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FACULDADE DE DIREITO DANIELLE FORTUNATI MUNIZ DELITO DE INFANTICÍDIO: UM ESTUDO QUE PERMEIA DUAS FACES - A CRIMINAL E A MÉDICA PORTO ALEGRE 2013

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FACULDADE DE DIREITO

DANIELLE FORTUNATI MUNIZ

DELITO DE INFANTICÍDIO:

UM ESTUDO QUE PERMEIA DUAS FACES - A CRIMINAL E A MÉDICA

PORTO ALEGRE

2013

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DANIELLE FORTUNATI MUNIZ

DELITO DE INFANTICÍDIO:

UM ESTUDO QUE PERMEIA DUAS FACES - A CRIMINAL E A MÉDICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Profa.Me. Simone Schroeder

PORTO ALEGRE

2013

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DANIELLE FORTUNATI MUNIZ

DELITO DE INFANTICÍDIO:

UM ESTUDO QUE PERMEIA DUAS FACES - A CRIMINAL E A MÉDICA

Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial a obtenção do título de Bacharel em Direito pela banca examinadora constituída por:

____________________________________

Prof.Me.

____________________________________

Prof.

____________________________________

Prof.

PORTO ALEGRE

2013

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Dedico aos meus pais que sempre

estiveram por perto me incentivando nos

momentos mais difíceis.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a aos meus pais pois foram os

maiores incentivadores, torcendo muito

para que realizasse meu sonho. Aos

meus familiares pelo afeto de sempre.

Aos meus colegas que me apoiaram e me

acolheram nos momentos mais difíceis da

vida acadêmica. À minha orientadora

Profa. Simone Schroeder pelos

ensinamentos e paciência ao longo do

trabalho e por despertar em mim, maior

interesse pelo Direito Penal. Aos

entrevistados que dispuseram tempo e

cordialemente responderam minhas

perguntas, especialmente o Dr. Rogério

Göttert Cardoso, que foi generoso e

atencioso em sanar todas as minhas

dúvidas.

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“[…] tava uma poça de sangue; eu não sabia mais o que fazer. Olhei pro

chão, ela tava lá. Peguei no colo, foi naquilo que eu peguei e coloquei dentro do

tanque, achei que a criança já estava morta”. (RIO GRANDE DO SUL, 2013b).

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RESUMO

A presente monografia busca a análise do crime de infanticídio tanto na legislação

quanto na medicina priorizando as motivações que levam uma mulher a tirar a vida

de seu próprio filho e como será enquadrada penalmente, na legislação Penal

Brasileira. Primeiramente foram abordados os aspectos históricos do delito no direito

internacional e nacional com o fim de compará-los. Também, é de interesse do

trabalho investigar os elementos importantes que compõem o delito como o estado

puerperal e o lapso temporal presente a fim de se verificar os efeitos tanto no

aspecto do direito como nos reflexos que podem afetar na percepção da medicina.

Dessa forma, foi preciso trazer as controvérsias e dúvidas com relação a esses

elementos na área jurídica e médica com pesquisa empírica baseada em entrevistas

com autoridades das áreas citadas. Na área jurídica foram relatados alguns

aspectos que geram dificuldades em identificar e diagnosticar o estado puerperal e o

lapso temporal do crime nas parturientes. De outra parte, na área médica foram

enfatizados os elementos da perícia e a dificuldade em diagnosticar o estado

puerperal na mulher. A psiquiatria, também, vem discutindo a diferente forma de

conceituação do infanticídio, acarretando grandes controvérsias, assim causando

algumas lacunas ao intérprete. Por fim, estão presentes na monografia alternativas

criadas pelo legislador a fim de solucionar as dúvidas presentes no crime como o

anteprojeto ao Novo Código Penal e a descriminalização do delito. Dessa forma, o

presente trabalho tem o intuito de que se possa compreender as controvérsias em

torno do infanticídio e as dificuldades encontradas para solucionar o mesmo delito

em duas faces, no âmbito penal e também na medicina.

Palavras-chave: Direito. Infanticídio. Estado Puerperal. Medicina. Perícia.

Anteprojeto. Descriminalização.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Primeira Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno ............... 54

Figura 2 – Segunda Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno .............. 54

Figura 3 – Terceira Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno.

Resultado Positivo .................................................................................... 55

Figura 4 – Quarta Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno.

Resultado Positivo .................................................................................... 56

Quadro 1 - Comparativo do Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (projeto do

novo Código Penal) .................................................................................. 76

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9

2 HISTÓRICO .......................................................................................................... 12

2.1 A EVOLUÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO DO CRIME DE

INFANTICÍDIO .................................................................................................... 15

3 INFANTICÍDIO ...................................................................................................... 26

3.1 O CRITÉRIO HONORIS CAUSA ........................................................................ 29

3.1.1 Influência do Chamado Estado puerperal para a construção do delito .... 30

3.1.2 Aspectos Relevantes do Delito ..................................................................... 37

3.1.3 Nascente e Recém-nascido ........................................................................... 38

4 PERÍCIA ................................................................................................................ 45

4.1 DIAGNÓSTICO DO TEMPO DE VIDA ................................................................ 51

4.1.1 Diagnóstico do Nascimento com Vida ......................................................... 52

4.1.2 Diagnóstico do Mecanismo de Morte ........................................................... 57

4.1.3 Diagnóstico do Chamado “Estado Puerperal” ............................................ 58

4.1.4 Diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou antigo da autora .......... 63

5 PSIQUIATRIA FORENSE E O INFANTICÍDIO ..................................................... 64

6 ANTEPROJETO AO NOVO CÓDIGO PENAL ..................................................... 68

7 PROJETOS DE LEI DO SENADO FEDERAL ...................................................... 73

8 DESCRIMINALIZAÇÃO DO CRIME DE INFANTICÍDIO: UMA OUTRA

ALTERNATIVA .................................................................................................... 77

9 PARECER SOBRE ENTREVISTAS COM AUTORIDADES DA ÁREA MÉDICA 83

10 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 86

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 89

ANEXO A – ENTREVISTA COM DR. FLÁVIO MANSUR (MÉDICO LEGISTA) ..... 96

ANEXO B – ENTREVISTA COM DR. ROBERTO GÖTTERT CARDOSO

(PSIQUIATRA FORENSE) .................................................................................. 98

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ANEXO C – ENTREVISTA COM DR. FRANCISCO BENFICA (MÉDICO-

LEGISTA) .......................................................................................................... 101

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade mostrar o delito de infanticídio, o qual

está tipificado no artigo 123 do Código Penal, é descrito ato praticado pela mãe, que

mata seu filho sob influência do estado puerperal durante ou logo após o parto e tem

pena de detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Esse delito tem gerado controvérsias e

dúvidas nos âmbitos penal e médico devido aos seus elementos serem difíceis de

serem determinados. Ademais, por ser um assunto delicado e conflituoso e de

especulações não superadas é que o presente trabalho visará a problemática com

relação aos elementos que fazem parte da tipificação do delito de infanticídio e a

falta de compatibilidade entre os argumentos do legislador, dos médicos, dos peritos

e dos psiquiatras acerca do crime.

Comparado a outras ações incriminadoras passiveis de sanção penal, o

infanticídio é um dos crimes que passou por mais modificações e dúvidas no

ordenamento jurídico ao longo do tempo

Com a vigência do Código Penal Brasileiro, construiu-se uma modalidade

autônoma para o crime de infanticídio, pois a mãe é a autora do crime, e seu filho,

sujeito passivo. O crime de infanticídio ganhou uma pena mais branda em

comparação ao homicídio, qual seja, detenção de dois a seis anos. Mesmo com o

novo conceito do infanticídio no Código Penal Brasileiro, as dúvidas que pairavam

no passado permaneceram tanto no âmbito penal quanto médico.

Na esfera penal, há dificuldade em compreender o enquadramento do delito

no Código Penal e os elementos que o compõem. Os elementos do crime, como

estado puerperal na parturiente e o lapso temporal durante ou logo após o parto

causam discordâncias até pela negação de alguns autores com relação à existência

da influência do estado puerperal. Também há divergência com relação à hipótese

de cabimento de concurso de agentes no delito, existindo duas correntes com

pensamento antagônicos.

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No âmbito da medicina, alguns médicos negam a existência do estado

puerperal. Entretanto, psiquiatras acreditam no estado puerperal, embora atribuam

outra nomenclatura para o delito e especifiquem as alterações psíquicas e físicas na

parturiente.

O infanticídio é considerado pela perícia como crucis peritorum, isto é, a cruz

das perícias pela complexidade em identificar se ocorreu a influência do estado

puerperal na mulher e que tipo de alterações ocasionou esse estado. Neste sentido,

dividimos o trabalho em três capítulos.

O primeiro capítulo relata a evolução histórica no crime de infanticídio. O

infanticídio passou por muitas modificações na história da humanidade. O

assassinato de recém-nascidos já foi tido como normal para a sociedade.

Posteriormente, ele foi sendo repudiado, e quem cometia tal delito era condenado a

penas severas e cruéis. A partir do século XVIII, as legislações começaram a

oferecer um tratamento brando para o crime de infanticídio. Isso ocorreu em função

das novas ideias que consideravam esse delito uma forma de homicídio privilegiado

devido aos movimentos de filósofos do direito natural, especialmente por Beccaria e

Feuerbach. O crime cometido pela mãe contra o filho nascente ou neonato passou

de homicídio qualificado para homicídio privilegiado quando praticado para manter a

honra (honoris causa) e, nesse caso, havia a atenuação da pena. Já na legislação

brasileira, ocorreram alterações com relação a tipificação, primeiramente, enfatizado

o critério da violação da honra e, atualmente, a influência do estado puerperal

durante ou logo após o parto.

Já o segundo capítulo busca analisar os elementos que compõe o crime de

infanticídio, sendo priorizado o critério de honoris causa, a influência do estado

puerperal e o lapso temporal durante ou logo após o parto. Os aspectos relevantes

do delito como a identificação do sujeito ativo e passivo com a as devidas

explicações, Também a psiquiatra forense é citada no presente trabalho com o

intuito de apurar a ocorrência do estado puerperal na parturiente e que sintomas o

mesmo pode causar durante ou logo após o parto juntamente com a discussão com

relação a perícia e a dificuldade que é em constatar o delito pelos peritos.

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Devido as grandes divergências com relação ao infanticídio, algumas

propostas foram elaboradas a fim de sanar as dúvidas e controvérsias que

perpetuam no crime. O anteprojeto ao Novo Código, os projetos de lei e a

descriminalização do delito são questões debatidas no terceiro e último capítulo da

presente monografia. Por fim, pesquisa empírica com autoridades da área médica

responderão perguntas sobre as questões mais discutidas a respeito do infanticídio.

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2 HISTÓRICO

A expressão infanticídio, no latim infanticidium, sempre teve no decorrer da

história o significado de morte de criança, especialmente do recém- nascido. 1

O crime de Infanticídio está previsto no artigo 123 do Código Penal, onde a

mãemata o próprio filho, sob a influência do estado puerperal durante ou logo após o

parto. A pena cominada para o delito é detenção de dois a seis anos. 2

Comparado a outras ações incriminadoras passiveis de sanção penal, o

infanticídio é um dos crimes que passou por mais modificações e dúvidas no

ordenamento jurídico ao longo do tempo.3

As penas impostas ao infanticídio passaram, no evolver da história, de

severas e cruéis a penas abrandadas devido à mudança de mentalidade da

sociedade.4

No período Greco- Romano, que vai do século VII a.C ao século V d.C, o

patriarca era a pessoa que detinha a autoridade na família. Segundo Vicente de

Paula Rodrigues Maggio :“neste primeiro período de permissão ou indiferença ou

período Greco-Romano, o pai de família tinha o direito de vida ou morte (jus vitae

etnecis) sobre o filho e demais dependentes, incluindo mulheres e escravos”. 5

O rei, por sua vez, em determinadas épocas, devido à escassez de alimentos,

determinava, com certa frequência, aos seus agentes ou soldados a matarem

1 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São

Paulo: Millennium, 2004. p. 23. 2 Ibid., p. 24. 3 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte especial I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 147. 4 BRUNO, loc. cit. 5 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São

Paulo: Millennium, 2004. p. 30.

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recém-nascidos. Entretanto, quando a morte do recém- nascido era praticada pela

mãe, equiparava-se ao parricídio6, tendo punições severas e violentas.7

Todavia, em razão da instabilidade na política romana, tornou-se necessário a

criação de leis que incluíssem plebeus e patrícios, assim sendo confeccionada a Lei

das XII Tábuas. Essa lei permitia queum recém-nascido com problemasfísicos ou

que constituíssem desonra à família fosse morto pelos próprios pais.8

Conforme Vicente de Paula Rodrigues

Especificamente na cidade de Esparta (Grécia), em torno do ano de 800 a.C., as crianças eram propriedade do Estado, que decidia sobre a morte ou a vida dos meninos. Neste último caso, desde os sete anos de idade, o menino era preparado na escola oficial para ser um soldado em condições de enfrentar a fome.9

As legislações iniciaram, a partir do século XVIII, um tratamento brando para

o crime de infanticídiodevido às novas ideias que consideravam esse delito uma

forma de homicídio privilegiado.10

Conforme Cezar Roberto Bitencourt com relação ao conceito de homicídio

privilegiado que se encontra no artigo 121, parágrafo primeiro do CP:

as circunstâncias especialíssimas elencadas no parágrafo primeiro do artigo 121 minoram a sanção aplicável ao homicídio, tornando-o um crime exceptum. Contudo, não se trata de elementares típicas, mas de causas de diminuição de pena, também conhecidas como minorantes, que não interferem na estrutura da descrição típica, permanecendo esta inalterada. Por essa razão, as “privilegiadoras” não se comunicam na hipótese de concurso de pessoas (art. 30 CP). A exposição de motivos afirma que se cuida de “homicídio com pena especialmente atenuada”, que a doutrina

6 “O termo parricídio (que vem de parricidium) teve, no decorrer da história, diversos significados. No

antigo direito romano, significava o assassínio de qualquer pessoa; posteriormente, de qualquer parente próximo causado pelo próprio parente; depois, ainda no direito romano, a morte do pai (ou da mãe) causada pelo próprio filho. (MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São Paulo: Millennium, 2004. p. 30.)

7 MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. São Paulo: Mackenzie, 2002. p. 10.

8 Idem. 9 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte especial I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 147. 10 MUAKAD, op cit., p. 11.

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encarregou-se chamar de homicídio privilegiado. Mas homicídio privilegiado ou delectumexceptum também é o infanticídio, embora este constitua crime autônomo, com a sua pena correspondente e com nomen juris igualmente distinto.11

Devido aos movimentos de filósofos do direito natural, especialmente por

Beccaria e Feuerbach, o crime cometido pela mãe contra o filho nascente ou

neonato passou de homicídio qualificado (parricídio) para homicídio privilegiado,

quando praticado para manter a honra (honoris causa),ocorrendo a atenuação da

pena.12

Quanto ao motivo de honoris causa que levava a mãe a matar seu filho

Beccaria justificava que, “quem se encontra entre a infâmia e a morte de um ser

incapaz de lhe sentir os males, como não preferirá esta à miséria infalível, à qual

estarão exposto ela e o infeliz fruto.” 13

O infanticídio foi apresentado como crime privilegiado pela primeira vez no

Código Austríaco em 1803, sendo seguido pelo Código de Baviera em 1813,

posteriormente pelos códigos da Espanha, Alemanha, Argentina e Itália, entre

outros.14

No Brasil, o Código Criminal sancionado em 1830 mencionou o crime de

infanticídio pela primeira vez no Direto brasileiro, sendo considerado infanticida

qualquer pessoa que matasse recém-nascido e a pena era de prisão por três a doze

anos, e de multa correspondente à metade do tempo.15

11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 8. ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2008. p. 46. 12 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São

Paulo: Millennium, 2004. p. 41. 13 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 92. 14 MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária.

São Paulo: Mackenzie, 2002. p. 11. 15 PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto:

crimes contra a vida. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 236.

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2.1 A EVOLUÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO DO CRIME DE

INFANTICÍDIO

Antes da chegada dos portugueses no Brasil, em 1500, os indígenas que aqui

viviam, solucionam problemas penais através do talião16, da vingança privada17 e

coletiva.18 É válido ressaltar que o direito penal dos silvícolas não foi formalizado,

isto é, escrito. O costume indígena aceitava a prática do crime de infanticídio.19

Conforme José Henrique Pierangelli, “dado o seu primarismo, as práticas

punitivas das tribos selvagens que habitavam o nosso país, em nenhum momento,

influíram na legislação penal.”20

O período compreendido entre o descobrimento em 1500 e a proclamação da

independência em 1822, unissonamente denominado período colonial, é sem duvida

o momento em que tem inicio a história do direito penal no Brasil, enquanto sistema

positivo.

Nesse período vigoravam as ordenações do reino como as Afonsinas e

posteriormente as Manoelinas. Em suma, ambas as ordenações não foram

aplicadas no direito brasileiro. Ademais, quem detinha poder judicial perante a

sociedade na época eram os chamados capitães donatários21 que possuíam a

outorga do rei via cartas de doação.

Entretanto, devido à necessidade de contextualizar as normas estabelecidas

nas Ordenações Manuelinas, em 1603 entraram em vigor as “Ordenações Filipinas”.

16 Talião significa a aplicação da pena idêntica àquela cometida. (MAGGIO, Vicente de Paula

Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São Paulo: Millennium, 2004. p. 44).

17 A vingança privada cabia ao ofendido, seus familiares ou grupo a qual pertencia o ofendido a executar à vingança. (Ibid., p. 44).

18 Já a vingança coletiva onde um grupo de pessoas reagia contra o agressor. (Ibid., p. 44). 19 Ibid., p. 46. 20 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. Bauru: Jalovi, 1980. p. 6. 21 Os capitães donatários eram autoridade máxima na época das Capitanias hereditárias no Brasil. os

capitães donatários faziam o papel de protetores das terras contra possíveis estrangeiros. (Ibid, p. 8).

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Não houve inovação legislativa por ocasião da promulgação dessas ordenações,

mas apenas a consolidação das leis. Nas ordenações Filipinas ficavam visíveis o

tratamento desigual dado a pessoas de classe social mais baixa com relação aos

nobres e o estabelecimento depenas severas e cruéis (açoites, mutilações,

queimaduras etc.). Essas Ordenações foram mantidas até o Código Civil de 1916.22

Segundo relatos de Eduardo C.B. Bittar:

No que se refere às penas, e ai se tem certamente o traço mais marcante do código filipino, o constante descompasso entre a gravidade da conduta do agente e a pena a ser aplicada, denotando absoluta ausência do princípio da proporcionalidade. A pena de morte era aplicada com profusão, e em diversas modalidades conforme a gravidade do delito praticado e a condição pessoal do agente, vindo muitas vezes precedida por sortidos tormentos, muito semelhantes àqueles utilizados nas ordálias para a obtenção de confissões dos acusados perante o “Juízo de Deus”.23

Com relação ao infanticídio, no período das ordenações do reino, não se tinha

qualquer referência específica ao crime, cabendo ao Juiz agravar a pena do

homicídiolevando em consideração a idade tenra da vítima. 24

No Direito Português, Pascoal José de Melo Freire foi um dos primeiros que

se tem noticia a quererincorporar o infanticídiono Título do “Homicídio Qualificado”,

com a seguinte redação:

§31- A mãe que, esquecendo-se de o ser, matar de propósito o seu filho infante, não por malignidade do coração, nem por outra paixão vil e baixa, mas com o fim de encobrir o seu delito, e de salvar a sua fama e reputação, será para sempre presa e reclusa na casa de correção. 25

Nota-se que o português Melo Freire, em seu projeto de Código Penal,

determinava a mãe como sujeito ativo do delito, tendo como sujeito passivo o seu

próprio filho, porém sem estipular idade ao infante. Além disso, o dolo era a única

forma admitida no crime cuja pena imposta seria de prisão perpétua. O critério de

22 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. Bauru: Jalovi, 1980. p. 9. 23 BITTAR, Eduardo et al. (Colab.). História do direito brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional.

São Paulo: Atlas, 2003. p. 145. 24 PIERANGELLI, op. cit., p. 9. 25 PIERANGELLI, op. cit., p. 8.

