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ESTRATÉGIAS PARA EVITAR O MAL-ESTAR DOCENTE: ABERTURA DE

UM ESPAÇO DE ESCUTA EM UMA ESCOLA DA REDE PÚBLICA DE ENSINO

Ilza de Andrade Nunes (PDE) 1

José Aparecido Celório (UEM) 2

RESUMO

O mal-estar docente é um assunto muito discutido dentro da área da educação. Muitos são os problemas enfrentados pelos professores e estes, por sua vez, acaba acarretando em problemas de saúde física e emocional. Percebeu-se, com essa realidade, que o professor não tem um espaço na escola para falar das situações que o afligem. Diante disso, elaborou-se um estudo com o objetivo de oferecer aos professores pertencentes ao Colégio Monteiro Lobato, em Colorado-Pr, um espaço de escuta que os levassem à reflexão sobre as várias faces do seu mal-estar e o que pode ser feito para amenizá-lo. Os pressupostos teóricos-metodológicos foram baseados na pesquisa bibliográfica sobre o tema e na realização de um espaço onde os professores falaram sobre mal-estar. Após a revisão de literatura e implementação pedagógica no Colégio analisado percebeu-se que os professores necessitavam de um espaço para refletirem sobre sua vida profissional, seu sentimento em relação a educação e evolução de sua carreira. Com os estudos científicos sobre o tema mal-estar docente, estes profissionais, refletiram também, sobre as possíveis causas que levam a esse mal, destacando-se a falta de estrutura do sistema de ensino, indisciplina escolar, salas de aula superlotadas e famílias que transferem para a escola toda responsabilidade da “educação”. Enfim, a chave do mal-estar docente está na desvalorização da escola, do professor e do aluno.

Palavras-chave: Educação. Professor. Mal-estar docente.

INTRODUÇÃO

1 Formada em Pedagogia Plena pela UNOESTE, Pós Graduada em Educação Especial pela CESULON. Professora Pedagoda da Rede Estadual de Ensino Público do Paraná.

2 Professor de História da UEM, Doutorando pela Universidade Federal de Pelotas RS.

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O mal-estar docente está entre os assuntos de maior pertinência no campo da

educação, sobretudo quando se fala das relações interpessoais no ambiente

escolar. Em razão de ser um problema multifacetado, é impossível, neste artigo,

fazermos uma análise dos principais problemas enfrentados pelas escolas, pelos

alunos e pelos professores. As mutações que a escola e seus atores vêm sofrendo

nas últimas décadas, sobretudo com os rápidos avanços tecnológicos, estão entre

os fatores mais desafiadores para a educação contemporânea. Por um lado, temos

alunos com acesso à tecnologia, que em muitos casos possuem mais informação

que o professor; por outro, temos crianças vivendo em condições sociais e

econômicas muito precárias, que tornam a escola, além de um espaço de

aprendizado, um local onde essas crianças poderão ter alguma chance de um futuro

melhor.

Situações semelhantes fazem parte da realidade do Colégio Estadual

Monteiro Lobato, na cidade de Colorado. Entre as queixas estão o considerável

número de alunos matriculados por turma, gerando salas superlotadas, a indisciplina

do corpo discente e a extensa jornada de trabalho. Os professores sentem-se

sobrecarregados e desgastados, prejudicando sua saúde física e emocional,

caracterizando-se como um mal-estar docente. Também cabe ressaltar que muitos

alunos se encontram insatisfeitos com a metodologia de alguns professores e se

queixam das aulas cansativas, escassamente atrativas e com conteúdos que dizem

pouco da realidade em que eles vivem. Nesse sentido, é oportuno referir que o mal-

estar docente também se mescla com um mal-estar discente, e, por conseguinte, um

mal-estar na educação e na escola.

Diante dessa realidade, notamos que as escolas não possuem um espaço

oficial para que os professores possam falar das situações que os deixam mais

sensibilizados. Geralmente, o “desabafo” ocorre com o colega mais próximo ou em

casa com algum familiar. Se a escola é o local onde sentimentos de incapacidade e

de desolação se manifestam, então, seria esse espaço onde os professores

poderiam conversar e expor aquilo que mais lhes incomoda. Não estamos falando

de um espaço de tratamento psicológico, mas de momentos nos quais um professor

possa ser escutado por outro; de um momento onde eles possam falar não só de

suas angústias, medos e dificuldades, mas também de ideias que provoquem

mudanças.

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Após discorrermos brevemente sobre o mal-estar docente e comentar sobre

alguns dos fatores que estão na sua base, direcionamos o principal objetivo no

sentido de organizar um espaço de escuta, onde os professores pudessem

conversar entre si sobre as suas queixas e esperanças em relação à educação e à

escola. Iniciamos o trabalho a partir das narrativas de vida dos participantes,

procurando ressaltar as relações entre formação e prática profissional. Na

sequência, fizemos uma série de estudos relacionados com a educação e com a

escola, sempre entremeados com as histórias de vida dos participantes da pesquisa.

Nossa intenção foi a de encontrar algumas razões que levaram muitos colegas ao

estado de mal-estar e buscar alternativas para que a escola volte a ser um espaço

de trabalho e convivência.

