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FACULDADE DE SÃO BENTO SEBASTIÃO JOSÉ DOS SANTOS AS ROMARIAS SOB A PERSPECTIVA DA FÉ CRISTÃ As romarias ao Santuário Basílica de Nossa Senhora das Dores em Juazeiro do Norte SÃO PAULO 2017

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FACULDADE DE SÃO BENTO

SEBASTIÃO JOSÉ DOS SANTOS

AS ROMARIAS SOB A PERSPECTIVA DA FÉ CRISTÃ

As romarias ao Santuário Basílica de Nossa Senhora das Dores

em Juazeiro do Norte

SÃO PAULO

2017

SEBASTIÃO JOSÉ DOS SANTOS

AS ROMARIAS SOB A PERSPECTIVA DA FÉ CRISTÃ

As romarias ao Santuário Basílica de Nossa Senhora das Dores em

Juazeiro do Norte

Monografia apresentada para a obtenção do grau de Bacharelado em Teologia outorgado pela Faculdade de São Bento de São Paulo. Prof. Orientador: Sérgio Alejandro

SÃO PAULO

2017

Monografia apresentada para a obtenção do grau de Bacharelado em Teologia

outorgado pela Faculdade de São Bento de São Paulo.

_____________________________________

Sebastião José dos Santos

Monografia aprovada em _____/_____/_________

_____________________________

Orientador

Prof. Sérgio Alejandro Ribaric

_____________________________

1º Examinador

Prof. Domingos Zamagna

_____________________________

2º Examinador

Prof. Dom Hildebrando

Diante do exposto, o candidato foi ________________ com conceito _________.

DEDICATÓRIA

À minha mãe Beatriz Marina da Conceição, exemplo de mãe, mulher e cristã, minha primeira catequista e

motivadora vocacional, ao Padre Olegário Gomes de Morais (in memoriam) meu primeiro promotor vocacional e

a todos que de alguma forma me incentivaram no decorrer deste Curso.

É uma grandessíssima calúnia dizer que tenho revoltas contra

a Igreja. Eu nunca tive dúvidas sobre a Fé Católica; nunca

disse nem escrevi, nem em cartas particulares nem em

jornais, nem em qualquer escrito nenhuma proposição falsa,

nem herética, nem duvidosa, nem coisa alguma contra o

ensino da Igreja.

Graças à bondade e misericórdia de Nosso Senhor Jesus

Cristo minha fé na doutrina ensinada pela Santa Igreja é viva,

inteira e pura, pela qual ajudado na Graça Divina darei, se

preciso for, a própria vida.

PADRE CÍDERO ROMÃO BATISTA.

AGRADECIMENTOS

Fazer agradecimentos é uma tarefa difícil, pois, não há como medir a

importância de cada pessoa que de alguma maneira participou do processo de

construção desse trabalho, seja nas conversas informais no espaço da Faculdade, nas

ruas de Juazeiro, nas Igrejas daquela cidade do Padre Cícero, ou nos encontros e

conversas formais que esse trabalho exigiu. Levo comigo e aqui registro com

possibilidade de esquecimento uma profunda gratidão a cada uma delas.

Em primeiro lugar agradeço ao bom DEUS, Senhor e Mestre que sempre me

socorreu em minhas dúvidas e dificuldades.

Depois de exaltar num gesto de gratidão a Deus, agradeço ao professor

Domingos Zamagna, ele que, ainda quando eu cursava Filosofia no UNIFAI, me

incentivou e sempre agiu com compreensão e afeto, minha sincera gratidão e admiração.

Aos professores da Faculdade São Bento, que, com dedicação e profissionalismo

transmitiram-me os conhecimentos da Teologia, a todos o meu muito obrigado!

Aos meus colegas de curso, que nestes anos de estudos dividiram comigo seus

anseios e experiências nas descobertas teológicas.

As comunidades nas quais nestes anos de busca e caminhada de estudos fiz

pastoral. Com especial afeto e gratidão lembro e agradeço a Comunidade São Mateus

Apóstolo em Campo Limpo - SP; a Comunidade Nossa Senhora de Guadalupe na

cidade de Campo Grande – MS; nestas duas comunidades aprendi o jeito simples do

nosso povo ser Igreja.

Aos Grupos e Pastorais dos quais fiz parte e trabalhei especialmente a pastoral

do Batismo, Pastoral Familiar e Pastoral da Juventude.

Agradeço ainda e muito especialmente aos padres do Santuário Basílica de

Nossa Senhora das Dores em Juazeiro do Norte – CE, pela atenção, acolhida e carinho

com que me acolheram naquela terra de romaria e fé.

À Dom Fernando Panico, então bispo da diocese do Crato – CE, diocese da

qual Juazeiro do Norte pertence, ele que me acolhendo me falou da sua experiência

como bispo local e romeiro do Padre Cícero e da Mãe das Dores.

À Dom Paulo Cardoso Sobrinho, bispo romeiro e emérito da Diocese de

Petrolina – PE, ele que todos os anos vai a Juazeiro como romeiro, e com tanto afeto me

falou de sua fé e devoção ao Patriarca do Nordeste.

Aos padres que neste tempo sempre estiveram de braços e corações abertos para

me receber, ouvir e aconselhar, especialmente: Padre Ademir de Suzano, Padre Jorge de

Cupira (in memoriam), Padre Márcio Lopes Vieira, meu antigo formador na

Congregação da Pequena Obra da Divina Providência (Orionitas), Padre Paulo da

Paróquia Maria Medianeira de todas as Graças na cidade de Campo Grande, pelo

carinho e confiança em mim depositados no comando da Comunidade Guadalupe, e a

tantos outros sacerdotes que sempre me dedicaram orações e afeto no decorrer desta

caminhada de estudos.

À Sônia Maria Justu, ex-diretora da E. E. Oswaldo de Oliveira Lima em Suzano,

pelo carinho e compreensão que sempre teve por mim quando precisei conciliar escola e

faculdade. Bem como tantos Professores da rede Estadual de Ensino do Estado de São

Paulo com os quais tanto aprendi e pelos quais nutro grande afeto e profunda gratidão.

A tantos alunos e ex-alunos das escolas nas quais lecionei nesse tempo: E. E.

Sebastião Pereira Vidal – Suzano. Raul Brasil – Suzano. David Jorge Curi – Suzano e,

José Benedito Leite Bartholomei – Suzano. Nestas Escolas aprendi no exercício na

nobre missão de educador um pouco da missão do sacerdote, educar com amor e formar

para vida. Junto aos alunos destaco especialmente alguns que deixando de ser alunos

tornaram-se amigos: Paulo Victor, Uziel Braga, Washington Oliveira, Lucas Matos,

Lucas Lopes, Gabriel Henrique, Paulo Soares, Eraldo Junior, Mateus Everton, e neles

tantos outros que se fossem lembrados nominalmente seriam necessárias inúmeras

páginas, a todos muito obrigado pelo carinho, incentivo e torcida.

Aos meus familiares, Mãe, irmãos, sobrinhos e demais parentes, bem como

tantos padrinhos e madrinhas de oração, a eles minha mais sincera gratidão e afeto e de

modo especial ao meu Pai José Maurício (in memoriam).

Ao professor Dom Hildebrando por ter não apenas sido transmissor de

conhecimento durante o Curso, mas também, um dos examinadores da minha banca.

Por fim, dedico este trabalho ao Professor Sérgio Alejandro Ribaric meu

orientador. Minha gratidão pela disponibilidade, respeito e carinho que sempre dedicou

a mim e minha admiração pela maneira simples e leve com a qual transmite os

conhecimentos que possui acerca da Teologia. Um pouco do seu jeito espontâneo e

descontraído me atrevi copiar para enfrentar os desafios das salas de aula do Ensino

Médio. Muito obrigado Mestre.

RESUMO

O presente texto pretende expor uma análise, apoiada em escritos diversos e em

experiências vividas por mim na terra do Padre Cícero e da Mãe das Dores e,

consequentemente as Romarias que anualmente atraem milhões de pessoas a Juazeiro

do Norte no Estado do Ceará. Num primeiro momento as origens das devoções ao

“Padim Ciço” e a Mãe das Dores, os desafios, perseguições e punições, bem como a

obediência inabalável do Padre Cícero para com a Igreja. A verdadeira doação da sua

vida aos pobres e sofredores que nos ajudará a melhor compreender a origem e

permanência das Romarias de Juazeiro. Por isso num primeiro momento enfatizaremos

as razões principais que deram início as peregrinações, a ocorrência do milagre da

hóstia. Depois, veremos as razões particulares que permitiram aos romeiros a definir o

Juazeiro como um lugar sagrado, a Roma dos pobres, a Nova Jerusalém no Nordeste. E

ainda a Basílica das Dores e o Túmulo do Padre Cícero como lugares da alegria e do

encontro, da penitência e da reconciliação. O jeito próprio dos Romeiros de Juazeiro

rezar, louvar e contemplar o Sagrado, o olhar, as expressões corporais e o toque. Ver e

sentir.

Palavras-Chave: Romaria – Milagre – Padre Cícero – Juazeiro – Nossa Senhora das

Dores – Nordestinos.

SUMÁRIO

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO RELIGIOSO DA ROMARIA E SUA ORIGEM EM JUAZEIRO ........... 10

1.1. A origem das romarias em Juazeiro do Norte .................................................................. 11

1.2 O milagre da Hóstia pelas mãos do padre Cícero sela o início das romarias. ................... 14

1.3 Santuário das Dores e túmulo do Padre Cícero: lugares da alegria .................................. 18

CAPÍTULO II ....................................................................................................................... 22

O SENTIDO E OS SENTIMENTOS DA ROMARIA .................................................................... 22

2.1. Maria é a Estrela que ilumina os sentimentos e expressões ........................................... 23

2.2. Os gestos como prolongamento da liturgia romeira ....................................................... 25

2.3. As Romarias e seu novo fôlego com a Reabilitação do Padrinho .................................... 27

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 30

ANEXOS............................................................................................................................. 33

ANEXO I ................................................................................................................................... 33

CRONOLOGIA DO MARTÍRIO DO PADRE CICERO .................................................................... 33

ANEXO II ........................................................................................................................... 35

Decisão e decreto da Sagrada Inquisição Romana Universal sobre os fatos que sucederam no

Juazeiro, Diocese de Fortaleza ................................................................................................ 35

ANEXO III .......................................................................................................................... 37

A CARTA DA RECONCILIAÇÃO - TEXTO INTEGRAL ................................................................... 37

ANEXO IV .......................................................................................................................... 43

FOTOS HISTÓRICAS DO PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA ...................................................... 43

ANEXO V ........................................................................................................................... 54

OUTRAS FOTOS DE MOMENTOS MARCANTES DAS ROMARIAS ............................................. 54

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 62

10

DESCRIÇÃO DO FENÔMENO RELIGIOSO DA ROMARIA E SUA

ORIGEM EM JUAZEIRO

A romaria1 é fenômeno antigo na prática religiosa dos judeus e de muitos povos.

Ela revela a vontade de um povo de ir além do calor da devoção, da religiosidade, para

atingir o ápice da fé. O IV Congresso Americano de santuários Católicos, ocorrido no

Santuário Nacional de Aparecida do Norte em maio de 2006, afirma:

A imagem do seguimento de Jesus como um caminho alicerça-se nos

evangelhos. É uma ideia mestra no Evangelho de Lucas e se encontra

também nos Atos dos Apóstolos, além de lembrar com força

extraordinária a grande “passagem” do povo da Aliança em direção à

terra prometida2.

Caminhar, peregrinar, fazer romarias não é uma realidade recente para o

catolicismo. Há muitos séculos existem santuários nacionais, regionais e locais

espalhados por todas as regiões do País e por todo o mundo. Sobre a grande importância

das romarias o então bispo do Crato, dom Fernando Panico diz:

A Romaria é poesia em gesto que encanta a vida e celebra a fé dos

pobres. Povo de Deus a caminho revela os desígnios de Deus na História.

E o faz como em poesia: condensa, interroga, nos questiona. Desvela um

mundo verdadeiro que não se reduz à mera descrição ou conceito. Dá

provas do limite da linguagem. Une céu e terra. Testemunha. Brinca com

o tempo porque olha o passado, mas projeta o futuro: confia e espera fé e

esperança. As romarias falam da Revelação do Deus vivo que os

romeiros (as) trazem consigo pelas estradas ao caminharem juntos na

gratuidade da obediência a um chamado que vem do alto através de

Nossa Senhora e na aventura de uma “fé peregrina”, como a do Pai

Abraão, iluminada pelo Mistério da Cruz. Finalmente, após uma viagem

incômoda e longa, a chegada a Juazeiro é vivida como a entrada dos

pobres na festa da Jerusalém celeste do Nordeste. Declamando sua poesia

em gestos, benditos e ritos romeiros, os peregrinos dão glória a Deus e

buscam a salvação que vem da Cruz redentora do Senhor. A esta riqueza

de fé vivida, sofrida, cantada e celebrada quero chamar aqui, em

linguagem simbólica, de “liturgia romeira”. O termo é sugestivo na

expressão e no significado. Este verbete não se encontra nos dicionários

clássicos da “teologia segunda”, e sim na experiência da fé encarnada na

1 “A romaria é uma viagem para um lugar sagrado, empreendida por motivos religiosos, geralmente com

a intenção de, em seguida, voltar para casa. Baseia-se na convicção de que a divindade quer dar os seus

favores em lugares privilegiados.” (Romaria, VAN DEN BORN, A. Dicionário Enciclopédico da Bíblia.

