Entre Olhares e (In)visibilidades: reflexões sobre fotografia como produção dialógica

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http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/895Laura Kemp de Mattos, Andréa Vieira Zanella, Adriano Henrique Nuernberg Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

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  • EntrE olharEs E (in)visibilidadEs:reflexes sobre fotografia como produo dialgica

    http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/895

    Laura Kemp de MattosH, Andra Vieira Zanella, Adriano Henrique NuernbergUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, SC, Brasil

    rEsumoA proposta deste artigo tensionar, em fotografias produzidas por crianas com deficincia visual, o que se v e o que se deixa de ver, as visibilidades e invisibilidades objetivadas nas fotos. Sendo as fotografias concebidas como produo discursiva e dialgica, a leitura das mesmas possibilita problematizar a relao que elas estabelecem com a realidade em que vivem. Como procedimentos metodolgicos foram eleitos a produo de fotografias e o desenvolvimento de uma oficina esttica. Para a anlise estabelecemos uma confrontao das fotos no plano da significao, com base na anlise dialgica do discurso, a partir da concepo do Crculo de Bakhtin (2010a). Os sentidos enfocados trazem luz a realidade das crianas, independentemente de serem crianas com deficincia visual. Este aspecto foi muito significativo: os modos de (vi)ver o mundo expressos nas imagens so antes de tudo olhares de meninas e meninos.

    Palavras-chave: deficincia visual; fotografia; linguagem; imaginao.

    bEtwEEn looks and (in)visibilitiEs:reflections about photography as a dialogic production

    abstractThe proposal of this article is to tension, in photographs taken by blind children, what is seen and not seen, the visibilities and invisibilities objectified in the photos. Being that the photos conceived as discursive and dialogical production, its reading enables to problematize the relation these children establish with the reality which they live in. As methodological procedures, were elected the photo production and the development of an aesthetic workshop. For the analysis it was established a confrontation of photos on the meaning level, taking the dialogical analysis of speech, from the perception of Bakhtin Circle (2010a). The senses focused bring light to the reality of the children, despite being eye shortage children. This regard was very meaningful: the ways to see/live the world expressed in the images are before anything sights of children.

    Keywords: disabled eyesight; photography; language; imagination.HEndereoparacorrespondncia:UniversidadeFederaldeSantaCatarina,CentrodeFilosofiae

    Cincias Humanas, Departamento de Psicologia. Campus Universitrio- Trindade - sala CFH 212. Trindade. 88010970 - Florianpolis, SC Brasil. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]

  • Laura Kemp de Mattos; Andra Vieira Zanella; Adriano Henrique Nuernberg

    introduo

    Todafotografiamarcadapeloolhardequemaproduziueasualeituratrazasmarcasdosolharesdequemaadmira,ambosolharessocialmenteconstitudos.Partindodestacompreenso,apropostadesteestudotensionar,emfotografiasproduzidasporcrianascomdeficinciavisual,oqueseveoquesedeixadever,asvisibilidadeseinvisibilidadesobjetivadasnasfotos.Sendoasfotografiasconcebidas como produo discursiva e dialgica, a leitura das mesmas possibi-litaproblematizararelaoqueelasestabelecemcomarealidadeemquevivem.

    Na nossa sociedade marcada por paradigmas visuocntricos, constituem--se modos de (vi)ver o mundo extremamente pautados por uma lgica da viso, dareproduodeimagens.DeacordocomPeixoto(1990,p.361),aquestodoolhar est no centro do debate da cultura e das sociedades contemporneas, pois ummundoondetudoproduzidoparaservisto,ondetudosemostraaoolhar,coloca necessariamente o ver comoumproblema.E aqueles que no veem?Comoconstituemmodosdevereviverarealidade?Estasinquietaesnosle-varam a tecer um dilogo com diferentes autores e contextos, visando compor fragmentoseproporreflexesparaampliaroconhecimentosobreotema.

    Paraoenfoquehistrico-culturalempsicologia,embasamentodesteestu-do,nasrelaesinterpessoaisproduzem-sesignificaessobreovividoquesosingularmenteapropriadas,promovendoaconstituiodopsiquismo.Assim,assignificaescoletivamenteproduzidasnasrelaesentreaspessoasearealida-desoapropriadaseviabilizamqueseconstituamolhares,modossingularesde(vi)veromundo.Soolhares,portanto,quenodependemapenasdaviso;poisenvolvemoscincosentidos,asemoes,alinguagem,opensamento,aatividadereflexivaeasrelaesestabelecidascomoutraspessoas(ZANELLA,2006).

    Asrelaesinterpessoais,porsuavez,somediadaspelapolissemiadasvozes sociais que constituem a cultura (BAKHTIN, 2010a, 2010b) e que seobjetivamdevariadasformasnosespaosesuascondiesarquitetnicas,nomodocomoseorganizaavidaemsociedade,nas imagensenosobjetosqueelegemos como depositrios de afetos.

