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Para Tafuri, os profissionais das briga-das das empresas também deveriam a-presentar melhores condições físicas. ''Alei exige que se tenha pessoas treinadas,e as empresas mandam qualquer um.Normalmente, quem não é essencial pa-ra o funcionamento da empresa. Umavez, enviaram para o curso uma senhorade 70 anos com problema na coluna. Eusempre digo: no Brasil, não existe umacultura, nem educação em segurança.Não se vê treinamento em escola, e nãose vê treinamento em empresa".

ESPECIAL I PERFIL DO EMERGENCISTAAs exigências físicas variam confor-

me a atividade do emergencista. O bom-beiro, por exemplo, precisa estar prepa-rado para entrar em prédios em chamas,perscrutar escombros em busca desobreviventes e enfrentar uma série dedesafios que exigem bom condiciona-mento físico. Por isto, as corporaçõesavaliam cada um de seus profissionaisanualmente, por meio de um teste, oTAF (Teste de Aptidão Física). Da mes-ma forma, o emergencista do SAMU(Serviço de Atendimento Móvel de Ur-gência) também precisa estar atento aoseu condicionamento, mas não costumater, em seu dia a dia, um nível de exigên-cia física tão grande quanto o do bom-beiro. De acordo com Ronaldo Tafuri,pós-graduado em Fisiologia Humana eFisiologia do Esforço, que ministra cur-sos básicos e avançados na Fox Treina-mento de Resgate Internacional, há umdéficit no condicionamento de algunssocorristas de APH no Brasil. "Fisica-mente, alguns emergencistas brasileirosnão estão preparados", avalia. "O bom-beiro até tem preparo, mas 80 por cen-to dos profissionais do SAMU, nos meuscursos, não têm condições físicas paracompletar as tarefas. Se botar o indiví-duo para subir e descer escada com umaprancha, vai ver que não tem preparo.Até desce o barranco para atender à ví-tima, mas não sobe depois. Eles rece-bem um treinamento, mas não têm ati-vidade física". Especialista em Fisiologiapela Universidade Federal de São Paulo,Waltecir Lopes, que treina emergencistasem salvamento e primeiros socorros naGESBRASIL, tem a mesma percepçãode Tafuri. Um dos problemas, segundoele, é que, excetuando-se os militares e

os guarda-vidas (militares ou civis), orestante dos emergencistas não tem aobrigação do condicionamento físicopara a realização de suas atividades - ape-nas uma recomendação de que tenha ap-tidão para tal. Inclusive, Lopes acrescen-ta que a falta de preparo coloca a saúdedo emergencista em risco. "Por ser umaatividade que exige puxar, rolar algo, an-dar e até correr em algumas situações,fazer força, penso que a falta de condi-cionamento físico pode causar malespara a saúde do socorrista, como o riscode acidentes devido à falta de preparofísico, lesões por esforço repetitivo, Ove-ruse (trauma por estresse), riscos ergo-nôrnicos em si e até riscos cardiovascu-lares, entre outros".

"De um modo geral, não tem havido,até agora, uma real preocupação, porparte dos gestores, com o tópico 'condi-cionamento físico das equipes de APH'- salvo honrosas e raras exceções", apon-ta Gomes. "Como, quase sempre, osprocessos seletivos para tais funções nãopreveem esta avaliação, frequentemen-te nos deparamos com profissionais semo mínimo preparo físico para desempe-nhar a contento e com segurança o aten-dimento das emergências médicas forado âmbito hospitalar". De acordo comPatricia Pasquini, da Assessoria de Im-prensa da Secretaria de Saúde de SãoPaulo, o SAMU de São Paulo não temprograma de avaliação de condiciona-mento físico de seus funcionários. Nãohá exames rotineiros ou projetos especí-ficos de preparação física. "Não é neces-sário, pois o funcionário do SAMU temmenor exposição física. Mas se aconse-,lha (aos emergencistas) manter um con-dicionamento adequado".

