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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO JOÃO BATISTA RODRIGUES FRAGA A APREENSÃO DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA NOS SEGUNDOS ANALÍTICOS DE ARISTÓTELES São Paulo 2013

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FACULDADE DE SÃO BENTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

JOÃO BATISTA RODRIGUES FRAGA

A APREENSÃO DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA NOS

SEGUNDOS ANALÍTICOS DE ARISTÓTELES

São Paulo

2013

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FACULDADE DE SÃO BENTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

A APREENSÃO DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA NOS

SEGUNDOS ANALÍTICOS DE ARISTÓTELES

JOÃO BATISTA RODRIGUES FRAGA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em

Filosofia da Faculdade de São Bento do

Mosteiro de São Bento de São Paulo,

como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestre em Filosofia.

Área de Concentração: Lógica e

Filosofia da Ciência

Orientador: Prof. Dr. Djalma Medeiros

São Paulo

2013

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JOÃO BATISTA RODRIGUES FRAGA

A APREENSÃO DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA NOS

SEGUNDOS ANALÍTICOS DE ARISTÓTELES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Filosofia da

Faculdade de São Bento do Mosteiro de São

Bento de São Paulo, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Filosofia.

Área de Concentração: Lógica e Filosofia da

Ciência

Orientador: Prof. Dr. Djalma Medeiros

Dissertação aprovada em ____ / ____ / ____.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Prof. Dr. Djalma Medeiros – Faculdade de São Bento

______________________________________

Prof. Dr. Pedro Monticelli – Faculdade de São Bento

______________________________________

Prof. Dr. João Carlos Nogueira – Pontifícia Universidade Católica de Campinas

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AGRADECIMENTOS

Não fosse a significativa contribuição de algumas pessoas, este trabalho não teria sido

possível e, talvez, nem começado. Um agradecimento especial é dirigido ao Prof. Dr. Djalma

Medeiros, meu orientador, a quem devo ter depositado total confiança em minha capacidade

para realizar esta tarefa, muito antes de eu mesmo tê-la conquistado. Ainda agradeço por ter

me auxiliado na busca do tema, assim como por me ter ajudado no seu desenvolvimento. Não

poderia esquecer de meu amigo Prof. Dr. Jorge Miklos pois que, por seu incentivo e

motivação, pude tomar a decisão de iniciar e levar adiante o curso ora findado. Finalmente,

mas não menos importante, agradeço à minha esposa Eliana, pela paciência e pela tolerância

frente à minha ansiedade e às minhas ausências, embora de corpo presente, ao longo deste

trabalho.

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RESUMO

A ciência aristotélica, em sua maior parte, está definida e estruturada em sua obra os

Segundos Analíticos. E é com base nela que este trabalho desenvolve parte dessa ciência,

especificamente relacionada com a apreensão dos primeiros princípios da ciência. Segundo

Aristóteles, o conhecimento científico tem como base a demonstração científica, cuja

expressão se dá por meio do silogismo científico. Assim, trata-se de, neste trabalho,

apresentar como o silogismo é estruturado, destacando suas principais características e como

Aristóteles as articula com vistas a definir o raciocínio científico. Busca, também este texto,

identificar como se dá a apreensão dos princípios sobre os quais a ciência aristotélica se erige,

destacando o processo indutivo como principal agente nesse processo, assim como qual

condição do intelecto pode nos garantir a veracidade e certeza desses primeiros princípios.

Identificam-se, ainda, algumas aporias que a proposta de Aristóteles permite vislumbrar.

Palavras-chave: Aristóteles, ciência, princípios, apreensão, silogismo, demonstração,

verdade, causalidade.

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ABSTRACT

Aristotelian science, for the most part, is defined and structured in his work the Analytical

Seconds. And it is on that basis that this work develops part of science, specifically relating to

the apprehension of the first principles of science. According to Aristotle, scientific

knowledge is based on scientific demonstration, whose expression is through the scientific

syllogism. So it is in this work to present as the syllogism is structured, highlighting their

main characteristics and as Aristotle articulates an effort to define scientific reasoning.

Search, also this text, identifying how is the apprehension of the principles on which the

Aristotelian science is erected, highlighting the inductive process as the main agent in this

process, as well as condition of the intellect which can ensure the accuracy and certainty in

these first principles. Identify themselves, still, some aporias that the proposal provides a

glimpse of Aristotle.

Keywords: Aristotle, science, principles, grasping, syllogism, demonstration, truth, causality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 7

CAPÍTULO I O CONCEITO DE CIÊNCIA EM ARISTÓTELES .................................12

CAPÍTULO II A CIÊNCIA DEMONSTRATIVA.............................................................20

1 O conhecimento Científico........................................................................................20

2 O silogismo Científico..............................................................................................23

3 A demonstração e seus constituintes: as premissas...................................................25

3.1 A característica de verdade das premissas.........................................................26

3.2 A causalidade necessária das premissas.............................................................31

3.3 As premissas anteriores e melhor conhecidas....................................................35

CAPÍTULO III OS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA........................................42

1 O que são os primeiros princípios?...........................................................................42

2 Os primeiros princípios são indemonstráveis...........................................................43

3 O caminho para a apreensão dos primeiros princípios.............................................44

4 Apreendemos os universais ou os primeiros princípios?.........................................63

4.1 As acepções de “a todo sujeito” (κατά παντός), de o “por si” (καθ΄αὑτό)

e de o “enquanto tal” (ᾖ αὺτό)..........................................................................64

4.2 Algumas acepções do termo “universal”.........................................................68

4.3 O processo de passagem dos elementos particulares para os universais..........71

4.4 A indução como etapa para a apreensão dos primeiros princípios..................78

CAPÍTULO IV A APREENSÃO DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA........83

1 A faculdade asseguradora do conhecimento científico..............................................83

2 A questão aporemática...............................................................................................89

CONCLUSÃO.........................................................................................................................93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................97

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INTRODUÇÃO

Há que se reproduzir aqui importante afirmação de Aristóteles, em sua grande obra a

Metafísica, em V, 3, 1005b2, pela qual nos diz que “é necessário começar a conhecer os

Analíticos antes de se abordar os estudos das ciências e da Filosofia.” A pesquisa das

verdades filosóficas não poderia prescindir do estudo desse tratado, que nos informam as

bases conceituais necessárias para se construir um raciocínio que, ao mesmo tempo que

depura nosso modo habitual de pensar, permite-nos alcançar limites inusitados, ao explorar

nossa capacidade de raciocinar de modo ordenado, seguro e verdadeiro.

Dentre os propósitos dos Analíticos, principalmente nos Segundos Analíticos, está o

empenho de Aristóteles de identificar e validar a constituição do conhecimento científico. E

nisso essa obra inovou na Antiguidade, tendo permanecido objeto de numerosos estudos até a

atualidade.

Muitos são os temas tratados nos Analíticos como um todo, mas este trabalho se

propõe a abordar a parte relativamente à estruturação do conhecimento científico. Assim, são

nossos objetivos: Analisar como Aristóteles, em sua obra os Segundos Analíticos, estabelece

as bases conceituais para a fundamentação da ciência, identificando suas propriedades e

características; e compreender como esse autor justifica a apreensão dos conceitos universais

e dos primeiros princípios da ciência, a partir do conhecimento sensível das coisas

particulares.

