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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO Manoel José de Alencar Filho O Advogado e a ação dialética como modo de relação entre indivíduo, sociedade civil-burguesa e Estado na obra Filosofia do Direito de Hegel São Paulo 2015

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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

Manoel José de Alencar Filho

O Advogado e a ação dialética como modo de

relação entre indivíduo, sociedade civil-burguesa

e Estado na obra Filosofia do Direito de Hegel

São Paulo 2015

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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

O Advogado e a ação dialética como modo de

relação entre indivíduo, sociedade civil-burguesa

e Estado na obra Filosofia do Direito de Hegel

Manoel José de Alencar Filho

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Filosofia da Faculdade de São Bento do Mosteiro de São Bento de São Paulo,

como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Filosofia

Área de concentração: Ética e Filosofia Política

Orientador: Profº. Dr. Franklin Leopoldo e Silva

São Paulo 2015

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Dedicatória

Aos amantes da Filosofia

Aos meus pais, Manoel Alencar e Otília Borba

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Agradecimentos

Ao Professor Doutor Franklin Leopoldo e Silva, pela orientação que sempre motivou e valorizou

minhas iniciativas na elaboração e construção do presente trabalho.

Ao Coordenador da Pós-Graduação, Professor Doutor Djalma Medeiros, pelos constantes

incentivos e prontidão nos assuntos administrativos referentes ao desenvolvimento do mestrado.

Ao Professor Doutor José Carlos Bruni que, em suas aulas, propiciou relevantes discussões, cujos

temas instigaram a realização desse trabalho.

Aos colegas do Mestrado que me propiciaram uma rica convivência acadêmica e significativas

trocas dialéticas, que funcionaram como verdadeiro laboratório de ideias e conceitos.

Não poderia deixar, também, de registrar as contribuições dos vários amigos da “militância”

política, e que data desde os anos 80, quando atuava como ativista operário nas indústrias situadas

na cidade de Guarulhos.

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Resumo

O presente trabalho tem como foco delinear a prática do advogado como exercício dialético.

Tal acepção, muito utilizada na militância política, para denotar as relações sociais, terá lugar na

leitura e excurso da obra Filosofia do Direito de Hegel, a referência central desse argumento. Para

tal, antes, porém, vamos, no primeiro capítulo, discorrer sobre a lógica de Hegel, tema que se traduz

no pensador do referido Sistema como sendo a dialética. Segue-se a apresentação propriamente da

Filosofia do Direito, destacando-se o ponto que a nós é mais caro, que é a Administração do

Direito. Encaminhando-nos para o terceiro capítulo, no qual, valendo-nos das definições mais

clássicas do que é o advogado e sua prática, iremos demarcar em que sentido pensamos ser tal

profissão dialética por definição.

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Abstract

This paper focuses on outlining the practice of lawyer as dialectical exercise. Such purposes,

widely used in political activism, to denote social relations, will take place in reading and excursus

of the work of Hegel's Philosophy of Law, the central reference that argument. To do this, but

rather, we, in the first chapter, discuss the logic of Hegel, an issue that translates into thinker of this

system as the dialectic. Proper presentation follows the philosophy of law, especially the point that

we are more expensive, which is the administration of law. Directing us to the third chapter, in

which, by relying on the most classic definitions of the lawyer and his practice, we will mark in

what sense we think is such a dialectic profession by definition.

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Résumé

Ce document se concentre sur décrivant la pratique de l'avocat que l'exercice dialectique.

Ces fins, largement utilisés dans l'activisme politique, pour désigner les relations sociales, auront

lieu dans la lecture et l'excursus du travail de la philosophie du droit de Hegel, la référence centrale

de cet argument. Pour ce faire, mais plutôt, nous, dans le premier chapitre, discuter de la logique de

Hegel, une question qui se traduit penseur de ce système comme la dialectique. Bonne présentation

suit la philosophie du droit, en particulier le point que nous sommes plus chers, ce qui est de

l'administration de la loi. Nous diriger vers le troisième chapitre, dans lequel, en se basant sur les

définitions les plus classiques de l'avocat et sa pratique, nous allons marquer dans quel sens nous

pensons est une telle profession dialectique par définition.

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Sumário

Introdução ............................................................................................................................................9

Capítulo I - A Dialética .....................................................................................................................16

1.1. A dialética antes de Hegel .............................................................................................16

1.2. A dialética em Hegel ......................................................................................................18

1.3. A Tradição Metafísica como Introdução à Interpretação da Dialética Hegeliana ....................20

1.4. O projeto da ciência da lógica .......................................................................................24

1.5. Ser – Ser, Nada e Devir ................................................................................................26

1.6. A Essência – O Simples Existir do Ser Imediato.............................................................31

1.7. O Conceito – A Doutrina do Conceito - O Conceito Subjetivo.......................................35

1.8. O Conceito – A Doutrina do Conceito - O Conceito Objetivo .....................................38

1.9. A lógica de conceitos apriorísticos ...............................................................................40

1.10. Conceitos empíricos e apriorísticos .............................................................................42

1.11. Lógica conceitual, epistemologia e ontologia ............................................................44

Capítulo II - A Obra Filosofia do Direito .........................................................................................46

2.1. O Direito Abstrato .........................................................................................................48

2.1.1. A propriedade .................................................................................................50

2.2. A Moralidade..................................................................................................................51

2.3. A Eticidade ....................................................................................................................52

2.3.1. A Família ........................................................................................................54

2.3.2. A Sociedade Civil-Burguesa ...........................................................................55

2.3.2.1. O sistema de carecimentos ..............................................................56

2.3.2.2. A Administração do Direito..............................................................61

2.4. O Estado: o fiel da balança e concretizador da substancialidade ética .......................66

Capítulo III - O Advogado como agente dialético ............................................................................69

3.1. O advogado segundo o Direito ......................................................................................69

3.2. O advogado ....................................................................................................................69

3.3. Aproximação do Advogado à Filosofia do Direito de Hegel .........................................74

3.4. Os advogados e os juízes: a dialética nas relações jurídicas ........................................76

Considerações Finais .........................................................................................................................80

Bibliografia ........................................................................................................................................84

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Introdução

O tema do meu trabalho, expressa, em parte, a minha biografia. Na condição de militante

político desde o fim dos anos 70 e começo dos 80, as ideias marxistas e marximanas, nas quais

Hegel é referência para o bem ou para o mal, me fizeram ter contato, mesmo que fora do ambiente

acadêmico, com textos e temas que ora pretendo transportá-los no formato dessa apresentação, seja

nessa comunicação ou, posteriormente, no formato do meu trabalho de dissertação de mestrado.

Ainda naquele contexto social, que me referi no parágrafo anterior, em meio do qual

também cursei a faculdade de Direito, palavras e expressões como dialética, luta de classes, agente

social, esquerda ou direita hegeliana, embate político, classe trabalhadora, proletariado, burguesia,

capital, entre várias outras, eram-nos franqueadas em reuniões de movimentos sociais e

organizações políticas. Em tom sempre de emergência e iminência de uma luta social por fazer, às

vezes não se destinava os devidos tempos de maturação que tais conceitos nos exigiam. Referido

processo de maturação foi se dando no curso da vida, sem uma suspensão que nos exigisse,

primeiro, o formar, e, depois, o agir. Contudo, as inquietações intelectuais típicas dos ideais de

juventude, me impulsionaram sempre a ir além das circunstâncias da vida e das restrições sociais, e

a buscar a compreensão e a origem de tais termos e as obras que a revelaram. Foi essa procura que

me trouxe até o curso de Filosofia da Faculdade de São Bento, onde fiz um determinado número de

matérias na graduação, me transferindo depois para o Mestrado em Filosofia.

Ressalto que este é o momento oportuno para “suprassumir” (do alemão aufheben) o que

experimentamos na vida dita prática à vida própria da academia. E o que mais nos motiva na

escolha de Hegel, em relação ao qual, especificamente, a “Filosofia do Direito”, é o pensamento

expresso pela ideia de que o real não é algo estanque e passível de ser analisado de modo abstrato,

retirado de sua inteireza que nos ditos de Hegel só se revela quando pensado na sua totalidade ou

em três momentos, que retomaremos adiante.

Nossa motivação epistemológica não se movimenta apenas em termos lógicos cognitivos,

tem e teve uma parte relevante da própria experiência desse objeto teórico, pois, na condição de

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advogado trabalhista, experimentamos, no âmbito da prática jurídica, o jogo desse real e como ele é

composto de várias partes.

Ao divisar que iríamos prospectar, em nossas meditações filosóficas dissertativas, o papel do

advogado, e em que medida ele participa do jogo dialético, o fizemos por ser corrente no direito ou,

precisamente, no regramento da Lei ou do Ordenamento Jurídico, o constante procedimento

envolvendo, no mínimo, três partes, ideia que, certamente, nos remete à própria predileção de

Hegel, expressa por uma das suas mais caras concepções, que é a dialética da tese-antítese-síntese.

Averiguar em que medida o advogado é um dialético, é o motivo desse trabalho. Como

vamos comentar mais adiante, a grande contribuição de Hegel nesse setor, foi conceber, no âmbito

da Filosofia, que a vida humana, em seus aspectos de convívio social, compõe-se de liberdade.

Aliás, o próprio fio condutor da Filosofia do Direito é afirmar que o Direito é o reino da liberdade

(§ 4) e tudo o que implica em pensar a liberdade em meio a várias outras liberdades. E será nesse

contexto de várias liberdades, se apercebendo como tais, que emerge a vida como sendo um

complexo de relações e não de tomadas unilaterais acerca do que é a realidade, do que é real e,

especialmente, do que é certo ou errado na vida em comunidade. Sobressai-se, também, que tais

processos, por serem “percebidos (pela consciência), sabidos e queridos” (F.D. § 209) demandam

estarem sendo sempre construídos e o advogado ou a prática advocatícia, dentre outras, é a que

mais se vale desse modelo. Assim, o advogado é um agente dialético, não só no sentido do clichê

dos causídicos, mas, como buscamos demonstrar tal ideia, na própria obra de Hegel.

1. A dialética

A dialética tem ao menos três fases no âmbito da História da Filosofia. A primeira fase pode

ser registrada entre os gregos arcaicos, depois passando pela pena dos filósofos antigos, e outra que

almeja uma diferenciação em Kant, mas que terá em Hegel sua fase mais produtiva.

O conteúdo da dialética é pensar o movimento como parte do pensamento. Assim, entre os

guerreiros da Grécia Antiga, era o método utilizado para pensar as estratégias da guerra, de onde a

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marca inicial da dialética se insere como “arte de conservação”. Uma conversa que procurava

aplainar as contradições e compor-se com a contribuição de vários indivíduos.

Na pena dos filósofos ela surge com Zenão de Eléia, discípulo de Parmênides de Eléia, que

mais a explorou no seu sentido negativo, ao produzir contradições ao absurdo, visando demonstrar

que o movimento, na forma como o percebemos, é apenas aparente. Ainda entre os pré-socráticos,

tem no obscuro Heráclito, e outros milésios, os defensores propriamente de que há movimento,

chegando mesmo à radicalidade expressa na frase de Heráclito de Éfeso que “tudo flui”.

Para além da disputa da paternidade, a dialética chega, em Sócrates e Platão, como arte de

conversar e, será assim sentenciada, por Aristóteles, como não muito produtiva. Coroando esse

estatuto periférico, os sofistas irão fazer uso dessa técnica para desacreditar ideias estabelecidas e

provarem que se pode ensinar outras.

Desse distante contexto, saltamos às questões de Hegel e sua concepção do que seria a

dialética. Em primeiro lugar, “a dialética não envolve um diálogo entre dois pensadores ou entre um

pensador e seu objeto de estudo. É concebida como autocritica autônoma e o autodesenvolvimento

do objeto de estudo” (in Wood. 1997. p.99). Hegel irá mesmo superar a dialética transcendental de

Kant, que a privava de valor cognoscitivo e não será nosso objeto de estudo, e nos apresentará a

tríade tese-antítese-síntese, como o aproveitamento produtivo desse invento filosófico.

A lógica Hegeliana, de onde emerge a dialética, portanto, difere das demais. Ao tomar a

ideia de Parmênides que pensar e ser são idênticos, verifica-se que a lógica não é só formalidade,

certo também, que ela participa da essência das coisas sendo inviável a separação do externo e do

interno, isto é, o formal do ontológico.

As três principais etapas, que serão compostas também por três subdivisões, quais são: 1)

“Ser”, 2) “Essência” e 3) “Conceito”. Tais temas pretendem desenvolver, em detalhes, no próprio

texto da dissertação, indicando, por ora, apenas que pelo termo “ser”, Hegel compreende algo mais

superficial e teria como subdivisão o “ser, o não-ser e o devir” (REALE. 2007. p. 119). Já na lógica

da essência a ideia seria ir mais a fundo para conhecer as coisas mesmas e o problema da

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“identidade e não-identidade” (ibid. idem) e para finalizar o movimento, o conceito como a síntese

dos dois outros momentos, que seria “aquilo que a forma cria”. (Hegel. In. REALE. 2007. p. 121)

A dialética, ao lado de todos os escritos hegelianos, consiste em um desafio homérico. O que

nos interessa da dialética é compreender na Obra Filosofia do Direito como o autor promove os

movimentos entre as várias instâncias sociais. Como sua “espiral” dialética descreve e relaciona o

todo social, que é o nosso foco, pois será dele que poderemos verificar a natureza de cada etapa e

averiguar se há passagem de uma a outra, ou não. Tomaremos, ainda, a ideia de que a tese será

sempre algo sem sua própria contradição, bem determinada, sem pensar o movimento, que será

expresso, uma vez posto, na sua contradição, no seu oposto. E para sairmos do dilema, que não nos

leva a lugar algum, a síntese como absorção e superação das contradições anteriormente postas.

2. A Obra Filosofia do Direito

A obra “Princípios da Filosofia do Direito”, que passaremos a referenciá-la apenas como

Filosofia do Direito, encontra-se dentro do Sistema de Hegel na parte da Filosofia do Espírito

Objetivo. Para efeito de localização, Hegel organiza seu pensamento como um sistema total e em

geral ele é sempre composto de três partes. Para falarmos da obra, objeto de nossa análise, é preciso

localizá-la.

Assim temos:

1) Lógica, que é a ciência da ideia em-si;

2) Filosofia da Natureza, que é a ideia fora de-si, alienada;

3) Filosofia do Espírito, que é a ciência da ideia em-si e por-si.

No item “3” (acima), há duas divisões, quais sejam, o Espírito Subjetivo e o Espírito

Objetivo. Será no Espírito Objetivo o ponto “geográfico” de nossa empreitada e onde encontra-se a

Filosofia do Direito, além dos temas da História, que não serão objeto de nosso trabalho.

Afeito às divisões triádicas, como expressão do movimento dialético, acima referido, a

Filosofia do Direito será dividida em Direito Abstrato, Moralidade e Eticidade.

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Dentro desse quase fractal, o direito abstrato é o primeiro momento da “liberdade” em

direção ao que podemos chamar de efetivação, ou aquilo que é colocado em prática. Porém, ainda

nesse tópico, o termo “abstrato” quer dizer um momento sem suas respectivas relações dialéticas,

isto é, uma definição que se apresenta sem conter a sua negação, ou negação da sua essência, por

isso abstrata. E, nessa categoria, em matéria de Direito, Hegel retoma aqueles princípios básicos da

ciência jurídica, que é o princípio ou postulado necessário de todo Direito, que é um “indivíduo”

portador do Direito. O tema é passível de vasta discussão, pois, nessa seção, podemos discorrer em

que medida Hegel trabalha os temas da Filosofia do Direito, seja refutando os contratualistas ou

absorvendo os naturalistas (cf. Hösle), e como ele se relaciona com as correntes do pensamento jus-

filosófico de seu tempo.

Na seção seguinte da obra, temos os temas da moralidade e que também não consiste ainda

nosso foco de trabalho. Apenas a título de localização, nessa seção, o esforço é passar do caráter

“imediato e externo” da seção “Direito Abstrato” para dimensões subjetivas, ou seja, na seção

abstrata o tema da liberdade que se “encarna” (para utilizar uma expressão muito popular nos

movimentos sociais dentro da Igreja dos anos 80), ainda se manifesta enquanto “formal e imediata”,

por isso, é externo e por ser imediata não tem ainda mediação, contradição e percepção do

movimento do real. Interiorizar é ter um conteúdo, é tomar os valores gerais e confrontá-los com a

vontade, esfera em que Hegel tem no “canto do olho”, ao discorrer a sua seção da moralidade, as

questões da moralidade de Kant.

Por fim, na terceira parte da Filosofia do Direito é que se localiza nosso interesse maior em

nossa dissertação e nessa apresentação. E sempre na articulação complexa de Hegel, a presente

seção é fruto da junção das duas anteriores. Do abstrato ao seu confrontamento com seu contrário e

individual nasce a eticidade, portanto, esfera que objetiva as tensões compostas na anterior.

Alguns tradutores até utilizam moralidade subjetiva e moralidade objetiva para dizerem que

se trata do mesmo assunto em esferas distintas.

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Na eticidade, como preferimos, temos também três estágios, a saber, a família, como base

daquilo que podemos dizer em termos mais coloquiais, mais “concretas”, a sociedade civil-

burguesa e o Estado.

Na família se formam as bases para aquilo que o Estado será o máximo. Nesse lugar com

vínculos que vão para além da mediação cultural, que nos vinculamos “visceralmente” se dá as

primeiras relações com o outro, ainda que movida por laços afetivos. Contudo, serão laços

fundamentais para o passo seguinte que é viver em sociedade.

Devemos destacar que Hegel pontua se tratar de um tipo de sociedade, a burguesa. Nela é

que os indivíduos irão conviver. E na infindável divisão da divisão que a Filosofia do Direito se

propõe na abordagem sistemática dos temas, temos ainda o surgimento das “corporações”, como

lugar importante no seio da sociedade. Os indivíduos, ao se lançarem na sociedade, saídos da

família, logo procuram se juntarem nas Corporações de Ofício, pois nelas se agremiam segundo as

habilidades de cada um. Tal procura é movida pela necessidade de se satisfazerem enquanto

existente.

Nas associações ou corporações os indivíduos se sentem valorizados e satisfeitos. Nelas ele

pode se colocar em sociedade e ver seu fazer ganhar forças para além das suas próprias.

E será no seio da sociedade civil-burguesa, das corporações, que entra o papel da justiça.

Será aí que Hegel apresenta como devem ser as regras do funcionamento dialético da justiça, que,

grosso modo, apresentam uma justiça que deve ser “do conhecimento de todos, que deva ter

linguagem acessível a todos, que deve ser pública, franqueada a qualquer cidadão participar das

seções de julgamento, que precisa ser provada e que tem um administrador desse processo que é o

juiz de Direito” (§ 209-229).

3. O advogado como dialético segundo os quadros da Filosofia do Direito

O advogado como agente dialético é nosso esboço medular nessa dissertação, que ora

apresentamos seu quadro geral. Ele é um dialético na medida em que se especializou em efetivar

que a Lei e sua ritualística sejam de fato públicas. Se no âmbito das corporações Hegel sinaliza para

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o risco das especializações e habilidades, que levam, necessariamente, à formação de grupos com

mais poderes do que outros e, consequentemente, da subjugação dos outros aos seus interesses. Não

seria estranho o fato de que os indivíduos especializados, seja na indústria ou na corporação, se

aliene do resto da sociedade, inclusive dos trâmites do direito, e tudo o mais da cultura universal. O

efeito colateral da especialização é a alienação. O advogado, enquanto profissão dialética, portanto,

atua exatamente nas entranhas do Poder constituído para garantir, que no âmbito das regras, sejam

aplicadas e repostas instâncias fustigadoras da corrupção do processo dialético, sendo certo que esse

movimento dialético é o oxigenador de uma sociedade liberal burguesa, como concebida por Hegel.

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Capítulo I:

A Dialética

1.1. A dialética antes de Hegel

A dialética hegeliana se insere na história da filosofia, como aquela que vai para além da

tese e antítese, fechando-se numa conclusão formal e abstrata e nesta se encerrando, propondo, no

caso de Hegel, uma síntese que apenas delimita o surgimento de um novo silogismo, que inicia um

novo e permanente movimento dialético.

A dialética, em sua trajetória no ocidente, teve o seu primeiro passo ou declaração de

combate com a concepção de Heráclito de Éfeso, ao decretar que “o Ser é o não-ser e o não-ser é”,

o que, para os pensadores de então, que tinham como base do seu filosofar a interpretação dos

fenômenos da natureza, causou grande impacto em todos, em especial, por não constatarem, a partir

do sensível, o que se encontrava expresso nos elementos da natureza, colocados frente às suas

constatações.

