, sendo que o primeiro é o aspecto internodo ciclo do qual a adaptação constitui o aspecto externo.92

Quatro conceitos cognitivos básicos são necessários paraentender o processo de organização e adaptação intelectual, sob oponto de vista de Piaget, e usados para explicar por que e de quemodo o desenvolvimento cognitivo acontece: esquema, assimila-ção, acomodação e equilibração.

5.3 – Os conceitos cognitivos na teoria5.3 – desenvolvimentista de Piaget

O primeiro conceito abordado por Piaget, e que vai conse-qüentemente influir sobre os demais, é o que ele chama de esque-mas ou estruturas mentais cognitivas pelos quais os indivíduos seadaptam e organizam o meio, modificando o desenvolvimentomental. Podemos pensar nestes esquemas como sendo um ar-quivo que possui várias fichas, cada ficha representando um es-

92. PIAGET, 1952, pág. 7

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quema. Estes esquemas são usados para processar e identificar aentrada de estímulos, deixando o organismo pronto para diferen-ciar estímulos e generalizar. Uma criança nasce com poucos con-ceitos e categorias e, à medida que amadurece e novos estímuloslhe são apresentados, novas categorias vão sendo agregadas àque-las numa contínua mudança ou refinamento.

Os esquemas são estruturas intelectuais que se transfor-mam à proporção que o organismo amadurece, tornando o indiví-duo mais apto a generalizar os estímulos. O desenvolvimento inte-lectual consiste, portanto, num contínuo processo de construção ereconstrução e os processos responsáveis por essa mudança contí-nua são a assimilação e a acomodação.

A integração de um novo dado perceptual, motor ou con-ceitual aos esquemas já existentes se dá através do processo de as-similação, termo que Piaget toma emprestado da Biologia, aná-logo ao processo biológico de comer, em que o alimento éingerido e assimilado ou transformado. A assimilação é um pro-cesso contínuo e o ser humano está sempre assimilando umgrande número de estímulos. O processo de assimilação possibi-lita a ampliação dos esquemas que, em vez de serem substituídos,são apenas transformados.

A essa criação de novos esquemas e a transformação deantigos, Piaget chama de acomodação. Os esquemas refletem o ní-vel de compreensão e conhecimento do mundo da criança. Osprocessos de assimilação e acomodação, que tornam os esquemasprimitivos em esquemas sofisticados, tomam anos. Nenhum com-portamento, no entanto, é só assimilação ou só acomodação, masreflete os dois processos embora um se evidencie mais que o outroem determinados momentos.

Na assimilação, os estímulos têm de se adaptar à estruturacognitiva da pessoa, enquanto que na acomodação esta obriga-se amudar seu esquema para acomodar os novos estímulos. O desen-volvimento, resultado da acomodação, e o crescimento, da assimi-lação, explicam a adaptação intelectual e o desenvolvimento dasestruturas mentais.

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Os processos de assimilação e acomodação não deve sedar irregularmente ou de forma arbitrária, a não ser se estiver-mos diante de um desenvolvimento intelectual anormal, portantoum balanço entre os processos de assimilação e acomodação étão necessário quanto os processos em si. A este balanço, Piagetdá o nome de equilíbrio, mecanismo auto-regulador necessáriopara assegurar uma competente interação do homem com o meioambiente.

Sempre que há um novo processo de assimilação e conse-qüente acomodação, provém um desequilíbrio que antecede umnovo equilíbrio. A esta passagem do desequilíbrio para o equilí-brio dá-se o nome, na teoria de Piaget, de equilibração. Uma pes-soa, ao experimentar um novo estímulo, tenta fazer a assimilaçãodeste estímulo ao esquema existente. Se houver sucesso, o equilí-brio é conseguido no momento, mas se isso não suceder, ela tentafazer uma acomodação, transformando o esquema já existente oucriando um novo, é o desequilíbrio que gera a assimilação do estí-mulo e o equilíbrio é alcançado.

De uma forma geral, e segundo estudos piagetianos, édesta maneira que o conhecimento é construído ao longo da vida,resultante do crescimento e do desenvolvimento cognitivo. Deforma análoga ao desenvolvimento biológico diante do mundoque nos cerca, o desenvolvimento mental ou intelectual é tambémuma forma de adaptação, que está intrinsecamente associada aosestímulos ambientais (grifo meu).

5.4 – O desenvolvimento contínuo e os fatores5.4 – que interferem neste processo

Para Piaget o desenvolvimento cognitivo é um processocoerente de sucessivas mudanças qualitativas das estruturas cogni-tivas, resultantes cada uma da estrutura precedente. Como já dis-semos anteriormente, novos esquemas não substituem os anterio-res, apenas os incorporam, gerando uma mudança qualitativa.

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Essas mudanças no desenvolvimento são graduais, não irrompemde repente e, para entender o crescimento cognitivo, devemosapresentar os quatro estágios seqüenciais instituídos por Piaget :

1- Sensório-motor – ( 0 – 2 anos) – é o estágio desde onascimento até a aquisição da linguagem. O bebê assi-mila mentalmente o meio-ambiente através dos refle-xos neurológicos. A noção de espaço e tempo é criadapela ação. A inteligência é prática. Por reflexo a cri-ança ‘mama’ o que ele leva à boca, pega tudo que estáao seu alcance e vê o que está na sua frente, até que sejacapaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo à boca.

2- Pré-operatório – ( 2 – 7 anos) – estágio em que a cri-ança se torna capaz de representar mentalmente o queocorre no meio, priorizando alguns aspectos e outrosnão, numa percepção global. Ainda não consegue es-tabelecer relações e é centrada em si mesma. É o perí-odo da aquisição da fala.

3- Operatório-concreto – ( 7 – 11 anos) – estágio em quea criança já é capaz de executar operações concretas,consegue fazer relações e abstrações de dados da reali-dade. Apresenta sinais de lógica, própria do períodoescolar, e começa a pensar de forma organizada e sis-temática.

4- Lógico-formal – (11 – 15 anos) – estágio no qual acriança consegue abstrair totalmente, realiza opera-ções formais. É capaz de pensar em todas as relaçõeslogicamente possíveis.

Como pudemos perceber, o desenvolvimento é concebidocomo um fluxo contínuo em que um estágio abre as portas para oestágio posterior, num processo cumulativo, integrando às etapasanteriores novas aquisições. A proposta de idade instituída nos di-ferentes estágios não deve ser considerada como fixa. Eles apenasapresentam o comportamento intelectual esperado num desenvol-vimento típico ou normal, de acordo com os estudos de Piaget.

É o próprio Piaget que esclarece:

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De um modo geral, o fato a ser enfatizado é que o padrão decomportamento, característico dos diferentes estágios, nãose sucede um ao outro de modo linear (aqueles de um dadoestágio desaparecendo no momento em que o que se seguetoma forma), mas como camadas de uma pirâmide (de cimapara baixo ou de baixo para cima), em que o novo padrãode comportamento, simplesmente, é adicionado aos velhospara completar, corrigir ou com eles combinar.93

Associados ao fator idade, ou estágios de desenvolvi-mento, outros fatores propostos por Piaget levam ao desenvol-vimento cognitivo e às relações que se estabelecem entre eles. Fa-tores como maturação, experiência ativa, interação social e umprogresso geral do equilíbrio e suas interações são consideradospor Piaget como condições necessárias para o desenvolvimentocognitivo.

5.5 – O espaço da interação social

Retomando o fluxo de nosso trabalho sob o viés da cons-trução do conhecimento numa perspectiva contemporânea, tendoo ciberespaço como norteador dessa pesquisa, daremos enfoque àabordagem de Piaget a respeito das interações sociais, sem asquais, segundo ele, a inteligência não se desenvolve: a inteligênciahumana somente se desenvolve no indivíduo em função de intera-ções sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas.94

Piaget procurou, em seus estudos, esclarecer sua afirma-tiva, já que a considerava com uma amplitude que cedia campopara interpretações radicais. O equacionamento que Piaget dá aessa questão passa por definir, a princípio, o que se entende por‘ser social’ e em seguida verificar como os fatores sociais podemexplicar o desenvolvimento intelectual.

93. PIAGET, 1952, pág. 32994. PIAGET, Apud De La Taille, Yves et al, 1992, p.11

90

Para Piaget o ser social de mais alto nível é justamenteaquele que consegue lidar com os outros de forma equilibrada, edevemos chamar a atenção aqui que a maneira de ser social deuma criança de cinco anos não é a mesma maneira de ser social deum adolescente. Há de se obedecer ao estágio pelo qual passa cadaindivíduo e às diversas formas de socialização decorrentes da ma-turidade inerente a cada período. No período sensório-motor, porexemplo, é abusivo e inconseqüente falar em socialização da inteli-gência, visto que nesse estágio essa é essencialmente individual,pouco ou nada devendo às trocas sociais.

É a partir da aquisição da linguagem que se inicia uma so-cialização efetiva da inteligência, embora algumas característicasdesse período impeçam a criança de estabelecer trocas intelectuaisequilibradas, tais como a incapacidade de se aderir a uma escalacomum de referência, condição necessária ao verdadeiro diálogo.Entende-se por isso o fato de que cada criança pode emprestar de-finições diferentes a uma mesma palavra; a inabilidade de susten-tar, durante uma conversa, as definições que ela mesma deu e asafirmações que ela mesma fez e, finalmente, a extrema dificuldadeque a criança pré-operatória tem de se colocar no lugar do outro,fato que dificulta uma interação social equilibrada.

Para que haja uma interação equilibrada entre os indiví-duos é necessário que se construam as noções do Eu e do Outro(período operatório-concreto) que, para Piaget e outros, devemser edificadas conjuntamente, num longo processo de diferencia-ção. Com efeito, é

(...) na medida em que o “eu” renuncia a si mesmo para in-serir seu ponto de vista próprio entre os outros e se curvarassim às regras da reciprocidade que o indivíduo torna-sepersonalidade(...) A personalidade é, pois, uma coordena-ção da individualidade com o universal.95

95. IBIDEM,1992, p. 16

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Piaget ressalta ainda que existem dois tipos de relação so-cial: a coação e cooperação. Podemos definir a primeira comosendo a dimensão que a figura de uma autoridade (professor, pai,mãe) exerce sobre a criança fazendo com que ela aceite como ver-dade o que lhe é dito, muitas vezes sem provas, apenas por tervindo de uma fonte digna de confiança. O indivíduo coagido tempouca participação racional na produção, conservação e divulga-ção das idéias, limitando-se a aceitar o produto final como válido,e uma vez aceito o produto ele é assim imposto a outros, tor-nando-se o ser apenas um simples divulgador das idéias que rece-beu. A coação representa assim um freio ao desenvolvimento dainteligência.

Passemos ao outro tipo de relação social, a cooperação,que ao contrário da coação, vai pedir e possibilitar esse desenvol-vimento. A cooperação representa o mais alto nível de socializa-ção e vai promover o desenvolvimento. Ela é a possibilidade de sechegar a verdades. O desenvolvimento cognitivo é condição ne-cessária ao pleno exercício da cooperação, embora não suficiente,pois uma postura ética deverá completar o quadro.

Piaget reafirma isso quando diz:

É a procura da reciprocidade entre os pontos de vista indivi-duais que permite à inteligência construir este instrumentológico que comanda os outros, que é a lógica das relações.96

A interação com os outros serve também para gerar dese-quilibração relativa ao conhecimento físico e ao conhecimento ló-gico-matemático. Quando as crianças se colocam em situações emque sua opinião diverge da de outras pessoas, o conflito pode levara um questionamento de seu próprio pensamento (desequilíbrio)e, a partir daí, um novo conhecimento pode ser construído. A in-teração se dá de várias maneiras: de estudantes com outros estu-dantes, de professores com alunos, de pais com filhos, de pessoascom outras pessoas.

96. PIAGET, Apud De La Taille, Yves et alii, 1992, p.20

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5.6 – A exploração, a motivação e o interesse5.6 – como elementos impulsionadores do conhecimento

Houve sempre uma crença de que o conhecimento fossealgo que poderia ser transportado diretamente dos professores,ou dos livros, aos alunos, e a linguagem o veículo suficientepara transferir a palavra e o significado de uma fonte para o alunoque espera avidamente. Se isto não acontece, presume-se quealgo de anormal sucede com este aluno ou com o processo decomunicação.

Desde Piaget, embora não tivesse sempre sido assim en-tendido, procura-se desconstruir esta ‘verdade’, ficando evidenteque é principalmente a partir das ações exploratórias sobre o meioambiente que o conhecimento é construído. Essas ações podemser físicas (exploração de um objeto) ou mentais (pensar sobrealgo). Há conceitos que não podem ser formados sem que hajaações exploratórias sobre os objetos, como o conhecimento ló-gico-matemático, que não podem ser adquiridos somente atravésde leitura ou de ouvir falar sobre eles. Assim também a construçãodo conhecimento social depende da ação exploratória na intera-ção com outras pessoas, a partir da exploração ativa.

Embora durante muito tempo a educação tenha sido nor-teada por uma concepção bancária97 de transmissão do conheci-mento, entendendo o sujeito como mero depositário de conteúdo,o objetivo da educação hoje é enriquecer o conhecimento, não de-vendo abrir mão de métodos baseados na exploração ativa.

Na teoria piagetiana, as crianças são motivadas a reestru-turar seu conhecimento quando encontram experiências que en-tram em conflito com suas previsões e despertam atenção. A moti-vação é entendida como uma elaboração interna em resposta aoambiente externo, mas não por ele direcionada. O desequilíbrioprovocado por esta motivação é chamado por Piaget, como vimosanteriormente, de desequilibração, que por sua vez vai gerar um

97. FREIRE,1987, p. 59

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futuro equilíbrio, quando então podemos dizer que um novo co-nhecimento foi construído.

Um aspecto relevante neste processo de descoberta é aafetividade que vai ganhar um papel central na determinação da-quilo que lhe chama atenção. Ele funciona como guarda-portão edetermina se os ‘portões’ devem estar abertos ou fechados nesteprocesso.

Muito próximo do aspecto afetivo encontram-se os in-teresses, aspectos enriquecedores da aprendizagem. O interessealimenta o esforço na busca exploratória que desencadeia o co-nhecimento, e os portões se abrem. É necessário, portanto, queo trabalho do sujeito seja pautado na necessidade pessoal e no in-teresse, que ele queira fazer o que faz, que deseje agir e não sejaobrigado a agir e que possa direcionar seu engajamento e suaatividade.