Preliminarmente, faremos uma contextualização dos problemas a serem analisados.

A coleção de obras lógicas de Aristóteles recebeu o nome de órganon, termo grego,

cujo significado é instrumento que, no caso, poderia, segundo Ross (Aristóteles, 1987), ser

entendido como instrumento da ciência. Aristóteles não conhecia a palavra lógica, que fora

utilizada por autores posteriores, muitas vezes com a acepção de dialética. Aristóteles, então,

denominava analítica ao estudo do raciocínio (lógica), não se lhe atribuindo o estatuto de

ciência, mas de um conhecimento que todos deveriam possuir antecedentemente a iniciar

qualquer estudo da ciência.

Embora Aristóteles não tivesse utilizado o nome órganon para nominar o conjunto de

suas obras sobre lógica, compilações posteriores consolidaram diversos tratados com tal

temática, ao conjunto dos quais se deu o nome de órganon.

Há três grupos sob os quais os tratados de lógica podem ser organizados: O primeiro

compreende os Primeiros Analíticos, que analisa a estrutura formal comum a todos os

raciocínios. O segundo grupo aborda os Segundos Analíticos, que agrega ao estudo do

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raciocínio feito na obra anterior as condições necessárias que caracterizam um raciocínio

científico, destacando a importância do conteúdo de sua veracidade. No terceiro grupo,

seguem-se Tópicos e Refutações Sofísticas, nos quais Aristóteles analisa outros modos de

raciocínio que não apresentam as características necessárias encontradas no raciocínio

científico. Restam dois outros tratados, As Categorias e Da Interpretação que, segundo Ross,

podem ser encarados como estudos preliminares.

O tratado aqui objeto de estudo são os “Segundos Analíticos” ou “Analíticos

Posteriores”, em que Aristóteles desenvolveu sua concepção do método científico ou a teoria

do conhecimento científico.

O conhecimento científico ou o conhecimento efetivo de uma coisa, para Aristóteles,

pressupõe o conhecimento tanto da causa em função da qual uma coisa é quanto o

conhecimento de que não é possível que ela seja de outra maneira. Desta forma, Aristóteles

nos impõe duas condições centrais que devem caracterizar um conhecimento científico: a

causalidade e a necessidade. Se queremos, então, saber o que uma coisa é, a análise de sua

causa, no sentido mais amplo de causa, não pode ser descartada, isto é, a explicação de uma

coisa guarda estreito vínculo com a sua causa. A expressão do conhecimento se dá por meio

da demonstração, cujo instrumento mais apropriado é o silogismo que tem por finalidade

mostrar a gênese de uma coisa. Assim, no campo da definição da ciência, a proposta de

Aristóteles é estabelecer as características ou propriedades do silogismo científico,

explicitando os princípios da ciência. Além dessas condições fundamentais, Aristóteles

pontua que sempre deverá haver um conhecimento prévio a qualquer ensino ou instrução

intelectual, já sinalizando a precedência necessária de algum tipo de conhecimento à formação

de um novo.

As premissas, entendidas como formadoras do silogismo científico ou o conhecimento

demonstrativo, têm de estar fundamentadas em coisas que sejam verdadeiras, primeiras e

imediatas. Devem ser, também, mais conhecidas que a conclusão e anteriores a ela, isto é, os

axiomas constitutivos do conhecimento científico têm de ser verdadeiros.

A análise da especificidade do conhecimento científico, proposta neste trabalho,

objetivará verificar cada uma das propriedades acima, o que deverá resultar num

entendimento do que é o conhecimento científico proposto por Aristóteles.

Outra questão a ser analisada se refere ao problema da apreensão dos primeiros

princípios da ciência. Na concepção de Aristóteles, a ciência é considerada um conhecimento

que se expressa pela demonstração ou pelo silogismo científico. Como vimos, o silogismo

científico é formado por premissas, cuja característica necessária é a sua verdade. Uma das

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propriedades desse tipo de premissa é que elas devem ser primeiras, isto é, devem ser

indemonstráveis. Se assim deve ser, qual é a sua origem? Tal conhecimento é adquirido ou é

inato em nós? Mas, por outro lado, a porta de entrada do conhecimento, ou o conhecimento

prévio, são as sensações e estas se dão com base nos objetos particulares. Como, então,

conciliar tal origem com a exigência de que a ciência só o é se for ciência dos universais.

Como Aristóteles justifica a passagem do conhecimento indutivo, obtido pela apreensão dos

objetos particulares, para a apreensão dos universais, sem comprometer a validade e a verdade

do conhecimento científico?

Não trataremos, por estar fora dos propósitos deste texto, da distinção do

conhecimento científico do silogismo dialético, em que as premissas são prováveis,

contrariamente às premissas do silogismo científico.

Para dar início aos esclarecimentos trazidos por Aristóteles quanto à origem dos

primeiros princípios, estabelece-se que se o conhecimento é de natureza demonstrativa, o

conhecimento das primeiras premissas ou primeiros princípios não pode ser demonstrativo,

pois, se assim o fosse, seria necessário conhecer as premissas anteriores da demonstração dos

primeiros princípios, mas, já aí, não seriam mais primeiros princípios. Assim mesmo, talvez

contrariando uma aparente aporia que se estaria nos apresentando, ele sustenta que o

conhecimento científico é possível e que há um primeiro princípio do conhecimento que lhe é

inerente.

No capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos, Aristóteles procura apresentar

suas conclusões e respostas às questões acima colocadas. Trata-se, então, de responder a duas

questões fundamentais: a primeira, como os primeiros princípios são conhecidos e qual é o

estado (ou faculdade, segundo alguns autores) que os faz conhecer ou que garante tal

conhecimento, e, a segunda, se tal conhecimento é inato em nós ou é adquirido?

De início, apresenta-se uma grande dificuldade no que se refere ao nosso estado ou

capacidade de apreensão dos princípios imediatos. Será que sempre tivemos tal capacidade,

ou faculdades cognitivas, como às vezes é denominada, ou sempre as tivemos e delas não

tínhamos conhecimento? Aristóteles considera estranho aceitar que possuímos, inatamente,

essas propriedades, isto é, um conhecimento que deve ser considerado o mais certo de todos,

sem delas termos ciência. De outra forma, se não as possuímos antes, poderíamos tê-las

adquirido posteriormente. Entretanto, aí é que reside uma grande dificuldade, expressada por

Aristóteles, na medida em que questiona quanto à impossibilidade de se obter conhecimento e

aprender sem ter tido previamente algum poder ou capacidade de apreensão.

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Para superar tal impossibilidade, Aristóteles propõe que há uma faculdade que nos é

inata, em nós e nos outros animais. Ele dá-lhe o nome de percepção, isto é, uma capacidade

discriminatória ou de discernimento. Qual é, então, o papel da percepção na construção do

conhecimento?

A percepção tem como instrumento os sentidos e obedece a um processo que vai desde

a sensação até ao conhecimento. O primeiro estádio desse processo é resultado da frequência

com que as sensações se transformam em percepção e constitui o que Aristóteles denominou

de “memória”.

Um processo abstracional destacado por Aristóteles conduz à construção ou passagem

dos particulares aos universais. Isto é possível porque, segundo Aristóteles, cada percepção

particular possui, inerente a si própria, elementos próprios do universal. É claro que tal

transição, do particular para o universal, só é possível porque a própria percepção já contém

elementos que caracterizam a universalidade da coisa apreendida.

