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Objevos Específicos • Aplicar a conceituação de limites de crescimento em estudos de caso em diversos campos do saber na sua relação entre éca, cidadania e sustentabilidade. Temas Introdução 1 A hipermodernidade permite ao homem um eslo de vida que ele escolhe em um menu de opções 2 As decepções de uma sociedade guiada pela relação entre trabalho e consumo 3 Correlações entre consumo e decepção 4 A cultura e suas desigualdades sociais nos tempos hipermodernos 5 Alterações nas razões de consumo Considerações finais Referências Mônica Rodrigues da Costa Éca, Cidadania e Sustentabilidade Aula 15 Professor Por um planeta sustentável l

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Objetivos Específicos• Aplicaraconceituaçãodelimitesdecrescimentoemestudosdecasoemdiversos

camposdosabernasuarelaçãoentreética,cidadaniaesustentabilidade.

Temas

Introdução

1Ahipermodernidadepermiteaohomemumestilodevidaqueeleescolheem

ummenudeopções

2Asdecepçõesdeumasociedadeguiadapelarelaçãoentretrabalhoeconsumo

3Correlaçõesentreconsumoedecepção

4Aculturaesuasdesigualdadessociaisnostemposhipermodernos

5Alteraçõesnasrazõesdeconsumo

Consideraçõesfinais

Referências

Mônica Rodrigues da Costa

Ética, Cidadania e Sustentabilidade

Aula 15

Professor

Por um planeta sustentável l

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Introdução

Hoje vamos estudar as mudanças ocorridas na sociedade ocidental a partir do finaldoséculo20combasenolivroA sociedade da decepção,queconsisteemumaentrevistacoordenadaporBertrandRichardeconcedidapeloprofessordefilosofiaesociólogofrancêsGillesLipovetsky.

Na visão de Lipovetsky, especialista em hipermodernidade, estamos na era dohiperconsumismo cujas principais características são as ideias de satisfação pessoal e debusca pelo prazer. Outra característica dessa sociedade de consumo é simultaneamenteprovocardecepções.Emoutraspalavras,aconstanteeincessanteapresentaçãodeprodutosebensdeconsumoeainduçãopsicológicapelacompradeles,porexemplo,promovidapelapublicidade,fazemdoconsumoumpaliativoparanossasfrustraçõesaomesmotempoquenosfazperceberquesemprefaltaalgumacoisadiantedonovoqueinsisteemaparecer.

Porquesetratadeumpaliativoparaafrustração?Arespostaésimples:aemissãosimbólicadosprodutoresdeobjetosdeconsumoassociaaessesprodutosvalorescomofelicidadeestatus.Aocomprarumbem,oconsumidortemafalsasensaçãodequeadquiriutaisvalorese,aomesmotempo,acreditaqueaaquisiçãodobemsubstituiseusanseiosfrustradosjáqueessecidadãoconsumidorconseguealcançá-losnodiaadia,nalutapelaexistência.

Osdesejosmateriaisdohomemesuavalorização,nachamada hipermodernidade,superaavalorizaçãodaculturacomoumbemsimbólico,imaterial,ecompartilhadocoletivamente.Aspreocupaçõespassamaser individuaisenãomaissociaisporqueobemmaterialéumsubstitutoculturalparaagenuínainteraçãosocialdentrodacultura.

Asdecepçõesdohomem–porcausadodesempregooudevidoàfaltadevalorizaçãodotrabalhador,porexemplo–associam-seàsfrustraçõesnoâmbitodoconsumoedoprazerquecadaumconsegueteremsuaexistência.

Seantesessadecepçãoera,emcertamedida, sanadapormeiodocultoao sagrado,hojeelaé sanadapormeiodoconsumo, jáqueLipovetskyafirmaquenas sociedadesdehojeseverificaodeclínionafé.Osociólogochegaaessaconclusãoapósobservaroshábitosreligiososdosfranceses.

