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espira l l l 1 N.º 38 - Janeiro / Março de 2010 N.º 38 - Janeiro / Março de 2010 N.º 38 - Janeiro / Março de 2010 N.º 38 - Janeiro / Março de 2010 N.º 38 - Janeiro / Março de 2010 boletim da associação boletim da associação boletim da associação boletim da associação boletim da associação FRA FRA FRA FRA FRATERNIT TERNIT TERNIT TERNIT TERNITAS AS AS AS AS MOVIMENTO MOVIMENTO MOVIMENTO MOVIMENTO MOVIMENTO vozes vozes vozes vozes vozes proféticas proféticas proféticas proféticas proféticas precisam-se precisam-se precisam-se precisam-se precisam-se Serafim de Sous Serafim de Sous Serafim de Sous Serafim de Sous Serafim de Sousa N os últimos dois meses, levantaram-se vozes di- versas a respeito dos sacerdotes que abando- naram o exercício das ordens. Felizmente no mês de Ja- neiro do ano em curso, tudo parece ter serenado e os telefonemas da comunicação social do mais diverso teor pararam. E tudo isto aconteceu porque um sacerdote novo, com pouco mais de um ano de vida paroquial, se apaixonou por uma jovem de 18 anos. O sacerdote foi entrevistado na televisão e deu mostras claras de uma pessoa sensata e equilibrada. Por que é que tudo isto aconteceu? É sempre muito fácil dizer que perdeu a vocação e por isso seguiu outro rumo. Ora eu não penso assim. Uma vocação é algo de sagrado. Foi Deus quem chamou ao sacerdócio, come- çando pelo seminário menor até ao maior ou mesmo universidade. Depois de ordenado com vocação, com fé e destinado ao serviço das almas ou do povo de Deus, não se perde tudo isso de um momento para outro. A vocação continua, como todas as outras ideias ligadas ao serviço da Igreja, que é o Corpo de Cristo. O que acontece é que as circunstâncias da vida vão mudando. Muda o ambiente que nos rodeia, mudam as pessoas que nos acompanham, mudam também as nossas idei- as e todos nós estamos num mundo onde a evolução é contínua. Nós também evoluímos e mudamos. Diz o nosso povo :“Só os burros é que não mudam.” Eu costumo dizer :“A vocação ao sacerdócio é obra de Deus.” Deus chama quem quer, onde quer e como quer O chamado por Deus responde «sim» e depois de muita preparação, muito estudo e muita reflexão em conjunto e em particular, dá-se o passo final, a ordenação. Ordenado presbítero ou até diácono, este sacramento imprime carácter. Nada o pode destruir, é indelével. Por isso não gosto, não concordo com a expressão muito usada no meio eclesiástico “redução ao estado laical” Acho esta expressão humilhante, e principalmente aniquilante. Usou-se, mas tem de deixar de se usar por não corresponder à realidade pura e simples. Nos tempos que correm, o povo de Deus já não se escandaliza com o casamento dos padres. Para as pes- soas mais esclarecidas tanto lhes dá que os sacerdotes sejam casados ou não. Querem, sim, ver gente capaz de lhes transmitir o Evangelho da vida, a Palavra de Deus, a celebração da Eucaristia e vivência cristã, sem pres- sas, sem rotina, onde se sinta bem a profundidade do amor a Deus e ao próximo. O sacerdote de que falei no princípio, se lhe conce- dessem autorização para continuar como sacerdote ca- sado, com certeza poderia prestar relevantes serviços na mesma ou noutras paróquias, formando, a partir da sua comunidade familiar, um pequeno núcleo que podia ser excelente auxiliar na caminhada da fé. O mesmo acon- teceria com outros, que conheço, e a prestarem impor- tantes serviços nas comunidades e serviços sociais. As regras da Igreja têm mudado ao longo dos tem- pos e torna-se necessário que mudem também agora e depressa, pois corremos o risco de as igrejas ficarem vazias e não mobilizarem ninguém. A mulher precisa de ter um papel na Igreja de acor- do com a sua dignidade. Afinal, o Cristianismo come- çou com o «sim» de uma mulher. Acabe-se com o que está obsoleto. Refresque-se a mente com novas formas de cativar e caminhar com Cristo. Ponha-se de lado a ideia de que só nós é que sabemos, pois o pulsar colec- tivo indica-nos que há outros modos, outros caminhos que atraem para Deus, Senhor do mundo e da vida ple- na. Juntos, homens e mulheres, poderemos ainda che- gar muito longe. Não vejam em mim um revoltado, ou visionário, mas apenas e só um homem de fé que olha o futuro com alguma apreensão, e peço ao Senhor que nos inspire a servi-Lo cada vez melhor. espiral 10 anos

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N.º 38 - Janeiro / Março de 2010N.º 38 - Janeiro / Março de 2010N.º 38 - Janeiro / Março de 2010N.º 38 - Janeiro / Março de 2010N.º 38 - Janeiro / Março de 2010

boletim da associação boletim da associação boletim da associação boletim da associação boletim da associação FRAFRAFRAFRAFRATERNITTERNITTERNITTERNITTERNITASASASASAS MOVIMENTOMOVIMENTOMOVIMENTOMOVIMENTOMOVIMENTO

vozesvozesvozesvozesvozes proféticas proféticas proféticas proféticas proféticas precisam-seprecisam-seprecisam-seprecisam-seprecisam-seSerafim de SousSerafim de SousSerafim de SousSerafim de SousSerafim de Sousaaaaa

Nos últimos dois meses, levantaram-se vozes di-versas a respeito dos sacerdotes que abando-

naram o exercício das ordens. Felizmente no mês de Ja-neiro do ano em curso, tudo parece ter serenado e ostelefonemas da comunicação social do mais diverso teorpararam. E tudo isto aconteceu porque um sacerdotenovo, com pouco mais de um ano de vida paroquial, seapaixonou por uma jovem de 18 anos. O sacerdote foientrevistado na televisão e deu mostras claras de umapessoa sensata e equilibrada.

Por que é que tudo isto aconteceu? É sempre muitofácil dizer que perdeu a vocação e por isso seguiu outrorumo. Ora eu não penso assim. Uma vocação é algo desagrado. Foi Deus quem chamou ao sacerdócio, come-çando pelo seminário menor até ao maior ou mesmouniversidade. Depois de ordenado com vocação, comfé e destinado ao serviço das almas ou do povo de Deus,não se perde tudo isso de um momento para outro. Avocação continua, como todas as outras ideias ligadasao serviço da Igreja, que é o Corpo de Cristo. O queacontece é que as circunstâncias da vida vão mudando.Muda o ambiente que nos rodeia, mudam as pessoasque nos acompanham, mudam também as nossas idei-as e todos nós estamos num mundo onde a evolução écontínua. Nós também evoluímos e mudamos.