As sucessivas passagens dos particulares para os universais podem nos levar a graus

cada vez maiores de universalidade, ou aos conceitos mais gerais ou, mais especificamente,

aos primeiros princípios. Neste ponto, estamos diante do processo de indução (generalização

dos particulares) pelo que se torna possível atingir-se os conceitos universais e os primeiros

princípios das ciências. Reconhece Aristóteles que há, por consequência, uma faculdade

superior à ciência que torna possível a apreensão dos primeiros princípios: é νοῦς, ou

inteligência, ou razão intuitiva, ou a inteleção ou a compreensão. Isto já nos mostra algumas

diferenças de interpretações e traduções, que abordaremos nas páginas a seguir. Essa

faculdade possibilita o conhecimento do princípio da demonstração, mas ele próprio não é

demonstração, ou, de outra forma, o princípio do conhecimento científico não é, ele próprio,

conhecimento científico, por ser irredutível a qualquer possibilidade de análise.

Outra questão a ser avaliada, mas não totalmente esgotada, diz respeito a qual é o

efetivo papel dessa faculdade ou estado na construção dos primeiros princípios, isto é, como

seria possível conciliar o processo indutivo, cuja gênese básica é a sensação, portanto um

conhecimento de natureza inferior, com o resultado da ação do νοῦς, que dará como produto

final os primeiros princípios, cuja natureza está no grau mais elevado da ciência?

Por fim, embora sejam identificadas algumas aporias relativas a essa conciliação e

considerando que Aristóteles, em seu texto clássico – capítulo XIX, do Livro II, dos Segundos

Analíticos – não esclarece adequadamente tais dificuldades, apresentamos a visão de um

autor, Oswaldo Porchat Pereira, sugerindo que a validação da apreensão dos princípios se dá

pelo caminho da dialética aristoteleana.

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Por opção metodológica, este texto tomará como base interpretadores mais recentes,

embora reconheçamos a existência de outros de relevante importância na tradição filosófica

ocidental, dentre os quais podemos citar aquele que é, talvez, o maior de seus comentadores, o

filósofo e teólogo: Tomás de Aquino. Todos sabemos quão significativas são as exposições de

Tomás de Aquino sobre as obras de Aristóteles, dentre as quais as de lógica deste não

poderiam passar despercebidas das lições daquele, especialmente aquelas relacionadas com o

conhecimento científico.

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CAPÍTULO I – O CONCEITO DE CIÊNCIA EM ARISTÓTELES

Impõe-se, previamente a adentrar nos conceitos mais específicos acerca dos

fundamentos da ciência aristotélica, verificar como a ciência é entendida por Aristóteles. A

abordagem que aqui será dada não tem como objetivo esgotar todas as amplitudes desse tema,

já que entendemos, para o escopo deste texto, que apenas alguns aspectos, não menos

importantes, do conceito de ciência são suficientes para amparar os temas nos capítulos

seguintes.

O desejo de conhecer é inato aos homens. É o que nos diz a primeira linha da obra

Metafísica de Aristóteles, ou seja, todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Tal

desejo de conhecer tem como signo o prazer que os sentidos causam aos homens no ato do

conhecimento. Conhecimento, em sentido próprio, refere-se à compreensão ou episteme e

compreensão abrange a ciência. Esse desejo de conhecer manifesta-se em diversos momentos

em direção da obtenção do conhecimento pleno de alguma coisa. A esse respeito,

parafraseando Aristóteles, Ross nos diz:

No grau mais baixo, manifesta-se no prazer que sentimos em utilizar os

nossos sentidos. O estádio imediatamente superior em direção ao

conhecimento pleno é aquele que está envolvido no uso da memória, e que

nos diferencia dos animais inferiores. O estádio seguinte, apenas atingido

pelo homem, constitui-se pela <<experiência>>, por intermédio da qual,

através da coalescência de várias recordações da mesma espécie de objeto,

adquirimos, sem disso conhecermos as razões, uma regra prática. Num

estádio superior, surge a <<arte>>, o conhecimento das regras práticas

repousando sobre princípios gerais. (ROSS, Aristóteles, 1987, p. 161)

A ciência, o puro conhecimento das causas, estaria acima de todas essas etapas,

constituindo no grau mais elevado. Nesse grau mais elevado, distingue-se da arte por não

estar sujeito a qualquer fim prático, pois tem como objetivo o conhecimento pelo

conhecimento.

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É-nos possível estabelecer uma diferença geral entre os modos de conceber a ciência

entre Platão e Aristóteles.

Em seu conceito de ciência, Platão afirma que há somente um tipo de ciência, a

dialética, tida como a ciência de todas as coisas. Trata-se da ciência que tem por objeto o

conhecimento das coisas não sensíveis, inteligíveis ou não físicas. Tal conhecimento aspira

alcançar a compreensão das essências, num processo ascensional até atingir-se o mundo das

ideias. O conhecimento sensível, para Platão, não nos garante o conhecimento pleno e

verdadeiro, pois é mutável, perecível e corrompível. É, então, no mundo das ideias, que

residem as ideias eternas, aquelas que nos garantem a ciência.

Já, para Aristóteles, todas as ciências confluem para a Filosofia, e, assim se

manifestando, esse autor entende que é possível haver vários tipos de ciências, rompendo,

com isso, com a gênese única da ciência platônica. Em Metafísica, Livro VI, Aristóteles nos

apresenta a natureza e os tipos variados de ciência, segundo seu domínio. As ciências, dessa

forma, por se referirem a objetos próprios e específicos, não são redutíveis umas às outras.

Assim, tem-se que:

Aristóteles distinguiu as ciências teóricas que tratam dos objetos não

modificáveis pelo sujeito conhecido – theorein quer dizer “olhar,

contemplar” -, as ciências práticas, como a ética e a política, que se aplicam

à ação humana, e as ciências poéticas, que são as técnicas racionalmente

codificadas, como a arquitetura. No cerne de cada um desses tipos, as

ciências se distinguem pelos seus objetos. Desse modo, existem três grandes

ciências teóricas: a matemática, a física e a teologia. A primeira estuda seres

imóveis e não separados das matérias; a segunda estuda os seres em

movimentos e não separáveis da matéria; a teologia estuda um objeto que é

imóvel e separado. (PELLEGRIN, Aristóteles, Pai de todas as ciências,

[200?], p. 8)

Embora haja uma ciência por gênero, as ciências não se enclausuram, estabelecendo,

portanto, uma cooperação entre elas. Reconhece Aristóteles que há disciplinas que não se

referem a um gênero determinado, mas a vários deles, não sendo, portanto, consideradas

como ciência. É o caso, segundo Aristóteles, da dialética, arte de argumentar. Suas regras e

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definição de como deve ser um discurso não apresentam características típicas que lhe

permitam se tornar em objeto da ciência.