Como contra-ataque a esse primeiro passo de Heráclito, na busca de uma definição da

dialética, um contemporâneo do pensador de Éfeso, mas habitante de outra região, chamado

Parmenides, ao tomar conhecimento de tal sentença, definiu-a como absurda, enquanto instrumento

de entendimento humano, o que havia sido dito por Heraclito, quando afirmou que o Ser era a sua

negação e a sua negação era a sua afirmação, concluindo, que isso estava distante do entendimento

comum e necessário às relações dos homens.

Em contraponto a essa dialética da negação de Heráclito, Parmenides estabeleceu que a

lógica do pragmatismo, com uma afirmação do positivo, no que tange ao entendimento do Ser, ao

asseverar que “o Ser é e o não-ser não é”, sentenciando que somente quando se afirmando o que se

constata a partir do sensível é que se pode avançar para o entendimento de sua confirmação daquilo

que é aparente como característica mais elevada ou naquilo que se impõe como essência sobre

aquilo que aparenta.

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Referido embate, na disputa por uma hegemonia do entendimento dialético, teve um terceiro

momento de confrontação, que foi marcado pela presença de Zenon de Eléia que, ao asseverar, a

partir de metáforas célebres, como “a corrida entre Aquiles e a tartaruga”, acentua, com elevada

clareza, que a compreensão da natureza sobre enfoque da dialética, não se encontra, nem

restritamente no contraponto das essências, como concebia Heráclito, nem restritamente nas

aparências e nas formalidades, como concebia Parmênides, mas na constatação do ajuste desse

entendimento a uma situação de movimento e lapso temporal, sendo certo, que as duas concepções

anteriores, em verdade se complementam, sem se rechaçarem ou anularem, fechando-se muito mais

como entendimento teórico desses referidos movimentos, equiparando-se, analogicamente, aquilo

que se diz do ser humano, enquanto ser eminentemente físico-biológico, e deste mesmo ser

enquanto expressão de essências e de racionalidade.

A síntese deste embate teórico, na busca de um entendimento da dialética, após cerca de

dois séculos de confrontos, veio a ser definida por Platão, ao arquitetar uma via para o consenso das

referidas concepções, que é “o caminho através do logos” (dialektikè méthodos)1, entendendo-se o

termo logos, para época grega de Platão, como razão expressa pela palavra ou, dito de outra forma,

a palavra expressando apenas e tão somente a razão ou percorrendo o puro inteligível, em suma,

que a dialética é o caminho que parte de uma ideia e permanece no âmbito desta, nos levando a

concluir que a dialética é um instrumento teórico que dita as regras sobre uma dada realidade

fenomênica.

A resolução do dilema que sempre está presente, no que toca as ideias platônicas, pode ser

muito bem posta do seguinte modo, e para responder, afinal, o que é a ideia de Platão, segue-se a

citação:

“Certamente não deveremos entender as Ideias como entes reificados e separados das coisas sensíveis,

de modo a configurar uma dupla realidade (ou duas categorias de entes). (…) Se as Ideias não são

tomadas como entes reificados e separados das coisas sensíveis, então também não faz nenhum

sentido a disputa sobre sua imanência ou transcendência em relação às próprias coisas sensíveis. (…)

Ora se não há dois mundos, também não há (o mundo) transcendente; logo, não faz qualquer sentido

1 LIMA VAZ, H.C. Filosofia e Método:Método e dialética. p13

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falarmos em coisas ou Ideias imanentes, mas apenas de coisas e Ideias existentes, vale dizer,

reais.”(ROHDEN, Luiz. 2014. p. 49)

Na sequência das ideias de Rohden, podemos encaminhar a importante ideia de que a

questão acerca “das ideias em Platão” podem ser tratadas em três perspectivas, a saber, a lógica, a

ontologia e a epistemologia, parecendo-nos apropriado afirmar que o problema é resolvido quando

compreendemos que as ideias em Platão e o mundo sensível são a mesma coisa, porém, apenas se

realizando em momentos distintos de nossa percepção ou de sua manifestação, eis que se trata, no

que tange a compreensão, da mesma coisa percebida de pontos de vista diferentes, a partir dos

quais, apreendemos pelo intelecto as coisas universais e pela sensação as particulares.

1.2. A dialética em Hegel

A dialética tem ao menos três fases no âmbito da História da Filosofia. A primeira fase pode

ser registrada entre os gregos arcaicos, depois passando pela pena dos filósofos antigos, e outra que

almeja uma diferenciação em Kant, mas que terá em Hegel sua fase mais produtiva.

O conteúdo da dialética é pensar o movimento como parte do pensamento. Assim, entre os

guerreiros da Grécia Antiga, era o método utilizado para pensar as estratégias da guerra, de onde a

marca inicial da dialética se insere como “arte de conservação”. Uma conversa que procurava

aplainar as contradições e compor-se com a contribuição de vários indivíduos.

Na pena dos filósofos ela surge com Zenão de Eléia, discípulo de Parmênides de Eléia, que

mais a explorou no seu sentido negativo, ao produzir contradições ao absurdo, visando demonstrar

que o movimento, na forma como o percebemos, é apenas aparente. Ainda entre os pré-socráticos,

tem no obscuro Heráclito, e outros milésios, os defensores propriamente de que há movimento,

chegando mesmo à radicalidade expressa na frase de Heráclito de Éfeso que “tudo flui”.

Para além da disputa da paternidade, a dialética chega, em Sócrates e Platão, como arte de

conversar e, será assim sentenciada, por Aristóteles, como não muito produtiva. Coroando esse

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estatuto periférico, os sofistas irão fazer uso dessa técnica para desacreditar ideias estabelecidas e

provarem que se pode ensinar outras.

Desse distante contexto, saltamos às questões de Hegel e sua concepção do que seria a

dialética. Em primeiro lugar, “a dialética não envolve um diálogo entre dois pensadores ou entre um

pensador e seu objeto de estudo. É concebida como autocritica autônoma e o autodesenvolvimento

do objeto de estudo” (in Wood. 1997. p.99). Hegel irá mesmo superar a dialética transcendental de

Kant, que a privava de valor cognoscitivo e não será nosso objeto de estudo, e nos apresentará a

tríade tese-antítese-síntese, como o aproveitamento produtivo desse invento filosófico.

A lógica Hegeliana, de onde emerge a dialética, portanto, difere das demais. Ao tomar a

ideia de Parmênides que pensar e ser são idênticos, verifica-se que a lógica não é só formalidade,

certo também, que ela participa da essência das coisas sendo inviável a separação do externo e do

interno, isto é, o formal do ontológico.

As três principais etapas, que serão compostas também por três subdivisões, quais são: 1)

“Ser”, 2) “Essência” e 3) “Conceito”. Tais temas pretendem desenvolver, em detalhes, no próprio

texto da dissertação, indicando, por ora, apenas que pelo termo “ser”, Hegel compreende algo mais

superficial e teria como subdivisão o “ser, o não-ser e o devir” (REALE. 2007. p. 119). Já na lógica

da essência a ideia seria ir mais a fundo para conhecer as coisas mesmas e o problema da

“identidade e não-identidade” (ibid. idem) e para finalizar o movimento, o conceito como a síntese

dos dois outros momentos, que seria “aquilo que a forma cria”. (Hegel. In. REALE. 2007. p. 121)

A dialética, ao lado de todos os escritos hegelianos, consiste em um desafio homérico. O que

nos interessa da dialética é compreender na Obra Filosofia do Direito como o autor promove os

movimentos entre as várias instâncias sociais. Como sua “espiral” dialética descreve e relaciona o

todo social, que é o nosso foco, pois será dele que poderemos verificar a natureza de cada etapa e

averiguar se há passagem de uma a outra, ou não. Tomaremos, ainda, a ideia de que a tese será

sempre algo sem sua própria contradição, bem determinada, sem pensar o movimento, que será

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expresso, uma vez posto, na sua contradição, no seu oposto. E para sairmos do dilema, que não nos

leva a lugar algum, a síntese como absorção e superação das contradições anteriormente postas.

1.3. A Tradição Metafísica como Introdução à Interpretação da Dialética Hegeliana

Antecipadamente ao tema da dialética Hegeliana, propriamente dito, é de rigor que,

primeiramente, se indague no que se distingue a filosofia de Hegel da filosofia Idealista em geral,

verificando-se que, de Platão até Hegel, todo o idealismo filosófico tem distinguido o ser humano

do restante dos animais, seja pela capacidade de pensar o conjunto da realidade material e espiritual

deste mundo, seja no que tange à criação do pensamento divino e extraterreno.

Constata-se, num segundo movimento, que semelhante reducionismo idealista do ser

humano, implementado pelas teorias filosóficas platônicas supracitadas, combinado com a suposta

dualidade entre o mundo terreno e o mundo da pura espiritualidade divina, foi descrito por Platão,

em seu famoso “Mito da Caverna”, através do qual, se conclui, que ambos foram concebidos e

criados por Deus, sendo, pois, impossível que o pensamento humano possa compreender na sua

totalidade o espírito Divino e as razões que o levaram à concepção e implementação de tal projeto.

Ocorre que, a despeito da verdade divina não ter poderes de resplandecer no ser profano,

isso não impede que seu pensamento possa saber o que de essencial existe nas coisas deste mundo,

sendo certo que nisso, e somente nisso, o sujeito humano participa da divindade, não como

atividade prático-sensível, criadora da realidade, mas, apenas em e por mediação do pensamento,

significando que:

“Esta Metafísica, portanto, estabelecia que o pensamento e as determinações do pensamento (as

coisas pensadas, as categorias) não eram algo estranho ao objeto, sim, que constituíam melhor sua

essência, ou seja, que as coisas e o pensamento acerca delas, do mesmo modo que nosso idioma

expressa um parentesco entre os dois termos, coincidem em-si e por-si, isto é, que o pensamento e

suas determinações imanentes e a verdadeira natureza das coisas constituem um só e mesmo

conteúdo” (HEGEL, 1982, p.24).

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Outrossim, o que se verifica do estudo científico da realidade e da natureza é que o conteúdo

das coisas se revela na manifestação da sua essência, o que quer dizer que referida manifestação é a

razão de ser de cada coisa, verificando-se, quanto a isto, que a tradição metafísica, desde Platão até

Kant, aceitou que o pensamento humano pode ascender à razão de ser das coisas deste mundo, que

pode compreendê-la, descobri-la, porém, não concebê-la ou produzi-la.

Para a metafísica, a criação – tanto da razão do ser como da materialidade das coisas, isto é,

a concepção e a criação ou transformação da realidade mundana – é produto de ideias divinas

inacessíveis ao ser humano, encontrando-se tal sentido no “Mito da Caverna”, eis que nele Platão

nos diz, em primeiro lugar, que o sujeito humano permanece de costas para a luz divina que

concebe e cria as coisas, de tal modo, que ele só vê as sombras dessa criação, e isto porque, o ser

humano é parte da própria criação, cujo plano e execução são alheios a ele por completo,

constatando-se, ademais, que esta metafórica luz platônica, que concebe e executa às costas dos

seres humanos, provêm de um mundo onde os pensamentos são coisas (o mundo das ideias),

mesmo não sendo objetos pensados (manifestados) mas, sim, objetos materiais (mundo real),

embora não reais (para essa realidade terrena), físicos ou mundanos, eis que são transcendentes à

física deste mundo, daí porque, o caráter metafísico da filosofia platônica e daqueles que lhe deram

sequência.

Por sua vez, a filosofia reflexiva de Kant conservou a unilateralidade ou monismo idealista

do sujeito, seguindo a ideia de que o ser humano se distingue do resto do reino animal, por sua

capacidade de pensar, porém, esta nova concepção filosófica reduz, todavia, ainda mais as

faculdades do ser humano, negando-lhe toda a possibilidade de acesso à verdade das coisas deste

mundo, cortando, portanto, todo o vínculo entre o humano e o divino.

Ao conceber faculdades para descobrir a natureza ou substância das coisas deste mundo,

Platão assimilou ou assemelhou o ser humano ao divino, em contraposição à concepção de Kant,

para quem o ser humano está privado, não só de conceber a essência das coisas, como também, de

compreendê-las, podendo, até entender a realidade, mas, não compreendê-la, razão porque, Hegel

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definiu o pensamento de Kant como uma filosofia do entendimento, eis que afirma que a filosofia

se restringe a simples e ordenada descrição através do intelecto, da definição das coisas, tal como os

cinco sentidos oferecem ao sujeito humano.

Assim, na visão de Kant, os seres humanos estão condenados a permanecer na caverna do

conhecimento e ainda mais escura do aquela concebida por Platão, eis que não só estão de costas

para a luz que concebe e executa a verdade de todo o real, mas, também, a que compreende essa

verdade, razão porque, as sombras retratadas na caverna platônica não só mantém o ser humano na

obscuridade, relativamente às coisas divinas, como também, em relação à essência ou razão de ser

das coisas terrenas.

Se para Platão o sujeito humano, a despeito da caverna, podia navegar no mundo das ideias,

e dele construir uma concepção, mesmo estando limitado de produzi-las e executá-las, com Kant,

essa constatação se restringiu ainda mais, pois, no seu entender o ser humano só pode conhecer a

existente maneira circunstancial de ser das coisas, o que percebem delas através dos cinco sentidos,

o que foi denominado por Hegel de “certeza sensível”, mas, por Kant, estas formas contingentes da

sensibilidade correspondem ao que foram definidas pelos fenômenos, o que pode ser entendido

como formas de manifestação ou aparência das coisas, que cumprem o papel de velar ou

encobrirem o que elas realmente têm de verdade, segundo o seu conceito ou “noumenos”, ou

“coisa-em-si”, categorias cuja inteligibilidade é restrita ao divino.

E, diante desta constatação, o ser humano não só está impossibilitado de compreender a

significação essencial do mundo já existente, como também, de conceber a significação ou criar

novas realidades, eis que está limitado a entender a realidade que se encontra ao seu alcance, ou

seja, fazer inteligível ou explicar suas múltiplas formas de manifestação, mas, o “noumenos”, sua

razão de ser, pois, essa competência está adstrita ao Criador, do que se conclui, que para Kant, o

pensamento não pode descobrir o que se encontra escondido de baixo do que as coisas aparentam,

do que cada sujeito percebe das coisas através dos sentidos, que podem nos revelar o mero engano.

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Constata-se assim, que a problemática filosófica lançada por Kant, não consiste em

investigar e comprovar a razão de ser das coisas, mas, de reconhecê-las e entendê-las, como nos

aparentam aos sentidos e, em última instância, descobrir, através da acuidade do pensamento, o

modo como se apresentam dispostas na realidade e como se relacionam umas com as outras no

espaço e no tempo, não tendo conteúdo a realidade objetiva, mas, apenas seu simples existir, sua

aparência subjetiva, do que se dessume, que o universalmente válido não é a verdade, e sim a

“opinião”, que se passa por verdade, como a única possível, diante das limitações do intelecto

humano.

Isto significa que o pensamento humano está limitado ao sensível, de modo que sua verdade

passa por ser o que entende dela, da maneira como a percebe diretamente pelos sentidos, eis que a

manifestação das coisas, nas suas existências, está sujeita a transformações qualitativas, destacando-

se que o ser humano pode converter sua opinião ou “doxa” em ciência, porém, só enquanto

atividade intelectual, somente no plano do intelecto, que acaba por se limitar a ordenar a realidade

exterior ou forma de manifestação do real, o que levou Kant a entender que a filosofia como

tendência do conhecimento da essência ou razão de ser das coisas, é uma questão que só compete

ao divino, concluindo, que qualquer passo além dessa fronteira é um mero exercício quimérico ou

estéril.

Essa concepção kantiana significa que o pensamento universal só pode atuar na sua busca da

verdade, como se estivesse debruçado sobre uma imagem que se encontra num espelho, vendo-se

nele refletidas as aparências que se busca compreendê-las, sem se poder ir além das referidas

imagens, sendo essa a interpretação tecida por Hegel relativamente ao pensamento Kantiano, e, por

essa razão, que atribuiu à filosofia Kantiana como sendo de caráter reflexivo ou especulativo, o que

significa buscar a construção da verdade a partir de uma elaboração teórica do mundo real, naquilo

que ele nos aparenta ou do que dele podemos especular na nossa cognição, e da sua capacidade de

apreensão da realidade pensada intelectualmente.

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E, no modo reflexivo especulativo, Kant assevera que a verdade neste mundo só pode ser

“verdade”, ou seja, restringida a um limitado grau de certeza, resultante de uma suposta

incapacidade do ser humano de aprofundar o seu pensamento sobre o que percebe, de tal modo que

se vê limitado a pensar sobre o que sua sensibilidade devolve ou reflete sobre sua cabeça,

impedindo que penetre e descubra a intima realidade das coisas, pensamento este que foi definido

por Hegel como “formas de entendimento”, cuja tradução à linguagem filosófico-racional das

elementais formas de manifestação do real, ao qual, atribuindo-se-lhe o caráter de verdade à

contingente aparência do objeto.

Nesse contexto, é necessário saber com exatidão o que significa o termo “reflexão”, pois,

em contraste com a razão da metafísica tradicional, a filosofia reflexiva se comporta e atua no

campo do intelecto humano comum, impondo sua maneira de ver, segundo a qual, a verdade teria

por base a realidade sensível, de tal modo que as ideias não seriam mais ideais, no sentido do que a

percepção sensível lhes daria seu conteúdo e sua realidade, e que a razão, ao permanecer em-si e

por-si, serve apenas para a criação de quimeras, se perdendo, nesta renúncia à razão, o conceito de

verdade, limitando-se a reconhecer a verdade subjetiva, a aparência, isto é, somente algo que não

corresponda à natureza do objeto, voltando-se o saber a reduzir-se a mera opinião.

1.4. O projeto da Ciência Lógica

Na concepção de Hegel, a Ciência da Lógica tem como delimitação a sua significação, em

primeira instância, sendo assim, desnecessária uma compreensão para além desses princípios

elementares, caracterizando-se, portanto, como a reconstrução das formas básicas do pensamento

humano, acrescendo-se a isso, apenas, a reconstrução gramatical de uma determinada linguagem

expressa por ela.

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Destaca-se, também, que há pensadores, em especial, da filosofia analítica, que concebem

que os conceitos não possuem apenas uma relação a objetos não linguísticos aos quais se referem,

sendo certo, também, que essa referência se relaciona com outros conceitos, possuindo assim,

caráter inferencial, ou seja, que a partir da atribuição de um conceito podemos inferir outro,

significando que conceitos implicam relações conceituais a outros conceitos.

Relativas relações conceituais nos levam a entender que a noção de inferência se agrega,

também, ao âmbito dos conceitos e não apenas das proposições, rompendo, assim, a barreira da

lógica formal, na qual as inferências resultam apenas da confrontação das sentenças, entendidas

essas como premissas componentes da estrutura do silogismo aristotélico, constituindo-se como

verdade de uma terceira sentença, qual seja, a conclusão.

Além disso, verifica-se, também, que como consequência do que foi dito acima, surgem

mais duas outras diferenças entre inferência conceitual e proposicional, eis que diferentemente da

lógica formal que compõe-se, necessariamente, de duas proposições e uma conclusão, a inferência

conceitual necessita apenas, para funcionar, de um só conceito, acrescendo-se a isso o fato de que,

enquanto as premissas da lógica formal não tem compromisso com seu próprio conteúdo, na lógica

conceitual, a premissa, necessariamente, retrata o seu conteúdo, entretanto, por serem específicas,

não podem ser generalizadas e aplicadas indistintamente a outros conceitos, na medida em que,

estão atreladas àquele conceito expresso por elas.

Na condição de exceção às duas diferenças, destacadas acima, entre a lógica proposicional e

a conceitual, acresce-se, como exceção, que a conceitual diferencia-se, também, porque as suas

inferências não se limitam às sentenças analíticas, estendendo-se, também, às sintéticas,

diferenciando-se, porém, pela constatação de que a inferência conceitual pode se restringir ao seu

caráter informativo, o que leva a concluir que o ser pensado de um conceito não significa,

necessariamente, o ser pensado de todas as suas implicações conceituais.

Partindo do entendimento de que a inferência conceitual existe, o uso deste termo, no que

tange ao seu significado, não se limita a relações entre proposições, expresso na concepção da

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lógica formal, o que leva a um primeiro passo de concordância com o sentido do projeto da Ciência

da Lógica de Hegel, na medida em que se constata que onde há inferências, há lógica, o que impede

o vazio da inexistência dos princípios de identidade, não-contradição e terceiro excluído, calcados

por Aristóteles, constatando-se, ainda, que a Lógica de Hegel investiga as relações inferenciais

entre conceitos apriorísticos.