Petrópolis: Vozes, 1977. p. 1333-1334) 2 VALLE, Edenio. Santuário, romarias e discipulado cristão. Revista Horizonte, Belo Horizonte, v. 4, n.

8, p. 31-48, jun 2006, p. 32.

11

vida do povo, a “primeira teologia”. (PANICO, Dom Fernando. Revista

de Cultura Teológica - v. 17 - n. 67 - ABR/JUN 2009) 3.

No Brasil, multidões de fiéis todos os anos acorrem aos inúmeros santuários que

estão espalhados por todas as dioceses e regiões diversas, grandes cidades, pequenos

vilarejos e campos. São tradições alicerçadas em antigos costumes, repassados de

geração a geração, mantidos pelas famílias e tidos como riqueza a ser valorizada, um

bem capaz de mantes acesa a chama da fé dos antepassados e dar sentido a busca por

uma vida melhor sob a luz da fé.

Essa fé pura e espontânea do povo que acorre aos santuários é belíssima

expressão da fé da Igreja que se manifesta na simplicidade dos gestos, na gratuidade da

fé livre e pura. Fé que deve ser alimentada e apreciada como disse o Santo Padre

Francisco.

Esta religiosidade popular é uma forma genuína de evangelização, que

precisa ser cada vez mais promovida e valorizada, sem minimizar a sua

importância. Nos santuários, de facto, a nossa gente vive a sua profunda

espiritualidade, aquela piedade que durante séculos moldou a fé com

devoções simples, mas muito significativas. (radiovaticana.va/news)4.

Não raro se percebe cidades por todas as partes que param para celebrar suas

procissões transformando a fé do povo num lindo espetáculo proclamação pública da fé.

Nesse espetáculo de fé, os santos padroeiros são a identidade do povo, os amigos

intercessores que estando juntos de Deus levar a Ele os anseios mais íntimos dos fiéis.

1.1. A origem das romarias em Juazeiro do Norte5

A romaria representa um acontecimento sócio religioso no seio da Igreja. Um

grande número de pessoas espera a data específica das festas que acontecem nesses

3 Artigo de Dom Fernando Panico bispo da diocese do Crato, diocese onde se encontra o Santuário

Basílica de Nossa Senhora das Dores em Juazeiro do Norte – Ceará. Por ocasião do XX Encontro da

ASLI – Associação dos Liturgistas do Brasil, com o tema Romarias, piedade popular e liturgia, realizado

em Cachoeira do Campo, Diocese de Mariana, MG, em 2009. Revista de Cultura Teológica - v. 17 - n. 67

- ABR/JUN 2009.·. 4 Papa Francisco em audiência na Aula Paulo VI do Vaticano com três mil participantes no Jubileu dos

Operadores de Peregrinações e Reitores de Santuários na manhã de 21 de janeiro de 2017.

5 Juazeiro do Norte é um município brasileiro do estado do Ceará. Localiza-se na Região Metropolitana

do Cariri, no sul do estado, com 249. 939 habitantes, segundo o censo de 2010, que o torna o terceiro

mais populoso do Ceará. Devido à figura de Padre Cícero, é considerado um dos três maiores centros de

religiosidade popular do Brasil, juntamente com Aparecida (SP) e Nova Trento (SC).

12

centros religiosos, para manifestar sua fé. Pode ser desde um gigantesco santuário como

também uma pequenina capela. Não importa o lugar, desde que ele tenha um diferencial

que conduza ao êxtase da devoção. O que importa é ir ao lugar certo, isto é, local de

oração, templo, santuário para fazer sua prece e seu louvor, ainda que isto custe muito

sacrifício e dias de viagem. Assim, as romarias, na sua maioria, são caracterizadas por

longas e penosas viagens, quase sempre em grupo, acompanhada de muitos cantos,

orações, meditações. Para o romeiro tudo isso é uma forma de expressar sua verdadeira

devoção.

Em se tratando da Romaria das Dores e do Padre Cícero, a história de Juazeiro

se confunde com o fenômeno das romarias. A cidade nasceu à sombra da árvore que lhe

deu o nome e tornou-se sacramento da devoção popular, lugar de encontro para reavivar

e celebrar a fé do povo que caminha com Cristo e com a Igreja, nas estradas do

Nordeste brasileiro, rumo a Jerusalém celeste.

As romarias começaram a acontecer quando o Padre Cícero6, recém-ordenado

presbítero, assumiu o lugar de capelão no lugarejo Tabuleiro Grande hoje Juazeiro do

Norte, obedecendo a um sonho místico, no qual Jesus Cristo lhe pedia para tomar conta

dos pobres do lugar. Era o dia 11 de abril de 1872. Depois de ter atendido muitos fiéis

no confessionário, o Padre Cícero, vencido pelo cansaço, foi descansar um pouco.

Durante o breve descanso, sonhou que lhe aparecia Jesus, acompanhado dos doze

Apóstolos, como no painel famoso da Santa Ceia de Leonardo da Vinci. O Cristo

deixava se ver também o seu coração exposto como nas estampas e imagens que

propagavam a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. O Mestre lamentava a ingratidão

dos homens e reafirmava sua disposição de dar mais uma chance de salvação à

humanidade pecadora. O quadro se completa com o surgimento de um grupo de

flagelados maltrapilhos e esfomeados. O Cristo, de coração exposto, ou seja, o Sagrado

Coração de Jesus voltou-se então para o Padre Cícero e disse: “E tu, Cícero, cuida

deles!”. Padre Cícero acordou-se sob tal impressão e depois, notando que os sertanejos

das circunvizinhanças cada vez mais procuravam suas missões, missas e confissões,

acreditou que estava escolhido por desígnios superiores.

6 Pe. Cícero, nascido em 24 de março de 1844, foi ordenado sacerdote em 30 de novembro de 1870. Os

seus primeiros dezesseis meses de sacerdócio foram vividos na cidade do Crato. Certa vez, em 24 de

dezembro de 1871, noite de Natal, a convite do professor Semeão Côrrea, foi celebrar a missa do galo no

povoado de Juazeiro, então distrito do Crato. Após outros contatos, em 11 de abril de 1972, fixou morada

em Juazeiro. Vindo a se tornar o Padim dos pobres sertanejos.

13

A cidade de Juazeiro nasceu para abrigar conforme o mandato de Jesus Cristo,

os pobres do lugar, porque Padre Cícero acreditou no desígnio de Deus. Com seu

carisma acolhia, protegia, aconselhava, repreendia as pessoas que, em grande número, já

o procuravam para ouvir a palavra de Deus.

Esta característica particular e acolhedora do padre Cícero fora reconhecida e

tomada como exemplo atual pelo Sumo Pontífice Francisco em carta enviada do

Vaticano ao bispo do Crato marcando a reabilitação do Padre Cícero com a Igreja7.

No momento em que a Igreja inteira é convidada pelo Papa Francisco a

uma atitude de saída, ao encontro das periferias existenciais, a atitude do

Padre Cícero em acolher a todos, especialmente aos pobres e sofredores,

aconselhando-os e abençoando-os, constitui, sem dúvida, um sinal

importante e atual. Não deixa de chamar a atenção o fato de que estes

romeiros, desde então, sentindo-se acolhidos e tendo experimentado,

através da pessoa do sacerdote, a própria misericórdia de Deus, com ele

estabeleceram – e continuam estabelecendo no presente – uma relação de

intimidade, chamando-o na carinhosa linguagem popular nordestina de

“Padim”, ou seja, considerando-o como um verdadeiro padrinho de

batismo, investido da missão de acompanha-los e de ajuda-los na

vivência de sua fé. (Trecho da Carta de Reconciliação do Padre Cícero, 5º

parágrafo. Vaticano, 20 de Outubro de 2015).

Por isso o padre Cícero decidiu reconstruir a capela que estava ruindo. Como

repetem os romeiros se referindo as palavras dos romeiros daquele tempo, um “templo

vasto e arquitetônico” foi levantado. Isso foi possível com a ajuda dos pobres que para

ali acorriam e que estavam acostumados a serem convocados pelo Padre Ibiapina8 cuja

ação missionária, em tempos idos, abrangia todo sertão e foram “treinados” a construir

ou reformar igrejas, capelas, cemitérios, orfanatos, açudes, casas de caridade. Sempre

em mutirão, sempre em nome da santa religião.

7 Carta documento assinada pelo Sumo Pontífice Francisco, enviada a diocese do Crato por Pietro Card.

Parolin. Secretário de Estado de Sua Santidade. Vaticano, 20 de outubro de 2015. A carta define a

Reabilitação do Padre Cícero com a Igreja, abrindo caminho para abertura de um possível processo de

beatificação. (TEXTO NA ÍNTEGRA NOS ANEXOS). 8 Padre José Antônio Pereira Ibiapina, padre católico e missionário brasileiro nascido na Vila de Sobral,

hoje histórica cidade da Região Noroeste do Estado do Ceará, que recebeu ordens aos 47 anos e iniciou

uma obra missionária, visitando várias regiões do Nordeste, erguendo inúmeras casas de caridade, igrejas,

açudes e outras obras em muitas cidades do interior, deixando marcas significativas no apostolado do

catolicismo e na vida das pequenas comunidades desta região. Faleceu no distrito de Santa Fé, hoje

município Solânea, Paraíba, aos 76 anos, deixando uma marca religiosa e social voltada ao povo mais

humilde, serviu de inspiração para outras notáveis personalidades da história do Nordeste,

como Antônio Conselheiro e Padre Cícero.

14

1.2 O milagre da Hóstia pelas mãos do padre Cícero sela o início das

romarias.

Se o sonho selou o destino do jovem Sacerdote, criando um eterno laço entre ele

e o povoado, a um povo de migrantes e flagelados pelas secas do Nordeste, foi, no

entanto, o milagre protagonizado pela beata Maria do Espírito Santo de Araújo9 a pedra

fundamental na construção do Juazeiro como cidade santa, Nova Jerusalém, porto de

salvação, cidade de milagres e Terra Prometida para os sertanejos que sofrem o ano

inteiro. O fato milagroso da hóstia, sangrando por ocasião da comunhão da beata,

aconteceu pela primeira vez antes da celebração da missa, na madrugada de uma

primeira sexta feira de março de 1889, no tempo da Quaresma. O fenômeno se repetiu

muitas vezes nos quatro anos seguintes (1889 a 1893), geralmente durante a quaresma, e

desencadeou a chamada questão religiosa do Juazeiro, pois atraía multidões de romeiros

de todos os Estados do Nordeste.

O sangramento da hóstia provocou o surgimento de romarias organizadas para

Juazeiro. A reação do Bispo do Ceará Dom Joaquim10

não demorou. Os chamados

fenômenos religiosos em Juazeiro foram desqualificados como religiosos e admitidos

como fraude grosseira e supersticiosa. Como fora classificada a beata Maria de Araújo

por um dos padres designados pelo bispo dom Joaquim e de quem o mesmo dom

Joaquim recebeu o relatório e o acolheu:

Maria de Araújo era uma cacodemoníaca, cujas tendências se revelavam

na conduta sui generis de toda sua vida, ou no fanatismo militante em que

sempre viveu. Por que Deus havia de revelar-se naquela mulher e por

9 Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, mais conhecida como Beata Maria de Araújo, Nascida

em Juazeiro do Norte, aos 23 de maio de 1862 e falecida aos 17 de janeiro de 1914, foi

declarada beata pela devoção popular, mas não pela Igreja. Era filha de Antônio da Silva Araújo e Ana

Josefa do Sacramento. Órfã, desde pequena já levava uma vida árdua, tendo os seus pais falecidos logo

cedo. Foi acolhida pelo padre Cícero e em 1885, com seus 22 anos, passou a usar os hábitos de freira.

Passou a ser considerada "beata" pelo povo. O fato mais importante de sua vida foi o milagre da hóstia

acontecido em 1 de março de 1889. Ao receber a hóstia, em uma comunhão oficiada por Padre Cícero, na

capela de Nossa Senhora das Dores, a "beata" não pôde degluti-la, pois a hóstia transformara-se em

sangue. O fato repetiu-se por 47 vezes, vindo a ser conhecido como o Milagre da Hóstia.

10 Dom Joaquim José Vieira 2º Bispo do Ceará. Nasceu em Itapetininga, São Paulo, em 17 de janeiro de

1836. Indicado para o Bispado do Ceará por Decreto Imperial de 03 de fevereiro de 1883 foi confirmado

por Leão XIII aos 09 de agosto. Foi sagrado em 09 de dezembro de 1883 e empossado em 24 de fevereiro

de 1884, data em que chegou a Fortaleza. Apresentou seu pedido de renúncia a 14 de março de 1912 e

este foi aceito pela Santa Sé, a 16 de setembro de 1912. Permaneceu no Ceará e só embarcou para São

Paulo em 1914. Faleceu, em Campinas, a 08 de julho de 1917.

