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ESTUDO DE IMPLEMENTAÇÃO DA ACREDITAÇÃO JCI: O CASO DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PÚBLICO FEDERAL Germano Mendes Rosa (IFMG ) [email protected] Jose Carlos de Toledo (UFSCar ) [email protected] Tradicionalmente, a acreditação JCI é vista como a mais completa e eficiente metodologia em nível internacional. Assim, este artigo, que constitui parte de uma pesquisa de doutoramento, retratou, por meio de estudo de caso único, o processoo de implementação do programa de acreditação JCI em um hospital universitário de propriedade pública federal. Apesar do hospital ainda não ter alcançado o status de acreditado, o mesmo já cumpre 80% dos requisitos necessários, apresentando uma maturidade gerencial notável. Este trabalho se faz importante para expor a motivação, o processo, os benefícios e as barreiras relacionadas à implementação da acreditação JCI no contexto hospitalar público, acrescido de um momento de transição de gestão (administração EBSERH) e substituição de grande parte da força de trabalho. Palavras-chave: Acreditação, JCI, hospital. XXXVI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCÃO Contribuições da Engenharia de Produção para Melhores Práticas de Gestão e Modernização do Brasil João Pessoa/PB, Brasil, de 03 a 06 de outubro de 2016.

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ESTUDO DE IMPLEMENTAÇÃO DA

ACREDITAÇÃO JCI: O CASO DE UM

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PÚBLICO

FEDERAL

Germano Mendes Rosa (IFMG )

[email protected]

Jose Carlos de Toledo (UFSCar )

[email protected]

Tradicionalmente, a acreditação JCI é vista como a mais completa e

eficiente metodologia em nível internacional. Assim, este artigo, que

constitui parte de uma pesquisa de doutoramento, retratou, por meio

de estudo de caso único, o processoo de implementação do programa

de acreditação JCI em um hospital universitário de propriedade

pública federal. Apesar do hospital ainda não ter alcançado o status de

acreditado, o mesmo já cumpre 80% dos requisitos necessários,

apresentando uma maturidade gerencial notável. Este trabalho se faz

importante para expor a motivação, o processo, os benefícios e as

barreiras relacionadas à implementação da acreditação JCI no

contexto hospitalar público, acrescido de um momento de transição de

gestão (administração EBSERH) e substituição de grande parte da

força de trabalho.

Palavras-chave: Acreditação, JCI, hospital.

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1. Introdução

Historicamente a gestão da qualidade e, portanto, o desempenho das organizações da área da

saúde são sensivelmente inferiores se comparados aos dos demais setores industriais

(INSTITUTE OF MEDICINE, 2012), embora haja um esforço mundial pela melhoria

contínua da qualidade no setor hospitalar, direcionado por adesão à modelos de gestão da

qualidade (SGQ) (certificações e acreditações), através de projetos de colaboração (melhoria

colaborativa da qualidade) e/ou por meio da adoção de modelos de excelência de gestão

(MEG) (prêmios da qualidade).

Com relação à adoção de modelos de sistemas de gestão, destacam-se o modelo de SGQ,

segundo a ISO 9001, e os programas de acreditação nacional (Organização Nacional de

Acreditação, ONA) e internacionais (Joint Commission International, JCI; Accreditation

Canada International, ACI; e National Integrated Accreditation for Healthcare Organizations,

NIAHO).

Tradicionalmente, a acreditação JCI tende a ser vista como a mais completa e eficiente

metodologia em nível internacional (LIEBHABER; DRAPER; COHEN, 2009; TABRIZI;

GHARIBI; WILSON, 2011). Assim, este artigo, que constitui parte de uma pesquisa de

doutoramento, retratou, por meio de estudo de caso único, o processo de implementação do

programa de acreditação JCI em um hospital universitário de propriedade pública federal.

