Estado, Religião e Constituição - Adriano

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Estado, religião e Constituição: a laicidade estatal e a liberdade religiosa nos tempos da Constituição Cidadã Adriano Rodrigues de Oliveira Historicamente, a relação entre religião, Estado e sociedade sempre foi caracterizada por tensões e conflitos. Em tempos onde não se encontrava uma clara divisão entre administração pública e privada, sobretudo na idade média, a religião era o principal ordenador da vida social. Não há somente a questão do poder da religião dentro das relações políticas e sociais, mas também conflitos entre religiões e entre diferentes segmentos religiosos que procuram, dentro do jogo do poder, afirmar seu protagonismo. Uma série de episódios históricos podem ser aqui resgatados para ilustrarem o nível de extremismo que um conflito entre religiões pode alcançar, e eles ocorrem em todos os momentos da história humana, seja na era medieval, moderna ou contemporânea. Protestantes foram perseguidos por católicos na Europa no século XVI, sendo pertinente aqui citar como exemplo o massacre da noite de são Bartolomeu, ocorrido na França, onde milhares de huguenotes (protestante) foram brutalmente assassinados pela coroa francesa. Outro exemplo que não pode deixar de ser citado é o holocausto nazista na primeira metade do século XX, que trata-se de um genocídio no qual mais de um milhão de judeus foram assassinados pelo governo de Adolf Hitler sob uma ideologia racista e anti-semita. O que é há em comum nesses episódios e que é interessante destacar é o fato de que essas perseguições religiosas, violentas e de grande impacto histórico, foram de autoria de líderes de Estado. Assim, pode-se notar que a ação de um determinado Estado pode ser orientada por uma ideologia religiosa ou de ódio a uma ou mais religiões, e pode ter como conseqüência conflitos violentos altamente prejudiciais a humanidade. Nesse sentido, o que vem a ser destacado é o papel do governante, sua relação com as religiões e as conseqüências para a sociedade. Uma orientação religiosa em meio ao governo de um Estado pode definir as políticas públicas, as leis e,

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  • Estado, religio e Constituio: a laicidade estatal e a liberdade religiosa nos

    tempos da Constituio Cidad

    Adriano Rodrigues de Oliveira

    Historicamente, a relao entre religio, Estado e sociedade sempre foi

    caracterizada por tenses e conflitos. Em tempos onde no se encontrava uma clara

    diviso entre administrao pblica e privada, sobretudo na idade mdia, a religio era

    o principal ordenador da vida social. No h somente a questo do poder da religio

    dentro das relaes polticas e sociais, mas tambm conflitos entre religies e entre

    diferentes segmentos religiosos que procuram, dentro do jogo do poder, afirmar seu

    protagonismo.

    Uma srie de episdios histricos podem ser aqui resgatados para ilustrarem o

    nvel de extremismo que um conflito entre religies pode alcanar, e eles ocorrem em

    todos os momentos da histria humana, seja na era medieval, moderna ou

    contempornea. Protestantes foram perseguidos por catlicos na Europa no sculo

    XVI, sendo pertinente aqui citar como exemplo o massacre da noite de so

    Bartolomeu, ocorrido na Frana, onde milhares de huguenotes (protestante) foram

    brutalmente assassinados pela coroa francesa. Outro exemplo que no pode deixar de

    ser citado o holocausto nazista na primeira metade do sculo XX, que trata-se de um

    genocdio no qual mais de um milho de judeus foram assassinados pelo governo de

    Adolf Hitler sob uma ideologia racista e anti-semita.

    O que h em comum nesses episdios e que interessante destacar o fato de

    que essas perseguies religiosas, violentas e de grande impacto histrico, foram de

    autoria de lderes de Estado. Assim, pode-se notar que a ao de um determinado

    Estado pode ser orientada por uma ideologia religiosa ou de dio a uma ou mais

    religies, e pode ter como conseqncia conflitos violentos altamente prejudiciais a

    humanidade.

    Nesse sentido, o que vem a ser destacado o papel do governante, sua relao

    com as religies e as conseqncias para a sociedade. Uma orientao religiosa em

    meio ao governo de um Estado pode definir as polticas pblicas, as leis e,

  • conseqentemente, afetar a vida das pessoas. Essa presena religiosa normalmente

    est ligada historia de um pas e seus costumes.

    No caso brasileiro, onde notria a presena da religio catlica e do

    cristianismo em geral, isso ocorre pelo fato de termos sido colonizados por um pas

    europeu de forte identidade catlica, Portugal, que trouxe consigo o cristianismo e sua

    disseminao nas terras sul americanas. O mesmo pode-se dizer em relao Espanha

    e os demais pases da Amrica Latina.

    Contudo, vivemos num tempo de grande diversidade cultural e, apesar da

    predominncia do cristianismo, tambm h diversidade religiosa. Assim, o Estado deve

    assumir uma posio diante deste contexto.

    Diante desta inegvel influncia que a religio exerce sobre a cultura, a moral e

    os costumes de uma sociedade, como fazer com que o Estado seja capaz de exercer

    suas funes de garantia do bem estar pblico sem que seja influenciado por uma ou

    outra religio? Essa questo pode ser discutida a partir da leitura do artigo 19 da

    Constituio Federal de 1988:

    Art. 19. vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios:

    I estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaes de dependncia ou aliana, ressalvada, na forma da lei, a colaborao de interesse pblico.

    (...)

    III criar distines entre brasileiros ou preferncias entre si.

    Este o dispositivo constitucional brasileiro que garante a laicidade do Estado.

    Pode-se observar que, segundo a lei, no permitida a aliana ou dependncia da

    Unio, estados ou municpios a instituies religiosas. Assim, pode-se notar que h

    norma formal de no interferncia religiosa no Estado brasileiro.

    Porm, voltando a considerar a diversidade religiosa e cultural do pas, h

    tambm a questo do reconhecimento e respeito s diversas formas de crena

    presentes no territrio nacional. O Estado brasileiro reconhece essa diversidade?

    Como? Vamos reproduzir o dispositivo constitucional que trata desta questo:

  • Art. 5 (...)

    VI - inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o livre exerccio dos

    cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de culto e a suas liturgias;

    Podemos notar aqui que h outro dispositivo constitucional que garante a livre

    prtica religiosa de todos os segmentos no territrio nacional, no podendo esta

    liberdade ser violada, uma vez que faz parte dos direitos e garantias fundamentais da

    Constituio Federal de 1988.

    Contudo, mesmo com as garantias constitucionais de no interferncia religiosa

    no Estado e de liberdade de culto a qualquer religio, a influncia da religio ainda

    presente no que se refere a ao de alguns governantes. Isso se faz claro se

    observarmos a atuao de certos atores polticos que se articulam para fazer polticas

    orientadas pela moral religiosa. Observa-se a o interesse ligado religio exercendo

    influncia sobre o Estado, atravs de determinados atores polticos oriundos de

    segmentos religiosos de grande influncia no pas.

    Neste ponto cabe destacar a importncia da ao do governante e,

    principalmente, o que orienta suas aes. Uma vez que uma determinada religio

    corresponde s idias e interesses de um determinado grupo de pessoas, este

    conjunto de valores e idias no pode servir como instrumento para o bem estar da

    sociedade como um todo, pois esta caracterizada por uma grande diversidade

    cultural e religiosa. Neste sentido, de interesse coletivo a busca pela formao de um

    quadro governamental que se oriente pela eficincia da gesto pblica e pelo

    compromisso com a garantia do bem estar pblico.