Emergencistas devemtrabalhar alguns aspectos,

entre eles, a força """

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AVALIAÇÕES FÍSICASConforme Tafuri, um critério que po-

deria ser usado para uma avaliação deprofissionais de APH é o IMC (Índicede Massa Corporal). "Pensando emIMC, o emergencista não poderia passardo sobrepeso. O sobrepeso seria um a-lerta", afirma. Na mesma linha, Lopesavalia: "Não é estar pronto para umaguerra ou uma luta do MMA, mas ter omínimo de condição física para realizaratividades de andar, correr, puxar, abai-xar e levantar com peso, fazer compres-sões, etc". A realidade presenciada noscursos ministrados pelos dois chega aassustar, garantem. "Em um dos treina-mentos vi pessoas com 10 vezes o tama-nho das outras. Quando chegava a horada prática, uma das mulheres queria fi-car só na coordenação da atividade, atépara não atrapalhar. Parece que a vonta-de de fazer o bem acaba se sobrepondo,mas segundos fazem a diferença nestaárea. Em determinadas situações, equi-pes bem preparadas podem ganhar mi-nutos de vantagem", diz Tafuri,

No entanto, não se trata apenas do pe-so, alertam os especialistas. "Melhoraros seus atributos físicos e cardiorrespi-ratórios, não quer dizer 'tamanho domúsculo' nem 'barriga tanquinho'. Estenão é o padrão de avaliação, e sim estarapto para exercer a sua função", afirmaLopes. "E o profissional estar apto fisi-camente vai além de suas atividades co-mo emergencista. Tem como quesito pri-mordial a sua própria saúde, que não po-de ser negligenciada". Assim, o condicio-namento físico ideal de um emergencistaé difícil de ser avaliado. ''A massa corpo-ral é apenas uma variável", explica Ro-drigo Antonio Brandão Neto, médicoSupervisor Geral do Pronto Socorro doHospital das Clínicas da Faculdade de __Medicina da Universidade de SP e médico

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Assistente doPronto Socor-ro do HospitalSírio- Libanês.ConformeBrandão Neto,oV02máximotrata-se de fatorimportante naequação. Cons-titui-se do vo-lume máximo

Tafuri: déficit de oxigênio queo corpo de um indivíduo consegue uti-lizar durante o exercício físico em umaunidade de tempo. Para a aferição doV02 máximo, uma taxa de gordura ele-vada é apenas um dos fatores que afe-tam negativamente o resultado. Ou seja,um indivíduo acima de seu peso idealpode apresentar uni V02 máximo maiordo que alguém magro e até um condici-onamento físico mais adequado, depen-dendo de sua resistência, força e capa-cidade cardiovascular. Então, a recomen-dação de Lopes para os emergencistas étrabalhar as seguintes capacidades: for-ça, flexibilidade, resistência, velocidade,equilíbrio, coordenação, agilidade, ritmoe descontração neuromuscular.

Aptidão físicaos e movimentos funcionais. "Se fizer osupino na academia, vai malhar apenaspeito, um determinado grupo muscular.Não trabalha um grupamento maior. NoCrossftt, tem corda, pneu, marreta, sacode boxe. Treina resistência, força e coor-denação, com movimentos orgânicos".Para ele, um emergencista de APH de-veria -realizar atividade física três vezespor semana, pelo menos, intercalandotreinos com corrida (cardiovascular) emusculação (força e resistência). "O e-mergencista tem que estar preparado,porque ele não sabe o que vem pela fren-te. E o tempo pode custar uma vida",afirma.

Fábio de Almeida Gomes, tenente-co-ronel médico da Policia Militar do Esta-do da Paraíba, especializado em Sistemasde Emergências e Traumas pelo Ram-bam Medical Center, em Haifa, em Isra-el, e em Medicina de Tráfego, pela A-bramet (Associação Brasileira de Medi-

tOs treinos necessários para o emergencistaexercer sua função adequadamente

Para o emergencista que busca man-ter o físico em dia, Ronaldo Tafuri, pós-graduado em Fisiologia Humana e Fisio-logia do Esforço, que ministra cursosbásicos e avançados na Fox Treinamen-to de Resgate Internacional, aconselha,primeiramente, procurar orientação deum profissional. "Não adianta só cor-rer", alerta. "Quem corre no parque nãotrabalha o braço, que é essencial paraum emergencista. Uma prancha de.120kg precisa ser carregada por três pes-soas, com chuva, descida, subida". Elerevela ainda que socorristas com umaespecialidade - resgate aquático ou aé-reo, por exemplo -, podem adequar seutreinamento físico para atender às exi-gências de sua função. "Quem realizaresgates na água precisa ganhar força naperna e resistência, porque vai segurar avítima com os braços e sobrecarregaras pernas". Uma atividade indicada porTafuri é o Crossftt, que envolve exercíci-