    Essasquestesconstituemapautadasdiscussesqueseroapresen-tadas neste texto.

    sobrE a pEsquisa

    EsteartigoumapartedadissertaodemestradoSobreFotografiae(In)Visibilidades:olharesdecrianascomdeficinciavisualapresentadaaoProgra-ma de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (KEMP, 2011).O objetivo da pesquisa foi problematizar, a partir de imagensfotogrficasproduzidasporcrianascomdeficinciavisual,seusolharessobreocontextoemquevivem.

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    Apesquisarealizadapautou-seemumaperspectivaticadeviveropesqui-sar como um acontecimento, processo em constante movimento, interligado a ou-trosacontecimentos,conhecimentosevaloressociais.Pesquisarassimumatodecomporfragmentos,(re)criarexperinciasetransformarrealidades(FONSE-CAetal.,2006).Noencontrocomossujeitoscomosquaissepesquisa,criam-seespaosdeenunciaoquepossibilitamopesquisarCOM,noqualpesquisadoresujeitosproduzemumaformadialgicadeconhecimento(FREITAS,1997;JO-BIMESOUZA;CASTRO,2008;MORAES;KASTRUP,2010).

    Produo dialgica de conhecimento implica (re)criao de sentidos e opesquisaracontecimentopodetambmsercompreendidocomointerveno(COSTA;COIMBRA,2008),poiscontribuiparaaressignificaodosmodosde (vi)ver o mundo.

    Como procedimentos metodolgicos foram eleitos a produo de foto-grafiaseodesenvolvimentodeumaoficinaesttica1 com o grupo de crianas comquempesquisamos.

    AoficinaestticaExperinciasde(re)criaodoolharfoirealizadaemcincoencontroscom11crianascom idadesentrequatroa12anosde idade;sendoseiscegascongnitas,duassemdeficinciavisualetrscombaixaviso.

    Na oficina foram proporcionadas vivncias estticas utilizando dife-renteslinguagensartsticascomoferramentasparaasensibilizaodoolhar,possibilitando reflexes sobreosmodosde (vi)veromundoeproduodesentidos outros da/na realidade.

    Comomeiodedivulgaodosresultadosdaoficinaestticafoirealizadoumdocumentrioporumaequipedocursodecinemaquepropsabordarain-fncia e processos de criao, por meio do registro audiovisual dos encontros e de entrevistas com as crianas, familiares e educadores (OLHOS..., 2010).

    Em funo da gravao do documentrio, desenvolvemos atividades com objetivodeapresentarosequipamentoseaspessoasquecompunhamaequipe.

    Aexperinciadeparticipardaoficinaedagravaodofilmefoisignifi-cativaparaascrianascomquempesquisamoseparatodososenvolvidos.Emmuitos momentos, membros da equipe tornaram-se educadores, auxiliaram ebrincaram com as crianas.

    Desenvolvemostambmatividadesutilizandoafotografia,sejacomotema,sejacomoferramenta.Paraalmdosencontrosdaoficina,ascrianasforamcon-vidadasaproduzirimagensfotogrficasdosaspectossignificativosnos/doses-paosqueasconstituem.Paratanto,foramdisponibilizadascmerasfotogrficasdeusonicocom27poses.Naquelemomento,primeirodiadaoficinaesttica,elasforamorientadassobreofuncionamentodoequipamentoesolicitamosqueobjetivassememfotografiasexperinciassignificativaseaspectosimportantesdeseucotidiano.Explicamosqueasfotospoderiamserproduzidascomoauxliodeoutraspessoas,contudo,oolhardofotgrafodeveriaseroolhardacriana;ela

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    deveriaseraautoraediretoradasfotografias.Entoelaslevaramascmerasparacasa e devolveram aps uma semana, com os 27 clicks livremente criados em suasrelaescomocontextoemquevivem.

    Para este artigo selecionamos fotos produzidas por cinco crianas para anlise. Utilizamos seus nomes completos, garantindo a autoria e identidade, poisexp-losnoirsubmet-lasanenhumrisco(KRAMER,2002):aocon-trrio, ummodo de lhes dar visibilidade como artistas e autoras. So elas:JonathandaSilvaMartins,seteanosdeidade,cego;PamelaMaiaraCastro,11anosdeidade,cega;AnaCarolinaFerreira,seteanosdeidade,combaixaviso;VinciusLuizMaciel,oitoanosde idade,combaixaviso;NaiaraRamilodaSilva, 10 anos de idade, com baixa viso.2

    Noquetangeutilizaodafotografiacomoferramentadepesquisa,nasl-timasdcadas,observa-seumaumentosignificativodesuautilizaonoBrasil(DETACCA,1991;ACHUTTI,2004;TITTONI,2009;SCHWEDE,2010;ZANELLA,2011;ASSIS,2011;MUND,2012).Nombitodapsicologiaconsideradaumaformaalternativadelinguagemempesquisa(MAURENTE;TITTONI,2007,p.34)eoprincipalobjetivodeseuusoaatribuiodesignificadoimagem.