5.7 – Vygotsky e a dimensão da interação social5.7 – para o desenvolvimento cognitivo

Em sua teoria sócio-interacionista a respeito do desenvol-vimento humano, Vygotsky inspira-se nos princípios do materia-lismo dialético, sustentando que todo conhecimento é construídosocialmente, no âmbito das relações humanas. Ele acredita no de-senvolvimento como um processo de apropriação pelo homem daexperiência histórico-cultural. Organismo e meio exercem influ-ência recíproca, estando o biológico e o social estreitamente asso-ciados. O homem é visto como um ser que transforma e é trans-formado nas relações produzidas em uma determinada cultura.

Do ponto de vista de Vygotsky, o desenvolvimento hu-mano é compreendido não como decorrência de fatores isoladosque amadurecem, tampouco de aspectos ambientais que agem so-bre o organismo, controlando seu pensamento, mas de trocas recí-procas, que se estabelecem durante toda a vida entre indivíduo emeio, mediadas pelo outro. Vygotsky defende o desenvolvimento

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do ser humano como produto desta convivência, segundo ele, “naausência do outro, o homem não se constrói homem.”

Ele aborda o aspecto afetivo e se faz contrário à idéia daPsicologia tradicional que propõe a separação entre os aspectosintelectuais e os volitivos e afetivos; sugere a unidade entre essesprocessos, já que o pensamento tem sua origem na esfera da moti-vação que inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos,afeto e emoção. Para ele, uma abrangência completa do pensa-mento humano só é possível quando se compreende sua base afe-tivo-volitiva. Aceitar essa separação seria entender o processo dopensamento como autônomo, dissociado de fatores relevantescomo necessidades, interesses pessoais, inclinações, impulsos da-quele que pensa, e impediria o estudo da influência do pensa-mento sobre o afeto e volição e conseqüentemente daquele sobre aconstrução do conhecimento.

Vygotsky não separa o intelecto do afeto porque buscauma abordagem abrangente, com o objetivo de entender o su-jeito como uma totalidade, tal como hoje se pretende ver o ho-mem, numa perspectiva unificadora das dimensões afetiva ecognitiva. Identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refereàs conquistas já efetivadas, chamadas por ele de nível de desen-volvimento real, e o outro de nível de desenvolvimento poten-cial ou proximal, que seriam as capacidades em vias de seremconstruídas.

O nível de desenvolvimento proximal refere-se àquilo queo indivíduo é capaz de fazer, mas mediante a ajuda de outro maisexperiente, reportando-nos ao tipo de relação social que Piagetdenominou de cooperação. Neste caso, ele realiza tarefas atravésdo diálogo, da colaboração, da imitação da experiência comparti-lhada e das pistas que lhe são fornecidas. Este nível é, paraVygotsky, mais significativo que aquilo que ele consegue fazersozinho.

A distância entre o que o sujeito é capaz de realizar deforma autônoma (nível de desenvolvimento real) e o que ele rea-liza em colaboração com seu grupo social (nível de desenvolvi-

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mento potencial) caracteriza o que Vygotsky chama de zona dedesenvolvimento proximal ou potencial.

5.8 – A cultura e o significado na teoria de Vygotsky

A cultura é considerada como algo dinâmico em que o in-divíduo é participante ativo na interação com o meio e estes (indi-víduo e meio) permanecem em constante processo de recriação ereinterpretações de informações, conceitos e significados. O su-jeito toma posse do material cultural e passa a utilizá-lo como ins-trumento pessoal de pensamento e ação no mundo. É o chamadoprocesso de internalização, que corresponde à formação da pró-pria consciência, através de troca de experiências com o mundo ecom as outras pessoas, envolvendo a construção de sujeitos singu-lares, de trajetórias particulares também únicas.

Esse processo de internalização de fatores pessoais e soci-ais remete à questão da importância da linguagem no desenvolvi-mento psicológico do homem, que fornece os conceitos e as for-mas de organização do real e estabelecem a conexão entre osujeito e objeto de conhecimento.

O significado possui um espaço primordial nos estudos deVygotsky sobre a linguagem:

(...) é no significado da palavra que o pensamento e a fala seunem em pensamento verbal. É no significado, então, quepodemos encontrar as respostas as nossas questões sobre arelação entre o pensamento e a fala.98

O significado e o sentido da palavra estão, para Vygotsky,intrinsecamente ligados. O primeiro refere-se à compreensão dapalavra assim entendida por todos que a utilizam, em seu aspectoamplo; já o segundo relaciona-se ao significado da palavra numsentido mais individual, composto por relações que dizem res-

98. VYGOTSKY, 1998, pág. 5

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peito ao contexto de uso da palavra e às vivências afetivas do su-jeito. O sentido da palavra une seu significado objetivo ao con-texto de uso da língua e aos motivos afetivos e pessoais de seususuários, sendo, portanto, a experiência individual invariavel-mente mais complexa que o caráter genérico dos signos.

Estas considerações a respeito do caráter geral e particularda linguagem relacionam-se ao seu caráter polissêmico, requisi-tando invariavelmente interpretações pautadas em fatores lingüís-ticos e extralingüísticos. No próprio significado da palavra encon-tra-se uma concretização dos aspectos afetivos e cognitivos dofuncionamento psicológico humano.

5.9 – Reunindo teorias e fazendo conexões

Ao abordarmos as teorias de Piaget e Vygostsky, dois ex-poentes do século XX na questão do desenvolvimento intelectual,tentamos reunir impressões a respeito do conhecimento e comoele é visto e pensado ainda hoje. Se explorássemos toda sua obra,obviamente encontraríamos muitos outros aspectos pertinentes aeste tema, mas escolhemos nos deter no aspecto social e sua im-portância para a construção do conhecimento, por considerarmosprocedente para nossa pesquisa, que trata das relações sociais nociberespaço e sua conexão com o desenvolvimento intelectual,fundamentado no fator interesse.

Tanto Piaget quanto Vygostsky acercam-se da relação su-jeito/objeto em suas teorias desenvolvimentistas, vendo-os comoelementos distintos, numa perspectiva cartesiana. Quanto ao as-pecto social, elemento chave de nossa pesquisa, ambos o conside-ram primordial para o desenvolvimento cognitivo embora comenfoques diferentes. Piaget aborda a interação social apenas naoposição coação/cooperação, o que acaba por limitar sua teoria, epensa o social e sua influência sobre os indivíduos pelo ponto devista da ética, ressaltando que o desenvolvimento cognitivo é con-dição necessária ao pleno exercício da cooperação. Indo na defesa

97

deste ideal de democracia, a liberdade e a igualdade, ele faz umadefesa do caráter científico desta tese, já que procura demonstrarque a democracia é condição necessária ao desenvolvimento e àconstrução da personalidade.

Não se pode falar de Vygostsky sem falar na dimensão so-cial do desenvolvimento humano, visto ser ele defensor da idéia deque o ser humano constitui-se na sua relação com o outro social.Suas concepções sobre o desenvolvimento do cérebro humanofundam-se na crença de que as funções psicológicas superioressão construídas ao longo da história social do homem, na sua rela-ção com o mundo, mediada por instrumentos e signos desenvolvi-dos culturalmente. Rejeita a evolução psicológica fundamentadaem propriedades naturais do sistema nervoso, com funções men-tais fixas e imutáveis, considerando o cérebro um sistema aberto ede grande plasticidade, o que o faz divergir, neste sentido, das con-siderações de Piaget.

5.10 – O conhecimento numa visão planetária:5.10 – a inserção do sujeito na cultura globalizante

Acercamo-nos até então, neste capítulo, do desenvolvi-mento biológico e de sua dimensão para o aspecto cognitivo dosujeito. Julgamos necessária essa abordagem, apoiada na visão só-cio-interacionista de Vygotsky, como ponto de partida para os es-tudos que se seguirão, perseguindo a linha social, e a relevânciadesta para o aprofundamento em nossas pesquisas sobre o conhe-cimento humano.

Uma visão planetária do conhecimento é vista por Morinquando ele afirma que o ser humano é a um só tempo físico, bioló-gico, psíquico, cultural, social, histórico e essa visão totalitária écompletamente desintegrada do modelo compartimentado comque a educação sempre foi tratada nas escolas ocidentais, tor-nando assim impossível apreender o que significa ser humano.

98

Segundo Morin, o conhecimento dos desenvolvimentosda era planetária e o reconhecimento da identidade terrena devemse transformar neste século num dos primordiais objetos da edu-cação. Diante do fato de que podemos estabelecer comunicaçãocom todos os continentes através das viagens pelo ciberespaço,não podemos ainda, segundo ele, ter o conhecimento disperso emáreas de ciências da natureza, ciências sociais, literatura e filosofia.

É necessário pôr em evidência o elo indissolúvel entre a uni-dade e a diversidade de tudo que é humano(...) .Será precisoindicar o complexo de crise planetária que marca o séculoXX, mostrando que todos os seres humanos, confrontadosde agora em diante aos mesmos problemas de vida e demorte, partilham um destino comum.99

Dentro da concepção globalizada de conhecimento, Mo-rin aponta para a questão da incerteza que deve estar intrínseca atodo conhecimento, sendo necessário destacar as inúmeras inter-rogações sobre as possibilidades de conhecer. Para ele, colocar emuso essas interrogações constitui o oxigênio de toda proposta deconhecimento, conhecimento esse que deve funcionar como umaaventura e a educação como apoio indispensável a essa aventura.

As condições que permitem interrogações sobre o conhe-cimento e o mundo são, sob o ponto de vista de Morin, de caráterbioantropológico, sócio-cultural e noológico, ou seja, compostode teorias abertas, e as atividades observadoras devem vir acom-panhadas das auto-observadoras, assim como as críticas das auto-críticas e os processos de objetivação dos de reflexão. De uma ma-neira geral, o homem não pode gerir o conhecimento do mundode forma a ver esse objeto de busca da verdade como separado desi mesmo. Homem e objeto formam, assim, uma única face destamoeda.

Ainda sobre essa mola propulsora do conhecimento, a in-certeza, Morin afirma:

99. MORIN, 2000, p.15

99

A mente humana deve desconfiar de seus produtos “ideais”,que lhe são ao mesmo tempo vitalmente necessários. Neces-sitamos estar permanentemente atentos para evitar idea-lismo e racionalização. Necessitamos de negociação e con-t ro le mútuos entre nossa mente e noss as idé ias .Necessitamos de intercâmbio e de comunicação entre as di-ferentes zonas de nossa mente. É preciso tomar consciênciado id e do alguém que falam por meio do ego, e é precisoestar sempre alerta para tentar detectar a mentira em simesmo. 100

Erros inúmeros foram cometidos através da história hu-mana, no decorrer do século XX, devido a essas falsas “certezas”,por isso o problema cognitivo é de base política, antropológica,social e histórica, e, no século XXI, a educação deve preparar cadaindivíduo para a lucidez dos fatos, tendo como elemento nortea-dor os questionamentos diante das grandes afirmativas e certezas.

Da mesma forma que Piaget e Vygotsky, Morin não des-carta a construção do conhecimento calcada na base exploratóriado mundo e das questões que a ciência afirma sobre ele.O que eledestaca neste contexto é que o homem não pode ser visto comouma entidade separada do objeto e nem deve aceitar como verda-deira uma proposição sem questioná-la. Para organizar e articularos conhecimentos e, através deles, conhecer e reconhecer os pro-blemas do mundo é necessária a reforma do pensamento e esta re-forma deve ser o alvo fundamental dos novos paradigmas da edu-cação voltada para um conhecimento globalizado.

5.11 – Derrubando muros, (re)construindo redes

Uma sociedade é vista como um todo organizado do qualfazemos parte, da mesma forma o global e também o nosso pla-neta. Seria possível então, numa perspectiva não de futuro, masatual (pois o futuro tão ameaçado já é presente), que ainda divise-

100. IBIDEM, p.32

100

mos os saberes desunidos, divididos, compartimentados trilhandona contramão das realidades cada vez mais multidisciplinares,transversais, multidimensionais, globais, planetárias?

O conhecimento das informações isolado é insuficiente, épreciso situar estas em seu contexto para que adquiram sentido,pois parece cada vez mais evidente que a contextualização é quali-dade efetiva para o vigor do funcionamento cognitivo. O princípiode Pascal já afirmava isso quando considerava impossível conhe-cer as partes sem conhecer o todo, ou o todo sem conhecer parti-cularmente as partes.

Da mesma forma que em várias áreas o todo está sempreenvolvendo ou reunindo as partes, o conhecimento deve enfrentara união entre a unidade e a multiplicidade e o conhecedor devesempre construir o conhecimento mobilizando aquilo que ele sabea respeito do mundo. Favorecer a aptidão exploratória natural damente estimulando o uso total da inteligência deve ser um fatoressencial nessa nova visão sobre a construção do conhecimento.Esse uso total da inteligência suscita estimular a curiosidade, ca-racterística nata na criança e que tende a se extinguir ou adorme-cer à medida que a instrução se processa.

Caminhando na mesma proposta de Morin, encontramosdois cientistas, Lévy e Maturana, que fazem a defesa da união doque antes era cindido: sujeito/objeto, interioridade/exterioridade,corpo/alma, razão/emoção, natural/artificial, fazendo o sujeitoemergir nos padrões dinâmicos da rede. Tais quais Morin, eles nãocorroboram os paradigmas antigos de separação entre sujeito eobjeto, e estabelecem um íntimo imbricamento destas dimensões,onde realidade exterior não pode ser representada interiormente.Tudo seria resultante de construção e não de algo já existente ante-riormente, tudo erige da interação e é necessário para tanto quecada um crie a realidade.

Este encadeamento entre sujeito e objeto, contradizendo avisão cartesiana, vem colocar em xeque o conceito de representa-ção, ou seja, do conhecimento como espelho da natureza, como si-

101

metria entre o que vemos e a realidade externa. Vejamos o que dizMaturana a esse respeito:

O que podemos tentar (...) é perceber tudo o que implicaessa coincidência contínua de nosso ser, nosso fazer e nossoconhecer, deixando de lado nossa atitude cotidiana de pôrsobre nossa experiência um selo de inquestionabilidade,como se ela refletisse um mundo absoluto. (...) não se podetomar o fenômeno do conhecer como se houvesse fatos láfora, que alguém capta e introduz na cabeça.101

Por outro lado, Lévy também defende a interação na cons-trução da realidade, acreditando que o conhecimento globalizadoabre sempre caminhos originais levando à invenção de si. Para ele,cada forma de vida inventa seu mundo (do micróbio à arvore, daabelha ao elefante, da ostra à ave migratória) e com esse mundo,um espaço e um tempo específicos.102

Morin comprova esse entendimento quando afirma queconhecer o humano é antes de mais nada situá-lo no universo enão separá-lo dele ... Todo conhecimento deve contextualizar seuobjeto para ser pertinente.