De acordo com Nóvoa (2007), ao longo das últimas décadas, os especialistas

da educação estudam os fatores aleatórios e imprevisíveis do ato educativo na

tentativa de corrigir as práticas do cotidiano pedagógico que atrapalham o trabalho

escolar. Atualmente, não é possível associar a vida escolar às dimensões racionais,

principalmente porque grande parte dos alunos encara a educação como um valor

essencial, porém rejeita a ideia de dedicação ao processo educativo e às atividades

acadêmicas (NÓVOA, 2007). Segundo o autor, a prática pedagógica passa por

processo evolutivo que vai da procura das características de um “bom” professor,

passa pela tentativa de encontrar o melhor método de ensino e vai até a importância

do processo ensino-aprendizagem real da sala de aula. A crise de identidade dos

professores não está alheia a esses aspectos.

Segundo Esteve (1989), os professores enfrentam mudanças sociais que os

obrigam a fazer mal seu trabalho. Isso acarreta em críticas constantes e a sociedade

os responsabiliza pelas falhas do sistema de ensino. As mudanças educacionais

aliadas às transformações sociais remodelam os processos pedagógicos, ampliando

os “papéis”’ destinados ao professor e provocando mudanças na profissão docente,

o que se refletirá nas suas condições de trabalho. De acordo com Silva (apud

Gasparini et al., 2005, p. 191).

Até os anos de 1960, a maior parte dos professores gozavam de uma relativa segurança material de emprego estável e de um certo prestígio social, já a partir dos anos de 1970, a expansão das demandas da

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população por proteção social provocou o crescimento do funcionalismo e dos serviços públicos gratuitos, entre eles a educação.

A crise na educação desde o pós-guerra influenciou a identidade do eu

profissional e o eu pessoal do professor. O papel da escola no processo de

(re)produção social e cultural tem se alterado na sociedade atual.

Reduzidos às suas competências técnicas e profissionais, ameaçados por utopias que os pretendiam substituir por máquinas ou sistemas não humanos de educação, esvaziados de uma formação própria da dimensão pessoal da sua profissão... os professores têm passado por momentos difíceis nos últimos vinte anos (NÓVOA, 2007, p. 15).

Os professores foram sendo colocados no centro dos debates investigativos

da educação e estes, por sua vez, têm enfrentado uma luta de conflitos entre o que

diz sua formação, geralmente baseada no modelo tradicional, e o que diz seu eu

pessoal, que engloba sua conduta e seu modo de pensar e agir.

De acordo com Esteve (1989), a sociedade parou de acreditar no sistema

educativo como promessa de um futuro melhor e os professores apresentam um

sentimento de desilusão e renúncia com a sua profissão. Na realidade, foi

desenvolvendo uma degradação de sua imagem frente à sociedade. Isso ocorreu

devido ao fato de que o sistema de ensino de elite passou para um sistema de

ensino de massa, pelo aumento significativo de alunos e, consequentemente, de

professores, gerando mais problemas na educação. Esse aumento de alunos

significa que os problemas sociais que eles enfrentam foram também para a escola.

Daí vem o desencanto que muitos professores enfrentam, pois não souberam

redefinir seu papel frente à nova situação, talvez por se recusarem a fazer isso, por

falta de investimento em capacitação ou ainda por não terem claras as propostas da

educação segundo os documentos legais que a norteiam. Outro fator determinante é

o sentimento de insegurança enfrentado pelos professores em relação às novas

políticas da reforma educativa.

A situação dos professores perante a mudança social é comprável à de um grupo de atores, vestidos com trajes de determinada época, a quem sem prévio aviso se muda o cenário, em metade do palco, desenrolando um novo pano de fundo, no cenário anterior. (...) As reações perante esta situação seriam muito variadas; mas, em qualquer caso, a palavra mal-estar

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poderia resumir os sentimentos deste grupo de atores perante uma série de circunstâncias imprevistas que os obrigam a fazer um papel ridículo (ESTEVE, 1989, p. 97).

A primeira reação dos professores seria a surpresa, depois a tensão e o

desconcerto, com um forte sentimento de achar os responsáveis a fim de, pelo

menos, encontrar uma explicação. Parar o espetáculo, abandonar o trabalho e pedir

ao público que assista ao espetáculo não é a solução. O problema é que,

independentemente de quem ou o que mudou a cena, são os professores que estão

à frente. São eles, portanto, que deverão encontrar soluções para que a cena volte a

despertar interesse, independente se eles são os responsáveis ou não, criando

alternativas como se fossem atuar para cada espectador segundo suas

características.

Para Codo (1999), o ato de ensinar apresenta características próprias, que

geram estresse e alterações no comportamento de quem trabalha. De acordo com

seus estudos, a profissão do docente leva-o a uma deterioração progressiva de sua

saúde mental.

Algumas reflexões são necessárias para se entender o processo de

identidade do professor; dentre elas, a adesão de ser professor, sua ação e

autoconsciência. A adesão implica nos princípios e valores, sendo um investimento

nas potencialidades dos alunos. A ação, as formas de agir, envolvem decisões de

caráter profissional e pessoal tendo, como consequência, o sucesso ou o insucesso

das experiências pedagógicas do professor, fazendo-o sentir-se bem ou mal

conforme sua metodologia de trabalho. A autoconsciência significa a reflexão que o

professor tem de sua ação; é uma dimensão decisiva no processo pedagógico, pois

as mudanças e as inovações nesse processo dependem do tipo de reflexão que o

professor faz (NÓVOA, 2007).