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honoris causa presente como motivador do delito. A mãe mata o filho a fim de

proteger sua honra perante a sociedade.26

Perante o grande acontecimento histórico da proclamação da independência

em 1822, se fazia necessário que o direito fosse “renovado” a fim de seguir as

mudanças que estavam acontecendo no Brasil.27

José Henrique Pierangelli destaca que “os movimentos liberais e as novas

doutrinas penais, aliadas às modificações sociais do tempo, impunham que essas

novas concepções viessem influir na nova legislação.” 28

Em 1824 foi editada a primeira Constituição do Brasil onde foi previsto a

criação de um Código Criminal, conforme art. 179, no seu inciso XVIII:

XVIII. Organizar–se-há quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e Equidade29.

No inciso XIX do mesmo artigo, foram abolidas algumas penas severas e

cruéis:

XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis30

O primeiro Código Criminal brasileiro foi sancionado em 1830 a partir do

projeto original de Bernardo Pereira de Vasconcelos. Muitos progressos podem ser

observados nesse Código como a noção de culpabilidade31 e adoção do princípio de

26 BITTAR, Eduardo et al. (Colab.). História do direito brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional.

São Paulo: Atlas, 2003. p. 146. 27 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. Bauru: Jalovi, 1980.p. 9. 28 Ibid., p. 10. 29 BRASIL. Presidência da República. Constituição Política do Império do Brazil: de 25 de março

de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 09 ago. 2013.

30 Ibid. 31 A figura de culpa em sentido estrito não estava presente no Código Criminal de 1830, sendo

considerada uma falha no diploma, somente ganhando previsão legal com a ed.da Lei nº 2.033, de

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insignificância para crimes de menor gravidade. Entretanto, a pena de morte

continuou a ter vigência através do método de enforcamento.32

Pelos ensinamentos de Sérgio Salomão Shecaira33:

O Código Criminal do Império, publicado em 16 de dezembro de 1830, reduziu o número de delitos punidos com morte, que era executada mediante enforcamento, de setenta para três (insurreição de escravos, homicídio com agravante e latrocínio, prevendo, ainda, as penas de degredo34, galés35, banimento36, desterro37 e multa.38

O Código Criminal de 1830 tratava o crime de infanticídio na Secção II nos

artigos 197 e 198.Dessa forma, pelo artigo 197, era considerado infanticida qualquer

pessoa que matasse recém-nascido e a pena era de prisão por três a doze anos, e

de multa correspondente à metade do tempo.

Já o artigo 198 dispunha que “se a própria mãe matar o recém-nascido para

ocultar sua desonra terá uma pena de prisão com trabalho por um a três

anos”.39Aqui houve um abrandamento da pena quando o sujeito ativo fosse a mãe

20 de setembro de 1871. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 1. p. 518).

32 BITTAR, Eduardo et al. (Colab.). História do direito brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 147.

33 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 190.

34 Conforme artigo 51 do Código Criminal de 1830, “a pena de degredo obrigará os réus a residir no lugar destinado pela sentença, sem poderem sair dele, durante o tempo que a mesma lhes marcar. A sentença nunca destinará para degredo lugar que se compreenda dentro da comarca que morar o ofendido. (BRASIL. Presidência da República. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Rio de Janeiro, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 14 ago. 2013).

35 Artigo 44 “a pena de galés sujeitará os réus a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregar-se nos trabalhos públicos da província onde tiver sido cometido o delito, à disposição do governo”. (Ibid.).

36 Artigo 50. “a pena de banimento privará para sempre os réus dos direitos de cidadão brasileiro, e os inibirá perpetuamente de habitar o território do império. Os banidos que voltarem ao território do Império serão condenados a prisão perpétua”. (Ibid.).

37 Artigo 52. “A pena de desterro, quando outra declaração não houver, obrigará os réus a sair dos termos dos lugares do delito, da sua principal residência, e da principal residência do ofendido, e a não entrar em algum deles durante o tempo marcado na sentença”. (Ibid.).

38 Ibid. 39 Ibid.

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do recém-nascido com relação à penalidade imposta ao terceiro que cometer o

delito.Nota-se a presença do honoris causa, isto é, motivo de honra com relação à

mãe.

Em ambos os artigos não houve qualquer menção aonascente (aquele que

está nascendo), somente ao recém-nascido. Portanto, o nascente ficou sem amparo

legal.

O Código Penal de 189040 inovou o conceito no crime de infanticídio, pois foi

definido pela primeira vez um critério temporal, sendo estabelecido “nos primeiros

sete dias de seu nascimento.”

No código de 1890 o infanticídio era trazido no artigo 298:

Matar recém-nascido, isto é, infante nos primeiros sete dias de seu nascimento quer empregando meios diretos e ativos quer recusando à vitima os cuidados necessários à manutenção e a impedir sua morte. Pena: prisão celular por 6 a 24 anos. Parágrafo Único: se o crime for cometido pela mãe para ocultar desonra própria. Pena: prisão celular por dois a seis anos.41

Nesse artigo novamente se percebe que somente o recém-nascido tem

amparo legal, não sendo citado o nascente. No caput do presente artigo, nota-se

que o delito de infanticídio é imputado a qualquer pessoa venha a provocar a morte

do infante empregando meios diretos ou deixando de prestar auxílio necessário à

manutenção da vida do infante.

O lapso temporal aqui também é estabelecido pelos sete primeiro dias do

nascimento do infante. Sendo assim, se a morte tiver todos os requisitos

apresentados pelo caput do artigo 298 do Código Penal de 1890, porém não ocorrer

nos sete primeiros dias ao nascimento, a conduta do agente não poderá ser

40 BRASIL. Senado Federal. Decreto nº 847 - de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal.

[Rio de Janeiro], 1890. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/55636995/Codigo-Penal-de-1890-Completo>. Acesso em: 14 ago. 2013.

41 Ibid.

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tipificada como infanticídio. De outra parte, se o sujeito ativo do crime fosse a mãe

para ocultar desonra a pena era abrandada.

Conforme Irene Batista Muakad:

Pelo artigo 298 qualquer pessoa podia ser autora do infanticídio, inclusive a mãe fora da hipótese de ocultação de desonra, não distinguindo o legislador, quanto à pena, o infanticídio ou do homicídio. A figura privilegiada do crime surgiu no parágrafo único atendendo à causa honoris, e somente no Código de 1940 o infanticídio transformou-se em delictumexceptum, que só pode ter como autora a mãe. 42

Entretanto, com a constante mudança na sociedade e a evolução da

medicina, o legislador viu-se obrigado a modificar o conceito de crime de infanticídio,

deixando o critério de honoris causa para trás e dando lugar ao critério

fisiopsicológico chamado estado puerperal. 43

A honoris causa passou a não servir mais como justificativa para o

cometimento do ato ilícito, pois, muitas vezes, a mulher casada que levava uma

gravidez legítima, porém posteriormente passasse por uma separação provocada

pelo marido, poderia vir a matar seu filho por sentimento de raiva ou desespero.

Assim, o chamado estado puerperal substituiu o critério honoris causa até

então utilizado pelo legislador, pois existiram constatações de possíveis transtornos

físicos e mentais na parturiente.44

Nesses termos, Euclides Custódia da Silveira relata que:

A razão fundamental da escolha desse novo critério (estado puerperal) foi evitar a injustiça que o tradicional propiciava, por restringir a honoris causa à gravidez ilegítima. A mulher casada, que concebia legitimamente, mas era abandonada pelo esposo, sem recursos financeiros às vésperas do parto, não podia invocar a honoris causa, se matasse a recém-nascida impelida pela situação de desespero e dos distúrbios físicos e mentais decorrentes

42 MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária.

São Paulo: Mackenzie, 2002. p. 12. 43 MUAKAD, loc. cit. 44 SILVEIRA, Euclides Custódio. Direito penal: crimes contra a vida. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1973. p. 92-93.

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do puerpério. O que se pretendeu, portanto, foi ampliar o privilégio de molde a abranger todos os casos em que a parturiente sofresse tais distúrbios fisiológicos e psíquicos ou morais.45

Ademais, em 1927 o Anteprojeto ao Código Penal reformou o critério até

então vigente de honoris causa pelo estado puerperal. Esse Anteprojeto baseou-se

no Código Suíço de 1916, sendo posteriormente confirmado no Código Penal de

1940.46

O atual Código Penal foi elaborado por Alcântara Machado e editado por

Getúlio Vargas em 1940, durante o Estado Novo.

Conforme José Antônio Paganella Boschi:

[...] O novo Estatuto Penal Repressivo manteve a aposta de eficiência das penas privativas de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples, esta última específica para fatos contravencionais); preservou a multa e, além das denominadas penas acessórias, propiciou a aplicação cumulativa das penas com medidas de segurança aos doentes mentais ou portadores de perturbação da saúde mental. 47

O Código de 1940 tratou o crime de infanticídio de forma privilegiada em

relação ao homicídio, sendo considerado como delictumexceptum48. Assim,

construiu-se uma modalidade autônoma, pois a mãe é a autora crime e seu filho

sujeito passivo. O crime de infanticídio ganhou uma pena mais branda em

comparação ao homicídio.

Fernando de Almeida Pedroso relata que “pelo sistema atual, soma-se o

motivo como fator de menor importância para a corporificação do infanticídio,

45 SILVEIRA, loc cit. 46 MELLO, Dirceu de. Infanticídio: algumas questões suscitadas por toda uma existência (do delito) de

discrepâncias e contrastes. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais).p. 58.

47 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 146.

48 Delictumexceptum significa delito premeditado. O termo exceptum significa acolhido, feito com

astúcia. O sentido mais correto da expressão é “crime doloso”. (DELICTUM EXCEPTUM. In: CARLETTI, Amilcare. Dicionário de latim forense. 3 . ed. São Paulo: Leud, 1990. p. 21).

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predominando e sobrelevando, na espécie, o desequilíbrio fisiopsíquico que pode

acometer a parturiente no decorrer ou logo após o processo do parto.” 49

Percebe-se que com o atual Código Penal para ocorrer o crime de infanticídio

a parturiente deve estar sobre a influência doestado puerperal em um lapso temporal

durante ou logo após o parto. O critério da honoris causa foi substituído pelo aspecto

fisiopsíquico. Portanto, sem a presença de todos esses elementos nãohá que se

falar em infanticídio.

O estado puerperal tem recebido severas críticas e sua existência contestada

por alguns médicos. Muitos ainda consideram que a principal causa para o

cometimento do delito de infanticídio é o motivo de honra.

Para Genival Veloso De França, “nada mais fantasioso que o chamado

estado puerperal, pois nem sequer tem um limite de duração definido. Diz a lei que é

durante ou logo após o parto, sendo esse “logo após” o parto sem delimitação

definida”.50

Já Heleno Cláudio Fragoso acredita na existência do estado puerperal na

parturiente relatando que:

O estado puerperal existe, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher, que a possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda de sangue e o enorme esforço muscular, pode determinar facilmente uma momentânea perturbação de consciência.51

Observa-se que há contradições com relação a existência do estado

puerperal na mulher. Também se discute o lapso temporal durante ou logo após o

parto, pois não foi estabelecido pelo legislador um período definido.

49 PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto:

crimes contra a vida. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 236. 50 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

261. 51 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. 8. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1986. v. 1. p. 40.

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Conforme mencionado anteriormente, o lapso temporal “logo após o parto”

não tem um período pré-estabelecido, devendo ser interpretado com caráter de

urgência, isto é, imediatamente após o parto. Nesses termos Guilherme de Souza

Nucci define que “deve-se, pois, interpretar a expressão “logo após” com o caráter

de imediatidade, pois, do contrário, poderão existir abusos”.

Também a respeito do estado puerperal afirma Cezar Roberto Bitencourt que:

“o estado puerperal pode determinar, embora nem sempre determine a alteração do

psiquismo da mulher dita normal. Em outros termos, esse estado existe sempre,

durante ou logo após o parto, mas nem sempre produz as perturbações emocionais

que podem levar a mãe a matar o próprio filho”.52

Já para Ivanildo Ferreira Alves “o estado puerperal é consequência normal e

comum a qualquer parto. Significa dizer que este estado nem sempre provoca

distúrbios psíquicos”.53

O infanticídio passou por relevantes modificações no Direito Brasileiro,

passando do critério de honoris causa para a aceitação da influência do estado

puerperal na parturiente.

Nesses termos, Euclides Custódia da Silveira relata que:

A razão fundamental da escolha desse novo critério (estado puerperal) foi evitar a injustiça que o tradicional propiciava, por restringir a honoris causa à gravidez ilegítima. A mulher casada, que concebia legitimamente, mas era abandonada pelo esposo, sem recursos financeiros às vésperas do parto, não podia invocar a honoris causa, se matasse a recém-nascida impelida pela situação de desespero e dos distúrbios físicos e mentais decorrentes do puerpério. O que se pretendeu, portanto, foi ampliar o privilégio de molde a abranger todos os casos em que a parturiente sofresse tais distúrbios fisiológicos e psíquicos ou morais.54

52. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 8. ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2008. p. 120. 53 ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: Unama, 1999. p.181. 54 SILVEIRA, Euclides Custódio. Direito penal: crimes contra a vida. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1973.

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Ademais, em 1927 o Anteprojeto ao Código Penal reformou o critério até

então vigente de honoris causa pelo estado puerperal. Esse Anteprojeto baseou-se

no Código Suíço de 1916, sendo posteriormente confirmado no Código Penal de

1940.55

Algumas tentativas de reforma do Código Penal ocorreram após a vigência do

Código Penal Brasileiro. Em 1963, Nelson Hungria elaborou, juntamente com outros,

o anteprojeto do Código Penal adotando o critério dehonoris causa e a influência do

estado puerperal conforme descrevia o artigo 119: “Matar para ocultar sua desonra

ou sob a influência de perturbação fisiopsíquica, provocada pelo estado puerperal, o

próprio filho, durante ou logo após o parto: pena-detenção de 2 a 6 anos”.56

Já o anteprojeto ao Código Penal de 1969 confirmou o honoris causa, porém

rejeitou a influência do estado puerperal, afirmando no seu artigo 122 que: “Matar a

mãe o próprio filho, para ocultar sua desonra, durante ou logo após o parto: pena-

detenção de 2 a 6 anos”. Aqui se observa que o crime deve ocorrer durante ou logo

após o parto sem a presença do estado puerperal.57

O anteprojeto do Código Penal – Parte Especial através da Portaria nº 304, de

17 de julho de 1984 do Ministério da Justiça, cotinuou com o critério de honoris

causa e retomou o estado puerperal em seu artigo 123 que afirmava58:

Art. 123 - Matar o próprio filho durante ou logo após o parto, sob a influência deste e para ocultar desonra própria: pena-reclusão, de 2 a 6 anos. § único- Quem concorre para o crime incide nas penas do art. 121 e parágrafos.

55 MELLO, Dirceu de. Infanticídio: algumas questões suscitadas por toda uma existência (do delito) de

discrepâncias e contrastes. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais).

56 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São Paulo: Millennium, 2004.

57 BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Rio, 1975. 58 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo,

Revista dos Tribunais, 2001. p. 57.

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Ainda, no parágrafo único do artigo 121 nota-se que o estado puerperal não

se comunica, e por isso, o co-autor ou partícipe deve responder pelo crime de

infanticídio.

Por fim, a Portaria nº 790, de 27 de outubro de 1987, propôs outro texto para

o delito de infanticídio com a retirada do estado puerperal, sendo substituído pela

palavra “perturbadora” que poderia ocorrer durante ou logo após o parto. O co-autor

ou partícipe do delito seria enquadrado no artigo 121 do Código Penal: homicídio.59

Art. 123 – Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob influência perturbadora deste ou para ocultar desonra própria: Pena reclusão de 2 a 6 anos. § único – Quem concorre para o crime incide nas penas do art. 121 e parágrafos.

59 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo,

Revista dos Tribunais, 2001. p. 57.

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3 INFANTICÍDIO

Os crimes contra a pessoa estão regulados na parte Especial do Código

Penal e, dentre as subdivisões, encontra-se o crime contra a vida. Aqui, obviamente,

o bem jurídico protegido é a vida.

Ajustado aos dispositivos genéricos da primeira parte do Código surge o

conjunto composto por normas incriminadoras e respectivas penas- a Parte

Especial. Cumpre-se, assim, o princípio da legalidade ou da reserva legal: Não há

crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia cominação legal. Pode-

se dizer, portanto, que a Parte Especial encontra neste princípio o seu fundamento

político-criminal. O conjunto de normas incriminadoras, que hoje denominamos Parte

Especial, precedeu à Parte Geral, pois as primeiras leis penais somente se

dedicaram ao conceito dos crimes e à cominação das respectivas penas. 60

O direito à vida está previsto no artigo 5º, caput, da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 1988.

Ademais, ela dispõe no seu artigo 227 do direito à vida:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

Conforme disposto na Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto

de São José da Costa Rica) “Toda pessoa tem direito de que se respeite a sua vida.

Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da

concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” 61

60 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais: parte especial do direito penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004. p. 62. 61 SAN JOSE DA COSTA RICA. Convenção Americana dos Direitos Humanos(1969): (Pacto de

São José da Costa Rica). 1969. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 09 ago. 2013).

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Neste sentido ressalta Pontes de Miranda que:

Odireito à vidaé inato; quem nasce com vida, tem direito a ela... Em relação às leis e outros atos, normativos, dos poderes públicos, a incolumidade da vida é assegurada pelas regras jurídicas constitucionais e garantida pela decretação da inconstitucionalidade daquelas leis ou atos normativos... O direito à vida é direito ubíquo: existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supraestatal [...]62.

O Código Civil traz em seu artigo 2° que o nascituro tem direito garantido por

leidesde a concepção.

Já o Estatuto da Criança e o Adolescente (ECA) trata em seu artigo 4° que:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.63

O Estatuto da Criança e Adolescente no seu artigo 5° traz à proteção a

criança ou adolescente contra negligência, exploração, discriminação, violência,

crueldade e opressão, punidos na forma da lei pela ação ou omissão aos seus

direitos fundamentais.64

Conforme Salo de Carvalho “segundo o art.1º da Constituição, a República

constitui-se Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a cidadania e a

dignidade da pessoa humana. Rege-se, em suas relações internacionais, pelo

princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, CR/88). A prevalência dos

62 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado: parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi,

1971. p. 14. 63 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto

da Criança e do Adolescente [...]. Brasília, 27 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 14 set. 2013.

64 TAVARES, José de Farias. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente: revistada, ampliada e atualizada de acordo com as leis correlatas. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 16.

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direitos humanos, no entanto, não vincula apenas as relações exteriores, mas

orienta todo ordenamento jurídico nacional”. 65

Para a bioética66, tem-se que a pessoa humana deve ser respeitada e

protegida em todos os seus aspectos, principalmente no de continuidade da vida.67

Segundo Joaquim Clotet:

No âmbito dos desafios bioéticos, esta hermenêutica deve se voltar para os princípios em destaque o da dignidade da pessoa humana e o de proteção à vida- que servem de critério ao legislador ordinário, ao Judiciário, ao Executivo e a toda a sociedade, como forma de concretização dos valores fundamentais contidos na Constituição Federal, vez que possuem função diretiva e integrativa.68

O princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção à vida devem servir

de critério a todas as áreas da sociedade a fim de respeitar o exposto na

Constituição Federal.

De acordo com José Henrique Pierangeli “A palavra infanticídio provém do

latim infanticidium, que no vernáculo significa a morte dada a uma criança, sobretudo

recém-nascida ou em vias de nascer.” 69

O infanticídio está previsto no Código Penal brasileiro na parte dos crimes

contra a vida e está tipificado no artigo 123 do Código Penal que expõe:

Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena de detenção, de dois a seis anos.

65 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.

155. 66 “Bioética é um campo da ética prática que pesquisa sobre os problemas morais oriundos,

sobretudo, da razão instrumental, relacionados ao início, ao meio, ao fim da vida humana [...]” (MIGOTT, Ana Maria Bellani. Ética em pesquisa com seres humanos: em busca da dignidade humana. Passo Fundo: Ed. UPF, 2012. p. 15).

67 SOTO, Érica Antônia Biando de. Biomedicina e o biodireito: perspectiva semiológico-constitucional da dignidade humana e do direito à vida. Revista Jurídica IUS Viuens, Campo Grande, MS, n. 5, p. 53, 2001. p. 53.