Na terminologia usada por Aristóteles, episteme pode significar uma ciência, ou seja,

um corpo organizado de informações dispostas de modo sistematizado. Mas, nesse autor, é

possível encontrar dois possíveis significados para a palavra episteme. Esses dois significados

assim são destacados por Byrne:

Há dois autênticos significados aristotélicos para episteme: um tem a ver

exclusivamente com o hábito de conhecer as demonstrações que é assim

completamente distinto do hábito, nous; e um segundo significado tendo a

ver com o ‘conhecimento da causa do fato e conhecimento de que não pode

ser de outra maneira’, que inclui ambos os atos de conhecer as

demonstrações e atos de conhecer os primeiros princípios. Se minha

conclusão está correta, então é possível observar a pesquisa cientifica como

largamente (talvez não exclusivamente) dedicada ao segundo significado de

episteme. (BYRNE, Analysis and science in Aristotle, 1997, p. 191)1

Considerando, então, o segundo significado, temos que a sabedoria deve ser a ciência

ou conhecimento das causas primeiras e mais universais e necessárias. Trata-se de pesquisar o

porquê das coisas, sua razão de ser, aquilo por quê a coisa é e é o que é necessariamente, não

podendo ser outra que não ela própria.

A tradição platônica não aceita a ideia de uma ciência da natureza, por esta dizer

respeito unicamente ao mundo do sensível, portanto sujeito a mudanças. E as mudanças não

conduzem, segundo Platão, à construção do conhecimento científico. Aristóteles contrapõe-se

a essa visão, pois, segundo Pellegrin:

Em primeiro lugar, se o mundo físico não contém fenômenos absolutamente

necessários, ele não oferece de maneira alguma as regularidades suficientes

para que os fenômenos sejam objetos da ciência. A ciência física, afirmava

Aristóteles, se aplica ao que acontece “sempre, ou na maior parte das vezes”.

Além disso, defendia, a ciência não se interessa por objetos determinados,

1Diversos textos aqui apresentados são de autores em língua estrangeira, (conforme consta em Referências

Bibliográficas), e que foram traduzidos por mim para atender, unicamente, aos objetivos deste trabalho.

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mas pretende estabelecer proposições universais. [...] A ciência, para ele, é

causal: o estudo científico de um fenômeno deve exibir sua causa ou suas

causas. [...] A ciência também é demonstrativa, na visão aristotélica. A

demonstração é uma espécie determinada de raciocínio que estabelece

alguma coisa qualquer como verdadeira porque se apoia sobre princípios

verdadeiros e apropriados. Essa forma de raciocínio é o silogismo.

(PELLEGRIN, Aristóteles, Pai de todas as ciências, [200?], p. 9)

A ciência que busca atingir somente os objetivos deve ser aquela que se apresenta de

modo organizado e sistematizado, ou seja, deve dispor de um conjunto de informações cujo

encadeamento entre si deve se revelar lógico e que permita deduções sucessivas até atingir o

conhecimento que se quer obter.

Aqui, nos debruçamos no texto (Segundos Analíticos I, II 71b9-12) de grande

relevância para o estudo da ciência aristotélica, objeto dos mais variados estudos e

interpretações de comentadores e pesquisadores da noção de ciência em Aristóteles:

Julgamos dispor de conhecimento simples e sem qualificação de tudo (em

contraste com o conhecimento acidental dos sofistas) quando acreditamos

que sabemos [1] que a causa da qual o fato originado é a causa do fato e [2]

e que o fato não pode ser de outra maneira. (ARISTÓTELES, Segundos

Analíticos, 2010, p. 253)

Não se passará por ciência o conhecimento que não contenha, necessariamente, duas

características fundamentais: a causalidade e necessidade, sem o que sê-lo-á apenas

conhecimento acidental, portanto, mutável.

Não é somente nos Segundos Analíticos que Aristóteles procurará precisar o conceito

de necessidade na ciência. Assim, lemos na obra Ética a Nicômaco VI, 3, 1139b17-23:

Ora, o que seja o conhecimento científico, se quisermos exprimir-nos com

exatidão e não nos guiar por meras analogias, evidencia-se pelo que segue.

Todos nós supomos que aquilo que sabemos não é capaz de ser de outra

forma. Quanto às coisas que podem ser de outra forma, não sabemos, quando

estão fora de nosso campo de observação, se existem ou não existem. Por

conseguinte, o objeto do conhecimento científico existe necessariamente;

donde se segue que é eterno, pois todas as coisas que existem por

necessidade no sentido absoluto do termo são eternas, e as coisas eternas são

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ingênitas e imperecíveis. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco; Coleção Os

Pensadores, 1973, p. 343)

Esse autor enfatiza tal característica, atribuindo-lhe um estatuto ontológico, segundo

interpretação proposta por Pereira (op. cit. p. 38), em que “a característica de eternidade se

não dissocia da necessidade ontológica”.

Não há, portanto, ciência do não necessário e das coisas contingentes. Isto é bem

enfatizado por Aristóteles, na seguinte passagem da Metafísica VII, 15, 1039b29-31:

Das substâncias sensíveis e particulares não existe nem definição nem

demonstração, enquanto têm matéria, cuja natureza implica possibilidade de

ser e de não ser: por isso todas essas substâncias sensíveis individuais são

corruptíveis. Ora, se só existe demonstração do que é necessário e se a

definição é um procedimento científico, e se, por outro lado, não sendo

possível que a ciência seja em certo momento ciência e noutro ignorância

(porque essa é a natureza da opinião), assim como também não é possível

que haja demonstração nem definição do que poder ser diferente do que é.

(ARISTÓTELES, Metafísica, 2002, p. 355)

No capítulo seguinte, dar-se-á mais destaque às características de causalidade e

necessidade e às demais outras, próprias do silogismo científico, que é a forma demonstrativa

da ciência aristotélica.

A ciência está na alma. Esta é outra manifestação de Aristóteles, relativamente à

ciência. Considera a ciência como atributo do animal humano, ou seja, a ciência está na alma

como em seu sujeito. Em Categorias 2, 1b1-9, assim diz-nos Aristóteles:

Constatamos que há algumas coisas, ademais, não só afirmadas de um

sujeito como também presentes num sujeito. Assim, por exemplo, o

conhecimento, ao mesmo tempo que presente nesta ou naquela alma como

um sujeito, é igualmente afirmado em relação à gramática [γραμματικης ο

γραματικος, referindo-se, respectivamente, à ciencia ou arte de ler e escrever

e ao homem que sabe ler e escrever]. Há finalmente aquela classe de coisas

que não podem ser encontrada num sujeito nem, tampouco, ser afirmadas de

um (por exemplo, este ou aquele homem ou cavalo), pois nada desse tipo se

acha num sujeito ou é jamais afirmado de um. De maneira mais geral, com

efeito, nunca podemos afirmar de um sujeito o que em sua natureza é

individual e também numericamente uno. No entanto, em alguns casos nada

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impede que esteja presente ou seja encontrado em um sujeito. Deste modo,

um fragmento de conhecimento de gramática está presente, como dissemos,

numa alma. (ARISTÓTELES, Categorias, 2010, p. 40)

Como tal, a ciência é um estado ou hábito da alma, estado entendido como um tipo de

qualidade em uma das suas acepções, por suas características de durabilidade e estabilidade,

contrariamente às disposições, cuja característica principal é a transitoriedade. Assim, lemos

em Categorias 8, 8b29-33:

Compreendidos entre aquilo que chamamos de estados estão as virtudes e

todos os gêneros de conhecimento, uma vez que o conhecimento é tido como

duradouro e difícil de ser deslocado do espírito, ainda que se possa, com

efeito, adquiri-lo apenas numa certa medida, a não ser que uma grande

alteração seja produzida pela doença ou alguma outra coisa semelhante.”