Essa identidade não é adquirida e nem é uma propriedade, é um produto,

construído pelas maneiras de ser e de estar na profissão. Para Furlanetto (2003),

ser professor não significa somente um ato racional, mas um processo por inteiro,

configurando-se também por um ato de amor. “É um ato de amor em si mesmo, de

amor à vida e a tudo que ela abarca” (op. cit., p. 05). A autora ainda coloca que o

professor é também um aprendiz e que o ato de aprender é um processo árduo,

exigente e bastante prazeroso, mas também gerador de angústia e de medo. Esses

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sentimentos, quando não bem elaborados pelo professor, podem gerar o mal-estar

docente.

Segundo Brito, Athayde e Neves (2003, p. 75):

Precisamos salientar que na vida do professor, enquanto profissional, não existe somente sofrimento, a partir do momento em que ele estabeleça uma relação afetiva com seus alunos. A transmissão de afeto poderá ser recíproca; assim, o que provoca um mal-estar docente poderá se transformar em um bem, pois leva o professor a ter como meta lutar pela saúde e afirmar a vida, descobrindo as possibilidades de saída e de construção de um local de trabalho favorável à saúde.

De acordo com os autores, não somente o professor e o educando, mas

educadores em geral deverão estabelecer um bom relacionamento, com a finalidade

de ter convívios sociais favoráveis e, posteriormente, melhores resultados

educacionais, diminuindo situações estressantes.

É esse harmonioso convívio diário que pode amenizar os males que

acometem os educadores. Programas de prevenção podem ser também uma

solução, reorganizando os processos de ensino-aprendizagem de forma criativa,

para amenizar as dificuldades do dia-a-dia. Essa reorganização pode ser tanto no

sentido da prevenção quanto do tratamento, levando à organização do tempo do

professor, ao trabalho em equipe, à infraestrutura e, principalmente, entre outros

aspectos, à valorização profissional.

Propomos, neste trabalho, um meio de oferecer aos professores que

participaram da pesquisa, um espaço de escuta que os leve à reflexão sobre as

várias faces do seu mal-estar e o que pode ser feito para amenizá-lo.

O Trabalho no Contexto Educacional

Inicialmente, percebi a necessidade de enfocar as condições de trabalho que

o educador enfrenta, a começar pelo precário atendimento médico a ele destinado.

O educador vem apresentando um perfil de afastamentos constantes – e até

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alarmantes – de suas funções, que são demonstrados pelos relatórios e perícias

médicas, conforme o Portal do dia-a-dia da Educação do Paraná (cerca de 3,1 mil

professores se afastam por ano por problemas de saúde) (PARANÁ, 2011).

Esses afastamentos, de uma maneira geral, vêm de encontro às

necessidades da classe docente para realização de um trabalho de qualidade.

Analisando as políticas públicas que visam à educação gratuita e de qualidade para

todos, percebemos que falta atrelar a essas a saúde para todos, incluindo toda a

comunidade escolar, surgindo assim um questionamento: quem se preocupa com a

saúde do professor?

Diante das condições de trabalho dos professores pesquisados, desde o local

em que este o realiza, com salas inadequadas e superlotadas, a falta de materiais

didáticos até a importância da educação para a sociedade, é fundamental

avaliarmos a real importância que o professor tem para a sociedade. O que

verdadeiramente significa o educador? Qual seria a sua identidade?

O docente mobiliza sua capacidade física, cognitiva, afetiva e psicológica

para atingir objetivos educacionais destinados aos seus educandos e muitas são as

circunstâncias em que essa mobilização se torna elemento de desgaste contínuo.

De acordo com Sandra Maria Gasparini, Sandhi Maria Barreto e Ada Avila

Assunção, da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisas apontam que “de

1982 até 1989, as licenças médicas triplicaram e seus diagnósticos frequentes são:

distensões de tornozelos, laringites e depressões” (2005, p. 5). De 2001 a 2002, os

transtornos psíquicos ocuparam a maior parte dos motivos para afastamento

(apesar de que pode acorrer de um mesmo professor se afastar por mais de uma

vez). Após este período de 2002, aparecem as doenças do aparelho respiratório e

as doenças osteomusculares e de tecido conjuntivo (GASPARINI et all, 2005).

Estudos dessas autoras mostraram que o profissional mais atingido pelas

doenças anteriormente citadas é o professor, sendo que na região sul do Brasil, o

índice do mal-estar docente se acentua nas escolas onde acorrem inclusão de

alunos com necessidades educacionais especiais, pois os profissionais se sentem

despreparados para lidar com esta situação educacional. A busca por capacitação

para enfrentar a nova demanda aliada ao desinteresse familiar e a indisciplina cada

vez maior geram sentimentos de desencanto e de desilusão profissional

(GASPARINI et all, 2005).

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Paralelamente, na região nordeste do Brasil, o índice de educadores que

apresentam mal-estar docente se caracteriza pelos professores mais jovens, que

têm como queixa principal o esgotamento psíquico, o cansaço mental e o

nervosismo. Isso se dá pelo trabalho repetitivo e desgastante da relação aluno

professor, pela falta de autonomia no planejamento das atividades e pela pressão

por parte de diretores e pedagogos (op. cit., 2005).

Na região sudeste, os educadores têm se utilizado do absenteísmo

(ausência ao trabalho por algum motivo interveniente) como um mecanismo de

defesa, pois nem sempre o professor presente é sinônimo de educação produtiva.