Apesar do hospital ainda não ter alcançado o status de acreditado, o mesmo já cumpre 80%

dos requisitos necessários, apresentando uma maturidade gerencial notável. Este trabalho se

faz importante para expor a motivação, o processo, os benefícios e as barreiras relacionadas à

implementação da acreditação JCI no contexto hospitalar público acrescido de um momento

de transição de gestão (administração EBSERH).

O artigo se divide em cinco seções, incluindo essa, que apresentou o trabalho; na seção

seguinte apresenta-se o referencial teórico enfatizando brevemente o programa de acreditação

JCI; na seção três esclarecem-se os procedimentos metodológicos; na seção quatro descreve-

se o estudo de caso; e, na seção cinco, são dadas as considerações finais. Deseja-se proveitosa

leitura!

2. Fundamentação teórica

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A Joint Commission International (JCI) foi fundada pela Joint Commission on Accreditation

of Healthcare Organizations (JCAHO) em 1994, com a missão de primar pela melhoria

contínua da segurança e qualidade do fornecimento de serviços de saúde na comunidade

internacional, através da capacitação de profissionais, consultoria, auditorias e acreditação e já

chegou a mais de 90 países inclusive ao Brasil (JCI, 2015).

De acordo com Tabrizi, Gharibi e Wilson (2011), a JCAHO lidera o foco em qualidade e

segurança, integração da gestão, comunicação e estabelecimento de confiança com o público

e muitas outras questões, apresentando significativo interesse nos direitos do paciente e no

estabelecimento de um ambiente ético, tendo como principais premissas a comunicação e

gestão da informação. Contudo, segundo os mesmos autores, é esperado que seu programa de

acreditação seja um dos mais dispendiosos em razão da frequência das auditorias, qualificação

e treinamento requerido dos funcionários e nível dos padrões requisitados para a acreditação.

A JCI utiliza-se do Manual Internacional de Padrões de Acreditação como referência no

processo de acreditação, organizado em 500 padrões de avaliação, agrupados em 11 seções

distribuídas entre a assistência prestada aos usuários e a gestão dos processos hospitalares

(PRICE, 2009 apud ALÁSTICO, 2014), como mostra o Quadro 1.

Quadro 1 - Padrões do Manual Internacional de Padrões de Acreditação da JCI organizados segundo suas

seções

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Fonte: Baseado em Alástico (2014)

No processo de acreditação, o programa de acreditação JCI pode classificar o hospital

auditado segundo três categorias (ALÁSTICO, 2014), conforme o Quadro 2.

Quadro 2 - Classificação de acreditação pela JCI e ações a serem tomadas

Fonte: Baseado em Alástico (2014, p. 43)

No Brasil, o órgão responsável pela acreditação do modelo JCI é o Consórcio Brasileiro de

Acreditação – CBA (JCI, 2015), que já acreditou 28 hospitais. A Tabela 1 mostra a

distribuições dos hospitais acreditados JCI por estado.

Tabela 1 - Distribuição dos hospitais acreditados JCI por estado

Fonte: Elaboração própria com dados consultados em CBA (2016)

3. Procedimentos metodológicos

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A abordagem empregada na pesquisa foi qualitativa, tendo sido adotado como método o

estudo de caso único e, como instrumento de coleta de dados, um questionário

semiestruturado. A pesquisa se processou por meio de entrevista com o gestor responsável

pelo sistema de gestão hospitalar e análise de documentos internos. A unidade de análise foi

escolhida por conveniência (hospital público acreditado ou em processo de acreditação JCI no

Estado de Minas Gerais).

4. Estudo de caso

A unidade de análise representa um Hospital Universitário Federal que, segundo Datasus

(2016), possui 504 leitos 100% dedicados ao SUS e que está caminhando rumo a acreditação

JCI, apresentando-se em conformidade com 80% dos requisitos exigidos pela norma. O

hospital, como a maior parte dos Hospitais Universitários Federais, está passando por um

processo de reestruturação de sua gestão sob direção da Empresa Brasileira de Serviços

Hospitalares (EBSERH). Os Quadros 3 e 4 apresentam a descrição da unidade de análise e os

dados do entrevistado e da entrevista, respectivamente.