1.5. Ser - Ser Nada e Devir

O pensamento humano, segundo Hegel, tem a capacidade de fazer de si mesmo seu próprio

projeto de reflexão, concebendo, assim, “o que fazer” dentro desta concepção humana do pensar,

que ocupa boa parte da “Ciência da Lógica”, e que também pode ser chamada de Teoria do

Pensamento, na medida em que consegue pensar a si mesmo, eis que o pensamento não atua

diretamente sobre objetos concretos e, sim, indiretamente, através da mediação da linguagem sobre

os objetos pensados, pois, tais objetos na vida comum são manifestados por palavras que se referem

diretamente a coisas concretas, enquanto que os objetos pensados no âmbito científico são as

categorias, que não são palavras que se referem a coisas, mas, a ideias e conceitos em um grau

superlativamente maior de abstração e rigor a respeito da realidade contida.

Assim, quando falamos acerca de objetos de uso cotidiano de nossas vidas, estamos

empregando palavras para nos referir a determinados objetos reais, o que não ocorre quando

falamos de entes como o “ser”, pois não estamos nos referindo a objetos específicos, mas, à ideia

genérica de um objeto ou, às coisas em geral, pois, ao utilizarmos a palavra “ser” estamos nos

referindo, indistintamente, à multiplicidade de palavras e objetos pensados e expressados por esta

categoria, eis que, se trata, no caso em questão, de uma categoria filosófica com um grau de

abstração muito elevado, e que não é a relação entre o sujeito pensante e o objeto real e, sim entre

sujeito pensante e a ideia genérica do objeto pensado, a ideia do objeto em geral, ou, dito de outra

forma, é a relação entre sujeito pensante e objeto pensado, ou, ainda, é o pensamento que se pensa a

si mesmo, que se percebe a si mesmo como objeto de reflexão.

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Se o pensar primeiro acerca do pensamento é universal, deve-se começar por se referir ao

ser genérico, universal, ao ser do pensamento, sem conteúdo, nem determinação alguma, sendo

dessa forma que Hegel inicia a sua “Ciência da Lógica”, todavia, afirma que o ser do pensamento,

como sujeito sem predicado, do qual, nada se pode dizer porque não é o “isto” ou “aquilo”, e não é

nada, porém, equivalendo a nada, ao não-ser, e se contivesse algo determinado que o diferenciasse

de si mesmo ou a respeito de outro, deixaria de ser o ser puro ou a pura identidade consigo mesmo,

algo que só é concebível na total indeterminação, na pura forma vazia e sem conteúdo.

Assim, alguém que não pode demonstrar o que é capaz de fazer é uma nulidade, não é nada,

na medida em que não é um ser determinado, sendo, pois, um ser geral, eis que ao não se

determinar não mostra e nem exibe nenhum atributo, não sendo, pois, nada, o que pode ser definido

como um “dom” ninguém, como outrora se atribuía, em contraposição àquele que se determina ou

se destaca porque teve o poder de dizer “este sou eu”, sendo que este já é o ser, o ser de tal ou qual

maneira, do que se conclui, que o seu inverso é quando não se é de maneira nenhuma, quando não

se é nada, deduzindo-se disso, porque Hegel define que o ser, como ser indeterminado e nada são o

mesmo, na condição de categorias filosóficas como o ser e o nada, que por si mesmos são as mais

abstratas e parecem inúteis, e que postas em relação um com o outro, demonstram ser as mais

concretas filosoficamente falando, o que se confirma pela citação abaixo:

“Ser, puro ser sem nenhuma outra determinação. Em sua imediação indeterminada é igual somente a

si mesmo, e tampouco é desigual frente a outro; não tem nenhuma diferença, nem em seu interior nem

para o exterior. Por via de alguma determinação ou conteúdo, que se diferenciara nelem ou por cujo

meio posto como diferente de outro, não seria conservado em sua pureza. É a pura indeterminação e o

puro vazio. Não há nada nele que um poder intuir, se é que se pode falar aqui de intuir; ou bem ele é

este puro, vazio intuir em si mesmo. Tampouco há nada nele que um poder pensar, ou bem este e

igualmente um pensar vazio. O ser, o imediato indeterminado, é em realidade o nada, nem mais nem

menos que o nada.” (HEGEL, G.W.F., 1982, p.39-40)

Esta dialética entre o ser e o nada, não se acaba na gênesis do pensamento lógico, mas, que o

acompanhe estruturalmente ao longo de todo o desenvolvimento, verificando-se que em toda coisa

há ser e não-ser em permanente contradição, que lhe promove ou impulsiona ao devir, servindo-nos,

como exemplo, uma flor que permanecesse em tal estado seria apenas e eternamente uma flor, mas,

se desta situação ela se nega, murchando-se para dar frutos e sementes, conclui-se, que da pulsão ou

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tensão dialética entre o ser e o nada, surge o devir, sendo que, pode-se afirmar que o ser

indeterminado é a indeterminação do pensamento e da sensibilidade, e do não-ser, nada, nem da

sensibilidade, nem do pensamento, surge o devir, do que se dessume que o devir é o primeiro

pensamento concreto, por isto, o primeiro conceito, enquanto o ser e o nada são abstrações vazias

deste primeiro referido.

Faz-se aqui uma necessária indagação a respeito do devir, em especial, quando se levanta a

interrogação o “devir do quê?”, alcançando-se como resposta o devir do ser, o que nos leva a um

outro questionamento que pode ser sintetizado na indagação acerca do “ser do quê?”, obtendo-se

como resultado o ser determinado, como existente, e determinado pela sensibilidade que é a forma

mais elementar do conhecimento, pois, quando o ser se encontra ainda no estágio recém “devindo”,

aparece frente ao sujeito mais primitivo, se apresenta como um objeto da sensibilidade, que é o

primeiro elemento da compreensão, que define todo o começar a conhecer pela sensibilidade, pelos

sentidos e que cujo conteúdo do objeto, do ser, o dá a forma, o dá o pensamento, porém, não

havendo pensamento, não há conteúdo, tornando-se, assim, mera determinação formal, todavia,

como forma da sensibilidade é o ser determinado pela sensibilidade, pelos sentidos.

E para a interpretação levada a cabo por Marx, uma vez que o ser do primata, que pode ser

definido pelo ser da sensibilidade, não tem determinação pelo pensamento, como substância

criadora da essência, por inexistir o fator trabalho envolvido nessa relação entre o pensamento,

como substância, e a essência, sendo, simplesmente, resultado de um processo de coleta, na

categoria de efeito, desvinculado, nessa condição, da causa que lhe iniciou, desaguando, apenas e

tão somente, num construto da história, conclui-se, que o ser sai, como que ejetado,

consequentemente, da indeterminação ou do nada de seu ser, se determinando, primeiramente,

como ser da sensibilidade, sem nenhuma essência, eis que, para Hegel, é pura certeza sensível, pura

sensibilidade, enquanto na interpretação de Marx, por inexistir trabalho incorporado, sendo apenas

um produto da natureza, da relação direta entre esse projeto de ser humano e a própria natureza, da

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qual ele mesmo, todavia, não alcança, a ponto de distinguir-se ou separar-se como ser produtor

sócio-racional do seu próprio ser.

Com o desdobramento dessa característica em toda coisa e em todo objeto existe,

permanentemente o ser e o não-ser, isto porque, as coisas estão no tempo, e se assim é, não é a

mesma a todo momento, sem que experimente uma existência de mudança e, uma vez que uma

coisa não é a mesma quando se compra já usada, a título de análise no mundo das relações

predominantes na sociedade, pois, quando se começa a usar o que já tinha deixado de ser, verifica-

se que aquele ser inicial do referido objeto já não é mais o mesmo, pois, em todo ser há ser e não-

ser em permanente contradição e mudança, eis que, isso faz parte da constituição do devir, porém,

nessa mesma esteira lógica já não é o devir que determina o objeto, mas, o devir que provoca as

mudanças no ser, na sua condição de ser determinado, constituindo, assim, dois sentidos distintos

do devir.

Todas as categorias que constituem o desenvolvimento do ser, cristalizam-se por efeito do

devir, pois, para o devir como tal, o pensamento se vale da realidade em forma de percepções, eis

que assim a primeira categoria do ser-pensamento, determinada por seu devir é a qualidade.

Por sua vez, a qualidade pode aqui ser definida como algo concreto que se percebe, algo que

se toca e assim é porque é a síntese dos sentidos, pois, mediante o princípio ativo do devir contido

na contradição entre o ser e o nada, em cada momento de seu desenvolvimento, cada ser vai se

dotando de uma forma de manifestação ou conteúdo material qualitativamente distinto, na medida

em que o princípio ativo do devir opera de imediato em instancias da categoria da quantidade, de tal

modo, que o movimento dialético se conduz da qualidade à quantidade, sendo a quantidade

extensiva ou expressa em número e magnitude intensiva ou grau.

Dessa maneira, chega-se, assim, à medida, expressa como quantidade da qual depende a

qualidade, eis que na natureza a água, a título de exemplo, permanecerá em estado líquido ou se

tornará gelo ou vapor, segundo seu grau de temperatura, todavia, não deixará de ser água, sendo

que, desse mesmo modo, na sociedade moderna, a mudança qualitativa entre as categorias de um

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pequeno burguês, propriamente dito, se produz quando a massa de mais-valia acumulada permite ao

empresariado tornar-se independente da produção direta de capital, para apenas dirigi-la e

administrá-la.

Assim, mediante a mera adição quantitativa de trabalho vivo sobre a mesma matéria prima,

esta pode passar a adotar a forma de um valor de uso qualitativamente distinto, do mesmo modo,

dados os limites da jornada de trabalho que por razões biológicas não pode exceder das 24 horas do

dia, sua extensão tem que alcançar à medida em que provoca, necessariamente, uma mudança

qualitativa nas condições técnicas do trabalho, porque, a partir dessa medida só é possível

incrementar a mais-valia reduzindo-se o tempo de trabalho necessário e, portanto, o valor dos bens

que o trabalhador coletivo necessita para reproduzir sua força de trabalho, em condições especiais

para sua exploração, condição essa que é definida como mais-valia relativa.

Com as situações analisadas acima, ilustra-se a concepção filosófica de Hegel para quem o

desenvolvimento do sujeito, no vasto campo do pensamento, se relaciona com o desenvolvimento

do objeto, pois, na análise relativa à noção de quantidade de medida que, por sua vez, provocam as

mudanças qualitativas, verificando-se os vários movimentos do ser, bem como, o que se esconde

sobre seus aspectos mutáveis, como no caso da água, em que o estado sólido, líquido e gasoso, que

adota o ser da água, é sua essência, que se mantém idêntica a si mesma e que, portanto, as

mudanças de qualidade diretamente perceptíveis pelos sentidos são pura aparência, na medida em

que, deste modo, o que se verifica é que o ser se apresenta desdobrado em termos contraditórios,

quais sejam, identidade e diferença, substância e atributo, fundamento e fenômeno sendo, ainda,

excludentes, estas categorias puras do intelecto, são partes constitutivas de uma mesma unidade

ontológica do pensamento em desenvolvimento, do que se conclui, que essência e aparência se

distinguem, porém, estão juntas, pois, um objeto tem uma forma de manifestação e uma essência,

porém, de fato, não estão cindidas umas das outras, na medida em que formam parte de uma mesma

realidade.

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1.6. A Essência – O Simples Existir do Ser Imediato

O tema relativo à essência corresponde a um período em que o homem se separa da natureza

e a recria, em especial, a partir da sua própria interpretação, passando a produzir coisas que não são

diretamente naturais e as criando com base numa lógica nascida nas suas próprias ideias, sendo essa

a essência da espécie humana, pois, quando começa a friccionar uma pedra com a outra, visando

produzir fogo, excluindo-se, nessa produção do fogo, a atividade agrícola, mas, utilizando este

elemento como instrumento de transformação e de poder, dando o primeiro passo na sua existência

como ser humano, impondo, a partir do domínio dessa tecnologia, uma transformação da realidade

do estado de natureza.

A partir desta capacidade de intervenção na natureza, desenvolvida através de tecnologias

básicas ou do domínio do fogo, verifica-se um processo de criação acumulado pelo ser humano que

impôs, segundo Hegel, uma outra forma de interagir com a natureza, na medida em que o

pensamento expressa aquilo que se põe de essência nas coisas e, por isso, recebe a denominação de

pensamento em desenvolvimento, o que veio a ser depois definido por Marx como força produtiva,

ou trabalho humano em geral, entendido este como substância, como aquilo que realmente se põe,

fisicamente, essência às coisas, sendo que, nessas forças produtivas, indubitavelmente, o que está é

o pensamento, pois, assim está, no plano da produção, porém, não apenas, pois, é na prática que o

homem tem que demonstrar sua verdade, eis que as coisas, às vezes, não se viabilizam na forma

como planejada no pensamento, impondo um necessário refazer.

Como já se afirmou antes, que a primeira determinação do pensamento em desenvolvimento

é o devir, e que o devir determina a qualidade, verifica-se que para demonstrar isso Hegel utiliza a

palavra “dasein”, a qual ganha um sentido e uma conotação de simples existir como coisa em-si,

sem essência nem fundamento, como simples ente manifestado e lançado no mundo,

correspondendo, nesse estágio, ao ser que recepciona e absorve as outras manifestações do mundo,

onde ele se encontra, o qual é igualmente expressão manifestada, todavia, a existência, se já tem a

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essência posta, porém, ainda sem uma ordem estabelecida pelo conceito, sendo, pois, uma realidade

de expressão do que ela é naquele momento presente, efetivo e atual, eis que assim se encontra em

movimento, o que significa que o pensamento se encontra em movimento transcendente, iniciando

um jogo dialético entre o pensamento e o ser, a teor do que pensou Hegel:

“O ser no devir, enquanto um com o nada, assim como o nada enquanto um com o ser, são somente

desaparecendo; o devir coincide por sua contradição interna com a unidade na qual ambos estão

superados; seu resultado é, por conseguinte, o existir” (HEGEL, G.W.F. 1982, p. 35)

Sempre, no devir, encontra-se em jogo o nada e o ser, sendo que o ser se apresenta de

determinada maneira, impõe-se no jogo com o nada, eis que está em permanente devir, portanto,

consequentemente, o ser e o nada seguem seus movimentos na dialética da essência, enquanto,

dessa maneira, um determinado ato encontra-se realizando-se como tal, o mesmo está tornando-se o

nada, pois, quando esse objeto do ato se rompe converte-se em nada porque deixa de ser como tal e

como o havia sido concebido, sendo, nessa condição, um mero existente, porém, não uma realidade

efetiva, limitando-se a uma realidade efetiva enquanto funcionar, o que significa dizer, enquanto

tem sua realidade em si mesmo, o que não significa, por si mesma, mas em si mesma, eis que, no

funcionamento, o ser e o nada estão jogando permanentemente, porque estão tornando-se em lugar

nenhum, encerrando-se no jogo da dialética entre o ser e o nada, que é o devir.

Destaca-se aqui que a linguagem está repleta desta realidade que somente pode ser

destrinchada filosoficamente, e naquelas que normalmente nós não reparamos, pois, o sentimento

da linguagem faz-nos esquecer a significação essencial originária, que cada expressão contém, pois,

quando nos deixamos simplesmente presos à utilização pragmática da linguagem, para cumprir a

tarefa da comunicação, não nos atemos na plenitude de seus significados, lembrando, que a

qualidade é a imediatidade do ser, naquilo que se percebe de modo direto, isto é, sem a mediação do

pensamento, e de modo exclusivamente através dos sentidos, na medida em que essa condição

expressa uma categoria que corresponde ao mundo das percepções e da sensibilidade, assim , aquilo

que se encontrava originalmente determinado como ser, expressa-se, nesta categoria, como

simplesmente existente, sob pena de se assim não se entender, se se adotar posturas anti-dialéticas

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de fundamentar as maleáveis formas do entendimento, confundindo mudanças de qualidade com

mudanças essenciais, percepções com verdades, conferindo validade científica às impressões sobre

o próprio intelecto.

À aparência da essência, quando posta como instrumento de interpretação do ser imediato,

nos leva ao entendimento de que a essência é a superação ou a negação do ser imediato, enquanto

existente ou mera percepção do sensível, sendo, porém, uma superação que ao mesmo tempo

conserva a percepção sensível, eis que expressa a forma manifesta, ou existe nela e através dela,

sendo, por isso, que a essência no que aparenta dela na sua percepção sensível, como nos ensina

Hegel:

“A essência é o ser superado. É a simples igualdade consigo mesma, porém é tal porquanto é, em

geral, a negação da esfera do ser. Deste modo a essência tem frente assim à imediação, como algo de

onde se tem originado e que se tem conservado e mantido nesta superação. A essência mesma nesta

determinação, é essência existente, imediata.” (HEGEL, G.W.F. 1982, p.173)

Desta feita, a essência é a superação ou negação do ser imediato, enquanto existente ou

simples percepção do sensível, mas que é uma superação que ao mesmo tempo conserva a

percepção sensível, porque se manifesta ou existe através dela, do que se conclui que a essência

existe no que ela aparenta na percepção do sensível, embora não aparente, simplesmente porque

permanece velada ao pensamento pela percepção do sensível, pois em sua imediatidade, o ser é o

que se supera dentro da manifestação do sensível, na medida em que, em sua ação de absorção e

acúmulo no mundo do trabalho impõe a transformação da natureza, impondo no referido processo a

sua própria essência, eis que a essência que foi posta, nega o ser imediato da sensibilidade, porém,

não o superando, tornando-se, dessa maneira, numa negação relativa, enquanto a essência apenas

lança a sua aparência, porém, não se expõe, pois, se restringe a se mostrar através da sensibilidade.

Quando uma coisa tem exposta a sua essência, a mesma já se encontra determinada pelo

pensamento, não sendo mais mera forma da sensibilidade, todavia, essa determinação superior

somente aparenta, porém, não se revela, pois, segue atrelada ao seu ser imediato, à forma da

sensibilidade daquilo que não alcança e não se emancipa, sequer parcialmente, mas a essência faz

com que o ser não só pareça, mas que ao mesmo tempo brilhe em sua razão de ser, mesmo quando

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não se da por-si, e sim em si-mesmo, dentro de seu ser imediato, como um embrião no ventre de sua

mãe, pois, a essência do imediatamente determinado é sua razão de ser já posta nele, mas não se

mostra por-si mesma, e sim do que parece ser, mas, se o ser imediato corresponde à percepção

sensível, na condição de ser carente de toda racionalidade, e o conceito, por sua vez é a

racionalidade autodeterminada nas coisas, a essência é a racionalidade simplesmente posta pelo

pensamento no ser da sensibilidade previamente determinado.

Nesse sentido, é a razão do ser dentro de si mesmo, enfrentando o ser de sua própria forma

sensível, num grau de determinação superior a imediatidade do ser, enquanto a razão já está posta

nele, embora não se manifeste por si mesma, pois, uma determinação entre a imediatidade do ser e a

autodeterminação da racionalidade própria do conceito, em sua esfera da essência simplesmente

posta, o pensamento se opõe à imediatidade da forma sensível do ser, mas, dentro dessa mesma

forma, sem se emancipar dela, ao mesmo tempo que se oculta nele, a aparência da manifestação

sensível imediata, contraditoriamente, destaca-se ou resplandece naquilo que só aparenta, pois, a

essência é o "Scheinen in sich selbst" (aparência em si mesmo), ou seja, as determinações da

essência são, assim, relativas enquanto sua racionalidade não se manifesta por si mesma, mas

através da sensibilidade, sendo, pois, na esfera da essência, o ser imediato, como pura manifestação

do sensível, tem sido secundarizado pela racionalidade, todavia, sem que se possa manifestar-se por

si mesma, mas através da sensibilidade do que aparenta, na medida em que todo esse raciocínio

acerca da dialética da essência, explica-se numa passagem da “Enciclopédia das Ciências

Filosóficas” de Hegel:

“A essência é o conceito enquanto que posto; as determinações na esfera da essência são somente

relativas, não estando simplesmente refletidas dentro de si; por conseguinte o conceito não é aqui,

todavia enquanto que para si. A essência enquanto ser que se divide consigo através da negatividade

de si mesmo, é a referência a si só sendo referencia a outro, o qual não é como ente, sim como um

posto imediado. O ser não desaparecido, sim que a essência, primeiramente, enquanto simples

referencia a sim, é ser; porém por outra parte, o ser, com aranjo a sua determinação unilateral de ser

algo imediato, tem sido deposto aporência. A essência é, por conseguinte, o ser enquanto scheinen in

sich selbst.” (HEGEL, G.W.F., 2005, p. 208-209)

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1.7 – O Conceito – A Doutrina do Conceito - O Conceito Subjetivo

Nos movimentos da lógica parte-se, primeiramente, do ser imediato abstraído de todo o

pensamento e atividade do sujeito, entendendo-se este como objeto da única e passiva intuição e

representação sensível correspondentes à etapa da aglutinação no alvorecer da humanidade, indo-se,

em seguida, à negação da pura imediatidade, ao ser-em-si, pelo ser mediado pela atividade do

sujeito, na instância da essência posta pela substância da reflexão naquele ser originário e,

finalmente, o do conceito, que constitui a negação da negação ou o retorno do ser posto na condição

de iminência, mas, já não como pura representação sensível e sim como autodeterminação ou

objetividade por-si, onde sujeito e objeto se correspondem no interior de uma mesma unidade plena

de significado, o que para Hegel, é esta unidade ou correspondência de significado unívoco entre

sujeito e objeto, reunidos no conceito que é a verdade, onde o ser imediato e a essência, onde são

contidos ou conservados ao mesmo tempo que são superados, enquanto objeto que contém a

racionalidade ou substancia do sujeito, a verdade que já estava posta, primeiro como parecer da

essência no ser imediato, e em seguida como aparência ou forma de manifestação no fenômeno, se

revelando agora por si mesma no conceito.

