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entrevista Paróquias & CASAS RELIGIOSAS 12 www.revistaparoquias.com.br |julho-agosto 2012 CARDEAL DE SÃO PAULO FALA SOBRE “NOVA EVANGELIZAÇÃO” Dom Odilo Pedro Scherer Homem do seu tempo, o Arcebispo Metropolitano de São Paulo, Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, 62 anos, comunica-se frequente- mente com os fiéis da Ar- quidiocese, do Brasil e do Twitter. Nesta entrevista exclusiva à Revista Paróquias & Casas Religiosas, especial- mente focada na necessária renovação dos métodos na transmissão da fé cristã (temática do Sínodo dos Bis- pos, em outubro), o Cardeal recomenda e incentiva para que os padres evangelizem por meio das novas mídias sem que “descuidem do con- tato pessoal e da atenção às pessoas”. Leia a íntegra: Qual a importância e a relevância do tema do próximo Sínodo dos Bispos – cujo tema será “Nova Evan- gelização para transmissão da fé cristã” –, para a vida da Igreja nos tempos atuais? O tema é da máxima importância, uma vez que trata da missão primordial da Igreja, que é evangelizar; e a Igreja se encontra diante do desafio de promo- ver uma “Nova Evangelização” a fim de atingir, de maneira eficaz, a trans- missão da fé cristã, que é o objetivo da evangelização. O próprio Papa Bento XVI advertiu, na Carta Apostólica Porta Fidei, com a qual anunciou o Ano da Fé, que estamos diante de um sério risco de perda e diluição da fé cristã nos tempos atuais; e isso seria a perda do seu tesouro mais precioso. A expressão Nova Evangelização já é ouvida na América Latina desde a déca- da de 1980. A Igreja latino-americana terá uma importância especial por este motivo? De fato, o apelo para uma Nova Evan- gelização já foi feito à Igreja inteira nos anos 1980; na América Latina, essa preocupação ficou explicitada na 4ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, de Santo Domingo, em 1991. Na virada do mi- lênio, esse mesmo apelo foi mais forte e foi objeto das assembleias especiais do Sínodo dos Bispos, para os diversos Continentes. No fundo, já era o grande objetivo do próprio Concílio Ecu- mênico Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII com o objetivo primeiro de ”incrementar a fé católica”. Mesmo sem empregar o conceito de “Nova Evangeliza- ção”, o que o Concílio mais queria era pro- mover isso mesmo. A Igreja na América Latina, sem dúvida, tem uma contribuição muito impor- tante a dar para a próxima Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, uma vez que nós já temos, em nossos países, boas experiências na realização desse processo. Também no Brasil. O que a Igreja entende por Nova Evan- gelização? Antes de tudo, significa que quer “evangelizar de novo”, partindo da constatação que esta tarefa nunca pode ser considerada como “já feita”. Cada geração precisa ser evangelizada. Hoje, esse processo não acontece mais de maneira espontânea e óbvia, como no passado, e corremos um sério risco de não mais transmitirmos a fé à nova geração, nem dentro da famí- lia, se não o fizermos de maneira buscada e consciente. Por ou- tro lado, situações e desafios novos reque- rem novas iniciativas, métodos adequados e linguagens apro- priadas; tudo isso é parte de uma “nova” evangelização. O mais importante, porém, é a nova tomada de consciência sobre a missão primordial da Igreja, que é evangelizar; ela existe para evan- A Nova Evangelização parte da percepção renovada de que estamos “em estado permanente de missão”, e de que todos nós, membros da Igreja, somos um povo de “discípulos-missionários” de Jesus Cristo Luciney Martins / O São Paulo

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Cardeal de São Paulo Dom Odilo Scherer fala sobre a Nova Evangelização

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Paróquias & CASAS RELIGIOSAS 12 www.revistaparoquias.com.br |julho-agosto 2012

CARDEAL DE SÃO PAULO FALA SOBRE “NOVA EVANGELIZAÇÃO”

Dom Odilo Pedro Scherer

Homem do seu tempo, o Arcebispo Metropolitano de São Paulo, Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, 62 anos, comunica-se frequente-mente com os fiéis da Ar-quidiocese, do Brasil e do Twitter. Nesta entrevista exclusiva à Revista Paróquias & Casas Religiosas, especial-mente focada na necessária renovação dos métodos na transmissão da fé cristã (temática do Sínodo dos Bis-pos, em outubro), o Cardeal recomenda e incentiva para que os padres evangelizem por meio das novas mídias sem que “descuidem do con-tato pessoal e da atenção às pessoas”. Leia a íntegra:

Qual a importância e a relevância do tema do próximo Sínodo dos Bispos – cujo tema será “Nova Evan-gelização para transmissão da fé cristã” –, para a vida da Igreja nos tempos atuais?O tema é da máxima importância, uma vez que trata da missão primordial da Igreja, que é evangelizar; e a Igreja se encontra diante do desafio de promo-ver uma “Nova Evangelização” a fim de atingir, de maneira eficaz, a trans-missão da fé cristã, que é o objetivo da evangelização. O próprio Papa Bento XVI advertiu, na Carta Apostólica Porta Fidei, com a qual anunciou o Ano da Fé, que estamos diante de um sério risco de perda e diluição da fé cristã nos tempos atuais; e isso seria a perda do seu tesouro mais precioso.

A expressão Nova Evangelização já é ouvida na América Latina desde a déca-da de 1980. A Igreja latino-americana terá uma importância especial por este motivo?De fato, o apelo para uma Nova Evan-gelização já foi feito à Igreja inteira nos anos 1980; na América Latina, essa preocupação ficou explicitada na 4ª

Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, de Santo Domingo, em 1991. Na virada do mi-lênio, esse mesmo apelo foi mais forte e foi objeto das assembleias especiais do Sínodo dos Bispos, para os diversos Continentes. No fundo, já era o grande objetivo do próprio Concílio Ecu-mênico Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII com o objetivo primeiro de ”incrementar a fé católica”. Mesmo sem empregar o conceito de “Nova Evangeliza-ção”, o que o Concílio mais queria era pro-mover isso mesmo. A Igreja na América Latina, sem dúvida, tem uma contribuição muito impor-tante a dar para a próxima Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, uma vez que nós já temos, em nossos países, boas experiências na realização desse processo. Também no Brasil.

O que a Igreja entende por Nova Evan-gelização?Antes de tudo, significa que quer “evangelizar de novo”, partindo da constatação que esta tarefa nunca pode ser considerada como “já feita”. Cada geração precisa ser evangelizada. Hoje, esse processo não acontece mais de maneira espontânea e óbvia, como no

passado, e corremos um sério risco de não mais transmitirmos a fé à nova geração, nem dentro da famí-lia, se não o fizermos de maneira buscada e consciente. Por ou-tro lado, situações e desafios novos reque-rem novas iniciativas,

métodos adequados e linguagens apro-priadas; tudo isso é parte de uma “nova” evangelização. O mais importante, porém, é a nova tomada de consciência sobre a missão primordial da Igreja, que é evangelizar; ela existe para evan-

“A Nova Evangelização parte da percepção renovada de que estamos “em estado permanente de missão”, e de que todos nós, membros da Igreja, somos um povo de “discípulos-missionários” de Jesus Cristo”

Luciney Martins / O São Paulo

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gelizar, de muitos modos e sempre. A Nova Evangelização parte da percepção renovada de que estamos “em estado permanente de missão”, e de que todos nós, membros da Igreja, somos um povo de “discípulos-missionários” de Jesus Cristo.

É possível atualizar a linguagem da evangelização, modernizando-a, sem alterar a essência do Evangelho? De quais maneiras?Esse é um desafio e uma necessida-de; a Igreja precisa usar linguagens e métodos novos, permanecendo, no entanto, fiel a si mesma e ao conteúdo da fé. De fato, nós já estamos usando as “linguagens” novas, colocadas à nossa disposição em grande quantidade: linguagem escrita, falada, pelo rádio, a televisão, a internet e as novas mídias, mas precisamos usá-las ainda mais intensamente e de maneira adequada. Porém, nada disso dispensa, final-mente, a linguagem direta exercida no contato pessoal, a palavra, a escuta, o testemunho, o amor, a “paixão” (par-resia) da fé...