Nesta região do Brasil – campeã em apresentar a síndrome de Burnout (exaustão

profissional) – muitos educadores afastam-se por mais de uma vez por ano com

licenças médicas. Nesta região, os educadores queixam-se de dor de garganta, dor

nos ombros, braços, costas e pés pela permanência em pé por muito tempo,

posições inadequadas e incômodas (op. cit., 2005). Ainda nesta região, os

educadores queixaram-se de que o investimento emocional é intenso, pois o

docente acumula muitas tarefas, tais como: ministrar aulas em várias turmas,

atender alunos em diferentes níveis de ensino, escolas e turnos variados, preparar

aulas e avaliações múltiplas, dedicando-se e esforçando-se intelectualmente para

atender a diferentes demandas. Estudos feitos por amostragem, na região nordeste,

com o número de 58 escolas da rede particular desse estado, apontaram também a

síndrome de LER (lesões por esforços repetitivos), problemas de voz e alergias

como agravantes da saúde docente (op. cit., 2005).

No entanto, alguns professores mostram-se mais resilientes do que outros.

A resiliência é um conceito oriundo da física, que se refere à propriedade de que

alguns são dotados. Na física, alguns materiais são dotados de acúmulo de energia

e, portanto, a palavra vem do latim “resilio” que significa voltar ao estado natural

depois de sofrer uma pressão. É a capacidade do indivíduo em possuir conduta sã

em um ambiente insano, ou seja, a capacidade do sujeito de sobrepor-se e

construir-se positivamente frente às adversidades: o ser humano tem como escolher

como perceber e responder às situações adversas. O conceito vem da física e é

aplicado ao comportamento humano, permitindo mudanças nas atitudes e na

qualidade de vida das pessoas diante de cobranças, prazos, pressões, muita tensão

e estresse acumulado; enfim, do caos do dia-a-dia (op. cit., 2005).

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O ser humano nem sempre pode saber se vai ou não ficar com raiva

quando algo inesperado acontece em sua vida, porém pode definir quanto tempo vai

querer alimentar esse sentimento (assim poderá aprender a canalizar uma emoção

negativa com uma ação positiva). O ser humano possui flexibilidade e capacidade

para adaptar-se às mudanças, porém não podemos generalizar. Existem pessoas

que não conseguem resistir às intempéries do dia-a-dia; esses são aqueles que

fazem tempestades em um copo d’água e na profissão professor não é diferente.

Segundo CODO (1999, p. 28), “educar é um ato de reconstruir os laços entre o

passado e o futuro, ensinar o que foi, para inventar e re-significar o que será”.

Entretanto, segundo ALODI (1989), habitualmente a preocupação está

voltada ao intelecto do professor – seu desenvolvimento profissional, suas

capacitações, suas produções – enaltecendo sua capacidade intelectual e,

consequentemente, de que modo essa capacidade poderá vir a contribuir para a

elaboração de boas aulas, objetivando-se sempre o processo ensino/aprendizagem

de qualidade. Esquece-se, porém, que este intelecto é parte integrante de um todo –

o corpo humano – incluindo sentimentos, sensações e relacionamento humano, que

continuamente é esquecido e desmerecido, como se só a intelectualidade do

professor fosse necessária para o desenvolvimento exitoso da sua atividade

profissional.

De acordo com ESTEVE (1989), surge, em 1980, o termo mal-estar

docente. Pouca compreensão, aprofundamento e preocupação com a situação

geraram a necessidade do uso deste termo (mal-estar docente), irrelevantemente

considerado tanto pelos profissionais da educação, quanto pelas políticas públicas

vigentes. Assim, deixou-se de iniciar um processo que buscasse amenizar e, se

possível, sanar os problemas que acometem a saúde do professor.

A Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná conta com 70.821

professores, conforme consta no site do dia-a-dia da Educação do Estado

(PARANÁ, 2011). As ações para a prevenção do mal-estar docente são muito

tímidas, visto que problemas de saúde afastam 3,1 mil professores naquele estado.

Por isso, é necessário pesquisarmos, na tentativa de entender e refletir que quem

se interessa pela saúde do educador, deverá ser sempre o professor.

Na cidade de Colorado, especificamente, os profissionais da saúde (alguns

médicos atendentes de clínicas particulares e também de rede municipal de saúde,

postos de atendimentos públicos e hospital conveniado) expõem que um número

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muito grande de docentes têm se apresentado com saúde debilitada devido a

fatores como: postura incorreta, que causa dores musculares, afetando a coluna

vertebral; infecções, devido à poeira de giz (rinite, bronquite até alergias crônicas);

fibromialgia; problemas vocais; estresse; depressão; hipertensão; acidentes

vasculares cerebrais – AVC; arritmias cardíacas; síndromes relacionadas ao pânico;

síndrome de Burnout ou exaustão profissional. Esses fatores levam o professor a se

afastar do trabalho através de licença médica. É importante salientar que alguns

problemas são considerados acidentes de trabalho, outros de ordem existencial e

que estão relacionados não somente à vida funcional, mas à vida pessoal de cada

um.

Os profissionais da saúde entrevistados enfatizaram que o educador

geralmente não leva em frente o tratamento iniciado, na maioria das vezes por

problemas relacionados a dificuldades financeiras. Isto poderia ser minimizado com

melhorias no Plano de Saúde oferecido pelo governo do Paraná. Para ARAÚJO et

all (2005), a saúde do professor encontra-se esquecida, ou seja, o professor é

pouco lembrado nas condições de saúde no trabalho e na qualidade de vida.