68 CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p. 23. 69 PIERANGELI, José Henrique. Manual do direito penal brasileiro: parte especial. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005. p. 59.

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Segundo Aníbal Bruno,

A maneira de entender o infanticídio e de puni-lo tem variado profundamente através dos tempos; umas vezes, predominando o aspecto monstruoso de se dar a morte de um ser indefeso e inculpável, agravado pela circunstância de que a própria mãe o fizesse, e então se concluiu pela severidade penal; outras, fazendo-se prevalecer motivos que conduziam a atenuar a responsabilidade do agente.70

Apesar das mudanças ocorridas ao longo do tempo para conceituar o crime

de infanticídio, o Código Penal de 1940 estabeleceu o estado puerperal como

elementar normativa do presente crime.

3.1 O CRITÉRIO HONORIS CAUSA

Segundo Cezar Roberto Bitencourt “os dois critérios mais conhecidos que

fundamentam a consideração do crime de infanticídio como delictumexceptum são:

psicológico e fisiológico. O critério psicológico pretende justificar-se no desejo de

preservar a honra pessoal, como, por exemplo, a necessidade de ocultar a

maternidade. O critério fisiológico, por sua vez, que foi adotado pelo nosso Código

Penal, admite a influência do estado puerperal”.71

As Legislações anteriores ao Código Penal de 1940 estabeleciam o motivo de

honra, isto é, honoris causa, como motivador do crime de infanticídio. Assim, com o

intuito de ocultar gravidez ilegítima e fora do matrimônio, a mãe matava seu filho.

Segundo Fernando de Almeida Cardoso a honra é “osomatório das

qualidades, atributos e virtudes que enfeixam e dão contornos ao caráter do

indivíduo, consolidando sua formação ética e moral.” 72

70 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte especial I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 147. 71 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 8. ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2008. p. 120. 72 ROSA, Fábio Bittencourt da.Doutrinas essenciais direito penal. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI,

Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais). p. 931.

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A honra é um bem imaterial referente à personalidade do ser humano, tendo o

indivíduo o direito de ser respeitado com relação aos seus dotes morais.73

Para Fábio Bittencourt da Rosa, “a honra está submetida à Ética. Logo varia

no tempo e no espaço. O fato desonroso toma colorido das normas morais de um

período histórico e de determinado local ou tipo de convivência. Ademais, toda a

sociedade constrói seus valores e a desonra está exatamente no desajuste aos

padrões eleito”. 74

Segundo ensinamentos de Nelson Hungria e Heleno Claudio Fragoso

As considerações que, nos tempos modernos, prevalecem no sentido de destacar-se o infanticídio como um delectumexceptum (quando praticado pela própria mãe), ou merecedor de benigno tratamento penal, em cotejo com o homicídio, são de duas espécies: umas atendem a um ponto de vista puramente psicológico, outras se fundam no estado fisiopsíquico da mulher parturiente.75

O critério honoris causa leva em consideração o lado psicológico do ser

humano, assim a mãe por medo de admitir uma gravidez ilegítima ou desonra

perante a família ou sociedade, vem a matar seu filho. Válido ressaltar que o aspecto

fisiopsicológico, isto é, alterações tanto físicas como psíquicas no chamado estado

puerperal, não são relevantes para o estabelecimento do critério honoris causa.

3.1.1 Influência do Chamado Estado puerperal para a construção do delito

De acordo com a CID-10 (classificação internacional de doenças), o puerpério

compreende as seis semanas subsequentes ao parto. Portanto, as manifestações

73 ROSA, Fábio Bittencourt da.Doutrinas essenciais direito penal. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI,

Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais). p. 931.

74 ROSA, Fábio Bittencourt da. Doutrinas essenciais direito penal. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais). p. 910.

75 FRAGOSO, Claudio. Hungria. Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. 6. p. 250.

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que ocorrerem dentro deste período de tempo são aquelas que podem ser

consideradas como decorrentes do “período puerperal” ou do “puerpério.76

Segundo Ivanildo Ferreira Alves o estado puerperal “São alterações

fisiológicas que momentaneamente podem obnubilaro entendimento da parturiente,

sem, contudo, eliminá-lo de modo total e pleno.”77

Não se pode confundir estado puerperal com puerpério, pois o estado

puerperal é um período transitório que pode afetar mulheres consideradas normais

fisicamente e mentalmente, porém que pode sofrer psicologicamente durante ou

logo após o parto. Já o puerpério é o tempo que o corpo da parturiente leva, após o

parto, para retornar ao seu estado normal. O período do puerpério dura em média de

seis a oito semanas.78

O médico legista Genival Veloso de França considera “o puerpério como

sendo o espaço de tempo variável que vai do desprendimento da placenta até a

involução total do organismo materno às suas condições anteriores ao processo

gestacional.”79

Doutrinadores, psiquiatras e médicos legistas divergem com relação ao

conceito, identificação e existência do chamado estado puerperal.

Para Ivanildo Ferreira Alves, “o estado puerperal é uma forma passageira de

alienação mental, é um estado psíquico patológico que, durante o parto, leva a

parturiente à prática de condutas delituosas e incontroláveis sendo que, logo após o

puerpério, a saúde mental retoma sua normalidade”.80

A respeito do estado puerperal menciona Almeida Júnior:

76 ALMEIDA JUNIOR, A. Lições de medicina legal. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1948.p. 380. 77 ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: Unama, 1999.p. 181. 78 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p.

206. 79 FRANÇA, loc. cit. 80 ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: Unama, 1999.p. 181.

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O que estava presente no espírito do legislador de 1940, quando foi redigido o artigo 123, ao referir-se ao estado puerperal, certamente eram os casos em que a mulher, abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do sendo moral, uma liberação dos impulsos, chegando, por isto, a matar o próprio filho. Não alienação parental nem semi- alienação (casos estes já regulados pelo Código), mas também não a frieza de cálculo, a ausência de emoção, a pura crueldade que intermediaria entre a loucura total, a alteração parcial e a normalidade, que domina a mulher quando esta se defronta com o produto não desejado e temido de suas entranhas.81

Já é de entendimento para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: INFANTICÍDIO. PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. A morte do próprio filho pela própria mãe, logo após o parto e ainda sob influência do estado puerperal que lhe determina perturbação da saúde mental, como constatado pericialmente, caracteriza, em tese, o crime definido no art. 123 do Código Penal e não homicídio qualificado por asfixia. Pronúncia confirmada. Recurso em sentido estrito ministerial não acolhido.82

Apesar de o laudo psiquiátrico constatar que a ré agiu sob influência de

“reação psicótica puerperal” na época dos fatos, a doutrina é firme ao afirmar que o

delito de infanticídio exige que a mãe esteja por ocasião da conduta sob a influência

do estado puerperal que não se confunde com a psicose puerperal. A doutrina leva

considera infanticida quem estava sob efeito do estado puerperal que acarreta

alteração no entendimento da parturiente, sem eliminar totalmente sua capacidade

de raciocínio e compreensão do ato.83

Já a psiquiatria forense dá diferente denominação ao delito de infanticídio e

tem visão diversa a respeito do estado puerperal na parturiente. A psiquiatria forense

dá o nome de filicídio ao infanticídio e considera que existemdois tipos distintos: o

neonaticídio e o filicídio propriamente dito. 84

81 ALMEIDA JUNIOR. Lições de Medicina Legal. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1948. p. 380. 82 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal.Recurso em sentido

ESTRITO Nº 70021939301. Relator: Vladimir Giacomuzzi. Julgado em: 19 de dezembro de 2007. 83 ROSA, Fábio Bittencourt da.Doutrinas essenciais direito penal. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI,

Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v.5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais). p. 931.

84 SOUZA, Carlos Alberto Crespo de; CARDOSO, Rogério Göttert (Org.). Psiquiatria forense: 80 anos de prática institucional. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 294.

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O psiquiatra forense Rogério Göttert Cardoso relata que “há dois tipos distinto

de filicídio: oneonaticídio e o filicídio propriamente dito. O primeiro diz respeito ao

assassinato de um recém-nascido, antes das 24 horas de vida e o segundo é

quando isso ocorre após as 24 horas”.85

O estado puerperal é de difícil constatação e para alguns autores não pode

ser confundido com outros problemas que parturientes vivem durante ou logo após o

parto, sendo o caso da depressão pós- parto e da psicose puerperal.

Segundo Verônica Homem Valle, “à manifestação de ansiedade ou depressão

na gestação associam-se sintomas depressivos no puerpério, e que muitos

episódios depressivos que ocorrem após o parto têm um início insidioso, começando

até três ou quatro meses após o parto. A depressão pós-parto pode ter parte ou

continuação da depressão iniciada na gestação.” 86

Há níveis de depressão iniciados no puerpério, sendo classificados como:

tristeza materna, depressão pós- parto e episódio depressivo grave, além da psicose

puerperal que exige internação87.

As mulheres nos primeiros dias após o parto podem apresentar a Tristeza

materna onde a parturiente fica mais sensível tendo choro fácil e ficando muito

irritada. Demonstra também comportamento indiferente com os parentes e

familiares. Geralmente só há necessidade de suporte emocional, pois a depressão

não dura mais que duas semanas88.

85 SOUZA, Carlos Alberto Crespo de; CARDOSO, Rogério Göttert (Org.). Psiquiatria forense: 80

anos de prática institucional. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 289. 86 VALLE, Verônica Homem et al. Acta Médica, Porto Alegre, v. 28, p. 497-512, 2007. p. 497. 87 VALLE, loc. cit. 88 Ibid., p. 499.

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Entretanto, há casos de depressões mais graves como a depressão pós-parto

e a psicose puerperal. A depressão pós- parto (DPP) ocorre entre a segunda e

terceira semana pós-parto, podendo continuar até dois anos pós-parto.89

Muitas mulheres não querem admitir que estejam com depressão pelo fato de

ficarem constrangidas perante a família e o novo bebê.Alguns sintomas

apresentados na DPP podem levar a mulher a ter o desejo de causar dano ao seu

bebê e pensamentos suicidas. O tratamento para esse tipo de doença é a base de

antidepressivos.90

Alguns fatores contribuem para desencadear a DPP como problemas que a

parturiente enfrenta em sua vida. A menoridade da mulher, pobreza, desemprego,

problemas com o pai do infante e problemas familiares. Também, não se pode

esquecer que no parto os níveis hormonais decaem, pois na gravidez há o aumento

de estrógeno91 e progesterona92, e no pós- parto esses níveis tendem a cair

rapidamente, assim podendo causar depressão na mulher.

Quanto a depressão pós- parto, Verônica Homem Valle relata:

Tem sido utilizada como forma de rastreamento para a DPP a aplicação da Escala de Depressão Pós- natal de Edimburgo, um método bastante simples que pode ser feito por médicos obstetras, pediatras e clínicos gerais. A EDPE é um instrumento de auto registro composto por 10 enunciados, cujas opções são pontuadas (o a 3) de acordo com a presença ou intensidade do sintoma. Seus itens cobrem sintomas (humor deprimido ou disfórico, distúrbio do sono, perda de apetite, perda de prazer, ideação suicida, diminuição de desempenho e culpa) encontrados entre os mais

89 ALMEIDA JUNIOR, A. Lições de medicina legal. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1948. p. 381. 90 CARDOSO, Leonardo Mendes. Medicina legal para o acadêmico de Direito. Belo Horizonte: Del

Rey, 2006. p. 94. 91 Palavra aplicada a qualquer hormona esteroide quer produzida pelo ovário, testículo, córtex

suprarrenal ou placenta, quer sintética, e que estimula o desenvolvimento e manutenção dos caracteres sexuais secundários femininos, assim como o crescimento dos órgãos genitais da mulher. (VALLE, Verônica Homem et al. Acta Médica, Porto Alegre, v. 28, p. 497-512, 2007.p. 497).

92 Progesterona é o segundo hormônio feminino e é produzida principalmente no ovário. No processo da ovulação, o óvulo, célula fértil feminina, se encontra dentro de uma pequena bolinha de líquido chamada folículo. Este folículo produz o estrógeno, hormônio feminino básico. É o estrógeno que faz o aspecto físico da mulher. Após a liberação do óvulo este folículo se transforma em corpo amarelo ou lúteo, e começa a produzir progesterona, a qual prepara a mulher para a gestação e o aleitamento. (VALLE, loc. cit., grifo nosso).

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frequentes de depressão. Estima-se uma prevalência de depressão na gravidez de uma ordem de 7,4% no primeiro trimestre, 12,8% no segundo e 12% no terceiro. Trabalhos que avaliam a DPP do ponto de vista da psiquiatria clínica referem que o seu risco de ocorrência em mulheres primíparas93 é de 10 a 15%, sendo o risco de recorrência de 50% em mulheres sem uma história prévia de transtorno do humor, podendo se aproximar de 100% em mulheres com história de ambos (transtorno do humor e DPP prévia).94

Para alguns autores, a psicose puerperal é considerada uma doença mental e

nada tem a ver com influência do estado puerperal. Algumas mulheres apresentam a

chamada Psicose toxinfecciosa puerperal. Geralmente, essas mulheres já possuem

pré- disposições esquizofrênicas, isto é, alucinações e depressão são alguns dos

sintomas apresentados pelas mesmas. É uma doença mental que se enquadra no

caput do art. 26 do Código Penal.95

Também, em se tratando de psicoses puerperais, há a chamada cólera das

puérperas que pode desencadear em mulheres portadoras de personalidades

psicopáticas96. Neste caso, há a inexistência de crime, pois a parturiente será

considerada inimputável, conforme disposto no artigo 26 Código Penal. Aqui, a

psicose puerperal anula a capacidade de compreensão e discernimento da

parturiente.

Nesse sentido afirma Hélio Gomes que:

Temos as psicoses puerperais, conseqüentes ou concomitantes do puerpério. Não se trata da loucura puerperal cuja única manifestação seria o crime, mas de uma verdadeira psicose toxi-infecciosa, acessos de mania ou melancolia, reações esquizofrênicas, etc. Mãe que mate o filho sob a influência dessa psicose e não sob a influência do estado puerperal é uma doente mental: enquadra-se no art.26 do Código Penal. No segundo caso, o puerpério agrava anormalidades anteriores, que podem levar ao crime. São perversas instintivas, histéricas, débeis mentais, etc., nas quais o abalo puerperal arrasta ao delito determinando às vezes impulsos filicidas. A criminosa enquadrar-se-á no parágrafo único do art. 26. Ainda aqui não se trata de influência do estado puerperal. O terceiro caso, o mais comum, é

93 Primípara é a mulher que pare pela primeira vez, isto é, que teve o primeiro parto. (VALLE,

Verônica Homem et al. Acta Médica, Porto Alegre, v. 28, p. 497-512, 2007.p. 497). 94 VALLE, loc. cit. 95 Ibid., p. 500. 96 As pessoas que apresentam personalidades psicóticas demonstram através de sua vida transtorno

de instintos, afetividade caráter, mercê de uma anormalidade mental definitivamente preconstituída, sem, contudo assumir a forma de verdadeira enfermidade mental. (VALE, loc. cit.).

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aquele a que se quis referir por certo o legislador. Nele ingressam as gestantes normais, mas a quem as dores do parto, as emoções do abandono moral, as privações sofridas antes, durante ou logo após o parto.97

Na opinião de Francisco Silveira Benfica, jamais uma parturiente que tenha

uma gravidez planejada e desejada virá a matar seu filho, expondo que:

O estado puerperal é um quadro de obnubilação98 e confusão mental, que segue o desprendimento fetal e que só ocorre na parturiente que não recebe assistência ou conforto durante o trabalho de parto. É desencadeado por fatores físicos, representados pela dor; químicos, proporcionados pelas alterações hormonais, e psicológicos, precipitados pela tensão emocional. Trata-se de um quadro de difícil determinação pericial, sendo muito discutido, do ponto de vista médico-legal, a sua real existência. Portanto deve ser analisado e definido caso a caso, por peritos médico-legistas ou psiquiatras forenses, pois se trata de uma perturbação psíquica passageira, mas suficiente para alterar o comportamento da mãe. Não deve ser confundido com “puerpério”, nem com os estado de “depressão pós-parto.99

Assim, se pode constatar que há um grande descompasso entre o

conhecimento médico, psiquiátrico e a lei com relação ao estado puerperal.

Tem-se a ideia de que estado puerperal pode ocorrer com gestantes

fisicamente e mentalmente normais, porém devido às dificuldades sociais, familiares,

gravidez indesejada e falta de apoio por parte do pai da criança e/ou parentes, vem

a matar seu próprio filho durante ou logo após o parto. Basta a mulher ser

parturiente, ou já puérpera, nesse diapasão.100

Entretanto, alguns autores justificam o cometimento do infanticídio pela

parturiente devido à existência de um parto sofrido, violento que faz com que a

97 GOMES, Hélio. Medicina legal. 28. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992. p. 370-371. 98 A obnubilação é uma alteração (obscurecimento) do estado de consciência e diminuição do estado

de vigília resultante de uma perturbação, doença ou traumatismo. A capacidade mental e de reacção ao ambiente está diminuída e o doente mostra apatia, sonolência, diminuição de resposta aos estímulos e desorientação têmporo-espacial. (OBNUBILAÇÃO. In: LOPES, Fernando. Portal da Codificação Clínica e dos GDH. [Lisboa], 15 out. 2010. Disponível em: <http://portalcodgdh.min-saude.pt/index.php/Obnubila%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 5 nov. 2013).

99 BENFICA, Francisco Silveira et al. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 95 a 96.

100 CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 587.

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parturiente tenha uma queda hormonal, ficando sensível, vulnerável e às vezes, vir a

sofrer alucinações, assim podendo tirar a vida de seu próprio filho.

Já para muitos psiquiatras forenses a psicose puerperal e a depressão pós-

parto estão diretamente ligados ao estado puerperal e podem ocorrer sob a

influência do estado puerperal.

3.1.2 Aspectos Relevantes do Delito

Há no crime de infanticídio o sujeito ativo e o sujeito passivo. No crime de

infanticídio nota-se que somente a genitora sobre a influência do estado puerperal

pode ser sujeito ativo no delito de infanticídio. De acordo com Magalhães Noronha, o

infanticídio com relação ao sujeito ativo é “crime da genitora, da puérpera”.101O crime

de infanticídiosó pode ser praticado pela mãe do sujeito passivo.

O sujeito passivo é o nascente e o recém- nascido em vista do lapso temporal

“durante ou logo após o parto”. Deve-se ter presente que antes do parto, se houver

ação contra o fruto da concepção, se está diante de um feto e assim ocorreria o

crime de aborto.

Já com relação ao bem jurídico tutelado no delito de infanticídio, tem-secomo

bem maior a vida humana, podendo ser a vida do nascente ou recém-nascido, isto é,

a vida do sujeito passivo do delito. Aqui o objeto material é a criança que sofre a

conduta criminosa, no caso o sujeito passivo.102

Conforme Nilo Batista, “no direito penal, à conduta do sujeito autor do crime

deve relacionar-se, como signo do outro sujeito, o bem jurídico”. 103

101 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 29. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. p. 44. 102 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010.p. 627. 103 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Revan, 2011. p. 11.

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Ademais, a conduta só pode ser punida quando lesionar direitos de outras

pessoas, não devendo ser levado em conta a conduta puramente individual,

pecaminosa e que não exceda o âmbito do próprio autor. 104

3.1.3 Nascente e Recém-nascido

O delito de infanticídio é caracterizado quando a mãe mata seu filho durante

ou logo após o parto sobre a influência do estado puerperal.

O Código Penal atual adicionou à tipificação do delito o feto nascente, pois o

Código Penal de 1890 só tinha a figura do recém-nascido como agente passivo do

delito.

O infanticídio durante o parto é mais raro. Aqui se encontra a figura do feto

nascente, isto é, aquele que está nascendo e tem as mesmas características do

infante nascido, menos a faculdade de ter respirado.105

Conforme ensinamentos de Genival Veloso de França, “há casos relatados na

literatura médico- forense de mães que mataram o próprio filho, ao despontar na

abertura vulvar, por contusão craniana, por perfuração das fontanelas106, por

esgorjamento107 ou por decapitação.”108

104 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Revan, 2011. p. 11. 105 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.p.

263. 106 O recém-nascido apresenta duas aberturas no alto da cabeça que são denominadas de fontanela

anterior e fontanela posterior que são popularmente chamadas de “moleira”. Assim, permitindo o crescimento adequado do cérebro no infante. (RECÉM NASCIDO. In: DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara.Medicina legal. 4. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2005. p. 108).