Diz o nosso povo :“Só os burros é que não mudam.”Eu costumo dizer :“A vocação ao sacerdócio é obra deDeus.” Deus chama quem quer, onde quer e como querO chamado por Deus responde «sim» e depois de muita

preparação, muito estudo e muita reflexão em conjuntoe em particular, dá-se o passo final, a ordenação.

Ordenado presbítero ou até diácono, este sacramentoimprime carácter. Nada o pode destruir, é indelével. Porisso não gosto, não concordo com a expressão muitousada no meio eclesiástico “redução ao estado laical”Acho esta expressão humilhante, e principalmenteaniquilante. Usou-se, mas tem de deixar de se usar pornão corresponder à realidade pura e simples.

Nos tempos que correm, o povo de Deus já não seescandaliza com o casamento dos padres. Para as pes-soas mais esclarecidas tanto lhes dá que os sacerdotessejam casados ou não. Querem, sim, ver gente capazde lhes transmitir o Evangelho da vida, a Palavra de Deus,a celebração da Eucaristia e vivência cristã, sem pres-sas, sem rotina, onde se sinta bem a profundidade doamor a Deus e ao próximo.

O sacerdote de que falei no princípio, se lhe conce-dessem autorização para continuar como sacerdote ca-sado, com certeza poderia prestar relevantes serviços namesma ou noutras paróquias, formando, a partir da suacomunidade familiar, um pequeno núcleo que podia serexcelente auxiliar na caminhada da fé. O mesmo acon-teceria com outros, que conheço, e a prestarem impor-tantes serviços nas comunidades e serviços sociais.

As regras da Igreja têm mudado ao longo dos tem-pos e torna-se necessário que mudem também agora edepressa, pois corremos o risco de as igrejas ficaremvazias e não mobilizarem ninguém.

A mulher precisa de ter um papel na Igreja de acor-do com a sua dignidade. Afinal, o Cristianismo come-çou com o «sim» de uma mulher. Acabe-se com o queestá obsoleto. Refresque-se a mente com novas formasde cativar e caminhar com Cristo. Ponha-se de lado aideia de que só nós é que sabemos, pois o pulsar colec-tivo indica-nos que há outros modos, outros caminhosque atraem para Deus, Senhor do mundo e da vida ple-na. Juntos, homens e mulheres, poderemos ainda che-gar muito longe.

Não vejam em mim um revoltado, ou visionário, masapenas e só um homem de fé que olha o futuro comalguma apreensão, e peço ao Senhor que nos inspire aservi-Lo cada vez melhor.

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Encontro dos movimentos laicais, em Fátima

O ESCÂNDALO

Na Igreja de Viseu, o histórico dia 19 de Dezembrode 2009, em que o seu pastor, atento aos sinais dostempos, acolhe 17 dos 29 convidados, dos quais cincofaltaram por impossibilidade, é um marco já inapagável.No encontro, de verdade e amor, a passagem bíblica1Cor 7, 9 («Melius est nubi quam uri: É melhor casar doque ficar abrasado»), sem que tivesse sido citada, foifestejada no íntimo dos padres dispensados do exercíciodo ministério sacerdotal, dispensa que a quase totalida-de tinha pedido na convicção de que o casamento é umdireito natural e inalienável de todo o ser humano, quetambém é vocação.

CONVITE PROFÉTICOCONVITE PROFÉTICOCONVITE PROFÉTICOCONVITE PROFÉTICOCONVITE PROFÉTICOD. Ilídio, cerca de um mês antes, na carta de convite

para este encontro, sem dúvida com a ternura e inspira-ção que o Espírito nele insuflara, afirmava que, sendobispo de Viseu há pouco mais de três anos, gostaria dese encontrar com todas as pessoas a quem fora envia-do. Este Homem compreensivo e irmão lembra e pro-põe: «Um grupo que me estimula e desafia (…) é o gru-po dos que, como eu, foram ordenados sacerdotes (…)Destes, alguns fizeram outras opções, não deixando deamar e servir, não amando e servindo menos, mas en-tendendo que não poderiam continuar a fazê-lo de de-terminada forma. Assim, conscientemente, optaram poroutro modo de ser e viver a sua vocação e a sua formade estar na Igreja e no Mundo. Eu gostaria que (…) nosencontrássemos e partilhássemos (…) reflectíssemos jun-tos sobre que Sociedade e que Igreja para os novos tem-

pos e como, em conjunto, poderíamos colaborar e con-tribuir (…) sobretudo para nos conhecermos e para es-tarmos juntos durante uma manhã.»

Estavam preparados os nossos corações para o «sim»ao convite e dado o mote para o primeiro encontro, queiria ser um conclave a terminar com um almoço de con-vívio: «somente o bispo com aqueles que, da nossa dio-cese ou de outra mas a viverem aqui, foram e estãodispensados do exercício do ministério ordenado.»

DO CORAÇÃO DO PDO CORAÇÃO DO PDO CORAÇÃO DO PDO CORAÇÃO DO PDO CORAÇÃO DO PASTASTASTASTASTORORORORORNa primeira e maior parte do encontro, uns, desco-

nhecidos, outros, que há muito se não encontravamporque residentes em vários pontos do país, mas todos,incluindo o anfitrião que nos recebia na sua residência eque fora o Seminário de vários dos presentes, com mui-to em comum, com grande à-vontade, apresentaram-se, falaram do seu currículo, das suas experiências de

De coração aberto, D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu, acolheu osseus padres dispensados do exercício do ministério ordenado.

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quequequequeque

ninguém seninguém seninguém seninguém seninguém se

sentisse àsentisse àsentisse àsentisse àsentisse à

ppppparararararte, quete, quete, quete, quete, que

mememememe

ajudásseis.»ajudásseis.»ajudásseis.»ajudásseis.»ajudásseis.»

Convocados pela Comissão Episcopal do Laicado eFamília, reuniram-se, em Fátima, no Centro PastoralPaulo VI e Casa Senhora do Carmo, de 5 a 7 de Feve-reiro, muitos dos responsáveis dos movimentos e obraslaicais de Portugal.

A direcção da Associação Fraternitas Movimento,correspondendo ao convite formulado, esteve presente.

O objectivo prioritário do encontro era a discussãoda proposta de Estatutos da futura Conferência Nacio-nal do Apostolado dos Leigos (CNAL), cujas finalidades,de acordo com o seu articulado estatutário, são:

– promover a comunhão entre os seus membros, eentre estes e as estruturas eclesiais do apostolado dosleigos;

– fomentar o discernimento comum das realidadescontemporâneas e dos desafios da sua evangelização;

– contribuir para uma maior coordenação no serviço

dos leigos no mundo, em resposta às necessidades des-te e em conformidade com a missão da Igreja.