Quadro 3 – Descrição da unidade de análise

Fonte: Elaboração própria com base na entrevista

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Quadro 4 – Dados do entrevistado e da entrevista

Fonte: Elaboração própria

4.1. Histórico da busca pela acreditação JCI

A história da busca pela acreditação iniciou-se em 2001 com ideia voltada à acreditação

ONA, tendo sido feito todo um trabalho, especialmente na parte de processos (estruturação de

processos, cadeia cliente-fornecedor etc.).

Em 2009 o hospital foi convidado a participar de um processo de seleção do Programa de

Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) no qual

foi escolhido. O projeto foi realização de alguns hospitais filantrópicos, tais como o Hospital

Alemão Oswaldo Cruz, o Hospital Sírio-Libanês, o Hospital Albert Einstein, entre outros, em

parceria com o Ministério da Saúde para reestruturação dos hospitais públicos.

Assim, o hospital foi contemplado no ano de 2010 com o projeto do Hospital Alemão

Oswaldo Cruz que utilizada a metodologia de acreditação da JCI, portanto, a definição da

metodologia JCI se deu em função disso.

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Finalizado ao final de 2014, o projeto durou cinco anos. Contudo, há expectativa de que a

EBSERH dê continuidade ao processo de acreditação pelo programa JCI, pois ao contrário de

outros hospitais participantes do PROADIS-SUS, o hospital conseguiu continuar até o

presente e há consenso de se continuar de uma forma ou de outra, pois esse objetivo está

institucionalmente entranhado, estando explícito no plano diretor se tornar um hospital de

excelência até 2018. A Figura 1 expõe a linha histórica da busca pela acreditação JCI e a

projeção para 2018.

Figura 1 – Linha histórica da busca pela acreditação JCI

Fonte: Elaboração própria com base na entrevista e documentos consultados

4.2. Estrutura organizacional do hospital

De acordo com o organograma atual, a estrutura organizacional é colegiada, ou seja,

predominantemente horizontal. Contudo, a EBSERH tem uma proposta de organograma

diferente, mais verticalizado. Foi feita uma contraproposta para que houvesse ao menos um

meio termo, pois enxerga-se que ao longo dos anos houve sucesso significativo com a atual

organograma, no qual existe um colegiado gestor que quinzenalmente se reúne com todas as

chefias dos serviços, a alta administração e a assessoria para discutir temas estratégicos da

instituição. Inclusive o plano diretor é construído conjuntamente com a comunidade, sendo

feita uma validação com o grupo de chefias e depois é aberto à comunidade na forma de um

grande seminário, no qual as pessoas participam significativamente. É realizado também um

exercício de caráter mais restrito com as chefias e, na sequência, cada chefia de serviço se

reúne com seu respectivo colegiado interno, no qual participam a chefia, o coordenador

administrativo, o coordenador médico e outras funções importantes para aquela estrutura para

discutir questões relevantes da unidade.

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Juntamente com a transição da gestão, grande parte da força de trabalho do hospital está

sendo substituída, já tendo atingido a marca de 1.700 profissionais e isso tem seu impacto. Por

outro lado, a entrevistada credita benefícios proporcionados pelo processo de acreditação

nessa fase de mudança:

“É fortalecida a necessidade de organização da instituição para que aqueles que estão

entrando encontrem uma estrutura organizada. Esse foi um fator muito positivo, inclusive do

ponto de vista da acreditação, uma vez que um de seus princípios é a melhoria dos processos.

Ter toda a documentação em dia, todos os processos mapeados, todas as atividades críticas

identificadas, isso tudo facilita o momento da transição. O ano de 2015 foi crucial, pois todas

as forças se voltaram para o processo de transição, para que transcorresse da forma mais

tranquila possível. Eu creio que estamos indo bem, tem dado certo, mesmo porque a

instituição se organiza muito bem para isso. ”

A Figura 2 mostra os pontos de apoio e de impacto no processo de transição da gestão.