AsuperabundânciadaofertadeprodutoseaindividualizaçãodasociedadetambémsãoobjetosdeanálisedeGillesLipovetsky.Elasinterferemnomodocomofuncionamasclassessociais.

Boaleitura!

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1 A hipermodernidade permite ao homem um estilo de vida que ele escolhe em um menu de opções

OprofessordefilosofiaGillesLipovetsky,nolivroA sociedade da decepção,explicaquesuasideiasapresentadasnofimdadécadade1970einíciodadécadade1980contrastavamcomopensamentodeintelectuaisdesuaépocaqueinsistiamqueavidahumanaprecisavaserprogramada.Ocomportamentoemsociedadedeveriaserpadronizado,tantonoquedizrespeitoaocorpocomonoâmbitodaalma:

[...] Eu destacava o novo papel assumido pelo indivíduo-protagonista social, bemcomoa forçadeexpansãodoprocessodeautonomiasubjetiva, impulsionadapelasegundamodernidade–amodernidadedoconsumo,doslazeres,dobem-estardemassa. Revelara-se inadequado caracterizar nossa sociedade como um organismoprogramado,feitodecompartimentosestanquesedecondicionamentogeneralizado.Comefeito,avidaprivadaeavidapúblicaforamassumindoumafeiçãomais livre,maisaberta,maisestruturadapelasescolhasedecisõesindividuais.Contrapondo-meàatmosferadedesconfiançareinante,procureisalientaroprocessodeemancipaçãodoindivíduoemfaceàsimposiçõescoletivas.(LIPOVETSKY,2012,p.2).

Lipovestsky (2012,p. 2) apresenta a ideiadoestilode vida à la carte experimentadopelasociedadeocidentalnofinaldoséculo20,porexemplo,aliberaçãosexualeofimdasobrigaçõesmorais.“Aordemautoritária,disciplinar,moralistaforaprofundamenteabaladapelohedonismodasociedadedeconsumo”,afirmaosociólogo.

Vemos nas redes sociais e emmanifestações populares o discurso de determinadosgruposdecombateaocapitalismopredatórioeàmanipulaçãodamídia(muitasvezes,vemosseverascríticasecobrançasespecialmentedirecionadasàTVGlobo,porexemplo).

OpensamentodeGillesLipovetskyécontrárioaacusaçõesassim–chamadasporeledeuma“velhacantilena”–,jáqueoautorvêoestadodeliberdadedoindivíduocomoumaformadedesprendimentoeimunidadecontraessetipodemanipulação.PorissoopensamentodeLipovetskyéconsideradootimista.

Esseintelectualconcordacomtalclassificação,noentanto,oautoralertaqueootimismonãoreinaabsoluto,eleérelativo.Lipovetsky(2012,p.3e4)falatambémsobreumaespéciede“revoluçãonarcisista”queéprejudicialàsociedadeeteveinícioapartirdofinaldoséculopassado. “Sem dúvida, nosso universo social contém elementos que, simultaneamente,podem induzir-nosaootimismoeaopessimismo.Nadadissoécontraditórioper se: tudodependedaesferaderealidadequeestamosexaminando.”

Lipovetskydizqueexisteumparadoxoentreohedonismoea felicidadetãodesejadapelohomemeasdecepçõessofridasporessemesmohomem:

[...] O homem é um ser que espera, e que, por isso mesmo, não pode evitar a

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decepção.Desejoedecepçãocaminham juntos.Adicotomiaentreaexpectativaeoreal,princípiodeprazereprincípioderealidade,criamumvazioquedificilmentepodeserpreenchido.(2012,p.5).

AsociedadehipermodernadequefalaLipovetskyémoldada,entreoutrosfatores,pelasatisfaçãopessoal, conformeexplica JuremirMachadodaSilvanaapresentaçãodo livroAsociedade da decepção.