No quesito voz, detectou-se que o pior e mais negativo é o impacto da voz

sobre a qualidade de vida do sujeito. Isto de acordo com o ambiente escolar e as

condições físicas e estruturais dos estabelecimentos; a disposição dos espaços

reservados para o corpo docente e a grande carga horária necessária para prover

suas necessidades (op. cit., 2005). Quando o ambiente (escola) é mal organizado

ou está depredado, pesquisas demonstram que a incidência de doenças é maior do

que em ambientes limpos e organizados, assim como o numero de professores

afastados por licenças médicas (op. cit., 2005). Conforme o mesmo autor, há um

quadro interessante que retrata como está a estrutura de alguns prédios escolares

atuais. As escolas da região central, dos grandes municípios do Estado do Paraná,

recebem reformas constantes. Nestas, portanto, o número de professores com

problemas de saúde é inferior ao das escolas com uma estrutura mais danificada.

As condições para o trabalho são o quesito que deve ser prioritário, pois

seguramente o local de trabalho inadequado ou insuficiente trará insatisfação e

desvalorização do professor, que somado à sua remuneração também insuficiente,

vê reduzida a sua possibilidade de investimento pessoal, social e profissional. O

ambiente desorganizado indica o impacto negativo de condições precárias na

profissão do professor, o que compromete o bem-estar docente, diminui de maneira

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drástica a motivação do mesmo. É importante lembrar que a escola, com um bom

ambiente, é necessária não somente ao professor, mas também ao aluno.

Neste sentido, acreditamos que a abertura de espaços – físicos ou virtuais

– seja fundamental para que os professores falem sobre si mesmos e com seus

pares, configurando-se em espaços para a tomada de consciência, reflexão,

discussão e ação transformadora da realidade, no tocante às condições e

organização do trabalho. Desejamos que a escola seja um ambiente que propicia

saúde e qualidade de vida para as pessoas que ali estão e/ou passam. As relações

afetivas positivas colaboram para amenizar o mal-estar docente e essas relações

incluem o apoio dos familiares, colegas de trabalho, e, sobretudo, o

comprometimento dos pais na educação dos seus filhos.

A escuta e o professor

Como é que cada professor se tornou o que é hoje? Como e por quê? Como

foi o seu percurso de vida? Esses questionamentos podem levar longe demais, mas

talvez valha a pena mencionar algumas histórias a fim de compreender o processo

de identidade do professor envolvendo suas angústias e como isso o leva ao mal-

estar docente.

De acordo com o espaço de escuta idealizado na implementação pedagógica

deste estudo, confirmamos que o eu profissional está estritamente ligado ao eu

pessoal.

Minha trajetória é marcada pelas viagens que eu necessitava fazer de uma cidade para outra cidade vizinha às vezes de Jeep, o carro daquela época ou a cavalo, pela estrada de terra (ou de barro quando chovia) isso a quase quarenta anos atrás... fazia isso para cursar o magistério, pois queria seguir a mesma profissão de minha mãe, embora eu fosse incentivada por meu pai, muitas foram minhas dificuldades, pois ao terminar o curso houve um concurso para professor eu queria muito realizá-lo foi de 1ª a 4ª série e eu não possuía documentos naquele tempo eu ainda era de menor idade e documentos eram somente para os de maior esta quase foi uma barreira, meu pai precisou intervir solicitando uma autorização via favor político, naquela época nos valíamos assim, pois não tínhamos a rapidez tecnológica de hoje, porém tenho saudades, pois estas dificuldades despertaram em mim uma verdadeira “paixão” e ao longo de todos os anos fez com que esta “paixão” crescesse dentro de mim (L.A. professora).

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Percebemos que a professora não separa seu eu pessoal quando fala de seu

eu profissional. Para relatar sua história profissional a mesma acaba enfatizando sua

história pessoal de vida.

Lembro-me de momentos de luta, um deles nunca mais saiu de minha memória, foi quando iniciei meu trabalho aqui no Colégio Monteiro Lobato e logo após alguns anos o NRE chegou aqui para extinguir o curso de 1ª a 4ª série, as minhas lágrimas e de minhas colegas pareciam que não teriam mais fim... Nós imploramos para que eles mantiveram o curso, hoje sou aposentada de um dos padrões, mas não consigo me desvincular da escola, mantenho algumas aulas porque não consigo separar o meu eu da educação, esta já se incorporou dentro de mim, está além de minha vida pessoal, mas vejo o espaço-escuta como uma esperança para a melhoria do envolvimento humano dentro do espaço escolar que anda muito desgastado (L.A.).

Para NÓVOA (2007), a construção da identidade é um processo complexo no

qual cada um se apropria do sentido da sua história profissional e pessoal. É um

processo que requer tempo para refazer identidades, acomodar inovações e

assimilar as mudanças. Nas investigações realizadas, observamos que alguns

fatores desencadearam o mal-estar docente dos professores: ações que incidem

diretamente com o que acontece na sala de aula, modificando as condições nas

quais desempenham o seu trabalho, provocando tensões associadas a sentimentos

que, segundo ESTEVE (1989), quando são negativos, provocam o mal-estar

docente.

Quando comecei a trabalhar eu tinha 17 anos iniciei com uma turma de alfabetização, eu estava no terceiro ano de magistério e tinha muita vontade de passar o que eu estava aprendendo para outras pessoas, afinal eu sempre quis fazer a diferença. Mas nem tudo são flores porque quando cheguei no 1º leilão de aulas vi algo que parei para pensar se era isso mesmo que eu queria para mim, pois vi pessoas gritando, subindo em mesas, passando por cima das pessoas, sem o menor pudor e respeito [...] Mas ainda bem que nada disso me derrubou, pois hoje já estou com quinze anos de serviço e amo muito o que eu faço, adoro estar dentro da sala de aula, falo sempre para meus alunos que cada um de nós temos um dom e o meu é dar aulas. Nem dor eu sinto quando estou dentro da sala de aula, sempre digo a mesma frase: Saio de casa com dor de cabeça, quando entro na escola a dor ficou lá fora e quando vou embora pego a dor e vou embora [...] (L.S. professora).