Figura 2 – Pontos de apoio e de impacto na transição de gestão

Fonte: Elaboração própria com base na entrevista

4.3. Fatores críticos de sucesso para a acreditação JCI

Para a entrevistada, não há dúvida de que o principal fator de sucesso para a acreditação é o

envolvimento da alta direção. Em suas palavras:

“Isso é muito visível, o comprometimento dessas pessoas, da superintendente, da gerente e

também das chefias é essencial. Esse é um trunfo que faz com que não deixemos a “peteca

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cair”, é um motivo para que a gente se mantenha firme. Nada acontece de cima para baixo,

há discussão em uma estrutura horizontal.”

Outro fator de relevância mencionado foi a capacitação das gerências. Nas palavras da

entrevistada:

“A gestão é uma dimensão muito importante para o enfermeiro, porque ele gerencia uma

equipe muito grande em algo muito complexo. Não é possível o enfermeiro se manter apenas

com conhecimento técnico em nível de procedimentos.”

Um marco se deu em 2010, quando foi oferecida uma especialização em gestão hospitalar e

qualidade para as chefias, em parceria com a Escola de Saúde Pública. Tal iniciativa gerou

diversos ganhos, inclusive vários trabalhos de conclusão se trataram de intervenções com base

nos requisitos do programa JCI. Foram realizados 60 trabalhos para atender a esses requisitos.

4.4. Consultoria

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz comprometeu-se a apoiar o desenvolvimento do projeto no

hospital, inclusive financeiramente, cujos custos não foram baixos. Contratou-se o CBA,

incluindo as consultorias mensais de educadores e avaliadores, mais as visitas anuais de

cunhos educativo e avaliativo. Além disso, foi fornecida toda a parte de educação,

capacitação, realização de cursos, participação em fóruns e em congressos relacionados a

tópicos da qualidade e segurança e visitas de benchmarking às instituições que trabalhavam

com a mesma metodologia, um processo considerado bastante rico.

4.5. Status da acreditação

Para a concessão da acreditação exige-se 95% de conformidade com os requisitos do manual

da JCI, sendo que para alguns padrões não se admite nenhum parcial conforme como, por

exemplo, as metas internacionais de segurança do paciente. Segundo a entrevistada, não é um

processo simples, são muitos padrões, constituindo mais de 1200 requisitos divididos em

questões com foco na gestão, na assistência, no ensino e na pesquisa.

A parte de assistência e segurança do paciente avalia-se o acesso do paciente à instituição, a

sua avaliação primária, o planejamento do seu cuidado, sua alta e encaminhamento; a parte de

direitos do paciente, concentra-se principalmente nos termos de consentimento que têm que

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ser muito bem esclarecidos; a parte de educação do paciente, necessita-se de uma linguagem

apropriada de acordo com a situação; a parte de gerenciamento de medicamentos envolve a

aquisição até a administração; a parte de anestesia e cirurgia cobre os procedimentos, a

segurança, a adequação da avaliação pré-anestésica etc.

A entrevistada afirma que, no momento, a instituição atende a 80% dos requisitos exigidos

para a acreditação e cada vez fica mais difícil avançar.

4.6. Sistema de auditoria

Auditoria externa

O processo de auditoria externa é realizado anualmente por auditores capacitados que em

cinco dias de avaliação acessam inúmeros processos. A equipe de avaliadores é formada por

seis profissionais: dois administradores, dois médicos e dois enfermeiros. A avaliação segue

uma agenda e os auditores se dividem para cumpri-la. A instituição também se prepara para a

auditoria, uma vez que os avaliadores são sempre acompanhados por funcionários do hospital,

chamados de facilitadores. Os facilitadores são funcionários que conhecem a instituição como

um todo e que têm afinidade com o processo de acreditação.