Nessa sociedade, adecepçãoé inflacionadaedeixaohomemvulnerável, devidoaosvaloreshedonistas,àsobrecarga,aosfluxosincessantesdeinformaçãoetambémaosideaispsicoculturais,conformeelencaosociólogofrancês.

Quandoafelicidadeéprometidaatodoseosprazeressãoenaltecidosacadaesquina,avidacotidianaestápassandoporumaduraprova.Alémdisso,a‘qualidadedevida’emtodososcamposdaatividadehumana(vidaconjugal,vidasexual,alimentação,moradia,meioambiente,lazeresetc.)passouaseronovohorizontedasexpectativasindividuais.Quandosepõeemdestaqueumfantasiosoconceitode‘carênciazero’generalizante,comoépossívelescapardoaumentodadecepção?Quantomaisosimperativosdobem-estaredobem-viversãofixadoscomoumametaimprescindível,maisintransitáveissetornamasalamedasdodesapontamento.(LIPOVETSKY,2012,p.6).

Nessesentido,Lipovetskyfalasobreumaculturaqueemergeapartirdofinaldoséculo20comofrutodadecepção,dafrustraçãoedaansiedade,acompanhandoopadrãodenívelmoraldaspessoas.Outroaspectoque,paraoautor,contribuiuparaodesenvolvimentodeumacivilizaçãofrustrantenassociedadesclassificadasporelecomohiperindividualistasfoioenfraquecimentodedispositivosreligiosos:

Evidentemente, a religião jamais semostrou capazde impedir amanifestaçãodetodasaspenaseamargurasaqueestamossujeitos.Todavia,ninguémousaránegarque,emsuavertentetradicionalista,efetivamenteconseguiurepresentarumrefúgio,umagarantia,umpontodeapoiooudeconsolaçãoinsubstituível,contrapondo-seàsinevitáveisprovaçõesdavidadiáriaeaosestertoresdosofrimentoatroz.AindaqueaféemDeusnuncapossaserextinta,tudoindicaqueareligiãodeixoudedesempenharopapelconfortadorquetiveranopassado.(LIPOVETSKY,2012,p.6e7).

OautordeA sociedade da decepçãoapresentaalgunsdadossobreapresençada féentreos franceseseapontaparaobaixonúmerode indivíduosquede fatoacreditamno“paraíso”ounavidaeterna,bemcomonobaixonúmerodeindivíduosqueoramdiariamente.Como consequência disso, diz Lipovetsky (2012, p. 7) que há uma baixa no alívio dosofrimentorecorrenteemsociedadepormeiodaesferadosagrado:“Asociedademodernaépropriamenteaquelaquemultiplicaao infinitoasocasiõesdeexperiência frustrante,aomesmo tempoquedeixadeproporcionarosantigosdispositivos ‘institucionalizados’paradebelaressemesmomal”.

Mesmoemdesapegodosagrado,asociedadenãodeixadecriarexpectativas.Assim,

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crescemreaçõesàfrustraçãocriadaspelohomem,ligadasàrecreaçãoeaogozo.

Paraenfrentarascontrariedadesdavida,associedadesdematiztradicionaltinhamà sua disposição instrumentos diversos de consolação religiosa; já sociedadeshipermodernas, numa espécie de contrafluxo, valorizam o incitamento contínuoao consumo, à fruição, àmudança. Dessemodo, as ‘técnicas’ reguladas de formacomunitáriapelomundodareligiãoderamlugara‘fórmulaspaliativas’,diversificadasedesreguladas,douniversoindividualistadalivre-opção.(LIPOVETSKY,2012,p.7).

2 As decepções de uma sociedade guiada pela relação entre trabalho e consumo

GillesLipovetsky falasobreaamarguraeo ressentimentovividospor jovensquenãoconseguemumempregoseguro,combenefíciosreaisecujosalárioéincapazdepropiciaraelesoacessoàquelaqueLipovetskychamadesociedadedehiperconsumo.Talfato,segundooautor,écapazdedetonaraautoestimadessesjovens.