(ARISTÓTELES, Categorias, 2010, pp. 60-1)

Uma vez tendo considerado que a ciência é um estado ou hábito da alma, não se

poderia furtar de citar as considerações que Aristóteles faz a esse respeito em seu tratado

Ética a Nicômaco. Nele, o autor expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de

racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e suas considerações acerca

do papel do hábito e da prudência. Embora o tratado se ocupe dessas questões, há alguns

aspectos que o remetem a reflexões de natureza epistemológica. A ciência, nesse tratado, é

caracterizada como um estado ou hábito, que tem a capacidade da demonstração. Além disso,

conforme Pereira (op. cit. p. 48) é vista, também, como uma concepção ou juízo que se refere

aos universais e às coisas que são necessariamente. Como concepção, tal conceito de ciência

há de nos remeter à obra de Aristóteles Sobre a alma, livro III, em que, nessa concepção, é

destacada sua relação com outras funções do pensamento. Pereira esclarece-nos este ponto:

O pensar (νοεῑν), com efeito, consiste, de um lado, na representação ou

imaginação (φαντασία), de outro, na concepção (ὺποληψισ), e esta

diferencia-se em ciência, opinião, prudência e seus contrários. Descrevendo

a ciência como um “hábito”, mostra-nos, também a Ética como a ciência,

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juntamente com a inteligência (νοῦς), integra a sabedoria(σοφία).

(PEREIRA, Ciência e dialética em Aristóteles, 2000, pp. 48-9)

Assim, Aristóteles mostra-nos, em Ética a Nicômaco VI, 7, 1141a18-9, como a

ciência se integra com a sabedoria: “Logo, a sabedoria deve ser a razão intuitiva combinada

com o conhecimento científico – uma ciência dos mais elevados objetos que recebeu, por

assim dizer, a perfeição que lhe é própria.” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco; Coleção Os

Pensadores, 1973, p. 346)

Pereira complementa ao afirmar que a sabedoria

é a virtude (ἀρετή) da parte científica (τὸ ἐπιστημονικόν), a qual constitui,

por sua vez, uma subdivisão da parte racional da alma humana. Ora, dizer

que a sabedoria (que inclui a ciência) é a virtude da parte científica da alma é

significar que ela é o melhor estado ou “hábito” dessa parte da alma, dizendo

respeito à função (ἒργον) que lhe é própria. (PEREIRA, Ciência e dialética

em Aristóteles 2000, p. 49)

As partes da alma, segundo Aristóteles, têm a ver com a natureza dos objetos com os

quais se ocupam. A parte científica, que é a que nos interessa, se ocupa com os objetos que

têm seus princípios de tal forma que não podem ser de outra maneira:

Dissemos anteriormente que esta [a alma] tem duas partes: a que concebe

uma regra ou princípio racional, e a privada de razão. Façamos uma

distinção simples no interior da primeira, admitindo que sejam duas as partes

que conceberam um princípio racional: uma pela qual contemplamos as

coisas cujas causa determinantes são invariáveis, e outra pela qual

contemplamos as coisas variáveis; porque, quando dois objetos diferem em

espécie, as partes da alma que correspondem a cada um deles também

diferem em espécie, visto ser por uma certa semelhança e afinidade com

seus objetos que elas os conhecem. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco;

Coleção Os Pensadores, 1973, p. 341)

Cada uma dessas partes da alma tem um estado que as pode tornar melhores e é nesse

estado que reside a virtude de cada parte da alma. E a virtude da parte científica da alma são

as disposições por meio das quais a verdade será alcançada num grau superior. Dessa forma, é

que a verdade, enquanto fim a ser atingido pela parte científica da alma, pode ser entendida

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como uma forma de correspondência que a alma humana tem em relação aos seres objetos do

conhecimento. Assim, nos diz Pereira:

Qualidade da alma, a ciência é modo de ser do homem, por cujo intermédio

se relaciona este de um certo modo com seres de uma certa natureza, os que

não podem ser de outra maneira, graças a uma certa familiaridade que lhe é

natural e que torna, assim, o conhecimento possível. Donde a ambiguidade

de uma expressão como “aquilo por cujo intermédio conhecemos”, que pode

significar, seja a ciência, seja a própria alma. (PEREIRA, Ciência e

dialética em Aristóteles, 2000, p. 50)

A concepção realista de Aristóteles sobre a ciência aflora quando considera que há a

precedência do objeto em relação ao conhecimento que dele temos, “reconhecendo como

anterior e indiferente a todo conhecimento eventual que dele se ocupa, um mundo-real-que-

está-aí e de que os homens fazem parte.” (Pereira, op. cit. p. 50). De outro lado, segundo o que

lemos em Tópicos IV, 4, 124b33-4:

Aqui pode-se objetar que um termo não se refere necessariamente à mesma

coisa quando é utilizado per se e quando é utilizado com respeito ao gênero,

pois se diz ser o conhecimento conhecimento do cognoscível, mas é um

estado ou disposição não do cognoscível, mas da alma. (ARISTÓTELES,

Tópicos, 2010, p. 423)

Concluindo esta breve apresentação da concepção aristotélica sobre a ciência, a

próxima etapa, que deverá se concretizar nos capítulos seguintes, abordará aspectos

concernentes à estruturação, organização e validação do conhecimento científico, tendo como

base conceitos tratados até aqui, principalmente aqueles referentes ao caráter de necessidade e

causalidade, norteadores do engendramento da ciência como Aristóteles a vê. Acrescente-se,

também, a imprescindibilidade da existência da verdade e dos princípios primeiros e do objeto

cognoscível e do ser cognoscente, todos estruturantes do saber científico.

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CAPÍTULO II – A CIÊNCIA DEMONSTRATIVA

Neste capítulo, abordaremos as partes constitutivas da ciência demonstrativa, isto é,

aquela erigida sobre pressupostos que lhe vão garantir o estatuto de ciência verdadeira e

garantidora, portanto, de nosso conhecimento científico.

1 – O Conhecimento Científico

A formulação do que Aristóteles afirma ser conhecimento científico está expressa logo

nos capítulos iniciais da obra Segundos Analíticos, capital para se compreender toda a

fundamentação do que seja tal tipo de conhecimento. Diz, então, o filósofo, em Segundos

Analíticos I, II, 71b9-16:

Julgamos dispor de conhecimento simples e sem qualificação de tudo (em

contraste com o conhecimento acidental dos sofistas) quando acreditamos

que sabemos [1] que a causa da qual o fato originado é a causa do fato e [2]

e que o fato não pode ser de outra maneira. Está claro que o conhecimento é

algo deste tipo, pois tanto os que não conhecem quanto os que conhecem

concordam a respeito, mas enquanto os primeiros meramente pensam que se

encontram na condição acima indicada, os segundos realmente se encontram

nela. Consequentemente, se qualquer fato for o objeto do conhecimento

simples e sem qualificação, o fato não poderá deixar de ser o que é.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 253)

Da afirmação em questão, podemos perceber dois grandes pilares que a sustentam. Um

referente ao atributo do dever ser absoluto do conhecimento e outro, aos atributos de

necessidade e causalidade que se lhe impõem.