Ao que tange as instalações, são realizadas principalmente visitas prediais, se concentrando na

segurança. O restante é na parte assistencial a que se chama de “rastreadores” de pacientes, de

sistema, de qualidade e de segurança. Nesse processo os auditores, em posse de uma lista de

pacientes internados no dia e pacientes que irão realizar cirurgia, escolhem um caso e seguem

toda a rota do paciente escolhido e verificam se o mesmo recebeu transfusão e, em caso

positivo, vão até a agência transfusional para saber a hora que foi feita a transfusão, como foi

liberado o sangue, quanto tempo foi gasto para o mesmo chegar na unidade, ou seja,

relaciona-se e confere-se toda a linha de cuidado daquele paciente e, por meio do rastreador,

abordam-se todos os requisitos.

Apesar da complexidade da avaliação, os funcionários se sentem motivados com a auditoria

externa. Segundo a entrevistada:

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“Enfim, é uma semana muito rica que traz um aprendizado significativo e a instituição vê

isso com bons olhos, todos ficam ansiosos para a chegada da próxima visita e se mobilizam.”

A sistemática de auditoria externa é esquematizada na Figura 3.

Figura 3 – Fluxograma da sistemática de auditoria JCI

Fonte: Elaboração própria

Auditoria interna

O hospital mantém uma equipe de auditores internos não vinculada ao setor da qualidade,

apesar de compartilharem o mesmo espaço físico. A equipe é independente, inclusive tem o

poder de auditar o setor da qualidade. Isso porque enxerga-se a auditoria como uma das

principais estratégias de melhoria da qualidade.

A auditoria interna foi criada em 2011, quando se formou um expressivo número de

profissionais (mais de 170) com base nos requisitos da JCI.

Desde 2014 o processo de auditoria interna foi modificado para ganho de eficiência, evitando

redundâncias e retrabalho. A entrada da auditoria interna é o relatório da auditoria externa

sobre o qual realiza-se uma análise profunda, levando em considerando não somente as não

conformidades, mas também as conformidades. Segundo a entrevista isso se justifica porque

normalmente não se tem um falso não conforme, mas pode-se ter um falso conforme por uma

razão muito simples, o auditor não consegue verificar mais de 1200 requisitos, assim, aquilo

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que não foi visto é dado como conforme. Portanto, avalia-se tudo e, com base no relatório,

estrutura-se uma lista de verificação para condução da auditoria interna.

As auditorias internas são quadrimestrais, perfazendo três ciclos por ano, proporcionando

condições de se comparar a evolução de cada área sobre os requisitos selecionados. As não

conformidades identificadas são inseridas em um sistema de gestão e planejamento

estratégico próprio, através do qual são disparados e-mails para os gerentes responsáveis e

para os funcionários indicados para acompanhamento.

Por meio do sistema, o escritório da qualidade realiza o monitoramento de todos os

acontecimentos e, caso a área não tome as medidas necessárias dentro do prazo estipulado, o

gerente é convidado a apresentar seu planejamento para a direção numa reunião do comitê da

qualidade. A sistemática de auditoria interna pode ser vista por meio da Figura 4.

Figura 4 – Fluxograma da auditoria interna

Fonte: Elaboração própria com base na entrevista

Para todas as áreas existe um indicador que é o percentual de não conformidades resolvidas,

bem como uma meta a ser cumprida. Portanto, os dados de auditoria e esse monitoramento

impactam no indicador de cada área, o que, na opinião da entrevistada, estimula a melhoria

contínua sustentada.

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4.7. Benefícios da acreditação

A entrevistada afirmou que a acreditação vai muito além do selo de acreditação. Em suas

palavras:

“ Para nós o selo é meramente uma consequência de um bom trabalho. Sentimo-nos

honrados de sermos um hospital público de altíssima complexidade, com inúmeras

dificuldades como as de qualquer outro e, mesmo assim, prestar uma assistência de

qualidade e segura para nossos pacientes. Isso é um orgulho institucional porque nós

decidimos dar continuidade ao processo de acreditação, porque acreditamos que esse é o

melhor caminho para nossa instituição.”