Alguns fatores geram uma sensação de incompetência, pois os problemas de

sala de aula são atribuídos ao professor (op. cit., 1989). Por conseguinte, mesmo

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com todas as mudanças na área da educação, o professor ainda se reporta à sua

função docente como algo prazeroso e compensatório. Ainda de acordo com o autor

(1989), houve um significativo aumento em relação às expectativas e exigências que

se faz ao professor, atribuindo-lhe cada vez mais responsabilidades. Em relação a

essa expectativa, analisa-se o relato da professora L.A.:

Hoje ensinar está muito difícil. Antigamente ensinávamos os alunos e eles aprendiam. Cabia-nos a tarefa de preparar as aulas, aplicar provas, corrigi-las, recuperar os alunos que encontravam dificuldades. Enfim, tínhamos o apoio da família e da escola. Isso já não ocorre dessa forma hoje. Temos muitos alunos, muitos com casos de indisciplina, e ensinar está muito difícil.

Além de saber do conteúdo, é necessário que o professor seja um facilitador

da aprendizagem, que ele seja pedagogo, organizador do trabalho e que ainda cuide

do equilíbrio psicológico e afetivo dos alunos, da sua integração, da orientação

sexual e de tantos outros projetos que entram na escola (op.cit., 1989). Apesar de

serem atribuídas todas essas funções ao professor, não houve mudanças

significativas em sua formação, levando-os a um “choque” com a realidade. Como

resultado deste aumento de exigências, produziu-se um aumento de confusão a

respeito das competências que o professor precisa para exercer sua profissão (op.

cit., 1989).

O acompanhamento da família é fundamental para o bom desempenho do

aluno. Para ESTEVE (1989), com a incorporação da mulher no mundo do trabalho

reduziu-se o número de horas de convívio entre seus membros. Assim, atribuiu-se à

escola mais responsabilidades educativas. “A escola de hoje tem muitas funções.

Antigamente a família tinha o dever de educar seus filhos, de transmitir-lhes os

valores básicos. Hoje, isso cabe à escola” (M.R.F, professora).

Outro aspecto a ser considerado são as fontes de informação que o aluno

utiliza como meio de aprendizagem. O acesso à internet, televisão, computadores,

celulares e outros altera o papel do professor como fonte principal de conhecimento.

Para reverter esse quadro, torna-se necessário que o professor facilite a

aprendizagem e utilize esses recursos como fonte de motivação da aprendizagem. É

necessário ainda que o professor oriente seus alunos em como utilizá-los e quais

fontes são confiáveis, integrando no seu trabalho esse potencial informativo (op. cit.,

1989).

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O autor referido (1989) ainda aponta outros fatores que influenciam as causas

do mal-estar docente no cotidiano escolar e que vêm ao encontro das situações

vividas pelos professores na sala de aula. Dentre eles, destacam-se as críticas que

esse profissional enfrenta em relação às suas concepções metodológicas, pois a

sociedade exige que os professores preparem os alunos para o futuro que, segundo

os entrevistados, “ainda é incerto” (A. professora).

A desvalorização do sistema educativo aliada à falta de motivação por parte

do aluno em relação aos estudos é outro fator de causa de estresse no professor,

que enfrenta uma sala repleta de estudantes, que não conseguem ver o valor da

educação. Isso exige maior diversificação e flexibilidade para um ensino

massificado, pois o modelo atual não produz igualdade e promoção social dos

menos favorecidos. As mudanças ocorridas na sociedade não foram acompanhadas

pela escola, onde há necessidade urgente de melhoria dos recursos materiais e das

condições de trabalho para o professor. Essa falta de recursos também é um dos

motivos da causa do mal-estar dos professores, que se veem limitados em seus

recursos didáticos e sem recursos para adquiri-los.

Não existem recursos necessários para se dar uma boa aula. Geralmente a televisão ou data show existentes na escola estão com defeitos. Os computadores são ligados em muitas redes, caindo com frequência a conexão e deixando-os muito lentos, o que desmotiva a participação do aluno e transforma sua aula em bagunça (M.H.S professora).

Fato marcante neste contexto é a inversão de papéis. Na escola tradicional, o

professor era o centro e tinha todos os direitos. Na escola atual, esse papel se

inverteu. É o aluno que se permite dirigir agressões verbais ao professor, o que

revela que na prática os mecanismos de arbitragem teoricamente são inexistentes.

Sobre os Resultados do Espaço Escuta

Para entender o que leva os professores do Colégio Monteiro Lobato ao mal-

estar docente, propus um espaço de escuta que oferecesse um momento paralelo

às funções docentes, onde os educadores pudessem falar sobre si mesmos,

apontando os vários problemas sociais, internos ou externos à escola, que afetam o

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seu bem-estar. Minimizar os problemas que afligem o professor significa melhorar o

processo ensino-aprendizagem, refletindo no processo de escolarização como um

todo. Buscamos alcançar novas possibilidades de relacionamento humano no

âmbito escolar e minimizar a sobrecarga do dia-a-dia da função do professor,

esclarecendo que as lutas para a melhoria da educação dependem de vários

fatores.