107 Esgorjamentoé uma lesão incisa localizada no pescoço, porém em sua região anterior (parte da frente do pescoço). (ESGORJAMENTO. In: DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara.Medicina legal. 4. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2005. p. 107).

108 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 262.

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A expressão feto nascente tem sido criticado, pois para a medicina feto é “o

estágio de desenvolvimento intra-uterino que tem início após oito semanas de vida

embrionária, quando já se podem ser observados braços, pernas, olhos, nariz e

boca, e vai até o fim da gestação. O estágio anterior a este é conhecido como

embrião. Após o parto, o feto passa então a ser considerado um recém-nascido”.109.

Assim, conclui-se que,no crime de infanticídio, basta que hajaa vida circulatória sem

a necessidade de respiração, como explica Paulo Alves Franco:

Nascer com vida segundo a jurisprudência admite, significa nascer e respirar pelos pulmões. Em verdade, o fato mais característico da vida extra-uterina é a instalação da respiração pulmonar, se o qual o feto não logra adaptar-se às novas condições de sua existência e ter realmente vida autônoma. Mas no tocante ao infanticídio, a vida circulatória é suficiente.110

Já infante nascido é aquele que acabou de nascer, porém não teve os

cuidados especiais que um recém-nascido deve receber como higiene corporal ou

tratamento do cordão umbilical.

E, finalmente, o recém-nascido que possui menos de sete dias de vida e é

definido como aquele que nasceu e recebeu cuidados médicos. Conforme o médico

Delton Croce, “o conceito médico-legal de caracterização do recém-nascido abrange

um período que vai desde os primeiros cuidados de higienização corporal, com

consequente remoção, de sua superfície, de sangue materno ou fetal, e pelo

tratamento do cordão umbilical, após o delivramento111, até o sétimo dia do

nascimento.”112

A legislação Brasileira não leva em consideração o critério pediátrico que

expõe que o coto umbilical, isto é, o umbigo do recém- nascido, pode levar até 15

109 DOUGLAS, William. Medicina à luz do direito penal e processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro:

Impetrus, 2001, grifo nosso. p. 178. 110 FRANCO, Paulo Alves. Medicina legal aplicada. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora de Direito,

1998. p. 165. 111 Delivramento significa a expulsão das páreas após o parto. Denomina-se párea o conjunto dos

anexos do embrião, expulsos após o feto (placenta, parte do cordão umbilical, membranas que envolvem o feto); secundinas. (DELIVRAMENTO. In: DICIONÁRIO online de português. Disponível em: < http://www.dicio.com.br/delivramento/>. Acesso em: 04 nov. 2013.

112 CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 592.

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dias para se desprender da barriga do bebê e, em alguns casos, até 25 dias quando

há a presença de umbigo grosso e gelatinoso.113

O delito de infanticídio é um crime próprio quanto ao sujeito, doloso, de dano,

material, comissivo ou omissivo, instantâneo. É necessário o exame do corpo de

delito conforme artigo 158 do Código de Processo Penal.114

Trata-se de um delito de ação penal pública incondicionada, competindo ao

júri o julgamento. Como toda ação penal pública admite ação privada subsidiaria,

nos termos da CF, desde que haja inércia do MP.115

O crime de infanticídio só pode ter como autora a mãe sob influência do

estado puerperal durante ou logo após o parto. Conforme ensinamentos de

Bitencourt com relação ao crime de infanticídio “também é um crime privilegiado,

pois o verbo núcleo do crime é o mesmo do homicídio, mas a pena cominada é bem

reduzida, para a mesma ação de matar.”116

Quanto ao tipo objetivo o crime pode ser praticado com a utilização de

qualquer meio, não tendo assim um modo especifico para executá-lo, admitindo até

mesmo a omissão.

Conforme disposto no artigo 13,§ 2º, alínea a do Código Penal (redação

dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.117

113 CROCE, loc. cit. 114 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:

Renovar, 2007. p. 370. 115 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

p. 430. 116 BITENCOURT, loc. cit. 117 Ibid., p. 431.

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O infanticídio pode ser causado pela omissão da mãe que deixa de prestar os

cuidados necessários e essenciais ao seu filho sob influência do estado puerperal.

Deve-se levar em conta o nexo de causalidade entre o estado puerperal e a ação ou

omissão delituosa da autora. Ademais, o delito não pode ser cometido sem duas

elementares: a personalíssima e a temporal do crime, isto é, não há crime de

infanticídio se a mãe sob influencia do estado puerperal não for autora e se não

ocorrer durante ou logo após o parto do seu filho.

Já o tipo subjetivo do crime é o dolo direto ou eventual que consiste na

vontade livre e consciente da mãe de matar seu próprio filho, durante ou logo após o

parto, ou, no mínino, na assunção do risco de matá-lo, ou, em outros termos, a mãe

deve querer diretamente a morte do próprio filho ou assumir o risco de produzi-la.118

O delito de infanticídio admite a tentativa de realizar o crime. Se a mãe inicia a

ação de matar seu filho, mas é impedida por alguém, se verificará a tentativa de

infanticídio. Nesse sentido afirma Vicente de Paula Rodrigues que

Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços conforme art. 14, II, parágrafo único do CP). A diminuição de um a dois terços depende da gravidade da tentativa, ou seja, quanto maisa autora se aproxima da consumação menor deve ser a diminuição da pena (um terço); quanto menos ela se aproxima da consumação maior deve ser a atenuação (dois terços).119

Segundo Heleno Fragoso “o crime de infanticídio exige o dolo, porém, na

forma de vontade viciada pelas perturbações resultantes da influência do estado

puerperal a vontade e consciência devem abranger a ação da mãe puérpera, os

meios utilizados na execução (comissivos ou omissivos), a relação causal e o

resultado morte do filho. A tipificaçãodeste crime sóadmite a modalidadedolosa.”120

118 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 119 Ibid., p. 433. 120 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. 11.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1995. v. 1. p. 80.

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O crime impossível existe quando a mãe acreditando que seu filho esteja vivo

tenta matá-lo, porém o infante já se encontrava morto. Ademais, se o infante estiver

morto e a mãe, supondo que o mesmo esteja vivo, abandonar o cadáver, estaremos

também diante de um crime impossível.121

O Código Penal Brasileiro foi omisso quanto à definição do concurso de

agentes no crime de infanticídio, gerando assim divergências doutrinárias.

Para Ivanildo Ferreira Alves, “o exame aprofundado do artigo 123 do CP traz

à tona uma questão que tem proporcionado intensos debates e divergências

doutrinárias. Trata-se da hipótese não rara, nos casos concretos de infanticídio, em

que a parturiente, sob influencia do puerpério, é auxiliada, de algum modo, por uma

terceira pessoa, homem ou mulher.”122

Há muitas discussões quanto a forma de punição de pessoas que colaboram

para a prática de infanticídio. O Código Penal atual não tratou do assunto, assim

deixando margem a dúvidas. Nessa omissão do legislador nasceram duas correntes

doutrinárias que se posicionam perante a forma de punição do concurso de pessoas

no delito de infanticídio.

A primeira corrente defende a comunicabilidade, isto é, a idéia de que as

circunstâncias de caráter pessoal se comunicam de uns a outros co-autores quando

elementares do crime e tem como principais defensores: Roberto Lyra, Olavo de

Oliveira, Magalhães Noronha, Basileu Garcia, dentre outros...

Afirma Magalhães Noronha que “a não comunicação ao co-réu só seria

compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não

um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei.”123

121 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:

Renovar, 2007. p. 371. 122 ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: Unama, 1999.p. 187. 123 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. p. 79.

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Já a segunda corrente adotou o ponto- de- vista dá não comunicabilidade,

levantando a idéia de que o co-autor no crime de infanticídio deve responder por

homicídio. Os principais defensores dessa idéia foram Nelson Hungria, Heleno

Claudio Fragoso, Galdino Siqueira, Aníbal Bruno, entre outros...

Na opinião de Aníbal Bruno, “somente a mãe pode praticar o infanticídio e,

para os outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que

é o homicídio.”124

O crime de homicídio simples tem pena de reclusão de seis a vinte anos

enquanto o crime de infanticídio tem pena de detenção de dois a seis anos. Nota-se

que para a infanticida há a pena de detenção onde somente serão iniciados nos

regimes semi- aberto ou aberto. Já no crime de homicídio simples o condenado

poderá iniciar o cumprimento o regime no fechado.

Com relação ao concurso de pessoas Guilherme de Souza Nuccirelata que “a

questão foi discutida inicialmente na Conferência dos Desembargadores, realizada

no Rio de Janeiro em julho de 1943, onde foi formulada conclusão, por maioria dos

votos, nos seguintes termos: ao participe do crime de infanticídio, deve ser aplicada

a pena cominada para esse crime, e não a aplicável no caso de homicídio”.125

O estado puerperal é elementar do crime, embora circunstância pessoal.

Assim, se não houver o estado puerperal se terá o crime de homicídio, perdendo o

caráter de crime próprio e excepcional. 126

Conforme expresso nos artigos 29 e 30 do Código Penal, quanto a

comunicabilidade no crime de infanticídio, dispõem:

124 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. t. I.p. 64. 125 NUCCI, Guilherme de Souza et al. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011. v. 5. p. 714. 126 MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico- legal e da prática judiciária.

São Paulo: Mackenzie, 2001. p. 99.

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Art.29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Art.30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráterpessoal, salvo quando elementares do crime127

Assim, os defensores da idéia de comunicabilidade no delito de infanticídio

seguiram o disposto nesses artigos para chegar à conclusão sobre a

comunicabilidade no crime de infanticídio, tendo que circunstâncias de caráter

pessoal se comunicam de uns a outros co-autores quando elementares do crime.

Apesar de todas as considerações e construções acerca do tema no âmbito

do direito, não é possível investigar o delito sem avaliá-lo, também, no âmbito da

medicina.

127 BRASIL. Código Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 68.

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4 PERÍCIA

A prática da Medicina Legal começou a ser reconhecida no século XVI

quando iniciaram a ser exigidos peritos na avaliação dos diversos tipos de delito.

Alguns acontecimentos históricos introduziram no mundo a Medicina Legal no

âmbito do Direto como, por exemplo, a morte por suspeita de envenenamento do

Papa Leão X. O corpo do Papa foi necropsiado128a fim de ser constatada a causa de

sua morte.129

Com relação à parte histórica da Medicina Legal, relata a Juíza de Direito

Eliane Alfradique que:

Embora seja comprovada a participação médica em processos judiciais, os antigos não conheciam a Medicina Legal como ciência. Somente com a legislação de 1209, por um decreto de Inocêncio III iniciou-se a perícia médica. Gregório IX, em 1234, exigia a opinião médica para distinguir dentre os ferimentos, aquele considerado mortal e até no cancelamento de casamentos, caso houvessem suspeitas comprovadas de sexo entre os noivos antes da cerimônia.130

Segundo relata Delton Croce, “todo procedimento médico (exames clínicos,

laboratoriais, necroscopia, exumação131) promovido por autoridade policial ou

128 Necropsia é o exame a ser realizado em cadáveres vítimas de morte violenta (homicídio, suicídio

ou acidente) ou mortes com suspeita de algum fato jurídico a ser diagnosticado. Os casos de morte sem assistência médica não fazem parte desse tipo de solicitação, devendo ser o atestado de Óbito emitido pelo Serviço de Verificação de Óbito local ou médico responsável designado pela Secretária de Saúde. Nas necropsias de fetos ou lactentes, iniciar a descrição com “cadáver de um feto (neonato ou criança lactente) do sexo [...]”. Fazer a descrição da placenta, com ênfase a possíveis anomalias ou lesões traumáticas. Fazer referência quando a placenta não for encaminhada para exame. Nos casos em que não ficar clara a causa mortis do feto, escrever uma discussão enfatizando a ausência de lesões traumáticas e respondendo ao segundo quesito “morte intra-uterina de causa indeterminada”. Evitar o uso da expressão “anóxiaintra-uterina”. Nas necropsias em crianças lactentes, sempre descrever cavidade oral, laringe, traqueia, brônquios principais e conteúdo gástrico, pois temos muitos casos de morte por aspiração de conteúdo gástrico. Sempre abrir o crânio e descrever o aspecto do líquor, das meninges e encéfalo, evitando classificar como indeterminada uma morte por meningite ou meningo-encefalite. (NECROPSIA. In: LOPES, Fernando. Portal da Codificação Clínica e dos GDH. [Lisboa], 15 out. 2010. Disponível em: <http://portalcodgdh.min-saude.pt/index.php/Obnubila%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 5 nov. 2013).

129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 out. 2013.

130 Ibid. 131 Exumação é o ato de retirar da sepultura o cadáver humano ou seus restos mortais. Não é meio

de prova em si, mas uma providência que tem por escopo obter uma prova nova ou aperfeiçoar uma prova anteriormente montada. Para realizar a exumação a autoridade deve providenciar para

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judiciária, praticado por profissional de Medicina visando prestar esclarecimentos à

Justiça, denomina-se perícia ou diligencia médico-legal”. 132

De acordo com o entendimento deLeonardo Mendes Cardoso acerca das

perícias médico-legais:

A realização das pericias médico-legais é determinada sempre pela autoridade competente à frente do caso, o que vale dizer que quem as requer diretamente, são os delegados, os juízes, autoridades policiais encarregadas da sindicância ou mesmo uma autoridade militar deonde ocorreu o fato. O advogado das partes interessadas nunca as determina, podendo, no entanto participar de forma indireta de tal processo.133

Entretanto, as partes podem requerer perícias no decorrer do processo por

meio do juiz da causa. Conforme disposto no artigo 14 do CPP, a vítima ou o

investigado podem requerer perícias por meio de seus advogados, sendo de

competência da autoridade policial reconhecer ou não a necessidade da realização

da mesma. Ademais, os advogados das partes requerem indiretamente a perícia

através de autoridade competente.134

O médico- legalista não pode ser confundido com a figura do perito criminal,

pois o primeiro se ocupa com o corpo da vítima e os vestígios nele deixados e será

sempre um médico. Já o perito criminal lida com outros tipos de vestígios como, por

exemplo, a análise de impressões digitais e projéteis de arma de fogo.135

A atuação do perito é limitada, restando ao mesmo somente a competência

de relatar fatos específicos de caráter técnico, assim, não podendo usar do

sentimento de emoção para chegar a alguma conclusão. O perito não julga, não

que, em dia e horapreviamente marcados, se realiza a diligência, a qual deve lavrar auto circunstanciado, conforme determinado no artigo 163 do Código de Processo Penal. (BENFICA, Francisco Silveira et al. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 148).

132 CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 13. 133 CARDOSO, Leonardo Mendes. Medicina legal para o acadêmico de Direito. Belo Horizonte: Del

Rey, 2006. p. 9. 134 Ibid., p. 10. 135 CROCE, op. cit., p. 13.

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acusa ou defende, tendo a incumbência de expor às autoridades responsáveis o

observado em determinada análise de caso.136

O Juiz não precisa se basear no laudo pericial, pois detém o pode dolivre

convencimento. Conforme disposto no artigo 182 do CPP: “O juiz não ficará adstrito

ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”.137

Nesse sentido, Porta Novaafirmaque “o juiz não esta adstrito, sequer, a

considerar verdadeiros os fatos sobre cujas proposições estão de acordo as

partes”.138

Já é de entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. INTERPRETAÇÃO. 1. O Ministério Público agravou da decisão que deferiu a progressão de regime ao apenado, entendendo que o laudo psicológico juntado não era favorável. Postula reforma da decisão por entender que o apenado não assumiu a responsabilidade do crime que cometeu. 2. O magistrado não está adstrito à avaliação feita por laudo psicológico juntado, nos termos do art. 182 do CPP podendo interpretá-lo. Caso em que a progressão de regime foi devidamente fundamentada, ainda que haja menção à falta de internalização da culpa, com assunção da responsabilidade pelo crime cometido. O apenado está há quase 7 meses no regime mais brando, mostrando-se o retorno ao regime fechado prejudicial pela simples discordância a respeito da sua interpretação. AGRAVO NÃO PROVIDO.139

O Código Penal Brasileiro determina em seu artigo 159 que as perícias serão

efetuadas por dois peritos e na falta de ambos, a perícia será feita por duas pessoas

idôneas. Assim, seria considerada imprestável a perícia elaborada somente por um

perito. Entretanto, não é o que muitas vezes se vê na prática.140

136 CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal.7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 14. 137 Ibid., p. 15. 138 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

1999. p. 246. 139 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Criminal. Agravo nº 70054643507.

Relator: Julio Cesar Finger. Julgado em: 19 de junho de 2013. 140 PORTANOVA, loc. cit.

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O Supremo Tribunal Federal considerou o laudo firmado por um único perito

por estar em consenso com outras provas como demonstra a decisão abaixo:

Ementa: EMENTA: LESÃO CORPORAL LEVE (ARTIGO 209 DO CPM ). LAUDO PERICIAL FIRMADO POR UM ÚNICO PERITO. CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS MEIOS DE PROVA. EXAME DE CORPO DE DELITO INDIRETO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. Laudo pericial, embora firmado por um único experto, quando em consenso com outros meios de prova, equivale a corpo de delito indireto, com idôneo valor probante. 2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (RTJ, 65/816). 3. Apelo defensivo conhecido e improvido. Decisão unânime. STM. Apelação 49205 PE 2002.01.049205-4. Data: 18/03/03.

Genival Veloso de França atenta para a situação da utilização somente de um

perito na prática, afirmando que:

Pode parecer absurdo ou descabida exigência fazer com que, por exemplo, num exame de lesão corporal, onde existam apenas discretas escoriações, obrigue-se a presença de dois peritos. Não, não é. A lei não poderia ter expressões inúteis. E, no mundo da Medicina Legal, não existem casos simples. Tudo é importante. Cada caso pode encerrar, por mais simples que pareça, significações tão complexas quanto se possa imaginar. 141

Assim, após ser determinada a perícia, os quesitos deverão ser formulados.

No caso do crime de infanticídio os quesitos formais seguem um parâmetro

determinado.

Conforme Delton Croce a respeito do corpo de delito “são quesitos oficiais

para exame de corpo de delito no infanticídio: 1º) se houve morte; 2º) se a morte foi

ocasionada durante o parto ou logo após; 3º) qual a causa da morte; 4º) qual o

instrumento ou meio que produziu a morte; 5º)se foi produzida por meio de veneno,

fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso e cruel (resposta

especificada)”.142

No infanticídio e de modo geral, as perícias têm o intuito de determinar a

identidade, a raça, sexo, altura, idade. Também no caso da parturiente, diagnosticar

prenhez, parto e puerpério, sociopatias, doença, retardamento mental e simulação 141FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

264. 142CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 14.

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de loucura e se procedem mediante exames médicos, psicológicos, necropsia,

exumação e de laboratório.143

Os jurados podem rejeitar o laudo médico-legal nos crimes de competência

do júri. Os delitos de competência do júri incluem os crimes dolosos contra a

vida: homicídio; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio e aborto

previsto no artigo 5º, na alínea “d” do inciso XXXVIII, CF.144

Assim, entende Tribunal Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: RECURSO-CRIME. 1. PRONUNCIA. Ante a prova de materialidade e indicativo consistentes da autoria, a pronúncia e de rigor, para que a conduta seja levada a julgamento pelo tribunal do. 2. Meio cruel. Negativa dos louvados, no auto necropsia. Artigo 182, CPP. Sistema liberatório. Em sendo os jurados juízes de fato. Aplica-se-lhes o disposto no artigo 182 do código de processo penal, ou seja, apreciam a prova técnica a luz do sistema liberatório, não estando adstritos as conclusões do laudo. 3. Qualificadoras. Exclusão. Inviabilidade. A qualificante somente deve ser afastada quando manifestamente improcedente ou descabida. Prova que desautoriza a exclusão. Recurso improvido.Unânime). (Recurso em Sentido Estrito Nº 70004585576, Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria da Graça Carvalho Mottin, Julgado em 27/08/2002).