Para a entrevistada os benefícios da busca pela acreditação são inúmeros, citando:

Melhoria no clima organizacional;

Padronização dos processos;

Diminuição dos eventos adversos;

Conscientização dos profissionais;

Melhoria dos resultados em função do uso de indicadores;

Maturidade organizacional.

4.8. Envolvimento dos funcionários

De acordo com a entrevistada, em sua experiência nunca houve problemas com o

envolvimento do corpo clínico, mas já houve com a enfermagem. Mas a mesma afirma que

tudo gira em torno da estratégia de abordagem da instituição para qualquer área, seja

administrativa ou assistencial. Em suas palavras:

“Aqui é um hospital-escola e, portanto, temos os residentes que ficam por um período e

rodam. Temos também os alunos e isso implica numa dinâmica muito intensa. Mas nunca

tivemos problemas de abordagem. Na verdade, a forma de abordar o profissional médico é

diferente. Não se deve pedir que observem o capítulo X do manual que trata da avaliação do

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paciente. Isso não funciona. É necessário comunicar diretamente o que ele deve fazer e o

porquê. Nós apregoamos não o processo de acreditação, mas o processo da melhoria dos

processos, deixando claro que o que foi colocado não tem que ser feito 30 dias antes da

auditoria, mas rotineiramente.”

4.9. Barreiras à acreditação

Como barreira à acreditação, além da magnitude dos investimentos, a entrevista relembrou

que no início do processo houve consultoria de um administrador. Apesar de todo consultor

do CBA ser preparado para atuar tanto na parte administrativa quanto na parte assistencial, o

hospital já tinha evoluído muito na parte documental e sentiu-se a necessidade de alguém com

conhecimentos na área da saúde para falar com um auditório repleto de médicos e enfermeiros

sobre procedimentos específicos. Essa dificuldade foi superada com a troca do consultor por

outro da área da saúde e isso causou uma guinada, na qual as equipes de enfermagem, que não

se envolviam muito no início, passaram a se envolver sensivelmente.

Outro desafio importante é fazer com que as pessoas pensem em nível de processo. Nas

palavras da entrevistada:

“Por exemplo, se uma auditoria aponta uma não conformidade “falta de sabonete no

dispensador”, parece algo simples, mas é muito sério. Isso significa que as pessoas não estão

higienizando as mãos e isso implicará no aumento da taxa de infecção hospitalar. Já

aconteceu caso em que o responsável enviou e-mail pedindo para encerrar a não

conformidade pelo fato do sabonete ter sido reposto. Mas qual ação foi tomada para garantir

que o sabonete não venha a faltar? Esse é um desafio, mas são desafios bons, porque quando

a pessoa compreende o sentido da melhoria é fantástico.”

4.10. Treinamento

A entrevistada explanou que o treinamento dos funcionários é um grande desafio, pois

circulam diariamente no complexo cerca de 20 mil pessoas, sendo mais de cinco mil

profissionais para o atendimento e não se consegue colocar os funcionários dentro da sala de

aula nem sequer por duas horas. Um médico não se dispõe a realizar um curso de um dia que

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não tenha relação direta com sua área de atuação, e a situação é igual para qualquer outro

funcionário da assistência.

Por outro lado, tem-se atualmente um programa institucional de capacitação do setor de

desenvolvimento que pensa a capacitação de forma institucional. Usualmente tem-se uma

matriz de capacitação que o setor de desenvolvimento usa para discutir com todos os setores

as capacitações essenciais de cada um. Obviamente que existem requisitos do ponto de vista

da qualidade e da segurança, além de outros, que são exigências tanto da JCI quanto da

vigilância sanitária e que, portanto, obrigatoriamente já estão inseridos na matriz.

Além disso, existe a prática de ir à linha de frente do atendimento e conversar de cinco a dez

minutos sobre temas essenciais numa passagem de plantão, como, por exemplo, a respeito das

metas internacionais de segurança do paciente, algo que não pode ser ignorado nunca.