Destacando o primeiro deles, isto é, a exigência de que o “conhecer cientificamente”

deva ser absoluto, Aristóteles estabelece uma contraposição relativamente a ele, considerando

que ocorre não por acidente, à maneira do conhecimento sofístico. A propósito disto, Pierre

Pellegrin, diz que:

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Duas traduções do “por acidente” foram propostas: Philomenus (21, 16) vê

uma alusão ao paralogismo com “Este branco é um cisne. O cisne é um

animal. Portanto, o branco é um animal.” Depois, Ross (508) vê uma alusão

a um caso idêntico em 5,74a25: a propriedade “ter seus ângulos iguais a dois

retos” demonstrada do triângulo isósceles, equilátero e escaleno etc. Como

diz Barnes (89), é vão procurar uma definição única do saber sofístico. É, em

todo caso, um saber que não satisfaz ao menos uma das condições do saber

“ao senso absoluto”. (PELLEGRIN, Aristote Seconds Analytiques Organon

IV, 2005, p. 344).

Embora Pelllegrin apresente as posições dos comentadores acima, Ross considera que

Aristóteles, ao falar do conhecimento à maneira sofistica, não estaria se referindo,

propriamente, à falácia do acidente, como proposta por Philomenus:

A referência não é, como Philomenus (21. 15-28) supõe, aos argumentos

sofísticos empregando a falácia do acidente. O significado é esclarecido em

74a25-30, onde A. sublinha que, se alguém prova por provas separadas que o

equilátero, o isósceles, e o triângulo escaleno têm seus ângulos iguais a dois

ângulos retos, ainda não se sabe, exceto à maneira sofística, que o triângulo

tem essa propriedade, uma vez que não se sabe que o triângulo a tem como

tal, mas apenas o triângulo quando unido com qualquer um de seus acidentes

separáveis, por ser equilátero, ser isósceles, ou ser escaleno. Em tal caso,

como A. diz aqui, não se sabe a causa da posse de sua propriedade, nem sabe

que ele não poderia deixar de tê-la. (ROSS, Aristotle's Prior and posterior

analytics, 1949, p. 508)

O conhecimento cientifico não deve se apresentar de modo relativizável, impregnado

de aspectos acidentais. Ele também deve explicitar a causa pela qual a coisa é, ou seja, o

elemento determinante e único que faz a coisa necessariamente ser o que ela é. Vemos, aqui,

então, dois outros atributos fundamentais que, somados ao caráter absoluto exposto acima,

encerram a formulação de Aristóteles quanto ao que entende por conhecimento científico.

Tal noção de conhecimento científico leva-nos a entender que “só há conhecimento

científico de uma coisa quando a conhecemos através do nexo que a une a sua causa, ao

mesmo tempo que apreendemos a sua impossibilidade de ser de outra maneira, isto é, sua

necessidade.” (PEREIRA, Ciência e dialética em Aristóteles, 2000, p. 36).

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A força dessa noção aristotélica poderia levar-nos a identificar um certo determinismo

epistemológico na medida em que, à falta de qualquer um dos seus componentes

constituintes, poderia descaracterizá-la integralmente. O caráter absoluto (portanto, não

relativo) somente deve ser engendrado em função da causa e da necessidade, compondo a

tríade que deve, segundo Aristóteles, proporcionar o conhecimento científico e somente ele.

Se alguma dessas caracteríticas for posta à parte, segundo Pereira:

Será apenas acidental, diz-nos o nosso texto, a pretensa ciência que se tiver

proposto, acidental à maneira sofística; não que a ausência do conhecimento

da causa ou o caráter não-necessário do objeto tornem sofístico o

conhecimento que dele se proponha: o procedimento que se denuncia como

sofístico seria, tão-somente, a pretensão de ser ou de fazer-se passar por

ciência, por parte de conhecimento que não possua aquelas qualidades que a

definem. (PEREIRA, Ciência e dialética em Aristóteles, 2000, p. 36)

Ainda em relação à citada concepção aristotélica de conhecimento científico, não é

inoportuno considerar que, para ele, exclui-se desse tipo de conhecimento qualquer outro

baseado em fatos meramente contingentes.

Assim nos diz Smith:

Se supusermos (como Aristóteles faz) que a maior parte do que acontece no

mundo dos objetos sensíveis particulares é contingente, podemos esperar que

a ciência assim concebida estará bastante empobrecida. [...] ...não há

conhecimento científico real de indivíduos ou de fatos individuais

enquanto indivíduos. Entretanto, uma ciência de indivíduos é possível na

medida em que eles são universais mutáveis. (SMITH, 2009, p. 82)

Aristóteles, ainda em dois textos dos Segundos Analíticos, livro I (ARISTÓTELES,

2010, p. 259 e 309), reforça seu entendimento a cerca do conhecimento científico:

Uma vez que o objeto do conhecimento científico, na sua acepção pura e

simples, não pode ser distinto do que é, a ideia conquistada pelo

conhecimento demonstrativo será necessariamente verdadeira. (73ª21-3)

O conhecimento e seu objeto diferem da opinião e seu objeto pelo fato de o

conhecimento pertencer ao universal e progredir através de proposições

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necessárias, e aquilo que é necessário não pode ser de outra maneira.

(88b31-2)

Uma vez estabelecidos alguns conceitos acerca do conhecimento científico, passamos,

agora, a considerar como este é expresso, ou qual é a sua forma de manifestação: o silogismo

científico.

2 – O Silogismo Científico

Aristóteles introduz-nos no conceito de silogismo científico por meio da assertiva

abaixo, consignada em sua obra, Segundos Analíticos I, 2, 71b16-9:

Se há ou não um outro método de conhecer é um assunto que será discutido

mais tarde [livro I, capítulo III e livro II, capítulo XIX]. Mas nosso interesse

agora é que efetivamente obtemos conhecimento pela demonstração. Por

demonstração entendo o silogismo científico [συλλογισμν επιστημονκον] e

por silogismo científico [ou, mais exatamente, silogismo capaz de produzir

conhecimento científico] aquele em virtude do qual compreendemos alguma

coisa pelo mero fato de apreendê-la. (ARISTÓTELES, Segundos

Analíticos, 2010, p. 253)

Para Aristóteles, a ciência só o é se for demonstrativa, isto é, se se basear num sistema

de provas ou demonstrações, cuja expressão básica é o silogismo científico fundamentado no

conhecimento e não no silogismo dialético cuja verdade é ou não provável, porquanto baseada

na opinião. Assim, pode-se afirmar que o silogismo científico não é propriamente ciência. É,

então, apenas um instrumento pelo qual ela é efetivada ou expressada.

Nos Primeiros Analíticos I, 1, 24b18-22, temos a seguinte definição de silogismo:

O silogismo é uma locução (λογος) em que, uma vez que certas suposições

sejam feitas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamente devido à

mera presença das suposições como tais. Por “devido à mera presença das

suposições como tais” entendo que é por causa delas que resulta a conclusão,

e por isso quero dizer que não há necessidade de qualquer termo adicional

para tornar a conclusão necessária. (ARISTÓTELES, Primeiros

Analíticos, 2010, pp. 112-3)

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Aqui, vemos que a definição geral de silogismo já contém duas cláusulas de exigência

importantes: a causalidade e a necessidade, embora ainda não com característica de

cientificidade: porque, por partir-se de algo conhecido, chega-se, necessariamente a um

conhecimento novo. A diferença entre tal silogismo, que é geral, em relação ao silogismo

científico, é que este, embora também encerre uma dedução, nos permite conhecer, ou seja,

como vimos acima, conhecer alguma coisa de modo científico: conhecer sua causa ou razão

porque tem de ser como é e não pode ser de outra maneira. Assim, conhecimento científico

não pode pressupor um conhecimento sem suas causas, ou um conhecimento científico torna-

se impossível se não lhe forem conhecidas as causas. O não poder ser de outra maneira, de

imediato, dispensa qualquer aspecto contingencial do conhecimento, porque o conhecimento

científico deve ser o conhecimento dos universais e não de eventos particulares submetidos

aos sentidos.