Ao fazermos uso das metáforas ‘derrubar muros’ e ‘(re)construir redes’ estamos nos voltando para a visão do conheci-mento globalizado, em rede, contextualizado, nos moldes comotêm defendido os três autores acima abordados. Situando o ho-mem como parte fundamental dessa rede de construção do sabere considerando a interação como fator imprescindível a esta cons-trução, lembremo-nos da abordagem biológica feita por Maturanae Varela quando citam as transformações que sofrem as célulasnos seres vivos ao estabelecerem o processo de interação:

Um ser vivo ocorre e consiste na dinâmica de realização deuma rede de transformações e de produções moleculares detal forma que todas as moléculas produzidas e transforma-

101. MATURANA, 2001, p. 31102. LÉVY, 1996, p. 22

102

das no operar dessa rede formam parte da rede(...)com suasinterações. 103

Para Maturana conhecer, ser e viver são inseparáveis por-que o conhecer erige como um padrão de auto-organização, numa‘ecologia cognitiva’, como costuma falar Lévy, do ser com seumeio, e essa é justamente uma das propriedades da rede: a auto-organização. Isso implica circularidade, retroalimentação, con-ceito surgido a partir da cibernética.

Rede e interação são palavras que se encontram nos senti-dos que delas emergem e pretendem mostrar a relevância da inter-conexão do ser com ele mesmo como fator preponderante paraum aprender significativo. Justifica-se isso nas palavras de Lévyquando afirma: quanto mais um ser estiver interconectado em seuinterior, mais vasto será seu campo de interação, mais rica será suaexperiência, melhor será sua capacidade de aprender.104

Na questão do conhecimento, a partir dessa nova perspec-tiva aqui abordada, não há diferença entre conhecer e viver. O fe-nômeno cognitivo não está apenas relacionado ao sistema ner-voso, mas pode ser considerado no limite da organização do servivo, que, com sua capacidade de aprender, garante a perpetuaçãodos seres vivos.

103. MATURANA, 2001, p. 14104. LÉVY, 1993, p.135

103

6 – CONDUTAS AUTÔNOMASDE APRENDIZADO: A RECONSTRUÇÃO

DE PARADIGMAS

Somos hoje frutos de um momento histórico que vê omundo de elementos concretos de forma diferente, vivemos o de-sabrochar de um novo homem, de uma nova forma de gerir o co-nhecimento, de uma nova subjetividade. Ao longo da moderni-dade presenciamos um processo de dicotomia corpo/mente quegerou a divisão também em outras esferas como a educação, a ci-ência, a produção em prol de uma suposta objetividade e de visõesdeterministas que buscavam anular o sujeito da história. Os para-digmas de pensamento e conhecimento foram sendo moldados,tendo a escrita como base que, com a criação e propagação da im-prensa, foi-se tornando a linguagem padrão e dominante da socie-dade que surgia. O ideal de sujeito cognoscente foi erigindo nesseprocesso. Um sujeito de caráter linear, determinista, racional,compartimental, operacional, lógico, causal, que influenciava amentalidade do homem das grandes cidades européias.

Com a evolução, no século XX, das teorias científicas,principalmente da física, biologia e psicologia, aliadas a outrastransformações pelas quais passou o mundo, trazendo uma comu-nicação generalizada e em rede, estruturada na linguagem multi-mídia e que tem na imagem um elo central, o sujeito contemporâ-neo dá lugar a um novo homem, a uma nova subjetividade. Oconseqüente contato do homem com as novas tecnologias da co-municação e da informação acaba por criar complexos de subjeti-vação que influem tanto negativa quanto positivamente na vidacotidiana dos indivíduos.

As transformações ao nível da cognição e intelecto tam-bém são profundas, já que o homem do século XX e do atual sé-culo XXI incorporou em sua linguagem o dinamismo, o movi-mento, as cores , os s ons e músicas , o ime diat i smo, oentretenimento, as novas tecnologias, principalmente as áudio-vi-

104

suais, possibilitando ao homem a concretização de um pensa-mento intuitivo e associativo, mais ligado ao seu funcionamentoinconsciente e que seria inimaginável para as tecnologias escritas eorais. Este processo é instigado por um mecanismo de imagensmais concretas, mais diretas, menos conceituais que produzemum choque direto na afetividade e sensibilidade do consumidor deimagens, tornando-o satisfeito com o encanto da imagem. O po-der dessas percepções e choques afetivos influencia largamente edifere sobremaneira das formas tradicionais de aprendizagem,possibilitando as construções e criações plurissignificativas doconhecimento.

Tem-se assim uma substituição da lógica causal, linear, ra-cional por uma lógica hipertextual e estética, não mais comandadapor um espírito reflexivo e conceitual, mas desejante e associativo.O sujeito do saber tende a se conectar ao objeto do desejo, levandoa uma maior participação desse sujeito na construção e reconstru-ção do conhecimento. Como afirma Lévy:

Quanto mais ativamente uma pessoa participar da aquisiçãode um conhecimento, mais ela irá integrar e reter aquilo queaprender. Ora, a multimídia graças a sua dimensão reticularou não linear, favorece uma atitude exploratória, ou mesmolúdica, face ao material a ser assimilado. É, portanto, uminstrumento bem adaptado a uma pedagogia ativa. 105

A compreensão passa a ser efetuada de uma maneira sen-sitiva e sensorial gerando um saber mais criativo, original, único,impulsionando um pensamento mais espontâneo e a invenção denovos universos de referência. O sujeito, assim, reconstitui sua in-tegridade como ser multidimensional e global, de vozes múltiplase contraditórias, consciente e inconsciente, linear e hipertextual. Adifusão de tecnologias digitais e a proliferação de redes de comu-nicação conduzem o acesso ao conhecimento e à informação emtempo real, assim como ao surgimento de novas linguagens e, na

105. LÉVY, 1993, p.40

105

esteira desse processo, a novos parâmetros de cognição. Com aspossibilidades de circulação dos conhecimentos no ciberespaço,através da interatividade instantânea, edificam-se as condições ne-cessárias, embora não somente elas, para a afirmação de saberescoletivos e menos hierárquicos e institucionalizados, conseqüên-cia de uma constante troca e discussão sociais, diminuindo as dis-tâncias entre produtor e espectador, autor e leitor,e adquirindo to-dos a possibilidade de criação e transformação do conhecimento.É a emergência de um modelo de conhecimento que valoriza oprocesso em lugar da substância e do estado.

6.1 – Protagonizando a própria ação

Como já dissemos acima, a manipulação não linear de in-formações, o estabelecimento de conexões entre elas, o uso de re-des de comunicação promovem a aquisição do conhecimento quese dá agora através de modelos digitais, não mais lidos ou inter-pretados, mas descobertos de forma interativa. Agora é a vez da si-mulação que toma o lugar do velho estabelecimento e da trans-missão de teorias definidas, sem, no entanto, preterir as formasanteriores de conhecimento, de leitura e de comunicação. Pensa-mos que podem conviver harmoniosamente os novos modelos deinformação e conhecimento dos ambientes informático-mediáti-cos com a escrita e a oralidade de sempre, variando em intensi-dade conforme o contexto e a cultura dominantes.

No âmbito da educação, essas novas formas de gerir o co-nhecimento têm trazido inúmeros questionamentos e o reconhe-cimento de que o sistema educacional permanece inconsistente eultrapassado. Embora não seja a presença de multimídias no es-paço escolar que implica transformações, como muitos ainda tei-mam em acreditar, o uso de computadores em educação impõenovas questões ao sistema e explica várias contradições.

A primeira revolução tecnológica no aprendizado deu-secom a transformação do livro impresso em ferramenta de ensino e

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aprendizagem, com a invenção da cartilha e do livro texto. O obje-tivo era universalizar o ensino, viabilizado por um novo currículotrazido por esses instrumentos.

Atualmente as propostas de modernização das escolastêm-se restringindo a equipar a escola com computadores (conec-tados ou não à Internet), sem contudo encarar a dinâmica do co-nhecimento num sentido mais abrangente segundo as necessida-des de seu desenvolvimento e sem colocar a instituiçãoeducacional como mobilizadora de transformações e o professorcomo promotor da aprendizagem. É evidente que um professor,preparado sob uma pedagogia que entende a escola como respon-sável pelo acúmulo de conhecimentos, vê-se cada vez mais des-preparado para uma nova atitude diante do conhecimento eda aprendizagem. A concepção bancária de educação, aludidapor Paulo Freire, continua sendo a tônica do ensino na maiorparte de nossas escolas, embora repletas de computadores e re-cursos multimídias. A tecnologia deverá ser importante para for-çar a elaboração de novas construções e não para melhorar velhosempreendimentos.

Uma das verdades que nos é imposta pela tecnologia, eque fica oculta muitas vezes aos olhos de quem se nega a enxergar,é que a função do aparato educacional deve ser de criar ambientesde aprendizagem, como deveria ter sido sempre a função do pro-fessor, e não meramente repassar conhecimento. Quem fala insis-tentemente que o computador está substituindo a figura do pro-fessor, está, na realidade, temeroso de que se perca a função derepassador de conteúdo, já que esta o computador comprovada-mente executa com mais eficiência.

Estamos diante, na verdade, de uma nova concepção demundo, de homem, de sociedade e isso não diz respeito a métodosde aprendizagem, mas a novas formas de pensar e de agir diantedo conhecimento. O professor, de agora em diante, tem o dever dese comportar como um animador da inteligência coletiva dos gru-pos que estão a seu encargo, como tão bem afirma Lévy.106

106. LÉVY,1999, p. 171

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É preciso viabilizar a formação de um professor reflexivo,que utilize os recursos de computador de acordo com a aborda-gem reflexiva, fazendo uma análise crítica de experiências desen-volvidas sob perspectivas diferentes. Assumindo essa linha de re-flexão, estaremos diante de uma abordagem relativa dos fatos enão de uma hierarquização das ciências, entendendo assim que hámodelos diversos para se descrever aspectos diferentes da reali-dade, sem que se considere um exemplar mais primordial, mas vá-rios modelos que, interconectados, formam um todo coerente. É aarticulação dos saberes permitindo que novos conhecimentos se-jam adquiridos através do aproveitamento de múltiplos saberes.

6.2 – Organizando um currículo em redes

Fala-se muito em rede quando a questão da tecnologia deinformação é abordada. Essa rede poderia ser reconhecida na edu-cação como a articulação existente entre os saberes, num processode natureza interdisciplinar que pressupõe flexibilidade, interati-vidade, cooperação, parcerias e apoio mútuo.

O que nos traz a cibercultura é justamente a possibilidadede interação numa rede dinâmica de temas ou especialidades in-ter-relacionados, com a finalidade de propiciar a unificação do co-nhecimento. Os diversos temas articulam-se mutuamente eabrem-se para muitos outros, ligados numa teia que não se fecha,e nem poderia fazê-lo, já que essa idéia não seria compatível com aconcepção de conhecimento que se pretende ter. Com toda essadimensão que se abre, urge uma profunda alteração na pedagogiatradicional para que traga um novo redimensionamento alicer-çado no questionar e admitir a efemeridade do conhecimento e aintegração de novas idéias. É preciso enfrentar as incertezas, estarpronto para o inesperado, pois o século XX descobriu a perda dofuturo, ou seja, sua imprevisibilidade.107

107. MORIN, 2000, p.79

108

Não é nosso objetivo aqui falarmos da dimensão do papeldo professor no contexto tecnológico-educacional, embora nãopossamos dissociar sua imagem do sujeito aprendiz, já que a nossacultura sempre nos fez ver o conhecimento como uma quantidadesignificativa de conteúdo que só tinha lugar entre as quatro pare-des de uma sala de aula, em cujo espaço o professor era o únicodetentor do saber. Já há algum tempo tem-se questionado essa vi-são do aluno como mero ouvinte e assimilador do tal conteúdoque era válido primordialmente para os exames vestibulares. Maisdo que o conteúdo, o enfoque desse processo de aprendizagem éhoje o sujeito, que deve interferir como agente modificador naconstrução do conhecimento.

O hipertexto é responsável por uma provocação no sen-tido de que abre as possibilidades para um pensamento coletivo,ou seja, em rede, fazendo-nos condenar a linearidade e a fragmen-tação dos saberes, os currículos seqüenciais, que fazem erguer ummodelo de escada, estabelecendo pré-requisitos como degraus.Este modelo constitui, juntamente com as aulas que se sucedem,uma após outra, sem qualquer relação entre elas,

(...) uma espécie de hipertexto às avessas: há várias janelasabertas, falta total de linearidade, mas não chega a consti-tuir-se como rede, pois o saber é fragmentado, e o link nãotem qualquer força semântica. Os conteúdos não são inte-grados, mas apenas um ao lado do outro. Sua única vincula-ção se dá pelos horários -que, na maioria das vezes, são or-ganizados em função da disponibilidade dos professores.108

Diante disso vemos a necessidade de exterminar de vez asala de aula monológica e restrita a uma única voz e que só fazperpetuar um sentimento de alívio por parte dos alunos nosmomentos de intervalos escolares, os mais prazerosos para eles.Claro que não implica uma postura de exterminar de vez as séries,mas compreendê-las com possibilidades de aprendizagem comflexibilidade.

108. RAMAL, 2002, p. 184

109

A disseminação do computador na escola atingiu índicesenormes e, embora possa ser usado de forma mais produtiva, ele épotencialmente uma ferramenta educacional através da qual oaluno pode resolver problemas significativos, usando aplicativoscomo processador de texto, planilha eletrônica, gerenciador debanco de dados ou mesmo uma linguagem de programação quefacilite a construção do conhecimento a partir de ações particula-res, sem falar nas redes de comunicação a distância ou sistema deautoria para estabelecer conhecimento de forma cooperativa oupara buscar informações.

Um dos aspectos que não se pode negligenciar nesta rela-ção homem/máquina/conhecimento é a questão do interesse quepermeia todo esse processo de construção do saber. O aluno tu-tora o computador de forma não linear tentando buscar informa-ções em redes de comunicação a distância, entre nós e ligações se-gundo seu estilo cognitivo e seu interesse. Fica aí evidenciado ovalor dos aspectos cooperativo e afetivo para o conhecimento, quePiaget chama de guarda-portão. Uma vez abertos os portões daafetividade e do interesse, maior a possibilidade da construção deum saber significativo.

As informações encontradas na rede podem ser agregadasem programas aplicativos, podendo o aluno, assim, elaborar seuconhecimento para solucionar um problema apresentado ou a im-plantação de um projeto. Essas ações levam o sujeito a refletir so-bre o que está sendo representado, ou seja, este processo obriga atransformar os conhecimentos em procedimentos.