15

aquela forma? ... Outras hipóteses naturalíssimas para explicação do

fenômeno é de que o sangue proviesse das gengivas maltratadas da beata,

da língua ou de uma ferida na garganta, que sangrasse sob a intensa

comoção do ato. (BERGSTRÖM. Juazeiro do Padre Cícero, 4ª edição, p,

71. Brasília-DF Inep/MEC 2002).

Esta é a página mais dolorosa de uma história que precisa ser recontada. Até

hoje, os romeiros mantêm silêncio piedoso e doloroso sobre o fato da Hóstia, em

obediência ao Pe. Cícero que lhes pediu para não se falar sobre o assunto, por fidelidade

à Igreja. O rigor da Igreja para com Maria de Araújo pode ser sentido ainda hoje pelos

romeiros ao contemplarem o decreto de Roma punindo a ela e a todos que dela se

aproximassem.

À Maria de Araújo seja imposta uma grave e longa penitência, e, o

quanto antes, seja colocada em uma casa piedosa ou religiosa, onde

permaneça a critério do Ordinário, sob a direção de um confessor piedoso

e prudente, e instruído sobre os antecedentes dessa mulher. Todos e cada

um dos Sacerdotes, bem conhecidos do Bispo, tanto os que trataram de

modo execrável a Santíssima Eucaristia, como os seus cúmplices, sejam

obrigados a exercícios espirituais pelo tempo determinado pelo Bispo e,

de acordo com a gravidade do crime, sejam pelo mesmo punidos

gravemente, ficando proibido qualquer relacionamento deles com a citada

mulher, nem mesmo por carta. Seja-lhes proibida também toda a direção

das almas, pelo tempo e a maneira que forem determinados pelo Bispo.

(Decisão e decreto11

da Sagrada Inquisição Romana Universal sobre os

fatos que sucederam no Juazeiro, Diocese de Fortaleza. Quarta-feira, 4 de

abril de 1894)

No entanto, a notícia da manifestação do amor de Deus para com aqueles que

desejavam se converter e procuravam o perdão e o alimento para sua fé, correu os

sertões como fogo em rastilho de pólvora. E o povo respondeu ao carinhoso

chamamento de Deus, indo numeroso e com toda dificuldade para o lugar de salvação

para as almas. A primeira romaria organizada partiu da cidade do Crato, tendo à frente

Mons. Monteiro e se realizou no dia 7 de julho, festa do Preciosíssimo Sangue,

conforme o antigo calendário litúrgico. Portanto, as romarias, neste ano de 2019,

marcarão 130 anos das romarias em Juazeiro do Norte. O milagre ainda hoje é narrado

pelos romeiros como a ação de Deus pelas mãos do padre Cícero que santificou a beata

Maria como podemos ver nesse relato da romeira Maria Celeste12

.

11

Decisão e decreto da Sagrada Inquisição Romana Universal sobre os fatos que sucederam no

Juazeiro, Diocese de Fortaleza. Quarta-feira, 4 de abril de 1894. TEXTO NA ÍNTEGRA NOS ANEXOS. 12

Maria Celeste, romeira de 79 anos, residente no estado de Sergipe em sua 59ª romaria a Juazeiro.

Depoimento recolhido em pesquisa de campo na cidade de Juazeiro na romaria das Dores em Setembro

de 2015 durante depoimentos dos romeiros.

16

A Santa Beata Maria de Araújo se santificou nas mãos de meu padrinho

Cícero. Todos os dias a Beata Maria de Araújo comungava com meu

Padrinho Cícero. Certo dia ela aproximou-se da mesa da comunhão, e ao

comungar a hóstia tornou-se sangue em sua boca. Quando meu Padrinho

Cícero viu o sangue ficou agoniado, e todos os presentes ficaram

admirados. Ele pegou as toalhas e com elas ia enxugando o sangue.

Dizem que aquele sangue cheirava a Jasmim. (Romeira Maria Celeste de

79 anos, do estado de Sergipe).

Apesar das proibições e decretos ainda hoje e em maior número, os romeiros

continuam se dirigindo a Juazeiro do Norte, movidos pela fé. No imaginário religioso-

popular, Juazeiro é a cidade acolhedora dos desesperados e sofredores como o padre

Cícero dizia e, assim, lugar abençoado, sonhado e amado como um santuário a céu

aberto, cidade santa, a Jerusalém celeste aqui na terra, a Roma dos pobres, Terra da Mãe

de Deus e do Pe. Cícero, lugar de salvação.

Sendo esta casa acolhedora, o Santuário é aquilo que segundo as palavras do

Papa Francisco deve ser todo santuário:

Com o acolhimento, por assim dizer, ‘jogamos tudo’: um acolhimento

afetuoso, festivo, cordial e paciente! Os Evangelhos apresentam-nos

Jesus sempre acolhedor para com aqueles que se aproximam dele,

especialmente os doentes, os pecadores, os marginalizados.

(FRANCISCO. Papa. Aos reitores de Santuários. radiovaticana.va/news)

Isto é comprovado pelo depoimento de uma romeira de Maceió, Arlene, quando

com quinze anos de idade, em 1981, visitou Juazeiro pela primeira vez. Testemunho

dado a dom Fernando por ocasião da Romaria das Dores do ano 2000:

Quando minha viagem foi marcada para vir ao Juazeiro, meu pai disse

para mim que, naquele tempo que faltava, não era para fazer nada de

errado, nem chamar apelido, porque a gente vinha para um lugar santo.

Eu fiquei curiosa para saber como era esse lugar tão santo como o povo

chamava. Quando entramos no Juazeiro, eu pensava: agora sim, estou

entrando no Santo Lugar da Mãe das Dores e de meu padrinho Padre

Cícero. Meu coração ficou cheio de alegria, de felicidade e eu me esqueci

de tudo, até da família13

. (Depoimento de romeira, 2000).

As Romarias de Juazeiro são as únicas no Brasil realmente populares. Os

romeiros e romeiras, apesar de toda perseguição e discriminação sofrida, tanto em

Juazeiro como em seus locais de origem, apesar de toda desqualificação recebida,

13

Relato de dona Arlene romeira de Alagoas, dado e afixado no museu do romeiro em Juazeiro do Norte.

17

persistiram, resistiram, permaneceram e permanecem fiéis à Igreja católica, seguindo o

exemplo do Padre Cícero.

Em Juazeiro, a romaria dá voz aos romeiros. Cantam o que sentem. Sentem o

que cantam. Celebram. Sentem-se agentes. A romaria é uma festa. O Santuário da Mãe

das Dores é uma casa iluminada, clara. Colhe as lágrimas e o suor da vida e os

transforma em compromisso que testemunha, acolhe na cuia do chapéu de palha de cada

romeiro, suas ofertas de sofrimento e esperanças.

Em suas romarias, os romeiros vivem a totalidade do seu ser. A afetividade, as

emoções, os pensamentos, a memória estão em relação profunda com os sentidos

corporais. Na romaria está envolvido o corpo, o espírito, a memória, os sentidos, os

sentimentos, as emoções, o afeto, a razão, a alegria, a esperança, a tristeza, o amor, a

decepção, a angústia, a fé.

As palavras do Santo Padre dirigindo-se aos reitores de Santuários atestam

muitíssimo bem essa realidade das romarias e de maneira magnífica cabem

perfeitamente na realidade das romarias de Juazeiro:

Seria, portanto, um erro pensar que aqueles que vão em peregrinação

vivem uma espiritualidade não pessoal, mas "de massa", pois o peregrino

leva consigo a própria história, a própria fé, luzes e sombras da própria

vida, porque o santuário é realmente um espaço privilegiado para

encontrar o Senhor e tocar com as mãos a sua misericórdia, disse

Francisco reiterando a centralidade da palavra acolhimento.

(FRANCISCO. Papa. Aos reitores de Santuários. radiovaticana.va/news).

A fé do romeiro da Mãe das Dores se expressa pelo sentimento e pela ação

carregada de vida e de sentido, de uma sabedoria única e explicita a linguagem poética e

o excesso de sentido, próprio do símbolo e da linguagem simbólica. Padre Cícero era

como a lâmpada e Deus a energia: quando Padre Cícero agia, parecia que era Deus

mesmo que agia nele! Ele era como a roupa e Deus o corpo! Ouvia-se dos romeiros.

Linguagem simbólica que nos surpreende e nos encanta; síntese mística de fé e

vida na poesia romeira, ação do Espírito no coração dos pobres que vivem e cantam as

maravilhas do Senhor.

18

1.3 Santuário das Dores e túmulo do Padre Cícero: lugares da alegria

Padre Cícero, carinhosamente chamado de ‘meu padrinho’, alimentou o sonho

do romeiro nordestino que tudo fazia para chegar ao Juazeiro e ver o Padrinho da

pobreza, protetor dos desvalidos, cujas mãos abençoavam e fortaleciam suas vidas. São

multidões de romeiros vindos de toda a parte, cuja atuação implica uma mistura de

piedade e alegria, contrição e felicidade.

Essa mistura de sentimentos pode ser sentida nos benditos, poemas e versos

solenemente proferidos à entrada da Basílica das Dores e da Capela do Socorro onde

está sepultado o corpo do Padrinho como podemos ver nesse poema repetido dezenas de

vezes ao dia por diferentes grupos de romeiros.

Desperta romeiro amigo, acorda todo sertão, vamos rever o sepulcro do

Padim Ciço Romão. Ó! Grande levita, o povo acredita, canta, chora e

grita emocionado. A tua memória ficou na História, na fé e na glória de

um povo cansado.

Quem estuda tua História, com muita razão descobre quem dedicou a

existência à causa de um povo pobre. És do Juazeiro o marco primeiro. O

Brasil inteiro faz uma oração. A fé continua e, na praça e na rua, esperam

a tua canonização.

Teu nome é um sol que brilha, na vida de um mundo novo, és santo,

porque ser santo é ser querido do povo. Teu corpo está sepultado na

Igreja do Socorro, teu monumento no Horto deu vida à crista do morro.

Teus dias tristonhos, conselhos e sonhos, martírios medonhos serviram de

glória. Taumaturgo forte na vida e na morte. Não vejo quem corte teu

nome da História. (Exaltação ao Padre Cícero. Poema popular dos

Romeiros).

O Padrinho se tornou o santo cantado e aclamado por todos, aliou sua prática

religiosa à pobreza, assim, atraiu milhares de pessoas, de toda a região, que viviam em

situação de miséria e de fome, situação essa que se agrava a cada ano devido ao longo

período de secas do sertão nordestino. Por ser um sacerdote dedicado aos fiéis, sempre

buscou seguir as orientações da Igreja sem, contudo, deixar de dar assistência ao seu

povo. Essa sua relação afetuosa e dedicada ao povo e a Igreja também fora reconhecida

pelo Santo Padre no documento enviado do Vaticano em 2015.

Apraz-me salientar, Dom Fernando, mais um importante fruto da

influência do Padre Cícero Romão Batista junto aos seus romeiros: o

respeito que os peregrinos demonstram pela Igreja, na pessoa de seus

19

sacerdotes e seus templos. O afeto popular que cerca a figura do Padre

Cícero pode constituir um alicerce forte para a solidificação da fé católica

no ânimo do povo nordestino. O trabalho de evangelização popular a ser

continuado, com perspicácia e perseverança, vem contribuindo

certamente para o fortalecimento desta mesma fé, chamada a frutificar em

atos concretos de compromisso cristão e de promoção dos mais

autênticos valores humanos. (Trecho da Carta de Reconciliação do Padre

Cícero, 6º parágrafo. Vaticano, 20 de Outubro de 2015).

No entanto, após observar uma ocorrência de milagres que se realizaram em

função do Pe. Cícero, a Igreja lhe impôs a suspensão de ordens indicando para seu lugar

um novo sacerdote para a Capela de Nossa Senhora das Dores. Medidas que

provocaram efeitos inesperados, pois, além de não conseguir por fim ao amor do povo

pelo padrinho esse mesmo povo se colocou contra o bispo.

Essa realidade de oposição entre a Igreja do Crato na pessoa do seu então bispo e

a pessoa do “Padim Ciço” até hoje se reflete nas longas penitências do povo que

parecem ainda se solidarizarem com o padrinho como bem afirma Santana em seu livro.

A Romaria em Juazeiro se fundamenta, portanto, nesse conflito existente

“entre catolicismo popular e catolicismo romanizado”, cuja dicotomia

entre esses dois tipos de catolicismo “e não a complementariedade

possível entre os dois, fez crescer a questão e ganhar contornos

incontroláveis” que se observa até os dias de hoje. O tempo ideal no qual

a romaria acontece ocorre com o encontro do sagrado e do profano,

interagindo uns com os outros em prol do elemento fundante que é “Meu

padrinho”, Pe Cícero. Os romeiros retratam, por meio de sua devoção e

penitência, toda a perseguição sofrida pela igreja católica para com o Pe.

Cícero (SANTANA, 2009, p. 66).