Esclarece-se ainda, que o imediato abstrato constitui um primeiro movimento, mas, como

tal, abstrato, entendendo-se este, abstraído de todo o pensamento ou atividade transformadora

sendo, nessa condição, suficientemente mediado pela intuição e a representação ancorada na

sensibilidade, do que, portanto, deve-se compreendê-lo em sua verdade, eis que, tem-se que buscar,

antes, a sua base e, por conseguinte, esta tem que ser propriamente um imediato, mas de tal

maneira, que se tenha convertido em imediato, por meio da superação da mediação e da atividade

racional do sujeito no conceito.

Por outro lado, o conceito deve, antes de tudo, ser considerado, em geral, como o terceiro

fenômeno relativamente ao ser e à essência, isto é, ao imediato e a reflexão, eis que, ser e essência,

portanto, são os momentos do seu devir, todavia, o conceito é a base e a verdade deles, assim

considerada sua identidade, onde eles são parecidos e estão contidos, logo, encontram-se contidos

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no conceito, porque este é o seu resultado, mas já não estão nele como ser e como essência, tendo

essa determinação, só porque não tem retorno a esta unidade.

Uma vez determinados e unidos pela atividade do sujeito, os elementos contraditórios,

constituídos na essência e na aparência, que compõem a realidade efetiva de cada ser, impõe o

avanço do pensamento no desdobramento de si mesmo, criando a categoria do conceito, onde o ser

e suas diferenciações qualitativas, entendidas estas como uma maneira diversa de se dizer essência e

aparência, são reunidas agora numa totalidade inteligível, o que, na análise de Hegel, o conceito

revela três aspectos, quais sejam, o conceito subjetivo, o conceito objetivo e a teleologia.

O conceito subjetivo compreende, por sua vez, três momentos, nos quais se desdobram,

quais sejam, o universal, o particular e o individual, a respeito dos quais o primeiro é o pensamento

universal ou a universalidade do pensamento, o qual pode ser associado à condição de uma

semente, que nas várias etapas da sua existência e na busca de realizar-se, inicia-se sendo uma

identidade abstrata, puro pensamento ou simples potencialidade sem conteúdo algum, equivalendo-

se, nesta condição, ao ser, verificando-se, como segunda característica, que a universalidade do

conceito também é o mais simples e geral do pensamento, mas não como uma identidade abstrata

consigo mesma ou como uma forma vazia ou pura, e sim como um pensamento determinado, cujo

saber de si mesmo, através das formas de manifestação ou diferenciações qualitativas do existente,

lhe permitem, nessa condição, concretar-se e dotar-se de um conteúdo, que é a essência, realizando-

se assim, um processo que se encerra quando ela deixa de ser uma unidade do abstratamente

simples, para converter-se em uma universalidade, que abarca e compreende as múltiplas realidades

efetivas nas quais torna-se existente.

Por sua vez, a particularidade do conceito é a universalidade que se nega como tal para

determinar-se como individualidade, que sai de si como universalidade abstrata, para materializar-

se na individualidade por meio de um particular e, nesse momento da particularidade, o conceito é,

ao mesmo tempo, universalidade e determinação manifestadas, a universalidade de ambos, onde a

substância está no universal, e a título de esclarecimento, cita-se, como exemplo, que quando

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falamos de um mamífero, o pensamento já se transferiu para uma categoria simples, abstrata e vazia

do ser, e num segundo momento, se materializa, se dá conteúdo, tornando-se, neste caso, o animal

universal que se particulariza enquanto mamífero, pois, a despeito das espécies se diferenciarem

entre si, mas, se catalogam segundo o universal, pois, o gênero, e neste caso a categoria de

mamífero, não admite diferença e permanece idêntico a si mesmo, eis que, os particulares são o que

são em virtude do universal, que ao mesmo tempo que substancia é sujeito, porque determina essa

condição, como se verifica da citação abaixo:

“O particular contém a universalidade, que constitui sua substância; o gênero se encontra imodificado

em suas espécies; as espécies não são diferentes do universal, sim somente entre elas. O particular

tem, frente aos outros particulares com os quais se relaciona, uma e a mesma universalidade. Ao

mesmo tempo, a diversidade daqueles por causa de sua identidade com o universal, é, como o tal,

universal. É a totalidade (...) seja, a particularidade é, de novo, nada mais que a universalidade

determinada. O conceito, nela, se encontra fora de si; e porquanto seja o conceito que está ali fora de

si, l universal abstrato contém todos os momentos do conceito, sendo, a) universalidade; b)

determinação; c) simples unidade de ambas.” (HEGEL, G.W.F., 1982, p. 288-289)

Por último, verifica-se que o indivíduo é a negação da negação do universal, o que pode ser

entendido de outra forma, como sendo no individuo, que o universal completa sua realização

enquanto materialização, pois, este momento do entendimento está na base lógica do juízo, o que se

dá mediante tal juízo, intermediado pelo entendimento que liga a existência dos seres, das coisas, à

sua substância universal, o que pode ser exemplificado pela proposição “Sócrates é mortal”, do que

se deduz que neste caso o entendimento une dois extremos, o individual e o universal, de modo

imediato, mas, verificando-se neste caso, que o juízo não é a forma racional adequada para

determinar, por si, o caráter universal de uma individualidade, eis que o universal é a unidade de

múltiplas determinações ou propriedade, enquanto o individuo como tal, é o indeterminado, pois, se

dizemos “Sócrates é Sócrates”, obteremos como compreensão que esta é uma unidade abstrata,

indeterminada, uma unidade da qual nada se sabe, pois, o que pode conter de universal uma

individualidade não surge de sua relação imediata e direta com o universal, mas, por meio de sua

relação com o outro, com o particular, e esta relação do individual com o universal, através do

particular, que se denomina o silogismo é composto de três juízos.

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A título de melhor explicação, a partir de um exemplo, qual seja, “que se todos os humanos

são mortais; Sócrates é humano; logo, Sócrates é mortal”, verifica-se que para o sujeito do terceiro

juízo, encontra-se compreendido no predicado universal do ser mortal, que é necessário que se

relativize numa particularidade, que mostre possuir a qualidade particular do ser humano na qual

esteja expresso o segundo juízo, quando sai de sua absoluta indeterminação como pura

individualidade, do que se conclui que, o individual, o particular e o universal constituem um

esquema geral do silogismo determinado, pois, nele, a individualidade se une com a universalidade

por meio da particularidade, sendo que o individual não é o universal de imediato, e sim, por meio

da particularidade, e vice-versa, no que tange ao universal como sendo o individual de imediato,

mas que se deixa rebaixar a esta condição por meio da particularidade, verificando-se ainda, que no

pensamento universal está a energia, a força, o sentido e a finalidade de todas as coisas desse

mundo, pois o pensamento é “...o verdadeiro princípio universal de toda existência, tanto natural

como espiritual; domina e abraça todas estas coisas e se encontra na base de tudo” (HEGEL, 2005,

p. 221)

1.8. O Conceito – A Doutrina do Conceito - O Conceito Objetivo

Antes de se adentrar ao conceito objetivo propriamente dito, apresenta-se aqui uma síntese

da forma do conceito subjetivo, enquanto necessidade de um particular, o pensamento individual

mostra a sua existência, mas não é uma existência real e verdadeira, e sim abstrata, pois, não tem

em si mesma o seu conceito, se determina, mas não é uma autodeterminação enquanto não participa

do universal por si mesmo, eis que, para acreditar que pertence ao universal ou que o contém, o

pensamento, enquanto conceito subjetivo, necessita de outro, de um intermediário, necessita estar

em oposição a outro e refletir-se nele, depende dele como um ser imediato exterior, alheio ou

extrínseco à sua própria individualidade, sem o qual não pode acreditar que pertence a ou participa

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do universal, pois, neste momento de seu desenvolvimento, encerrado no conceito subjetivo,

enquanto não tem capacidade para determinar-se ou expressar sua condição de universal por si

mesmo e através de si mesmo, o pensamento não é ainda autossuficiente, mas, apenas consciência,

enquanto que, esta categoria filosófica limita-se a atividade do intelecto, a um exterior a ele e não a

si mesmo e, para chegar a ser autoconsciente, o intelecto necessita sair dessa subjetividade e

objetivar-se, tornar-se a si mesmo por objeto para determinar-se por si mesmo, sendo este o

movimento que Hegel nos faz conceber, que é a o da dialética do conceito objetivo:

“o conceito, como negatividade absoluta, idêntica consigo mesma, é o que se determina a si

mesmo; e se observou que ele, por quanto na individualidade se resolve em juízo, se põe já

como existente. Esta realidade todavia abstrata se completa na objetividade” (Hegel, 1982,

p.373).

Referido progresso fazia a autodeterminação do pensamento como universal, sob a forma do

conceito objetivo, antecipando, já no juízo apodíctico, que “a casa construída deste modo é boa”,

deduzindo-se assim, que a condição de pertencimento do sujeito ao universal – o que tem que ser –

não está contida em outro, no predicado, mas na ação mesma do sujeito e, sob esta forma do juízo, a

subjetividade do conceito desaparece e o pensamento se determina a si mesmo como algo objetivo,

porque sujeito e predicado tem o mesmo conteúdo, em ambos os extremos encontram-se presente o

universal:

“Este juízo é agora verdadeiramente objetivo; ou seja, é a verdade do juízo em geral. Sujeito e

predicado se correspondem e tem o mesmo conteúdo; e este conteúdo é, o mesmo, a concreta

universalidade posta; é dizer, contem os dois momentos, o universal objetivo ou o gênero, e o

individualizado” (HEGEL, 1982, p.335)

Por outro lado, retomando as questões de princípio, ressalta-se que, segundo Hegel, o

pensamento humano teve suas origens mais remotas no ser imediato, no ser da pura sensibilidade,

que por sua vez, havia surgido da tensão dialética no interior da identidade entre o puro ser e a pura

indeterminação, isto é, o nada, nos levando a concluir que a atividade humana gerou a essência,

adotando a forma de tornar-se ou colocar a essência em cada um dos seres da existência em

movimento, de conferir-lhes realidade efetiva, começando por parecer neles, até que por ultimo

apareça ou revele-se, ocultando-se no fenômeno da relação essencial, submetida esta relação e esta

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forma na aparência do fenômeno, o pensamento conseguiu determinar a essência na existência,

todavia, não de modo absoluto, pois isto se dá por si mesmo, mas relativizando sua ação noutro que

não é ele propriamente, eis que, foi na definição do conceito objetivo que Hegel anunciou que o

pensamento se revela, pela primeira vez, como ação criadora absoluta e incondicionada, pois, sendo

assim, no conceito objetivo, o sujeito humano se revela como ação criadora ao mesmo tempo que é

absolutamente alienada, na medida em que, o pensamento tem por condição inevitável de suas

múltiplas determinações individuais a mudar uma qualidade por outra, a significação essencial de

seu ser originário tangível por outro e, dessa forma, no conceito, enquanto determinação universal

de tudo quanto é individual, o pensamento lógico Hegeliano, nessa circunstancia, significa a total

inversão das qualidade e virtudes deste mundo, e assim é, porque o conceito é a materialização

universal do pensamento livre e incondicionado, como modo de criação da consciência e como

instrumento de manifestação da existência.

1.9. A Lógica de Conceitos Apriorísticos

Neste tópico indaga-se, inicialmente, por que deveríamos nos interessar por conceitos

apriorísticos, fornecendo como resposta que quase sempre existiram correntes filosóficas que

negaram a existência de algo, independente de nossa experiência, ou inacessível a ela, sendo certo

que, atualmente, é maior que no passado o número de filósofos que defendem essa posição.

E, assim sendo, isto garante plausibilidade e consistência lógica à Ciência da Lógica de

Hegel e, portanto, é uma opção bem fundamentada e de argumentação sólida a defesa da existência

de realidades não empíricas e acessíveis neste plano filosófico, em especial, para o processo de

investigação de relações inferenciais entre conceitos apriorísticos.

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No tempo de Hegel, a teoria de conceitos apriorísticos mais influente era a Lógica

Transcendental de Kant, o que, em muitos aspectos, serviu de base para as elaborações filosóficas

de Hegel, tendo, este autor, obviamente, uma interpretação própria às elaborações Kantianas.

Neste sentido, entendia Kant que, qualquer objeto possui, necessariamente, certas

características que são constitutivas dele ou que são “condições de possibilidade” dele, as quais,

como determinações necessárias do objetivo, em homenagem à tradição, ele as chamava de

“categorias”, as quais são apresentadas de quatro modos distintos: quantidade, qualidade, relação e

modalidade que, por sua vez, cada uma delas é dividida em três subcategorias, asseverando que

todo e qualquer objeto tem qualidade, quantidade, relação e modalidade, categorias essas que são as

condições lógicas da objetividade.

Isto significa que, o objeto implica, logicamente, determinações quantitativas, qualitativas,

relacionais e modais, esclarecendo, em seguida, que a lógica deixa em aberto quais são essas

determinações num caso específico, nos enviando a dessumir que esses conceitos das categorias

exibem as estruturas fundamentais da realidade, entendida esta como a empírica, constatadas em

qualquer objeto real, concluindo-se que, a ciência destes conceitos deveria ser de elevada

significação, eis que, ela revela a base imprescindível e inalterável de qualquer outra investigação

da realidade, tanto quanto da compreensão da realidade como um todo.

Outrossim, endereça ao entendimento de que Hegel absorveu a concepção apriorística de

Kant, rejeitando, por outro lado, a moldura epistemológica de Kant, que enquadrou sua teoria nos

conceitos apriorísticos, na qual definiu “objeto” como “objeto de nosso conhecer”, nos levando a

deduzir que, inexiste objetividade fora do nosso conhecer e que o ato de nosso conhecer é

constituído pela objetividade, o que não significa que só existe o que nos-está dado, na forma que

nos-é dado, existindo, assim, as coisas-em-si, mas que, porém, a estes não temos acesso, nem

mesmo conceitual, de maneira que, a coisa-em-si nem chega a categoria de “objeto”, do que se

conclui que, a ontologia de Kant encontra-se sobre os auspícios do “para nós”, subordinada à

condição epistêmica.

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Referida condição epistêmica foi rechaçada por Hegel, que se ateve ao entendimento de que

as categorias não são apenas condições da possibilidade de nosso conhecer e, consequentemente, da

realidade, enquanto lançada ao nosso conhecimento, pois, concebia ele que as categorias são

condições de possibilidades da realidade enquanto tal, eliminando, completamente, da sua teoria, a

noção da “coisa-em-si” de Kant, libertando-a do sistema categorial da moldura epistêmica,

compondo, assim, uma reinterpretação da lógica, dando à mesma um sentido diversamente mais

amplo e moderno.

Na concepção de Kant, a lógica transcendental dos conceitos apriorísticos tem como base

constituinte o sujeito particular, finito, que por sua vez tem como princípio a ação individual em

conhecer, a apercepção transcendental, a qual submete o apriorístico lógico a um ato de sujeito

finito espaço-temporal, subordinando-o às condições da subjetividade humana, sendo essa lógica, a

ultima instância da modalidade que, no seu desenvolvimento, determina as possibilidades,

necessidades, impossibilidades e não-necessidades fundamentais, o que significa quais mundos são

possíveis.

Diferentemente desse entendimento, Hegel traça um entendimento de que a lógica é

estritamente não-subjetiva, universal, logo, não particular, nem finita no campo da compreensão

daquilo que definimos como espaço-temporal, inexistindo, assim, realidade fora da lógica universal,

acrescentando a essa visão do princípio da fundamentalidade absoluta do lógico, não apenas à

lógica proposicional ou silogística, mas, também, à lógica conceitual.

1.10. Conceitos Empíricos e Apriorísticos

Retomando a questão em debate acerca da inferência conceitual, indaga-se que, se todos os

conceitos têm implicações, ou apenas alguns, no que tange a uma lógica de investigações das

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implicações, concluindo, por sua vez, que tais implicações são inerentes a todos os conceitos, e que

todo conceito implica, pelo menos, numa inferência negativa, que se constitui na exclusão de outros

conceitos, eis que um conceito que é compatível com todos os demais conceitos têm determinação

inexistente, pois, é vazio de conteúdo, e, consequentemente, de sentido, do que se dessume que,

todos os conceitos, à exclusão do Ser, que exclui o conceito do Nada, contém relações inferenciais

relativas a outros conceitos.

Indaga-se, ainda, a partir disso, que se todos os conceitos implicam relações inferenciais,

isso é o suficiente para defini-los como tais, uma vez que o conceito não seria outra coisa que o elo

de relações inferenciais que ligam um determinado conceito a outros, o que, essencialmente, um

conceito seria num determinado lugar no todo do sistema de relações semânticas inferenciais,

concluindo com Hegel, que é inapropriado ao conceito de empírico, o título de “conceito”, eis que

estes são meras “representações”, não conceitos, sendo que o conceito verdadeiro se restringe ao

conceito apriorístico.

Relativamente ao caso dos conceitos apriorísticos, segundo Hegel, ele se determinam

totalmente por suas relações inferenciais, logo, pela Lógica Conceitual, a qual, por sua vez, é o

instrumento de investigação da ciência da lógica, do que se indaga, de onde estes termos deveriam

ganhar suas determinações, a não ser de outros conceitos apriorísticos, do que se conclui, que é por

sua aprioricidade, a qual constitui sua fonte de determinação, que exclui a intuição sensitiva,

restando como alternativa, a possibilidade de que os conceitos apriorísticos, resultem, pelo menos

em parte, como determinados a partir “do nada” ou “por acaso” ou, simplesmente que são

determinados de imediato por si mesmos, sem que para isso precisem se relacionar a outros

conceitos.

Verifica-se, por outro lado, que uma determinação não-relacional é um absurdo, um contra-

senso lógico, eis que todo conceito implica, pelo menos, relações negativas, excludentes de outros

conceitos e, se assim não for é indeterminado, critério esse de mesma validade para qualquer

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aspecto parcial de um conceito apriorístico, pois, se não tiver, no mínimo, uma relação negativa ao

outro conceito ele é indeterminado, ressalvando-se, nesse caso, que conceito indeterminado seria o

não-conceito, eis que conceitos apriorísticos inexistem, se não em suas determinações.

1.11. Lógica Conceitual, Epistemologia e Ontologia

Verificamos anteriormente que os conceitos apriorísticos se determinam pelas relações

inferenciais que se estabelecem entre si, os quais subsistem nessas relações lógicas, em especial,

porque numa das principais características dos conceitos apriorísticos, é que ganham status de

conceitos lógicos, logo, são conceitos da razão pura, por excelência, constatando-se, também, que

as relações obtidas entre os conceitos lógicos, como resultado da determinação dos mesmos,

precisam ser determinados, do que se conclui, que as próprias relações também são determinações

apriorísticas e, como tais, são conceitos apriorísticos.

Referidos conceitos representam as condições últimas e imprescindíveis do ser e conhecer,

do que se deduz que lógica é o fundamento da ontologia e da epistemologia, sendo essa constatação

consequência imediata e necessária, uma vez que aceitamos que a lógica não é apenas formal, mas

conceitual, eis que assim é, porque a lógica meramente formal se limita a ser uma ferramenta, num

instrumento das demais fontes filosóficas e das outras ciências, enquanto uma lógica conceitual é

uma lógica material, definida por um conteúdo, do que se conclui que, uma vez que um conteúdo

conceitual concreto é lógico, necessariamente, ele constitui o fundamento material e não apenas

formal de toda realidade, eis que dessa forma, segundo Hegel, a lógica determina as possibilidades

do real e do não-real, inferindo-se que, se existe uma lógica material dos conceitos apriorísticos, as

categorias, necessariamente, tanto ontológicas, quanto epistemológicas, serão definidas nela.