Quando o aluno elabora um programa, ele faz uso de umsistema de palavras e de regras formais que dá suporte para repre-sentar os conhecimentos e estratégias necessários à resolução deuma dificuldade, além de pôr fim à dicotomia existente entre con-teúdos e disciplinas, pois lida com o conhecimento como umtodo. Este não é simplesmente repassado, mas utilizado por ele nocomputador para fornecer a resposta desejada. O programa é quevai indicar o pensamento do aluno, revelando os passos seguidospor ele usando sua gama de conhecimentos e informações. O

110

aluno torna-se autor e condutor do processo de aprendizagem quepode ser compartilhada com o professor e os colegas, já que o re-sultado está na tela do computador ou disponível em rede paraacesso do público.

6.3 – A WEB a serviço do aprendizado

O papel dos novos meios eletrônicos de interação para di-versos aspectos de nossa atualidade e sua importância para deli-near novos rumos para o ensino e aprendizagem ainda são objetosde discussões. Como e quando ocorre a aprendizagem nestes no-vos ambientes, a qualidade e a pertinência desta aprendizagembem como quais os melhores espaços e tecnologias propiciadoraspara que esta aprendizagem se dê são as indagações mais urgentes.

Todo um panorama global atual tem sido possibilitado pe-las novas tecnologias de interação de alcance mundial. SegundoCastells,109 se não analisarmos as transformações culturais à luzdos novos sistemas de comunicação, a avaliação global será total-mente falha, afinal não é a tecnologia que determina a sociedade,pois podemos observar que da mesma forma que os processos so-ciais não são determinados pela transformação tecnológica, tam-bém não é a sociedade que escreve o curso e os devires que tomaráa tecnologia.110 A tecnologia é a sociedade e esta não pode ser en-tendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.

Os dispositivos informáticos possibilitaram o surgimentode um novo pólo do espírito, marcado pela interação com as idéiasnascidas da coletividade, através dos hipertextos, marca funda-mental dos novos suportes de mediação, contrapondo-se assimaos pólos calcados na oralidade e na escrita e imprensa.

Uma das grandes e promissoras ferramentas de aprendiza-gem é a World Wide Web111, ou simplesmente WEB, que vem re-

109. CASTELLS, 1999, p.355110. IBIDEM, p. 25111. Numa tradução literal “Teia de Alcance Mundial”

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presentando uma inovação no estilo de ensino. Com a prementenecessidade de armazenamento de informações relevantes e daurgência de interfaces mais amigáveis para interação, surgiu nosanos 80 a WWW. A popularidade da Web tem crescido tanto quenão raro as pessoas a confundem com a Internet – sistema de in-formação global, formado de servidores e canais que dão sustenta-ção à Web. É na Web que surgem a cada dia novos ambientes deinteração de pessoas, através dos quais se dá a colaboração, ge-rando o aprendizado em determinadas condições, assunto queabordaremos neste capítulo.

A Internet, como rede mundial de computadores interco-nectados, é um privilégio da vida moderna para o homem mo-derno, disponibilizando informações acessíveis a qualquer pessoade diversas partes do mundo. O que torna a Internet diferente dasoutras invenções humanas é o insignificante período que ela pre-cisou para ser usada por milhares de pessoas. A eletricidade, des-coberta em 1873, só atingiu 50 milhões de usuários depois de 40anos de existência; o telefone, que data de 1876 levou tambémquase o mesmo período, 35 anos, para que o mesmo número depessoas a ele tivessem acesso; o rádio (1906), 55 anos; a televisão(1926), 26 anos; o forno de microondas (1953), 30 anos; o micro-computador (1975), 16 anos; o celular( 1983), 13 anos; a Internet(1995), apenas 4 anos para atingir 50 milhões de usuários nomundo. Hoje já temos mais de 391 milhões de pessoas acessando aInternet. 47,5% dos internautas de hoje tem inglês como idiomanativo. 52,5% falam outros idiomas.112

A internet criou condições desde o início para a coopera-ção de grupos de acadêmicos entre si, além de servir a oficiais eminstalações militares. Logo a seguir surge a Internet comercialonde o novo público pôde encontrar expressão com as demandasde comunicação interpessoal, consumo de bens e serviços, entre-tenimento, informação e conhecimento.

A Internet não é a única provedora das tecnologias de co-laboração. Observamos também a presença das Intranets e Extra-

112. Informações adquiridas no site www.aisa.com.br

112

nets113. Nestes ambientes são estabelecidos pacotes de Groupware,que facilitam o trabalho de pares em times cooperativos e permi-tem a comunicação e a gestão do conhecimento através de disse-minação e troca de informações de forma instantânea e abran-gente, contribuindo para um saber individual e grupal.

Através desses procedimentos proporcionados pelos avan-ços da tecnologia, que facilitam a concepção e discussão coleti-vas, o conhecimento se dá numa espécie de escrita coletiva, ex-pandida, sem sincronia, que parece ampliar-se por conta própriaseguindo um sem número de linhas paralelas, ordenada e objeti-vada sobre a tela.

Ainda neste capítulo vamos expor as várias ferramentasusadas para facilitar a cooperação, o aprendizado e a formação decomunidades de usuários, ambientes disponíveis publicamente naInternet. As atividades de aprendizado cooperativo implicam usode tarefas cooperativas que necessitam de uma participação ativa ena interação dos participantes com vistas à realização de um obje-tivo comum.

Nestes tipos de atividades é necessário que haja grupos depessoas que discutam determinados assuntos, quer específicos ougenéricos, ação mediada, ou não, por um professor ou animadorda coletividade. Na Web há vários ambientes propícios à aprendi-zagem colaborativa e que fornecem algum tipo de comunicaçãoque possibilita a interação. Trataremos a seguir daqueles que maislargamente são usados com vistas à aprendizagem na rede.

Interação via e-mail;Listas de Discussão, Fóruns e Newsgroups;Ambientes de Conversação On-line, ou Chats;Ambientes de aprendizado baseados na Web;Portais da Web;Web Rings;Servidores de Compartilhamento de Arquivos.

113. Redes de comunicação de dados que utilizam tecnologias semelhantes às daInternet, mas situados em ambientes restritos aos usuários de uma empresa ou orga-nização, ou entre estes e seus parceiros de negócios.

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6.4 – Interação via e-mail

Um dos serviços mais relevantes da rede, desde seu início,têm sido o correio eletrônico (e-mail). É um serviço simples queapenas copia um arquivo de um computador para outro, acrescen-tando seu conteúdo num arquivo denominado mailbox, no com-putador destino e aliado à World Wide Web é uma das mais pode-rosas formas de comunicação da atualidade. O e-mail é também ocomponente básico que constitui suporte para a interação entregrupos de pessoas de todo o mundo, através das redes de comuni-cação, como a Internet.

De acordo dados recolhidos em 2000114 o número demensagens pessoais foi de 1,7 mil em 1999 e espera-se que alcanceo número de 4 mil em 2005, e é sobre esta estrutura de troca demensagens que se obtém o suporte às listas de discussão e news-groups, outras ferramentas que ajudam na construção do saber ede que trataremos a seguir. A partir de qualquer lugar onde se es-teja, desde que se possua um navegador e conexão com a Internet,pode-se enviar e receber mensagens. Esta facilidade, agregada aoprocesso de democratização global, constitui o suporte de umagrande democracia digital.

6.5 – Listas de discussão, Fóruns e Newsgroups Aparentemente estes três instrumentos diferem pouco en-

tre si, já que todos estão associados à transmissão de mensagemvia e-mail.

As mensagens, nas listas, são enviadas por um participanteao endereço de um servidor que se incumbe de transmiti-las paratodos os usuários cadastrados naquela lista. Há serviços de su-porte e hospedagem de listas que mantêm sites para consulta dasmensagens na web. Podem ser criados grupos fechados, abertos

114. Antena Digital, Revista Info Exame, ano 15, n.173, ago. 2000, p.26

114

ou semi-abertos de participantes, existindo ou não um moderadorpara a seleção das mensagens enviadas.

Os fóruns, ao contrário das listas, ficam num site especí-fico, que deverá se acessado pelo participante, a fim de acompa-nhar o desenrolar das discussões. Estes sites podem manter públi-cas as contribuições ou restringir seu acesso.

Os newsgroups não possuem regras específicas e paraacompanhar basta acessar um servidor que hospede o grupo denotícias do assunto em particular, com um software que permita ainteração com servidores de news, para que se faça o downloaddas mensagens armazenadas.

Estes três instrumentos caracterizam-se por uma troca in-formal e específica de informações, pontos de vista e formas deproceder. É, como dizem alguns autores, uma nova forma de diá-logo acadêmico, já que se trata de diálogo produzido por váriosautores, através da interação escrita; proporciona a troca de múlti-plas perspectivas e interpretações, além de permitir a criação e adescoberta espontânea, com seriedade, e um canal para a exposi-ção de novas idéias, criando significados compartilhados entre osparticipantes.

Vale ressaltar que a participação em listas, fóruns e news-groups pressupõe a obediência a regras de conduta, a netiqueta, jáabordada anteriormente neste trabalho. Estes instrumentos pres-cindem de sincronia espaço-temporal entre os participantes, hajavista que o acesso ocorre em lugares e horas mais convenientes aosparticipantes. O idioma de uso da maioria dos grupos e listas é oinglês, embora outros sejam adotados em profusão.

6.6 – Ambientes de conversação on-line ou chats

O termo chat, bastante usado nos ambientes virtuais, de-riva do verbo da língua inglesa to chat, que significa “conversar deforma informal ou familiar”. A conversa entre pessoas num chat

115

implica que todos os interlocutores estejam conectados ao mesmotempo à Internet.

Como já vimos anteriormente no primeiro capítulo, A lin-guagem dos chats: metáfora da liberdade, os chats podem ser ba-seados em textos ou podem utilizar interfaces gráficas, possibili-tando a interação em tempo real de expressões de idéias esentimentos. São usadas, frases, expressões e até gestos. Nos chatsgráficos existe a possibilidade de o participante tomar a aparênciade um personagem ou, em chats de linha de caractere, expressaros sentimentos através dos emoticons ou smileys.

Um dos espaços mais utilizados são os canais de MSN,(conversa por revezamento na Internet). São organizados emtorno de canais que delineiam assuntos. Cada participante adotaum nick (apelido) que o identifica, naquela sessão específica, oupermanentemente. Mais modernamente tem-se adotado as moda-lidades de chats com vídeo, onde os participantes interagem atra-vés de câmaras de vídeo instaladas em seus micros. A partir da in-teração em público nos chats acontece de os participantespassarem a se comunicar de forma privada.

6.7 – Ambientes de aprendizado baseados na Web

É comum falar-se muito em projetos de ensino a distância,e nos parece que vem proliferando este sistema de educação com oobjetivo de proporcionar suporte instrucional a setores ou gruposda população que por inúmeras razões têm dificuldades de acessoa serviços educativos regulares. Estes projetos vêm ancorados, atu-almente e com relevância, na tecnologia de comunicação baseadana Web, embora nem sempre tenha sido desta forma. Temos ob-servado, para este fim, o surgimento de vários softwares integra-dos para construção e manutenção de ambientes de aprendizagemou trabalho em grupo na Internet.

Os softwares nos quais se baseiam os sites e portais deeducação oferecem muitas facilidades apresentadas anterior-

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mente, como chats, fóruns e arquivos compartilhados, aliados aum ambiente integrado de forma gratuita, em troca apenas de al-gumas inserções publicitárias em mensagens e banners115 posicio-nadas de forma a chamar atenção.

6.8 – Portais da Web

Os portais foram criados com o objetivo de fornecer aosusuários um suporte para sua navegação e reunir num mesmo sitetudo que poderia ser importante como informações, e-mail, chat,notícias, mecanismos de busca, etc. Os usuários, desta forma, nãoprecisariam recorrer a outras páginas e restringiriam sua buscaàquele espaço, conseqüentemente participando das estratégias demarketing do portal, base de sua sustentação econômica.

Atualmente os portais contam com duas vertentes: os por-tais horizontais, ou generalistas, e os portais verticais, também co-nhecidos como portais de nicho, que seguem um modelo total-mente diferente, procurando cativar visitantes através de temas deinteresse comum e do oferecimento de vários serviços de valoragregado, relacionados a este tema. Este tipo de portal tem possi-bilitado o surgimento de vários tipos de comunidades virtuais,através de suas tecnologias de colaboração.

Para os usuários destes portais há vários benefícios taiscomo: foco no assunto, disponibilização de conteúdo, apreciaçãode conteúdos gerados pelos membros, acesso a ofertas concorren-tes, acesso a orientações comerciais. A utilização destes portais,via usuário, traduz-se para a empresa em grandes benefícios comodivulgação da marca, feedback e conhecimento de hábitos e prefe-rências dos consumidores.

115. Imagens gráficas usualmente espalhadas em sites que refletem a identidade deuma empresa, possuindo, via de regra, um link para a empresa em si.

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6.9 – Web Rings

Crescente fenômeno da Internet contemporânea, os webrings têm se expandido amplamente. O web ring cria no usuário asensação de estar participando de uma comunidade virtual reu-nida pelos objetivos e sites em comum.

Um web ring, ou círculo na web é uma maneira de conec-tar sites relacionados, ou seja, visitando um destes sites, o usuáriopode saber o que também os outros visitantes conheceram da-quele site, de forma ordenada ou não, de acordo com as classi-ficações e correlações encontradas nos bancos de dados do servi-dor que hospeda o ring. Possui três tipos de grupos de usuáriosque são os visitantes, os sites membros e os anunciantes/comer-ciantes. Qualquer um pode criar um ring já que há muitos sitespara hospedagem gratuita da estrutura necessária na Internet. Oring tem por objetivo promover a navegação dos visitantes e se-duzi-los para os sites associados. Existem rings para um sem nú-mero de assuntos e grupos de interesse e também catálogos derings na Internet.116

6.10 – Servidores de compartilhamento de arquivos

Existe um ambiente na Internet que é próprio para a trocade arquivos de maior tamanho e com maior rapidez. O envio dearquivo não é feito diretamente para a caixa postal do destinatário,mas a uma área pública do servidor de FTP. FTP é um protocolopara transferência de arquivos, que faz parte do conjunto TCP/IPde protocolos de comunicação na Internet. O HTTP ( Hyper TextTransfer Protocol) é mais um dos protocolos deste conjunto e pos-sibilita a existência da World Wide Web.

O ambiente virtual apresenta hoje diferentes implementa-ções desta idéia: sites para compartilhamento de fotos, músicas emformato digital, programas, informações, etc. Este tipo de compar-

116. O site http://wr2. yahoo.com/, por exemplo, possui um catálogo de rings

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tilhamento tem crescido assustadoramente e, dificilmente, pode-mos diferenciar o que está armazenado localmente em nossoscomputadores e o que está compartilhado e acessível na Internet.