Se,deumlado,osociólogofalasobreajuventudefrustrada,poroutrolado,eleserefereàspessoasquejáatingiramafaixados50anoshojeeque,apóstantosanossendo“sugadas”pelomercado,sãoabandonadas:

Diantedisso,essaspessoaspassamporumasensaçãodehumilhaçãoedederrocadapessoal,quando,noutrostempos,situaçõesdogêneroeramvistascomodecorrêncianaturaldopróprioestadodevida.Agora,pelocontrário,êxitooufracassoprofissionalsãoatribuídosàresponsabilidadeexclusivadecadaum.Derepente,éavidaemseuconjuntoqueassumeoaspectodeumagrandeconfusão,inclusivecomosofrimentomoraldenãoestaremcondiçõesdeproverasimesmo,oudeconstruiropróprio

edifíciodafelicidade.(LIPOVETSKY,2012,p.13).

Aqueles que não são jovens ou passam dos 50 anos e que estão colocados nomercado tambémsofremdealgummal causadopela sociedadehipermoderna, conformeexplica Lipovetsky (2012, p.13). Assim, elenca o autor, surgem o estresse, a indiferença,o descontentamento e o ceticismo.A falta de reconhecimento na empresa, a expectativade ser mais bem aproveitado pelo superior hierárquico no trabalho e a ideia de que ascompetências adquiridaspormeiodeumapós-graduaçãodevematender as expectativasporummelhor cargo, por exemplo, tambémcontribuempara essadesilusão sofridapelohomemnahipermodernidade.

Nosdiasatuais,a“faltadereconhecimento”apareceemsegundolugar(logodepoisdaspressõesemproldaeficiênciaedosbonsresultados)comofatorderiscoparaa saúdemental do indivíduo no trabalho. A escalada da decepção não é, única eexclusivamente, consequência das demissões, das transferências de pessoal ou dagestãocausadoradeangústiaemrelaçãoàspotencialidadesdecadaum.Temrazãotambémnosideaisindividualistasdesatisfaçãopessoalveiculadosemgrandeescala

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pelasociedadehiperconsumista.(LIPOVETSKY,2012,p.13).

Lipovetsky(2012,p.15)falaquenosdiasdehojeohomemtrabalhanãoapenasbuscandoo sustento, mas também à procura do prazer. Por isso, revela o autor, “o descompassocrescente entre os desejos de realização pessoal e a realidade profissional, normalmenteestressante,desgastanteoufastidiosa”.

GillesLipovetskyobservaqueamáqualidadedoensinoestáassociadaaotrabalho:

Acadaano,160mil jovenssaemdosestabelecimentosdeensinosemdiplomaouqualificaçãoprofissional.Dentreosalunosdasextasérie,de20%a35%sãoincapazesdeescreverou ler corretamente.Aprobabilidadedequeas criançasoriundasdascamadaspopularesvenhamasergerentedeempresaestávisivelmenteembaixa.Orevésnãoémenosdolorosodoqueclamoroso:tambémaescolasetornouumfocodedecepção.(LIPOVETSKY,2012,p.16).

3 Correlações entre consumo e decepção

Paratraçarumparaleloentreoconsumoeadecepção,Lipovetskymencionaofatodequeécorrenteentrealgunsestudiososa ideiadequepairaumaespéciede“maldiçãodaabundância”na sociedadeàmedidaqueos indivíduos sãoconstantementeestimuladosacomprardeformacompulsiva:hásemprealgonovonomercadoquenãopossuímosainda.