Ao decidir trabalhar com o mal-estar docente, partimos do pressuposto que o

professor é o agente fundamental da educação e, por isso, entender suas angústias

e suas necessidades significa lutar por uma escola pública democrática e de

qualidade. De qualidade, pois se o professor está bem o seu processo ensino-

aprendizagem também está e democrática porque o professor está incluso numa

comunidade escolar que constrói e organiza o conhecimento, para que, através

deste, forme o aluno para atuar criticamente em sociedade. Por isso, é preciso criar

condições para que o professor exponha suas opiniões, fale sobre suas

necessidades e preocupações, ou seja, no caso deste estudo, um espaço de

escuta.

Diante do exposto e com base na angústia e nas incertezas dos professores,

implementamos o projeto em vários encontros. Num primeiro momento, foram

expostos temas como relacionamento humano, escola e transmissão de conteúdos.

A relação dos conteúdos trabalhados seguiu os seguintes critérios: relacioná-los

com o tema mal-estar docente, mostrar as dificuldades que o professor enfrenta em

seu cotidiano e apresentar as situações que, provavelmente, estão na base do seu

mal-estar.

O projeto espaço-escuta iniciou em outubro de 2011, com uma roda de

conversa coordenada pelo orientador deste trabalho, o Prof. José Aparecido Celório,

da Universidade Estadual de Maringá. Após a exposição do tema, os participantes

tiveram a oportunidade de se apresentar e falar sobre si, sobre sua trajetória

profissional e sobre as expectativas para o projeto. Dentre os participantes,

encontravam-se professores e funcionários do setor administrativo.

Fizemos a leitura do texto “Os professores e as histórias de sua vida” de

Antônio Nóvoa (2007), questionando se a escola deve somente ser um espaço de

transmissão de conteúdos e como estes conteúdos estão sendo passados aos

alunos. Após algumas reflexões, concluímos que os conteúdos indicados pelas

diretrizes curriculares de cada disciplina são muitos e que o modelo atual de aluno

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não está conseguindo assimilá-los por uma sobrecarga de informações. Sendo

assim, os professores precisam (re)pensar como tornar os conteúdos significativos e

como os alunos os aplicariam em sua prática social final.

Após este estudo, os participantes debateram sobre o tema e colocaram sua

opinião. Sobre o excesso de conteúdos, uma participante (M.) assim especificou:

Há diferenças no alunado do ensino noturno e do diurno. O professor do período noturno deve ter metodologias diferenciadas, pois corremos o risco de idealizarmos um modelo de professor e de aluno e querermos que todos sejam igualizados, ou seja, que exista uma “padronização”. Nós professores devemos verificar estratégias, conteúdos e deixarmos de reproduzir o que já está pronto.

O papel do professor na aprendizagem é muito significativo. Assim, a tarefa

de promover essa aprendizagem deve considerar que o aluno deve fazer parte e

construir esse processo juntamente com o professor. Os conteúdos serão

importantes na medida em que tiverem significado para o aluno.

De acordo com a palestra de Celório, as disciplinas não contêm coesão e os

conteúdos apresentam-se fragmentados. Da mesma forma, isso ocorre nos

relacionamentos, pois na escola o funcionário não tem proximidade com o

professor; este, por sua vez, não possui proximidade com o diretor e o desafio é

juntar todos em um só objetivo para não haver divisões. A própria separação entre

funcionários e professores é estranha, pois todos exercem uma função, todos são,

portanto, funcionários.

O professor é responsável pela quantidade de informações, apesar de que o professor não pode competir com o computador que o aluno acessa no fundo da sala de aula, por isso se faz importante o professor investir na educação para atrair alunos interessados. Vivemos na premissa de que vai faltar professores no mundo deste trabalho, porque existe a desvalorização e também a falta de perfil, o professor precisa ter paciência em ensinar (M.R.F.).

A responsabilidade de mediar o conhecimento na sala de aula é do professor.

A quantidade de informação passada nesse processo e sua metodologia devem

estar centradas na realidade no qual o aluno está inserido, mesmo considerando

que esse aluno tem acesso a uma quantidade infinita de informações acessadas

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pela internet (redes sociais, centrais de busca e outros). Entretanto, o aluno não

sabe quais sites são confiáveis para pesquisa, o que buscar, como buscar e o que

se aproveita da internet para o conhecimento. É aí que entra a mediação do

professor, utilizando-se dessa ferramenta em suas aulas como uma das

metodologias para torná-las mais interessantes.

Segundo o relato da professora, acima citado, é importante destacar que

proporcionar um espaço de escuta leva a esclarecimentos que às vezes o professor

não entende e que esses relatos fazem parte da figura do professor e de sua

identidade pessoal. De acordo com NÓVOA (2007), o “eu pessoal” jamais pode

estar desvinculado da profissão, esta por sua vez deve ter espaço para que a

pessoa fale de si mesma, de sua vida; pois o “professor é a pessoa e parte

importante desta pessoa é o professor” (op. cit., 2007, p. 16).

Sendo assim, é muito importante que o professor fale sobre sua história de

vida, para que não se perca a pessoa do professor, pois não existe maneira de

desvincular uma parte da outra. É a partir destas angústias que vem o mal-estar

docente, pois o professor acaba levando os problemas ocorridos na escola para sua

vida pessoal. Trabalhar essas questões é importante para que se tenha equilíbrio

físico e psicológico. O professor deve entender que sua formação é perpassada pela

sua história de vida.