Para enriquecer o debate e iluminar as questões emapreço, várias intervenções se fizeram ouvir, nomeada-mente a de D. António Carrilho, presidente da Comis-são Episcopal do Laicado e Família, do teólogo JoãoDuque e dos dirigentes nacionais Alexandra Viana Lo-pes e Pedro Duarte Silva.

A voz da Fraternitas fez-se ouvir nos trabalhos de gru-po e plenários, assinalando, no entanto, a sua especifi-cidade no enquadramento eclesial: movimento de pa-dres casados dispensados do exercício do ministério.Estando presente, deu-se a conhecer, contribuindo tam-bém para a comunhão na diversidade da nossa Igreja –Corpo Místico de Cristo.

AntóniAntóniAntóniAntóniAntónio Duo Duo Duo Duo Duararararartetetetete

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vida sacerdotal, profissional, familiar, eclesial, social…A todos o pastor escutou atentamente, provocou res-postas, com a evidente intenção de conhecer-nos e, ain-da mais notório, com a satisfação de estar connosco.Confidenciou-nos os seus planos para este Ano Sacer-dotal, em que não faz visitas pastorais às paróquias, parapoder visitar grupos arciprestais de padres e leigos e comeles celebrar a corresponsabilidade.

O Pai na Fé passou a focar, de maneira clarividente,a nossa situação e relação na Igreja e com o bispo,«nem sempre serena e próxima, também as normas daIgreja por vezes são frias e distantes» – reconheceu –,mas, porque olha para mais além e quer aplicar a forçaterapêutica da Boa Nova, eleva-nos à contemplação docoração de Deus e do Seu Reino, onde somos família e«quer cada um reconciliado consigo e com o seu passa-do».

Dirige-se, seguida e preferencialmente, a parte dosouvintes para os interpelar: «Queria estar convosco, so-bretudo, com os que vivem cá». Elucida que, na dioce-se, decorre o terceiro ano em que o Plano Pastoral é depreparação para o Sínodo Diocesano, que decorreráde 2010 a 2015, para reflectir sobre o Concílio Vatica-no II, celebrando-se em 2015/2016 os 50 anos domesmo concílio. E conclui a interpelação: «Gostaria queninguém se sentisse à parte, que me ajudásseis.»

De maneira contundente, e que tem a ver com a nos-sa «condição marginal na acção pastoral» (confessada,numa entrevista do ano, pelo cardeal Tarcísio Bertone,secretário de Estado do Vaticano) a que temos sido vo-tados, reconheceu o que há de negativo e infeliz na ex-pressão «redução ao estado laical», chapa inalteradanos rescritos que a Santa Sé nos tem enviado. Toda estamarginalização porque havia o medo do “escândalo”do Povo de Deus – referiu o nosso bispo –, apontou odescabimento e corrigiu: «Hoje, o escândalo é ao con-trário, por saber que há desaproveitamento»(…), por isso,

«na prática, o que qualquer leigo bem preparado podefazer, peço que o façam e dêem sugestões os que cávivem; sois formadores muito especiais, porque prepa-rados». É de supor que o bispo de Viseu, nos seus escla-recimentos e decisões, foi até ao limite máximo da aber-tura legítima a que pode chegar um bispo na sua dioce-se.

MENSAMENSAMENSAMENSAMENSAGEM QUE FICAGEM QUE FICAGEM QUE FICAGEM QUE FICAGEM QUE FICAChegara a hora do almoço que D. Ilídio quis ofere-

cer e, no caso, bem se lhe poderia chamar almoço deNatal, porque era na época e, sobretudo, era após re-flexões que mais nos tinham aproximado do Jesus-Amor.No final, acordou-se continuar com outros encontros dereflexão, podendo o próximo ser em Maio ou Junho,tendo-se abordado alguns tópicos que poderão sinteti-zar-se: Palavra de Deus e Concílio Vaticano ll versusnormas do Direito.

Estamos em crer que, no íntimo de cada um, conti-nuou a reflexão sobre o «escândalo ao contrário», asconsequências nefastas que constatamos na Igreja e nasociedade, e maneiras de reparar tudo isto. O subscritordestas notas, porque, no dia imediato, viu necessidadede enviar um e-mail ao seu prelado, incluiu o que sesegue:

«(…) o meu profundo agradecimento ao Pai na Fédesta diocese pelo encontro e palavras amigas de aco-lhimento reconciliador e perspectivadoras de melhor fu-turo eclesial, que ontem nos proporcionou. Maravilho-so! Rezo ao Espírito Santo para que Roma se Lhe abra ealtere a disciplina em causa, não por mim, caduco, quejá não aspiro a mais, mas por alguns sacerdotes dispen-sados meus conhecidos, de competência e santidadeindubitáveis, que, readmitidos ao exercício, tanto bemproporcionariam ao faminto Povo de Deus. Julgo que ocontrário será escandalizar este mesmo Povo.»

Luís CunhaLuís CunhaLuís CunhaLuís CunhaLuís Cunha

Anne Soupa, jorna-lista, biblista e teólogafeminista católica, aca-ba de fundar, junto comoutros amigos, aConférence desBaptisé(e)s de France(Conferência de Bapti-zados/as da França).Em 2008, ela ficou conhecida mundialmente ao criar o“Comité de la Jupe” [Comitê da Saia] para contestar,até mesmo no tribunal da Igreja, uma afirmação machistado cardeal arcebispo de Paris, Andrés Vingt-Trois: «Oimportante não é ter uma saia, mas ter alguma coisa nacabeça» (6 de Novembro de 2008), que lhe pareceuindigna e reveladora do modo de pensar de um certonúmero de padres com relação às mulheres.

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“Ah, se a Igreja ouvisse melhor as mulheres’’«Houve períodos da História em que voz das mulhe-

res era muito mais ouvida. Na Idade Média, a palavrade uma Hildegarda de Bingen, de uma Angela di Foligno,teve forte repercussão. Depois, mais tarde, Teresa d’Ávila,cuja voz chegou até Roma...», afirma numa entrevista àrevista francesa Panorama, de Janeiro passado. «Todose todas temos uma parte feminina que acolhe a palavradivina, que se deixa penetrar por ela. Também temosuma parte masculina que vai à frente, que abre as por-tas. Se a parte feminina fosse mais ouvida, acho que aIgreja estaria melhor. Sem dúvidas, os homens, na Igre-ja, estariam melhor, ousariam talvez mais facilmente abriras portas ao lado feminino da sua própria espiritualida-de. E as mulheres também estariam melhor, às quais seimpõe às vezes – em particular na vida religiosa – ummodelo muito calcado sobre os homens, que nem sem-pre lhes permite realizar a sua feminilidade.»