    Encontram-seregistrosdemtodosqueutilizamafotografiadesdeospri-mrdios da pesquisa cientfica empsicologia no sculoXIX, perodo no qualtambmtemorigemodesenvolvimentodoprocessofotogrfico(NEIVA-SILVA;KOLLER,2002;JUSTO;VASCONCELOS,2009).Atualmente,deacordocomNeiva-SilvaeKoller(2002),podem-seidentificar4funesprincipaisdafoto-grafianaspesquisasempsicologia:(1)registrodeinformaes;(2)modeloocontedo/temadafotousadocomodisparadordafaladossujeitos;(3)feedba-cksoapresentadosaosujeitoregistrosimagticosdeumprocessoanteriordeavaliao;(4)autofotogrficacadaparticipanterecebeumacmerafotogrfica[...].Posteriormente,solicitado[criana]atirardeterminadonmerodefotosnatentativaderesponderaumaquestoespecfica.Apsarevelaodofilme,analisadoocontedodasfotos(NEIVA-SILVA;KOLLER,2002,p.238).

    Neste estudo compreendemos a fotografia como produo discursiva eanalisamosossentidosimpressosnasfotos,entendendo-oscomovestgiosdosmodos de (vi)ver das crianas. Portanto, na metodologia adotada neste estudo ela assumeafunoautobiogrfica.Combasenessaperspectiva,paraaanliseesta-belecemosumaconfrontaodasimagensnoplanodasignificao,analisandoosdiscursos objetivados nas fotos com base na anlise dialgica do discurso, a partir daconcepodoCrculodeBakhtin(2010a).

    Cumpredestacarquefotografarumprocessodecriaoe(trans)formaoda realidade, pois, de modo simultneo e inseparvel, o sujeito seleciona e (re)elaborarecortesdarealidade(KOSSOY,2007),convertendo-osemprodutosdesua imaginaoeosobjetivana imagem fotogrfica.Aobjetivaouma (re)elaborao criativa de experincias vivenciadas, pois o fotgrafo pode (re)criar e objetivarfragmentosdesentidosdeacordocomseusolhares,interesses,emoes,projetos etc., produzidos constante e incessantemente em sua experincia singular.

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    Afotografia,nessesentido,umrecortedocontexto,umclickqueatra-vessado,marcadoedirecionadopeloolhardeseucriador.Comisso,trazindciosdosmodosde(vi)veromundodofotgrafo(ACHUTTI,2004;SONTAG,2004;TITTONI,2009).,portanto,umaproduodeumnicoinstantenodecorrerdo tempo, produo de uma subjetividade a partir da condio espao-temporal e deveserlidaapartirdocontextohistricoeculturaldesuaproduo(KOSSOY,2007).Vigotski(2001)destacaqueapalavradevesercompreendidanafrase,afrasenotextoeotextonocontexto;assim,tambmpodemospensaraimagemfotogrficaapreendidaapartirdoscontextosdesuaproduoeleitura.

    Apartirdas relaesdialgicasestabelecidascomoutros, as imagens--fragmentosdocontexto tornam-sesignificativasparaos sujeitos.Nocampointersubjetivo mediado pela palavra de muitos outros, sentidos visuais so (re)significados e tornados prprios, sentidos estes que so experienciados comtodoocorpo.EsclareceBakhtin(2010a,p.38)quetodosossignosno-verbaisbanham-se no discurso e no podem ser totalmente isolados nem totalmente separadosdele[...].Apalavraestpresenteemtodososatosdecompreensoeemtodososatosdeinterpretao.Afirma-seassimainexorvelrelaoentrefotografiaediscurso,entreimagemepalavra.

    Comrelaoespecificamentelinguagemedeficinciavisual,paraVygot-ski3apalavravenceacegueira(VIGOTSKI,1997,p.108).Deacordocomoau-tor,amediaodosignoverbalumapossibilidadesocialquefavoreceasuperaodos limites impostos pela restrio da experincia visual, viabilizando a insero nouniversosimblico.Corroborandoestaperspectiva,EvgenBavar(2000,p.9),filsofoefotgrafocego,afirmaquelogoquensnodispomosmaisdeimagens,overboquemnosfornecenovaspossibilidades.TambmJoanaBelarminodeSousa(2009,p.184),jornalistacegadesdeonascimento,afirmaquepormeiodapalavra,maisespecificamentedaliteratura,queelavcorporificadoemtextoopr-do-sol,ocuestrelado,abelezadeumarco-ris.Nessesentido,paraoscegospelapalavraqueasimagensso(re)conhecidasecompartilhadas.