É bom lembrar sempre que cada um tem o seu próprio modo de organizar as

aulas, de se movimentar na sala (op. cit., 2007). Entretanto, muitas vezes o

modismo entra na vida do professor. Neste caso, as várias vertentes metodológicas,

e, segundo PERRENOUD (1992), os professores resistem à moda porque são

sensíveis a ela, porém precisam se apropriar dos saberes de que são portadores e

os colocarem em prática, pois a maneira com o professor ensina está diretamente

ligada àquilo de que ele é como pessoa humana, explicando a importância de sua

história de vida.

Minha história se chama “perseverança”. Tive muitas dificuldades para ingressar como professora da prefeitura municipal da cidade de Colorado, em 1983, época em que somente passavam em concursos públicos quem tivesse apadrinhamento, não era meu caso, eu realmente estudei muito e fui muito bem pontuada na prova, não havia como não ser aprovada, por esta causa sofri algumas perseguições mesmo indo lecionar em uma escola de zona rural. Minha trajetória profissional seguiu-se cheia de lutas e embates mesmo quando assumi meu primeiro padrão estadual que era em uma escola de zona rural, onde precisei usar como transporte até aquela localidade para lecionar o caminhão do leiteiro, não narrarei minha história

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na íntegra, pois seriam necessárias muitas e muitas páginas, porém posso dizer resumidamente que se hoje estou formada em uma graduação, especialista em educação, professora PDE com 40 horas, paguei também um alto preço em ter tido a ousadia de me tornar professora (I.A.N.).

Às vezes, hoje em dia, ouvimos o famoso “saudosismo” de pessoas que

dizem “antigamente é que era bom...”. Sabemos das mudanças, porém precisamos

também questionar certos castigos e punições de que até nós mesmos, professores,

fomos vítimas.

Em relação ao Grupo de Trabalho em Rede, aconteceu nos meses de

setembro e outubro de 2011, com uma participação de 14 professoras(es) da rede

estadual de ensino de várias cidades do Paraná. Neste evento, os participantes

foram unânimes em reconhecer a relevância do tema mal-estar docente. Para os

participantes, a equipe diretiva da Secretaria de Estado da Educação paranaense

precisa realizar parcerias com seus núcleos regionais de ensino, com a finalidade de

fazer um trabalho de criação de um espaço-escuta dentro das escolas estaduais.

Esta atitude em muito contribuiria para o bem-estar dos trabalhadores da educação,

desde os professores até o pessoal técnico-administrativo, bem como os de serviços

gerais; afinal, todos são educadores. Salientaram ainda que a Secretaria de Estado

da Educação, além de promover e apoiar esta iniciativa, deveria acrescentar a este

espaço um profissional que em muito iria contribuir para que o trabalho do espaço-

escuta se tornasse completo, ou seja, contratar psicólogos para cada

estabelecimento de ensino.

O espaço GTR foi contemplado com textos para estudos e conhecimentos

acerca do tema mal-estar docente. Os textos foram trabalhados com

questionamentos e debates, quando cada participante emitia seu parecer e

enriquecia o estudo com ideias, contribuindo assim para um melhor desempenho de

todos. Em conclusão, percebemos que este espaço se apresentou como uma

inovação para a educação do Paraná e também do país, visto que não há

conhecimento de nenhum Estado que apresente esta modalidade de trabalho dentro

das escolas públicas. Enfim, o trabalho envolvendo o Espaço-escuta foi muito bem

visto por todos que se apropriaram do tema, considerando-o relevante e de extrema

importância para um melhor aproveitamento do espaço escolar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio de um espaço-escuta implantado no Colégio Estadual Monteiro

Lobato, investigamos as razões explicativas para o acometimento do mal-estar. Os

relatos permitiram despertar nos professores a vontade de refletirem sobre sua vida

profissional, sobre como se sentem em relação à educação e como foi sua evolução

durante sua carreira. O espaço escuta implantado no Colégio, aliado aos estudos

científicos sobre o tema mal-estar docente, permitiu reflexões sobre o pensamento

do professor, sua identidade e quais as possíveis causas que levam ao mal-estar

docente. Não pretendo ser redundante, mas reafirmo esse propósito porque o mal-

estar docente tem múltiplas causas, tais como: a falta de estrutura do sistema de

ensino, a indisciplina do corpo discente, salas de aula superlotadas e famílias que

transferem toda a responsabilidade para a escola ou para o professor. É evidente

que estes problemas afetam a saúde do professor e tentar amenizá-los é uma

tentativa que deve envolver todos os profissionais da educação. As pesquisas

mostraram que quando há uma relação positiva entre os envolvidos com a educação

(direção, professores, funcionários, alunos, pais), as situações conflituosas

diminuem. A chave do mal-estar docente está na desvalorização: do professor, da

escola e do aluno. Em nosso contexto social, todos somos culpados. É preciso que

não somente o professor, mas também a sociedade apresente reformas educativas

que objetivem melhorar a qualidade do sistema de ensino paranaense, o qual

responda às solicitações dos alunos, cada vez mais inseguros e sem direção certa a

tomar na vida.

Pode ser que o interesse renovado pelas histórias de vida dos professores

aqui relatados ajude a estimular novas investigações que contribuam para

compreender mais e melhor esse binômio saúde/doença que atinge a profissão

professor.

REFERÊNCIAS

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