O infanticídio é considerado o maior de todos os desafios da prática médico-

legalpela sua complexidade e dificuldades em tipificar o crime, sendo denominado

de crucis peritorum- a cruz dos peritos. 145

A grande dificuldade em identificar a ocorrência do delito de infanticídio é a

comprovação do chamado estado puerperal na parturiente, conforme é demonstrado

pelas decisões no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DEFESA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. INFANTICÍDIO. INVIABILIDADE. Nos termos do art. 123 do Código Penal, o crime de infanticídio pressupõe que a progenitora tenha matado o próprio

143CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 15. 144 CROCE, loc. cit. 145FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

262.

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filho, durante ou logo após o parto, sob influência do estado puerperal. Assim, havendo dúvida quanto ao comprometimento da capacidade de discernimento da autora, em razão do estado puerperal, no momento do fato, deve ser mantida a classificação jurídica dada ao fato na denúncia e que o enquadrou nos lindes do art. 121, §2º, do Código Penal - circunstância qualificadora demonstrada por laudo pericial - especialmente havendo indícios que revelam a rejeição da gravidez por parte da ré. DELITO DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CRIME CONEXO. A teor do art. 78, I, do Código de Processo Penal, os crimes conexos ao delito doloso contra a vida deverão ser submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, sendo defeso ao juiz togado aferir acerca do dolo do agente quando da pronúncia.146

Já mencionado anteriormente, o puerpério encontra-se em todas as

parturientes, pois é um estado normal da gravidez. Entretanto, o estado puerperal

ocorre geralmente por gravidez ilegítima em que a mãe vem a matar seu filho

durante ou logo após o parto. O estado puerperal não afeta gravemente o

psicológico da parturiente, mas tão somente há uma diminuição de auto

entendimento e inibição.147

Segundo Genival França sobre a trajetória do exame pericial:

o exame pericial será orientado na busca dos elementos constituintes do delito a fim de caracterizar: os estados de natimorto, o de feto nascente, o de infante nascido ou o do recém-nascido (diagnóstico do tempo de vida); a vida extra- uterina (diagnóstico do nascimento com vida);a causa jurídica de morte do infante (diagnóstico do mecanismo de morte); o estado psíquico da mulher (diagnóstico do chamado “estado puerperal”); e a comprovação do parto pregresso (diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou antigo da autora).148

Assim se conclui que para o exame pericial serão utilizados elementos

constituintes do delito para que se consiga determinar a ocorrência do infanticídio.

146 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal.Recurso em sentido

estrito nº 70011844305. Relator: Danúbio Edon Franco. Julgado em: 15 de setembro de 2005, grifo nosso.

147MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 24. ed. rev. e atual. por Renato Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2006. v. 2. p. 58.

148CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 15.

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4.1 DIAGNÓSTICO DO TEMPO DE VIDA

No crime de infanticídio só é considerado sujeito passivo o feto nascente ou o

recém-nascido, não sendo considerado delito de infanticídio quando o sujeito

passivo for o nascituro ou o natimorto.

Segundo Luiz Regis Prado

A distinção entre a vida autônoma e vida biológica revela-se hodiernamente desnecessária. Haverá infanticídio a partir do inicio do parto se a criança estiver biologicamente viva. Não há que indagar da capacidade da vida autônoma. De conseguinte, não é essencial a caracterização do delito em exame a vitalidade do recém-nascido, ou seja, da possibilidade de adaptação deste às condições regulares da vida extra-uterina. A ausência de vitalidade é irrelevante, de forma quepouco importam as condições dematuridade, de desenvolvimento, de conformação ou de força do neonato vivo.149

a) Natimorto: Segundo Genival Veloso de França, natimorto, “é o feto morto

durante o período perinatal que se inicia a partir da 22ª semana de

gestação, quando o peso fetal é de 500g. A mortalidade perinatal pode ter

causa natural ou violenta (aborto)”.150

A mortalidade fetal pode dar-sedevido a uma anomalia congênita, tendo o

feto uma malformação ou deformação. 151

b) Feto nascente:Segundo ensinamentos de Genival França, “como o

infanticídio se verifica também durante o parto é necessário estabelecer

nessa circunstância o estado de feto nascente. Em outras legislações, a

modalidade de crime desse estágio denomina-se feticídio”.152

c) Infante nascido: É aquele que nasceu e respirou, porém não recebeu

cuidado especial; Esse infante não recebeu limpeza adequada, tendo o

149 PRADO. Regis Luiz. Curso de direito penal brasileiro. 5. ed. rev., atual. eampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 98. 150FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

282. 151 FRANÇA, loc. cit. 152 Ibid., p. 283.

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corpo coberto por sangue de origem fetal ou materna.153A pericia é

realizada de modo que seja constado que se trata de um infante nascido.

Alguns aspectos são importantes para identificar infante nascido como o

cordão umbilical, principalmente se ele ainda estiver preso à placenta. O

cordãoumbilical é de grande importância para a diferenciação entre um

infante nascido e um recém-nascido e ainda orienta a pericia com a idade

do recém-nascido. O simples corte do cordão sem ligadura e a ausência

de lesões violentas falam em favor de infanticídio por omissão de

cuidados.154

d) Recém-nascido: O perito empenhar-se-á em detectar algumas

características essenciais para a determinação de um recém- nascido,

conforme explanação de Genival Veloso de França :

Embora atenuadas, pode o recém-nascido apresentar as características do infante nascido, menos o estado sanguinolento e o não tratamento do cordão umbilical. Algumas horas ao fim do primeiro dia, o recém- nascido apresenta: involução do tumor de parto, presença do induto sebáceo, coto do cordão achatado e começo da formação da orla de eliminação.155

4.1.1 Diagnóstico do Nascimento com Vida

Para se ter a comprovação de que houve nascimento com vida a perícia

utiliza as provas chamadas docimasias.156

Segundo Delton Croce, “as docimasiasbaseiam-se na possível existência de

sinais e vida, manifestados principalmente nas funções respiratórias, digestivas e

circulatórias”.157

153CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 589. 154FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.p.

264. 155 FRANÇA, loc. cit. 156CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 592. 157 CROCE, loc. cit.

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Segundo Francisco Silveira Benfica, a importância da realização de

docimásias dá-se:

Algumas provas ocasionais são de grande importância para a conclusão acerca da ocorrência de vida extra-uterina quando associadas às docimásias positivas de respiração. São representadas pela presença de corpos estranhos nas vias respiratórias (como por exemplo, lama, areia, material pulverulento), identificação de substâncias alimentares no tubo digestivo, e, ainda, pelas reações vitais encontradas no recém-nascido.158

O laudo pericial deve obrigatoriamente esclarecer qual a docimasia utilizada

para que tenha sido constatado que houve nascimento com vida. A docimasia mais

usada é a docimasia hidrostática pulmonar de Galeno.159

Conforme Odon Ramos Maranhão, a respeito da docimasia hidrostática de

Galeno:

Possivelmente é a mais conhecida e praticada. O pulmão fetal não se expandiu, mostra-se compacto e tem uma densidade de 1.09, enquanto que o que recebeu ar e se inflou mostra-se com cavidades pneumáticas e consequente densidade mais baixa (0,9). Por isso se colocarmos um fragmento ou mesmo pulmão todo em uma vasilha com água (densidade=1,0), poderemos observar que o primeiro vai ao fundo e o segundo flutua.160

Para se ter uma idéia de como funciona uma perícia, vale esclarecer o passo-

a- passo de como é realizada a docimasia hidrostática pulmonar de Galeno que

comporta quatro fases distintas, conforme explicação de Delton Croce, sendo161:

a) 1ª fase: em um recipiente suficientemente fundo e largo contendo água

até 2/3 de sua altura, em temperatura ambiente, coloca-se em bloco a

árvore traqueobrônquica, a língua, os pulmões, o timo e o coração, e

observa-se se flutua por inteiro ou a meia água, ou se afunda.

158 BENFICA, Francisco Silveira et al. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.

96. 159 CROCE, op. cit., p. 592. 160 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 202-203. 161 CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 592.

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Figura 1 – Primeira Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno

Fonte: FRANÇA (2004, p. 284).162

b) 2ª fase: separados pelos hilos ou pulmões das demais vísceras no fundo

do vaso, se eles sobrenadam por inteiro ou a meia água, diz-se positiva a

prova, sendo, segundo alguns, desnecessário seguir adiante;

Figura 2 – Segunda Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno

Fonte:FRANÇA (2004, p. 284)163.

162 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

284.

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c) 3ª fase: incisar um pulmão inteiro no fundo do reservatório com água e

observar se algumas ou todas as suas partes flutuam, o que confere

positividade à prova. A prova será dita negativa e imporá a pesquisa da 4ª

fase de todos os fragmentos pulmonares permanecerem no fundo do

vaso.

Figura 3 – Terceira Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno. Resultado Positivo

Fonte: FRANÇA (2004, p. 284)164.

d) 4ª fase: consiste em comprimir energeticamente pela mão voltada para a

superfície ou contra a parede do vaso contendo água um fragmento de

pulmão que não tenha flutuado; supondo ocorra desprendimento de finas

bolhas gasosas misturadas com sangue, a fase é considerada positiva.

163 FRANÇA, loc. cit. 164 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

284.

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Figura 4 – Quarta Fase da Docimasia Hidrostática Pulmonar de Galeno. Resultado Positivo

Fonte: FRANÇA (2004, p. 284).165

É prudente que o perito realize todas as quatro fases a fim de maior eficácia

no resultado da perícia.

Conforme trecho retirado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em

apelação Cível:

O laudo de fl. 18 atesta que a criança nasceu com vida, pois positivo o resultado do exame de docimosia, revelando, ainda, que teria sido por asfixia a causa mortis do recém-nascido.166

Também é recomendado ao perito realizar outros tipos de docimasia

conforme a necessidade de cada caso, pois além das funções respiratórias, há

também as funções digestivas e circulatórias que são passíveis de análise pericial.

165 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

284. 166 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sétima Câmara Cível. Apelação cível nº

70044935591. Relator Des. Jorge Luiz DallAgnol. Porto Alegre, 19 de janeiro de 2012.

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4.1.2 Diagnóstico do Mecanismo de Morte

Um dos elementos essenciais para comprovação da ocorrência do infanticídio

é a comprovação da morte do infante.

Se a morte for natural afasta-se a possibilidade de crime de infanticídio.

Assim, para a comprovação do crime de infanticídio é importante que a causa mortis

seja acidental ou criminosa.

Com relação às causas acidentais,Genival Veloso de França relata:

As causas acidentais podem ocorrer antes, durante ou após o parto. Antes do parto, a morte do feto pode sobrevir por traumatismo direto sobre a parede abdominal. Essas lesões terão possibilidades de ser diagnosticadas pela perícia, principalmente pela evolução verificada na sobrevivência. Durante o parto, é importante o diagnóstico destes acidentes a fim de não caracterizá-los como infanticídio. A asfixia por descolamento prematuro de placenta, por enrolamento do cordão no pescoço, penetração de líquidos nas vias respiratórias e a compressão da cabeça em pelves maternas estreitas são as causas mais comuns dessa modalidade. Após o parto, não são raras as vezes em que surgem a morte acidental como hemorragia do cordão, traumatismos nos partos de surpresa, quedas e qualquer outra forma de acidente.167

Já as causas criminosas podem ser realizadas através da ação de objetos

perfurantes, esganadura, afogamento, estrangulamento, sufocação, soterramento,

tendo como principal característica o dolo nessas ações.168

As causas criminosas como podem ser averiguadas na jurisprudência do

Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul:

Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES CONTRA A VIDA. INFANTICÍDIO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA MANTIDA. Materialidade e autoria. Há nos autos prova da materialidade, consistente no auto de necropsia, e indícios suficientes da autoria, conforme relato de testemunhas. Auto de necropsia que indica que a vítima, recém nascida, morreu em consequência de asfixia mecânica. Ausência de conduta. Há nos autos depoimentos que indicam ter a vítima desmaiado na ocasião do nascimento da vítima. Desta forma, é possível que se verifique a ausência de conduta,

167FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.p.

284. 168 FRANÇA, loc. cit.

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decorrente da involuntariedade pelo estado de inconsciência. Contudo, neste momento não é possível acatar essa hipótese, estreme de dúvidas, porquanto há indícios em sentido contrário. Tipicidade. A ausência de dolo não pode, neste momento, ser constatada, cabendo a análise ao Conselho de Sentença. Estado puerperal. Existência de laudo psicológico que demonstra essa circunstância. Ausência de culpabilidade. Não se pode afirmar, nas circunstâncias até o momento comprovadas, que a acusada era, ao tempo do fato, completamente incapaz de determinar-se conforme o seu entendimento, ou seja, que não poderia, quando do nascimento da vítima, impedir a sua morte. RECURSO DESPROVIDO.169

Há muitos casos em que a parturiente vem a matar seu filho através da

provocação de asfixia, assim não permitindo que o mesmo consiga respirar.

Assim conclui Luiz Regis Prado que: “o sujeito passivo no crime de infanticídio

é o ser humano nascente- na etapa de transição da vida uterina para a extrauterina-

ou recém-nascido (elemento normativo do tipo). Dispensável a vida autônoma,

sendo suficiente a prova da vida biológica”.170

4.1.3 Diagnóstico do Chamado “Estado Puerperal”

Como já visto anteriormente, o estado puerperal e o puerpério não são fases

idênticas do pós-parto, sendo puerpério o período variável entre o fim do parto até a

volta do organismo maternoao estado anterior à gestação, cerca de seis a oito

semanas, aproximadamente. Assim sempre que ocorrer uma gestação haverá

puerpério, diferentemente do estado puerperal que é considerado anômalo e

especial, incidindo em apenas em partes das parturientes.171

Com relação ao conceito de puerpério e estado puerperal a doutrina diverge

apontando que:

169

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Comarca de Vacaria. Recurso em sentido estrito nº 70052643202. Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em 04de abril de 2013.

170 PRADO, Regis Luiz. Curso de direito penal brasileiro. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 97.

171MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. São Paulo: Mackenzie, 2001. p. 168.

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Uns chamam de estado puerperal a gravidez, o parto e o puerpério que o segue, outros, só a este último, terceiros entendem que o estado puerperal começa após o parto, e dura o tempo da involução clínica, do útero.172

Apesar da divergência que há na doutrina com relação à conceituação do

puerpério e o estado puerperal, o que é relevante no crime de infanticídio é o estado

em que se encontrava a mulher no cometimento do ato ilícito durante ou logo após o

parto, conforme explica Irene Muakad Batista:

Independente da nomenclatura, o que de fato deve ser levado em conta é o real estado mental em que se encontrava essa mulher que atentou contra a integridade física ou psíquica de seu filho, devendo, a perícia médica, determinar se na ocasião do crime ou da tentativa dele, essa mulher sofria de algum abalo psíquico, para que então possa ser considerada inimputável ou semi- imputável.173

A respeito do estado puerperal, o entendimento do TJPR é de que:

O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher que a possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda de sangue e o enorme esforço muscular pode determinar facilmente uma momentânea perturbação da consciência. É esse estado que torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado. É claro que essa perturbação pode ocorrer mais facilmente quando se trata de mulher nervosa ou angustiada, ou que dê à luz filho ilegítimo.174

Ainda nesse sentido, Antônio Carlos da Ponte destaca que:

É pacífico que a prova pericial atinente ao estado puerperal é de extrema dificuldade, uma vez que os exames da puérpera são realizados em época mais ou menos tardia em relação ao delito, não permitindo o encontro de quaisquer vestígios. Esse fato, por si só, inviabiliza, pronunciar-se com a precisão sobre sua ocorrência e influência na consumação do crime pela mulher sã. Na quase totalidade das vezes, o quadro mostra-se, no mínimo, como efêmero.175

172 GOMES, Hélio. Medicina legal. 21. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas de Barros, 1981.p. 369-

370. 173 TERCEIRO, Larissa Francesquini. Mulheres inimputáveis que matam seus filhos: uma análise

interdisciplinar. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais)-Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. p.28.

174 PARANÁ. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Criminal. Recurso em sentido estrito n° 92.958-6. Relator. Des. Oto Luiz Sponholz. Julgamento: 29 de junho de 2000.

175 PONTE, Antônio Carlos da. Imputabilidade e processo penal. São Paulo: Atlas, 2001.p. 107.

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O que deve ser levado em consideração no crime de infanticídio é o real

estado mental da mulher que atentou contra a vida de seu próprio filho devendo a

perícia médica determinar se na ocasião do crime ou na tentativa dele, essa mulher

sofria de algum abalo psíquico, para que se possa determinar se na ocasião do fato

a parturiente encontrava-se capaz de discernir a ilicitude da conduta praticada, então

possa ser considerada inimputável ou semi- imputável.

Segue abaixo um exemplo de avaliação psicológica retirada de um recurso

em sentido estrito do Tribunal de Justiça do Estado do RS quanto à culpabilidade da

parturiente:

A periciada provavelmente apresenta algum déficit cognitivo leve, entretanto, sem prejuízos significativos sobre sua memória, capacidade de entendimento ou de relatar fatos ocorridos. Suas capacidades lingüísticas, intelectuais e perceptivas permitem que forneça um depoimento coerente e compreensível em sua totalidade. É possível a presença de inteligência limítrofe ou retardo mental leve. Necessitaria, portanto, para o diagnóstico preciso desta patologia, realizar teste específico de inteligência. Todavia, tal avaliação provavelmente não acrescentaria informação relevante aos fatos [...]. A periciada apresenta leve déficit intelectual basal, fato que limita sua capacidade de recursos cognitivos. Soma-se a isto um longo histórico de sintomas depressivos recorrentes ao longo da vida, agravados nos últimos meses. A gravidez não planejada, oriunda de um relacionamento incerto, também contribuiu para uma piora de seu estado emocional. Logo após o parto, a periciada encontrava-se física e emocionalmente abalada, restando em espécie de estupor dissociativo, sem condições de reagir. Tal estado emocional (puerperal) proporcionou sua omissão em relação ao filho recém nato.176

A caracterização do estado puerperal torna-se imprescritível para o correto

enquadramento legal das mães que matam seus filhos, uma vez que ao agirem sob

a influência deste, serão tidas como infanticidas e punidas com detenção, devendo a

pena ser substituída por medida de segurança de tratamento ambulatorial uma vez

constatada a sua inimputabilidade ou semi- imputabilidade. Todavia, caso sejam

tratadas como homicidas, a sanção será apenada com reclusão, o que se pressupõe

que, uma vez consideradas inimputáveis, lhes será aplicada medida de segurança

de internação em hospital psiquiátrico.177

176 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Comarca de Vacaria.

Recurso em sentido estrito nº 70052643202. Vacaria, 2012. 177 GOMES, Hélio. Medicina legal. 21. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas de Barros, 1981. p. 369-

370.

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Há grande dificuldade em se determinar a ocorrência do estado puerperal,

pois, normalmente, a perícia é realizada algum tempo depois do parto.

Caso não fique atestado que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém-

nascido, sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadra na

figura típica do homicídio mesmo que o crime tenha sido cometido durante ou

logoapós o parto. Ademais, não é suficiente que o delito seja cometido durante ou

logo após o parto para que seja enquadrado como infanticídio. 178

Em síntese, o exame médico-legal do estado mental da infanticida deverá

apurar:

a) a existência de parto e se é recente; b) se o parto transcorreu de forma angustiante ou dolorosa; c) se a parturiente, após o crime, escondeu ou não o cadáver do filho; d) se ela lembra ou não do ocorrido ou se simula; e) se é portadora de antecedentes psicopáticos ou se suas conseqüências

surgiram no decorrer da gestação, do parto e do puerpério; f) se há vestígios de outra perturbação mental cuja eclosão, durante ou

logo após oparto, foi capaz de levá-la a cometer o crime.179

O exame pericial deve também ser feito na parturiente suspeita de ter

praticado o delito de infanticídio. Nesse exame deve ser constatada a ocorrência do

parto e se o mesmo foi recente ou não. Também necessário o exame psiquiátrico,

onde será analisada a presença de doenças ou distúrbios mentais preexistentes,

relacionados ou não a gestação, parto e puerpério. Benfica alerta para a dificuldade

encontrava quando a parturiente é analisada pela perícia “é importante ressaltar que

a perícia, nestes casos, é realizada normalmente num período muito distante do fato,

não restando muitas vezes qualquer vestígio que possa ser diagnosticado.180

Nota-se que há grande dificuldade por parte da perícia em determinar as

condições que se encontrava a parturiente no cometimento do delito, pois, muitas

178 MARQUES. José Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 4.p. 142. 179 CROCE, Deltonet al. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 594. 180 BENFICA, Francisco Silveira et al. Medicina legal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.