Determinando-se mais propriamente os atributos que devem compor uma ciência

demonstrativa ou silogismo científico, Aristóteles, segundo Ross (ROSS, Aristóteles, 1987, p.

52), fixa-os em quatro, a saber: Primeiro: as premissas devem ser verdadeiras, porque o

processo de dedução ou transmissão ou conquista da conclusão exige que a verdade transite

integralmente pelas diversas etapas do silogismo. A demonstração exige, então, que o

argumento parta de premissas verdadeiras e, além disso, que se saiba que sejam verdadeiras;

Segundo: as premissas devem ser primárias ou imediatas e indemonstráveis. Isto significa

que, antes delas, não deverá haver outra premissa a demonstrá-la, pois, a se escolher tal

percurso, haveria uma regressão ao infinito. Assim, as premissas primeiras devem,

necessariamente, não ser demonstráveis, não podendo haver, portanto, conhecimento

científico delas. Outro atributo, o terceiro, é que deve haver uma relação de anterioridade em

relação à conclusão. Devem ser mais conhecidas e inteligíveis que ela, no sentido que,

segundo Ross, quando temos consciência delas, mais claramente percebemos sua verdade.

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Finalmente, o quarto atributo determina que as premissas devem ser causas ou explicação da

conclusão, pois a conclusão deverá conter elementos ou fatos que, necessariamente, deve estar

contidos nas premissas. Há uma transição causal que se inicia nas premissas e culmina na

conclusão. Ainda segundo Ross, as causas da conclusão devem estabelecer os fatos que são as

causas do fato estabelecido na conclusão. Simultaneamente, o conhecimento que temos delas

deve ser causa do conhecimento da conclusão.

Em vista das considerações acima, ainda Ross, ao destacar três pontos de partida

extremos da ciência, pontifica um deles, o axioma, como segue:

Axiomas – as proposições que devemos conhecer se queremos conhecer

alguma coisa. Entre estas, Aristóteles inclui, sem distinção, as proposições

verdadeiras do quer que seja, tal como as leis da contradição e do terceiro

excluído, e proposições comuns a várias ciências, mas não sem limites

quanto ao seu âmbito, como a que afirma que uma igualdade subsiste se

retirarmos iguais de iguais – a qual não possui qualquer significado se não

for aplicada a quantidades. (ROSS, Aristóteles, 1987, p. 53)

3 – A Demonstração e seus constituintes: as premissas

Como vimos, até o presente, o conhecimento científico se expressa por meio da

demonstração e esta assume a forma do silogismo científico, em que suas premissas devem

assumir características específicas como explicitado no item anterior.

Antes de se analisarem todas essas características, é oportuno dizer que Aristóteles,

nos Segundos Analíticos I, I, 71ª1-5 – portanto, em seu início efetivo, estabelece o conceito

geral acerca da necessidade do conhecimento anterior. Este conceito terá importância

fundamental nas discussões sobre a apreensão dos princípios do conhecimento, objeto do

capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos:

Todo ensino e toda instrução intelectual procedem de conhecimento pré-

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existente. Isto é evidenciado se examinarmos todos os distintos ramos do

saber, porque tanto as ciências matemáticas quanto qualquer outra arte são

adquiridas dessa forma. O mesmo ocorre com os argumentos lógicos

[λογους, mas referindo-se aos argumentos dialéticos], quer silogísticos quer

indutivos. Ambos constituem o ensino a partir de fatos já conhecidos, os

primeiros levantando hipóteses como se fossem concedidas por uma

audiência inteligente; os segundos demonstrando o universal a partir da

natureza auto evidente do particular. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos,

2010, p. 251)

Este enunciado já nos dá o caráter da indispensabilidade da existência de um

conhecimento prévio a todo aprendizado ou ensinamento. Encontramos um reforço a tal

concepção em Ross:

“...e esta passagem de conhecimento para conhecimento científico é a que

ocupa quase completamente os Segundos Analíticos. Lá permanece a

questão se o conhecimento do qual se parte é inato ou adquirido, e, se

adquirido, como é adquirido. E a esta questão Aristóteles retorna no último

capítulo do segundo livro.” (ROSS, Aristotle's Prior and posterior analytics,

1949, p. 51)

3.1 – A característica de verdade das premissas

Um dos principais atributos destacados por Aristóteles quanto às premissas da

demonstração ou do silogismo científico refere-se a que elas devam ser verdadeiras. Assim

Aristóteles se refere a essa questão, em Segundos Analíticos I, II, 71b25-6:

As premissas, portanto, tem que ser proposições verdadeiras, pois é

impossível conhecer o que é contrário ao fato, por exemplo, que a diagonal

de um quadrado é comensurável em relação aos lados [do quadrado].

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 255)

O raciocínio aqui subjacente, e exclusivamente referente ao silogismo científico,

indica-nos que a verdade deve ser algo que se transmite de premissa a premissa até atingir-se

a conclusão que, necessariamente e por consequência, deverá ser verdadeira.

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Embora a verdade seja considerada essencial no modelo de conhecimento científico de

Aristóteles, não há, conforme Pereira (op. cit. p. 83), no texto dos Segundos Analíticos,

nenhuma doutrina específica a respeito.

Aquilo que o argumento silogístico científico expressa deve referir-se ao ser do qual se

diz alguma coisa. A esse propósito, nos diz Byrne, numa citação extensa, porém importante:

Verdade, para Aristóteles, corresponde com o que é. [...] A total necessidade

da conexão entre as premissas e a conclusão depende disso. Aristóteles

também aponta que os enganos podem ser derivados das falsas premissas

(Primeiros Analíticos II.2-4). Mas não se poderia ter um silogismo científico

ou uma demonstração derivada de falsas premissas, porque uma conclusão

falsa estabelece um fato que não é, e “não há conhecimento científico

(epistasthai) daquilo que não é” (Segundos Analíticos I,2 71b26). Não se

pode ter conhecimento científico de que um fato não pode ser de outra

maneira se não houver aquele fato. Novamente, enquanto Aristóteles

reconhece que a conclusão verdadeira pode vir depois de falsas premissas,

ele de forma alguma considerou um argumento com falsas premissas como

uma demonstração. Pois, se as premissas eram falsas, não poderiam ser

expressões da causa do fato, porque as falsas premissas estabelecem aquilo

que não é, e que não poderia ser conhecido por ser a causa de mero fato que,

em virtude de ser um fato, é. Como Aristóteles coloca, “ninguém conhece

um fato que não é” (II.7 92b6) (BYRNE, Analysis and science in Aristotle,

1997, p. 93)

Ainda, podemos destacar a existência de um argumento elíptico na afirmação de

Aristóteles no início deste item. Referentemente a tal questão, Mignucci, apud Pellegrin,

assim reconstitui o raciocínio de Aristóteles:

(i) ‘se há ciência, as premissas são verdadeiras’. Esta proposição, segundo

Aristóteles, seria equivalente a esta: (ii) ‘se as premissas são falsas, não há

ciência’. ‘Não é possível ter um conhecimento científico daquilo que não é’.