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e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www

PÁSCOA,ESPERANÇA ESTIMULANTETTTTTal como a Primaal como a Primaal como a Primaal como a Primaal como a Primavvvvvererererera nos confa nos confa nos confa nos confa nos confirma a reirma a reirma a reirma a reirma a revitalização cíclica da Nvitalização cíclica da Nvitalização cíclica da Nvitalização cíclica da Nvitalização cíclica da Natureza, a celebratureza, a celebratureza, a celebratureza, a celebratureza, a celebração anual da Páscoa reafação anual da Páscoa reafação anual da Páscoa reafação anual da Páscoa reafação anual da Páscoa reafirma airma airma airma airma a

confconfconfconfconfiança na emeriança na emeriança na emeriança na emeriança na emergência da vida mais fgência da vida mais fgência da vida mais fgência da vida mais fgência da vida mais forororororttttte do que a more do que a more do que a more do que a more do que a morttttte. A mensagem da Re. A mensagem da Re. A mensagem da Re. A mensagem da Re. A mensagem da Ressurreição é essa utessurreição é essa utessurreição é essa utessurreição é essa utessurreição é essa utopia queopia queopia queopia queopia que

dilata a insatisfação humana até um horizontdilata a insatisfação humana até um horizontdilata a insatisfação humana até um horizontdilata a insatisfação humana até um horizontdilata a insatisfação humana até um horizonte além do vivido na Te além do vivido na Te além do vivido na Te além do vivido na Te além do vivido na Terrerrerrerrerra. Como acreditar nisso, quando tanta. Como acreditar nisso, quando tanta. Como acreditar nisso, quando tanta. Como acreditar nisso, quando tanta. Como acreditar nisso, quando tantos seos seos seos seos se

deixdeixdeixdeixdeixam inam inam inam inam invvvvvadir por uma onda de pessimismo, caindo num desânimo que asfadir por uma onda de pessimismo, caindo num desânimo que asfadir por uma onda de pessimismo, caindo num desânimo que asfadir por uma onda de pessimismo, caindo num desânimo que asfadir por uma onda de pessimismo, caindo num desânimo que asfixia as enerixia as enerixia as enerixia as enerixia as energias da confgias da confgias da confgias da confgias da confiança?iança?iança?iança?iança?

MMMMManuel Antónianuel Antónianuel Antónianuel Antónianuel António Ribeiroo Ribeiroo Ribeiroo Ribeiroo Ribeiro

Os desastres naturais e a persis-tência de uma terrível crise econó-mica, deixando milhares de famíliasdestroçadas pela praga do desem-prego e da pobreza, lembram-nos,de forma dramática, que a paixãode Cristo assume um negro realismonas imagens da morte e do sofrimen-to, regularmente actualizadas.

Celebramos a Páscoa numa al-tura em que nos confrontamos comacontecimentos de tristeza e desola-ção, sejam os que decorrem dos gri-tos de dor, no Haiti como na Madei-ra, no Chile como no Afeganistão eTurquia, sejam os que corporizam osvergonhosos casos de pedofilia eminstituições católicas, ou que mos-tram o desespero dos que foram maisvitimados pela crise financeira.

A MÃOA MÃOA MÃOA MÃOA MÃO HUMANAHUMANAHUMANAHUMANAHUMANANuns casos, a destruição saiu à

rua pela força dos elementos daNatureza, lembrando ao Homem asua condição frágil, magnificamenteretratada por Camões nos versos de«Os Lusíadas»: «Onde pode acolher-se um fraco humano /Onde terá se-gura a curta vida, /Que não se armee se indigne o céu sereno /Contraum bicho da terra tão pequeno?»

Noutros casos, as forças da mor-te foram provocadas pela crise dosistema neoliberal, assente numa ló-gica que está a sobrepor-se à pró-pria razão do homem. O aumentodas assimetrias sociais, tornando osricos cada vez mais ricos e os pobrescada vez mais pobres, é a denúnciaclara de um «progresso» que não põea pessoa humana no centro.

O messianismo secularizado, de-pois de ter visto as consequênciasdesastrosas do mito da crença noprogresso indefinidamente crescen-te, pretende agora afirmar-se atra-

pela voracidade dos media. Umolhar atento poderá testemunhar re-alidades bem luminosas a aconte-cer diariamente.

A corrente de solidariedade nasequência dos desastres ocorridos noHaiti e na Madeira revelam bem queno coração humano não estáatrofiada a bondade. Muitas maisprovas disso se verificam no anoni-mato quotidiano. O estilo de vidasimples, o espírito de partilha, a ca-pacidade de renunciar ao ter emnome da felicidade do outro e umarelação inteligentemente respeitosacom a Natureza são exemplos degestos que fazem diminuir o sofri-mento e que incrementam relaçõeshumanas mais harmoniosas. Man-da, por isso, o realismo que não po-demos minimizar a gravidade domomento presente, acreditando in-genuamente que um mundo novo

vés do mito do imperativo absolutoda revolução técnico-científica, aoserviço de um Estado omnipresentee das elites que o compõem e operenizam.

Em nome das «verdades» da ci-ência e da sacralização do lucro, vãosendo atingidos as liberdades indivi-duais e a dignidade da pessoa, aomesmo tempo que se geram perver-sões insanáveis, como a corrupçãoe as novas formas de exploração doHomem pelo Homem. Este modelode progresso, cujos benefícios derevelaram efémeros e enganadores,está agora a ser travestido na exal-tação de uma tecnologia querobotiza e serializa, mostrando comoa frieza da técnica está a impedir aeclosão de um mundo maishumanizado.

INQUIETINQUIETINQUIETINQUIETINQUIETAÇÕESAÇÕESAÇÕESAÇÕESAÇÕESOs sinais de alarme estão a reti-

nir, de forma cada vez mais preocu-pante. A violência e o empobreci-mento crescente de vastas camadaspopulacionais formam uma misturaexplosiva que dinamita a esperançano futuro.

Quando a vida da pessoa ésubalternizada em nome damaximização de bens materiais, étoda a Humanidade que se degra-da, pois a sede desenfreada de ri-quezas leva o Homem a fechar-sesobre si mesmo, atrofiando o que háde melhor em si: o amor, as relaçõesverdadeiras, a capacidade de se abriraos outros e a Deus.