6.11 – Construindo um conhecimento significativo

Associar conhecimento e significado não é uma tarefacomplexa porque não os vemos dissociados no processo de cons-trução do saber. Eles constituem, a nosso ver, atividades correlaci-onadas e complementares, e quando voltamos nossos olhos e aten-ções para a aprendizagem colaborativa, lembrando aqui o termocooperação, abordado por Piaget, onde a troca se firma como ele-mento relevante, excluída a passividade dos envolvidos, vemosque este tipo de aprendizagem propicia e incentiva os processos deconstrução significativa de conhecimentos.

O significado aflora no momento em que são contextuali-zadas as contribuições e situações que vivencia o participante-aprendiz. Sendo eles mesmos a determinar o que gostariam de ex-plorar, fica assim estabelecido o significado autônomo que consti-tui pré-requisito para desencadear a ação da comunicação.

Não raro, e embora de uma forma já ultrapassada, os estu-dantes são obrigados a apreender grande quantidade de informa-ções no ambiente escolar e nem sempre as informações se trans-formam em conhecimento. Conhecimento e informação estãointerligados, mas o segundo só se transforma no primeiro quandoo sujeito consegue ligar a informação nova com conceitos ou pro-posições relevantes preexistentes em sua estrutura cognitiva. É oque Edgar Morin denomina de religação de saberes, expressão quedá título a uma obra sua.

Acreditamos que um dos fatores mais importantes e queconstitui um agente para a aprendizagem é o conhecimento ante-rior. Aprender significa, assim, assimilar conceitos mediante a in-clusão de novas proposições nas estruturas cognitivas e referenci-ais simbólicos existentes, o que nos reporta à teoria de Vygotsky,

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quando nos fala de zona atual e zona proximal de inteligência, jáabordados no segundo capítulo desse trabalho. O conhecimentosignificativo surge quando o aprendiz, consciente, estabelece liga-ções deste novo conceito com os conceitos relevantes e assimila-dos anteriormente.

Nos ambientes de aprendizagem on-line podemos com-provar esta afirmação, já que as contribuições são livres e a partici-pação espontânea numa escolha franca dos assuntos que mais lhedizem respeito, ou que mais aguçam seu interesse. O aprendiz se-leciona e transforma a informação obtida nos ambientes virtuaisde aprendizagem e constrói novas idéias ou conceitos baseados emseus conhecimentos atuais ou prévios.

Acreditamos que aspectos como predisposição paraaprender, estruturação da forma de um corpo de conhecimentoque seja acessível aos alunos são elementos fundamentais parauma aprendizagem com significado, e esta nova perspectiva de en-sino é possível ser encontrada nos ambientes on-line, num pro-cesso colaborativo que impulsiona a construção individual de co-nhecimentos, fundamentados nas escolhas e direcionamentos deuma participação autônoma e livre de qualquer coerção.

No próximo capítulo faremos abordagem de uma vertentedesta construção de conhecimento significativa, enfocando o en-sino/aprendizagem nos ambientes não formais, com uma atençãoexpressiva para a educação à distância – EAD - onde poderemosapoiar as colocações feitas até então.

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7 – O ENSINO / APRENDIZAGEMA DISTÂNCIA: UM MODELO DE EDUCAÇÃO

REDIMENSIONADO

É comum ouvirmos falar que ensino a distância constituiuma recente inovação em termos de educação. Sabemos que setrata de um grande engano e tentaremos neste capítulo refletir so-bre o assunto, evidenciando o caráter nada inovador deste pro-cesso.O que de novo há são as recentes formas de interação noprocesso de ensino a distância trazidas pelas tecnologias de ponta,bem como uma maior credibilidade em relação a este novo protó-tipo de educação.

Consiste numa modalidade que prima por uma maneiraparticular de criar um espaço para gerar, promover e implementarsituações novas de aprendizagem onde os alunos aprendem emambientes e tempos não convencionais e não compartilhados, uti-lizando uma multiplicidade de recursos pedagógicos que preten-dem facilitar a construção do conhecimento.Ao dizer ‘pretendem’consideramos esta uma proposta que traz ainda dificuldades deserem otimizadas por diversas razões, que vão desde a extrema re-sistência na aceitação de um modelo não-fragmentado de apren-dizagem, na necessidade de compartilhar espaços de reflexão até adificuldades em manipular os novos recursos midiáticos.

7.1 – Um novo modelo de aprendizagem autônoma

Em geral, o Ensino a Distância deve ser entendida comouma estratégia desenvolvida por sistemas educativos para oferecerconhecimento a setores ou grupos da população que, por questõesgeográficas e/ou sociais, possuem dificuldades de acesso a servi-ços educativos regulares.

O ensino não presencial tem por objetivo viabilizar os pro-cessos de construção do conhecimento, numa redução significa-

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tiva dos encontros face-a-face entre professores e alunos. A quali-dade de um processo como esse vincula-se a uma gama de fatores,entre eles a concepção político-pedagógica subjacente.

Para a implementação de um projeto deste porte é precisoressaltar que dois fatores estão intrinsecamente associados: a ques-tão democrática e a tecnológica. A primeira, abrindo possibilida-des de acesso à educação a massas da população, e a segunda for-necendo suporte necessário para a produção de materialinstrucional, tornando-se elemento fundamental, já que vai de-sempenhar papel na mediação necessária ao processo de auto-aprendizagem ou da aprendizagem independente.

A necessidade mais ampla de democratização de acesso aoconhecimento e também de se criar formas alternativas de prepa-ração de quadros e de desenvolvimento de competências específi-cas geraram propostas de ensino a distância no mundo inteiro apartir de 1970, modelo que vem se expandindo de forma significa-tiva como um novo estilo de construção do conhecimento.

Na realidade, o ensino à distância vem hoje revestido deuma nova roupagem, pois ele já existe há um bom tempo, se nosreportarmos aos cursos por correspondência que, embora eficien-tes e pertinentes para o fim proposto, atingindo de forma signifi-cativa a massa interessada, eram alvos de escárnio pela população,que os tachava de irregulares e ineficientes.

A ampla propagação de cursos à distância só veio a acon-tecer bem recentemente e tem como elemento detonador desteprocesso as novas tecnologias, principalmente a Internet, sistemaglobal de comunicação em rede. No Brasil eles são relativamentenovos, frutos de acumulação de experiências variadas que, aolongo do tempo, foram dando corpo à adoção do ensino a distân-cia como nova metodologia para disseminar conhecimentos.

Não podemos precisar o tempo ou o lugar em que o en-sino a distância teve início, e se assim o fizermos deveremos retor-nar ao século XV e à invenção da imprensa por Gutemberg, dandoorigem ao livro impresso. Não seria essa uma forma de aprendiza-gem à distância, já que, a partir da leitura individual, realizada in-

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dependentemente ou não da presença do professor, o aprendizexercia sua auto-instrução? A história nos conta a resistência daescola aos livros impressos sentido-se ameaçada diante da pers-pectiva do desaparecimento da figura do mestre, até então únicodetentor do conhecimento. Parece-nos que o receio permaneceem relação ao avanço tecnológico e a presença acentuada dos re-cursos multimídias nos espaços escolares. Associar ensino a dis-tância a desemprego de professores constitui uma impropridade,haja vista que o papel do professor subsiste a esta nova competên-cia que deverá ser internalizada. O professor não atua apenascomo um transmissor de informações, mas atua como facilitadordo aluno, esclarecendo suas dúvidas, e isto motiva o professor atrabalhar com outras habilidades e especializações, ampliando oseu magistério.

Educação presencial e educação a distância serão apenasaliadas e, nesse caso, a atitude passiva do aprendiz em relação aoconhecimento acumulado, estimulada por professores e tutorescomo forma de garantir o ensino, cede espaço à ênfase a ati-tudes proativas, onde criatividade e autonomia são elementos en-corajados no sentido de estimular os processos de construção doconhecimento.

Uma das características da EAD é a forte influência da or-ganização educacional, envolvendo planejamento, sistematização,plano, projeto e organização dirigida. Estes aspectos a diferenciamda educação individual. Há sempre uma equipe multidisciplinarelaborando e atualizando materiais para o ensino através de méto-dos pedagógicos adequados à auto-instrução.

Sob a perspectiva de Pierre Lévy, o uso desenfreado dastecnologias digitais e das redes de comunicação interativa leva auma importante transformação na relação com o saber. Todos es-ses aparatos tecnológicos que possibilitam a criação coletiva dis-tribuída, aprendizagem cooperativa e colaboração em rede, maisdo que constituir um novo, ou inovado, modelo de educação, co-loca em questão o funcionamento das instituições e o modo de or-ganização do trabalho nas empresas e nas escolas. E é isso que vem

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suscitando resistência por parte dos profissionais de educação e dasociedade, de um modo geral, pois a grande questão não se tratada passagem do presencial à distância, ou do escrito e do oral àmultimídia, mas a passagem de uma educação institucionalizadapara uma situação de troca generalizada dos saberes, o ensino dasociedade por ela mesma, de reconhecimento autogerenciado,móvel e contextual das competências.117

Os principais centros de divulgação da EAD118 foram aFrança, a Espanha e a Inglaterra, que contribuíram com importan-tes trabalhos na ampliação desta modalidade de educação, ser-vindo também de modelo para outras nações.

7.2 – O Brasil no contexto da educação independente119

A modalidade de aprendizagem a distância teve um per-curso significativo em nosso país no século passado, traçandouma trajetória que vem gerando um processo educativo cada vezmais aprimorado e eficiente nesta perspectiva.

Data de 1904 a instalação de escolas internacionais, basi-camente instituições privadas, que ofereciam cursos pagos porcorrespondência.

Outra iniciativa neste caminho foi a instalação da Rádio-Escola Municipal, no Rio de Janeiro, por Roquete Pinto. Neste tipode proposta os alunos além de participarem das emissões radiofô-nicas, tinham acesso prévio a folhetos e esquemas de aulas e man-tinham contato direto com a rádio através de correspondência. ARádio Sociedade, que abrigava a Rádio-escola, foi, posteriormente(1936), doada por seu proprietário ao Ministério da Educação eSaúde sob a condição de não servir para outros fins que não edu-cativos. Surge assim a Rádio Ministério da Educação.

117. LÉVY, 1999, p. 172118. Sigla comumente usada em referência à Educação a distância119. Pesquisa feita no site http:/ www.universidadevirtual.br

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Em 1939, é fundado o Instituto Universal Brasileiro, sedi-ado em São Paulo e que oferece ainda hoje um grande número decursos técnico-profissionais.

Com o objetivo de formar professores leigos, surge a Uni-versidade do Ar em 1941 e dura apenas dois anos. Outra Universi-dade do Ar é criada em 1947 por iniciativa do Serviço Nacional deAprendizagem Comercial (SENAC) e das Emissoras Associadas etinha como alvo os comerciantes e empregados que deveriam sertreinados em técnicas comerciais. Um total de onze estações de rá-dio do interior repassavam as aulas lidas pelos professores nos es-túdios de uma emissora de São Paulo, capital, atingindo, em 1950,318 localidades e oitenta mil alunos.

Com a chegada da primeira televisão no Brasil, a TV Tupi,em 1950, este meio de comunicação de massa é solicitado a disse-minar o ensino por Edgar Roquete Pinto, que junto com o enge-nheiro José Oliveira Reis elaboraram a instalação de um canal deTV educativa no Rio de Janeiro. Este canal foi autorizado a funcio-nar, mas acabou por nunca ser instalado devido a problemas nopagamento da emissora que havia sido adquirida de uma empresanorte-americana. Apesar da tentativa não ter sido levada adianteaqui, o projeto foi aproveitado em outros países.

Em 1957, foi criado o Sistema Rádio-educativo Nacionalque durante vários anos produz programas veiculados a emissorasde diversos pontos do país.

Outro movimento voltado para atividades como alfabeti-zação, conscientização, politização, educação sindicalista, instru-mentalização das comunidades e animação popular intitulou-seMovimento de Educação de Base (MEB- 1961/65). Este Movi-mento foi criado pela Igreja Católica e recebeu verbas do GovernoFederal para ser viabilizado. Um elemento vital deste trabalho foio Sistema Rádio Educativo, constituído por rede de núcleos comrecepção organizada de programas educativos especialmente ela-borados, num trabalho integrado de comunidade e escola. Quatroanos depois, a ação do MEB já alcançava 14 estados e um total devinte cinco emissoras transmitiam os programas de educação de

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base. No último ano de sua existência, 1965, o trabalho havia al-cançado 4.522 escolas radiofônicas.

Ainda neste ano, 1965, a Secretaria de Educação do Estadodo Rio de Janeiro e o Ministério da Educação firmaram um convê-nio criando o Serviço de Rádio e Televisão Educativos. Dois anosdepois, outras instituições foram criadas como: Fundação PadreLandell de Moura, no Rio Grande do Sul, que desde então vem de-senvolvendo programas de preparação para o trabalho junto a em-presas privadas e organizações governamentais; A Fundação Pa-dre Anchieta, em São Paulo e o Instituo de AdministraçãoMunicipal, no Rio de Janeiro, com o objetivo de oferecer cursos adistância para treinamento de servidores de prefeituras.

Foi iniciado em 1969, pelo Instituto de Pesquisas Espaciaisdo CNPq, em São José dos Campos, o Projeto Saci, que propunhauma rede educacional, via satélite, de âmbito nacional. Este pro-jeto realizou uma experiência no Rio grande do Norte com umcurso supletivo de primeiro grau para professores leigos e umacomplementação de 15 minutos diários para as séries iniciais re-gulares do primeiro grau, realizadas por TV e Rádio. O InstitutoNacional de Pesquisas Espaciais implantou também o primeiroMestrado em Tecnologia Educacional no país.

O uso gratuito do rádio para programas educativos foi re-gulamentado pelos Ministérios das Comunicações e da Educaçãoe Cultura em 1969. Esses programas ocupavam cinco horas sema-nais, tempo obrigatório instituído para essa programação. O tãoconhecido Projeto Minerva, que funcionava em cadeia nacionalpara produção de textos e programas surgiu neste mesmo ano.Este projeto tinha como objetivo complementar as atividades dossistemas educativos comerciais assim como oferta de cursos deeducação continuada e supletiva a jovens e adultos e programaçãocultural de interesse das audiências.

Em 1972, é criado o Programa Nacional de Telecomunica-ções (Prontel), ligado diretamente à Secretaria Geral do Ministé-rio da Educação e Cultura, com a finalidade de coordenar experi-ências e formular uma política nacional para o setor.

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No ano seguinte este programa apresentou o Plano Nacio-nal de Tecnologias Educacionais, instrumento de coordenação, in-tegração e desenvolvimento de tecnologias educacionais, relacio-nados com os sistemas de comunicação, quais sejam: o rádio, atelevisão, cinema, ensino por correspondência e todos as outrasferramentas usadas para o ensino.