97.

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vezes, o crime é sabido muito tempo depois e assim o perito é obrigado a valer-se

de informações da própria mulher e de testemunhas para sejam expostas no laudo

pericial.181

As testemunhas são muito importantes para a perícia a fim de se verificar o

comportamento da infanticida durante a gravidez e no dia do crime conforme

descreve trecho abaixo:

[...]As testemunhas Graziela Cristina de Oliveira eMavilde das Graças Cleto Santos, a primeira filha da acusada e a segundaagente de saúde, disseram que a ré desde o momento que soube da gravidezrejeitou a possibilidade de ter a criança. A filha da ré descreve em detalhesos artifícios utilizados pela mãe para abortar o filho. A agente de saúdepresenciou a acusada dizendo que abortaria a criança. Não fez nenhumacompanhamento de 'pré-natal'.182

Assim José Frederico Marques afirma que:

Se não verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém-nascido, sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadra na figura típica do homicídio. E isso, mesmo que o parto tenha sido cometido durante o parto. Nesse passo, não se seguiu a lei pátria ao que dispõem outras legislações penais, em que a eliminação da vida do nascente, durante o parto, é suficiente para a qualificação do crime como infanticídio.183

Na jurisprudência abaixo há um caso onde a ré deve responder por homicídio

e não infanticídio devido aos fatos averiguados no processo:

Ementa: APELAÇÃO-CRIME. JÚRI. RECURSO DA DEFESA. RAZÕES: NULIDADE DO JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. A Defesa sustenta que é imprescindível a avaliação de especialistas para aferir se a ré estava sob efeito de estado puerperal, a fim de que os jurados tenham pleno conhecimento de todas as circunstâncias que nortearam os fatos. Descabimento. Inexistência, nos autos, de qualquer pedido da defesa para que a ré C. K. fosse submetida à perícia médica,na época cabível, não prosperando a alegação tardia de que incumbia ao Magistrado tal determinação de ofício. Não havendo indícios de estado puerperal, dada a ausência de perturbação psicológica na acusada, a autora respondeu por homicídio e não por

181 FERNANDES, Paulo José Leite. Aborto e infanticídio. São Paulo: Sugestões Literárias, 1972.p.

143. 182 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação nº 9000001-54.2007. Relator Ivo de Almeida. São

Paulo, 20 de agosto de 2012. 183 MARQUES. José Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 4.p. 142.

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infanticídio, não se exigindo do Magistrado a determinação, de ofício, de perícia para averiguar estado psíquico não existente.184

O auto de exame psíquico da parturiente para que possa ser constatado se a

mesma encontrava-se no estado puerperal, delimita-se a responder a seguinte

questão “a parturiente se encontrava sob a influência do estado puerperal ao tempo

do fato que lhe é imputado”? A perícia descreverá minuciosamente o que

observarem e descobrirem, fazendo o exame ordenado, bem como as investigações

que julgarem essenciais.185

Todavia, esse período de tempo previamente estabelecido é totalmente

aleatório e sem nenhum suporte científico que realmente indique que o puerpério

compreenda o período de 45 dias a 03 meses após o parto.186

4.1.4 Diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou antigo da autora

A perícia é realizada de modo que primeiro seja detectado se ocorreu o parto

e, em caso positivo, se o mesmo foi recente ou antigo.

São Sinais de parto recente a dilatação, a expulsão e a dequitação. A

dilatação é quando o colo uterino se prepara para a passagem do feto. Nessa fase a

parturiente sente dores que indicam que a mesma está próxima de parir. Já a

expulsão há muitas contrações uterinas que aumentam progressivamente,

provocando a saída do feto. Quando os anexos dos ovos são eliminados do

organismo materno se dá o nome de dequitação. Não ocorrendo os sinais descritos

anteriormente, ter-se-á parto antigo.187

184 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Segunda Câmara Criminal. Apelação Crime Nº

70036939452. Relator: Jaime Piterman, Julgado em: 23 de agosto de 2012 185 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 24. ed. rev. e atual. São

Paulo: Atlas, 2006. v. 2. p. 59. 186 MIRABETE, loc. cit. 187 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 49.

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5 PSIQUIATRIA FORENSE E O INFANTICÍDIO

Considerando os fatos históricos a respeito da psiquiatria forense, as

sociedades antigas começaram a levar em consideraçãoa influência de alterações

mentais sobre o cometimento de delitos em suas leis e a estabelecer diferenças nas

punições aos infratores mentalmente enfermos.188

Com relação à história da psiquiatria, relata Foucault:

Mas na história do desatino, ela designa um evento decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade.189

Já no Brasil, a partir do século XIX, começam a se desenvolver serviços de

atendimento aos indivíduos com transtornos mentais. E em 1830, a Sociedade de

Medicina do Rio de Janeiro, avaliando os doentes mentais da cidade, terminou por

propor a criação de um hospital psiquiátrico. Em 1852 foi inaugurado o Hospício

Pedro II, localizado no Rio de Janeiro.190

Em 1940 foi inaugurado o instituto Psiquiátrico Forense em Porto Alegre e

mais tarde recebeu o nome de Instituto Psiquiátrico Forense Dr. Maurício Cardoso191

(IPFMC), de Porto Alegre e é o maior hospital de custódia e tratamento do Brasil.192

O IPFMC possui sete Unidades de Tratamento, sendo uma feminina e seis

masculinas. Também há uma Unidade de Admissão e Triagem onde permanecem

os presos em avaliação pericial ou por motivo de Superveniência de Doença Mental,

que é a denominação dada para a ocorrência de transtornos psiquiátricos nos

prisioneiros da rede carcerária. Após o exame ou a melhora dos sintomas, o

188 CARDOSO, Leonardo Mendes. Medicina legal para o acadêmico de Direito. Belo Horizonte: Del

Rey, 2006. p. 29. 189 FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 43. 190 SOUZA, Carlos Alberto Crespo de; CARDOSO, Rogério Göttert (Org.). Psiquiatria forense: 80

anos de prática institucional. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 28. 191 SOUZA, loc. cit. 192 SOUZA, loc. cit.

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individuo retorna para a sua cadeia de origem. O IPFMC tem corpo clínico

organizado por 25 psiquiatras, 2 neurologistas e plantonistas clínicos.193

Para um grande número de mulheres, o nascimento de um filho é um dos

mais significativos eventos da vida. Entretanto, este período também pode ser uma

fase de aumento de vulnerabilidade para a doença psiquiátrica.194

O psiquiatra forense Rogério Götteres Cardoso descreve a pesquisa de

campo realizada em Porto Alegre onde o objetivo era obter maio conhecimento

sobre as manifestações psiquiátricas que ocorrem no pós-parto, como sua

incidência, diagnóstico e tratamento:

Os resultados foram bem claros ao mostrarem a inexistência de casos diagnosticados e, por consequência, nenhuma incidência e nenhum tratamento. Algumas inferências podem ser feitas. Por ocasião da entrada nos hospitais materno- infantis as pacientes recebem o código relacionado ao internamento referente ao trabalho de parto e esse código é mantido mesmo que a paciente, posteriormente, apresente algum distúrbio ou 2) como a internação é curta ( tempo médio de permanência das puérperas é de 36 a 48 horas, qualquer distúrbio posterior poderá ocorrer já após a alta hospitalar. Por sua vez, quando as pacientes chegam aos hospitais psiquiátricos, recebem diagnósticos de psicose sem nenhuma vinculação ao parto ocorrido (semanas ou meses decorridos). Uma outra inferência está relacionada com as classificações diagnósticas. Como poderá ser visto a seguir, apenas nas classificações mais recentes a psicose pós-parto poderá ser mencionada, mesmo assim em um código adicional ao entendido como principal.195

Com relação à patologia mental do puerpério nas parturientes, estima-se que

a Tristeza pós-parto que inicia nos primeiros dias após o parto atinge cerca de 60%

das mulheres. Os principais sintomas são crises de choro e/ou depressão,

ansiedade, confusão e preocupação com o bebê, lactação e desconforto físico.

Também pode ocorrer um primeiro surto psicótico ou a reativação de doença mental

no pós-parto e a psicose puerperal.196

193 SOUZA, Carlos Alberto Crespo de; CARDOSO, Rogério Göttert (Org.). Psiquiatria forense: 80

anos de prática institucional. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 28. 194 Ibid., p. 292. 195 SOUZA, loc. cit. 196 Ibid., p. 294.

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Segundo Rogério Göttert Cardoso “Psicose puerperal propriamente dita, é

descrita como patologia mostrando características de transtorno afetivo197,

esquizofrênico198 ou orgânico199, com rápida variação de sintomas, em um quadro

florido e, por isso, entendido como atípico”.200

É entendimento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que o estado

puerperal por si só não gera a inimputabilidade da parturiente:

Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. INFANTICÍDIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. INDÍCIOS DE AUTORIA. Para a pronúncia do réu, mister reste demonstrada a materialidade do delito e a existência de indícios de ser o réu o seu autor. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INIMPUTABILIDADE PELA INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL E PELA EXISTÊNCIA DE RETARDO MENTAL LEVE. DESCABIMENTO. A influência do estado puerperal não exclui o crime ou isenta a ré de pena. Ao contrário, faz parte do próprio tipo do art. 123 do Código Penal. O estado puerperal, pois, é elementar do tipo descrito como crime de infanticídio, e não uma excludente da criminalidade, à toda evidência. Ademais, mesmo que a ré não tivesse consciência do ato que cometera, à época dos fatos, essa questão é de competência dos jurados do Conselho Sentencial. Outrossim, o reconhecimento de qualquer excludente da criminalidade ou causa que isente o réu de pena, na fase do judicium accusationis, só tem cabimento quando estreme de dúvida, pois importa em afastar o conhecimento do fato do seu juiz natural. Qualquer sombra de dúvida, por mais tênue que seja, encaminha o julgamento para o Tribunal do Júri, que tem a competência constitucional de decidir a respeito. AFASTAMENTO DAS AGRAVANTES. DESCABIMENTO. Correta a decisão da juíza a quo que resguardou circunstâncias agravantes descritas na denúncia para análise perante o Conselho de Sentença, competente para tal. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.201

197 Transtornos nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no

sentido de uma depressão (com ou sem ansiedade associada). (JORGE, Miguel R. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM, IV, TR. 4. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 345).

198 A esquizofrenia é uma perturbação com duração mínima de 06 meses e inclui no mínimo 1 mês de sintomas da fase ativa, tendo os seguintes sintomas: delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento amplamente desorganizado (Ibid., p. 304).

199 Transtorno orgânico compreende uma série de transtornos mentais reunidos tendo em comum uma etiologia demonstrável tal como doença ou lesão cerebral ou outro comprometimento que leva à disfunção cerebral. A disfunção pode ser primária, como em doenças, lesões e comprometimentos que afetam o cérebro de maneira direta e seletiva; ou secundária, como em doenças e transtornos sistêmicos que atacam o cérebro apenas como um dos múltiplos órgãos ou sistemas orgânicos envolvidos. (DATASUS. Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos. 2008. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/WebHelp/f00_f09.htm>. Acesso em: 09 nov. 2013.

200SOUZA, Carlos Alberto Crespo de; CARDOSO, Rogério Göttert (Org.). Psiquiatria forense: 80 anos de prática institucional. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 292.

201 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Recurso em sentido estrito nº 70010362846. Relator: Danúbio Edon Franco. Julgado em: 24 de fevereiro de 2005.

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Devido às muitas dificuldades encontradas na tipificação do crime de

infanticídio o legislador procurou medidas a fim de sanar dúvidas e proporcionar

melhor compreensão do delito como o Anteprojeto ao Novo Código Penal.

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6 ANTEPROJETO AO NOVO CÓDIGO PENAL

Dirceu de Mello202 afirma que “poucas ações humanas, dentre aquelas que

integram o rol dos comportamentos tidos como ilícitos e expostos à sanção criminal,

apresentarão, como o infanticídio, história com altos e baixos, dúvidas e pontos de

conflito, ainda hoje sujeitos a especulações não superadas”.

O anteprojeto ao Novo Código Penal brasileiro foi criado na tentativa de se

aprimorar alguns artigos que estão em vigência no Código Penal atual. Uma das

mudanças propostas foi no crime de infanticídio devido às dificuldades em se

determinar o delito de infanticídio, principalmente pela problemática do estado

puerperal.

Já dizia Pontes de Miranda:

Já não nos satisfaz, a nós, homens contemporâneos, a justiça transcendental das teocracias, nem, tão-pouco, a justiça abstrata, vaga, irreal, da filosofia racionalista, que chegou ao auge na Revolução e inundou o mundo. Porque esta é vazia como os princípios em que se funda e pode encher-se do bem e do mal, do justo e do injusto, indiferentemente. Queremos nós justiça concreta, social, verificável e conferível como fato, a justiça que se prove com os números das estatísticas e com as realidades da Vida. E a esta somente se chega pelo caminho das verdades científicas - penosamente, é certo, mas a passos firmes e de mãos agarradas aos arbustos da escarpa, para os esforços do avanço e a segurança da escalada.203

O anteprojeto ao Código Penal passou por alterações, sendo, primeiramente,

sendo levado à publicação através da Portaria número 304, de 17 de julho de 1.984,

com a definição para o delito de infanticídio como:

Artigo 123 - Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob influência deste e para ocultar desonra própria: pena - reclusão, de 2 (dois)

202 MELLO, Dirceu de. Infanticídio: algumas questões suscitadas por toda uma existência (do delito)

de discrepâncias e contrastes. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Orgs.). Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 5: Parte especial I: disposições gerais da parte especial; crimes contra a vida; crimes contra a honra; crimes contra o patrimônio. (Doutrinas Essenciais).

203 PONTES DE MIRANDA. Sabedoria dos instintos. [1960]. Disponível em: <http://www.trt19.jus.br/mpm/secaopatrono/poesia_pm.htm>. Acesso em: 25 out. 2013.

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a 6 (seis) anos. Parágrafo único quem concorre para o crime incide nas penas do artigo 121 e parágrafos.

Aqui, depara-se com o elemento honoris causa que foi eliminado pelo atual

Código Penal. Devido às diversas controvérsias com relação ao estado puerperal e a

grande dificuldade em detectá-lo o mesmo foi removido no anteprojeto. Ademais,

percebe-se que o legislador optou pelo retorno da honoris causa e a permanência do

lapso temporal durante ou logo após o parto. O legislador não denominou a possível

ocorrência de uma perturbação mental na parturiente, porém não excluiu totalmente

essa possibilidade no delito com o termo influência.

Outra modificação bastante interessante foi a alteração do concurso de

agentes. Assim quem concorrer para o crime de infanticídio será enquadrado nas

penas do artigo 121: homicídio simples, tendo pena de reclusão de seis a vinte anos.

Entretanto, a Portaria Ministerial número 790 de 27 de outubro de 1987204,

deu outra redação para o artigo 123 do anteprojeto ao Novo Código Penal com a

seguinte redação:

Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob influênciaperturbadora deste ou para ocultar desonra própria: pena - reclusão, de 2 a 6 anos. Parágrafo único: quem concorre para o crime incide nas penas do artigo 121 e parágrafos.

O legislador preferiu não nomear a perturbação mental que possa vir a

ocorrer com a parturiente, assim deixando claro que pode haver uma influência

perturbadora que afete a parturiente, porém rejeitando o chamado estado puerperal.

Apesar da tentativa de substituir o chamado estado puerperal, não houve a

total retirada da ideia de perturbação mental da parturiente, assim não eliminando as

dúvidas que geravam controvérsias tanto na tipificação do crime quanto para a

verificação do delito por parte da perícia.

204 BRASIL. Ministério Público. Portaria Ministerial nº 790 de 27 de outubro de 1987apud

MAGGIO,Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. São Paulo: Millennium, 2004. p. 178.

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Para Luis Alberto Machado há defeito na elaboração do anteprojeto do

Código Penal, visto que:

Sob a influência deste (do parto). Vale dizer, substituiu-se uma fórmula de difícil configuração prática -- o estado puerperal - por outra de duvidosa cientificidade. O que significa a influência do parto? A construção será, certamente, tormentosa e tortuosa. Como critério de justiça, o Ante Projeto cria um parágrafo único, dispondo que "quem concorre para o crime incide nas penas do art. 121 e parágrafos". Essa forma indireta de tipificar a conduta do partícipe do crime de infanticídio não é, certamente, a mais correta. Melhor seria a inserção de um parágrafo no art. 121, dando, à mãe que mata o filho, durante o parto ou logo após, por motivo de honra, uma causa de especial diminuição de pena. Com isso, como circunstância pessoal não elementar do tipo, punir-se-ia o partícipe com o tipo de homicídio, simples ou qualificado, conforme o caso concreto.205

O lapso temporal durante ou logo após o parto permaneceu, devendo haver

nexo causal entre a influência perturbadora do parto ou o motivo de ocultação da

desonra, mas sempre no lapso temporal durante ou logo após o parto.

Novamente o legislador foi firme ao manter o critério honoris causa, admitindo

assim que a mãe possa vir a matar seu filho para proteger sua honra. Assim, foram

utilizados ambos os critérios psicológico e fisiopsicológico a fim de melhorar a

tipificação do crime de infanticídio.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: INFANTICÍDIO. O estado puerperal apenas privilegia o delito por motivos de ordem moral e social, entre os quais se sobreleva a honra, para ocultar a própria desonra. A ausência de dolo e a inimputabilidade devem estar demonstradas nos autos sob pena da decisão ser contrária à prova. Recurso provido.206

Já o co-autor ou partícipe do crime de infanticídio responde não por

infanticídio como previsto pelo Código Penal, mas sim por homicídio simples, sendo

cominada pena de reclusão de seis a vinte anos.

205 MACHADO, Luis Alberto. Relatório sobre o anteprojeto da Parte Especial do Código Penal.

Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, v. 22, n. 0, p. 180-184, 1985. p. 183. 206 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Quarta Câmara Criminal. Apelação crime nº

694135609. Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira. Julgado em 20 de dezembro de 1994.

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Nota-se, também, que a pena que era de detenção foi alterada para reclusão.

Todavia, permaneceu de dois a seis anos, ou seja, na mesma quantidade.

Entretanto, a proposta do anteprojeto ao Código Penal não sanou todas as

divergências doutrinárias e jurisprudências, pois o legislador ainda insiste no lapso

temporal durante ou logo após o parto. O lapso temporal admitido não tem sequer

um período pré-estabelecido, assim deixando muitas dúvidas de quanto tempo

exatamente duraria o lapso temporal logo após o parto.

Com relação ao crime de infanticídio e suas alterações pelo anteprojeto do

Código Penal, Genival Veloso de França argumenta que:

Se não totalmente satisfatória, pelo menos o legislador atual teve a coragem de confessar a inexistência do estado puerperal tão aclamado e definido anteriormente. (...) Aceitou, assim, o conceito psicossocial da honoris causa como atenuante penal dessa forma “excepcional” de delito e ainda manteve a mesma pena do estatuto vigente. Adota, desse modo, o anteprojeto o princípio da defesa da honra quando a mulher reluta entre matar o filho nascido ou perder os privilégios de uma honra presumida. Uma maneira de salvar a dignidade, a reputação e o constrangimento ante as mais ingratas perspectivas de um destino de condenada pelo fruto de suas relações clandestinas. Dizem os defensores desse estado: a idéia de redimir-se pelo infanticídio começa, consciente e inconscientemente, formando-se numa alma angustiada e sofrida. De princípio, consegue a mulher esconder a prova do pecado, mas a cada dia começa a crescer o perigo do escândalo que a gravidez lhe trará.207

Na visão de Heleno Cláudio Fragoso, o anteprojeto do Código Penal:

Previu o anteprojeto, ao lado do critério fisiológico (que, como se sabe, remonta ao projeto suíço de 1916), o critério psicológico, ou seja, o motivo de honra, juntamente com a influência do estado puerperal. Em verdade, o critério fisiológico, que se funda, em última análise, na imputabilidade diminuída, vem claramente perdendo prestígio, estando hoje abandonado em muitos códigos e projetos mais recentes. Torna o crime de configuração dificílima e, praticamente, uma figura decorativa, além de ser, a nosso ver, intrinsecamente contraditório. Exige o dolo, porém, na forma de vontade viciada pelas perturbações resultantes da influência do estado puerperal. A melhor orientação parece ser a que limita o infanticídio ao motivo de honra, estabelecendo a condição temporal “durante o parto ou logo após”, como o que se atende também, de certa forma, à influência do estado puerperal (não, porém, no sentido a que se refere o critério fisiológico). Essa é a fórmula do código alemão vigente (§217), reproduzida no projeto alemão de 1960 (§136) e acolhida pelo projeto. Pensamos, assim, que o art. 119 do

207 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

285.