    Cumpresublinharqueoquedifereaorganizaodosistemapsicolgicodepessoascomdeficinciasosomenteasmediaeseosnexosestabelecidosentreosprocessospsicolgicos (VIGOTSKI,1997).Noque tangecegueira,relaes estabelecidas entre linguagem, pensamento, imaginao e percepoviabilizama(re)organizaodopsiquismo(NUERNBERG,2008).

    EmconsonnciacomaafirmaodeOliverSacksnodocumentrioJanela da Alma(JANELA...,2001),paraoscegosaimaginaoolhodopensamento,umolharcujosubstratonosepautanoregistromnemnicodassensaesvisuais,masnassignificaesproduzidasapartirdossentidosremanescentestransforma-dos socialmente na/pela cultura. Com isso, a imaginao tem um papel diferen-ciado,poispossibilitaspessoascomdeficinciavisualverecriarumaimagemcombaseemoutrasinformaessensoriais,mediadasprincipalmentepelalingua-gem,nasuacapacidadedeconferirrealidadeumaexistnciasimblica.

    Ao criarem fotografias a partir de imagens constitudas com os demaissentidos, os cegos (re)inventam modos de (vi)ver e apresentar o mundo.

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    Nessembito,concordamoscomOliverSacks(2010,p.210)e tambmnosquestionamos:

    se de fato existe uma diferena fundamental entre a vivncia e a descrio, entre o conhecimento direto e o conhecimento mediado do mundo, por que ento a linguagem topoderosa?Alinguagem,amaishumanadasinvenes,podepossibilitar o que, em princpio, no deveria ser possvel.Pode permitir a todos ns, inclusive os cegos congnitos, ver com os olhos de outras pessoas.

    Apalavra,portanto, compreendidacomoummeioativoemutveldecomunicao dialgica. Ela nunca basta a uma conscincia, a uma voz. Sua vida est na passagem de boca em boca, de um contexto para outro, de um grupo socialparaoutro,deumageraoparaoutra(BAKHTIN,2010b,p.232).Assimcompreendemostambmafotografiacomoproduodiscursivaedialgica,namedidaemquesuaexistnciaestnaperptuacomunicaocomosoutros,noentrecruzamentodeolharesque,mediadospelalinguagem,viabilizamsuaexis-tncia e possibilitam a constituio de sentidos outros.

    As fotografias, por conseguinte, expressam olhares; trazem imagens deobjetos,pessoasecontextossignificativosqueseconvertememsigno,oqual,semdeixardefazerpartedarealidadematerial,passaarefletirearefratar,numacertamedida,umaoutrarealidade(BAKHTIN,2010a,p.31),sendoorefratarpossibilidadedeconstruodenovosmundos.Aintervenofotogrfica,pois,inventiva,multiplicaocontexto,concebidanestetrabalhocomoin(ter)veno(AXT;KREUTZ,2003).

    Destemodo,sodiversasasrefraespossveisnaleituradasfotos.Istoporqueossentidossoconstitudoshistoricamenteeabalizadospeladiversidadedeexperinciashumanas,comsuastensesecontradies.

    Alm disso, como os processos semiticos s refletem omundo refratando-o, os signos so espaos de encontro e confrontodediferentesndicessociaisdevalor,plurivalnciaquelhesdvidaemovimento.[...]osignonecessariamentepluriacentuado e plurvoco; ele pode ser sempre outro(FARACO,2009,p.54).

    Nesse mbito, cada pessoa faz sua leitura dos sentidos expressos nas fotos deacordocomsuaexperincia singular, socialmente constitudaemumvastocampo de possibilidades.

    Na seleo e anlise quefizemosdas imagensbuscamosdescrev-las ediscuti-lasapartirdoquedoaveraosolhosdospesquisadores.Valorizandoopotencialnarrativodaimagemfotogrfica,procuramoslertextosvisuaiscomoformadeescritura(ACHUTTI,2004).Expressamosnossoolharsobreossenti-

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    dosaliobjetivadosedialogamoscomosautoresquefundamentamesseestudo,cientes de que nenhuma descrio capaz de contemplar as preferncias detodososespectadores(DAVID;HAUTEQUESTT;KASTRUP,2012,p.129).

    Cumpreesclarecerque,assimcomoMuller(2013),norealizamosnestapesquisaentrevistascomascrianas sobreas fotos,poisconsideramosqueasimagensfalam:soexpressodoolhardelas,dasescolhasquefizeramedoquepuderamfotografar.So,portanto,produesdiscursivas,comasquaiscabeaopesquisadordialogar(CORD;FERREIRA,2006).

    Importanteenfatizar,pois,quenesteartigoanalisamosexclusivamenteasfotosproduzidaspelascrianas.Buscamos,destemodo,olharparaasfotografias,estabelecercomelasrelaesdialgicase,nossentidosaliexpressos,conjecturarpossibilidades de leitura.