Esse jeito paterno do Padrinho fez de Juazeiro, especialmente da capela das

Dores, hoje Basílica Santuário Diocesano de Nossa Senhora das Dores, o lugar da

alegria, alegria do encontro dos filhos sofredores com a Boa mãe. Esta Boa Mãe mesmo

nos momentos mais difíceis da vida dos seus filhos, não os abandonou, não os

abandona. Junto ao Padim ela é o colo e o olhar seguros nos quais todos os que ali

chegam cansados da longa viagem, sofridos pela seca, desesperançados pelo pouco pão,

encontram alento, recobram as forças, fortalecem a fé e voltam com nova disposição.

Uma vez em Juazeiro, os romeiros se sentem em casa, como os donos da terra,

sentindo-se à vontade e a romaria se torna uma festa, o Santuário da Mãe das Dores é

uma Casa Alegre, profundamente humana, na qual os romeiros cantam, choram,

suplicam, se abraçam, lavando a alma no confessionário, onde o pecado é

confeccionado de sofrimentos penúrias e muitos lamentos.

20

Na casa da Mãe das Dores e na Capela do Socorro junto ao túmulo do Padrinho,

as tardes e noites se transformam num grande mar de gente com seus chapéus de palha

levantados balançando pra lá e pra cá de maneira tão ritmada que até faz lembrar um

grande plantio de milho a balançar com os ventos do sertão. Na cuia do chapéu está

mais que um espaço vazio, está como oferenda de gratidão ao Padim e a Mãe das Dores

todas as alegrias de estarem ali naquele solo sagrado, está à penúria da seca, a escassez

de pão, a falta da chuva, o cansaço da longa viagem, as súplicas por um ano melhor para

que no ano seguinte possam estar ali outra vez. A chegada a Casa da Mãe das Dores e

do Padim já é motivo de exaltação. Tal reverência se vê quando ao chegar à cidade de

Juazeiro ônibus, Carros pequenos, e Caminhões Pau-de-arara14

fazem três voltas ao

redor da Matriz das Dores suplicando-lhe a Bênção de uma santa romaria, é, na verdade,

uma saudação à dona da casa, a padroeira do lugar. Essas voltas são dadas enquanto

todos entoam em alta voz com palmas e muitos fotos de artifício.

Ó que chegada bonita, a chegada dos romeiros, que vamos chegando

agora, na matriz do Juazeiro. Quando nós chegarmos lá, e avistar Nossa

Senhora. Mãe de Deus nos bote a bênção que vamos chegando agora.

Benção meu Padrinho Ciço, e também Nossa Senhora, abençoe os seus

romeiros, eles vão chegando agora. Eles vão chegando agora, com fé e

muita alegria. Rezando o santo Rosário da sempre Virgem Maria

Ó que chegada bonita, a chegada dos romeiros, que vamos chegando

agora, na matriz do Juazeiro. Quando nós chegarmos lá, e avistar Nossa

Senhora. Mãe de Deus nos bote a bênção que vamos chegando agora.

(Bendito popular dos romeiros).

Esta mesma emoção que necessariamente se repete todos os anos com fome ou

de barriga cheia, é exaltada também pelo Rei do Baião Luiz Gonzaga em uma de suas

mais populares canções:

Olha lá no alto do horto, ele tá vivo padre não tá morto. Olha lá no alto do

horto, ele tá vivo padre não tá morto. Viva meu Padim viva meu Padim

Cicero Romão. Viva meu Padim, viva também frei Damião.

Em todos os anos setembro ou novembro vou ao Juazeiro. Alegre e

contente, cantando na frente, sou mais um romeiro. Vou ver meu

14

Pau de arara é o nome dado a um meio de transporte ainda utilizado no Nordeste do Brasil nas

romarias. Sobre a carroceria do veículo são colocadas tábuas, que servem de assento, e uma lona como

cobertura completam a adaptação deste para o transporte. Seu uso é proibido pela legislação brasileira de

trânsito, porém, é ainda tolerado em muitos lugares e situações excepcionais – como durante as romarias

do Padre Cícero em Juazeiro do Norte, no Ceará, e ao Bom Jesus da Lapa, na Bahia. (CASCUDO, Luís

da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro, verbete pau-de-arara.)

21

Padim de bucho cheio ou barriga vazia, ele é o meu pai ele é o meu santo

é minha alegria.

Olha lá no alto do horto, ele tá vivo padre não tá morto. Olha lá no alto do

horto, ele tá vivo padre não tá morto. Viva meu Padim viva meu Padim

Cicero Romão. Viva meu Padim, viva também frei Damião. (Viva meu

Padim. Luiz Gonzaga).

Os romeiros de Juazeiro transformaram o Santuário, Casa de Deus, em um lugar

de encontros humanos e fraternos. O romeiro tornou Juazeiro um lugar sagrado, onde a

utopia de um mundo melhor se torna realidade em sua imaginação. O Pe, Cícero tornou-

se a grande memória da Igreja no nordeste e os romeiros são protagonistas dessa

história, os grandes responsáveis por fazer de Juazeiro do Norte, o grande santuário do

Nordeste. Nesse Santuário a Mãe de Deus é a grande catequista, é aos seus pés, na praça

da Matriz, em cuja torre está sua altiva e grande imagem, que os romeiros são

catequisados, recebem os sacramentos e diariamente celebram a Eucaristia e do dia 15

de setembro centenas de milhares seguem seu andor entoando cânticos e orações a Mãe

que os chamou para o lugar santo, para ali terem um especial encontro com seu Filho

Jesus.

22

CAPÍTULO II

O SENTIDO E OS SENTIMENTOS DA ROMARIA

São inúmeros os sentidos, os sentimentos e os significados presentes na romaria.

Em Juazeiro do Norte, lugar sagrado e de penitencia, eles afloram espontaneamente em

cada gesto, em cada olhar, em cada expressão. Em se tratando da romaria de Juazeiro a

configuração é diferente desde seus primórdios. Já a partir de 1894 com a proibição de

Dom Joaquim então bispo do Ceará de culto aos panos do suposto milagre eucarístico,

proibição que também se estendeu aos padres que foram proibidos de realizar qualquer

sacramento em Juazeiro, a forma dos romeiros se expressar mudou. Os rituais existentes

ganharam força, cada romeiro fazia seu ritual, sua oração, seu louvor.

Com a ação do bispo retirando os padres de suas ações em Juazeiro surgiram os

beatos, as rezadeiras que de certa forma supriam a ausência dos sacerdotes. Os romeiros

buscavam novos rituais, que substituíssem as práticas de fé anteriores.

Um exemplo é a confissão. O Juazeiro era visto com a terra da redenção, onde se

deixavam os pecados para receber a graça. Visitar o Padrinho e confessar os pecados

aos pés dele junto a Mãe das Dores significava voltar pra casa uma nova pessoa capaz

de enfrentar as dificuldades da vida em paz com Deus e consigo mesmo. Na

impossibilidade de receber a absolvição, o romeiro fazia penitências físicas para suprir a

falta do sacerdote. Do mesmo modo, estando a casa da Mãe das Dores fechada

igualmente por ordem de Dom Joaquim, o templo da mãe das Dores passa a ser a rua

onde morava o Padrinho, os quais com paciência ele atendia um a um, abençoando-os e

aconselhando-os. Até se tornar impossível atender a todos individualmente pelo grande

aumento do número de romeiros. Sem poder celebrar a Missa, rezava com eles o

rosário, fazia um longo sermão aconselhando-os a obedecer e amar a Igreja, amar a Mãe

de deus e cuidar da terra com amor.

Alguns dos seus conselhos ainda hoje são repetidos pelos romeiros e pelos

padres que se revezam celebrando missas diárias em todas as partes de Juazeiro, muitos

conselhos em tom de alerta aos romeiros para com o exemplo próprio confiar na ação de

Deus:

Todo bem, ainda os mínimos, vêm de Deus, e de todo mal, Deus é quem

nos livra, ou por meio da Santíssima Virgem ou de seus santos, ou por

23

qualquer criatura, ou diretamente por si, porque só ele, Deus, é o Criador

de todo bem e de toda graça.

Deus nunca deixou trabalho sem recompensa nem lágrimas sem

consolação.

Como estou certo de que vamos todos para a eternidade e lá serão

recompensados os que sofrem as injustiças do mundo, eu, já velho como

estou, me conforto e não me incomodo mais com as injustiças do mundo.

Tudo fica aí e nós vamos como Deus vê que somos.

Tomei o propósito, desde o começo desta enorme perseguição contra

mim, de entregar tudo a Deus e a Nossa Senhora das Dores e não me

defender de coisa alguma. (Conselhos do Padre Cícero. Expostos do

Museu do Romeiro).

2.1. Maria é a Estrela que ilumina os sentimentos e expressões

Em Juazeiro, os romeiros chegam em caravanas, de lugares distantes e

diferentes. A Estrela que vai a frente deles é Nossa Senhora das Dores, a grande

devoção que o Padim Cícero lhes transmitiu. O objetivo comum é chegar como

romeiros à Terra da Mãe das Dores e ali formarem uma grande família de afilhados do

Padim e aos pés da Senhora das Dores celebrarem a festa do romeiro. No Juazeiro

dormem no chão dos ranchos, casas que os moradores colocam para alugar pelos dias da

romaria, outros armam redes, experimentam a partilha de alimentos, aprendem e

ensinam seus benditos. Nos caminhões “pau de arara”, nos ônibus ou nas viagens a pé,

os romeiros sabem que estão juntos não por um acaso, mas por um chamado de Deus,

da Mãe das Dores e do Pe. Cícero. São pessoas batizadas, Povo de Deus reunido em

nome da Trindade. Os romeiros defendem sua identidade católica, pertencem à Igreja de

Jesus Cristo, Igreja da qual o Pe. Cícero faz parte.

Os significados vão se percebendo por toda parte e a todo o momento. A Matriz

das Dores é sempre o ponto de chegada e o ponto de partida da Romaria, visitar a sua

matriz é o primeiro gesto em Juazeiro, ali, entram as caravanas em procissão entoando

louvores a Mãe das Dores, todos com seus chapéus de palha na cabeça, trazendo neles

as lutas do campo, o calor escaldante do sol, à esperança que não os abandona. Muitos

trazem andores com os padroeiros de suas paróquias, assim a romaria é também de toda

comunidade que não foi. Dirige-se ao altar e o beijam com reverência, erguem os olhos

para o alto onde está a imagem da Mãe das Dores e em silêncio pedem, agradecem, e

24

com grande facilidade nessa hora se podem ver lágrimas silenciosas escorrerem dos

olhos dos romeiros. Nesse momento, nada é dito, nada é catando, nada é pedido, só o

silêncio confidencial dos filhos com a Mãe que os chamou. É como lemos no Poema

Meio Dia de um poeta Francês15

que resumiu de maneira admirável a calmaria que

invade aqueles que se colocam diante de Maria para contemplá-la:

Vejo a Igreja aberta e entro. Mas não é para rezar, ó Mãe, que estou aqui

dentro. Não tenho nada a pedir, nada para te dar. Venho somente, Mãe,

para te olhar. Olhar-te, chorar de alegria, sabendo apenas isto: eu sou teu

filho e tu estás aqui, Mãe de Jesus Cristo!

Ao menos por um momento, enquanto tudo para, quero estar neste lugar

em que estás, Maria. Nada dizer, olhar simplesmente teu rosto, e deixar o

coração cantar a seu gosto. Nada dizer, somente cantar, porque o coração

está transbordando...

Porque és bela, porque és Imaculada, a Mulher na Graça enfim restituída,

a criatura na sua hora primeira e em seu desabrochar final, como saiu das

mãos de Deus na manhã de seu esplendor original.

Intata inefavelmente porque és a Mãe de Jesus Cristo, que é a verdade em

teus braços, e a única esperança e o único fruto. Porque é meio-dia,

porque estás aí, simplesmente porque és Maria, simplesmente porque

existes. (MURILO, Dom Krieger. Com Maria a Mãe de Jesus. Paulinas,

São Paulo, 2002, p. 17).

É o ponto alto da Romaria. O romeiro se realiza. A felicidade já se faz real, já

está aos pés daquela que o chamou, a Mãe das Dores. Agora pode começar a viver os

dias de graças na terra do Padim.

A partir dali o romeiro começa uma peregrinação de rituais e celebrações.

Juazeiro será o lugar que propiciará a eles um encontro com Jesus Cristo como bem

ensinou o Padrinho, será o que é um lugar santo, um lugar de cura de almas. Ali

escutam atentamente a Palavra de Deus, os sermões, fazem caminhadas penitenciais

pela madrugada, buscam um confessionário para receberem o sacramento da

reconciliação, participam devotamente da Santa missa, sobem a ladeira do horto, muitos

de joelhos. E em muitos lugares está presente mais que o olhar, o romeiro quer está

inteiro na romaria como bem dizia nas homilias o padre Murilo16

“o romeiro quer ver

15

CLAUDEL, Paul, nome artístico de Louis Charles Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper. foi

um diplomata, dramaturgo e poeta francês, membro da Academia Francesa de Letras e galardoado com

a grã-cruz da legião de honra. É considerado importante escritor católico. 16

Monsenhor Francisco Murilo de Sá Barreto Nascido em Barbalha aos 31 de outubro de 1930 e falecido

em Juazeiro do Norte em 4 de dezembro de 2005. Foi o pároco da igreja matriz da cidade de Juazeiro do

Norte por quase 50 anos, era considerado o Padre do Nordeste. Era conhecido como Monsenhor Murilo.