Comoomercadosemprenossugerealgomaisrequintado,aquiloquejápossuímosacabaficandoinvariavelmentecomumaconotaçãodecepcionante.Logo,asociedadede consumo incita-nos a viver num estado de perpétua carência, levando-nos aansiarcontinuamenteporalgoquenemsemprepodemoscomprar.Assim,ficamosimplacavelmentedistantesdacondiçãodeplenitude,sempredescontentes,condoídosemrazãodetudoaquiloquenãopodemosproporcionaranósmesmos.OconsumonosistemademercadoseriaumpoucocomootoneldasDanaides,queorquestracomsucessoodescontentamentoeafrustraçãodetodos.(LIPOVETSKY,2012,p.23).

EntreosautoresmencionadosporGillesLipovetskyqueabordamaquestãodoconsumoe da decepção está Albert Hirschman que, segundo o sociólogo, destaca diferentes tiposdedecepçãoconformediferentesbenscomercializáveis–bensqueseconsomempelouso,comoalimentos,porexemplo;bensduráveisdeconsumo,comorefrigeradoreseautomóveis,porexemplo;eosbensdeserviço.

Lipovetskyenfatiza,noentanto,adecepçãocausadapormeiodosbensdefáciltransporte:

Cada vezmais os objetos de fácil transporte oumanuseio (telefone, computador,canal de TV a cabo, leitor deDVD, iPod etc.) causammais facilmente a decepçãoporquantoconstituemprazeresestéticosouemocionaisqueserenovam.Emoutraspalavras,comasnovastecnologias,nãoéomeioque ilude,masamensagemqueeleveicula. Isso,porém,nãoéempecilhoparaosbradosdeprotestocontraavida

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“informatizada”:nãoé tão rápidoquantodeveria! Issoporqueonovoconsumidorquer tudo aqui e agora, e amenordeficiência ou limitaçãopodedeixá-lo furioso.Inquestionavelmente,aânsiadevelocidademáximapassouaserumnovoelementopassíveldesuscitarirritaçãoedescontentamento.(LIPOVETSKY,2012,p.23).

Com câmera de foto, gravador de vídeo e de áudio, internet, GPS etelefone, entre outros tantos aparelhos tecnológicos, os smartphones visamsatisfazerasnecessidadesdohomemquequertudo“aquieagora”dequefalaLipovetsky.

Figura 1: Uso de smartphones

NoBrasilháumatendênciadeaumentopelaprocuradessetipodebem.Deacordocomreportagempublicadaemmarçode2013noRadar tecnológico,bloguedojornalEstadão,a venda de smartphones no Brasil cresceu 78% em 2012, passando para 16 milhões deunidadesvendidas–quantidadesuperioràpopulaçãodacidadedeSãoPaulo,quepossui11,37 milhões de habitantes (Fonte: IBGE/2012). O blogue apresentou dados levantadospelaempresadeconsultoriaIDCqueconfirmamatendênciadecrescimentonacompradetelefonesinteligentesnoBrasil.

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4 A cultura e suas desigualdades sociais nos tempos hipermodernos

Para Gilles Lipovetsky, os tempos hipermodernos apresentam desigualdades sociaisde acesso à cultura.O autor fala na “pluralização dos gostos”, como efeito do fenômenode individualismo, presente nas diferentes classes que compõem o corpo social. Assim,seriapreciso levaremconsideraçãoos valores individuais–heterogêneos–eatémesmoextravagantes,comoapontaosociólogo.Nemtodosapreciamdeterminadaobradearteesobreelapossuemamesmaopiniãoougosto–eissovaleparaosdiversoscamposdaculturaedaarte(livros,música,filmes,peçasdeteatro).

Comadesestruturaçãodosmodelosdeclasseeaindividualizaçãodosmodosdeseredeviver,a imprevisibilidadedoscomportamentosculturais crescenotavelmente.Semdúvida,élamentávelquenemtodossaibamapreciarumasonatadeHaydnoudeChopin,masnãopodemos insistirnaexpressãodesse lamento. Issoporqueosmesmoindivíduosquenãosecomprazemcomessescompositorespodemgostardeoutrasformasdearte,comopintura, literatura,teatro,cinema,eassimpordiante.(LIPOVETSKY,2012,p.28)

Gilles Lipovetsky, no livro A sociedade da decepção, aponta para um tipo dedesestruturação concomitante à ampliação das desigualdades econômicas e disparidadessociais.EmSãoPaulo,porexemplo,notamosdiferençasentrebairrosnobreseaperiferia;carrosimportadosedeluxodividemasmesmasviasquecarrosantigosepopulares;entreoutroscontrastes.