    Optamosporfazerumadescriodetalhadadosaspectosvisuaisdasima-gens apresentadas neste trabalho para possibilitar a apropriao dessas informa-esporpessoascegas.Estasdescriesestodisponveisemnotasdefimqueacompanhamcadaumadasfotografias.

    in(tEr)vEno FotogrFica: rEsultados E discusso

    Com as fotos produzidas pelas crianas problematizamos neste artigo seus olhares e modos de (vi)ver o mundo, a partir das suas escolhas no foco da cmera fotogrfica,doqueelastrouxeramcomotemticasdeinvestigao.

    Noconjuntodeimagenshalgunsaspectoscomuns.Oprimeiropontodesimilaridadedizrespeitovidaprivada:foramproduzidasmuitasfotosdefami-liaresemcenascotidianas,nasala,nacozinha,sendoquenemsempreposavamoupareciamestarcontentesemseremfotografados.Algumasfotosregistrarammomentos e olhares espontneos, em ngulos de viso diferentes dos comumente registradosemlbunsdefamlia.4

    Fotografarafamliaexpressasentidoseemoesdascrianasqueasleva-ramaproduzirestasimagens,sentidosestesrelacionadosaosvnculosquealiseinscrevemesefortalecemnodiaadia.Assim,elasderamvisibilidadeaaspectosafetivos de suas vivncias sociais. Destaca-se a dimenso emocional presente no somentenestas,masnamaiorpartedasprodues.

    Cumpresalientarqueamaioriadasfotosfoicriadanointeriordasresi-dncias.Essacaractersticadoconjuntodeimagens,emborapossaserjustificadaemvirtudedacondiodadeficinciavisual,objetivatambmumatendnciadomundo atual e da vida privada no s de crianas cegas, mas de toda a sociedade: privatizao da vida social.

    Nacidadeatual,asruas,esquinasepraas,possibilidadesdeencontrosdeoutrora, soconstantementevivenciadas apenas comopassagens.Aquelesquetransitam,pouco interagemsocialmente.Oviver est cadavezmais individu-alizado,assimcomoosespaospblicosmaisprivatizados.Aspessoasvivemapressadasocotidianodacidade;transitampelasruasindoevindo,emperma-

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    nentemovimento(ZANELLA,2009).Osmodosdevidaqueorganizamacidade,portanto,constituemassubjetividadeseolharesdaquelesqueahabitam,observa-donasfotografiasproduzidas.

    Outroaspectopresentenasproduesdequatrodascincocrianascomquempesquisamosforamosautorretratos(Figura1).5

    Figura1-Autorretratos

    Solicitadasa fotografaremoque lhesera significativonocontextoemquevivem,ascrianasescolheramseposicionaremfrentecmera.Nessasimagens elas foram ao mesmo tempo modelos e diretoras do olhar do fotgrafo, algumporelaseleitoparaoregistroimagtico.Nopossveldizerquempro-duziuasfotos,provavelmentepessoasquelhessoprximas.Maspossvelpressuporqueelastenhamcolaboradoativamentenacomposiodaimagem,via escolha dos cenrios e os modos como se apresentaram para o click. Se esse pressupostoaceito,ascrianaspodemserconsideradascoautorasoudiretorasdaimagem,almdeprotagonistas.

    NasimagensquecompemaFigura1,elasproduziramfotografiasdesiemqueseapresentamparaooutro.Evidencia-se,assim,aimportnciadoolhardooutrocomoconstitutivodoolhardesi.ParaBakhtin,pode-sedizerqueohomemtemumanecessidadeestticaabsolutadooutro,doseuativismoquev,lembra--se,reneeunifica,queonicocapazdecriarparaeleumapersonalidadeexter-namenteacabada;talpersonalidadenoexisteseooutronoacria(BAKHTIN,2003,p.33).Dessemodo,tantoovercomoonoversosocialmenteconstitu-dos: todas as pessoas constituem olhares, modos de (vi)ver o mundo, a partir da experincia acumulada, vivida com todo o corpo e pelos olhos de muitos outros.

    Ossignosno-verbais,dentreelesasfotografias,inserem-senumdetermi-nadocontextodialgico.EntenderopesquisarCOMcomoacontecimentopossibi-litaquesejacriadoumcampodeenunciaoentresujeitos,pesquisadorecontexto.Destemodo,cadaenunciadocompreendidocomoumaunidadedacomunicao

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    discursiva(BAKHTIN,2010a).Umenunciado,portanto,podeserealizarnosempalavras,mastambmemimagensfotogrficasesuaentonaononecessa-riamente verbal: podemos perceb-la nos sentidos objetivados nas fotos.

    Destacam-senasfotografias(Figura1)emdiferentesentonaesosenun-ciadosdascrianasapartirdeoutro lugar,nocomocrianascomdeficinciavisual, mas autorretratos de um lugar da infncia, como crianas e nada mais. Nessasimagensdelineiam-secontextossignificativosdequemasproduziu;nelasosprotagonistasaparecemcombrinquedosouemambientesdomsticos.Essescontextos nos remetem a conhecidos espaos de conforto e afeto, espaos do brincaredocompartilharemfamlia.