SOLSOLSOLSOLSOLUÇÕESUÇÕESUÇÕESUÇÕESUÇÕESFelizmente que, ao lado das fu-

nestas notícias diariamente propa-ladas pela comunicação social, tam-bém há muitas alegrias celestes nes-ta terra, ainda que não detectáveis

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.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected]

A FIDELIDADE DE DEUS: ELE CUMPRE A SUA PALAVRA

possa nascer da desordem actual.Mas também não devemos abando-nar a esperança numa sociedademelhor, com a desculpa de que to-das as utopias falharam. As previ-sões catastróficas em relação ao fu-turo, em vez de suscitarem alertaspreventivos, vão-nos preparandopsicologicamente para aceitar ainevitabilidade da desgraça. Pelocontrário, a capacidade de encararo porvir com esperança pode trans-formar a presente crise numa bên-ção mobilizadora de energias. As so-luções a inventar não são fáceis, poisos excessos de liberalismo apelama um poder regulador, que só serálegítimo se estiver verdadeiramenteao serviço de todos, coisa que nãoestá a acontecer nos dias de hoje.

Todavia, as dificuldades tornam-se intransponíveis se deixarmos mor-rer a confiança, já que, como intuiu

Picasso, a nossa maior perda não éa morte, mas aquilo que morre emnós enquanto vivemos.

VISÃO CRISTÃVISÃO CRISTÃVISÃO CRISTÃVISÃO CRISTÃVISÃO CRISTÃ D D D D DA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAOs cristãos acreditam que conti-

nua a avançar na história o sonhode Deus sobre a Humanidade e so-bre o cosmos. Esse sonho pareceubrutalmente interrompido na cruz,mas foi aí que se manifestou verda-deiramente a força da vida para láda morte.

O acontecimento pascal aviva-nos a confiança de que a morte, quepertence ao tempo, não pode atin-gir a vida que está para além do tem-po. Não há nada de contraditório,quando os cristãos, em nome destaesperança estimulante, se compro-metem na transformação concretada sociedade, sem caírem no logrodas consolações fáceis. O Evange-

Uma reflexão de um grupo da Universidade Sénior de Castelo de Paiva, partilhada por Joaquim Soares

LLLLLeitura de Génesis (17, 1 – 27):eitura de Génesis (17, 1 – 27):eitura de Génesis (17, 1 – 27):eitura de Génesis (17, 1 – 27):eitura de Génesis (17, 1 – 27):Deus faz uma aliança com Abrão,que será pai de uma longa descen-dência e possuirá a terra que ocupacomo estrangeiro. Contra todas asexpectativas, Deus mantém a Suapalavra. Isaac será herdeiro daAbrão, que passou a chamar-seAbraão, e continuador da Aliançacom Deus. A Aliança tem um aspec-to social – a descendência numero-sa, a posse da terra; e um aspectopessoal e social – a circuncisão.

VVVVVersículo 1ersículo 1ersículo 1ersículo 1ersículo 1 – «Eu sou o Deussupremo.» Ou Omnipotente. Comos primeiros patriarcas, Deus é co-nhecido exactamente pelo poder;com o povo de Israel, Deus mani-festa a Sua fidelidade às promessas.

VVVVVersículo 3ersículo 3ersículo 3ersículo 3ersículo 3 – Abrão adorou oSenhor: «Anda na minha presençae sê perfeito», quer dizer: cumpre osMeus preceitos, as Minhas ordens.

Abrão, por indicação de Deus,passa a chamar-se Abraão: ‘ab’ sig-nifica pai, e ‘raham’ multidão. Éencarregado de uma missão. Co-meçou assim o seu ‘mandato’.

A Aliança traduz-se em descen-dência e posse da terra. A descen-

dência era necessária ao trabalho depastores, à sobrevivência da tribo; aterra era indispensável às pastagens– a riqueza da família, a força e adefesa da tribo.

VVVVVersículo 14ersículo 14ersículo 14ersículo 14ersículo 14 – A circuncisão erauma cerimónia praticada nos primei-ros oito dias da vida do menino. Sa-dismo do sofrimento? Marca a en-trada na vida que é sofrimento?

O sexo feminino era excluído des-te rito. Porquê? Uma excepção? Ig-norância do aparelho genital? Oaparelho sexual da mulher é interiorao corpo?

A circuncisão, rito exterior, simbo-liza a outra, a interior, do coração.

VVVVVersículos 15 a 21 ersículos 15 a 21 ersículos 15 a 21 ersículos 15 a 21 ersículos 15 a 21 – Sara signifi-ca princesa. Deus altera-lhe o nomepelo mesmo motivo da alteração aonome do marido? Deus tira as dúvi-das a Abraão: de facto Sara geraráum filho – Isaac – o herdeiro das pro-messas divinas.

«…Deus desapareceu de junto deAbraão» – realizada a missão, Deusremete-se ao silêncio.

Quererá Abraão mudar o cursoda vida, transformar o nomadismoem que até agora têm vivido? Recor-

rerá a uma subtileza: é vontade deDeus? Assim, pela posse da terra,torna-se uma tribo sedentária...

Há depois o problema da suces-são. Abraão reconhece que Sara estáde idade avançada. Entretanto exis-te Isaac. Intervenção de Deus? Sim.O que se passa é obra de Deus, nãoé obra de homens. A terra, o filho,são frutos da iniciativa de Deus.

É preciso defender a Fé no Deusúnico, preservar a Fé numa socieda-de rodeada por povos politeístas. Porisso, impôs-se a circuncisão, queimplica a adesão pessoal, individu-al, da pessoa a Deus e à Lei. É umaidentificação – o incircunciso seriaerradicado dentre o povo.

A mulher não e circuncidada,porque são um só pelo casamento(cfcfcfcfcf. Gn 2, 24. Gn 2, 24. Gn 2, 24. Gn 2, 24. Gn 2, 24)? Transmite-se a ideiade que a mulher é companheira pri-vilegiada do homem (ideia retoma-da de Gn 1, 27Gn 1, 27Gn 1, 27Gn 1, 27Gn 1, 27)?

Este casal em idade avançadanão desiste do que lhes é mais caro.E Deus acompanha-os, alimenta osonho. Superam a crise. Isaac con-firma-lhes a bênção de Deus. Osseus esforços tiveram resposta.

lho não leva a desviar o olhar doslados terríveis da vida, mas faz vernela uma luz capaz de ver para láda espessa escuridão. Quando aco-lhemos o projecto de Deus, somoscapazes de fazer o impossível paraque outras pessoas encontrem ale-gria de viver.

A verdadeira obra de arte, aque-la que faz reanimar em nós a vidaque nem a morte pode dissolver,constrói os seus alicerces no interiordo coração, porque é aí que germi-nam as verdades nãopercepcionáveis pela inteligênciaanalítica. Como nos adverte BentoXVI, na conclusão da sua mensagemquaresmal, só o coração pode aco-lher a justiça “maior” do Amor, essarespiração pneumática que leva ohomem a sentir-se “mais devedor doque credor, porque recebeu mais doque aquilo que poderia esperar”.