ESPECIAL / PERFIL DO EMERGENCISTAcina do Tráfego), formado no curso deSuporte Básico de Vida, instrutor doATLS (Advanced Trauma I4e Suppori) edo PHTLS (Prehospital Trauma Life Sup-pori), também acredita que o monito-ramento do condicionamento físico dosemergencistas seja essencial. Para ele, osconcursos públicos devem sempre exi-gir um TAP, com o qual se avaliam es-pecialmente as condições de resistêncianeuromuscular, capacidade aeróbica, fle-xibilidade e força muscular. "Pode pa-recer exagero, mas não é! O dia a dia dosocorrista no atendimento móvel exigebastante da endurance física, além, éóbvio, equilíbrio emocional'.', indica. Noâmbito das instituições militares, testesperiódicos de avaliação física são normacorrente. Contudo, Gomes avalia que ra-ramente se observam, nas corporações,profissionais das áreas de Educação Fí-sica e Nutrição que mantenham umacompanhamento especializado cons-tante, visando preservar a saúde profis-sional dos socorristas.

EXERCíCIOSConforme o tenente Kleber do Vale,

chefe do setor de Imprensa do Corpode Bombeiros da PMESP (policia Mili-tar do Estado de São Paulo), a rotinadiária dos bombeiros contém prepara-ção física. Ele afirma que até uma horae meia do dia é utilizada para manter ocondicionamento físico dos socorristas,com atividades que incluem. natação,corrida e academia. Na corporação,bombeiros com graduação em Educa-ção Física auxiliam na preparação gerale casos específicos. Então, uma vez por

ano, os emergencistas são avaliados peloTeste de Aptidão Física. ''A maior partedos nossos bombeiros precisa ter umbom condicionamento físico, pois suafunção exige. Mas não quer dizer quequem tenha sobrepeso ou esteja muitoacima do peso não possa trabalhar, poishá algumas funções, até administrativas,que permitem", afirma.

No entanto, Gomes detecta proble-mas entre alguns bombeiros brasileiros."Mesmo nos Corpos de Bombeiros Mi-litares, que atuam precipuamente na áreado resgate, não raramente, iremos nosdeparar com profissionais com sobre-peso, obesidade, hipertensão arterial,depressão, tabagismo e problemas os-teoarticulares, o que vem a comprome-ter sobremaneira a qualidade do atendi-mento", avalia. Há algumas modalida-des de socorro que exigem ainda mais

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Resgate aquático também necessitade um desempenho severo

preparo físico, segundo Gomes. "Res-gates aquáticos, atendimentos em am-bientes táticos e resgate aeromédico exi-girão, obviamente, um perfil de desem-penho mais severo".

GUARDA-VIDASCom o intuito de atender às especifi-

dades do socorro aquático, o treinamen-to dos guarda-vidas apresenta atividadesque simulam a exigência física do dia adia da profissão. Conforme Kleber doVale, do Corpo de Bombeiros da PMESP,que já ministrou aulas do curso de guar-da-vidas, tiros de corrida curta, porexemplo, visam preparar o emergencistapara o deslocamento intenso até a águae a área de salvamento. De acordo coma avaliação de David Szpilman, diretor-médico da Sobrasa (Sociedade Brasilei-ra de Salvamento Aquático), os guarda-vidas brasileiros estão bem fisicamente."Quanto melhor o curso de guarda-vi-das, mais preparado estará o profissio-nal. E os cursos dos corpos de bombei-ros brasileiros são excelentes", atesta.. Para Szpilman, a faceta mais impor-tante do perfil do guarda-vidas reside naterminologia utilizada para descrever suafunção. ''Até o nome mudou: de salva-vidas para guarda-vidas. Poucos estados,como o Rio Grande do Sul, ainda nãoadotaram a nova nomenclatura. Quandose fala em salva-vidas, se dá a ideia desalvamento. Agora nós falamos em guar-da-vidas, para dar a ideia de preservar avida. É uma percepção mais pró-ativa.Antes se dizia que um bom salva-vidasera o que salvava mais. Hoje se diz que obom guarda-vidas é o que previne mais".