Visando a aperfeiçoar e especializar professores de ciên-cias do primeiro grau, o governo do Estado do Rio, através da Se-cretaria de Educação, implementou um programa de educação adistância e, ainda nesta década, a Fundação Roberto Marinho ini-cia um programa de educação supletiva a distância para o pri-meiro e segundo graus utilizando ferramentas como o rádio, a te-levisão e material impresso.

Na esfera do nível superior, a primeira proposta de educa-ção a distância parte do Ministério de Educação, tendo comoponto de partida um relatório apresentado por Newton Sucupira,do Conselho Federal de Educação, em resposta a um estudo rea-lizado na Inglaterra, com o objetivo de conhecer novo modelouniversitário, projetado pela Open University. Neste relatório, seuautor defende a criação de uma universidade aberta, conside-rando-a uma forma de ampliação de oportunidades de acesso aoensino superior e um processo de educação permanente em níveluniversitário.

Algumas investidas foram feitas neste sentido no Brasilentre 1972 e 1974, entre elas a Portaria Interministerial nº 96, de05 de março de 1974, com o objetivo de criar diretrizes e basespara a organização e funcionamento da Universidade Aberta noBrasil, o que desencadeou inúmeros projetos de lei a tramitar noCongresso nacional com esse. Todos eles arquivados.

Apesar de não ter logrado êxito, no nível de legislação, al-gumas iniciativas concretas de ensino superior a distância surgemna década de 80, entre eles: o programa de ensino a distância daUniversidade de Brasília; o programa de pós-graduação da Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Ca-pes/MEC); e Associação Brasileira de Educação Agrícola (Abeas)

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e o programa Universidade Aberta do Nordeste, mantido pelaFundação Demócrito Rocha , em convênio com muitas universi-dades e instituições de ensino superior, visando a oferecer cursosde extensão universitária, veiculados como encartes de nove jor-nais da região.

Em fins da década de 80 são desencadeadas novas iniciati-vas pelo Ministério da Educação. Foi apresentada uma Propostade Política Nacional de Educação a distância, permitida pela por-taria nº 511, de 27 de setembro de 1988.Na mesma época o MECcria a Coordenadoria de Educação a Distância, no INEP (InstitutoNacional de Pesquisas Educacionais). Esta Coordenadoria tinhacomo função principal fomentar estudos, pesquisas e programasna área.

Na esteira desse processo, foi criado em 1989, através daPortaria Ministerial nº 117/89, um grupo de assessoramento paraapresentar propostas que permitissem o encaminhamento deações capazes de viabilizar a implantação da educação a distâncianos três graus de ensino. Finalmente em 1990, o Ministério daeducação encaminha ao Congresso Nacional projeto de lei nº4592, que dispõe sobre a Universidade Aberta do Brasil e dá ou-tras providências.

Em 1993, o MEC e o Ministério das Comunicações assina-ram um Protocolo de Cooperação, criando o Sistema Nacional deEducação a Distância com o objetivo de “catalizar, potencializar,ampliar e articular as iniciativas fragmentadas já existentes naárea.” Colaborando nesta participação estavam o Conselho de Rei-tores das Universidades Brasileiras(Crub), do Conselho dos Secre-tários Estaduais de Educação (Consed) e da União dos DirigentesMunicipais de Educação(Undime).

Entre as ações para a implementação do referido Sistema,estabeleceram-se como prioridades a formação, atualização, aper-feiçoamento e especialização de professores do Ensino Funda-mental, onde se destacam o programa Um Salto para o Futuro e acriação de Consórcio Inter-universitário de Educação e FormaçãoContinuada – via satélite.

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Em 02 de fevereiro de 1998, foi sancionado o Decreto nº2.494, que estabelece parâmetros de Educação a Distância nos ní-veis de graduação, pós-graduação(mestrado) e ensino profissionaltecnológico.

Em 07 de abril de 1998, é sancionada a Portaria nº 301 doMinistério da Educação, que visa normatizar os procedimentos decredenciamento de instituições para oferta de cursos de graduaçãoe educação profissional tecnológica.

Em 2001, deu-se a ampliação da EAD para cursos de pós-graduação e regulamentação para inserção de disciplinas on-linenas universidades.

Em dezembro de 2005 aconteceu a regulamentação da Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece as ba-ses legais para a modalidade de educação a distância. Nestemesmo ano, o Ministério da Educação abriu edital para prefeitu-ras se candidatarem a fazer parte da Universidade Aberta do Brasil(UAB), rede de cursos a distância feita pelas universidades fede-rais com a proposta de criação de 500 pólos de educação a distân-cia em 2007.

Em junho de 2007 iniciaram-se as atividades da UAB em174 pólos. Outros 117 ainda estão em fase de avaliação e adapta-ção, com início das atividades previsto para 2008. Ao todo, 291pólos, em 288 municípios brasileiros, distribuídos em todos os es-tados da União, devem ofertar cerca de 60 mil vagas.

7.3 – Experiências que dão certo

No Brasil, as instituições que querem oferecer o ensino degraduação a distância devem obter junto à Secretaria de EducaçãoSuperior do Ministério o credenciamento e autorização para suaviabilização. A partir dessa iniciativa, a universidade pode ofere-cer cursos utilizando vídeo, Internet, impressos e outras mídias.

As universidades que se consorciam possuem sites infor-mativos a respeito de seus cursos, mas, na realidade, poucos recur-

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sos da Web são utilizados como ferramentas de auxílio a este en-sino. Mais freqüentemente são utilizados livros, cadernos, guias deestudo, todos impressos. Em alguns sites são citados também re-cursos como fitas de vídeo, fitas de áudio, telefone, fax, computa-dor, tele e vídeoconferências, rádio e TV. Assim, nenhum dessescursos configura-se como cursos virtuais, ou seja, via Web.

Caminhando no sentido de disseminar este modelo, queinstituiu-se com o objetivo de democratizar o acesso à educação,eliminando, de uma certa forma, a exclusão de uma grande parteda população, que por motivos diversos ainda não ingressaramnum curso de graduação, formaram-se já há algum tempo algunssistemas de consórcio que abrigam várias instituições de ensinocom ofertas de cursos a distância.

Veremos abaixo alguns desses consórcios e as especificida-des de cada um, assim como as instituições a eles consorciados.

Universidade Virtual Pública do Brasil – UNIREDE,formada por um consórcio de 63 instituições públicasde ensino superior (Ipes), entre universidades federais,estaduais e Cefets. Seu objetivo é oferecer cursos dequalidade, procurando aproveitar a infra-estrutura e opotencial docente das instituições consorciadas. Sãoutilizadas tecnologias de informação e comunicaçãoespecíficas, como áudio, videoconferência, materialimpresso, CD- Rom, Internet.A UNIREDE já oferece dois cursos a distância destina-dos a capacitar profissionais da área de educação: TVna Escola e os Desafios de Hoje e Formação em Edu-cação a Distância; além disso, elabora atualmente umplano de oferta de cursos em diversas áreas da educa-ção tecnológica. A UNIREDE conta com instituições consorciadas dis-tribuídas por todas as regiões do nosso país, sendo quehá, na região sudeste, 20 delas, a saber: UFES, UFF,UFJF, UFLA, UFMG, UFOP, UFRJ, UFRRJ, UFScar,UFU, UFV, UNESP, UNICAMP, UNIFESP, UNIMON-TES, UNIRIO, CEFET-RJ, EFEI, FUNREI, UEMG.

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Outro sistema de consórcio é o CEDERJ, Centro deEducação Superior a Distância do Estado do Rio de Ja-neiro, que vem desde 2001 trabalhando no sentido deconsolidar um ensino superior de qualidade, atravésde seus pólos regionais, 11 ao todo, atingindo todo ointerior do estado e algumas áreas metropolitanas doRio de Janeiro.

A Fundação CEDERJ teve sua fusão com o CECIERJ(Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do estado doRio de Janeiro) consolidada no dia 27 de fevereiro de 2002, atravésde um projeto de Lei complementar nº 26/2002. Este projetotransformou a autarquia CECIERJ em fundação através da fusãocom o CEDERJ, ambos vinculados à Secretaria de Estado de C&T.

Coordenado pela secretaria estadual de Ciência e Tecno-logia do Rio de Janeiro, o Cederj reúne em consórcio as uni-versidades públicas sediadas no Estado: UERJ (Universidade doEstado do Rio de Janeiro), UniRio (Universidade do Rio de Ja-neiro); UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense);UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); UFF (Universi-dade Federal Fluminense) e UFRRJ (Universidade Federal Ruraldo Rio de Janeiro).

Os cursos oferecidos pela instituição são semi-presenciaise os alunos realizam duas provas por disciplina no semestre, alémde terem aulas em laboratórios. A duração dos cursos é de oito se-mestres, exceto os de tecnologia em informática e pedagogia dasséries iniciais, que têm duração de seis semestres. As provas e asaulas práticas são feitas nos pólos de ensino, como o de Volta Re-donda, Itaperuna, Paracambi, Três Rios, São Fidélis e São Pedrod'Aldeia.

O CEDERJ tem já iniciados os cursos de licenciatura em:Ciências Biológicas, que tem atuando as seguintes universidades –UERJ, EFRJ, UENF; Matemática, que conta com a atuação da UFF,UERJ, UFRJ.

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7.4 – A Educação a Distância em discussão

Entre os dias 26 e 28 de março de 2002, aconteceu o I Con-gresso de Educação Superior a Distância, na cidade de Petrópolis,RJ, onde estivemos presentes a fim de enriquecer a pesquisa e ver eouvir de perto as discussões que se processam ao redor dessetema. Este congresso teve como objetivo trazer à discussão temasque constituem a espinha dorsal do ensino a distância no Brasil,tais como: legislação e consórcios em EAD no Brasil, tecnologiase ferramentas, material didático, gestão de sistemas, avaliação, ca-pacitação profissional, interatividade e potencialidades e, final-mente, deu os primeiros passos para a criação da Sociedade Brasi-leira de Educação Superior a Distância, que permanecerá emprocesso através de encontros futuros de uma comissão retiradadesse fórum.

Pudemos perceber nesses três dias de encontro que a edu-cação a distância caminha ainda em busca de uma maior credi-bilidade por parte do governo e da própria população. Muitoscaminhos já foram trilhados e muito se tem alcançado em amplia-ção de instituições que comungam do mesmo objetivo. É certoque assim como as vitórias, são também muitas as dificuldadesenfrentadas para se construir um modelo educativo sem falhas ede qualidade.

Muitos são os profissionais envolvidos neste processo esua formação e qualificação nos fazem acreditar que estamos di-ante não só de um modelo educacional de vanguarda, mas com-prometido e com uma postura profissional eficiente e voltada parauma educação libertadora e de inclusão. Esta modalidade de en-sino, dizem eles, implica uma revisão de paradigmas, culturais,pedagógicos e operacionais, principalmente por parte dos educa-dores, que precisam se apropriar da tecnologia. O homem é umser que se percebe inacabado e busca constantemente ser mais, epara ser mais, ele precisa, hoje, dominar as novas tecnologias, jáque a aprendizagem está sendo cada vez mais viabilizada por am-bientes virtuais inteligentes.

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Importante destacar que tratar do ensino a distância nãoexcluiu a discussão em torno da educação em si mesma. Ambasrequerem atividades de aprendizagem interativas e independentes,e podem e devem acontecer num sistema de educação presencialou não. Para os participantes, a Educação a Distância é um pro-grama que contempla uma aprendizagem significativa e para sersignificativa ela precisa ser:

– ativa– construtiva– colaborativa– intencional– contextualizada– reflexiva– coloquial

Como qualquer modelo de educação, o ensino a distância,que aqui preferimos chamar de construção de um conhecimentoautônomo, esbarra em inúmeras dificuldades. Entre elas as quemais receberam destaque estão:

– currículo feito com paradigmas do ensino presencial;– exigência de criação de projetos mais elaborados que

acabam por reforçar a resistência à implementação eeficiência desse programa;

– dificuldades dos tutores (assim chamados os professo-res que atuam nesse sistema) e dos cursistas em lidarcom a distância, a falta de um ambiente único de com-partilhamento e consequëntemente a ausência de afe-tividade.

– A Web ainda é um meio de interatividade falho, já que,independente da vontade dos tutores, não se consegueviabilizar um ensino eficiente por esta via, devido aofuncionamento da rede que nem sempre acontece acontento. Este fato, aliado a dificuldades encontradasno domínio das tecnologias, torna lento o processo demodernização do ensino a distância.

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– O número de alunos que se evadem dos cursos é aindamuito expressivo e isto ocorre por diversas razões quevão desde a falta de habilidade, por parte dos alunos,em lidar com a tecnologia até a escassez de tempo decada um para viabilizar as condutas autônomas deaprendizagem exigidas nos cursos.

– A execução dos módulos exige uma construção do co-nhecimento baseada em projetos, solução de proble-mas e pesquisas, numa total mudança de paradigmasque ainda não estão assimilados integralmente pelaclientela.

– A formação dos tutores para esse fim é um trabalhocontínuo e exige uma maior preocupação com o perfildo profissional, que deverá ser, além de um colabora-dor no processo de aprendizagem e participante dacriação, uma pessoa afetuosa, que entenda o perfil doaluno que fica, muitas vezes, na dependência de seuestímulo para superar as dificuldades.

Ficaram evidenciados nesse fórum os principais aspectos

que caracterizam o ensino independente:

– sistema que integra várias mídias; – rompimento com o planejamento de aulas tradicional;– busca de territórios negociáveis;– programa democratizador de educação.

Como vimos anteriormente neste trabalho, a Educação aDistância não é um sistema novo de ensino. Possui característicaspróprias de uma época de avançada tecnologia e passou por diver-sas gerações, a saber: correspondência, áudio-visual, áudio-visualcom tutoria e, por último, mediada por computador. Todas elascom suas dificuldades, mas nunca com tanta perspectiva de galgarnovos horizontes como a que podemos presenciar atualmente.

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7.5 – O desafio de se criar material para um7.5 – modelo de aprendizagem autônoma

Construir uma proposta de ensino que oriente a constru-ção do conhecimento sempre constituiu uma preocupação para osprogramas de Educação a Distância. Certamente que existe portrás de cada material uma reflexão e conseqüente preocupação emcriar boas propostas e estratégias para cada conteúdo e disciplina.Este processo requer um trabalho integrado entre os especialistasdas diferentes disciplinas e aqueles especializados na elaboraçãode materiais para ensino a distância.