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Cinquenta anos alerta para servir com dedicação

O padre Afonso Ribeiro foi o meu herói, em peque-nino. Queria ser como ele. Não consegui. Os seminári-os de Gavião, Alcains, Marvão e Portalegre foram luga-res de encontro, formação, fé, amizades e cultura. Comos saudosos Eusébio e Tomás Farinha, subi ao altar, a12 de Julho de 1959: instante maravilha, rosa que ama-nhece, ideia que brilha e floresce.

Fui secretário particular desse grande homem e bis-po, D. Agostinho de Moura. Era um amigo e um apeloconstante de Deus.

Em 1960, começou a minha saga com os jovens, nocolégio diocesano de Santo António. Em 1965, fui no-meado director. Rompemos com velhas tradições, in-troduzimos a coeducação e a participação de todos naresponsabilidade. Nasceram amizades, desenvolveram-se segredos, brilhou o diálogo espontâneo e descobriu-se a beleza da comunidade educativa.

Simultaneamente, vivi a aventura do escutismo. Fre-quentei campos de formação em Braga, França e Ingla-terra. Como assistente diocesano, ajudei alancar os agru-pamentos de Portalegre, Castelo Branco, Abrantes,Alpalhão, Gavião, Ponde de Sor, Tramagal, Mouriscas,Mação, Sertã, Proença-a-Nova, Alcaisn e Idanha-a-Nova. Já assistente-geral dos exploradores, realizámos,em Portalegre, o XII Acampamento Nacional.

Embrenhei-me também, a fundo, no movimento dosCursos de cristandade, dinamizando algumas dezenasnas dioceses de Lamego, Aveiro e Faro.

Quando em 1972 me dirigi a Segóvia, para frequen-tar um Curso de Diálogo, estava longe de pensar noimpacto que iria ter na minha vida. O Movimento porum Mundo Melhor procura a renovação das comunida-des, a partir da base e de uma educação personalizadae humanista. Já integrado na equipa nacional, animeicentenas de cursos por todo o país.

Há um tempo para tudoHá um tempo para tudoHá um tempo para tudoHá um tempo para tudoHá um tempo para tudoEm 1974, fui para Madrid frequentar o Instituto de

Pastoral da Pontifícia Universidade de Salamanca, ondeme licenciei, apresentando uma tese sobre «Adolescen-tes – caminho para uma educação libertadora».

Já em Lisboa, licenciei-me em História, na Universi-dade Clássica, e em Ciências Literárias, na Universida-de Nova. E continuei a aventura da educação na forma-ção de professores e na gestão das escolas, como presi-dente do Conselho Directivo da Escola Secundária deSanta Maria, em Sintra, e director executivo da Ferreirade Castro, em Mem Martins. Procurei ajudar a construiruma escola viva e solidária, em que se partilhavam ri-quezas, alegrias e dores, esperanças e amores, porqueos jovens sentiam a aventura diária das aulas, visitas edos projectos, e viva e solidária porque os professores epais tinham o seu lugar determinante.

Em 1999, com os meus irmãos José e António e al-guns amigos (Guilhermina, Augusto e Gina), a prestimosaajuda do presidente, Joaquim Morão, e da populaçãolocal, lançamo-nos na grande aventura da construçãode um Lar, na nossa terra, Lardosa. Depois de grandeslutas e sacrifícios, inaugurámos-lo em Novembro de2004, para gáudio e tranquilidade dos nossos idosos.

E agora talvez possa dizer, com verdade, que deixeialgumas marcas nas areias do tempo. Plantei árvores,escrevi livros e tenho dois filhos admiráveis: Manuel Luíse Inês Maria, e uma esposa, Maria de Fátima (Fatinha),afável, generosa e carregada de humanidade.

E vou continuar a fazer, fazer melhor, «não atacando,não odiando, mas amando». MMMMManuel Duanuel Duanuel Duanuel Duanuel Duarararararte Luíste Luíste Luíste Luíste Luís

A luz que brilha, em girândolas de fulgor.O rosto de um homem, que percorreu caminhos,

Os mais variados, de Lardosa à Montanha Sagrada

Na defesa do celibato obrigatório, a Igreja, além de1Cor 7, escuda-se também em Mt 19, onde os discípu-los, face a tantas exigências na vivência matrimonial,concluem que, então o melhor é não se casar. Jesusresponde-lhes que isso é só para eunucos. E também norelato do jovem rico, no mesmo capítulo de Mateus, con-cluído com uma pergunta de Pedro «Nós deixámos tudoe seguimos-Te, qual será a nossa recompensa?», res-ponde: «… sentar-vos-eis em doze tronos… E todo aqueleque tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mu-lher, filhos ou terras…»

SABER LER E INTERPRETSABER LER E INTERPRETSABER LER E INTERPRETSABER LER E INTERPRETSABER LER E INTERPRETARARARARARComo interpretar tudo isto? Com certeza que, à se-

melhança do que se diz sobre o cortar a mão ou pé earrancar o olho, se eles forem ocasião de pecado ouescândalo (Mc 9, 42-50), também aquelas passagensnão devem ser tomadas à letra, com fundamentalismo.Trata-se do estilo oriental hiperbólico, mediante o qualse tenta inculcar no ouvinte ou leitor a mensagem: evitaro mal, o pecado, o escândalo, mesmo com sacrifícios.

Foi assim que o entenderam os Apóstolos, como sededuz da forma como vivenciaram estas mensagens, nassuas vidas. Caso contrário, Pedro, já ordenado, teria de,pelo menos, ter cortado a língua com a qual renegou

Celibato e Matrimónio

A Fatinha faleceu no dia 28 de Setembro de 2009,vítima de cancro da mama. Suportou heroicamente adoença, durante sete anos.

Era uma mãe extremosa, amando e servindo os seusdois maravilhosos filhos, o Manuel e a Inês.

Era uma esposa solícita, a minha alma gémea, atentaà minha missão de padre-professor. Para quê o celiba-to com uma mulher assim?

Era linda, generosa e carregada de humanidade.Estará, para sempre, no coração dos seus familiares

e amigos.

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«O sacerdócio nunca foi um ónus»

Os últimos grãos de areia da minha ampulheta vão-me lembrando que estou quase a ter 91 anos de idade,com a gratíssima recordação de que o nosso saudoso esempre querido P.e Filipe de Figueiredo foi comigo queteve uma das primeiras conversas sobre o sonho-projec-to da nossa Fraternitas. Já colaborava com ele, aindano exercício da sagrada ordem do Sacerdócio, e conti-nuou a mobilizar-me depois que pedi – e rapidamenteme foi concedida – a «recondução ao estado laical».

Recusei-me, então, a assinar o pedido de «dispensade ónus sacerdotal», como era da praxe, porque o sa-cerdócio nunca foi para mim um ónus, mas uma mis-são. E em missão me mantive, por opção, como leigoque voltei a ser, embora – e como ainda recentementese sublinhou em Jornadas sobre o Laicado – apesar dospronunciamentos e documentos conciliares tanto subli-nhassem a natureza do laicado e a missão dos leigos naIgreja, a verdade – e triste realidade – é que o laicadoestá por ganhar completa verdade.