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anteprojeto deveria ser: “Matar,para ocultar sua desonra, o próprio filho, durante o parto ou logo após.” A influência do estado puerperal deixa de ser uma condição do tipo. É o melhor critério.208

A criação de um anteprojeto ao Código Penal pelo legislador teve a finalidade

de sanar as controversas e dúvidas na conceituação do crime de infanticídio.

Entretanto, muitos doutrinadores ainda acham que há problemas no conceito do

infanticídio por isso Projetos de lei são criados com o intuito de amenizar algumas

falhas no Código Penal.

208 FRAGOSO, Heleno Cláudio. A reforma da legislação penal III. Revista Brasileira de

Criminologia e Direito Penal, Rio de Janeiro, n. 4, [196?]. Disponível em: <www.fragoso.com.br/eng/arq_pdf/heleno_artigos/arquivo48.pdf>. Acesso em: 21 out. 2013.

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7 PROJETOS DE LEI DO SENADO FEDERAL

O direito penal é matéria de competência privativa da União conforme arts.

22, I e 48, caput, da Constituição Federal.

Segundo Nelson Nery Junior: “A competência para legislar sobre direito

processual (civil, penal...) é da União. O termo União, utilizado no dispositivo

comentado para significar o destinatário da competência nele descrita, refere-se ao

do Poder Legislativo da União, vale dizer, ao Congresso Nacional (Senado da

República e Câmara dos Deputados), a quem cabe a função típica de legislar”.209

Já no artigo 48 da CF, dispõe que Cabe ao Congresso Nacional, com a

sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência

da União.210

O projeto de lei do senado (PLS) nº 113, de 2004, que tem por autoria o

Senador Demóstenes Torres, acrescenta parágrafo único ao art. 123 do Decreto-Lei

nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para definir que se aplicam as

penas previstas no art. 121 do mesmo Código ao co-autor ou partícipe do crime de

infanticídio.211

Da justificação de Senador Demóstenes Torres, podemos destacar:

Como se vê, o reconhecimento do infanticídio depende, inexoravelmente, da perturbação psíquica provocada pelo estado puerperal sobre o ânimo da gestante. Apenas isso explica o tratamento diferenciado em relação ao crime de homicídio. Mas e a conduta daquele que concorre para o crime da parturiente, seja auxiliando-a materialmente, seja instigando ou induzindo-a? A aplicação simples do art. 29 do CP poderia encorajar a punição privilegiada do partícipe também à luz do art. 123 do CP. Ou seja, aquele que ajuda ou se aproveita da situação da gestante perturbada também seria

209 NERY JUNIOR, Nelson et al. Constituição Federal comentada: atualizada até 10 de abril de

2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 199. 210 Ibid., p. 234. 211 BRASIL. Senado Federal. PLS - Projeto de Lei do Senado, nº 113 de 2004. Autor: Demóstenes

Torres. Brasília, 05 maio 2004. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=67544>. Acesso em: 30 out. 2013.

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beneficiado com uma pena menor, embora atue no seu estado psicológico normal. Essa posição foi e continua sendo objeto de divergências na doutrina e jurisprudência nacionais. [...] Assim, para pacificar a questão, a presente proposta impede um absurdo jurídico:punir com a mesmapena, a gestante emocionalmente perturbada e aquele que lhe presta auxílio ou de alguma forma concorre para o crime.212

Além do desentendimento doutrinário a respeito da existência do chamado

estado puerperal e da falta de determinação do lapso temporal durante ou logo após

o parto, há também o problema com relação ao concurso de agentes no delito.

Conforme o Código penal, o co- autor ou partícipe do crime de infanticídioresponde

pelo crime de infanticídio, pois circunstâncias de caráter pessoal se comunicam

quando elementares do crime. Ademais, há projetos de lei do Senado que tentam

encontrar uma forma mais adequada de resolver os conflitos no delito. Muito se tem

discutido quanto à pena aplicada no delito de infanticídio por ela ser bem menor que

a do homicídio, apesar de conter o núcleo penal “matar alguém”.213

Sobre esse assunto Senador Demóstenes Torres relata que:

Trata-se de questão muito discutida na doutrina penal, e até os dias de hoje não encontrou consenso. O infanticídio (art. 123 do CP) é uma espécie de “homicídio privilegiado”, apesar de trazer embutido em seu tipo penal o “matar alguém” do tipo penal do homicídio (art. 121 do CP), cuja pena é reclusão de seis a vinte anos. A pena para aquele crime éexpressivamente menor (detenção de dois a seis anos), dada a especificidade das elementares previstas em seu tipo penal: a ação de matar o filho é praticada pela mãe sob influência do estado puerperal. Em consequência de tais elementares, surgem problemas com relação ao envolvimento de terceiros (participação e co-autoria). Estes responderiam pelo crime de infanticídio juntamente com a mãe ou pelo crime de homicídio?As respostas na doutrina são díspares. Duas grandes posições se destacam na doutrina penal: a primeira, que adota um critério formal, defende que o estado puerperal se comunica ao terceiro, e, portanto, que este responde pelo infanticídio; a segunda, que adota um critério material, defende que o tipo penal do infanticídio se dirige à mãe da vítima, prevendo responsabilidade própria e personalíssima, incomunicável, e, portanto, que o terceiro responde por homicídio.Não há que se negar que a segunda tese é mais justa e aproxima-se mais da mens legis do art. 123 do CP, e é a tese defendida neste PLS.No entanto, esse é um tema que está sendo enfrentado pela Comissão Especial de Juristas, criada especialmente para a elaboração de um novo Código Penal, conforme Requerimento nº 756/2011, de minha autoria. Tendo em vista que a criação da Comissão de Juristas possui o objetivo maior de adequar a

212 BRASIL. Senado Federal. PLS - Projeto de Lei do Senado, nº 113 de 2004. Autor: Demóstenes

Torres. Brasília, 05 maio 2004. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=67544>. Acesso em: 30 out. 2013.

213 Ibid.

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legislação penal aos ditames da Constituição de 1988, promovendo a devida sistematização e organização dos crimes previstos em inúmeras leis esparsas, compreendo que aprovar novos projetos de lei criando crimes e alterando penas neste momento não é oportuno, pois pode quebrar a integridade e sistematicidade do anteprojeto a ser apresentado, gerando maior insegurança jurídica. Assim, entendo que o andamento dos projetos que alteram ou tratam de temas pertinentes ao Direito Penal deve ser sobrestado, nos termos do artigo 335 do RI, para aguardar o projeto de lei a ser originado do anteprojeto do Novo Código Penal, em elaboração pelo referido colegiado de especialistas, devendo ambos serem apreciados em conjunto.214

Outro Projeto de lei é o Projeto de lei nº 236, de 2012 é de autoria do

Presidente do Senado Federal Senador José Sarney. Esse Projeto de leirevela em

seu artigo 124 que quem vir a matar o próprio filho, durante ou logo após o parto,

sob influência perturbadora deste, terá a pena de prisão de um a quatro anos. Nota-

se que o artigo acima mencionado tem por finalidade tentar ajustar melhor o conceito

do crime para sanar as dúvidas existentes no Código Penal. Esse projeto confirma a

necessidade e vontade de modificar-se o delito.

O projeto conceitua o infanticídio com a retirada do motivo de honra,

permanecendo somente a presença da influência perturbadora durante ou logo após

o parto. Nota-se que houve um abrandamento da pena de um a quatro anos.

Nota-se também que no parágrafo único do artigo 124 do projeto de lei quem

concorrer para o crime de infanticídio respondera nas penas do tipo de homicídio e

não mais por infanticídio.

214 BRASIL. Senado Federal. PLS - Projeto de Lei do Senado, nº 113 de 2004. Autor: Demóstenes

Torres. Brasília, 05 maio 2004. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=67544>. Acesso em: 30 out. 2013.

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Quadro 1 - Comparativo do Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (projeto do novo Código Penal)

LEGISLAÇÃO PENAL Projeto de Lei do Senado nº

236, de 2012

Projetos de Lei anexados ao PLS nº 236, de 2012PLS

nº 113, de 2004

Acrescenta parágrafo único ao art. 123 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para definir que se aplicam as

penas previstas no art. 121 do mesmo Código ao co-

autor ou partícipe do crime de infanticídio.

Art. 1º O art. 123 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte

parágrafo único:

Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo

após:

Art. 124. Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência perturbadora

deste.

ART 123 […]

Pena – detenção, de dois a seis anos.

Pena – prisão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Quem, de qualquer modo, concorrer para o

crime, responderá nas penas dos tipos de homicídio

Parágrafo único. Quem prestar auxílio ou de qualquer

modo concorrer para a conduta da puérpera, ou executar o crime a seu

pedido, incidirá nas penas previstas no caput ou

parágrafos do art. 121, na medida de sua culpabilidade.

Fonte: BRASIL (2004)215.

215 BRASIL. Senado Federal. PLS - Projeto de Lei do Senado, nº 113 de 2004. Autor: Demóstenes

Torres. Brasília, 05 maio 2004. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=67544>. Acesso em: 30 out. 2013

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8 DESCRIMINALIZAÇÃO DO CRIME DE INFANTICÍDIO: UMA OUTRA

ALTERNATIVA

Descriminalização é “Ação ou efeito de revogar ou invalidar a criminalidade de

um fato”.216

Alguns doutrinadores acreditam que a melhor forma de se acabar com as

divergências no crime de infanticídio é revogá-lo do Código Penal brasileiro, não

com o intuito de torná-lo um fato atípico, mas sim o adequando ao artigo 121 do

Código Penal conforme a forma e os elementos de execução do crime.

O homicídio está tipificado no artigo 121 do Código Penal, sendo considerado

homicida quem matar alguém com pena de reclusão, de 6 a 20 anos.

Conforme Luiz Regis Prado “o homicídio consiste na destruição da vida

humana alheia por outrem, o bem jurídico tutelado é a vida humana independente. A

proteção de tão relevante bem jurídico é imperativo de ordem constitucional”.217

Genival Veloso de França concorda com a descriminalização do delito de

infanticídio, afirmando que:

[…] desnecessário o dispositivo específico do infanticídio, podendo, sem nenhum malefício ou nenhuma injustiça, ser retirado da codificação penal brasileira, pois ele nada mais representa senão uma forma especial de responsabilidade atenuada cuja pena breve contrasta com outras formas de homicídio doloso.Se a mãe deliberadamente mata seu filho, ao nascer, por maldade, egoísmo, comodidade ou sem nenhuma outra razão que justifique seu ato, não há por que deixar de merecer o rótulo de homicida, pagando a pena que é devida nessa tipificação criminal dolosa.218

No caso do homicídio qualquer pessoa poderá ser penalmente responsável

se tratando de sujeito ativo. No homicídio é configurado o dolo quando presentes na

216 DESCRIMINALIZAR. In: DICIONÁRIO online de português. Disponível em:

<http://www.dicio.com.br/descriminalizar/>. Acesso em: 30 out. 2013. 217 PRADO. Regis Luiz. Curso de direito penal brasileiro. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 57. 218 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

286.

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conduta do agente os seguintes requisitos: consciência da conduta e do evento

morte; consciência do nexo de causalidade objetivo entre a conduta e o evento;

vontade de realizar a conduta e produzir a morte da vítima.219

Segundo Heitor Piedade Jr: “o dolo requer o momento intelectual, isto é,

consciência da conduta e do resultado morte e consciência da relação de

causalidade objetiva; Também requer o momento volitivo, isto é, vontade que

impulsiona a conduta positiva ou negativa de matar alguém”.220

Assim, se pode concluir que a ideia de descriminalização do crime se dá

devido a inexistência, para muitos, do chamado estado puerperal e também de um

lapso temporal pré-definido.

Nesse contexto, se a mãe vem a eliminar a vida de seu filho com a presença

do dolo, a mesma deveria responder por homicídio conforme descrito no artigo 121 e

seus parágrafos, do Código Penal.

Já para os casos em que a parturiente que atenta contra o próprio filho sofre

doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou é inteiramente incapaz de

entender seu ato ilícito, os favoráveis à descriminilização do infanticidio afirma que o

delito deveria ser enquadrado no artigo 26, caput ou parágrafo único do mesmo

artigo que dispõe:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

219 PIEDADE JUNIOR, Heitor. Direito penal: mil perguntas, crimes contra a pessoa. Rio de Janeiro:

Rio, 1983. p. 32. 220 Ibid., p. 33.

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Conforme art. 3º e 4º do Código Civil Brasileiro:

São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: II. Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; Já os incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: III. Os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo.

Nesse contexto explica Genival Veloso de França:

Se o parto se verifica dentro de motivações que agravam uma predisposição psicopática, desencadeando acessos que tornam a mulher relativamente perturbada na sua maneira de entender, de modo a enfraquecer a consciência do caráter criminoso, aplique-se o parágrafo único do dispositivo referente à imputabilidade penal, que diz: ‘a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental, ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. E, finalmente, sendo a infanticida, ao tempo da ação ou da omissão, totalmente incapaz de entender o caráter criminoso, em virtude de grave perturbação do entendimento por patologia mental, será uma irresponsável nos termos do caput do dispositivo que trate dos inimputáveis, em que se lê: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, o tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.221

Assim, se a parturiente demonstrar algum abalo psíquico que restrinja

relativamente ou integralmente sua capacidade, atentando assim contra a vida de

seu próprio filho, deve ser inimputável ou semi- imputável.

Válido ressaltar que a parturiente que for considerada inimputável ou semi-

imputável será isenta de pena e assim deverá ser concedida medida de segurança

conforme artigo 96 do Código Penal, que expõe:

Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

221 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

285.

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Conforme o artigo 97 § 1º, do CP, o prazo mínimo da medida de segurança é

de um a três anos e deve ser estabelecido pelo Juiz, não tendo prazo máximo,

porém não poderá exceder 30 anos. Válido ressaltar que o que realmente se busca

com a medida de segurança é a recuperação do internado.

O artigo 121, parágrafo 1º dispõe sobre a redução da pena no crime de

homicídio:

Caso o agente cometer o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Assim, caso o infanticídio seja provocado por motivo de honra, a infanticida

deveria ser enquadrada no Código Penal onde há uma atenuação da pena que se

dá por “motivo de relevante valor moral e social” conforme traduz Genival Veloso de

França que relata:

Se o infanticídio é provocado por graves pressões sociais e morais, precedido de uma gravidez indesejada e comprometedora cujo filho será a vergonha da família, dos parentes e objeto da censura permanente dos olhares mais ferinos da coletividade, dê-se à mulher a circunstância judicial já estatuída em nosso diploma penal cuja atenuação se caracteriza por “motivo de relevante valor social e moral”222

Conforme José Henrique Pierangeli a respeito do conceito do motivo de

relevante valor social e moral, afirma que:

Esses motivos estão ligados aos interesses coletivos ou aos fins da vida em sociedade, razão pela qual o agente tem diminuído o grau de censurabilidade (culpabilidade) que incide sobre a sua conduta, porque fica demonstrado possuir ele uma maior adaptabilidade à vida em comunidade, ou, ainda, em outras palavras, uma sensibilidade para com a escala de valores em que se apoia a estrutura social. Tais motviso são perfeitamente aceitos pela consciência ética de uma sociedade num determinado momento histórico.223

222 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.

285. 223 PIERANGELI, José Henrique. Manual do direito penal brasileiro: parte especial. 2. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 30.

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Já o motivo de relevante valor moral diz respeito aos interesses particulares,

isto é, os interesses individuais do agente.224

De acordo com o princípio da secularização não existe uma ligação entre o

direito e a moral.

Nesse contexto afirma Luigi Ferrajoli que:

[…] é a idéia de que inexiste uma conexão entre o direito e a moral. O direito não tem a missão de (re)produzir os elementos da moral ou de outro sistema metajurídico de valores éticos-políticos, mas, tão-somente, o de informar o seu produto de convenções legais não predeterminado ontológico nem tampouco axiologicamente. Mas, por outro lado, salienta o constitucionalista, percebe-se a autonomia da moral com relação ao direito positivo, ou seja, "os preceitos e os juízos morais, com base nesta concepção, não se fundamentam no direito nem em outros sistemas de normas positivas – religiosas, sociais ou de qualquer outro modo objetivas.225

Assim, caso a gravidez de uma mulher fosse indesejada, seus familiares não

concordassem com o nascimento de seu infante ou até mesmo houvesse

reprovação na sua comunidade, poderia ser atenuada seu grau de culpabilidade em

razão desse desprezo particular e coletivo a fim de não ter sua honra violada.

Assim, Concluiu Salo de Carvalho que “parece claro que a única forma de

resguardar a dignidade da pessoa humana é tutelando sua capacidade de livre

determinação. Romper os vínculos entre direito e moral, propiciando ao ‘Outro’ ser

‘diverso’, é assegurar a tolerância e o pluralismo, valores fundamentais do Estado

Democrático de Direito. 226

Além de todos os empecilhos com relação à tipificação do crime de

infanticídio, ainda há a dificuldade da perícia em detectar se a parturiente estava ou

não sob influência do estado puerperal e se o crime ocorreu durante ou logo após o

224 Ibid., p. 31. 225 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 54. 226 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.

155.

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parto. Assim alguns pensam ser a melhor alternativa a descriminalização do delito

de infanticídio.

Com relação a dificuldade que a perícia passa ao tentar detectar o crime de

infanticídio, relata Aníbal Bruno que:

A lei admite que o estado puerperal pode gerar uma situação de turvação do espírito capaz de determinar a mulher a praticar o infanticídio. Essa situação, mesmo existente, será transitória e geralmente se apaga sem deixar vestígios. Será difícil demonstrar que ela ocorreu e conduziu ao crime. Em geral, tais fatos se passam fora da presença de testemunhas idôneas e, quando chega o perito já os sinais da sua passagem se desvaneceram.227

Desse modo, os que defendem a ideia da discriminalização do infanticidio

devido todas as controvércias que o mesmo gera,não vêem outra alternativa a não

ser retira-lo do Código Penal, sendo assim enquadrado em outro delito conforme os

elementos apresentados no crime.

A criação de um anteprojeto ao Novo Código Penal, projetos de lei e a ideia

de descriminalização do infanticídio se deram pela angustia do legislador perante as

controvérsias e dúvidas que geram o delito. Entretanto, ainda há muitos problemas a

serem debatidos, revistos e sanados na tentativa de tipificar o crime da maneira mais

compreensivel possivel. No caso do infanticídio, direito e medicina devem caminhar

juntos em busca de uma legislação mais justa e sem margem a erros.

227 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte especial I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 70.

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9 PARECER SOBRE ENTREVISTAS COM AUTORIDADES DA ÁREA MÉDICA

Além da pesquisa bibliográfica e legislativa em relação ao anteprojeto ao

Código Penal e a ideia de descriminalização do delito de infanticídio, foram feitas

entrevistas com autoridades na área médica em função da incongruência de

posicionamentos na medicina. Foram feitas aos entrevistados seis perguntas com

relação ao crime de infanticídio e às controvérsias que pairam no delito para elucidar

tal problemática envolvendo o tema do trabalho.

Foram entrevistados dois médicos-legistas, Dr. Flávio Mansur e Dr. Benfica; e

um psiquiatra forense, Dr. Rogério Göttert Cardoso. Alguns trechos da entrevista

foram destacados por serem considerados de grande importância.

Conclui-se, assim, que para o Dr. Flávio Mansur, o lapso temporal “logo após

o parto” é uma lacuna existente no crime de infanticídio, pois não há como precisar

quanto tempo dura esse período. Nota-se que o Dr. Mansur acredita que a

depressão pós-parto faça parte do estado puerperal. Com relação ao critério honoris

causa e a influência do estado puerperal, avalia que não há que se falar em erro ou

acerto por parte do legislador, mas se trata de dois casos completamente diferentes.