25

tocando”. Exatamente assim, não basta ver, o romeiro quer tocar o altar, o túmulo do

Padim, a imagem da Mãe Dolorosa, quer por o joelho no chão e sentir a dureza do

mesmo que reflete a dureza da vida, quer sentir nas contas do rosário que a todo tempo

está sendo dedilhado, a profundidade do que rezam. O romeiro quer mais do que

simplesmente ver, quer falar do Padim, da Mãe das Dores, quer dar testemunho dos

tantos milagres que recebem e vem a Juazeiro agradecer. Esse tocar e sentir, se reflete

no fato de cada imagem, cada lembrancinha comprada para si ou para os seus além de

serem abençoadas por um sacerdote, serem levadas a capela do Socorro para serem

depositadas no Túmulo do Padrinho, é como se dissessem ele continua sendo o

anfitrião, ele permanece nos convocando, ele continua nos abençoando.

2.2. Os gestos como prolongamento da liturgia romeira

Além desses existem outros inúmeros gestos que os romeiros repetem e que

trazem para os mesmos gestos toda sua reverência e fé no Sagrado. Benzer-se com água

benta ao entrar na basílica, cumprimentar os demais romeiros com um abraço ou aperto

de mão, afinal é um encontro de irmãos, tocar a Bíblia após a proclamação do

Evangelho, tocar as oferendas durante a procissão, tocar e beijar o altar antes de sair da

basílica, tocar e beijar as imagens de Jesus crucificado e da Mãe das Dores.

Todos estes gestos são repetidos espontaneamente pelos romeiros e se forem

bem analisados todos possuem grande significado pastoral como diz Dom Fernando:

A piedade popular e as romarias não se contrapõem à Liturgia, mas a

preparam, prolongam e complementam. Valorizar e multiplicar na

Liturgia a dinâmica psicológico-espiritual do “toque” é enriquecer a

oração corporal do povo.

Na entrada no santuário, se poderia resgatar um costume esquecido, o da

ablução com água benta, com sentido penitencial de purificação ou de

renovação do batismo. O aperto de mão das pessoas ao se reunirem em

Assembleia poderia selar o sentimento de comunhão fraterna. Tocar a

Bíblia, após a homilia ou a meditação compartilhada, poderia valer como

profissão da renovação da Aliança. Tocar a bandeja com o pão e o cálice

com o vinho, ao passar a procissão do ofertório, poderia expressar a

entrega da própria vida, em Cristo, por Cristo e em Cristo. Tocar a Mesa,

ao sair da Igreja, após o envio e a bênção, poderia ser a expressão final do

compromisso missionário ou do desejo de voltar a reencontrar-se com o

Pai e com os irmãos e irmãs, em Jesus, no Espírito. Tocar a imagem da

Cruz do Ressuscitado, sobretudo em certas datas, poderia selar a adesão

de discípulos e missionários. Tocar a imagem de Maria, ícone da Igreja,

26

poderia alimentar a confiança e a obediência à Mãe que nos diz: “Façam

tudo o que ele lhes disser!”. (PANICO, Dom Fernando. Revista de

Cultura Teológica - v. 17 - n. 67 - ABR/JUN 2009).

Ainda se faz ecoar a identificação dos romeiros com os benditos e cantos

litúrgicos das romarias que, embora se voltem para o mistério celebrado, não esquece a

realidade do povo, ao contrário, celebra o mistério a partir da vida oferecida na

Romaria.

Os romeiros do Padre Cícero e da Mãe das Dores, são especialmente a imagem

viva da Igreja peregrina que padece as dores do mundo, que sofrem as mais diversas

tribulações e mesmo assim perseveram no amor ao seu Esposo, Cristo Jesus. Em seus

lábios a farinha com rapadura ganha sabor de banquete, tudo aos pés de Jesus, de Maria

e do Padim ganha sabor novo, sentido novo. Por isso mesmo os ritos de passagem, por

entre objetos materiais, a visita ao túmulo do Padrinho, a visita e o olhar lançado sobre a

cama onde morreu o Horto onde viveu parte da vida, servem para o romeiro fazer

memória de tradições que devem ser atualizadas para que as gerações não esqueçam que

mesmo em meio ao sofrimento, Deus se faz companheiro na caminhada. Mesmo

sabendo que o Padrinho não está mais presente fisicamente, eles lhe oferecem presentes,

preces e agradecimentos.

Só estando lá para sentir, tocar e olhar se pode ter a dimensão da fé ali

experimentada e fortalecida. É muito mais que uma multidão circulando entre uma

Igreja e outra, ou subindo a ladeira do Horto17

, ou visitando os museus e o túmulo do

Patriarca de Juazeiro, é algo que não se pode explicar só se pode sentir, olhar,

experimentar. Nesse ponto a Canção do Padre Fábio de Melo pensada a partir do

inexplicável do Círio de Nazaré se aplica completamente as Romarias de Juazeiro:

...Onde um só dia vale a vida que eu vivi. Domingo Santo que não posso

descrever. Pois há de ser mistério agora e sempre. Nenhuma explicação

sabe explicar. É muito mais que ver um mar de gente Nas ruas de Belém

a festejar É fato que a palavra não alcança Não cabe perguntar o que ele

é. O Círio ao coração do paraense É coisa que não sei dizer... Deixa pra

lá. Terá que vir Pra ver com a alma o que o olhar não pode ver. Terá que

17

A Colina do Horto é um alto monte onde está um monumento construído em homenagem

a Padre Cícero, localizado em Juazeiro do Norte. No local há um pequeno museu e uma igreja.

O projeto inicial previa que a estátua teria 7 metros de altura. Porém foi redimensionada e

construída com 27 metros de altura. Foi esculpida por Armando Lacerda em 1969, sendo

inaugurada em 1° de novembro do mesmo ano. É um dos pontos mais visitados do município.

27

ter simplicidade pra chorar sem entender. Quem sabe assim verá que a

corda entrelaça todos nós. Sem diferenças, costurados num só nó. Amarra

feita pelas mãos da Mãe de Deus. Estranho, eu sei juntar o santo e o

pecador num mesmo céu. Puro e profano, dor e riso, livre e réu. Seja bem

vindo... (Padre Fábio de Melo. Eu sou de lá).

A emoção de ver no dia 15 de setembro mais de 500 mil chapéus de palha sendo

balançados em louvor a Mãe das dores a ao Padim, não pode ser descrita, tem que ser

vista, sentida. Vista com a alma.

2.3. As Romarias e seu novo fôlego com a Reabilitação do Padrinho

A reabilitação tão esperada pelos afilhados do “Padim” levou anos para

acontecer, consequentemente décadas foram vividas para que as feridas abertas pelas

penas tão duras impostas ao Padre Cícero fossem curadas.

No entanto, a tão esperada notícia chegou a Juazeiro, embora, para os milhões de

romeiros que todos os anos acorrem a Juazeiro o padre Cícero já fosse santo, a palavra

da Igreja afirmando que as penas a ele impostas estavam anuladas era esperada,

significaria que ele, na verdade era santo, era fiel e como filho amado da Igreja era

agora por Ela reconhecido e acolhido. E esta grande e esperada notícia se deu

solenemente na Celebração Eucarística do dia 13 de dezembro de 2015 quando Dom

Fernando fez explodir uma grande e interminável salva de palmas na Catedral do Crato

ao pronunciar em alta voz:

Hoje, por ocasião da abertura solene da Porta Santa da Misericórdia nesta

Catedral de Nossa Senhora da Penha, quero anunciar com alegria, à

querida Diocese de Crato e aos romeiros e romeiras do Juazeiro do Norte,

um gesto concreto de misericórdia, de atenção e de carinho por parte do

Papa Francisco para nós: A Igreja Católica se reconcilia historicamente

com o Padre Cícero Romão Batista. É a proposição definitiva e solene de

“reconciliação histórica” da Igreja com Padre Cícero, por reconhecer nele

“virtudes humanas, sacerdotais e apostólicas” que devem ser valorizadas.

Podemos então aclamar com o Profeta Sofonias, inspirados na segunda

leitura da Missa deste Terceiro Domingo de Advento: “Canta de alegria,

Diocese de Crato; rejubila povo nordestino; alegra-te e exulta de todo

coração, povo brasileiro!”. (Dom Fernando Panico, bispo do Crato. 13 de

dezembro de 2015).

A Carta de reabilitação reconhece o que todo romeiro há décadas já sabe e

celebra as virtudes do “Padim”, seu empenho pastoral e sua forte influência popular

28

sempre contribuindo para o fortalecimento da fé dos menos favorecidos, dos esquecidos

pela sociedade e sofredores. Isso fica reconhecido na carta conforme diz o Cardeal

Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé.

É inegável que o padre Cícero ao longo de sua existência viveu uma fé

simples, em sintonia com o seu povo, e por essa razão, desde o início foi

compreendido e amado pelas mesmas pessoas. A sua visão perspicaz, ao

valorizar a piedade popular da época, deu origem ao fenômeno das

peregrinações, que se prolonga até hoje, sem diminuição tanto no número

como no entusiasmo das multidões que acorrem, anualmente, a Juazeiro.

Essa amada Diocese tem procurado incorporar este movimento popular

com um grande esforço de evangelização, orientando-o para o Cristo

redentor do ser humano. Integrando seu aspecto popular e devocional em

uma catequese renovada, fortalece e anima o romeiro em sua vida

cotidiana, tornando-o sempre mais consciente do seu batismo e ajudando-

o a viver sua vocação específica de cristão no mundo. (Trecho da Carta

de Reconciliação do Padre Cícero. Vaticano, 20 de Outubro de 2015).

O romeiro de Juazeiro sempre entendeu o papel do “Padim”, sua missão e seu

jeito de ser, sua aproximação com os pobres, sua identificação com seus sofrimentos,

suas dores, seus anseios e suas esperanças. Mais que isso, sua aproximação ia além da

função de ministrar os Sacramentos, ele os aconselhava, indicava caminhos práticos, e

quando nada resolvia os acolhia na cidade santa do Juazeiro, a casa da Mãe das Dores.

Na verdade esse é o jeito de ser dos sacerdotes que o Santo Padre Francisco tanto

defende e sonha o padre pai, próximo de suas ovelhas, que vai ao encontro delas, se

identifica com suas realidades e as atrai a Cristo.

O fato é que o dia 20 de dezembro de 2015 foi de grande festa romeira na terra

da Mãe das Dores, o Juazeiro e mais de 50 mil romeiros vindos de diversas partes do

Nordeste celebraram a reconciliação da Igreja e do “Padim”. Presidida por Dom

Fernando Panico então bispo do Crato e concelebrada por demais sacerdotes

diocesanos, como também por padres e bispos de outros Estados do Nordeste. Sob uma

chuva de pétalas e o clamor das palmas do público, todo o clero presente conduziu um

quadro com a imagem de Padre Cícero até o altar, iniciando assim a Celebração

Eucarística.

O que realmente muda na cidade do “Padim” pouca coisa muda na relação dos

seus afilhados com sua história, o amor já é grande por demais, sua presença sempre

esteve forte e sempre foi sentida como o abraço carinhoso de Deus que olhando a dor

contínua do povo sertanejo enviou o bom padrinho para olhar por eles e os conduzir.

Sem o apoio da Igreja Oficial ou com seu apoio isso não muda, porém, com o apoio da

29

Igreja, com o seu reconhecimento essa relação de amor ganha um sentido autêntico e

completo, agora a Mãe Igreja abençoa essa relação e a reconhece como um tesouro a ser

cuidado.

O “Padim” já é santo no coração de cada romeiro, seus milagres estão por toda

parte, se manifestam na vida cotidiana, é fortaleza nas lutas diárias, agora se levanta a

esperança de vê-lo santo oficialmente, de ver sua imagem entronizada nos altares das

Igrejas do Nordeste, e, principalmente na Igreja da Mãe das Dores que ele construiu.

Sua santidade que agora ganha esperança de ser oficializada já é exaltada nos

hinos que se ouve por todas as partes de Juazeiro como no Bendito que se canta ao

entrarem em romaria em sua casa no Santo Juazeiro:

Bendito Louvado seja. Neste mundo de meu Deu. Louvado seja a casa.

Que o meu padrinho nasceu. A casa que ele nasceu. Nenhum pé de árvore

havia. Depois que ele nasceu. Cobriu-se de maravilha. Meu padrinho

Cícero é um santo. Ninguém queira duvidar. O poder dele era tanto. Que

fez o mudo falar. Olha que caminho tão lindo. Cheio de pedra e areia.

Valei-me meu padrinho Cícero. E a mãe de Deus das Candeias. Ofereço

este bendito. Ao meu padrinho Cícero Romeiro. Em intenção das almas

santas. Da Matriz do Juazeiro. (Bendito Popular dos Romeiros).

30

CONCLUSÃO

Depois de percorrermos o vasto campo das Romarias do Juazeiro do Norte e os

fortes laços que unem o Padre Cícero Romão Batista, a Mãe das Dores e o povo católico

nordestino, convém dar especial destaque a alguns pontos.