Diante disso, indaga-se se essa lógica, necessariamente, será absoluta, no sentido de ser

única, necessária, sem alternativas e possibilidades de variações, na medida em que se constata que,

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no campo da lógica proposicional, nos deparamos com uma diversidade de sistemas, os quais, cada

um por si, são coerentes, sem que seja possível se constatar, por meio de algum critério, qual destes

seja o verdadeiro, o que inocorre no caso da lógica dos conceitos, eis que esta determina as

condições últimas de toda a realidade e todo o conhecer, ato esse antecedido pela determinação das

possibilidades do pensar, o que nos leva a concluir que ela é única, eis que assim ela é porque

determina o possível, os mundos possíveis, a um dos quais temos relação de pertencimento, e dos

quais, não podemos nos excluir, saindo fora deles, afim de decidir qual sistema de mundo mais nos

agrada, o que impede um relativismo.

Outrossim, verifica-se a partir da concepção de que a lógica conceitual é única, a abertura de

uma possibilidade para definições ou interpretações diferentes, o que significaria que os conceitos

lógicos não seriam totalmente determinados, comportando lacunas nas suas definições ou

interpretações, o que é impossível em relação à lógica proposicional, a qual comporta por uma

multiplicidade de sistemas, porém, cada um guardando uma coerência absoluta, como estrutura de

si mesma, o que impede que se defina qual deles é o verdadeiro na relação entre eles, sendo certo

que quando utilizamos quaisquer dos sistemas da lógica proposicional, estamos pensando de

maneira subordinada à lógica conceitual, enquanto totalidade do pensar, como lógica única, sem

margens para escolhas, se limitando as escolhas às possibilidades dos mundos possíveis, e como

nós pertencemos a um destes mundos, não podemos colocar-nos fora deles para escolher a lógica

conceitual na totalidade dos mundos possíveis.

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Capítulo II:

A OBRA FILOSOFIA DO DIREITO

Para abordar o texto da obra de Hegel em geral e, especificamente, a Princípios da Filosofia

do Direito2, que tomamos como objeto de análise, precisamos fazer a dissecação minuciosa de cada

sentença. Na verdade, palavras que no uso corrente somos habituados a considerá-las sob asserções

frouxas, imprecisas, são, no contexto hegeliano, administradas cautelosamente a cada linha, a cada

parágrafo. Tal cuidado métrico com os termos, próprio da filosofo em geral, parece-nos também ser

fruto do contexto do próprio autor. Se à sua época a filosofia padecia de superficialidade, o que o

leva a dizer que “nenhuma arte, nenhuma ciência está exposta a tão fundo grau de desprezo como

quando qualquer um pode julgar dominá-la”3. Devemos levar a sinalização a sério, sob pena de não

avançar muito na sua leitura. O rigor que o discurso filosófico requer em geral, certamente será

elevado a graus exponenciais em Hegel.

Sinalizamos a peculiaridade da forma a que vamos adentrar para dissertar sobre alguns

pontos, por considerar que ela consiste numa questão por si, não só do nosso ponto de vista, mas do

próprio Hegel, que no desenho do seu Sistema dedica parte considerada à Lógica e suas percepções

específicas dessas disciplina formal.

Um sinal contundente pode ser encontrado logo no primeiro parágrafo da F.D.4 § 1˚: "O

objeto da ciência filosófica do direito é a Ideia do direito, quer dizer, o conceito do direito e sua

realização”. Ao definir que a ciência filosófica do direito não é mera especulação teorética, e que

essa mesma trabalha com realidades existentes, não só como mera representação mental, aqui

compreendida como conceito, às vezes totalmente alheias à realidade, mas que existem

simultaneamente na mente e fora dela, o autor sinaliza, ao longo de uma tradição do pensamento

filosófico, que por Ideia compreende mais do que mera representação mental. E quando associa

2 A obra referência do nosso trabalho é: HEGEL, G.W.F. Princípios de Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino.

São Paulo: Martins Fontes, 1997 (Col. Clássicos) 3 HEGEL. idem. p. XXIX

4 A partir de agora iremos citar a Obra Princípios de Filosofia do Direito apenas como F.D.

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ciência a filosofia está também implicando que se trata de algo rigoroso e não mera Filosofia de

Vida, como era corrente ser tomado o termo entre escritores de sucesso de sua época.

Segue à sua economia lógica, a afirmação de que o objeto dessa ciência filosófica do direito

é a “ideia do direito” e não o conceito do direito. Na nota explicativa desse primeiro parágrafo ele

nos indica que não pretende se valer da realidade para construir seu objeto. “Toda realidade que não

for a realidade assumida pelo próprio conceito é existência passageira”5, isto é, ele pretende derivar

suas reflexões, não das coisas práticas; no caso da prática existente do direito, mas pretende

radicalizar e derivar o direito de fontes não humanas, não históricas, mas de uma entidade que

existe independente de tudo isso, portanto uma “uma realidade assumida pelo próprio conceito”.

O contexto filosófico de Hegel, nesse domínio, é aquele que Charles TAYLOR6 descreve

como superação da demanda por fundamento. A postura que vincula a ordem moral ou Legal a

princípios que não seja eles mesmos. Seja a natureza dos medievais, ou a razão utilitarista calculista

de Hobbes passando por Kant, que procura “aplicar um critério meramente formal a atos

prospectivos, o qual se vincula à vontade enquanto racional”7, Hegel se dispõe a ir além, e sua

concepção de fundamento aproxima-se de Kant, pois:

“(…) a noção hegeliana do espírito como liberdade não pode acomodar nada que seja meramente

dado(…) Tudo tem de fluir por necessidade da Ideia, do Espírito ou da própria Razão.

Consequentemente, o Espírito tem de de rebelar-se, em última infância, contra tudo que for meramente

dado. (…) E ele vislumbra sua culminância necessária na noção kantiana radical de autonomia. A

autonomia expressa a demanda do Espírito de deduzir todo o seu conteúdo de si mesmo, de não aceitar

como vinculaste qualquer coisa que seja meramente assumida a partir de fora. (TAYLOR. Idem. p.

403)

Então somos levados a verificar que essa vontade não aceita determinações que não às suas.

Por isso é necessário dizer que ela é Vontade Livre, e será assim que o Direito será considerado,

não como contenção, regras no sentido geral, mas como reino da Vontade Livre. O Direito e tudo o

mais na objetivação dessa Vontade Livre, só poderia ser considerado contenção, paredes, cercas,

interditos se não fosse a própria Vontade a criar essas coisas. Mas em sendo ela, deve-se considerar

5 Idem. p. 1

6 TAYLOR, Charles. Hegel: Sistema, método e estutura. Trad. Nélio Schneder. São Paulo: É Realizações. p.403

7 Idem. p. 403

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tudo sob nova perspectiva. As regras são inventos da Vontade livre e, portanto, seus artefatos de

liberdade. Jamais de contenção. Assim fica-nos clarificado outro ponto da introdução da F.D.:

4§ - O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, ou seu ponto de

partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu

destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito

produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo.”(F.D. p.12)

Ainda sobre a liberdade, que é o âmago ou interior constitutivo da Vontade:

“Se o direito é a ‘liberdade enquanto ideia”(F.D. § 29), é porque participa da objetivação de um

princípio que primeiramente é interior, a liberdade; esta, portanto, é o predicado característico

do espírito(subjetivo). A liberdade é o conceito que se objetiva através dos sucessivos estratos

do espírito objetivo.” (KERVÉGAN, Jean-François. p. 100)

Uma vontade que só tem a si como começo, portanto obedecendo o interesse de Hegel em

deixar de lado as demais tradições que sempre colocavam como parâmetro ora a natureza, ora o

interesse, ora as ideias, se vê em uma questão fundamental no seu percurso de objetivar. Ao

verificar que ela não é um todo, mas que há um algo exterior a ela, para onde ela pretende

encaminhar-se, ela descobre uma exterioridade.

Esse primeiro passo irá determinar a ideia de pessoa. Será nesse se 'dar conta de que há um

exterior', a primeira problemática na formação do indivíduo. Sem esse passo não conseguimos falar

dos demais, pois da totalidade indeterminada, Hegel opõe um particular que faz uma curiosa

operação. Apesar de particular, o Eu, terá em si consciência dessa totalidade, ao contrário de Kant,

onde a coisa-em-si é um domínio que a razão não vai, não penetra, aqui o eu deriva exatamente

dessa coisa-em-si, que para Hegel é o Absoluto, a própria consciência em si.

2.1. O Direito Abstrato

O conceito é determinado por outro ou um conceito é uma demarcação, uma determinação;

porém, ao se demarcar, abre mão do resto, por isso é abstrato, pois, elimina provisoriamente os seus

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contrários e se atém a si mesmo8. A proposta de Hegel é salientar que seu foco no tratamento do

tema, o Direito, se dará não a partir dos exemplos acerca do assunto. A extração do conceito da

coisa, que é muito comum se recorrer a exemplos, nesse caso se procederá de outro princípio. Nesse

momento a escrita fica incomum, pois é preciso dizer que será considerado o direito em-si, isto é,

há uma realidade chamada Direito e ela só procede de uma Vontade. Vontade dotada

essencialmente de liberdade. Aliás, vale dizer que se em Kant o indivíduo é essencialmente

liberdade, pois tem um lado de si que foge da determinação cega da natureza, “Hegel mostra o

caminho da liberdade e sua presença no objetivo”9.

Só iremos compreender as articulações do texto de Filosofia do Direito, na medida que,

tomarmos ela como vontade livre que é o livre arbítrio, isto é, uma vontade livre tem como

consequência lógica a ação. Para orientar essa ação ela precisa codificar as regras do seu agir.

Sempre se faz necessário que as regras, que tradicionalmente se opõe à vontade livre-arbítrio,

porque tem origem distinta dessa, sejam tomadas como fruto da própria vontade. É ela que decide

agir e é inerente à sua ação a determinação de regras, que no caso é o Direito, pois esse é expressão

de uma vontade livre em ação ou objetivação.

O direito, portanto, é abstrato na medida em que ele parte desse princípio abstrato, sem

recorrer às exemplificações históricas, factuais e muito menos a totalidade das relações que

interferem no próprio “conceito" de Direito. É “a vontade livre em si, tal como é seu conceito

abstrato, está na determinidade da imediatidade”.(F.D. §34; B) Sem uma mediação, que gera,

necessariamente, o que define a identidade aqui é a própria vontade, portanto deixando de lado as

possíveis relações com o não conceito de Direito.

E a primeira afirmação do direito abstrato se dá enquanto uma vontade que se determina na

identidade. A posse dessa identidade lança as bases da propriedade como elemento daquilo que é

mais elementar nas tratativas do Direito, a saber, a propriedade como inerente à própria identidade.

8 Cf. UTZ, Korand. REH – Revista Eletrônica Estudos Hegelianos. Jul./Dez. de 2011 N. 15, v.01. pp 43-47

9 VALCÁRCEL, p. 281 In: WEBER, Thadeu. Ética e Filosofia Política: Hegel e o Formalismo Kantiano. p. 116

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2.2.1. A propriedade

A propriedade mais elementar é o corpo que a vontade livre descobre ter. Sem o qual a

Vontade Livre não consegue se objetivar. Como propriedade, também podemos falar daquilo que

algo possui, é feito, é constituído. Logo, propriedade de um indivíduo ou do “eu" é a exterioridade,

uma extensão, portanto, um corpo na realidade. Pois será daí que se instala a relação entre um

universal, o espírito absoluto em rota de objetivação, e um particular, um corpo, uma subjetividade.

A vontade livre só pode assim ser considerada se ela tiver, na sua total liberdade, tomado para si um

corpo, pois, caso não haja esse corpo, não seria a vontade radicalmente livre, seria ela sediada de

liberdade.

Sem esses atributos não se pode falar de um eu que virá a ser indivíduo, isto é, um ser

agente. Donde iremos discorrer das questões que regem essa ação dessa vontade livre em um corpo,

ou um indivíduo, que implica, logicamente, em um ser que tem ação humana. Território da moral,

pois será nessa rubrica que se trata tais questões do costume ou do hábito humano, ou as guias que

em geral baliza a ação dos seres humanos, fato que lhe é peculiar, já que entre os animais, onde o

espírito consciente não se manifesta, não temos uma moral ou um modelo de orientação.

O tema em Hegel está muito bem relacionado com seus precedentes. Certamente existem

vários modelos sobre esse assunto que o autor não deseja tomar como sendo a sua verdade sobre a

questão, portanto, esse guia será considerado como baseado na razão autônoma e auto-referente. Se

esquivando apenas da ideia de Kant, isto é, da razão autônoma. Ele irá nos dizer que isso é vazio, a

razão do imperativo categórico precisa ser preenchida. Sua proposição de preenchimento se dará

nos aspecto relacional desse formalismo da razão, isto é, na vida ética. A vida comunitária,

composta por indivíduos racionais e morais, é que será o adendo diferencial de Hegel nessa questão.

Ainda sobre o direito abstrato, trata desse fundamento da propriedade privada. A

propriedade de um corpo é o mais elementar da propriedade. Desse fundamento que é a liberdade

da vontade que se apossa de um corpo teremos os desdobramento das demais posses.

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Segundo MASCARO, “a primeira parte, o direito abstrato, diz respeito ao direito

natural moderno, que está diretamente ligado ao interesse do indivíduo, e cujo cerne principal é a

propriedade privada e a autonomia da vontade nos contratos.”10

O que nos interessa, portanto, para

nosso trabalho, é compreender exatamente o estatuto do indivíduo e sua definição como sendo

portador, por definição, como indivíduo possuidor de direito. Desse elemento, nos interessa

exatamente tal justificativa, pois, no trato dos processos jurídicos tal direito é o ponto fixo donde se

constrói os devidos processos legais. Sem tal consenso não se conseguiria avançar para os demais

pontos, não teríamos necessidade de discutir “contratos” ou sua quebra (fraude).

2.2. A Moralidade

A moralidade é um tema que se entrelaça com a ideia moderna de vontade individual. O

autor clássico para o tema é Kant e seu conhecido dístico “tu deves”. Porém, Hegel observa que tal

proposta fica reduzida à esfera da “boa vontade” de cada sujeito. Tal reflexão moral não consegue

alcançar uma “verdade”, mesmo sendo ela objetiva para o subjetivo, ela se restringe ao pessoal.

Carecendo de uma instância que não dependa só do indivíduo para se efetivar.

Essa passagem da moral para a eticidade é exposta no próprio texto da seguinte maneira:

“Para o Bem, enquanto universal substancial da liberdade, mas ainda abstrato, as determinações

em geral são, por isso, tanto mais exigidas quanto o princípio delas, enquanto indêntico ao Bem,

assim como para a consciência moral, que é o princípio apenas abstrato do determinar, são

exigidas a universalidade e a objetividade de suas determinações. Ambos, assim elevados para si à

totalidade, tornam-se o que, privado de determinação, deve ser determinado. - Mas a integração

dessas duas totalidade relativas em uma identidade absoluta é em si já realizada, visto que

justamente essa subjetividade da pura certeza de si mesmo, que para si se dissipa em sua vaidade,

é idêntica à universalidade abstrata do Bem; - com isso, a identidade concreta do Bem e da

vontade subjetiva, a verdade deles, é a eticidade.(F.D. § 141. B)

O que nos interessa é notar que não basta uma demanda subjetiva, ainda que essa não seja

negada em face da ética, mas garantida. Consistindo a novidade de Hegel em não refutar o

10

MASCARO. Filosofia do Direito. 2014. p 251

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indivíduo em face da comunidade ética, mas ao mesmo tempo, não se jogando do lado de uma ética

baseada apenas na “autonomia do indivíduo ético”.

O direito e seus processos, como conhecemos hoje, é marcado por essa dimensão, melhor

apreciada adiante, a saber: como transformar a demanda individual em direito, porém, indicando e

refutando quando essa pretenção não passa pelo crivo de uma “prova" da objetividade. O critério,

portanto, não poderá ser a mera vontade particular, mesmo que ela seja, após os procedimentos,

referendada como sendo válida perante o direito.

O crivo a que aludimos nos é bem explicito pelo texto em questão: “(…) a identidade

concreta do Bem e da Vontade subjetiva, a verdade deles, é a eticidade.” (F.D. §141. B)

2. 3. A Eticidade

A eticidade ocupa a terceira parte da Filosofia do Direito. Nela todos os aspectos que até

então se concentravam em si ou apenas mediado, mas ainda como subjetivos, passam para o fora de

si, ou em termos da dialética: chega na terceira fase que é o conceito.E será nessa seção que o tema

do Advogado enquanto agente dialético encontrará, segundo nossas intenções dissertativas, seu

escopo de reflexão dentro da obra de Hegel. Seja na família concreta, passando pela vida em

sociedade até chegar ao Estado como instância síntese do Espírito Objetivo. Nosso foco é

acompanhar a obra naquilo que nos fornece elementos para pensar a ação dialética. Ponto que no

próximo capítulo terá o recorte da atuação de um profissional nessa dinâmica social proposta por

Hegel, o advogado.

Nos próprios termos de Hegel, a eticidade é o momento em “que minha vontade seja posta

como adequada ao conceito e com isso superada e guardada sua subjetividade”(F.D. 142), portanto,

que ela tenha passando pelos dois estágios anteriores da lógica, a questão do ser, da essência e, por

fim, ao conceito, no qual se apresenta como algo determinada, não mais abstratamente, mas tendo

um conteúdo e sendo posto em toda a sua relação. Em termos simples, diríamos, algo na realidade

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sobre a qual há vários fatores atuando simultaneamente; sem o recorte pedagógico que

habitualmente fazemos da realidade para melhor compreende-la. “A eticidade trata da ‘ideia da

liberdade como bem vivente”, da liberdade convertida em mundo existente (F.D. 142).

Teoria das mediações e instituições sociais. O Estado não como aparelho de repressão, mas

como aquele que garante a realização do:

“O dever-ser só limita o arbítrio da subjetividade (…) Quando os homens expressam que querem ser

livres, em primeiro lugar só querem dizer que querem ser abstratamente livres, e toda determinação e

estruturação no Estado aparece como uma limitação para essa liberdade. O dever não é, portanto,

limitação da liberdade, mas unicamente de sua abstração, quer dizer, da falta da liberdade. O dever, ao

contrário, implica o alcance da essência, a conquista da liberdade afirmativa (F.D. 149)

Quem faz uso da força coercitiva é a sociedade civil, o livre mercado. Outro ponto

importante é que Hegel salienta que para uma regra ética ter “validade" ela precisa ser dotada de

substancialidade. Isto nos parece indicar claramente que pode haver regras que não são verdadeiras

ou que permitem a liberdade da vontade. Para que efetivamente a regra ética possa ter validade ela

precisa ter certos aspectos e não qualquer coisa. Esse aspecto de validade, que ele chama de

universal, é o espirito se manifestando na regra particular. Donde surge a expressão, o

verdadeiramente particular é universal, pois um falso particular é dissociado do todo e não é fonte

de liberdade. Vejamos o texto:

“O costume é o que o Direito e a moral ainda não são: espírito. No direito, a particularidade ainda a

particularidade do conceito, mas somente da vontade natural. Igualmente, do ponto de vista da

moralidade, a autoconsciência não é ainda consciência espiritual. Nesse âmbito somente se trata do

valor do sujeito, isto é, que o sujeito se determina pelo bem, frente ao mal, tenha, todavia, a forma do

arbítrio. Aqui, do ponto de vista ético, a vontade existe como vontade do espírito e tem um conteúdo

substancial que lhe corresponde”. (F.D.: 151

O interessante notar e se perguntar é por qual motivo as particularidades, portanto imediatas

e naturais, se deslocam para uma substancialidade ética; ora, não há outro motivo em que não a

percepção, através do processo de mediação, que é na substancialidade que está o verdadeiramente

realizável, a vontade livre é de fato livre nesta instância.

Por fim, "por meio do ético, o homem tem direitos, na medida em que tem deveres, e

deveres, na medida em que tem direitos”. (F.D.: 155)

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2.3.1 A Família

Interessa-nos a família na medida em que é nela que Hegel indica a base da vida social. A

justificativa da congregação social não parte dos lugares habituais, tais como a natureza ou um

contrato aleatório. Sua base em Hegel é bem:

"O ponto de partida e a força motora da família é o amor. Este, por outro lado, é a

“consciência de minha unidade com o outro”, a consciência de que não existo como

ser isolado, de que minha autoconsciência depende de minha unidade com o outro.

Por outro lado, o amor é um sentimento, isto é, “a eticidade na sua forma natural”11

.

(F.D.: 158)

Um movimento do contingente, imediato e natural, à mediação e a necessidade, que será

expressa nas Leis do Estado. Esse é o movimento que vai da vontade imediata, pessoal, até a

vontade substancial que é aquela promovida pelo Estado.