No honoris causa, a mulher está consciente do ato, mas, por motivo de honra,

vem a matar seu próprio filho. Já pelo estado puerperal, a mulher não tem total

consciência do ato ilícito em função das alterações que o estado puerperal pode

acarretar na mesma, como é o caso do estado psicótico. Além disso, a depressão

pós-parto confere um estado psicótico ao estado puerperal. Ele acredita que exista

o tão discutido estado puerperal e que, em decorrência de perda do aporte hormonal

da gestação e de razões psíquicas (com o filho sendo o centro das atenções), a

mulher pode iniciar com uma depressão que poderá evoluir para um estado de

depressão psicótica. Salienta que não se deve entender diferentemente a influência

do estado puerperal com a perda total ou parcial da consciência da parturiente. Se a

mulher matasse seu filho em plena consciência, não teria porque o delito ser

diferenciado do homicídio. Diferente do homicídio, quem comete infanticídio deveria

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receber medidas de segurança e não pena, em função da incapacidade total ou

parcial em que se encontra na hora do ato ilícito.

O psiquiatra Dr. Rogério Göttert Cardoso acredita que algumas questões

permanecem obscuras sobre o crime de infanticídio, como o estado puerperal e as

psicoses que podem sobrevir no pós-parto. Na psiquiatria, há diferentes

denominações para o crime de infanticídio, de acordo com a análise de cada caso. A

psiquiatria denomina neonaticidas as mulheres que cometem o delito por razões

diversas, como, entre as mulheres casadas, a paternidade extramarital. Ademais,

quando há um relacionamento fugaz, muitas mulheres matam seus filhos pela

vergonha de serem julgadas pela sociedade. Assim, eliminam o objeto de seus

temores: filho. Nota-se aqui a presença do critério honoris causa, em que a mãe

mata seu filho com intuito de manter a honra. Já as mães que cometem filicídio

apresentam, muitas vezes, depressões anteriores ao nascimento devido à falta de

suporte social ou marital, dificuldades econômicas, estresse familiar e expectativas

irrealistas sobre a maternidade.

Para o Dr. Rogério, há o chamado estado puerperal; entretanto, o que o

legislador não especificou foi que, nesse estado, podem existir psicoses puerperais.

O Dr. Rogério acredita que a melhor forma de prevenção contra o delito seria

a adoção de programas educativos e preventivos, para que mães tivessem

conhecimento das manifestações que podem ocorrer durante a gravidez, durante o

parto ou depois dele.

O Dr. Benfica afirma que o estado puerperal não pode ser objeto de perícia. O

legislador quis especificar o crime que pudesse ser cometido somente pela mãe,

assim criando um crime com forma privilegiada em relação ao homicídio, sendo

considerado como delictum exceptum. Assim, construiu-se uma modalidade

autônoma, pois a mãe é a autora crime, e seu filho, sujeito passivo. O crime de

infanticídio ganhou uma pena mais branda em comparação com o homicídio. O Dr.

Benfica reconhece a presença de alterações no pós-parto que podem desencadear

a manifestação de alguma doença psíquica latente, como, por exemplo, uma

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psicose, mas não acredita no “estado puerperal”, pois nem sequer existe na

literatura médica, sendo uma criação do legislador.

Assim, conclui-se que há divergências entre médicos com relação ao crime de

infanticídio. O legislador tipificou o delito com um elemento que precisa de uma

definição médica: estado puerperal, utilizando um termo que não tem consenso

entre médicos.

Nota-se que foram entrevistados dois médicos que atuam na mesma área:

medicina legal e, entre eles, há divergências quanto ao infanticídio. A divergência é

tanta que um médico-legista acredita na existência do estado puerperal, e outro

afirma que o estado puerperal é uma criação jurídica. Tantas dúvidas levam o

legislador a tentar corrigir tais erros com a criação de anteprojeto ao Novo Código

Penal, surgindo até a ideia de descriminalização do delito.

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10 CONCLUSÃO

A monografia teve o intuito de expor o crime de infanticídio tendo como foco

na área jurídica e médica. Devido os elementos que se encontram no infanticídio e a

diversidade de opiniões com relação a esse delito, viu-se a necessidade de trabalhar

o pensamento do legislador quanto à tipificação do delito e a mentalidade da

medicina já que o legislador utilizou-se de termos técnicos médicos para defini-lo.

Inicialmente buscou-se relatar os fatos históricos que contribuíram para as

alterações no crime como o critério desde o critério honoris causa até a presença do

estado puerperal. O delito passou de não ser considerado crime pela sociedade até

ser impostas penas cruéis a quem cometesse o mesmo. Devido aos movimentos do

direito natural o crime cometido pela mãe contra o filho passou a ser considerado

homicídio privilegiado quando praticado para manter a honra. O critério de honra foi

estabelecido. No Brasil, houve a presença do critério de honoris causa até a

alteração para a aceitação da influência do estado puerperal na parturiente. O

elemento normativo durante ou logo após o parto também é muito discutido no

âmbito penal e na medicina. O legislador não soube estabelecer um tempo definido

para a ocorrência do estado puerperal. Outro aspecto que leva a discussão no delito

é a comunicabilidade, isto é, a ideia de que as circunstâncias de caráter pessoal se

comunicam de uns a outros co-autores quando elementares do crime aliado a

redação do artigo 30 do Código Penal Brasileiro. E outra corrente doutrinária que

não acredita da comunicabilidade, achando que o co-autor deve responder por

homicídio conforme disposto no artigo 121 do Código Penal e não infanticídio.

A interdisiplinariedade se mostrou evidente no decorrer do trabalho quando

foram demonstrados conceitos e opiniões de juristas e médicos com a finalidade de

fomentar o estudo interdisciplinar entre diversas áreas.

A maior parte da doutrina acredita que há um estado puerperal, porém não

faz ligação do crime com outras doenças que afetam o psicológico da mulher como

as psicoses puerperais. Para o legislador o estado puerperal não acarreta psicoses

puerperais. De outra parte, a psiquiatria acredita em diferentes nomenclaturas para

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o delito utilizando o neonaticidio e o filicídio de acordo com o lapso temporal e as

causas que envolvem o cometimento do crime.

A perícia tem dificuldade em constatar se a parturiente se encontra no estado

puerperal ou não o delito devido o delito não apresentar elementos bem definidos e

compreendidos. Assim, o infanticídio é visto como a cruz das pericias.

A pesquisa de campo foi realizada com três médicos para que fossem

relatadas as controvérsias do crime na mesma área. O resultado foi opiniões

completamente diferentes a respeito do infanticídio onde um médico acredita na

existência do estado puerperal e outro afirma que é uma invenção jurídica. A

psiquiatria, também acredita em diferentes nomenclaturas para o delito utilizando o

neonaticidio e o filicídio de acordo com o lapso temporal e as causas que envolvem

o cometimento do crime.

Além disso, o trabalho traz diferentes nomenclaturas que definem

interpretações diversas da que traz o Código Penal em seu artigo 123 que não são

usados pelo legislador.

Devido as diversas controvérsias trazidas pelo legislador com relação ao

crime de infanticídio foi criado um anteprojeto ao Novo Código Penal com o intuito de

sanar as dúvidas perante o crime, porém dificultando ainda mais a aplicação do

delito e retomando critérios antigos como o da honoris causa e adicionando

influencia perturbadora no delito. Também foi infeliz o legislador no anteprojeto ao

dispor que quem concorrer para o crime de infanticídio incidirá nas penas do artigo

121 do CP e seus parágrafos: homicídio. O legislador preferiu não nomear a

perturbação mental, rejeitando o estado puerperal. Projetos de lei foram trabalhados

a fim de se discutir as propostas que estão sendo formuladas a respeito do delito

que também acorda com a ideia de que quem participa para o cometimento do

infanticídio seja enquadrado como homicida e não seja beneficiado pela perturbação

da parturiente. Já o projeto de lei de autoria do Senador José Sarney conceitua o

delito com a retirada do motivo de honoris causa, permanecendo somente a

presença perturbadora durante ou logo após o parto com um abrandamento da pena

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de prisão de um a quatro anos. E por fim, muitos autores são favoráveis a

descriminalização do infanticídio, isto é, que o mesmo seja retirado da codificação

penal brasileira.

Assim, diante de tantas disparidades no entendimento do que seria

infanticídio, busca o legislador incansavelmente novas alternativas a fim de melhorar

a legislação, trazendo mais compreensão ao tipo penal. Todavia, o intérprete ao

trabalhar com tais situações acaba permanecendo na percepção duvidosa e

controversa que o tipo penal acarreta, permanecendo uma percepção moral para

punir, do que efetivamente jurídica e ou vinculada com os aspectos da medicina.

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RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Segunda Câmara Criminal. Apelação crime nº 70036939452. Relator: Jaime Piterman. Julgado em: 23 de agosto de 2012a.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sétima Câmara Cível. Apelação cível nº 70044935591. Relator Des. Jorge Luiz DallAgnol. Julgado em: 19 de janeiro de 2012b.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Comarca de Vacaria. Recurso em sentido estrito nº 70052643202. Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro. Julgado em: 04 de abril de 2013b. Depoimento de A. S. M.: acusada pelo crime de infanticídio.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Recurso em sentido estrito nº 70010362846. Relator: Danúbio Edon Franco. Julgado em: 24 de fevereiro de 2005a.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Recurso em sentido estrito nº 70021939301. Relator: Vladimir Giacomuzzi. Julgado em: 19 de dezembro de 2007.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Criminal. Recurso em sentido estrito nº 70011844305. Relator: Danúbio Edon Franco. Julgado em: 15 de setembro de 2005b.

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ANEXO A – ENTREVISTA COM DR. FLÁVIO MANSUR (MÉDICO LEGISTA)

Segue abaixo a entrevista do O Dr. Flávio Mansur, que é médico-legista, além

de ginecologista e obstetra:

1) Analisando o conceito do crime de infanticídio no Código Penal Brasileiro,

há alguma lacuna? Em caso positivo, qual (is)?

O conceito aberto "logo após". Em realidade, o estado depressivo puerperal

pode se estender por semanas ou meses. Logo, não há como limitar em "logo após"

um estado que dura mais que um "logo".

2) Sabe-se que o conceito do infanticídio foi modificado ao longo do tempo,

sendo substituído o critério honoris causa (honra) pelo do estado puerperal.

Acertou o legislador quando modificou o delito?

Não há que se falar em acerto ou erro na mudança. São duas causas

diversas. Uma é consciente - honoris causa -, pois demanda que a parturiente saiba

que com aquele ato estará "salvando" sua honra. A outra é inconsciente, fruto de um

estado psicótico. Em realidade, a versão com menção a "estado puerperal" demanda

alteração da razão que torna a agente semi-imputável ou até inimputável. Se estiver

plenamente consciente de seus atos, e mesmo assim praticar o infanticídio, não vejo

razão para ser crime diverso do homicídio Seria homicídio com agravante (vítima

indefesa).

3) Quais são os sintomas que podem ocorrer durante ou logo após o parto? Há

alguma alteração psicológica que faça a parturiente vir a matar seu próprio

filho?

Sim, por razões físicas - perda do aporte hormonal da gestação - e psíquicas -

o filho passa a ter existência à parte da mãe e ser o centro das atenções. A

parturiente entra em estado depressivo que pode evoluir para um estado depressivo

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psicótico, com alucinações tais que ela acabe por provocar atos contra a integridade

do filho.

4) Existe o chamado estado puerperal? Em caso afirmativo, pode ocorrer

algum tipo de amnésia, alucinações, perda parcial ou total da consciência?

Sim, é exatamente do que se trata. O tipo penal fala em "estado puerperal", o

qual não pode ser entendido diferentemente daquele estado com perda total ou

parcial do senso de realidade. Se fosse uma mulher plenamente consciente

matando uma criança - e mesmo que esta criança fosse seu filho - não haveria

diferença de um homicídio, quiçá qualificado, mas não seria crime diverso,

infanticídio. Exatamente por existir no tipo penal a elementar "estado puerperal" é

que deve existir, na realidade, um "estado puerperal", ou nunca o tipo se

perfectibilizaria.

5) Por que é tão difícil detectar o crime de infanticídio?

Porque é raro, porquê, hoje em dia, se tratam as parturientes com distúrbios

psíquicos, porque há vigilância mais apurada caso apresentem alterações,

protegendo a criança. Em um tempo em que os partos se davam em casa, e muitas

vezes sem testemunhas, era mais fácil o cometimento.

6) O que deveria ser modificado para que se pudesse ter maior compreensão e

constatação do crime de infanticídio? Uma extensão em direito ou apenas a

eliminação do delito em razão de aspectos que a medicina questiona?

Em realidade, estas mulheres deveriam receber medidas de segurança, caso

perpetrem o crime, e tratamento psiquiátrico, não penas. A constatação depende,

primordialmente, de denúncia da própria família, que é onde ocorre o crime

(ambiente familiar) e provavelmente isto impede a maior constatação de sua

existência. Muitas "mortes súbitas no berço" podem, quem sabe, ser infanticídios.

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ANEXO B – ENTREVISTA COM DR. ROBERTO GÖTTERT CARDOSO

(PSIQUIATRA FORENSE)

Entrevista com psiquiatra forense e ex Diretor do IPFMC (instituto de

psiquiatria Forense Dr. Maurício Cardoso), Dr. Roberto Göttert Cardoso. Essa

entrevista foi gravada e executada de informalmente, na qual foram feitas algumas

questões ao Psiquiatra.

1) Analisando o conceito do crime de infanticídio no Código Penal Brasileiro,

há alguma lacuna? Em caso positivo, qual (is)?

Algumas questões permanecem obscuras sobre o crime de infanticídio, como

o estado puerperal e as psicoses que podem sobrevir no pós-parto. De acordo com

o conhecimento atual, é preciso entender muito a respeito dessas situações, tanto

em relação ao fenômeno da psicose puerperal, quanto a fatores que conduzem

algumas mães a cometerem um filicídio na vigência de uma psicose pós-parto.

2) Sabe-se que o conceito do infanticídio foi modificado ao longo do tempo,

sendo substituído o critério honoris causa (honra) pelo do estado puerperal.

Acertou o legislador quando modificou o delito?

A psiquiatria usa dois termos para o crime de infanticídio: o neonaticídio e o

filicídio propriamente dito. Essa diferenciação dá-se pelo motivo que há uma

necessidade em separar a mulher que mata seu filho já pensando nisso durante o

parto, isto é, já rejeitando sua gravidez e devido às manifestações que ocorrem no

parto acaba por cometer o delito, da mulher que já vem com uma depressão durante

todo o parto e quando vai dar a luz tem essa depressão agravada e comete o delito.

As neonaticidas cometem o delito por razões diversas, sendo a causa mais

preponderante, entre as mulheres casadas, a paternidade extramarital. Já as mães

que cometem filicídio apresentam, muitas vezes, depressões anteriores ao

nascimento devido a falta de suporte social ou marital, dificuldades econômicas,

estresse familiar e expectativas irrealistas sobre a maternidade.

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3) Quais são os sintomas que podem ocorrer durante ou logo após o parto? Há

alguma alteração psicológica que faça a parturiente vir a matar seu próprio

filho?

Ocorrem alterações corporais que modificam o metabolismo da mulher e

consequentemente o comportamento da mesma. É bastante frequente que as

mulheres no pós-parto se deprimam. Às vezes a gravidez não vem muito planejada,

por exemplo, imagina a mulher esta se preparando para ter o nenê e este nenê

depende de ti para tudo. A carga emocional aqui é enorme, e o recém-nascido

precisa do teu equilíbrio mental e questões biológicas para dar conta do mesmo.

Assim, muitas vezes, as mulheres se sentem incapazes de lidar com o filho.

4) Existe o chamado estado puerperal? Em caso afirmativo, pode ocorrer

algum tipo de amnésia, alucinações, perda parcial ou total da consciência?

Existe o chamado estado puerperal; entretanto, este período também pode

ser uma fase de aumento de vulnerabilidade para a doença psiquiátrica. De acordo

com o Código Penal Brasileiro Vigente, o filicídio e suas prerrogativas de diminuição

de pena são considerados apenas nos casos em que exista o estado puerperal, e

este é reconhecido somente no período que vai desde o parto até o deslocamento

da placenta, embora seja, também, matéria de grande polêmica para os

legisladores.

5) Por que é tão difícil detectar o crime de infanticídio?

O crime de infanticídio é raro. Quando averiguado a ocorrência do delito,

ocorrerá o inquérito policial em que serão averiguados os elementos do crime. Pelas

informações do inquérito, já se pode ter uma base do que ocorreu. Muitas mães

preferem entregar seus filhos a parentes por acharem não possuir capacidade de

serem mães.

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6) O que deveria ser modificado para que se pudesse ter maior compreensão e

constatação do crime de infanticídio? Uma extensão em direito ou apenas a

eliminação do delito em razão de aspectos que a medicina questiona?

No crime de infanticídio, cada caso deve ser analisado com atenção. Há mães

que apresentam psicose apenas no primeiro parto e outras não apresentam

fenômeno psicopatológico no primeiro, porém tendo esses sintomas nos partos

posteriores. Existem ainda casos de mães que sofreram a psicose após diferentes

partos, por exemplo, no segundo e no quarto filho, não ocorrendo no primeiro e no

terceiro.

Programas educativos e preventivos deveriam ser adotados para que mães

tivessem conhecimento das manifestações que podem ocorrer durante a gravidez,

durante o parto ou após ele.

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ANEXO C – ENTREVISTA COM DR. FRANCISCO BENFICA (MÉDICO-LEGISTA)

Entrevista com o Dr. Francisco Benfica, médico-legista, realizada através de

envio de questionário por e-mail.

1) Analisando o conceito do crime de infanticídio no Código Penal Brasileiro,

há alguma lacuna? Em caso positivo, qual (is)?

Sob o aspecto pericial, os elementos descritos no tipo penal que podem ser

analisados são o diagnóstico de parto, a morte violenta do feto e o seu nascimento

com vida. Por outro lado, o “estado puerperal” não pode ser definido como um

elemento de perícia.

2) Sabe-se que o conceito do infanticídio foi modificado ao longo do tempo,

sendo substituído o critério honoris causa (honra) pelo do estado puerperal.

Acertou o legislador quando modificou o delito?

Me parece que o legislador buscou definir um critério que limitasse o crime de

infanticídio a ser praticado apenas pela mãe. E neste sentido, criou um estado

psíquico específico que somente poderia comprometer a mãe. Mas não me parece

que este tenha sido um critério adequado, considerando a falta de elementos

técnicos que pudessem caracterizá-lo.

3) Quais são os sintomas que podem ocorrer durante ou logo após o parto? Há

alguma alteração psicológica que faça a parturiente vir a matar seu próprio

filho?

Sim, o pós-parto é um momento de crise na vida da mulher e pode

eventualmente desencadear a manifestação de alguma doença psíquica latente,

como, por exemplo, uma psicose. E num quadro psicótico, uma mulher pode

efetivamente matar o próprio filho, considerando o estado de perda de juízo crítico, a

falta de contato com a realidade e as alucinações que acompanham esta doença.

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4) Existe o chamado estado puerperal? Em caso afirmativo, pode ocorrer

algum tipo de amnésia, alucinações, perda parcial ou total da consciência?

Não existe o chamado “estado puerperal” na literatura médica. Este estado

comportamental é mais uma criação jurídica, sem um substrato científico efetivo. No

entanto, alucinações e perda do controle comportamental são manifestações de uma

psicose, uma doença mental grave e bem definida na psiquiatria.

5) Por que é tão difícil detectar o crime de infanticídio?

Não tenho elementos para definir a dificuldade jurídica para a comprovação

do fato. Tecnicamente, posso afirmar que o “estado puerperal” é um diagnóstico que

não pode ser feito, já que não há uma definição deste estado comportamental na

nomenclatura médico-legal.

6) O que deveria ser modificado para que se pudesse ter maior compreensão e

constatação do crime de infanticídio? Uma extensão em direito ou apenas a

eliminação do delito em razão de aspectos que a medicina questiona?

Se considerarmos apenas os aspectos médicos, este tipo penal poderia ser

excluído. O evento mãe matando o próprio filho pode ser perfeitamente avaliado

dentro dos conceitos existentes. Ou a mãe apresenta uma capacidade de

entendimento adequada, e, portanto, o crime é homicídio, ou ela apresenta uma

perda da capacidade de entendimento. Neste caso, ela estaria afetada por uma

doença mental, no caso, uma psicose, e poderia ser caracterizada como sendo

inimputável.