De forma estratégica o hospital começou a trabalhar com Educação à Distância (EaD), em

função da dificuldade de colocar os funcionários dentro de sala. Segundo a entrevistada,

atualmente as aulas da EaD estão disponíveis principalmente para a residência médica e a

multiprofissional, mas serão expandidas para toda a instituição.

As aulas se compõem de treinamentos e capacitações essenciais, durando cerca de 15 minutos

cada, contendo pré-teste, teste e toda a estrutura necessária. Essa estratégia tem permitido que

os funcionários consigam participar, atendendo a todos os perfis. A Figura 5 apresenta a

esquematicamente a estrutura de treinamento.

Figura 5 – Esquema da estrutura de treinamento interna

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Fonte: Elaboração própria com base na entrevista

4.11. Impressão sobre a metodologia JCI

Segundo a entrevistada, a metodologia JCI tem sido significativamente positiva ao longo dos

últimos anos em todos os sentidos e, diferentemente da metodologia da ONA, permite

permear o todo, possuindo ainda foco expressivo na segurança do paciente. Nas palavras da

entrevistada:

“Eu considero a metodologia JCI muito completa, ela não nos limita. Consegue-se trabalhar

a segurança do paciente, a segurança institucional, todos os fatores... A metodologia JCI nos

atende perfeitamente, ela se encaixa nas nossas necessidades.”

4.12. Perspectivas para o sistema de gestão do hospital

De acordo com a entrevistada, as perspectivas para o sistema de gestão do hospital são as

melhores, sendo importante primeiramente aproveitar da melhor forma o atual momento de

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transição, no qual estão sendo inseridos novos profissionais conjuntamente com melhorias de

processo.

Outra perspectiva é investir em EaD, principalmente na parte de gerenciamento de riscos e da

segurança do paciente. Para o ano de 2016 os grandes focos são: gerenciamento de riscos e

segurança do paciente, envolvimento dos novos profissionais, qualificação dos documentos

institucionais e facilitação do acesso às documentações nas áreas.

Pretende-se continuar com a metodologia do programa JCI e espera-se que a EBSERH

viabilize a continuidade para que o plano de alcançar a excelência possa se tornar realidade

até 2018.

5. Considerações finais

O estudo de caso realizado revelou detalhes importantes do processo de implementação do

programa de acreditação JCI em um hospital público de grande porte. Apesar de não ter

completado o ciclo de acreditação, o hospital goza das vantagens proporcionadas pelo

programa, inclusive para manter-se estável durante período de transição de direção

(administração EBSERH) simultaneamente à substituição de grande parte da força de

trabalho.

A maturidade da gestão fica evidente na visão de processos alcançada e, principalmente, pelo

refinamento das soluções, mostradas tanto em relação à auditoria interna, que passou por

adaptações para melhor desempenho, quanto pela sistematização de uma estrutura de

treinamento flexível (utilização da EaD).

Conclui-se que o programa de acreditação JCI, apesar de complexo, está garantindo bons

resultados ao hospital estudado. Assim, estima-se que ao alcançar o cumprimento da maioria

dos requisitos o hospital potencialmente terá desempenho de excelência.

Os autores vislumbram a importância de ter pesquisado a implementação de um programa de

acreditação internacional em um hospital público ao mesmo tempo que enxergam que a

principal limitação decorre da unicidade da amostra e seu caráter apenas qualitativo. Lembra-

se, no entanto, que ainda não há hospital certificado JCI no Estado de Minas Gerais.

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REFERÊNCIAS

ALÁSTICO, G.P. Impacto das práticas de acreditação no desempenho hospitalar: um survey em hospitais

do Estado de São Paulo. 2013. 207 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Departamento de

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AGRADECIMENTO

Ao Instituto Federal de Minas Gerais pela licença capacitação do primeiro autor e

potencialmente à FAPEMIG pelo auxílio à divulgação desse artigo.