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Equilíbrio 8mocionaltEmergencistas resistem em considerar o tratamentodas emoções aspectos importantes para sua atuação

Ao descrever as dificuldades da pro-fissão do guarda-vidas, David Szpilman,diretor-médico da Sobrasa (SociedadeBrasileira de Salvamento Aquático), citaum dos aspectos mais importantes noperfil de todo emergencista, esteja eleatuando em terra, ar ou água: o emocio-nal. "O físico não é o mais importante,como a maioria acha. É uma balança, etem três fatores: emocional, físico e co-nhecimento técnico", avalia. ''Ainda temesta ideia antiga, uma cultura de heróimuito grande", aponta Szpilman. ''Al-guns não entendem, mas quem salvavidas também acaba se envolvendo naperda de vidas. É uma profissão muitoligada ao salvamento e à morte. Nemum bombeiro liga tanto com esta ideia,porque quando ele atende a um chama-do, a situação já aconteceu. Ele vai ten-tar que o incêndio provoque o mínimode perdas. Já o guarda-vidas atua direta-mente com esta perda. Ele tem que sa-

ber que, em uma carreira de 20 anos,vai atender de três a cinco fatalidades,no mínimo. Ao mesmo tempo, pode teraté 20 mil salvamentos".

Conforme Szpilman, o guarda-vidasdeve contar com amparo psicológico -e, em muitas corporações de bombei-ros, ele o tem. "O ideal é que o guarda-vidas possa discutir tanto os casos bemsucedidos quanto os mal sucedidos.Para se informar, para lembrar, para or-ganizar. A cada socorro realizado, é ide-al que ele tenha um apoio psicológico,um grupo, um momento em que elepossa compartilhar, aprender e ensinar.É possível reviver estas emoções em si-mulações, em situações de grupo terapia.Com isto, se adquire maturidade maior.No momento em que ele vê que aconte-ce com os outros, ele não vai se surpre-ender tanto quando acontecer com ele".A carga emocional é ainda maior por setratar de um atendimento direto à víti-

ma, lembra o es-pecialista. "Oguarda-vidas nãotem ambulância.Não tem maisgente junto - nomáximo, um ou-tro colega. De-pois do salva-mento ou da fa-talidade, perma-nece no local. Ele -não vai para o Szpilrnan: amparo

hospital. E, às vezes, não tem nem umlugar onde possa chorar. Está semprena vitrine. Então, tem que ter um contro-le emocional gigante".

Não é apenas o guarda-vidas, porém,que lida com a morte, com a perda ecom o sofrimento das pessoas em suarotina de trabalho. Profissionais de ou-tras modalidades de salvamento e resga-te também convivem com a dor diaria-mente e nem sempre têm o acompanha-mento necessário, segundo o psiquiatraJosé Toufic Thomé, que coordenou oextinto programa de Intervenções emDesastres e Catástrofes da AssociaçãoBrasileira de Psiquiatria. ''A realidade doperfil emocional do emergencista brasi-

ronel do Corpo de Bombeiros Militardo Distrito Federal. "Quem nunca seemocionou ao ver pessoalmente, ou pelarrúdia, um salvamento envolvendo osbombeiros? O caso é que a outra faceda moeda é pouco vista, pouco enten-dida, pouco trabalhada e até mesmo es-condida pelos próprios bombeiros, pelaforça que carrega o 'ser militar'. Comorelatado por eles: 'Ser bombeiro é ser-vir, servir, sempre servir"'.

Segundo Thomé, o emergencista pre-cisa "explicitar, deixar transparecer"."Os envolvidos não podem banalizar,fazer de conta que não afeta, porque épior, muito pior. Isto vai voltar depois.'Eu dou conta, eu não me importo', di-zem. Não é assim: isto está afetando. Oheroismo, muitas vezes, é a forma devocê lidar com sua fragilidade. No atade ajudar, faz de conta que aguenta eque não se afeta pelo que está vivendo.Nas nossas intervenções, muita gentedesaba. Chora. Eu mesmo choro junto.Não botar para fora é uma defesa. Aícria uma situação que acaba gerandomais dor", explica. Assim, para não per-turbar sua imagem, o profissional da e-mergência acaba não conversando sobreo assunto. "Não pode desabafar, umavez que seus colegas o enxergam comouma pessoa forte, e seus superiores esubordinados também. Sua família, mui-tas vezes, não quer ouvir histórias trági-cas que ele atende diariamente. Enfim,para quem vai falar de suas dores, desa-bafar? Realmente não tem ninguém", diz