Quais são os maiores desafios da evange-lização nos dias atuais?Há muitos. Um deles é encontrar cora-ções abertos e dispostos a ouvir; nosso tempo faz com que as pessoas estejam muito ocupadas, distraídas e se vejam disputadas por tantos “discursos”, que querem sua atenção e seu tempo... Outro desafio é estarmos preparados e atentos às necessidades das pessoas, preparados para ir ao seu encontro e para lhes falar e comunicar a Boa Nova, quando elas estão abertas para acolher ou, até mesmo, estão à procura de uma “palavra de fé” em suas angústias, sofrimentos e perplexidades. Também o afervoramento na fé daqueles que já creem é um desafio; ninguém será evangelizador, se não tiver feito uma profunda e alegre experiência de Deus e da força salvadora do Evangelho. Um sério desafio para os católicos é sair da indiferença, da ignorância religiosa e do respeito humano em relação à pró-pria fé. Comunidades e pessoas frias ou mornas na sua fé não têm energias para comunicar a fé. Todos nós temos

a necessidade de retornar constante-mente às fontes, para nos realimentar na Palavra de Deus, na Liturgia, na oração e no estudo da fé da Igreja. Não se ama nem se transmite o que não se conhece.

A Jornada Mundial da Juventude pode ajudar a renovar o discurso da Igreja? Como?As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), como os Encontros Mundiais de Famílias, são metodologias novas de evangelização. Muita linguagem nova vai despertando ali e a ação do Espírito Santo na Igreja fica evidente nessas iniciativas. A JMJ tem um enorme po-tencial evangelizador para a juventude e para a Igreja toda.

Qual o papel dos jovens na Nova Evan-gelização?O melhor apóstolo do jovem é outro jovem; eles têm uma capacidade pró-pria de contagiar outros jovens com o Evangelho e de levá-los ao encontro com Cristo. Por outro lado, evangelizar os jovens é absolutamente necessário para que a transmissão da fé continue de geração em geração; contrariamen-te, essa corrente ficaria interrompida. Em parte, temos que admitir que isso já está acontecendo, quando vemos que muitos jovens não estão evangelizados, não formam mais lares cristãos, não batizam os filhos e não os encaminham para a iniciação à fé e à vida cristã. Esta questão é preocupante.

São Paulo deve receber o maior número de peregrinos estrangeiros na chamada “Semana Missionária” que antecede a JMJ-Rio 2013. Como a Arquidiocese poderá se beneficiar deste fluxo de ju-ventude presente aqui?A Arquidiocese de São Paulo, com as outras dioceses da área metropolitana, receberão certamente muitos jovens de outras partes do mundo para a Semana Missionária, antes da JMJ-Rio. A pre-paração dessa semana, o envolvimento dos jovens daqui e de suas famílias nessa preparação, na acolhida dos jovens que virão de fora, bem como as atividades a serem realizadas, tudo isso terá um fruto seguro. É um grande

momento de graça de Deus para nós e nossos jovens. Vale a pena acreditar.

Como o senhor vê a realização desta Semana Missionária aqui em São Paulo? Quais devem ser os objetivos das ativi-dades desta semana?Essa Semana será programada de acordo com as orientações gerais da-das pelo Pontifício Conselho para os Leigos e pela Organização Nacional da Jornada. Ainda não temos uma programação elaborada, mas em todo o caso, haverá a acolhida e hospedagem dos jovens, que virão os momentos de interação com os jovens locais nas famílias, comunidades e organizações diversas da Igreja de São Paulo, ativida-des culturais, iniciativas missionárias, encontros grandes de massa. Tudo isso significará muito trabalho, mas também é uma enorme oportunidade para a evangelização.

No contexto da Nova Evangelização e desta preocupação com a juventude, o que o senhor diria aos padres que estão iniciando seu ministério agora, em um tempo dominado pelas mídias digitais?Vivam intensamente este tempo e suas oportunidades; usem as novas mídias, mas também as tradicionais; sobretudo, não descuidem do contato pessoal e da atenção às pessoas. A homilia é um momento essencial de comunicação e de alimentação da fé, que não pode ser substituída por ne-nhuma outra forma de comunicar. Mas penso que não devemos contentar-nos apenas com ela e precisamos criar mais oportunidades para falar e anunciar o Evangelho de maneira explícita e para formar o povo, sobretudo os jovens. Pergunto a mim mesmo: quantas pes-soas nós atingimos, de fato, em nossas paróquias? Quantos jovens? Quantas escolas, colégios, universidades? Os jovens estão lá...

Colaboração:Rafael Alberto - Secretário de Comunicação Arquidiocese de São Paulo.