Os propósitos do curso bem como a identificação, seleçãodos núcleos temáticos e as relações conceituais principais a seremabordadas nas disciplinas definem os enfoques, pontos de vista ereferências bibliográficas dos textos a serem elaborados. Antesdessa fase preliminar de elaboração, faz-se necessária uma discus-são acerca do perfil do aluno que fará uso desse material, detec-tando o nível de conhecimento de que ele dispõe antes do iníciodo curso.

Nesse trabalho conjunto entre pedagogos, professores e es-pecialistas, a presença do tutor, nome dado ao mediador entre oaluno e material, a quem chamamos professor no ensino presen-cial, é imprescindível, haja vista a importância de sua experiênciapara uma visão macro das características e inquietações dos sujei-tos a quem se destinam os materiais.

Uma proposta apropriada e que possui perspectivas de darcerto é aquela que busca introduzir o aluno em temas, de formaprogressiva, demarcados de um campo disciplinar particular. Paraisso um panorama global do curso deve ser, a priori, apresentadoao aluno de forma que ele conheça com clareza os propósitos e aestrutura do curso, a localização da matéria no plano de curso esua correlação com outras matérias e com o conhecimento prévioque o aluno possa ter. Ao lado disso, deve-se fornecer orientaçõespedagógicas e recomendações para uso da bibliografia.

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O material deve ter como objetivo criar boas explicações,suscitar questionamentos, mostrar paradoxos e contradições eabrir os problemas em vez de fechá-los. Em suma, todo materialde qualidade dever ter por princípio instigar o conhecimento, en-volvendo os alunos num processo de reflexão, que os farão esta-belecer conexões e de onde certamente advirá um conhecimentosignificativo.

Cabe lembrar aqui que estamos falando de um novo mo-delo de ensino a distância, baseado em ambientes construtivistase que vão de encontro àquele dos velhos módulos de produçãoescrita que só impunha um saber baseado em atitudes de có-pia/colagem para considerar o aluno apto a ter um certificado.O aluno tinha que dar conta de um material complexo, por vezesultrapassado, que perpetuava uma educação compartimen-tada e excludente. As avaliações seguiam os ultrapassados pa-drões de pergunta/resposta que privilegiava a capacidade dedecorar em detrimento de uma possível construção do conheci-mento, fundamentada em pesquisas e condutas independentes deaprendizagem.

É obvio que ainda temos este tipo de ensino em nossas es-colas regulares ou a distância, mas diante das novas ferramentasde ordem tecnológica, estabelecer conteúdos estanques e compar-timentados é andar na contramão de uma nova ordem educacio-nal, planetária em que as disciplinas, assim como as culturas, de-vem estabelecer conexões como uma grande rede. As tentativas dedividir tudo em dois devem suscitar sempre uma grande suspei-ção, pois nas diferentes culturas mesmo que os membros de umgrupo nem sempre se entendam perfeitamente, em geral eles par-tilham atitudes, padrões e formas de conduta comuns120.

120. BENAKOUCHE, T. 2001, p. 49

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7.6 – A ação docente nos ambientes permeados7.6 – pelas novas tecnologias digitais

Alguns cientistas e tecnólogos alertam, diante da crescentevelocidade dos ambientes digitais, a cultura “pós-alfabética”, parao fim da Galáxia de Gutenberg e o início do Milênio da Imagem,em que as imagens se movimentam à velocidade da luz. Passado,presente e futuro se confundem nas imagens-texto, mexendo compercepções e sensibilidades humanas.

Diante desse quadro, o professor transforma-se em pontode referência na orientação dos alunos e, mais do que isso, em ge-rador de oportunidades para a construção coletiva do saber numaatitude cooperativa; em instigador da inteligência coletiva dosgrupos de sua responsabilidade e estimulador da troca de saberes.

Neste mundo que se transforma, o professor terá não sóque anunciar, mas também validar as informações dadas, orien-tando-as e proporcionando momentos para que seja feita seleçãodas informações numa atitude reflexiva do material pertinente àcultura escolar.

Uma inovadora forma de comunicação entre professores eaprendizes, proporcionada pelo ambiente digital é o e-mail, quetem aberto novos canais de comunicação entre professores, alu-nos, pais. Essa via leva a uma maior integração do trabalho entrealunos e professores, alunos e alunos e professores e professores,independente de local e hora pré-estabelecidos.

É Lévy quem afirma:

É preciso colocar as pessoas nessa situação de curiosidade,nessa possibilidade de exploração. Não individualmente,não sozinhas, mas juntas, em grupo.Para que tentem se co-nhecer e conhecer o mundo a sua volta.E, uma vez compre-endido esse princípio de base, todos os meios servem. Osmeios audiovisuais, interativos, os mundos virtuais os gru-pos de discussão, tudo o que quisermos.

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7.7 – Sob a leitura de experiências

No ano de 1999 o Centro Federal de Educação Tecnoló-gica de Campos, CEFET Campos, vivenciou uma experiência nomodelo de Educação a Distância. Este fato nos levou a procurar aTécnica em Assuntos Educacionais, Regina Maria Muniz Ma-chado, que coordenou esse projeto piloto e relatou para nós a ex-periência que a fez tornar-se uma defensora apaixonada desse mo-delo de ensino/aprendizagem, aliada a uma experiência anteriorcomo aluna do curso de pós-graduação em Educação Continuadae a Distância, pela UnB.

Transcrevemos, na íntegra, seu depoimento.

Parti de uma pós-graduação em Educação Continuada e aDistância na UnB, cuja metodologia aplicada foi a da Edu-cação a Distância. A qualidade do curso talvez tenha des-pertado o interesse profundo sobre o tema. Creio que come-çar bem é essencial para avançar na área de atuaçãoprofissional.Durante o curso tive oportunidade de vivenciar a práticaconcomitante da educação a distância no CEFET Campos,que adquiriu, na época, um software gerenciador para asatividades e possibilitou um ambiente de trabalho nesta li-nha. O grupo que formava o Núcleo de Tecnologia Ciênciae Cognição, NTCC, era composto de professores que cursa-vam mestrado e especialização na área além de outros inte-ressados. Foi uma excelente experiência quando consegui-mos colocar um piloto na rede. O púbico-alvo foram osprofessores de escolas públicas de uma localidade vizinha,Bom Jesus de Itabapoana.Além do ambiente de aprendizagem utilizamos chats, Fó-rum de Discussão e Lista de Discussão como ferramentasde aprendizagem.Hoje este Núcleo foi absorvido pelo núcleo de Pesquisa daEscola o que interrompeu o trabalho que vinha sendo feito.Estamos aguardando o que virá.A educação a distância é interessante, economiza tempo, di-nheiro, além de atingir um grande número de pessoas emdiferentes pontos da região e do país, o que permite uma

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troca importante. Desenvolve o espírito colaborativo, coo-perativo afastando o mesmismo, o individualismo. O tempode cada um é muito melhor aproveitado, já que a dedicaçãoaos estudos se dá no momento em que é possível, sem horamarcada. Daí o rendimento ser melhor.No entanto demanda responsabilidade, persistência, aten-ção individualizada para que o aluno não se disperse; tersensibilidade na comunicação on-line para conquistar e fa-zer o aluno presente, sem afastá-lo. É necessário ter amplosconhecimentos específicos, espírito de equipe para formarum grupo de tutores/orientadores integrados, imprescindí-vel a um trabalho sério e com resultado positivo. É mais trabalhoso que o trabalho presencial.É o novo! É o atual! É o ideal para o novo tempo.

Pudemos perceber a paixão que permeia toda a fala da ex-aluna, tutora e coordenadora de um projeto que deu certo e que,infelizmente, veio a ser interrompido por problemas estruturais.

Percebemos, através dessa, e de outras entrevistas feitas ajovens, que o interesse pela educação autônoma vem a se intensifi-car à medida que os participantes são mais adultos ou mais madu-ros, o que nos leva a inferir que este novo modelo de aquisição doconhecimento traz uma certa liberdade de ação com que os jovensainda não conseguem lidar, principalmente se levarmos em contaas inúmeras atrações que dispersam sua atenção diariamente nestemundo globalizado.

Ainda no sentido de buscar subsídios para nossa pesquisacontactamos jovens alunos do CEFET Campos, que têm à sua dis-posição uma sala equipada com microcomputadores conectadosem rede através dos quais eles pesquisam, conversam on-line, di-gitam seus trabalhos e aprendem também, já que existe, neste es-paço, um professor de informática que acompanha todas as cone-xões através de um computador. Dessa maneira, ele podecontrolar os sites pesquisados, evitando o uso indevido do micró-dromo, assim denominado esse espaço naquela Instituição.

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Aplicamos um questionário de pesquisa121 entre os usuá-rios do micródromo, nos três turnos da Escola, com o objetivo deconfirmarmos se o uso é significativo para a aprendizagem, ouapenas uma ferramenta de brincadeiras e bate-papos.

Antes do contato com os alunos, observamos por algumtempo o acesso e verificamos que a maior parte deles faz pesquisasem sites de busca para efetuarem tarefas solicitadas pela própriaEscola, ou digitam trabalhos a pedido de seus professores, grandesincentivadores da ação exploratória da rede.

De acordo com o levantamento feito, num total de 72questionários respondidos, a grande parte pertencia ao sexo mas-culino (46) para 23 do sexo feminino. A maioria já tem o EnsinoMédio completo (44) enquanto que o restante se subdivide entreos alunos do ensino médio e de graduação.

Perguntados se costumam fazer uso da WEB para pesqui-sas escolares, 65 responderam positivamente, o que evidencia umagrande procura por esta ferramenta. Quanto ao número de horassemanais destinadas a essa função, a média ficou entre 10 e 15 ho-ras, sendo os sites de busca os mais procurados (59) confrontandocom apenas 1 que apontou pela preferência ainda de materiaisimpressos.

Entre as maiores dificuldades encontradas para acesso àrede, ficamos entre problemas técnicos (15) e falta de tempo (23)como os mais apontados. Esses alunos alegaram, em sua maioria,receber incentivos para uso de computador conectados em redede seus colegas (32), seguidos do incentivo da própria Escola (26)e professores (21).

As vantagens encontradas nessa tarefa ficam por conta daampliação de material a ser pesquisado (20) seguido da facilidadede uma pesquisa levar a outra através de links.

47% dos alunos (34) responderam que fariam um curso adistância usando como ferramenta a WEB, contra 44%(32) queafirmaram que não se arriscariam num curso não presencial. Orestante, 9%, não respondeu a pergunta. Um dos maiores e signifi-

121. O questionário aplicado encontra-se em anexo deste trabalho.

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cativos motivos das negativas devem-se ao fato de a grande partenão ter computador em casa (20), seguido da preferência pelo en-sino presencial e presença do professor em sala de aula.

Quando, finalmente, argüidos se fariam parte de umprocesso de aprendizagem a distância, demonstraram um acen-tuado receio, num total de 80,5% de negativas contra 15,2% deafirmativas.

7.8 – Uma prática pela democratização do ensino7.8 – ou um acentuado processo de exclusão social?

O ensino a distância, como visto até então, apresenta ca-racterísticas de solução para as carências educacionais. Cabe-nos,entretanto, analisar os dois lados dessa moeda, evitando, dessaforma, que embarquemos num processo de crença desenfreadaem um modelo de educação que parece vir ao encontro de tantasnecessidades sociais e educacionais. Será que estamos avaliandosob um pensar correto? Vejamos.

A princípio o ensino/aprendizagem a distância, bem comoo uso das tecnologias, sugerem um aumento do esforço educacio-nal e o alargamento do seu alcance social, deixando transparecerque podem dirimir as mazelas educacionais e sociais em boa partedo mundo. As características das empresas, organismos públicosou empresas privadas, que financiam o ensino a distância deixamevidenciar o objetivo, transvestido de bem-estar social, que podeestar permeando um projeto desse porte.

Inicialmente, este programa, como visto anteriormente,quando tratamos da história da EAD no Brasil, tinha como alvo ascamadas mais carentes da sociedade, que por diversos motivosnão podiam ou não tinham podido, quando jovens, freqüentar osbancos escolares. Transformado seu perfil e ampliadas as possibi-lidades de acesso à educação com o advento das novas tecnologias,este programa alcançou patamares nunca esperados e suscitou oolhar ambicioso de investidores privados, sofrendo deformidades,

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tornando-se instrumentos de comercialização do ensino e favore-cendo a expansão do mercado educacional. Será que mais uma vezestamos aprofundando o fosso de contradições entre opressores eoprimidos tão discutido por Paulo Freire?122

O discurso pela democratização do ensino, pela igualdadede oportunidades e acesso ao sistema educacional e à justiça socialobscurecem sua voz diante do quadro que apontamos. É Bragaquem afirma:

Apregoada como canal de democratização do ensino, a edu-cação a distância está sujeita às formas de apropriação típi-cas da economia de mercado. A apropriação dos implemen-tos técnicos dos canais de acesso e de veiculação de ensino adistância comprometem sua destinação social. (...) Subme-tido ao controle privado, ao invés de proporcionar o acessoindiscriminado à educação, o ensino a distância tende a re-finar a exclusão social. 123

Neste quadro, a apropriação do ensino a distância pelasinstituições privadas explica-se através da justificativa do preçojusto pelo bom instrumento do ensino e da eficácia tecnológica. Areboque desse processo, as instituições públicas, pouco a pouco,vão inserindo cobranças de taxas sob pretextos variados, institu-indo, assim, o ensino pago, o que acaba por inverter um processoque deveria ser democrático e igualitário, para um processo restri-tivo e de exclusão.

Há quem afirme ser o ensino a distância um instrumentomais recente de privatização do ensino. Não podemos, no entanto,atribuir a culpa desse desastre educacional à metodologia empre-gada ou ao sistema de educação, ou até mesmo às instituições pri-vadas. Na realidade este ou outro programa de democratização doensino sofrerá sempre as conseqüências do descaso de um sis-tema político que vira as costas ao povo e privilegia a elitização doensino.

122. FREIRE, 1987, P. 30123. http:// www.revistaconecta.com/

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Não é nossa intenção ignorar os benefícios, como temosfeito neste trabalho até então, desse novo modelo para a constru-ção do conhecimento, alvo de nossa pesquisa. Apenas é pertinentea uma construção dessa natureza que vejamos os dois lados, comoeducadores que somos, e não nos lancemos cegos ou vendados aabraçar o que ficou conhecido como a grande descoberta destanova era.

Mais um contra-exemplo desse discurso democrático deensino para todos, é o consórcio UNIREDE, Universidade VirtualPública do Brasil, lançado em 2000, congregando, na oportuni-dade, 62 instituições de ensino superior da rede pública. Na época,o recurso disponibilizado foi na ordem de 4 milhões. Sofrendorestrições financeiras, como nos permite ver a história de toda ins-tituição pública, a UNIREDE sofre a disputa de interesses priva-dos que se alastram por esta Instituição.