Servi a Igreja, não hierarquia mas povo de Deus, emdoação total durante 30 anos, “pontificando” e olhan-do do supedânio, como então ainda dos púlpitos, paraa nave. E, depois, passei a olhar a Igreja, até agora,mas anonimamente entre o povo da nave, olhando parao altar… E em que condições? As mesmas de qualquercristão anónimo. Apenas por graça da Fé.

Contudo, nunca me deixei de sentir em missão – enas mais diferente frentes – ao serviço da mesma sagra-da causa, e com não menos generosidade e variedadede sectores de trabalho do que antes.

Com uma particularidade que foi para mim a maiorbênção: antes, era eu só; agora é toda a minha comu-

nidade familiar – esposa e três filhos – e todos eles jácom as respectivas esposas, ao serviço da sagrada cau-sa, e nos mais diversos meios de acção e missão.

Alegra-me, por isso, a grata notícia que recortei dosjornais acerca do convite do bispo de Viseu, D. IlídioLeandro, para um encontro com os sacerdotes da dio-cese que pediram dispensa das ordens sacras. É que,tendo predominado – e em muito – a condição e carizde uma Igreja de poder, saber e de ter, é mais do quehora para se testemunhar a Igreja do ser: mais de ir-mãos, e menos de senhores e de súbditos.

Não admira, por isso, que o santo João Paulo II jásubscrevesse: um dia para se encontrarem «homens bons»teriam de se buscar entre muitos que «até já não pisamo adro das igrejas». Ou mesmo entre muitos que, dizen-do-se das mais estranhas filosofias, crenças e culturas,«são cristãos que se ignoram», como os qualificou JeanGuitton.

Tem sido, no leque variado das minhas múltiplas fren-tes de trabalho e de missão, também minha esta surpre-sa e graça: quanta gente boa e de bem, e sem outrorótulo significativo senão só o de «fazer o bem», como obom samaritano!...

Ao esgotar-se a última areia da minha ampulheta,aos 91 anos, deixai-me que vos confidencie este meutestemunho leal, amigo e fraterno. É como se fosse aminha mensagem para o feliz e abençoado retiro, reali-zado em Fátima, mas a que as minhas dificuldades dedeslocação impedem de participar.

De longe – mas com o coração muito perto de vós –vos saúdo a todos, bem como a Maria Cristina, estaabençoada samaritana que Deus me fez encontrar navida há já 60 anos, e que tem sido, tanto ela como osmeus filhos, a minha força para continuar a servir até aofim. São tantos os trabalhos que ainda tenho em mãos…

E uma surpresa: nas Misericórdias, deram o meunome a um Centro de Documentação, Informação eEstudos. MMMMManuel Ferreira da Silanuel Ferreira da Silanuel Ferreira da Silanuel Ferreira da Silanuel Ferreira da Silvvvvvaaaaa

DEDICADO a vósMaria Cristina,

Pedro Miguel, Francisco João e José António,de quem Deus fez, para felicidade minha,

e na tarde da minha vida,uma abençoada alvorada do Céu

Jesus, etc. Sabemos que não o fez e, mesmo assim, foiperdoado por Jesus.

E deixaram os Apóstolos as mulheres esposas? Não.Jesus curou a sogra de Pedro, já apóstolo seguidor deJesus (Mt 8,14): «E ela, levantando-se, pôs-se a servi-los.» Então Pedro era casado!

O PO PO PO PO PARECER DE SARECER DE SARECER DE SARECER DE SARECER DE S. P. P. P. P. PAAAAAULULULULULOOOOOPaulo, em 1Cor 8 e 9, faz idêntico percurso, ao pro-

por a virgindade como forma mais excelente (?) de vida,mas mostrando que depois, na vida real, ela é quaseimpossível. Nem outra coisa seria de esperar, pois, aprimeira comunicação bíblica de Deus com o Homem éa explicitação de algo que está gravado na própria na-tureza da criatura: «Abençoando-os, Deus disse-lhes:“Crescei e multiplicai-vos. (Gn1,28). Não os amaldiçoou

nem considerou o sexo como fonte de pecado e de todoo mal como, tantas vezes, homens da hierarquia da Igrejapensam e fazem, porque impregnados de ideiasmaniqueístas e quejandas! Pelo contrário, «Deus, vendotoda a sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1, 31).

Mas voltemos a 1Cor, capítulos indicados. Depoisde falar de forma tão apaixonada sobre a virgindade,não é o mesmo Paulo que, traduzido por Ambrósio, diz:«Numquid non habemus potestatem mulierem sororemcircumducendi sicut et caeteri Apostoli, et fratres Dominiet Cephas? Aut ego solus, et Barnabas, non habemuspotestatem hoc operandi?» [«Não temos o direito de le-var connosco, nas viagens, uma mulher cristã, como osrestantes Apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas? Ousó eu e Barnabé é que não temos o direito de proceder

(continua na última página)

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VIDVIDVIDVIDVIDA A A A A FRFRFRFRFRAAAAATERNITTERNITTERNITTERNITTERNITAAAAASSSSS

desse modo?»] É, pois evidente, que, de tal forma Pauloafirma que os Apóstolos eram casados com uma mu-lher irmã-cristã, que até salienta – na sua perspectiva devirgindade – um certo escândalo para si por não só al-guns apóstolos, mas até os irmãos do Senhor (Tiago eJoão?) e próprio Pedro serem e viverem casados.

E é como se dissesse mais: eu, sendo apóstolo, senão sou casado é porque não quero. Nada mo proibia.Só que tenho tendência para ser eunuco, talvez devidoà minha formação rabínica. Quem sabe se não seriaeste o espinho, o anjo de Satanás, que atormentava avida de Paulo!

USO DUSO DUSO DUSO DUSO DA IGREJAA IGREJAA IGREJAA IGREJAA IGREJANo compêndio, com todas as aprovações canónicas

e adoptado pelo Seminário de Coimbra nos finais dadécada de 1960, por onde estudámos a Primeira Cartaaos Coríntios, os autores, talvez libertos um pouco já,pelo Concílio, das camisas de força hermenêuticas an-teriores, interpretam do seguinte modo: «4-6 … Unamujer hermana: una cristiana. Mujer…: puede tomarseen sentido próprio de esposa o de mujer en general. Enel contexto cuadra mejor el primer sentido. Paulo podriahaberse casado y llevar consigo su mujer…» (LEAL, Juane outros, La Sagrada Escritura, Nuevo testamento IIHechos de los Apóstoles y Cartas de S. Paulo, p. 405,segunda edicion, B.A.C. Madrid 1965).