ESPECIAL / PERFIL DO EMERGENCISTA

leiro é muito precária", alerta o psiquia-tra, presidente da Unidade Brasil daRede Ibero-Americana de Eco-bioética- Cátedra UNESCO de Bioética e co-presidente da Secção Intervenção emDesastres da Associação Mundial de Psi-quiatria. Atualmente, os manuais de a-tendimento às emergências voltam-se àsvítimas de primeiro grau, aquelas que so-frem diretamente as consequências doevento, segundo Ib Martins Ribeiro, psi-cólogo especialista em Psicologia Orga-nizacional e do Trabalho, tenente-coro-nel da reserva da PMESP (polícia Mili-tar do Estado de São Paulo) e consultorem Psicologia de Emergências. "Poucaatenção é dada na preparação emocio-nal do profissional para o enfrentamentodas situações traumáticas com as quaisirá se deparar. Menor ainda é a atenção

Guarda-vidas deve discutir tanto os casosbem sucedidos quanto os mal sucedidos ""

dada ao profissional que já desenvolveualgum 'problema emocional' decorren-te de sua atuação diária".

Ribeiro explica que a atenção de as-pecto psicológico ocorre apenas no mo-mento do ingresso do profissional."Mesmo assim, apenas algumas exigên-cias, bem vagas, como equilíbrio emo-cional e autocontrole, capacidade paratrabalho de equipe, capacidade física emental para a atividade", explica. O a-companhamento posterior sofre até pelaquestão cultural dos emergencistas, osquais, imbuídos da ideia do heroísmo,costumam resistir a tratamentos do tipo."No imaginário social, a palavra 'bom-beiro', na maioria das vezes, aparece car-regada de um sentido de heroísmo e sal-vação", diz Daniela da Cunha Lopes,psicóloga, assistente-social e tenente-co-

o SOCORRO DO EMERGENCISTAAbaixo, dois casos mostram como os emergencistas podem ser afetados por situações dramáticas

vivenciadas no exercício de seu trabalho. Por sorte, nestes dois exemplos, os profissionais aceitaramajuda e, com amparo psicológico e psiquiátrico, superaram seus traumas, tornando mais forte seu preparoemocional.

>OEPRESSÃOUm policial foi acionado para uma ocorrência

em que a mãe ameaçava matar os dois filhos edepois cometer suicídio. Como era horário de pico,teve que alterar várias vezes seu itinerário, o quelhe levou a diversos congestionamentos. Assim, opercurso que tomaria cerca de quatro ou cincominutos com sirene aberta acabou demorandomais de 15. Chegando ao local, viu que a mulherjá tinha realizado seu intento. Diante daquelasituação, o profissional sentiu-se tão impotente denão ter conseguido impedir o acontecido, que seculpava constantemente. A visão dos corpos empensamento lhe trazia de volta as sensações, chei-

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ros e os sentimentos de impotência. Não conseguiadormir e, quando conseguia, sonhava com o episó-dio. "Quando chegou até mim, desesperado, depoisde tentar o suicídio duas vezes, estava a ponto dese separar de sua esposa", conta Ribeiro. "Acredi-tava que estava ficando louco, pois aquelas imagenso perseguiam diuturnamente. Após alguns atendi-mentos, nos quais lhe foi mostrada a evolução doestresse, do estresse pós-traumático, da depressão,do suicídio e a aplicação de técnicas terapêuticas,melhorou e se recuperou".

> INTERVENÇÃOEm uma tragédia, o emergencista pode não ape-

nas ser afetado pelo contato com a vítima, lembraThomé. Ele normalmente reside em algum lugarpróximo de onde o evento aconteceu e tambémpode ter perdido casa, família e amigos. O abalo,então, é ainda maior. Em 2008, quando o Vale doItajaí, em Santa Catarina, foi atingido por fortesenchentes, Thomé coordenou intervenção para os"cuidadores" que atenderam na cidade. Em Blume-nau, o grupo desenvolveu ações transdisciplinares,com planejamento de dois anos de duração. "Mos-trávamos filmes, fazíamosexercíciosem grupo,con-versávamos com os cuidadores", lembra. Ele cita ocaso de um enfermeiro que não conseguia dizer averdade para pessoas que perguntavam se pode-riam voltar para casa.Os moradores haviam perdidosua residência, mas não sabiam e queriam retornarpara lá. "Muitos emergencistas não situavam asvítimas na realidade. Isto foi gerando uma situaçãode colapso", explica. "Este é um case internacional.Nós criamos lá um modelo no qual pudemos tra-balhar a realidade para estes profissionais".

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