    Figura2-BrinquedosfotografadosporPmelaeNaiara.

    ContextosdainfnciatambmsofotografadosporPmelaeNaiara(Fi-gura 2).6As duasmeninas fotografaramummesmoobjeto: bichos de pelciaebonecas,brinquedossignificativosdouniversoemquevivemeque tambmtrazemluzpossibilidadesafetivas.

    Cumpre enfatizar que o brincar uma atividade cultural e essencial aodesenvolvimentohumano(VIGOTSKI,2009).Obrincarfaz-seindispensvelconstituiodossujeitos,umdosmodosdeapropriaodomundosimblico;resultadodeumprocessodeinserodacriananaculturaqueapossibilitadessase apropriar e ao mesmo tempo reinvent-la. De acordo com Benjamin (2002) e Brougre(1995;1998),obrincareosbrinquedossoprodutosdeumadetermi-nada sociedade, revelam aspectos culturais e expressam modos de ver o mundo socialmente compartilhados.

    Asbrincadeirasdouniversofemininodiferenciam-sedomasculino.ParaBrougre (1995), prevalecem nas escolhas das meninas temticas de brincadeiras relacionadasaoscuidadosdacasaedafamlia.Brincardecasinha,deinterpretaro papel de me nos cuidados com bebs so jogos de faz-de-conta compartilha-dosemculturasldicasqueso(re)criadosapartirdosvaloresepapissociaisdaculturamaisamplaemqueseinscrevem.AsfotografiasdeNaiaraePmela,desuas bonecas e bichinhos de pelcia, expressam esse aspecto cultural do brincar femininoecontrastamcomaFigura1,queapresentaJonathanemumtriciclomotorizado, trazendo um elemento do universo masculino.

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    AsimagenscriadasporAnaCarolinatambmexpressamaspectosemo-cionais. Na Figura 37elaenquadradecimaparabaixoumcachorro,posicionadobemaocentro,equilibradonasduaspatas traseiras,pulandoemsuadireoeolhando para a cmera. Em um click ela congela seu movimento.

    Figura3-CachorrofotografadoporAnaCarolina.

    AnalisandoofilmepossvelobservarasequenciademovimentosdeAnaCarolina. Primeiro ela fotografou o cachorro (Figura 3) e em seguida um pssaro (Figura 4).8 Ela criou, com isso, uma cadeia semitica, mostrando a relao de um signocomoutroequelhessosignificativos;criandoobjetivaesdevivnciasparticulares,expressouredesdesignificaoqueaconstituemenquantocriana.

    Figura4-PssarofotografadoporAnaCarolina.

    Nopodemosafirmarqueessessoseusanimaisdeestimao,poisnoconversamoscomascrianassobresuasproduesenosabemosquaisforamosobjetivosdeAnaCarolinacomasfotos,masanalisandooquedizemasimagens,podemosobservarossentidosecadeiassemiticasqueseestabeleceram.

    Ascrianas,quandoreceberamascmerasfotogrficas,foramorientadassobre as possibilidades de produzirem imagens de aspectos tteis, auditivos, gus-tativosouolfativos,poisnosoquevisualpodeconstituirumaimagemmas

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    tambmoutroselementosaparentementeinvisveis.Porexemplo,numadesuasfotografias,EvgenBavarfotografouosomdosinoquesuasobrinhautilizavaaocorreredanar(BAVAR,2010):paraele,trata-sedoregistrodoinvisvel.

    Destacamosquetambmsentidosinvisveispodemserlidosemalgumasfotos das crianas, como na foto do cantar do pssaro (Figura 4) ou do barulho doco(Figura3),nasquaisAnaCarolinapodeterregistradoimagensdesons.

    TambmumafotografiadeelementossonorosfoiproduzidaporJonathan:a imagem de uma televiso e de uma caixa de som (Figura 5),9 registro de bens de consumoqueparaelepossivelmentesoimportantes.

    Figura 5 - TelevisoecaixadesomfotografadosporJonathan.

    Faz-senecessrioesclarecerque,paraaspessoasprivadasdaviso,opsi-quismose(re)organizaparapossibilitarrelacionar-secomarealidade.ConformeSacks(2007;2010),aplasticidadeeaflexibilidadedocrebrohumanoviabili-zamqueocrtexvisualsejarealocadoparaosdemaissentidos,possibilitandorelaesoutrasentreosprocessospsicolgicossuperiores.

    Bavar(2010)afirmaque,domesmomodoquevemosimagensvisuaisapartirdareflexodaluz,oscegosouvemonascerdodiacomocantodospssa-rosedistinguemavozdamanheadanoite.Assim,aocriaremimagensdosaspectos visuais de sua experincia pautadas por outros canais perceptivos, as pessoascomdeficinciavisualpodemvercomaimaginao,oolhodopen-samento(SACKS,2007).