Ao lançar seu primeiro curso em 2000, Formação em Edu-cação a Distância, de caráter lato-sensu, ofertado por 10 das 62instituições, este consórcio institui taxas de 195 reais por mó-dulo, que vem a crescer para 400 reais posteriormente justificadassob a alegação de cobrir despesas para a implantação do projeto, oque contradita com o anúncio da verba de 4 milhões para essefim. Dessa forma, as instituições públicas assumem perfil que des-toa de sua suposta função social e os pacotes de ensino a distân-cia beneficiam-se do colapso das instituições públicas, tornando-se a educação a distância mais um fator de refinamento da exclu-são social.

Sabemos que o espaço virtual ainda não é uma realidadeno Brasil. O jornal O Globo, em recente pesquisa dos resultadosdo senso 2000, concluiu e comprovou que apenas 10,6% das resi-dências de famílias brasileiras têm microcomputador instalado e amaior parte desses domicílios está localizada em grandes centroscomo Distrito Federal (25,5%), São Paulo (17,5%) e Rio de Janeiro(15,5%).

Em contrapartida a esses dados, temos o levantamento dedados nos Estados Unidos onde mais da metade da população têm

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como se ligar à Internet, e, em cada dez crianças americanas emidade escolar, 9 têm computadores em casa ou na escola. NaEuropa 90% das escolas nos países membros estão conectadas àInternet.

Gostaríamos de ter um quadro mais otimista no que dizrespeito às novas tecnologias e seu alcance para a população. Nãopodemos, no entanto, intentar um panorama destoante do nossoquadro social e econômico, no qual as estatísticas revelam umgrande número de analfabetos funcionais. Sabemos que a ‘crise daeducação’, espectro que assombra quase todos os países, não podeser resolvida dentro das salas de aula. Nem mesmo se houver umcomputador e uma conexão com a Internet em cada uma delas”124

Estamos, com certeza, longe do ideal de ensino, a distânciaou presencial, enquanto nos afastarmos de uma imagem de educa-ção brasileira ao menos razoável. Seria preciso, antes, resolver oproblema da fome e da violência de que tanto se fala e pela qualtão pouco se faz.

7.9 – Refletindo sobre o possível

Voltemos a nossa reflexão sobre os benefícios da tecnolo-gia, ainda que dessa maneira esteja a deitar olhos apenas sobre osque podem, neste mundo excludente, ser privilegiados no acessoàs tecnologias e à educação.

Importante nos situarmos nessa era de esquizofrenia dainformação quando qualquer acontecimento, por menor ou poucoimportante que seja, atravessa o mundo em segundos. Esse é umprocesso impossível de estacionar e cada vez mais pessoas irão teracesso a um número cada vez maior de informações. As palavrasde Luiz Antonio Marcuschi a respeito do uso do computador faz-nos refletir sobre isso:

124. TOFFLER, Alvin & TOFFLER Heidi,1998, p. 5/8

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O instrumento é de tal ordem concebido, que deverá, no fu-turo, favorecer a construção qualitativa do conhecimento.Não podemos ignorar que as redes de computação aindadeverão ser uma forma eficiente de construção social do co-nhecimento na medida em que se esvai a imagem do autorsolitário e isolado produzindo textos oficiais.125

Pelas últimas pesquisas, calcula-se que já existam 11 mi-lhões de computadores instalados no Brasil e isso significa quepelo menos 14 milhões de pessoas estão conectadas à Internet, e aaquisição de conhecimento depende cada vez menos de nós. Aquestão essencial é saber interpretar os dados, relacioná-los e con-textualizá-los. O que ontem significava apenas 1% da populaçãocom acesso à rede, hoje se alcança 80% em alguns países.

Em recente entrevista à revista Le Monde, Castells, con-firma o fato de que a Internet não é um instrumento que isola, depoder ou do mundo dos negócios. Ao contrário, diz ele, é um es-paço descentralizador e cidadão.... Não é uma tecnologia que tragauma solução global para os problemas da humanidade nem umsistema que crie desigualdades sociais.126 Mais à frente ele criticao fato da Internet não ser acessível a todos e essa não democratiza-ção digital pode levar a um acentuado desenvolvimento de valoresque não correspondem ao objetivo geral da sociedade, como, porexemplo, a convivência de propagandas de pedofilia e pornografiaao lado de rede de sociabilização pessoal, pesquisa de informaçõese movimentos associativos.

Com tantos e tão variados tipos de informação, o grandedesafio é a atuação da figura do mediador (pais e professores) quetêm como primordial função fazer com que as boas informaçõesse transformem em conhecimento e o caminho para isso é o pen-samento, a reflexão, a elaboração de conclusões. Estar antenadocom o mundo não significa apenas ter um equipamento e operá-lo, mas tomar posse da tecnologia e usá-la a nosso favor.

125. MARCUSCHI, 2000, p. 87126. Castells, 2002, Le Monde

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A afirmação de Castells nessa página vem corroborar opensamento de Lévy que não nega nem desconhece o poder admi-rável da rede para a construção ou destruição dos homens, mastenta estar ciente e acordar aqueles que se negam a enxergar ocrescente processo que nos rodeia.

Para finalizar, estamos certos de que a tecnologia vol-tada para o ciberespaço faz a diferença nos modos de constru-ção do conhecimento e devemos, portanto, torná-la nossa aliadanessa causa tão discutida e questionável da formação educacionaltotalitária.

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8 – DO FIM AO RECOMEÇO:UM CAMINHO QUE NÃO SE ESGOTA

Chegamos ao fim desse trabalho e não podemos descartara idéia de que enveredamos por um caminho interminável. Verifi-camos, no entanto, que seria próprio do tema escolhido este cará-ter de inesgotabilidade, afinal, falar de novas tecnologias e de suasimplicações para o conhecimento deverá, a qualquer tempo e emqualquer circunstância, ter um caráter de incompletude.

Ao começarmos este trabalho, tratamos da história daconstrução do conhecimento indo desde o homem pré-historico,com suas pesquisas espontâneas, passando pela transmissão dosaber através da tradição e, posteriormente, pela escola, o adventodas novas tecnologias da informação, como telégrafos, telefone, te-levisão e finalmente o computador. Isso fez-nos passear pela histó-ria acompanhando o homem em sua evolução, encantado diantedas mudanças e melhoramentos que transformavam sua vida.

Com a Era da Linguagem e da Fala que culminaram naEra da Escrita, possibilitando a transmissão do saber através damídia portátil – o livro – a sociedade se viu diante da perpetua-ção do saber que antes era ameaçada pela extinção da vida. O pe-ríodo que se seguiu, da evolução da comunicação, colocou-nosdiante de uma maior democratização do saber que veio a conhe-cer seu ápice com o advento do computador e de um novo espaçode aprendizagem: o ciberespaço. Com esse novo modelo extingue-se o receptor passivo de leitura e informação para dar lugar aoparticipante ativo, que se coloca não mais ante uma mensagem es-tática, mas um potencial de mensagem, permitindo a interação nacomunicação.

A princípio, objetivando apenas ser transmissor de men-sagens e voltada para cálculos científicos, ou para fins militares, ocomputador dá um novo passo e transforma-se em aparelho pes-soal, sendo instrumento de criação, simulação, organização e di-versão nas mãos do povo. Finalmente a informática abre suas por-

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tas para o mundo, unindo-se as redes de computadores epossibilitando que um grande número de pessoas pudesse estarconectado à inter-rede, alterando de modo surpreendente a vidasocial, num processo de mundialização crescente que atingia to-dos os segmentos do viver humano.

O tempo passa a ser um tempo sem tempo e o dia-a-diafica destituído de espaço e matéria, dando origem às cidades digi-tais, uma nova forma objetiva de ser da nova materialidade do ar-ranjo social em redes de comunicação. Ao contrário do que larga-mente é dito, acreditamos, em concordância com Pierre Lévy, queas relações sociais neste novo espaço não exclui as emoções fortes,a opinião pública e seu julgamento. Os encontros virtuais consti-tuem um complemento aos encontros presenciais, e a comunidadevirtual não é imaginária, apenas organizada em torno de correioeletrônico mundial, um apoio à inteligência coletiva.

O computador, entre outras tantas inovações e mudançastrazidas às práticas sociais, teve uma profunda influência nos mo-dos de produção da escrita. Marcada pela iconização das mensa-gens, deparamo-nos com uma linguagem característica de ambi-entes virtuais. Os adolescentes internautas constroem um novocódigo discursivo, permeado de recursos paralinguísticos e commarcas de oralidade, até então impossíveis de serem reproduzidosna escrita. Estava estabelecido e confirmado o caráter libertário dalinguagem sob o poder dos jovens, deixando-nos antever umagrande transformação na língua, alvo de tantos questionamentosao longo da história da língua.

Ao nos reportamos à construção de um conhecimento co-letivo, tornou-se imperioso que não deixássemos para trás as teo-rias que abordam a relação sujeito/objeto enfocada por grandes te-óricos desenvolvimentistas como Piaget e Vygostky. Com elesconfirmamos a nossa confiança de que o desenvolvimento mentalé uma forma de adaptação, intrinsecamente associada aos estímu-los ambientais e sociais e constituem um importante fator para odesenvolvimento da inteligência e da construção do conheci-mento. Vygostsky, mais do que Piaget, adverte que o desenvolvi-

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mento humano é fruto de trocas recíprocas que se estabelecem avida inteira entre indivíduo e meio, mediadas pelo outro. Pensa-mos ter fincado, deste modo, a ponte que liga os modos de produ-ção do conhecimento ao alvo maior de nossa pesquisa: a otimiza-ção do saber incrementado pelas novas tecnologias de informação,com destaque para o ciberespaço.

Caminhando um pouco mais, encontramos as abordagensde Morin comungadas por Lévy e Maturana que defendem aunião sujeito/objeto, corpo/alma, razão/emoção, vistos como umasó coisa e impossível de estarem separados. Tudo erige da intera-ção, e o conhecimento globalizado abre sempre caminhos origi-nais, levando à invenção de si.

Ao longo de nossa análise, percebemos que seria imprati-cável evitarmos abordagens acerca das condutas independentes deaprendizagem, já que é o ciberespaço o mais novo lugar de intera-ção nesse modelo de educação reconstruída. Assim, fizemos con-tatos com instituições que trabalham nesses moldes e pudemosperceber o quanto essa prática educativa tem ampliado suas açõespor todo o país e também no exterior.

Verificamos que os avanços tecnológicos ligados às teleco-municações, e o desenvolvimento desenfreado de popularizaçãoda Internet possibilitam uma nova ferramenta para que as infor-mações possam ter uma divulgação mais abrangente. Com a inte-gração de imagens, sons e textos, a Internet passa a ser uma novapossibilidade para o ensino a distância. A tecnologia se vê agoraprestigiada num Brasil que tenta enfrentar novos desafios: a erra-dicação do anafalbetismo, a universalização do ensino fundamen-tal, a melhoria da qualidade de ensino e a formação para o traba-lho. Ao lado disso, vem comprovando ser elemento primordialnesse processo de construção do saber, fundamentado em moldesreformulados, para uma prática educativa expressiva e inclusiva.

A educação, no entanto, continua elitista e o lema ”paratodos”, veiculado pelos meios de comunicação de massa, visando omarketing de plataformas políticas, constitui ainda um sonho a seralcançado. Não podemos imaginar, num país em que a educação

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continua a ser preterida, de uma hora para outra encontrarmosuma solução mágica para o problema, principalmente por termosuma ferramenta tão valiosa, como a comunicação em rede, aindainacessível a muitos.

É evidente que, como toda mudança, esta trouxe com elainúmeros questionamentos e resistências, assim como ocorreucom a imprensa, o telefone, a televisão. Uma sociedade lideradapor máquinas, conforme crença de muitos, ameaça a subjetividadedo homem, há muito alardeada e preservada. Este novo tipo de or-ganização social é sinônimo de caos e desorganização, a entropia,como afirmava Virilio e Baudrillard.

Por outro lado, a abertura de novas possibilidades na aqui-sição do conhecimento levou a sociedade a uma concepção equi-vocada de solução de problemas cognitivos, ao acreditar que es-tava descoberta a chave para os grandes contratempos que, comosabemos, ultrapassam os limites de qualquer tecnologia.

Muitos são os problemas que ainda permeiam esse pro-cesso, ainda novo e passível de resistências. Firma-se ainda um ex-pressivo receio em relação ao contato homem/máquina, igno-rando-se que o homem sempre dependeu de alguma espécie detecnologia, mesmo que primitiva. Alguns educadores temem queoutro modelo de educação desencadeie um processo de substi-tuição permanente do professor, resultando num processo de es-vaziamento ou de falta de confiança nos resultados. Da mesmaforma os alunos temem um modelo centrado em condutas autô-nomas, já que, em nossa cultura, o professor se mantém aindacomo ícone da educação e autoridade maior em conhecimento. Ohomem ainda é insipiente quanto ao que chama de virtual, igno-rando que, como afirma Lévy, existirá sempre um ser por detrásde cada máquina.

A ausência do professor e a relação afetiva que parecemestar em falta nesse processo constituem fatores inibidores, masnão devem ser vistos como causas de uma falha apreensão do co-nhecimento, visto que presenciamos, ao longo de nossa jornadana educação, que a figura do professor no espaço institucional não

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implica necessariamente trocas afetivas, consideradas por nós e al-guns estudiosos, como Vygotsky e Edgar Morin, como um dos ele-mentos essenciais para uma prática educativa significativa. Se as-sim fosse, ou se a aprendizagem facilitada pelas novas tecnologiaspudesse compor uma educação-modelo, a prática educativa nãovoltaria a ser questionada em fóruns como o I Congresso Nacionalde Educação Superior a Distância, o 9º Congresso Internacionalde Educação e outros que se renovam a cada ano.

Lidar com o ser humano e suas complexidades requer umre-fazer contínuo e uma prática ampliada e voltada para o novo edesafiador. O novo hoje é a relação do sujeito com o outro e o co-nhecimento num espaço diferente, o não-lugar, mas que não tornaa socialização e a aprendizagem diferentes, apenas mais facilitadaspela ampla gama de espaços, pessoas e informações.

Quanto ao processo de construção do conhecimento me-diado pela imensa rede de computadores, lembramo-nos do pen-samento de Paulo Freire quando afirma que “a educação autênticanão se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B mediati-zados pelo mundo.” E este mundo hoje é o universal sem totalida-des, ao contrário do universal totalizante das sociedades civiliza-das usuárias da escrita; apresenta-se pleno de possibilidades esuscita maiores instigações no campo do saber.

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