Em primeiro lugar é possível concluir que o fenômeno das romarias do padre

Cícero tem particularidades que a distingue das demais Romarias em outros santuários e

centros de romarias, essas particularidades se evidenciam nos gestos e rezas próprios

dos sertanejos e homens do campo que, embora desenvolvam uma linguagem particular

a utilizam para vivenciar a fé oficial da Igreja levando de Juazeiro a suas regiões o

verdadeiro catolicismo, autêntico e enraizado na vida de cada um.

A fé dos afilhados do “Padim Ciço” e da Mãe das Dores, sendo manifestação

profunda da fé católica, encontra na Basílica das Dores e nas Igrejas espalhadas pelo

Juazeiro os lugares sagrados onde repõem suas energias, reanimam sua fé e com nova

vitalidade dali saem restabelecidos e dispostos a enfrentarem mais um ano de lutas,

secas e muitas vezes fome. Nos altares de Juazeiro, sempre observando os conselhos do

“Padim”, os romeiros vão em busca das bênçãos de Deus ao mesmo passo que, com o

coração em júbilo agradecem as tantas bênçãos recebidas desde a última romaria.

A romaria não é uma experiência individual, egoísta, ao contrário, é uma

verdadeira celebração de irmãos, uma experiência de comunidade, onde tudo é colocado

em comum. Os “ranchos” que espalham o calor humano e provoca os diálogos e a

convivência, são uma prova real dessa experiência de comunidade, bem como todos os

outros momentos na Cidade Santa do Nordeste são repletos de aspectos comunitários.

Nas romarias ninguém se sente sozinho, todos formam uma única e grande família,

todos são a Igreja Católica, vindos das mais diferentes regiões e com as mais diversas

histórias de vida a partilhar; em Juazeiro são uma só casa, uma só família, todos se

encontram ao redor da única e mesma Mãe, a Mãe das Dores, todos professam a mesma

fé, a fé dos apóstolos, a fé da Igreja, todos rezam pelo bispo de Roma e nele reconhecem

a unidade desta Igreja que os fez filhos de Deus, todos convocados pelo Patriarca do

Nordeste ouvem seus conselhos e chamando-o de “Padim” aprendem que ninguém deve

31

caminhar sozinho, que ninguém deve, pelo próprio bem, ferir a terra ou as outras

criaturas, pois, o mesmo Deus que os criou, é também criador dos homens.

A romaria permite ao sertanejo, experimentar a fé oficial da Igreja com uma

linguagem que lhe é própria, próxima e conhecida, a linguagem do afeto, do toque, dos

benditos, da penitência, das procissões, do rosário, do joelho no chão e do chapéu de

palha. E embora muitos dos seus gestos e ritos não sejam expressões da liturgia oficial,

o romeiro do Padre Cícero não quer ser rebelde ou exaltar suas expressões alheio ao que

ensina a Igreja, ao contrário, o verdadeiro romeiro está constantemente atento ao que diz

a Igreja, lhe é obediente e exulta quando Ela, como mãe que é, reconhece suas

expressões, ritos e sua fé simples como um sopro do mesmo Espírito que move a Igreja.

A grande prova dessa importância que tem para o romeiro do Juazeiro a voz da

Igreja é a angústia que por décadas levaram em seus corações e olhar por não ter da

Igreja o reconhecimento das virtudes do “Padim”, e a grande festa que se fez acontecer

em Juazeiro e em todo Nordeste quando da reconciliação do Padre Cícero com a Igreja

por ação do Sumo Pontífice o Papa Francisco em 20 de outubro de 2015. Para o

afilhado do “Padim Ciço” e da Mãe das Dores ter da Igreja tal reconhecimento

fundamental, é como um atestado de integridade e autenticidade de sua fé, de suas

romarias e de seu amor filial pelo Padrinho.

Outro aspecto a ser destacado é o forte empenho dos padres e religiosos do

Juazeiro na ação pastoral e formação dos romeiros. O Juazeiro se transforma num

grande espaço de catequese pastoral e litúrgica nos dias de romarias, embora as

expressões dos romeiros sejam incentivadas e preservadas, a liturgia oficial, as

determinações da Santa Sé, a necessidade dos Sacramentos e importância do

engajamento dos romeiros em suas paróquias de origem são fortemente defendidos e

ensinados em todas as Igrejas em todas as romarias que ocorrem durante o ano.

No entanto, nada tira de Juazeiro o aspecto peculiar que lhe foi dado pelo Padre

Cícero e pelos primeiros romeiros que ali estiveram. Por isso mesmo até hoje, a ação

pastoral e missionária da Igreja atua junto aos romeiros sem descaracterizar a fé popular

e humilde que cada um leva consigo, fé esta que os alimenta e fortalece por todo o ano,

fé esta que os move a voltarem ao Juazeiro para agradecer pela fidelidade, pela força e

pela vida que como cantam solenemente “É Dom de Deus”.

O Juazeiro é realmente a Roma dos nordestinos, a Meca dos sertanejos, a

Jerusalém do agricultor, é uma pequena experiência do que se imagina ser o céu, é a

antecipação do que será a comunidade dos cristãos quando entendermos que ser cristãos

32

necessariamente exige de todos e de cada um fidelidade, confiança e gratidão ao Deus

da Vida. Os romeiros do Padre Cícero e da Mãe das Dores experimentam a partilha do

que possuem, do que são e do que desejam ser.

Por fim, a própria carta de Reconciliação assinada pelo santo Padre o Papa

Francisco apresenta aspectos do Padre Cícero que por si só já asseguram a força das

romarias e a firmeza da fé dos milhões de romeiros que todos os anos rumam à cidade

santa. Entre as tantas referências o Santo Padre afirma que o Padre Cícero: Viveu uma

fé simples, em sintonia com o seu povo; deixou marcas profundas no povo nordestino,

sua intensa devoção à Virgem Maria; foi educador da sensibilidade católica; difundiu a

oração e o respeito pelos mortos; teve sempre atitude em acolher a todos, especialmente

aos pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os, era movido por um intenso

amor pelos mais pobres e por uma inquebrantável confiança em Deus; agia segundo os

ditames da sua consciência em momentos e circunstâncias bastante difíceis; era movido

por um desejo sincero de estender o Reino de Deus.

Todas essas características do “Padim” norteiam as romarias e nutrem a fé dos

romeiros para serem Igreja e permanecerem na esperança e na fidelidade a Cristo.

33

ANEXOS

ANEXO I

CRONOLOGIA DO MARTÍRIO DO PADRE CICERO18

– 4 de novembro de 1889. Inconformado com as notícias veiculadas na imprensa sobre

os milagres o Bispo Dom Joaquim envia carta a Padre Cícero na qual o proíbe

expressamente de fazer qualquer manifestação pública sobre o assunto.

– 6 de agosto de 1892. Através de Portaria o bispo D. Joaquim suspende o Padre Cícero

das faculdades de confessar, pregar e administrar sacramentos. Esta foi a primeira pena

grave imposta oficialmente a ele como desdobramento das investigações dos fenômenos

ocorridos no povoado de Juazeiro a partir de 1º de março 1889, denominados

popularmente de Milagres da Hóstia.

– 13 de abril de 1896. O bispo dom Joaquim aumenta a punição ao Padre Cícero e o

proíbe de celebrar Missa.

– 10 de fevereiro de 1897. O Santo Ofício emite um novo Decreto, agora proibindo a

permanência de Padre Cícero em Juazeiro, sob pena de excomunhão. Temeroso de

incorrer na pena de excomunhão, em 29 de junho de 1897 ele resolve sair do povoado e

vai para Salgueiro.

– 22 de junho de 1898. Após cinco interrogatórios os cardeais do Santo Ofício decidem

absolver o Padre Cícero das censuras até então impostas, mas ele permanece com a

proibição de pregar, confessar e dirigir as almas e é aconselhando a procurar outra

diocese.

– 5 de setembro de 1898. Após vários requerimentos enviados ao Santo Ofício para

regularizar sua situação ele consegue autorização e com muita alegria celebra Missa na

Capela de São Carlos em Roma. E os cardeais foram mais benevolentes ainda, pois lhe

concederam também permissão para celebrar durante a viagem de volta ao Brasil.

– 15 de novembro de 1898. Padre Cícero se apresenta a Dom Joaquim em Fortaleza e

lhe informa que fora absolvido em Roma. Mas o bispo, certamente insatisfeito com a

18

Cronologia afixada no Museu dos Romeiros em Juazeiro no Norte.

34

decisão do Santo Ofício, foi implicante mais uma vez e não permite que ele celebre em

Juazeiro.

– 12 de julho de 1916. O Santo Ofício declara o Padre Cícero incurso na excomunhão

latae sententiae.

- Em 27 de julho de 1916 o cardeal Merry Del Val comunica o fato oficialmente ao

Núncio Apostólico, Dom José Anversa. D. Quintino, bispo do Crato, só tomou

conhecimento desse documento no dia 14 de abril de 1917, portanto nove meses depois

da sua publicação. E só resolveu comunicar por carta ao Padre Cícero no dia 29 de abril

de 1920, portanto três anos depois. Padre Cícero não chegou a receber essa carta porque

Dr. Floro foi quem a viu primeiro e diante do conteúdo exposto achou por bem não lhe

entregar, pois achava que em face da avançada idade Padre Cícero não estava em

condições de saúde e psicológicas para suportar tamanho baque. E foi isso mesmo que

Dr. Floro informou ao bispo, conseguindo convencê-lo a não dar conhecimento da

gravíssima pena de excomunhão a que padre Cícero incorreu. Dom Quintino tinha,

então, um documento provando que Padre Cícero estava excomungado, mas mesmo

assim deixou que ele continuasse celebrando missa fora de Juazeiro. Ele celebrava no

sítio Saquinho, município do Crato.

– No dia 1º de janeiro de 1917, estando excomungado, mas sem saber, Padre Cícero

recebe autorização do bispo para celebrar Missa na capela de Nossa Senhora das Dores,

onde deixara de celebrar desde o dia 6 de agosto de 1892.

- Tudo corria mais ou menos normal entre Padre Cícero e o bispo Dom Quintino. Mas

no dia 2 de junho de 1921 Padre Cícero lhe escreve uma carta pedindo autorização para

ser padrinho de batismo de uma criança, filha legítima do Sr. Antônio Luiz de Assis

Chitafina e Lucila Tenório de Assis, residentes em Juazeiro. Para sua surpresa, Padre

Cícero recebeu a seguinte resposta:

“Visto como o Revdmo”. Suplicante não está cumprindo exatamente todas as cláusulas

das declarações que em Dezembro de 1917 depositou em nossas mãos, depois de serem

lidas em público; e não só está fomentando a venda e divulgação das medalhas

proibidas (quais são as que têm a sua efigie), mas frequentando o estabelecimento do

vendedor e benzendo-as, como ainda a certa mulher que deixou de confessar-se para

casar por ter declarado que acreditava “Nos milagres do sangue precioso do Juazeiro”

aconselhou-lhe que fosse para Cajazeiras, da Paraíba, onde há trabalhos públicos, e

depois de algum tempo de estadia ali, efetuasse, lá mesmo, seu casamento; não

podemos dar licença ao mesmo suplicante para apadrinhar crianças e nem lhe conceder

uso de ordens nesta diocese.

Quintino, bispo diocesano. Crato, 3 de junho de 1921

35

ANEXO II

Decisão e decreto da Sagrada Inquisição Romana Universal sobre os

fatos que sucederam no Juazeiro, Diocese de Fortaleza.19

Na Congregação de quarta-feira, 4 de abril de 1894, tendo discutido os fatos que

aconteceram em Juazeiro, da Diocese de Fortaleza, os Eminentíssimos e

Reverendíssimos Padres Cardeais da Santa Igreja Romana, Inquisidores Gerais,

pronunciaram, responderam e determinaram, como segue:

- Os pretensos milagres e outros fatos sobrenaturais que se dizem de Maria de

Araújo são falsos e manifestamente supersticiosos, e implicam gravíssima e detestável

irreverência e ímpio abuso da Santíssima Eucaristia; e por tudo isto são reprovados pelo

juízo apostólico e devem ser por todos reprovados e condenados e havidos como tais.

Para que se imponha um fim a estes excessos e ao mesmo tempo se previnam

mais graves males que daí se possam seguir:

1º. Seja interdito pelos Ordinários de Fortaleza e de todo o Brasil, o concurso de

peregrinos ou acesso de curiosos em visita a ela e às outras mulheres culpadas na

mesma causa.

2º. Quaisquer escritos, livros ou opúsculos editados ou que, por acaso venham a

sê-lo (o que não aconteça) em defesa daquelas pessoas e daqueles fatos sejam tidos por

condenados e proibidos, e, na medida do possível, sejam recolhidos e queimados.

3º. Tanto a estes sacerdotes, como a outros, sacerdotes ou leigos, proíbe-se que,

por palavras ou por escrito, tratem dos pretensos supracitados milagres.

4º. Os panos manchados de sangue e as hóstias de que se tratou, e todas as outras

cousas guardadas como se fossem relíquias, sejam pelo mesmo Ordinário recolhidas e

queimadas.