O casamento deve superar o seu lado passageiro, movido por aquela inclinação imediata e

chegar naquilo que ele é: “amor jurídico-ético”, lugar em que “desaparece o passageiro, o

caprichoso e meramente subjetiva do mesmos (F.D.: 162)

A liga que une o casamento e, depois, o Estado, será, segundo Hegel, algo espiritual e não

mero contrato.

Para superar o contigente, imediato e passageiro não será antepondo um contrato, precisa-se

de algo mais forte capaz de superar essas forças centrífugas que a todo momento repõe a falta de

sentido ou o lado passageiro da união marital:

“O elemento moral objetivo do casamento consiste na consciência desta unidade como fim essencial,

porquanto no amor, na confiança e na comunhão de toda a existência individual. Neste estado

psicológico e real, o instinto natural reduz-se ao modo de um elemento da natureza destinado a

apagar-se no mesmo momento em que se satisfaz, e o laço espiritual eleva-se ao seu legítimo lugar de

princípio substancial, isto é, acima do acaso das paixões e gostos particulares efêmeros, e ao que é

indissolúvel em si”(F.D.: 163)

“O ético do casamento consiste na consciência dessa unidade, enquanto fim substancial, com isso no

amor, na confiança e na comunidade de toda a existência individual, - nessa disposição de espírito e

efetividade, o impulso natural é rebaixado à modalidade de um momento natural, que é precisamente

determinado a extinguir-se em sua satisfação, e o vínculo espiritual eleva-se em seu direito enquanto o

substancial, assim enquanto o que se situa acima da contingência das paixões e do bel-prazer temporal

particular, enquanto indissolúvel em si.(F.D. 163 - trad. Paulo Menezes)12

11

WEBER, T. Ética e Filosofia Política: Hegel e o Formalismo Kantiano. p. 138 12

Passaremos a utilizar a tradução de Paulo Menezes para Filosofia do Direito.

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Por fim, a família é o lugar em que o indivíduo faz a experiência da liberdade; portanto um

lugar muito especial e que deve ficar longe da interferência do Estado, e como instância ética

basilar das demais, sociedade civil-burguesa e Estado, não pode sofrer coação deles, pois sem essa

primeira experiência não se passa para as demais. Uma família distorcida, ou mera ideia sem

substancialidade, acarreta problemas na vida social e do Estado.

2.3.2. A sociedade Civil-Burguesa

A sociedade civil-burguesa comporta em Hegel duas articulações. Por um lado é o espaço de

instituições que garantem algumas liberdades. Entre elas a de expressão de ideias, a livre circulação

de informação, dita como direito de impressa. De outro lado a sociedade civil-burguesa também se

articula como lugar da prática econômica. Considerando os burgos, como aquele germe das cidades,

neles o principal era um tipo de liberdade de trabalho e de trocas de mercadorias, em oposição ao

sistema feudal.

Nesse aspecto, livre mercado, antes de ser absorvido nas teorias que defendem o livre

mercado, caracterizava essa prática histórica dos burgos, donde a concepção de sociedade civil e

burguesa como lugar da prática da liberdade e não da opressão, o que não está implícito nesse

modelo é exatamente o fato de que em dado momento a liberdade dessa sociedade será

desequilibrada. No jogo que outrora parecia ser um excelente fiel da balança, a livre oferta e

procura, a livre “barganha" no mercadinho, se encaminhou para evoluções que permitiram algumas

das modificações substanciais nesse processo. Em primeiro lugar o fato de que algumas famílias

conseguiam se perpetuar e outras não, propiciando a distinção no poder econômico, depois, o modo

de produção também passou do artesanal para o industrial, isto é, em série. Nesse novo cenário, a

ideia de um Estado que não deve interferir na vida da sociedade civil ganha no mínimo novas

necessidades.

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Retomando esse modelo de sociedade civil, ainda vale dizer que os indivíduos se agremiam

em “corporações" segundo suas necessidades, o que nos avisa que tais corporações irão interferir no

processo de livre negociação. Em termos hegelianos, temos o patrimônio e as habilidades de cada

um como requisito de disposição dos indivíduos dentro do jogo social, lembrando-nos que nesse

modelo há apenas igualdade de direito, isto é, todos serão tomados como sendo da mesma classe:

cidadão. Contudo, essa igualdade não tem nada a dizer sobre “igualdade social”.

Se por várias vezes, nos dias de hoje, em termos mesmo de um senso comum, somos

levados a pensar que tais ideais apregoavam uma sociedade igualitária, tal origem ideológica não é

fruto da obra de Hegel ou de outros, a desigualdade de condições entre os indivíduos sempre foi

corrente para Hegel e outros. Não se fala em um projeto que aplaine a desigualdade, apenas

assegure que os que conseguirem melhores condições possam usufruir dela e ainda perpetuá-la.

As corporações serão importantes, pois será nelas que interesses individuais serão elevados

a coletivos e universais. Em um movimento egoísta se produz um efeito coletivo:

“A essência do trabalho da sociedade civil-burguesa divide-se, segundo a natureza de sua

particularidade, sem diversos ramos. Visto que tal aspecto igual em si da particularidade vem à

existência enquanto algo coletivo na cooperativa, o fim egoísta, dirigido para o seu particular,

apreende-se e atua, ao mesmo tempo, como fim universal, e o membro da corporação, cujo fim

universal é, com isso, inteiramente concreto e não tem nenhum outro âmbito do que aquele que

reside na indústria, na ocupação e no interesse próprio.”(F.D.”251)

Aqui Hegel exalta que não vale apenas exercer uma profissão, deve-se estar ligado a uma

corporação. O diarista está sujeito à contingência, o que nos remete ao movimento do absoluto que

sempre nos impulsiona a distanciar desse estado de natureza. A corporação assume o lugar de

segunda família, pois ao sair do seio da família a liberdade irá encontrar seu lugar de realização na

mediação da corporação, que evita as sazonalidades, e tem o poder de prover certas proteções

contra a contingência.

2.3.2.1. O Sistema de Carecimentos

Acerca dos carecimentos, Hegel nos esclarece antecipadamente que:

A) “A mediação da carência e a satisfação do singular pelo seu trabalho e pelo trabalho

e pela satisfação das carências de todos os demais, o sistema das carências. B) A

realidade efetiva do universal da liberdade aí contido, a proteção da propriedade pela

administração da justiça. C) A prevenção contra a contingência que resta nesses

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sistemas e o cuidado do interesse particular como algo de comum pela polícia e pela

corporação” (HEGEL, 1998: 23)13

.

A constatação que se faz no tema em questão, é que o fundamento, tanto das carências no

campo social, quanto nos instrumentos de sua realização, como meio utilizado para a sua satisfação,

é a abstração.

Tendo em vista que as referidas carências são agregadas a um número infinito de incentivos

e particularizações, a sua implementação provoca uma miríade de repercussões e desdobramentos

de etapas sucessivas e intermináveis, os quais só se viabilizam porque abrangem e congregam um

número crescente de indivíduos, à medida em que o processo de desenvolvimento de um dado

projeto supera o estágio anterior, tornando incapaz de ser centralizado por um só indivíduo, eis que

o mesmo seria impotente para atender a todas as suas exigências.

Em segundo momento a divisão social do trabalho no mundo do mercado econômico cria

um sistema de dependências multilaterais e de relações crescentes tanto na realização de contratos

que regulam essas dependências e essas relações, como constrói, nestes mesmos campos, formas de

integrações culturais nas quais se operam relações pessoais.

Verifica-se, outrossim, como consequência dessa relação de ampla dependência multilateral,

o envolvimento de diferentes indivíduos, de diferentes gerações, de diferentes campos de atuação

profissional, cultural e territorial, de maneira que para a execução de cada trabalho em si mesmo,

acaba-se trabalhando para os demais trabalhadores na elaboração dos seus respectivos trabalhos.

O mundo de relações tem consequências na esfera profissional da divisão social do trabalho,

na medida em que impõe o aprimoramento das forças produtivas do trabalho em geral, com

13

Segundo interpretação de Ramos, o momento da sociedade civil-burguesa, denominado sistema das necessidades

(Das Sistem der Bedürfnisse), pode ser resumido nos seguintes pontos, (1) a ênfase no trabalho como categoria

filosófico-econômica que especifica uma nova forma de produção de bens e de relação social; 2) a racionalização

(abstração) do processo produtivo geral que inclui a abstração do próprio trabalho, das necessidades humanas e das

relações sociais; 3) a necessidade psicológica de diferenciação social dos outros indivíduos em função da posse ou do

consumo de bens diferenciados; 4) a noção de que a busca do interesse individual dos membros da sociedade converte-

se, no conjunto, na realização das necessidades sociais coletivas; 5) o princípio da liberdade econômica como elemento

gerador da desigualdade da riqueza. (RAMOS, 2000: 175).

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consequente aprimoramento das habilidades e destrezas de todos os envolvidos no processo em

execução, citando-se, nesse sentido, Hegel:

“o universal e objetivo no trabalho reside, porém, na abstração, que efetua a especificação

dos meios e das carências e, precisamente com isso, especifica a produção e produz a

divisão dos trabalhos. Pela divisão o trabalho do singular torna-se mais simples e graças a

isso torna-se maior a sua habilidade no trabalho abstrato, bem como o conjunto das suas

produções.” (HEGEL, 1998: 27)

Outra consequência da divisão social do trabalho, no que tange aos modos de produção, são

os benefícios e vantagens gerados a todos os envolvidos no processo social, em especial, na

ampliação das experiências e das relações que se consolidam no desenvolvimento da vida

profissional neste campo do mundo do trabalho. Detecta-se, também, vantagens imediatas a todos

os envolvidos num determinado processo produtivo, que se expressa na economia de tempo, na

proporção em que o executante de cada etapa do processo passa a ter um acúmulo de especialização

que os demais envolvidos naquela etapa de produção de um determinado bem não teria.

Outro reflexo do aprimoramento das habilidades e da destreza do individuo especializado

em cada etapa do processo produtivo, é um significativo aumento da qualidade do seu produto final,

em especial, pelo desenvolvimento da técnica, implementada com o passar do tempo, acrescendo-se

ao mesmo, o desenvolvimento das ciências relativas a um dado produto que a ele se agrega.

Além desses frutos colhidos nos aspectos técnicos da divisão social do trabalho, tem-se

ainda o ganho do aumento da produção, porém, tem como uma de suas implicações diretas a

simplificação da atividade laboral, no que tange ao desenvolvimento intelectual do seu executor, na

medida em que age cada vez mais pensando cada vez menos, o que leva os trabalhadores em geral

ao rebaixamento das suas atividades ao automatismo.

Hegel aponta, ainda, como um dos perigos da produção abstrata, ou dito de outra forma, a

abstração no mundo do trabalho, o fato de que, quanto mais abstrata for a produção mais singular

fica o trabalho, restringindo este a capacidade profissional daqueles que o executam no que tange,

em especial, a versatilidade.

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E, na medida em que essa especialização do trabalho evolui, na mesma proporção, torna-se

um exercício mecânico avançando para a substituição por trabalho morto, entendendo-se este como

mera etapa posterior das etapas de desenvolvimento dos instrumentos que se usa para realizar uma

determinada tarefa.

E, nessa marcha para a simplificação dos modos de produzir, encaminha o trabalho,

enquanto instrumento de evolução humana, para um rebaixamento de sua essência, com efeitos

diretos na condição intelectual daqueles que o executam, os trabalhadores, aprofundando assim, os

paradoxos com os primórdios do mundo do trabalho, bem como, as contradições nos planos

socioeconômicos e culturais e, consequentemente, um enorme fosso entre aqueles que no dia-a-dia

fazem o lado mais operacional do trabalho e aqueles que os comandam.

Assim, o que a princípio se apresenta como manifestação espiritual e livre, pelo

aperfeiçoamento e repetição, torna-se ação mecânica sem qualquer acúmulo intelectual, tornando-

se, assim, em simples abstração daquela ação criadora inicial.

Nessa medida, podemos dizer que Hegel não se prende às questões relativas ao

desenvolvimento técnico, em sua análise da divisão social do trabalho, detendo-se numa visão

abrangente do corpo social em sua totalidade, no desenvolvimento da riqueza universal,

especialmente, como resultado da conquista da liberdade, que pôs em marcha o mundo das relações

humanas em todos os campos.

Todavia, a despeito de não se deter aos componentes dessa produção da riqueza universal,

aponta, nesse universo, para a existência de contradições nas relações paradoxais do mundo do

trabalho, através do qual se criam as condições para a emancipação humana e de ruptura de sua

antiga condição de ser da natureza, transformando, num outro plano, grandes contingentes de

trabalhadores em servos e plateias anônimas do maquinário industrial, impondo uma alienação

ainda mais profunda que em sua antiga condição de vida na natureza, sintetizada por Hegel:

“Por isso, esses trabalhadores se embotam, eles estão ligados a uma tarefa e

estão, assim, à beira do abismo; por outro lado, o seu espírito se degrada. E

visto que se pede o elemento espiritual do trabalho, que é um aprender em

conjunto, um estar atento e um dominar varias coisas, a consequência dessa

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perda é que, por fim, a maquina pode entrar no lugar do homem.” (HEGEL,

1998: 34)

De outro modo, verifica-se que, de forma contundente, que a marca desse desenvolvimento

da riqueza universal teve como signo o aumento permanente da complexidade das relações

econômicas, que se multiplicam no seio da sociedade civil burguesa, evidenciando, para uma

parcela, a abundância, o requinte e o luxo, e por outro lado, a miséria, contrapondo elevação da

produtividade e a exclusão do indivíduo na divisão dessa riqueza universal.

Não menos contraditório é verificar-se que essa riqueza universal é gerada a partir do

aprofundamento das relações sociais e do entrelaçamento multilateral e da interdependência dos

indivíduos no mundo do trabalho, a chamada inserção no mercado.

Assemelhando-se à análise do tirano que ao centralizar o poder político de uma nação, que

num primeiro momento gera o mal e, num segundo momento, o bem, Hegel demonstra que a

implementação da vontade egoísta, tem como consequência o fluir do universal, pois, aquele que

adquire para si, adquire também para o todo, na medida em que a acumulação da riqueza só se

expressa como poder nesse todo, como ilustra no texto em destaque:

“Esta necessidade, que reside do entrelaçamento multilateral da dependência de todos, é,

doravante, para cada um, a riqueza permanente, universal, que contém para cada um, a

possibilidade de nela participar pela sua formação e sua habilidade, afim de estar assegurado

de sua subsistência, - assim como esse rendimento mediado pelo seu trabalho conserva e

aumenta a riqueza universal”. (HEGEL, 1998: 37)

Destaca-se que a participação na riqueza universal ou riqueza particular encontra-se

subordinada a dois fatores distintos na sociedade civil burguesa, quais sejam, que esta participação

pela base imediata do capital acumulado, num primeiro momento, é, pelas aptidões que cada um

desenvolve individualmente, numa etapa posterior.

Importa observar que a participação na riqueza universal não se dá de forma igualitária,

sendo, muito mais resultado de processos históricos, logo, desigual, além de consideráveis

diferenças de procedimentos de acumulação pessoal do capital, resultante de uma dada realidade

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histórica, acrescendo-se a isso, as habilidades típicas de cada indivíduo, além de seus respectivos

dons naturais, o que Hegel expressa melhor na seguinte passagem:

“Contrapor ao direito objetivo da particularidade do espírito contido na Ideia, o qual na

sociedade civil não só não suprime a desigualdade dos homens posta pela natureza – que é o

elemento da desigualdade -, mas a produz a partir do espírito e a eleva a uma desigualdade da

habilidade, da riqueza e mesmo da formação intelectual e moral, contrapor a esse direito a

exigência da igualdade é próprio do entendimento vazio, que toma esse abstractum e esse

dever-se pelo real e racional.” (HEGEL, 1998: 39)

Logo, o que se verifica na sociedade civil burguesa é o domínio da particularidade em

permanente disputa de todos os espaços, prática essa que resulta na manifestação da desigualdade

entre os indivíduos na esfera social, o que também ocorria na natureza, só que naquele âmbito de

forma atenuada, expressando-se no meio social como desigualdade cultural, moral e de fortunas.

Esclarece-se, nesse sentido, que se a princípio a natureza estabelecia como desigualdade de

força, tamanho e velocidade, como diferenças básicas entre os indivíduos, no plano do social, é

reproduzida a partir do espírito, pelas desigualdades na forma dos costumes, na formação pessoal e

da riqueza acumulada, ficando evidente a ironia de Hegel à ideologia daqueles que proclamam a

igualdade na sociedade civil burguesa, na medida em que se constata que referidos teóricos

percebem o mundo social apenas a partir do dever-ser e não de sua própria realidade.

2.3.2.2. A Administração do Direito

A título de localização do tema dentro da obra “Filosofia do Direito”, vale dizer que a

"Administração do Direito” está dentro da sociedade Civil. Dito de outra forma, temos na seção

Sociedade Civil que é dividida em: a) Sistema de Carências, b) Administração da Justiça e c) A

administração pública e as corporações. O presente tema está no b.

Respeitando o esquema de sempre conceber o processo em três etapas, a tal seção “b”, em

questão, também se divide em três. No caso temos, a) O direito como (enquanto) Lei (§211), b) a

existência da Lei ou, como preferem os tradutores MENEZES, BAVARESCO et. al., O Ser-Aí da

Lei e, por fim, c) O Tribunal.

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Como nos outros tópicos, Hegel se dedica a uma definição da seção, antes de passar para

discorrer sobre o que é próprio do tema aí tratado em três momentos, cumprindo assim sua ideia

máxima de dialética, ou seja, falar de um tema é abordá-lo nas suas várias facetas, e não apenas

abstraindo uma parte dele e tomando essa parte como se fosse todo o tema, o que resultaria em uma

visão parcial e inútil da realidade, segundo o sistema hegeliano.

Cumpre ainda dizer que o papel do juiz de Direito dentro da F.D. de Hegel não é isolada e

muito menos pretende ser um manual de Lei Orgânica da magistratura. Fica-nos evidente que o

parágrafo § 226 coroa um processo referente à administração do direito que passaremos a

apresentar a seguir.

Assim, o autor passa a tratar o direito dentro da sociedade Civil, na qual o Direito se dá nas

relações, esfera que para Hegel é a cultura.14

As relações, por sua vez, são motivadas e estruturadas

segundo as carências, portanto, vale dizer, o que move as relações são interesses de satisfazer

necessidade pessoais, nada de ideias vagas como “bem comum”. Esse é o motor, por assim dizer,

que movimenta as relações e acabam por demandarem pelo direito. Antes, então de entrar no

direito, temos que dizer que a percepção dessa necessidade ou realidade de ter, que se relacionar é

registrada na consciência, e que instância é essa no engenho hegeliano? Tem que ser um ponto

comum entre todas as pessoas, pois não pode ser singular, onde apenas um perceba; para que a

coisa funcione é preciso ter eco em todos os indivíduos, todos precisam perceber que é preciso de

um lugar para administrar tais relações, movidas por interesse pessoais.

Vale dizer o seguinte de Hegel, como Rosseau e outros contratualistas, precisam explicar

certos princípios donde irão assentar suas teorias ou explicar o que está diante de nossos olhos.

Portanto, tal recurso é um recuo lógico, uma demanda necessária para se prosseguir na construção

reflexiva. Nesse caso, Hegel, com suas terminologias próprias, nos indica que é preciso registrar

que a necessidade da administração do Direito “reflete” em primeiro lugar na “personalidade

14

O Prof. Pe. Lima Vaz, notável estudioso do pensamento de Hegel entre nós, por isso mesmo tem vários trabalhos

dedicados ao tema da Cultura, pois se trata de um desdobramento filosófico do pensamento de Hegel essa esfera da vida

humana.

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infinita”, que segundo Carla Cordua, é semelhante ao Direito Abstrato: "Esta relatividad de todos

unos respecto de los otros se torna reflexiva primero en la personalidad infinita que es el sujeto de

las relaciones juridicas.” (p. 167; § 209), ou seja, a base das relações jurídicas precisa de um ponto

de partida, donde se parte na construção do edifício. Não só a ideia de sujeito de direito é uma

demanda lógico necessária, tratado lá no Direito Abstrato, mas, nesse caso, é preciso assentar em

algum ponto de onde surge o fato de haver uma regra ou Lei objetiva como ordenamento das

relações dos indivíduos. Essa base, daí a comparação da pensadora argentina Cordua, deriva da

necessidade de que ela tem de ser conhecida por todos. Esfera que Hegel chama de personalidade

infinita.