E o que dizer do facto de Paulo afirmar, não só em1Tm 3 mas também em Tt 1, que entre as qualidadesexigidas ao bispo, ao presbítero e ao diácono, é impor-tante que eles sejam homens de uma só esposa (uniusuxoris virum), «pois se alguém não sabe governar a suacasa, como cuidará da Igreja de Deus?»…

Celibato e Matrimónio (continuação)Celibato e Matrimónio (continuação)Celibato e Matrimónio (continuação)Celibato e Matrimónio (continuação)Celibato e Matrimónio (continuação)

Dia 3 de Dezembro:Dia 3 de Dezembro:Dia 3 de Dezembro:Dia 3 de Dezembro:Dia 3 de Dezembro: 13.º aniversário de EncontrosVivenciais (Autoconhecimento, Sacramentos e Bem-Aventuranças) na casa de Cristo Martins (Mem Martins);

dia 14:dia 14:dia 14:dia 14:dia 14: «Continuamos em diálogo sincero e leal como bispo de Angra. Os documentos para a dispensa che-garão no próximo ano. Iniciarei Mestrado em CiênciasSociais.» F.J.S.M., não sócio dos Açores.

Dia 2 de Janeiro:Dia 2 de Janeiro:Dia 2 de Janeiro:Dia 2 de Janeiro:Dia 2 de Janeiro: Maria de Lurdes Branco (esposade António J. Branco, de Chaves), fez já 8 operações;

dia 6:dia 6:dia 6:dia 6:dia 6: Primeiro contacto de João Tavares, deCarvalhais e residente no Brasil. Padre (comboniano)dispensado e membro do MPC, congénere à nossa as-sociação. Contacto: [email protected];

dia 10:dia 10:dia 10:dia 10:dia 10: António M.M. de Sousa colocou pacemaker;dia 11: dia 11: dia 11: dia 11: dia 11: José Alves Rodrigues e São continuam como

soureiro e presidente da APN (As. Port. DoentesNeuromusculares); Manuel Sousa Gonçalves (Bagunte/V. do Conde) e Armando Marques da Silva referem omal-estar por causa da maleitas na próstata.

Dia 3 de FDia 3 de FDia 3 de FDia 3 de FDia 3 de Fevereiro:evereiro:evereiro:evereiro:evereiro: o filho de Lúcio e Bárbara Sousa(Cuba/Alentejo), Nuno, ordenado em 28.06.09, é pá-roco em Mora;

dia 4:dia 4:dia 4:dia 4:dia 4: faleceu o pai da Maria J. Bijóias, sogro doFernando Félix (Massamá), após doença prolongada;

dia 6dia 6dia 6dia 6dia 6: faleceu o pai de António R. Amaral Pinto (Cruz

fernando nefernando nefernando nefernando nefernando nevesvesvesvesves

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l.comde Bouças/Cinfães), vítima de cancro nos intestinos. O

Amaral está no último ano do estágio profissional, noMestrado em Filosofia;

dia 20:dia 20:dia 20:dia 20:dia 20: Manuel Paiva (Oliveira de Azeméis) dá con-ta da bênção e inauguração de um espaço solidáriocom o nome do pároco local, para fornecer refeiçõesaos pobres e àqueles que, por desemprego, sofrem pe-núrias. Faz parte da direcção do Centro Social Paro-quial que promove a iniciativa. (…) E lançou um livro,cuja receita reverte para estas obras paroquiais;

dia 22:dia 22:dia 22:dia 22:dia 22: operação do Vasco (Porto) a um aneurismana aorta, por cataterismo. Correu bem e a convales-cença aconteceu em toda a Quaresma;

dia 25:dia 25:dia 25:dia 25:dia 25: O presidente , Serafim Sousa, visitou o P.e

Guilhermino Saldanha em Chaves, onde se encontrano Hotel Geriátrico. «O estado dele é muito melhor.Come por sua mão (esquerda ). Quando nos viu (...)fez um sorriso de orelha a orelha (...). Ainda não fala.»

Dia 1 de Março:Dia 1 de Março:Dia 1 de Março:Dia 1 de Março:Dia 1 de Março: Ana Vaz T. B. da Silva, da Junqueira(V. do Conde) comunicou que está viúva desde 8 deAgosto. Manuel Baptista da Silva foi vítima de AVC;

dia 2: dia 2: dia 2: dia 2: dia 2: um postal de D. Serafim Ferreira e Silva (Fá-tima) – «Rezo por vós. Talvez nos encontremos em Abril»;

dia 9:dia 9:dia 9:dia 9:dia 9: José Sampaio Ferreira (Lisboa) continua coma ventilação/oxigenação 16 a 18 horas diárias;

dia 24:dia 24:dia 24:dia 24:dia 24: Francisco Monteiro (Lisboa) tem andado comproblemas de saúde e pede orações.

O celibato é uma instituição humana não intrínsecae obrigatoriamente ligado àquele ministério, como seviu pelas citações feitas da Palavra de Deus.

É que não se trata de um preceito divino como o«Crescei e multiplicai-vos», mas tão-somente de um doschamados “conselhos evangélicos”, que Jesus procla-mou para todo e qualquer discípulo Seu, à semelhançadas Bem-Aventuranças.

Face a carestia da Eucaristia, que a Igreja tinha porobrigação proporcionar a todo o Povo de Deus, nãoserá isto um pecado contra o Espírito Santo? Não seráreger-se por regras humanas, que nem sempre foramassim, e tantos distúrbios e escândalos têm causado aosfiéis, como ultimamente se tem visto? Como se podeconsiderar pecado actos ou situações de vida que, se-gundo cremos, na perspectiva de Deus e de Jesus, nun-ca o foram nem nunca o serão: o amor e a família? Sóse for pelo comportamento farisaico da exterioridade,tão exorcizado por Jesus.

E QUE QUE QUE QUE QUANTANTANTANTANTO AO AO AO AO AO “DEIXÁMOS TUDOO “DEIXÁMOS TUDOO “DEIXÁMOS TUDOO “DEIXÁMOS TUDOO “DEIXÁMOS TUDO”?”?”?”?”?Também não será de levar tanto à letra. Não é ver-

dade que eles continuavam com barcos disponíveis e aexercer a profissão de pescadores, mesmo após orde-nados, e depois da Ressurreição de Jesus?

Além das diversas referências aos barcos de traves-sia, com ou sem mar encapelado, não o prova, segun-do Jo 21, a aparição de Jesus Ressuscitado nas mar-gens do Lago Tiberíades, após uma noite infrutífera depesca para Pedro e companheiros, com a bênção deuma rede a abarrotar de tanto peixe que quase se ras-gava, numa segunda tentativa, às ordens do Mestre, quefoi necessário chamar os outros barcos?