O Decreto foi enviado de Roma pelo Cardeal Monaco ao Internúncio Dom Jerônimo

Maria Gotti que recomendava que os itens do Decreto referentes à Maria de Araújo e

aos sacerdotes implicados poderiam ser retirados do texto a ser divulgado ao público:

19

Decreto preservado no Museu dos Romeiros em Juazeiro do Norte.

36

1º. À Maria de Araújo seja imposta uma grave e longa penitência, e, o quanto

antes, seja colocada em uma casa piedosa ou religiosa, onde permaneça a critério do

Ordinário, sob a direção de um confessor piedoso e prudente, e instruído sobre os

antecedentes dessa mulher.

4º. Todos e cada um dos Sacerdotes, bem conhecidos do Bispo, tanto os que

trataram de modo execrável a Santíssima Eucaristia, como os seus cúmplices, sejam

obrigados a exercícios espirituais pelo tempo determinado pelo Bispo e, de acordo com

a gravidade do crime, sejam pelo mesmo, punidos gravemente, ficando proibido

qualquer relacionamento deles com a citada mulher, nem mesmo por carta. Seja-lhes

proibida também toda a direção das almas, pelo tempo e a maneira que forem

determinados pelo Bispo.

Roma, 4 de abril de 1894

Assinado - Cardeal Monaco.

Em 1898, porque as penalidades continuavam e eram cada vez mais duras, Padre

Cícero resolve viajar a Roma para obter o perdão diretamente do Santo Padre Leão XIII.

E foi exatamente o que aconteceu: o Santo Ofício o absolveu. O Cardeal Parocchi, no

dia 01 de setembro de 1898, comunica ao padre que foi absolvido das censuras, recebeu

a faculdade de celebrar a Santa Missa e a licença de voltar para casa em Juazeiro.

Alguns meses depois Dom Joaquim, alegando não ter recebido qualquer relatório de

Roma, volta a impingir-lhe novas penalidades: nova suspensão de ordens, novo exílio a

ser vivido na cidade de Crato, até que em 1917 recebe da Santa Sé o decreto de

excomunhão pela sua participação na chamada “Sedição de Juazeiro20

” que nunca lhe

foi aplicada pelo bispo Dom Quintino da já criada Diocese de Crato, provavelmente por

considerá-la injusta.

20

A Revolta ou Sedição de Juazeiro foi um confronto ocorrido em 1914 entre as oligarquias cearenses e

o governo federal provocado pela interferência do poder central na política estadual nas primeiras décadas

do século XX. Ocorreu no sertão do Cariri, interior do Ceará, em reação à interferência do poder central

contra a política do coronelismo. Sob a liderança de Floro Bartolomeu e do padre Cícero Romão Batista,

as forças do governo federal foram derrotadas.

37

ANEXO III

A CARTA DA RECONCILIAÇÃO - TEXTO INTEGRAL

Excelência Reverendíssima

Dom FERNANDO PANICO

Bispo Diocesano de Crato

Ocorre hoje mesmo o centenário da criação dessa amada Diocese, que a mesma

quis comemorar com um inteiro Ano Jubilar. Em uma atitude de ação de graças,

procurou vivenciar o caminho histórico que, através das vicissitudes humanas, traçou a

vida dessa Igreja particular, na busca da fidelidade ao Depósito sempre atual da Fé e, ao

mesmo tempo, vivendo o dinamismo missionário da evangelização, que deve ser

dirigido a todos sem exceção, especialmente aos pobres e pequeninos.

Trata-se de uma ocasião propícia para analisar também o movimento religioso

em torno da figura do Padre Cícero Romão Batista (24 de março de 1844–20 de julho

de 1934), que viveu no território dessa Diocese, figura histórica proeminente no Brasil,

especialmente em toda a região do nordeste brasileiro. Em tal sentido, pareceu oportuno

ao Santo Padre associar-se às comemorações jubilares com o envio da presente

Mensagem à Diocese de Crato que põe em realce a figura de Padre Cícero Romão

Batista e a nova Evangelização, procurando concretamente ressaltar os bons frutos que

hoje podem ser vivenciados pelos inúmeros romeiros que, sem cessar, peregrinam a

Juazeiro, atraídos pela figura daquele sacerdote.

Procedendo desta forma, pode-se perceber mais claramente a repercussão que a

memória do Padre Cícero Romão Batista mantém, no conjunto de boa parte do

catolicismo deste País, e, dessa forma, valoriza-la desde um ponto de vista

eminentemente pastoral e religioso, como um possível instrumento de evangelização

popular.

1. Excelência Reverendíssima, não é intenção desta Mensagem pronunciar-se sobre

questões históricas, canônicas ou éticas do passado. Pela distância do tempo e

complexidade do material disponível, elas continuam a ser objeto de estudos e análise,

como atesta a multiplicidade de publicações a respeito, com interpretações as mais

variadas e diversificadas. Mas é sempre possível, com a distância do tempo e o evoluir

das diversas circunstâncias, reavaliar e apreciar as várias dimensões que marcaram a

ação do Padre Cícero como sacerdote e, deixando à margem os pontos mais

38

controversos, por em evidência aspectos positivos de sua vida e figura, tal como é

atualmente percebida pelos fiéis.

Assim fazendo, abrem-se inúmeras perspectivas para a evangelização, na linha

desta recomendação do Documento de Aparecida; “Deve-se dar catequese apropriada

que acompanhe a fé já presente na religiosidade popular” (DA, 300).

2. É inegável que o Padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma

fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi

compreendido e amado por este mesmo povo.

A sua visão perspicaz, ao valorizar a piedade popular da época, deu origem ao

fenômeno das peregrinações, que se prolonga até hoje, sem diminuição tanto no número

como no entusiasmo das multidões que acorrem, anualmente, a Juazeiro. Essa amada

Diocese tem procurado incorporar este movimento popular com um grande esforço de

evangelização, orientando-o para o Cristo redentor do ser humano. Integrando seu

aspecto popular e devocional em uma catequese renovada, fortalece e anima o romeiro

em sua vida cotidiana, tornando-o sempre mais consciente do seu batismo e ajudando-o

a viver sua vocação específica de cristão no mundo.

Além disso, utilizando-se de palavras do próprio Padre Cícero, inúmeros cantos

de romaria traduzem o conteúdo da fé e da moral cristã para a compreensão dos simples

e dos pobres, constituindo-se, dessa forma, instrumentos úteis de formação na fé;

“Quem matou não mate mais, quem roubou não mais...”. O entusiasmo e o fervor com

que os romeiros entoam estes hinos ecoam pelo nordeste brasileiro, como um convite

constante a uma vida cristã mais coerente e fiel.

Várias Dioceses do nordeste brasileiro, fonte primária das romarias, em

consonância com sua Diocese de Crato, têm procurado associar-se a esta forma de

evangelização, que se tem demonstrado eficaz. A criação recente de um Conselho das

romarias, junto a essa Diocese, composto também por representantes das demais Igrejas

particulares da região é, sem dúvida, um elemento positivo a ser apoiado e estimulado.

3. Deixou marcas profundas no povo nordestino a intensa devoção do Padre Cícero à

Virgem Maria.

A devoção mariana, especialmente à Nossa Senhora das Dores, mas também

sob o título mariano das Candeias, foi bem acolhida e assimilada pelo povo fiel. Através

delas, a influência positiva do Padre Cícero continua a exercer, junto aos romeiros, um

papel educador da sensibilidade católica, que é uma das características marcantes desta

população.

39

As grandes romarias realizadas por ocasião destas festas marianas ilustram o

calendário evangelizador de Juazeiro e constituem momentos altos de formação

católica.

Como não reconhecer, Dom Fernando, na devoção simples e arraigada destes

romeiros, o sentido consciente de pertença à Igreja Católica, que tem na Mãe de Jesus

Cristo um dos seus elementos mais característicos? Ajudando o romeiro a acolher Maria

como Mãe, recebida do próprio Cristo ao pé da cruz do Calvário, o influxo de Padre

Cícero fortalece, nos fiéis, o sentido de pertença à Igreja. É significativa a intensidade

desta devoção mariana, inspirada por Padre Cícero, a marcar definitivamente a alma

católica dos romeiros nordestinos.

Realizando sempre mais o trabalho evangelizador da Diocese de Crato, no

acompanhamento pastoral deste movimento, tenha-se presente esta recomendação do

Documento de Aparecida: “Para esse crescimento na fé, também é conveniente

aproveitar pedagogicamente o potencial educativo presente na piedade popular mariana.

Trata-se de um caminho educativo que, cultivando o amor pessoal à Virgem, verdadeira

“educadora da fé” (DP 290) que nos leva a nos assemelhar cada vez mais a Jesus Cristo,

provoque a apropriação progressiva de suas atitudes” (DA, 300).

4. Outro aspecto vivenciado por Padre Cícero e por ele transmitido aos seus devotos é a

oração e o respeito pelos mortos, mais um elemento importante da fé católica.

A grande romaria do dia de Finados, iniciada pelo Padre, continua ainda hoje

incentivando os romeiros a rezar pelos fiéis falecidos, transmitindo-lhes, também, de

maneira simples, mas eficaz, a consciência da dimensão escatológica da existência

humana. Em uma vida marcada por tantos sofrimentos e dificuldades, a expectativa da

bem-aventurança é, para eles, consolação e estímulo.

Uma iniciativa originada por esta sensibilidade tem acontecido, também, em

várias Dioceses do nordeste> o encontro dos romeiros nas suas paróquias, além do dia

20 de julho, também no dia 20 de cada mês, recordando o falecimento do próprio Padre

Cícero. Um marcante espírito penitencial, a busca pela confissão auricular, a grande

participação da Santa Missa em horas bem matinais constituem uma experiência

inesquecível para quem delas já participou e uma oportunidade evangelizadora ímpar.

Vem a propósito citar aqui este trecho de Aparecida: “Nossos povos não querem

andar pelas sombras da morte. Têm sede de vida e felicidade em Cristo. Buscam-no

como fonte de vida. Desejam essa vida nova em Deus, para a qual o discípulo do

Senhor nasce pelo batismo e renasce pelo sacramento da reconciliação. Procuram essa

40

vida que se fortalece, quando é confirmada pelo Espírito de Jesus e quando o discípulo

renova, em cada celebração eucarística, sua aliança de amor em Cristo, com o Pai e com

os irmãos. Acolhendo a Palavra de vida eterna e alimentados pelo Pão descido do céu,

quer viver a plenitude do amor e conduzir todos ao encontro com Aquele que é o

Caminho, a Verdade e a Vida” (DA, 350). Temos aqui, Senhor Bispo, todo um

programa de evangelização, a partir da sensibilidade do romeiro diante do mistério da

morte e na proclamação confiante da esperança na ressurreição.

5. No momento em que a Igreja inteira é convidada pelo Papa Francisco a uma atitude

de saída, ao encontro das periferias existenciais, a atitude do Padre Cícero em acolher a

todos, especialmente aos pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os,

constitui, sem dúvida, um sinal importante e atual.

Não deixa de chamar a atenção o fato de que estes romeiros, desde então,

sentindo-se acolhidos e tendo experimentado, através da pessoa do sacerdote, a própria

misericórdia de Deus, com ele estabeleceram – e continuam estabelecendo no presente –

uma relação de intimidade, chamando-o na carinhosa linguagem popular nordestina de

“Padim”, ou seja, considerando-o como um verdadeiro padrinho de batismo, investido

da missão de acompanha-los e de ajuda-los na vivência de sua fé.

É também uma característica do nordeste brasileiro a grande quantidade de

pessoas que recebem, no batismo, o nome de “Cícero” ou de “Cícera”, em preito de

homenagem e de gratidão a este sacerdote. O espírito das romarias transmite-se, assim,

de pais para filhos e se perpetua por gerações.

É certo, por outro lado, que este apego afetivo do romeiro deverá dar lugar a um

trabalho paciente de formação da sua fé, de maneira a leva-lo a um encontro pessoal

com Jesus Cristo, como mostra o documento de Aparecida (cfe. nn. 276ss) traçando,

com acuidade, as várias etapas a serem seguidas, para que, da atração pelas

testemunhas, se chegue Àquele que é a Testemunha fiel e Redentor de todos; “O

caminho de formação do seguidor de Jesus lança suas raízes natureza dinâmica da

pessoa e no convite pessoal de Jesus Cristo, que chama os seus pelo nome e estes o

seguem por lhe conhecem a voz” (DA, 277).

6. Finalmente, apraz-me salientar, Dom Fernando, mais um importante fruto da

influência do Padre Cícero Romão Batista junto aos seus romeiros: o respeito que os

peregrinos demonstram pela Igreja, na pessoa de seus sacerdotes e seus templos.

O afeto popular que cerca a figura do Padre Cícero pode constituir um alicerce

forte para a solidificação da fé católica no ânimo do povo nordestino. O trabalho de

41

evangelização popular a ser continuado, com perspicácia e perseverança, vem

contribuindo certamente para o fortalecimento desta mesma fé, chamada a frutificar em

atos concretos de compromisso cristão e de promoção dos mais autênticos valores

humanos, pois “os desafios que apresenta a situação da sociedade na América latina e

no Caribe requerem identidade católica mais pessoal e fundamentada. O fortalecimento

dessa identidade passa por uma catequese adequada que promova adesão pessoal e

comunitária a Cristo, sobretudo nos mais fracos na fé” (DA, 297).