Nos termos do próprio texto de Hegel então temos: “A relação recíproca das carências e do

trabalho que as satisfaz reflete-se sobre si mesma, primeiro e em geral, na personalidade infinita, no

direito abstrato.” (§ 209)

A realização que se dá, primeiro no subjetivo, se assenta sobre algo que não é singular, a

satisfação que cada um tem em se empenhar nos fazeres recai sobre uma parte em nós que Hegel

denomina de infinita, isto é, a todos os seres humanos enquanto personalidade, e, nesse sentido,

podemos encaminhar que o Direito só será positivo na medida em que ele seja universal,

reconhecido, sabido e querido: eis a efetividade objetiva do direito. Nessa localização ou

justificação do direito positivo é que se assenta o fato de que é preciso que todos os humanos sejam

iguais, não podendo “ser judeu, católico, protestante, alemão ou italiano”. (F.D. §209 -

Observação); pois se fossemos diferentes não estaríamos falando a mesma língua, não seríamos os

mesmos, e, portanto, não teríamos consciência, reconhecimento, sabedoria e desejos capazes de

efetivar o Direito. Só há direito nesse sentido se todos nós desejamos que hája; esse é ponto que

consegue tornar “efetivo” o direito. Considerando que será dessa percepção consciente dos

indivíduos na Sociedade Civil-Burguesa que se chega ao que para Hegel é objetivo. A objetividade

está na percepção consciente, por ser objetivo, isto é, pertencer a uma estrada comum onde todas as

individualidades tem acesso, é percebida pelas várias consciências singulares. Aqui, o objetivo

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sinaliza que não se trata de algo reduzido a uma singularidade; fechada no único. A propriedade do

objetivo é conseguir ser presente em todas as consciências singulares.

Dentro desses motivos do direito posto, que emana do fato de todos conhecerem, desejarem,

etc., temos o equivalente do contrato corrente lá nos jus-naturalistas15

. Passemos, então a tríade da

seção Administração do Direito.

Primeiro é preciso transpor o direito como Lei (§ 211), e nesse movimento é feito uma

comunicação de consciência para consciência, ou o direito é posto de modo racional e é dirigido à

consciência. Será nesse movimento que o Direito se transforma em Lei. Tal movimento, vale dizer,

expressa-se de consciência à consciência na medida em que ele visa o comportamento humano.

Já na “existência da Lei” (§215) o ponto chave para que ela exista enquanto Lei e não mero

emaranhado de escritos em folha de papel, está no princípio de que é preciso ter autoconsciência. A

novidade e contemporaneidade consiste no fato de que tenho que saber do que se trata; não posso

ser parte em um processo e não ter o direito de saber o teor em que sou citado. “A obrigatoriedade

para com a lei inclui, da parte do direito da autoconsciência (§ 132 com a anotação), a necessidade

de que as leis sejam tornadas conhecidas universalmente.”(§215). Não se pode, por exemplo,

implicar responsabilidade se a auto-consciente não for garantida, algo que nos é corrente, mas que

nem sempre foi assim. No comentário feito ao parágrafo 215 Hegel é claro: “Pendurar as leis tão

alto que nenhum cidadão as possa ler, como fez Dionísio o Tirano, - ou enterrá-las no aparato

amplo dos livros eruditos, de compêndios de decisões de juízos e de opinião divergentes, (…)”(F.D.

Comentário do § 215)

Passemos à ultima parte dessa trinca que é o Tribunal. E nada melhor do que o texto do

filósofo para pensarmos esse ponto:

“O direito, que entrou no ser-aí na forma da lei, para si, defronta-se autonomamente com o querer e o

opinar particulares sobre o direito e tem de se fazer valer como universal. Esse conhecimento e essa

efetivação do direito no caso particular, sem o sentimento subjetivo do interesse particular,

concernem a um poder público, o tribunal." (F.D. §219)

15

Hösle compara a ideia de Direito abstrato em Hegel com a ficção jusnaturalista de um “homem em estado de

natureza”.

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Aqui, como parte do idealismo de Hegel, podemos notar que aqueles motivos que dão

existência ou efetividade ao direito não podem sucumbir ao singular, ao interesse deste ou daquele

indivíduo. Eles são queridos e sabidos, e nesse sentido o que é querido e sabido é um particular,

determinado, mas não singular. E aqui, na esfera do tribunal, é que o interesse particular terá que ser

subsumido ao universal da Lei. A Lei ganha autonomia, pois seu “em-si” que é desvelado pela

razão, que parte da razão e fala à razão ou à consciência, ao se apresentar como universal não se

deixa sucumbir no querer singular. E é nesse jogo que se comunica como o singular, mas o arranca

na direção do universal que se enquadra a função do tribunal.

Do citado parágrafo §219 até o §229 Hegel cuida de expor toda uma ritualística necessária

para que haja direito e lei, assim, temos como temas a justiça enquanto superação da vingança

(§220), a necessidade do cidadão não só de conhecer a linguagem do processo, mas de poder

participar no tribunal (§221); a forma ritualística do processo, no qual o tribunal evoca às partes a

apresentarem suas petições que devem ser provadas (§226) e prossegue , como sendo de natureza

demonstrável e obrigado a comprovar-se. Como responsável desse processo temos a função do juiz

de direito que garante a ritualística do direito (§226).

Os demais parágrafos prosseguem no trato dos processos e problemas oriundo da aplicação

do direito e finaliza com no § 229 que passamos citá-lo, dado seu caráter estratégico para nós:

“Na administração do direito, a sociedade civil-burguesa, na qual a ideia se perdeu na particularidade

e desintegrou-se na separação do interno e do externo, reconduz-se a seu conceito, à unidade do

universal sendo em si com a particularidade subjetiva, contudo essa [se situa] no caso singular e

aquela na significação do direito abstrato. A efetivação dessa unidade, na extensão ao âmbito total da

particularidade, incialmente, enquanto união relativa, constitui a determinação da administração

pública e, numa totalidade delimitada, mas concreta, constitui a corporação.”(B §229)

O direito retoma o seu conceito, isto é, sua efetividade pelo processo da sua administração.

Isso ocorre pelo seguinte: a ideia do Direito na dinâmica da sociedade civil acaba por se dissolver;

pois é em cada indivíduo, e nas suas necessidades, que os aspectos abstratos do Direito se

manifestam. Por essa realidade é que, então, a “ideia (de Direito) se perdeu na particularidade e

desintegrou-se na separação do interno e do externo (…)”(B§ 229). O interno referente ao próprio

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indivíduo, suas carências, e ao externo na medida em que ele se move condicionado por seu interno,

mas que esse já não está inscrito no íntimo do indivíduo, mas está localizado em aspectos externos

dessa demanda interna. Tal externo, nos parece ser exatamente a ação ou a esfera na qual o desejo

individual se vê dotado também de uma dimensão relacional, contudo, tanto interno e externo ainda

se restringe ao indivíduo e seus particulares, de onde temos que o Direito se perde tanto nessa

separação, pois os interesses particulares de cada pessoa pode ter combinações infinitamente

particulares, no que concerne ao subjetivo de cada um, quanto nos modos que esse subjetivo se

articula na esfera relacional (objetiva ou externa).

Operando a junção do universal com o particular, a administração do Direito “dá vida” à

coisa, isto é, sai de aspectos abstratos ou “em si” e se mistura com o "fora de si” ou mundo da

natureza, no caso a natureza humana, tratada no que se chama de espírito objetivo (Filosofia do

Direito). Considerando aqui objeto enquanto objetivo humano e não algo fora do humano, que é

própria da natureza em si, sem mediação.

Assim, dentro da administração da Justiça ou Jurisprudência, Hegel enquadra todos os

aspectos que retiram a Justiça do âmbito da vingança. Dotando-a de parâmetros que almeja

fundamentar o Direito e tudo o que concerne a ação humana e propriamente humana, em bases que

não sejam por um lado racionais, no estilo de Kant, e por outro, naturais, própria dos que

conhecemos.

2.4. O Estado: o fiel da balança e concretizador da substancialidade ética

O Estado é o ponto máximo de substancialidade da vontade. O que implica dizer que ele é

basicamente duas coisas em Hegel: administração pública e articulador da política.

Por administração pública o Estado é responsável por tudo que é bem público, nunca agindo

em favor de um grupo ou indivíduo. Garantir, por exemplo, que todos possam ter opinião pública é

uma ação em favor do coletivo. Garantir a propriedade particular, em detrimento de outro indivíduo

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que queira tomar a posse alheia. No que toca à política ele se apresenta como instância que absorve

na sua estrutura a representação da sociedade civil. Pela representação, torna-se possível mediar os

vários interesses particulares e uma ação comum.

No texto da Filosofia do Direito temos:

“O Estado é a efetividade da liberdade concreta; mas a liberdade concreta consiste em que a

singularidade da pessoa e seus interesses particulares tenham tanto seu desenvolvimento completo e o

reconhecimento de seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), como, em

parte, passem por si mesmos ao interesse do universal, em parte, com seu saber e seu querer,

reconheçam-o como seu próprio espírito substancial e são ativos para ele como seu fim último, isso de

modo que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer

particulares, nem os indivíduos vivam meramente para esses últimos, enquanto pessoas privadas, sem

os querer, ao mesmo tempo, no e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz consciente

desse fim. O princípio dos Estados modernos tem esse vigor e essa profundidade prodigiosos de

deixar o princípio da subjetividade completar-se até o extremo autônomo da particularidade pessoal e,

ao mesmo tempo, o reconduz para a unidade substancial e, assim, mantém essa nele mesmo. (F.D.:

260)

Considerando a citação, podemos dizer que o esforço de Hegel é permitir uma fórmula

lógica que garanta a motivação individual no coletivo, sem que esse interesse elimine a instância

que promete ser a superação do egoísmo. O Estado, por outro lado, não elimina o individual para

garantir o coletivo. A engenhosa construção hegeliana se dá exatamente na exposição de que é

possível uma motivação individual que em dado momento passa a ser coletiva. “O fim último

universal” do Estado é o “interesse comum”.

Segundo Thadeu Weber, essa formula pode ser expressa assim:

“Indica que, no Estado idealizado pelo autor (Hegel), há uma identidade entre direitos e deveres; o

indivíduo tem direitos, na medida em que tem deveres, na medida em que tem direitos. Isso significa

que aquilo que o Estado exige como um dever é, ao mesmo tempo, um direito para os indivíduos.

Num Estado ético, há uma mútua restrição entre direitos e deveres. É o que torna possível a

conciliação entre interesses particulares e interesses universais.”(WEBER. p.154)

Para finalizar, esse Estado que garante direitos e tem deveres é composto segundo algo. A

constituição desse Estado é, antes de mais nada, fruto do espírito de um povo. O Estado e sua

constituição, aqui não estão referindo-se ao “ordenamento jurídico” desse ou daquele Estado

histórico, que nesse caso reduzir-se-á a mera burocracia. Em contrapartida, o Estado enquanto

“espirito de um povo” tem mais força e é definidor do jeito de ser desse ou daquele grupo de

indivíduos que criam um espirito de Estado. A constituição, portanto, é fruto desse espírito, na

verdade é o próprio espírito. Aquele documento escrito chamado de constituição nada mais é que

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uma manifestação dessa Constituição. A força e o poder desse documento reside não na sua letra,

mas em algo vivo.

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Capítulo III

O ADVOGADO COMO AGENTE DIALÉTICO

3.1. O Advogado Segundo o Direito

Para o quadro desse trabalho pretende-se tomar uma definição sobre o Direito que seja

suficiente para dar contornos como aquele profissional que articula linguagens. Concepção que as

pessoas em sociedade vivem relacionando-se não como pessoas, mas como seres de linguagem. O

Advogado, portanto, é esse profissional que não só lida com a linguagem, mas entre os vários

códigos um em específico lhe objeto de trabalho.

3.2. O Advogado

O grande marco do direito na história moderna e contemporânea nasce com a Revolução

Francesa, a qual, para além das garantias democráticas, que no pós- Revolução eram muito tênues,

pois, se por um lado, o Estado havia sofrido mudanças estruturais, haja vista que a Revolução foi

política e não social ou econômica, como em grande parte se interpreta, por outro lado, a

democracia só se impôs como prática política quando a sociedade a absorveu tendo como referência

as mudanças ocorridas no aparelho do Estado, resultando, dessa simbiose, entre a sociedade e o

Estado na construção de uma prática democrática, no Estado de Direito, esse sim, o garantidor da

grande mudança civilizatória na vida moderna, pois, além de garantir a todos os direitos e os

deveres previstos em lei, assim se manifestou na sua racionalização, tanto do Estado como ente

representante de uma nação, como no direito, na condição de nova ciência, pautada, tanto pelas

regras de provas, dentro das regras lógicas, quais sejam, tese, antítese e síntese, quanto do amplo e

igual direito de defesa entre as partes.

Não menos importante citar, nos marcos dos fatos históricos que construíram os referenciais

jurídicos, no mesmo nível da Revolução Francesa, encontra-se a Revolução que redundou na

independência dos Estados Unidos da América, a qual, também, se pautou pelos mesmos princípios

jurídicos como instrumentos de pacificação da sociedade e de estabelecimento da ordem, no que

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tange à garantia dos direitos e a racionalização do Estado, na sua relação com a sociedade, o que,

também, implicou num desenvolvimento das forças produtivas e das classes sociais em geral, que

passaram a ter maior liberdade de iniciativas, tanto no campo jurídico, quanto no exercício da livre

iniciativa, como instrumento de consolidação de relações no seio de cada sociedade em particular e

nas relações dessas com outras sociedades e com outros Estados.

Dentro dessas estruturas, tanto daquelas sociedades, acima citadas, quanto na formação dos

novos Estados, que então surgiram, além dos palcos comuns e tradicionais de resolução de conflitos

entre as partes, que até então existiam, ganha força, a partir de então, a figura do advogado como

agente do direito, sob a ótica de cada uma das partes envolvidas em cada conflito, pautando-se a sua

ação pela racionalidade prevista na lei, personificando e passando a ser o referencial da luta pelo

direito, como instrumento, não só de construção de novos direitos, a partir dos princípios jurídicos a

eles relacionados, como também, de interpretação do direito positivo, já em vigência, elevando essa

hermenêutica às arcadas dos Tribunais, forçando aqueles que fazem cumprir o ordenamento

jurídico, em nome do Estado e da sociedade, a consolidarem jurisprudências que se revelam para

além do mero entendimento literal da lei, em grande medida, desvinculado da vida prática e

cotidiana, a qual impõe adequações da lei à vida e a realidade que a envolve, e da maneira como ela

se tece nas suas infinitas relações no mundo real da sociedade no seu interagir, criando, não só, uma

interpretação, para além do mero entendimento, como também, a sua adequação a cada fato lançado

pela realidade, tendo o advogado como aquele que primeiro recepciona essa nova realidade jurídica

e social.

Referidas Revoluções inauguraram uma nova etapa no campo do direito, como resultado de

uma nova visão de mundo, seja pela criação, a partir do Estado, do espaço público, do bem público

e do direito público, seja pela valorização da cidade, como ambiente propício para a modernização

das relações e de preservação das individualidades, em especial, desta última característica, que dá

ao cidadão o direito de exercício da liberdade no seu existir, como também, da preservação dos seus

direitos, dos seus bens e da luta pela aquisição de novos bens e valores, o que, por si só, já

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constituem um rol de instrumentos de uma sociedade dinâmica, contraditória, porém, altamente

dialética, no que tange à busca por mudanças e, consequentemente, pela evolução do existir em

geral e individual dos membros de cada sociedade, o que só se viabiliza com o aval do direito

desprendido do mero entendimento da letra fria da lei, mas, acima de tudo, como resultado de uma

dinâmica dialética impulsionada pelos advogados, na condição de agentes do confronto de teses e

antíteses, e ansiosos por uma síntese plenamente ajustada às referidas proposições desse elevado

silogismo político, social, econômico, filosófico e jurídico.

E, nessa trajetória histórica do direito, em especial, na pessoa dos advogados, desde a Queda

da Bastilha até os dias atuais, tem sido longa, persistente e, acima de tudo, instrumento de

resistência nos momentos mais difíceis, seja de guerra, de regimes de exceção, de preservação das

instituições em geral, para que as mesmas não se degenerassem, o que se assim ocorressem,

certamente representariam um retrocesso social, político, econômico e civilizatório e, ocorrendo o

seu inverso, com a mantença do Estado de Direito, encontra-se, nessas circunstâncias, a pessoa dos

advogados, como guardiães desse direito que, muitas vezes na história, ficam a mercê da

truculência dos donos do poder ou da falta de organização da sociedade em geral, além de, nessas

condições, preencherem os advogados, no exercício de suas funções, as tarefas de construtores de

referenciais de novas leis, na medida em que, como porta-vozes da sociedade perante o Estado,

levam a este ente as demandas e as mudanças ocorridas na sociedade, que deveriam, em tese, serem

preenchidas por aqueles que representam a nação, que são os membros do Poder Legislativo, os

quais, ao não cumprirem a contento o seu papel, resta aos operadores do direito a tarefa de

ajustarem as demandas mais gerais e coletivas da sociedade aos pedidos formulados

individualmente em suas ações perante o judiciário, no bojo das quais, acalentam reclames gerais da

sociedade, desde aqueles que se encontram num plano estritamente social até os de natureza

amplamente política.

Outrossim, a advocacia, como atividade paraestatal, cumpre papel indispensável no

funcionamento do Estado, na sua expressão judiciária, seja porque, a condição do poder de justiça

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do Estado encontra-se, fisicamente, restrito ao âmbito da estrutura administrativa daquele ente, seja

porque, essa esfera de poder não tem condições de acompanhar, com a presença física dos seus

agentes e sua estrutura, a amplitude e a complexidade do conjunto da sociedade, criando, assim,

enormes lacunas e responsabilidades, nas quais, o Estado não teria como se fazer presente, cujos

espaços são ocupados pelos advogados, na condição de agentes buscadores do direito perante o

Estado, em nome do cidadão em geral e das entidades da sociedade civil, cumprindo, além dessa

função estritamente jurídica, a função, repita-se, de agentes da dialética, como construtores do

direito em nome de seus clientes, funções essas, em parte exercidas pelo poder delegado do Estado,

ao transmitir aos advogados a capacidade de postular direitos e deveres junto ao Estado, na

condição de porta-vozes da sociedade em sua busca pela emancipação.

Acrescente-se, ainda, que a profissão de advogado inclui-se entre as mais antigas atualmente

em atividade, sendo que seu exercício remonta à própria Idade Média, pois, já no Império Romano,

em grande medida, ela já havia se consolidado nas disputas travadas pelos que detinham o título de

cidadão romano, constituindo-se o direito, na sociedade moderna, um dos tripés da civilização

ocidental, os quais tiveram suas origens no Direito Ramano, conjuntamente com a filosofia grega

clássica, e o cristianismo como terceiro suporte nessa tríade civilizatória, status esse, somente

alcançado por conta da atuação sistemática do advogado, na medida em que, se assim não fosse, o

direito, não seria ciência e, certamente, se rebaixaria, nessa condição, a mero expediente burocrático

do aparelho administrativo do Estado, acrescendo-se, nesse rol de importâncias, que o direito, nos

últimos séculos, foi o grande instrumento de racionalização do Estado, tendo sido o advogado o

pólo mais avançado desse processo de transformação do direito em uma ciência, eis que, nesse

exercício, a sua atuação se pautou pelos rigores da lógica, pois, adstrito a uma tese, contraposto por

uma antítese e concluído por uma verdade dialética, expressa por uma sentença na condição de

síntese resultante da confrontação das proposições apresentadas anteriormente pelos advogados.

Retrocedendo mais um pouco a trajetória histórica do direito à alta idade média, verifica-se

que juntamente com a medicina e a teologia compunha os três grandes ramos dos assim

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denominados “conhecimentos superiores”, os quais constituíram os grandes cursos universitários

daquele período histórico, sendo certo que o direito, no seu desenvolvimento naquele período, tendo

como base o direito canônico, criou parâmetros para a construção de uma nova mentalidade, eis

que, a despeito de não poder ser exercido profissionalmente pelas pessoas comuns, poderia ser

acessado como fonte de entendimento das relações em geral, e em especial, das relações políticas

entre Estados, e nas nascentes relações comerciais, no que tange aqueles que desenvolviam a

mercancia, servindo entre estes últimos, como instrumentos de garantias no cumprimento dos

contratos e da preservação dos valores ajustados, relativos aos referidos contratos comerciais, sendo

certo, ainda, que muitos profissionais da área jurídica, mesmo não atuando diretamente nos

processos, redigiam discursos de teor jurídico e entregavam às partes, como instrumento de

autodefesa, fato esse que remonta a própria Grécia Clássica, como fonte mais distante do direito no

ocidente, e em grande medida fortemente influenciada pela filosofia, citando-se, como exemplo, o

histórico Julgamento de Sócrates.