    Importante enfatizar que tanto o ver como o no ver so socialmenteconstitudos,namedidaemqueomundononosdado:construmosnossomundoatravsdaexperincia,classificao,memriaereconhecimentoinces-santes (SACKS,1995,p.129).Assim, independentementedaviso,consti-tumosmodosde (vi)veromundoapartirdanossapercepocom todosossentidos e pelos olhos dos outros.

    Almdaspessoasedosobjetosdeafetoregistradosemcontextosprivados,algumas crianas produziram fotos ao ar livre. Essas imagens contam dos lugares por ondetransitam,aindaquenosejapossvelaoleitorafirmarqueespaossoesses.

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    Naiara criou uma imagem de uma escada rstica com sete degraus (Figura 6).10Emgeralsescadassoatribudosdiversossentidos,comodemovimento,deslocamento,desafio,ascenso,entreoutros.

    Ocontrasteentreoverdedanatureza,ocinzadaescadaeoazulebrancodocorrimosobressaemnessaimagem,capturamavisodequemaadmira.Aescadaemoldurada,portanto,devesersignificativaNaiara:foicuidadosamenteenquadradaeocupamaisdametadedafoto.

    Figura 6 - Escada fotografada por Naiara.

    Humaestticanessa imagemqueprovocao leitoraproduzir sentidosparaoquedadoavere,aomesmotempo,paraoquenessecenrioacontececotidianamente,masnoestregistrado.Abelacomposiodeverdedasplantas,cinza,azulebrancodaescada,somadadistribuiodessascoresnafoto,noslevaaimaginativamentesubiroudescerosdegrauseconjecturaroslocaisqueconecta,oquehparaalmdoqueafotopermitevisualizar.Quemporalitran-sita?Aspessoasquenasimediaesvivem?

    AfotografiadeNaiaratambm,apresentadanaFigura7,11 expressa sensi-bilidade,assimcomoasanteriores.Destacam-seaspectosvisuaiscomooenqua-dramento,iluminao,ngulodeviso,composio,equilbriodecoresetc.Ocontrasteentreosobjetoseplantasmarcante.

    Figura 7 - Casa fotografada por Naiara.

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  • Entre olhares e (in)visibilidades: reflexes sobre fotografia como produo dialgica

    Ariquezadedetalhesda imagemecadaumdoselementosdacasanoslevamacompreender tratar-sedeumambientezeladocommuitocarinho.Aoanalisarafotopodemosimaginarsituaesdeconfortoalivivenciadas.

    Sem conversar com as crianas sobre as fotos no h como saber se esta acasadeNaiara,ouascasasemqueVincius,PmelaeJonathanmoram.Noentanto,apartirdarededesentidosqueelesconstituramcomessain(ter)venofotogrfica,podemoslerestasimagensedepreenderque,independentedehabi-tarem ou no tais espaos, esses contextos as habitam.

    considEraEs Finais

    Ascrianascomquempesquisamosfotografaramocontextoemquevi-vemapartirdediversoscanaisperceptivos;diferentescaminhosemeiosparaa produo, apropriao e objetivao de sentidos.As fotografias produzidas,portanto, revelam a polissemia de seus olhares e refratam olhares outros, pos-sibilitandoexperincias estticas aos leitorespautadaspelover, ouvir, cheirar,saborear, sentir, imaginar, criar, resistir e (vi)ver.

    Aproduoealeituradefotossosempremediadaspelaexperincia,pe-laslentesevusque(in)viabilizamoolhar.Compreendendoestesolharescomosocialmenteconstitudos,tensionamosdiferentesmodosde(vi)veromundopre-sentesouausentes,visveisouinvisveis.Analisamosasimagensfotogrficasapartirdosfragmentosdeolharesnelasexpressos;olharesdequemasfotografouedospesquisadoresqueasadmiraram.

    Asfotosderamvisibilidadedimensoafetivadainfncia.Foramretra-tados animais de estimao, espaos do brincar, pessoas, lugares e objetos sig-nificativos.Assim,ossentidosenfocadostrazemluzarealidadedascrianas,independentedeseremcrianascomdeficinciavisual.Esteaspectofoimuitosignificativo:osmodosde(vi)veromundoexpressosnasimagenssoantesdetudo olhares de meninas e meninos.

    notas1Relaoestticaumarelaosensvelemqueoscorposseafetamesedeixamafetarpelasimplespossibilidadedoencontro.Aassunoderelaesestticas,portanto,emvezdeestticaoureaoestticacomoserefereVigotski(1998;2001),demarcaacondioinexoravelmenterelacionaleinventivadaprpriacondiohumana(ZANELLA,2013,p.45).

    2Todasas famliasconsentiramqueascrianasparticipassemmedianteassinaturadoTermodeConsentimento.CumpredestacarqueoprojetodepesquisaqueembasaessaescritafoiaprovadopeloComitdeticaemPesquisacomSeresHumanosdaUniversidadeemqueseinsere,comocdigo FR-340245.