7. Eis, portanto, Senhor Bispo, alguns elementos positivos que promanam da figura do

Padre Cícero Romão Batista, tal como é percebida, atualmente, pelo povo fiel que

acorre a Juazeiro do Norte, dando vida às romarias e transformando-as em uma bela

expressão de fé. Como já indicado, cada romeiro, desafiando a criatividade dos agentes

de evangelização, abre novas perspectivas para atuar a missão da Igreja no contexto

local, em que esta figura constitui o chamado inicial para um aprofundamento da fé

católica e para sua manutenção.

Não podemos ignorar, no entanto, que outros aspectos da pessoa do Padre

Cícero podem suscitar perplexidades. Deus, com efeito, na sua genial criatividade,

serve-se muitas vezes de “vasos de argila” para realizar a sua obra de salvação, “para

que esse incomparável poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4,7) e, dessa forma, nós,

seres humanos, nunca possamos nos orgulhar. Porque “aquele que planta, nada é; aquele

que rega, nada é; mas importa somente Deus, que dá o crescimento” (1Co 3,7), Deus

serve-se sempre de pobres instrumentos. Padre Cícero, na sua complexa história

humana, não privada de fraquezas e de erros, é um claro exemplo disso. Sem dúvida

alguma, foi movido por um intenso amor pelos mais pobres e por uma inquebrantável

confiança em Deus. Ele teve, porém, que viver em um contexto histórico e social pouco

favorável, empregando todas as suas forças e procurando agir segundo os ditames da

sua consciência, em momentos e circunstâncias bastante difíceis. Se nem sempre soube

encontrar as justas decisões a tomar ou adequar-se às diretrizes que lhe foram dirigidas

pela legítima autoridade, não há dúvida, entretanto, de que ele foi movido por um desejo

sincero de estender o Reino de Deus. Não nos esqueçamos, porém – como dizia São

João Paulo II, na Audiência Geral de 30 de abril de 1986–, que, às vezes, “Deus escreve

certo por linhas tortas” e se serve de instrumentos imperfeitos para realizar a Sua obra

(cf.Lc 17,10). Portanto, é necessário neste contexto, dirigir nossa atenção ao Senhor e

agradece-lo por todo o bem que ele suscitou por meio do Padre Cícero.

42

Este dado positivo, eminentemente religioso, justifica a atenção pastoral especial

que essa Diocese de Crato presta ao fenômeno religioso de Juazeiro Norte, que tem sua

origem justamente na ação odo Padre Cícero, valorizando a sua repercussão benéfica

em vista da evangelização de todos aqueles que a ele sentem-se ligados. Assim, é

garantida a sua reta orientação eclesial, trazendo para todos o inegável benefício de uma

adequada evangelização, inserida na realidade e na mentalidade da população fiel desta

região e com repercussões em todo o Brasil.

A presente mensagem foi redigida por expressa vontade de Sua Santidade o

Papa Francisco, na esperança de que Vossa Excelência Reverendíssima não deixará de

apresentar à sua Diocese e aos romeiros do Padre Cícero a autentica interpretação da

mesma, procurando por todos os meios apoiar e promover a unidade de todos na mais

autentica comunhão eclesial e na dinâmica de uma evangelização que dê sempre e de

maneira explicita o lugar central a Cristo, principio e meta da História.

Ao mesmo tempo que me desempenho da honra de transmitir uma fraterna

saudação do Santo Padre a todo o povo fiel do sertão do Ceará, com os seus Pastores,

bendizendo a Deus pelos luminosos frutos de santidade que a semente do Evangelho faz

brotar nestas terras abençoadas, valho-me do ensejo para lhe testemunhar minha fraterna

estima e me confirmar de Vossa Excelência Reverendíssima devotíssimo no Senhor.

Pietro Card. Parolin

Secretário de Estado de Sua Santidade

Vaticano, 20 de outubro de 2015.

43

ANEXO IV

FOTOS HISTÓRICAS DO PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA

Padre Cícero Romão Batista enquanto Seminarista em 1875.

Cama na qual faleceu o Padre Cícero Romão Batista às 7 horas do dia 20 de julho de 1934

44

VELÓRIO DO PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA

Segundo o atestado de óbito assinado por Dr. Mozart Cardoso de Alencar, registrado no

Cartório sob o nº 2088, Padre Cícero faleceu às 7 horas do dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos

de idade, tendo como causa mortis paralisia intestinal.

Foi sepultado no dia seguinte, às 10h30min, no interior da Capela de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, e seu enterro foi acompanhado por uma grande multidão.

Enterro do Padre Cícero Romão Batista. Milhares de romeiros acorreram a Juazeiro.

45

Padre Cícero Romão Batista

Fotografia tirada em Juazeiro do Norte em sua residência no ano de 1903.

46

Túmulo do Padre Cícero no Altar Central da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo

Socorro em Juazeiro do Norte.

Cardeal João Braz de Aviz Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e

Sociedades de Vida Apostólica e Dom Fernando Panico, bispo do Crato

rezam no túmulo do Padre Cícero. Visita realizada aos 3 de setembro de 2014.

47

Dom Fernando Panico, Bispo do Crato, entrega novo pedido de Reabilitação do Padre Cícero ao

Santo Padre Francisco em Roma, julho de 2013.

Milhares de Romeiros de todas as regiões do Nordeste com velas acesas na Praça da Basílica

das Dores rezam pela Reabilitação do “Padim”. Setembro de 2013.

48

Na Catedral de Nossa Senhora da Penha no Crato – CE, no dia 13 de Dezembro de

2015, Dom Fernando Panico faz o anúncio solene da Reconciliação do

Padre Cícero com a Igreja.

Após o anúncio solene, primeira vez a fotografia do Padre Cícero é introduzida

solenemente na Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Penha no Crato. No altar a

fotografia é acolhida por todo Clero diocesano como sinal de acolhimento, perdão e

definitiva reconciliação.

49

Bispos do Nordeste, centenas de Padres, Religiosos, autoridades do Nordeste e milhares

de Romeiros celebram na Igreja do Socorro onde está sepultado o Padre Cícero a sua

Reabilitação com a Igreja. 20 de dezembro de 2015.

O longo caminho percorrido desde o início do processo é apresentado ao final, fogos de

artifício festejam o resultado tão esperado. 20 de dezembro de 2015.

50

Fiéis romeiros celebram reconciliação na Praça do Socorro

onde está sepultado o “Padim”. 20 de dezembro de 2015.

Milhares de romeiros vindos de todo Nordeste festejam a reconciliação do “Padim” com

a Igreja em Missa Solene celebrada em frente à Igreja do Socorro onde ele está

sepultado. 20 de dezembro de 2015.

51

Vista do helicóptero que derramou chuva de pétalas sobre a multidão e a Igreja na qual

está o túmulo do Patriarca do Nordeste. 20 de dezembro de 2015.

Por ocasião da Reconciliação do Vaticano com o Padre Cícero, Dom Fernando Panico,

bispo do Crato deposita flores em seu túmulo após missa solene. 20-12-2015.

52

Pela primeira vez, o Padre Cícero é solenemente acolhido no interior da Basílica Santuário de

Nossa Senhora das Dores por ele construída, em missa presidida pelo bispo diocesano Dom

Fernando Panico e concelebrada por todo clero diocesano e por dezenas de bispos e padres de

todo Nordeste. 21 de dezembro de 2015.

A alegria toma a Praça da Basílica onde milhares de Romeiros cantam e rezam agradecendo a

Deus e Mãe das Dores. 21 de dezembro de 2015.

53

O Pároco da Basílica das Dores junto com outros religiosos de Juazeiro vão a Roma agradecer

ao Papa Francisco a Reabilitação do Patriarca do Nordeste e lhe entregam a Biografia do

“Padim”. 15 de junho de 2016.

Romeiros criam imagens do Padrinho

na Praça de São Pedro no Vaticano e

com auréola de santo para simbolizar

sua presença agora no seio da Mãe

Igreja.

54

ANEXO V

OUTRAS FOTOS DE MOMENTOS MARCANTES DAS ROMARIAS

Cardeal Claudio Hummes

Vai a Juazeiro como Romeiro e reza no túmulo do padre Cícero após presidir missa na

Basílica das Dores. Agosto de 2014.

55

Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro

Dom Orani vai a Juazeiro como Romeiro. Fevereiro de 2016.

Dom Orani preside Missa na Basílica Santuário

Na ocasião declarou ser devoto do Padre Cícero. Fevereiro de 2016.

56

Dom Fernando Panico, bispo do Crato, Dom Gilberto Pastana, então coadjutor do Crato e Dom

Antônio Muniz, Arcebispo Metropolitano de Maceió, concelebram na Basílica Santuário das

Dores usando o Chapéu de Palha identidade do romeiro, ao invés de Mitras. 2016.

Os Romeiros na cuia dos chapéus de palha oferecem ao Senhor e a Mãe das Dores

suas alegrias e tribulações. Setembro de 2016.

57

Romeiros chegando a Juazeiro sobre os caminhões PAU-DE-ARARA.

A despedida dos romeiros após o adeus na Basílica das Dores.

58

Os Romeiros dormem em redes armadas em todos os ambientes dos ranchos.

O rosto sofrido ganha semblante

de alegria e fé a cada celebração.

Nas mãos sempre e em toda parte se pode

observar o dedilhar das contas do Rosário

da Mãe de Deus.

59

Um mar de chapéus de palha.

Celebração Eucarística na Praça da Basílica das Dores. Setembro de 2000.

Romeira beija a imagem do “Padim”.

Um jeito simples de expressar amor a quem deu muito amor. Setembro de 2000.

60

Milhares de Romeiros tocam a grande imagem do

Padre Cícero localizada no alto do Horto.

A cidade de Juazeiro do Norte está sob o olhar do “Padim”.

61

“SIM, O PADRE CÍCERO.

QUERO FAZER MAIS POR

ESTA CAUSA”.

(Papa Francisco. Aos 15 de Junho de 2016 em audiência em Roma com Dom Fernando bispo do Crato e

Padre Cícero José reitor da Basílica Santuário das Dores).

62

BIBLIOGRAFIA

- BARRETO, Francisco Murilo de Sá. Padre Cícero. São Paulo: Loyola, Coleção

nossos padres 1, 2002.

- PANICO, Fernando. Romarias e Reconciliação. Carta Pastoral, 2003. nº 22.

- PANICO, Fernando. Revista de Cultura Teológica - v. 17 - n. 67 - Abril/Junho 2009.

- VALLE, Edenio. Santuário, romarias e discipulado cristão. Revista Horizonte, Belo

Horizonte, v. 4, n. 8, p. Jun 2006.

- SANTANA, Manoel Henrique de Melo. Padre Cícero do Juazeiro: Condenação e

exclusão eclesial à reabilitação histórica. Maceió: EDUFAL, 2009

- BERGSTRÖM. Manoel Lourenço. Juazeiro do Padre Cícero, 4ª edição. Brasília-DF

Inep/MEC 2002.

- FRANCISCO. Papa. Carta de Reconciliação do Padre Cícero. Vaticano, 20 de

Outubro de 2015.

- MURILO. Dom Krieger. Com Maria a Mãe de Jesus. Paulinas, São Paulo, 2002.

- VALLE, Edênio. O acolhimento da pessoa na pastoral contemporânea. Renovação,

Porto Alegre, n. 362. 2005.

- BARBOSA, Geraldo Menezes. Cartas e Textos Importantes da Questão Religiosa de

Juazeiro. Revista Documentária Comemorativa dos 150 Anos de Nascimento do Padre

Cícero Romão Batista (vários autores), Juazeiro do Norte: Gráfica do Banco do

Nordeste do Brasil S/A, 1994.

- BARRETO, Francisco Murilo de Sá, Testemunho, Serviço e Fidelidade. Juazeiro do

Norte: Paróquia de Nossa Senhora das Dores, 1998.

- CIPOLINI. Pedro Carlos. A devoção mariana no Brasil. Teocomunicação, Porto

Alegre, v. 40, n. 1, jan./abr. 2010.

63

- V CELAM. Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe.

Aparecida, de Maio de 2007.

- IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados sobre o município de

Juazeiro do Norte.

- Decisão e decreto da Sagrada Inquisição Romana Universal sobre os fatos que

sucederam no Juazeiro, Diocese de Fortaleza. Quarta-feira, 4 de abril de 1894.

- Biblioteca do Memorial do Padre Cícero. Juazeiro do Norte – CE. Jornal O Rebate.

Jornal A República.

SITES CONSULTADOS

- http://diocesedecrato.org

- http://santachiesa.com.br

- http://maedasdoresjuazeiro.com

- http://pt.radiovaticana.va/news/2016/01/21/papareligiosidadepopular

- http://fundacaopadreibiapina.org.br/historia

- http://www.livrosgratis.com.br

- http://www.ibge.gov.br/cidades.

- http://www.vatican.va