E, nessa medida de importância, verifica-se que o advogado, no exercício de sua profissão,

dedica-se preponderantemente à manutenção dos direitos das partes, cumprindo esse papel não só

na esfera privada, mas, também o papel fundamental, porque de cunho pedagógico, na formação da

sociedade, seja na busca e construção de novos direitos, seja também, na orientação de seus clientes

no entendimento dos limites desta busca, para que o cidadão não se rebaixe, nesse plano jurídico, ao

campo das emoções e dos desejos, papel didático esse que só pode ser cumprido por aqueles que

militam no mundo jurídico, tanto no que tange à preservação do direito à liberdade, do direito de

expressão, do direito à propriedade, da definição das relações familiares, da atuação e da

preservação das relações econômicas, como também na atuação e no papel do Estado, para que este,

como poder maior de uma nação, não extrapole os seus limites, transformando-se num instrumento

de tirania contra o seu próprio povo, o que, mesmo nos últimos séculos, por muitas vezes ocorreu,

encontrando, no exercício da advocacia, um pólo de resistência privilegiado, tanto na limitação do

exercício da lei, quanto do exercício do poder político como poder paralelo a este.

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Outrossim, mesmo o advogado que se encontra na condição de porta-voz do Estado, no

exercício da chamada advocacia pública, composta por membros da advocacia dos entes públicos,

no caso de nosso País, tanto a nível da esfera Municipal, Estadual e Federal, além de atuação nesse

campo na esfera das fundações públicas, acrescentando-se a essa atividade, aquela desenvolvida no

campo do direito privado, mas assessorando as relações de alta complexidade da vida moderna, tais

como, associações empresariais em geral, contratos de elevado valor, obrigações de prestações de

serviços, de contratos internacionais, de intérprete do emaranhado normativo que envolve essas

relações, como de conselheiro desse rol de entidades, como defensor de direitos junto a essas

entidades, intervenções essas sem as quais, certamente, resultariam no grande número de conflitos

que desembocariam no judiciário, dificultando não só o poder do Estado nas suas tarefas mais

prementes, como também, um prazo de solução desses conflitos, certamente, mais longo do que

através da intermediação advocatícia neste campo das relações na sociedade civil.

3.3. Aproximação do Advogado à Filosofia do Direito de Hegel

O indivíduo se apresenta com uma coisa particular diante do advogado. Esse terá que

transformar tal demanda, certamente marcada pela subjetividade do indivíduo, na universalidade da

Lei. Essa negação da demanda pessoal ao elevá-la a patamares da Lei, que é universal, precisa

conter o desejo de justiça do indivíduo, mas sob uma apresentação que encaminha para além de sua

pessoalidade e desejos. Essa demanda pessoal, que implica um acontecimento particular - mesmo

quando se trate de um prejuízo coletivo (a classe dos trabalhadores), terá que ser compreendida em

termos objetivo e universal. O que pode parecer em uma fustigação do desejo do individual; Pondo

o advogado no lugar de saber

Formulado assim, o advogado estará no segundo momento dialético, que é a negação da

coisa que foi posta. Contudo, ele pode também cumprir o terceiro estágio da dialética propriamente

hegeliana, ao conciliar esse particular com o universal da Lei, formulando um pedido de justiça.

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Essa produção capaz de destacar o positivo que foi negado, mas em seu contrário que é o universal;

isto é, no pedido formulado na petição, terá sido contemplado a demanda particular do cliente que

teve de ser negada/transformada na linguagem da Lei universal. Nessa conciliação que resulta em

uma petição, o individual se vê contemplado no universal.

Nos interessa inda notar que é possível pensar uma dinâmica dialética que conceba os três

momentos da objetivação do espírito. A saber, indivíduo, o advogado (corporações da sociedade

civil-burguesa) e o Estado.

Como para Hegel o Estado só pode funcionar por representação, sendo inconcebível uma

participação direta do indivíduo, as corporações da sociedade civil-burguesa, entre elas a dos

advogados, constitui a mediação necessária. Segundo comentadores, Hegel ao saber do Terror da

Revolução Francesa, percebeu que um Estado à mercê da particularidade dos indivíduos seria algo

incapaz de funcionar. Para superar essa contingência é preciso a mediação, tema que justifica todo

pensamento sobre moralidade e eticidade, como momentos que vão do particular e imediato ao

universal e mediado. Nesse roteiro, o advogado está nas corporações de oficio, especialmente entre

as atividades de oficio universal(o direito e a justiça).

Nesse percurso, o advogado é o universal da sociedade civil, e tem na cadeias dos

carecimentos a oferta de serviços jurídicos ou aquele que faz a mediação das disputas da sociedade

civil entre corporações, entre indivíduos, entre esses e o Estado. Também atua no sentido contrário,

isto é, do Estado para os demais elementos da composição da objetivação do espírito.

Como ponto comum em todas as suas ações, o labor do advogado é sempre lidar com o

universal. Sendo do indivíduo para o Estado ou desse para o individual. Sendo que nesse segundo

movimento, do universal para o particular do indivíduo, cabe ao advogado uma afirmação sobre o

individual; em termos lógico, qualquer solução do universal para o particular sempre visará tomar o

individual sob uma Lei universal. Quando, por exemplo, a Lei disser que o pedido de justiça foi

aceito, ele o que ela está dizendo é que um principio universal havia sido negligenciado e que deve

ser reposto ao indivíduo. Mas jamais irá permitir que uma particularidade se sobreponha a uma

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universalidade mediada pelo Estado. Seria mesmo uma ação contra o que há de mais fundamental

na exposição da objetivação do espirito hegeliana. Assim, a vontade não estaria em pleno exercício

de sua essência que a liberdade. Impor esse particular sobre o universal, seria uma parada da

vontade no estado de pura necessidade ou de natureza e o direito, a moral e a ética não teriam papel

algum.

3.4. Os advogados e os juízes: a dialética nas relações jurídicas

O Estado de Direito em sua condição moderna deu o seu primeiro passo com a Revolução

Francesa. Decorre dessa nova conformação um modo de ser do Estado o qual identificamos como

sendo dialético. Dito de outro modo e seguindo o pensamento de Hegel sobre o tema, as relações

entre as pessoas e entre elas com o Estado podem ser expressas na fórmula hegeliana de tese,

antítese e síntese. Novidade organizacional que demanda, para seu funcionamento dialético, os

serviços advocatícios, profissão que se inseri nas carências da sociedade civil, precisamente

cuidando das relações de todos no âmbito da sociedade civil e dessa com o Estado. Necessidade que

implica no Juiz de Direito como a parte do Estado que recebe as demandas jurídicas, produzindo

sempre a síntese das demandas peticionadas e contraditadas pelos advogados.

O referido processo dialético, tese-antítese-síntese, tem como origem a insatisfação e o

sentimento de injustiça produzido pelas relações no seio da sociedade burguesa urbana. Embates

sociais os quais são transformados em pretensões jurídicas a partir do entendimento de um

determinado advogado. Profissional o qual é responsável por subsumir os fatos sociais particulares

à categorias gerais das Leis ou, em termos hegeliano, operar a transformação do imediato no fato à

mediação dele pela consciência, aqui expresso na universalidade da Lei. Assim, o advogado, na

condição de porta voz dos indivíduos, qualifica e apresenta ao Estado, como instância da eticidade

por excelência em Hegel, a demanda posta enquanto tese por um indivíduo, pessoa jurídica ou o

próprio Estado.

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De outro parte, aquele que foi acionado pela demanda, tese, apropriadamente subsumida

pelo advogado à Lei, terá que apresentar uma negação à tese posta. Com o objetivo de negar o

direito pretendido, arregimenta afirmações, factuais ou jurisprudências, que tiram a sua pretenção

de legitimidade, buscando, como resultado do julgamento, refutar do ponto de vista da justiça à tese

posta.

O terceiro momento da luta de interesses, que é a síntese, terá o Juiz de Direito como aquele

que sintetiza. Fechando o círculo no qual procuramos apresentar os processos jurídicos como

dialéticos e, portanto, dinâmicos. Ademais, o Juiz nesse processo tem outra função, além da síntese,

que é a garantia de que o processo seja dialético, que cumpra os rituais necessários para que se

possa garantir a construção da tese, da antítese e da síntese segundo regras próprias do direito

estribado na ampla possibilidade do contradicto.

Esse processo, que se faz presente no cotidiano funcional da sociedade, demonstra que o

processo dialético construído e implementado nas relações sociais é fundamental para a ideia

hegeliana de liberdade se realizando ou tornando-se objetiva. As várias liberdades dos indivíduos na

direção da eticidade (Estado) tem garantido aqui a sua atualização e progresso enquanto

comunidade. Esfera que precisa ou carece de tal instrumento para superar seus problemas ou

impasses, e a n’cessidade ética diz que o instrumento de tal solução tenha que também ser ético, ser

marcado pela ética. Não se poderia conceber um instrumento egoísta produzido por várias

liberdades individuais, ele não às representariam e não seriam assim considerado justo. Com o

processo dialético da justiça o próprio Estado se revela como tal e, portanto, justo.

Não seria preciso dizer que a garantia da dialética social impõe-se a toda sociedade baseada

no Estado de Direito. A garantia de um processo dialético como instrumento de evolução e de

impedimento de retrocessos no que tange ao desenvolvimento social, econômico, político e cultural,

na medida em que além de ser um elemento garantidor de direitos, torna-se um processo

permanente de reconhecimento no direito do outro, bem como, de legitimação do Estado como

representante de todos.

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Contrário a esse processo, muito presente no mundo jurídico, temos a esfera da economia.

Nela registramos a imposição das carências, em primeiro momento, e, posteriormente, a força do

poder econômico que encampa todas as demais carências à sua lógica. Sendo a primeira vítima

exatamente o processo dialético próprio das sociedades burguesas. O poder econômico, sempre

presente em uma determinada associação de carecimento, irá, para se manter dentro da força da

eficiência no seu ramo de atendimento à determinada carência, se especializar ao ponto de

concentrar o máximo poder e assim se perpetuar. Chegando ao ponto de ser instrumento de

opressão das demais associações e dos indivíduos.

Não menos grave pode-se verificar que esse procedimento anti-dialético desenvolvido na

economia se transfere para o campo da política. Também nesse setor, degenera a democracia como

regime político, pois quando um parlamentar, na sua condição de criador de Leis baseado naquela

justiça que leva em consideração uma multiplicidade de interesses livres, deixa de atender aos

princípios da eticidade e passa para aos da economia.

Sendo assim seria difícil pensar na existência de um Estado de direito sem o exercício dos

atores que aqui denominamos de dialéticos, quais sejam, os advogados. Compete a eles defender

teses jurídicas, ora negando o direito posto, ora apenas se enfrentando com a norma vigente por ter

sido traduzida como opressivas e ora racionalizando a norma em disputa na afirmação do Estado

como instrumento de elevação da razão como norma de relações na vida em sociedade.

Destaque-se também que os procedimentos jurídicos do advogado, na condição de dialético,

impõem permanentes processos de afirmação da legitimação da legislação em vigor ou de sua

negação, levando, seja numa situação ou noutra, ao aprimoramento do arcabouço jurídico de um

Estado. O que representa um processo de aperfeiçoamento que cada Estado deve ter como meta de

desenvolvimento social, humano e científico.

Nessa mesma esteira de análise, constata-se ainda que os advogados representam também

um procedimento dialético nas relações entre as classes sociais, em especial a trabalhadora e a

burguesa, bem como entre o cidadão e o Estado, este ultimo na condição de patrão de parcela da

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classe trabalhadora que lhe presta serviços, na medida em que os operadores do direito atenuam os

choques que porventura ocorrem ou deveriam ocorrer se não fossem os porta-vozes de cada um dos

lados conflitantes, legitimando a ambos, sejam os empresários na sua condição de empreendedores

da economia, sejam aqueles que demandam suas pretensões na condição de classe laboral.

Como instrumento de legitimação e de legalização de todas as demandas advindas da e na

sociedade, impõe-se a figura do juiz, seja para julgar a partir dos elementos que dispõe para aplicar

a justiça, seja para completar o procedimento dialético iniciado pelos advogados das partes, seja

para garantir o Estado de direito, seja por ultimo, seja para desenvolver a jurisprudência como

forma de evolução da legislação como norma advinda do estado.

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Considerações Finais

O presente trabalho é resultado de um esforço de apresentação da condição do advogado

como agente dialético em sua lida com o direito, destacando-se, nesse sentido, os fundamentos e os

princípios de sua prática dialética, bem como, o seu desdobramento na pessoa do juiz como aquele

que é o desaguadouro destinatário dos procedimentos dialéticos, em especial, na busca, por parte

dos advogados, e na prestação de uma verdade dialética pelo poder judiciário, em sua condição de

poder público estatal e de legitimidade mais elevada perante a sociedade contemporânea.

Tendo as obras de Hegel como embasamento da presente dissertação, a exposição aqui

tecida, seja quanto a obra “Filosofia do Direito”, seja quanto à “Ciência da Lógica”, visam criar

uma relação entre a dialética e o direito, nos seus componentes essenciais, quais sejam, a petição

inicial, que corresponde, filosoficamente, à tese na dialética hegeliana, a defesa ou contestação, que

corresponde à antítese, relativamente à dialética, e a sentença ou julgamento, que corresponde,

dentro da concepção do movimento dialético, à síntese, do que se conclui, que sem essa relação, a

dialética continuaria sendo dialética, porém, empobrecida de sua condição pragmática, logo, restrita

ao universo teórico-filosófico, e o direito, além de rebaixado, em ralação à condição de ciência das

relações da sociedade moderna, a que chegou, se limitaria a ser norma ético-teológica do Estado.

No mundo do Direito, é possível que grande parte dos operadores desta ciência, sejam os

advogados, sejam os julgadores, não tenham a devida consciência dessa fundamentação lógico-

filosófica dos atos por eles praticados, na busca do direito pretendido e da verdade dialética

apresentada, respectivamente, em relação aos advogados e aos juízes, vazio esse, que o presente

trabalho pretende contribuir, construindo essa relação entre uma base teórica e uma ação prática,

sendo certo, que com uma clareza que se possa ter dessas formalidades dialéticas, a atuação jurídica

dos profissionais que militam nessa área, certamente, terá caminhos mais claros e resultados mais

consistentes na construção do direito, como ciência das relações civilizadas.

Outrossim, a dissertação aqui desenvolvida leva também a base da dialética hegeliana a uma

relação do que tem de mais consistente na sociedade atual, que são as classes sociais e o comando

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do Estado em relação às mesmas, eis que nessa mesma medida conforma-se uma adequação a

dialética de Hegel, eis que a classe social por excelência, e aqueles que nessa condição se definem,

via de regra, tem um grnade volume de demandas, na sua luta pela sobrevivência, as quais

desaguam, ora na classe preponderantemente econômica, ora no Estado como gestor e mentor da

sociedade, o que de maneira bastante semelhante à prática jurídica, também se encaminha para uma

tese ou demanda social, que é apresentada à classe econômica ou aqueles que desenvolvem

atividades econômicas, entre eles o Estado, e que o ente estatal, nessa condição, intermedia ou

apresenta uma decisão ou solução frente ao embate entre as referidas classes, desfecho esse que

corresponde a uma síntese desse embate na luta pela sobrevivência.

Por outro lado, os embates verificados na sociedade moderna, e que a princípio se davam

basicamente entre as classes sociais, com a expansão do mundo jurídico, no que tange aos direitos,

ampliou-se para um universo de relações muito além das classes sociais, entendidas estas, aquelas

que desenvolvem o trabalho e aquelas que desenvolvem a economia, chegando a setores que outrora

eram impensáveis sob o ponto de vista da proteção jurídica, pois, essa busca de uma guarida do

direito tornou-se a razão de ser, de grande número de setores da sociedade que não podem ser

definidas diretamente como classes sociais, mas, que de forma análoga o poder judiciário estabelece

jurisprudenciais protetivas num primeiro momento, e num segundo momento o parlamento produz

leis que lhes garentem, de forma definitiva, o amparo legal, incluindo-se, neste rol, minorias de

gêneros, de etinias, de amparo familiar, entre outros.

Constrói-se também, a partir dessa dissertação, a pretenção dar clareza e sentido filosófico a

palavras e expressões, que a muito se usam no dia-a-dia, nos mais diversos campos de atividade,

mas em especial, na política, na economia e no direito, entre essas, a dialética, luta de classes,

agente social, esquerda ou direita hegeliana, embate político, classe trabalhadora, proletariado,

burguesia, capital, parlamento, Estado, entre várias outras, as quais, a despeito de algumas delas

encontrarem-se em desuso, a realidade exige a compreensão das suas origens e das suas

interrelações, para que se compreenda, de maneira cabal, a própria realidade na qual se vive.

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E, na busca desse aprofundamento iniciou-se o presente trabalho com uma leitura geral

sobre a dialética, essa concepção por tantos utilizada na codição de jargão, como forma de

justificativa geral no dia-a-dia, seja para explicar os azares da vida ou a sorte grande, em especial,

como forma de análise das mudanças indesejadas, ou como fuga dos desafios a serem enfrentados,

no panorama das mudanças impostas pela dinâmica da vida, analisando-se nessas situações a base

que lhe deu origem, que é o ser e seus desdobramentos, seja na qualidade de sua negação ou de sua

afirmação, ou, ainda, da negação da condição do ser em seus movimentos físicos, nas formas

pensadas, respectivamente, por Heráclito de Éfeso, Parmênides e Zenon de Eléia.

Buscou-se, também, uma síntese da concepção dialética de Hegel e no que ela se diferencia

tanto da dialética em geral, na condição de adaptação às circunstâncias da vida, como da sua base

lógico-filosófica, que rompeu com a lógica formal de Aristóteles, estabelecendo que inexiste

mundos separados entre a lógica e a dialética, na medida em que, a base teórica de uma repercute na

prática de outra e vice-versa, mas em especial, que uma lógica sem uma dialética da realidade é

estéril e excessivamente limitada para dar conta da compreensão dessa realidade, e principalmente,

porque a realidade, enquanto expressão geral, tanto da natureza, quanto da vida humana, é

impulsionada por uma dinâmica não alcançada e nem explicada pela lógica formal estabelecida por

aristóteles.

Discorreu-se também, de forma introdutória, sobre a tradição metafísca como instrumento

de explicação dos elementos que constituem a base da dialética hegeliana, bem como de sua lógica,

quais sejam, o ser e seus desdobramentos, que são o nada e o devir, a essência como expressão da

condição de existir do ser imediato, e o conceito como doutrina, a qual se desdobra em conceito

subjetivo e conceito objetivo como regras gerais de entendimento das bases da dialética hegeliana,

bem como da compreensão da sua lógica, a partir dos movimentos e das relações entre os referidos

entes, que formam a tríade de base teórica da dialética, que é sintetizada por tese, antítese e síntese,

e esta última, que por sua vez constitui, sequencialemente, a nova tese de uma nova dialética,

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fechando este capítulo com uma análise sobre a lógica dos conceitos apriorísticos, empíricos e a

relação destes com a lógica conceitual, epistemológica e ontológica.

No segundo capítulo deste trabalho, faz-se um recorte da obra “Filosofia do Direito” de

Hegel, restringindo-se o estudo desta no que se refere ao direito abstrato e suas bases constituintes,

quais sejam, a propriedade, o contrato e a fraude, seguido por um subtópico definido por Hegel

como a moralidade e suas implicações no direito em geral e fechando este capítulo com o tema mais

distante da realidade social na qual se vive, que é a eticidade, cujo esmiuçamento, Hegel busca

bases na família, na sociedade civil burguesa e seus sistema de carecimentos, administração do

direito, administração pública e a corporação.

O último capítulo se fecha com a análise da condição do advogado como um dialético, a

visão da sua atuação a partir de uma ótica essencialmente jurídica e a aproximação do advogado à

filosofia do direito de Hegel, além de esforços na tentativa de definir e enquadrar a prática

advocatícia no esquema filosófico concebido por Hegel e as relações epistemológicas existentes

nesses movimentos jurídicos, e nessa condição, o advogado como agente dialético é o esboço

medular nessa dissertação, que ora apresentamos seu quadro geral, se ele é um dialético, na medida

em que se especializou em efetivar que a Lei e sua ritualística sejam de fato públicas, se no âmbito

das corporações de Hegel sinaliza para o risco das especializações e habilidades, que levam,

necessariamente, à formação de grupos com mais poderes do que outros e, consequentemente, da

subjugação dos outros aos seus interesses, não seria estranho o fato de que os indivíduos

especializados, seja na indústria ou na corporação, se aliene do resto da sociedade, inclusive dos

trâmites do direito, e tudo o mais da cultura universal, pois o efeito colateral da especialização é a

alienação, e o advogado, enquanto profissão dialética, portanto, atuando nas entranhas do Poder

Judiciário, busca garantir que no âmbito das regras, sejam aplicadas e repostas instâncias

fustigadoras da corrupção do processo dialético, movimento esse, que é o oxigenador de uma

sociedade liberal burguesa, como concebida por Hegel.

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