    3Optou-se por utilizar essa grafia do nome do autor, respeitando a grafia original das obrasconsultadas.

    4As imagens em que haviam pessoas no sero aqui apresentadas, respeitando a privacidadedosfamiliares.Apenasasfotosdascrianasparticipantesdaoficina,cujousodaimagemestconsentido, sero analisadas.

    5 Na primeira foto daFigura1,AnaCarolinasorridiantedacmeraabraandoumaboneca,sentadanobancodopassageirodeumcarro.Oseusorrisomaroto,descontradoedecumplicidadecomacena;ascoresemtonsderosadasuaroupaedabonecapredominamnafoto.NasegundaimagemVinciuscomolhosfitosnacmeraencontra-seemp,apoiadoemumamesadejantar

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  • Laura Kemp de Mattos; Andra Vieira Zanella; Adriano Henrique Nuernberg

    nasaladeumacasa.Suajaquetatemdoistonsdeazulquecontrastamcomascoresmaissuavesdasala.Aofundo,umasenhorasentadanumsofobservaacena.AocentrodaterceirafotodaFigura 1 Naiara sorri. Num ambiente familiar ela est sentada e ao fundo, sobre um mvel v-se umateleviso,aoladoumaBbliaabertaeumvasocomumgirassol.NoquartoretratoJonathanfazposesentadonumtriciclomotorizado.Seuolhardirigidoparabaixoeoscantosdasuabocaestoalegrementeerguidosemumdocesorriso.Jonathanocoloridodaimagem;suasroupasazuiscontrastamcomoplanode fundoridoda foto, formadoporummurocomreboquedecimentoeumchotambmemtomdecinza.

    6 Na primeira imagem (Figura 2) Pmela fotografa uma cama de solteiro. Na cabeceira da cama se veemvriosbichinhosdepelciacoloridosdispostosaleatoriamente.Muitosdelesestoviradosdecabeaparabaixo.Nafotodireita(Figura2)Naiaratambmfotografabichinhosdepelciaebonecas.Naimagemelaregistraumcantodeumasaladestinadoabrinquedos,umespaodebrincar.Essecantoestlocalizadonaparteesquerdadaimagem,direitaelaenquadrouaparedequefazumaquinacomesseespao.Osbichinhosdepelciaebonecasestosobumapequenamesa coberta por uma toalha colorida, encostados na parede ao fundo. Todos esto dispostos de frenteeamaioria sentadosnamesinha.Destaca-seumursinhoPuf,maiorqueosdemais,nocentro da imagem.

    7Ocachorro(Figura3)deportegrandeeseupelocurtonamaiorpartedecorpreta.Aspatassomarrons e no peito ele tem uma mancha branca. Na parte inferior da imagem pode-se ver alguns tijolos e uma grade branca, separando o cachorro e a fotgrafa no instante do click. Na rea em queocachorroseencontraosolodeterrabatida.Aofundovemosummurocomrebocodecimento.

    8Nafotografia(Figura4)elaregistroudebaixopracima,umagaiolaqueestavapenduradacomumpssarodentronotetodeumbanheiro.Asparedesdobanheirosorebocadascomcimentoenoestopintadas.Aoladoesquerdodagaiolaedaimagemvemosumchuveiro.Aoladodireitoumacaixadedescargaplstica.Otetotelhadefibrocimentoemtomdecinzaepodem-severalgunsfiosdeenergiaeltricaexpostos.

    9Nessafotografia(Figura5)eleenquadrou,ligeiramentedireitadaimagem,umateleviso14polegadassobumacadeiradeplsticodecoramarela.esquerdavemosaochopartedeumacaixadesomnacorpreta.Osobjetosestoencostadosnumaparedecomrebocodecimento.

    10 Ao centro da Figura 6 vemos a escada, abaixo na lateral direita vemos um canteiro comcapuchinhos,maria-sem-vergonha,espada-de-so-jorge,entreoutrasplantas.Aofundo,nocantodireito da foto, observamos uma parede sem reboco.

    11 No plano de fundo da Figura 7 vemos uma parede com reboco rstico e pintura branca. Na paredehumajanelatipovitrpintadadeazul,comcortinasvermelhas;atravsdelapodem-sever cinco canecas dispostas cuidadosamente no parapeito. No primeiro plano da imagem vemos umvasodexaximcomsamambaiasobreumapequenamesacomtamporevestidoporcacosdeazulejo.Vemosaindadireita,napartesuperiordaimagem,outrovasocomumasamambaia,aparentementesuspensonoar,provavelmentepresoaotelhado,um(in)visveldaimagem.Presoaovasopode-severumcomedouroparabeija-flor.esquerdaobservamosumaluminriafixadaparedeeumaplacadenumeraodacasa,ambaspintadasdeazul.

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