Asclassesperdem,dessemodo,conformeoautor:

[...]antigasabstençõeseemergeumnovotipodeindivíduos,queLipovetskychamade“consumidorturbinadonômade”,cadavezmenoscircunscritoaosambientesdaprópriacategoriasocial,cadavezmaisimprevisível,fragmentado,individualizado.Esseprocesso de desregulamentação social, acompanhado dos imperativos individuaismaisextremadosnoquedizrespeitoaoconsumo,éumdosvetoresdaescaladadadecepção.(LIPOVETSKY,2012,p.28e29)

Apesardeobservaraascensãodeumnovotipode indivíduo,Lipovetskypontuaque,mais importantedoqueousodosbensparticulares,na vida cotidiana, éousodosbenspúblicos,oupior,seumauuso.

Momentosemqueohomemestáemlugarpúblicoeéobrigadoaconviver–mesmoquesejaemumbreveinstante,dentrodometrô,porexemplo–sãoverdadeirosprovocadoresde desconforto, já que o homem é obrigado a dividir o espaço com outra pessoa quepode se apresentar como o oposto dele: em termos de costumes, de nacionalidade, decomportamento,deaparência,entreoutros.

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Com efeito, do que os consumidores se queixam mais frequentemente? Dosengarrafamentosdetrânsito,daspraiassuperlotadas,doprocessodedescaracterizaçãodapaisagemnaturalporobradasconstrutorasdeedifíciosoudainvasãodeturistas,darepugnantepromiscuidadenostransportescoletivos,dobarulhodosvizinhos,etc.Emoutraspalavras,oquegeradecepçãonãoétantoafaltadeconfortopessoal,masadesagradávelsensaçãodedesconfortopúblicoeaconstataçãodoconfortoalheio.(LIPOVETSKY,2012,p.29).

5 Alterações nas razões de consumo

O modus operandi do homem consumidor na hipermodernidade é apresentado porGillesLipovetsky,quefalanasrelaçõesentreaspessoaseaesferadeconsumo–cadavezmaisemaranhadasumanaoutra.

Muito daquilo que compramos, não o fazemos com a finalidade de granjear aestimadesteoudaquele,massobretudovisandoanósmesmos,istoé,tendocomoobjetivoaperfeiçoarosnossosmeiosdecomunicaçãocomosemelhante,melhorarodesempenhofísicoeasaúdedocorpo,buscarsensaçõesvibrantesevariadasformasdeemoção,vivenciandoexperiênciassensitivasouestéticas.Énessaacepçãoqueoespíritodeconsumoembenefíciodooutro,típicodasantigassociedadesdeclasse,retrocede, dando lugar o consumo para si. Em resumo, o consumo individualistaemocionalassumeagoraadianteiraemrelaçãoaoconsumismoostentadordeclasse.(LIPOVETSKY,2012,p.29e30).

Nonovoparadigmadoconsumo,apresentadoporLipovetsky,ohomemnãosepreocupamuito com as aquisições de seu vizinho, apesar de percebê-las. Cada indivíduo seguepreocupadocomaprópriasatisfaçãopessoal.

Classificandoohomemcomoneoconsumidor,oautortambémchamaatençãoparaofatodeoconsumofuncionarcomoumpaliativoparaasfrustraçõesdo indivíduo,quenãorealiza seus desejos, funcionando demodo a “reerguer omoral”. Sobre essemecanismo,afirmaLipovetsky(2012,p.29e30),ainda“háumlongoporvir”.

Dentro do contexto do capitalismo de consumo, o homem é ininterruptamenteestimulado,ficaempermanenteestadodeinquietaçãoenãoexpressaa“verdadedodesejohumano”,afirmaLipovetsky(2012,p.31).

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OsociólogoGillesLipovetsky(2012,p.33)observaquehouveumainversãode valores se comparadas as sociedades tradicionais coma sociedade atual,hipermoderna.Antes,osistemaculturaltinhamaior importâncianavidadaspessoas,àmedidaqueerainteriorizadoeassociadoporelas,eavidamaterialeramaisdifícil.Hoje,osvaloressão invertidos:“háumasuperabundânciadesatisfações de ordem material, enquanto as decepções de ordem culturalproliferamcomonunca”.

Assim,Lipovetskyfalasobreaatuaçãodo“capitalismohipercomercial”,quediversificaaapresentaçãodeprodutosculturaisrapidamenteemultiplicaasvariedadesdessesprodutosapresentadosaoconsumidor.

Desse modo o autor afirma que (2012, p. 34) “vivemos em uma sociedade desuperabundânciadeofertasedadesestabilizaçãodasculturasdeclasse.Sãoessascondiçõesque criamas condiçõespropíciasparauma individualizaçãoextremadaspreferênciasdecadaum”.

Considerações finais

Osinteressescoletivosestãoemdecadência,conformeobservaoprofessordepolíticaesociólogoGillesLipovetsky.Emlugardeles,emergiuumasociedadeindividualizadaemquecadaumbuscaasatisfaçãopessoal,emespecial,pormeiodoconsumo.

Areligião,afirmaLipovetsky,entraemdecadênciaenãomaiscontribuiparaamenizarasdoresdadecepçãodohomem.Emseulugaraparecemosprodutos–celulares,televisores,roupaseacessórios,carros.Nessa lógica,omercadoproduz incessantementenovidadeseprovoca,emcadaindivíduo,asensaçãodenuncaestarsatisfeito.Assim,eletemnecessidadedeconsumircomvoracidade.

Existe, em contrapartida, a ascensão de ummodo de vidamais livre. Exemplo dissoéaconquistadedireitospolíticosdasmulheresesuaentradanomercadode trabalho.Asexualidadetambémpassoupormudançasehojeseguemaisliberalizada.

Aomesmotempo,asregrasmoraisentreaspessoasficarammaisflexíveis,aosabordasindividualidades,oque,namaioriadasinteraçõesinterpessoais,dámargemàexistênciadecomportamentosquenãosãoéticos.

Existem duas faces de uma mesma moeda: enquanto estamos livres para buscar

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a felicidade demodo cada vezmais peculiar e individualizado, o que ajuda a descobertaindividualdequemnóssomos,acabamossempreestimuladoseturbinadospeloconsumoemumsistemacapazdenosdeixarempermanentedependênciadomercadosuperabundante,quetransformaonovoemobsoletorapidamente,torna-noseternamenteinsatisfeitoscomoquetemosevoltaosnossosolhosaoquepoderíamoster.

Conclusão:aquestãodaproduçãoedoconsumoépeça-chavedostemposatuais.

Referências

LIPOVETSKY,Gilles.A Sociedade da decepção. Entrevista coordenadaporBertrandRichard.TraduçãoArmandoBraioAra.Barueri(SP):Manole,2012.

RADARTECNOLÓGICO.VendasdeSmartphonesnoBrasilCrescem78%em2012.Disponívelem:<http://blogs.estadao.com.br/radar-tecnologico/2013/03/14/vendas-de-smartphones-no-brasil-crescem-78-em-2012/>.Acessoem:25deabrilde2013.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Divulga as Estimativas Populacionais dos Municípios em 2012.Disponívelem:<http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2204>.Acessoem:25deabrilde2013.