Esta última afirmação poderia ser traduzida por: ‘se a conclusão é falsa, não

há ciência’. (aquilo que não é indica a falsidade da conclusão do silogismo).

Última etapa: (iii) ‘se as premissas são falsas, falsa é a conclusão’. Como

observa Philloponus (24, 1), esta proposição parece ir contra a doutrina dos

Primeiros Analíticos (II, 2-4), onde é mostrado que certos silogismos têm

conclusões verdadeiras a partir de premissas falsas. Solução dada por

Zabarella (657D), segundo Averróes (32D): de premissas falsas o verdadeiro

não resulta senão como acidente, enquanto que o falso resulta por si próprio.

(PELLEGRIN, Aristote Seconds Analytiques Organon IV, 2005, p. 344)

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A não contrariedade relativamente aos Primeiros Analíticos (II, 2-4), conforme citado

acima, é reafirmada por Aristóteles, nos Segundos Analíticos I, 6, 75a1-5 (ARISTÓTELES,

2010, p. 265), quando diz que nada impede que o termo médio utilizado para a demonstração

não seja necessário, pois a conclusão necessária pode ser obtida a partir de premissas não

necessárias, ou obter-se a conclusão verdadeira de premissas não verdadeiras. Entretanto,

assim diz nosso autor, nesse mesmo trecho: “Quando o meio termo é necessariamente

verdadeiro, a conclusão também é necessária, tal como a conclusão de premissas verdadeiras

é sempre verdadeira”.

Ainda a propósito do enunciado de Aristóteles em I, 2, 71b25-6, não podemos deixar

de citar a tradução, empreendida por Barnes (Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 94): “Eles

(Barnes se refere aos princípios; Ross, Pereira, Bini e Pellegrin, às premissas) devem ser

verdadeiros, porque você não pode entender (understand) o que não é o caso”. Barnes assume

que “eles” se referem aos princípios, porque permitem que o argumento funcione

adequadamente. Ilustra tal afirmação recorrendo a outro autor, Hintika, apud Barnes,

(Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 94): “Uma vez que um demonstrador (demonstrator)

deve conhecer os princípios que explicam o demonstrandum, e que é sabido que deve ser o

caso, ou seja, ser verdadeiro, segue-se que os princípios devem ser verdadeiros”. Barnes

aponta argumentos contrários de outros autores, sem identificá-los, que afirmam, primeiro,

que 71b26 explica que

não se pode entender o que não é o caso, enquanto que Hintika requer apenas

que os princípios sejam conhecidos, e, em segundo lugar, que o exemplo da

incomensurabilidade (da diagonal de um quadrado com seus lados)

regularmente ilustra a conclusão de uma inferência, não um princípio. Mas

essas objeções são menores ("compreender em 71b26 pode ter o significado

comum de "conhecer"), e que nenhuma outra interpretação alternativa

concederia a Aristóteles um argumento convicente. (PELLEGRIN, Aristote

Seconds Analytiques Organon IV, 2005, p. 344)

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Até aqui expusemos que as premissas devem ser verdadeiras, mas não se tratou do que

significa ou o que é a verdade das premissas ou a verdade científica. Embora Aristóteles nos

diga, em Segundos Analíticos II, XIX, 100b7-8, isto é, ao final desse tratado, que a verdade

deve ser algo sobre o qual não deve haver nenhuma dúvida, porque a ciência e a inteligência

são sempre verdadeiras, contrariamente à opinião e ao cálculo, já que podem comportar a

falsidade, não é esclarecido o que deva ser entendido por verdade, atributo esse fundamental

das premissas de um silogismo científico ou do conhecimento científico.

De modo sucinto, para se entender o significado de verdade para Aristóteles, é mister

buscar-se em outros de seus textos tal conceito. Preliminarmente, há que se considerar que,

uma vez que a demonstração científica tem como pressuposto estar estruturada em premissas

verdadeiras, de imediato pode-se afirmar que aquilo que a premissa expressa deva estar em

correspondência com algo ao qual ela se refere. E esse algo podemos chamar de um dado real

ou ser. Aqui, já podemos identificar duas instâncias significativas do conhecimento científico:

uma é a realidade que se procura apreender e outra é expressão dessa mesma realidade. No

nível do ser, ou daquilo que deva ser expresso, Aristóteles, em sua obra Metafísica, apresenta-

nos sua doutrina do ser.

A doutrina do ser expressa-nos, nessa extensa obra, além de reflexão acerca das

causas e princípios supremos da realidade, também o que é entendido por ser (ὄν, εϊναι) ou,

mais propriamente, “o ser enquanto ser” (ὄν ᾔ ὄν) e quais são seus atributos ou características

essenciais. Especificamente, por inoportuno, não trataremos de tal doutrina neste texto.

Interessa-nos identificar o que Aristóteles considera ocorrências ou manifestações do ser. Diz-

nos ele, em Metafísica IV, 1, 1003ª31-5: “O ser se diz em múltiplos significados, mas sempre

em relação a uma unidade e a uma realidade determinada” (ARISTÓTELES, Metafísica,

2002, p. 132).

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Assim, o ser tomado em seu sentido unívoco pode assumir diversos sentidos, mas

sempre tendo como referência a uma unidade inicial, que poderíamos denominar de unidade

substancial. Há uma estrutura sobre a qual o ser e seus múltiplos significados se erigem.

Quatro são os sentidos em que o ser manifesta: o ser em si ou em sua própria natureza,

cujas modalidades se referem às figuras da predicação ou categorias, o ser por acidente, o ser

em ato e o ser em potência. Além desses sentidos, há outro que nos interessa mais

especificamente, isto é, o ser também se manifesta como verdadeiro e, consequentemente,

como falsidade, o não ser.

A base da argumentação de Aristóteles relativamente à questão do que seja verdade e,

daí, verdadeiro e falso e, portanto, falsidade, está no confronto entre a realidade ou o ser que é

e o pensamento que deve espelhar essa realidade. Para ele (Metafísica VI, 4, 1027b 25-6), a

verdade e a falsidade não se encontram nas coisas, mas nos pensamentos, isto é, não se trata

de o bem ser verdadeiro ou o mal, falso em si mesmo. A necessidade da correspondência

entre o ser real e o pensamento apresenta-se-nos como fundamental para caracterizar como

verdadeiro o conteúdo de nosso pensamento relativamente ao ser que é apreendido. Dessa

forma, a verdade emerge ou, de outra maneira, se apresenta somente se houver tal

correpondência. Resultará, portanto, dessa correspondência, o ser verdadeiro no âmbito do

pensamento. A verdade, por consequência, está em manifestar as coisas como elas são e é

verdadeiro (isto é, o portador da verdade) o pensamento que contém ou expressa essa

manifestação. O conteúdo de nosso pensamento somente poderá ser caracterizado como

verdadeiro relativamente às coisas não somente porque se encontra em nosso pensamento,

mas somente se, necessariamente, for resultado de pensarmos as coisas como são. Estaremos

na verdade se as pensarmos dessa maneira.

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Em Categorias XII, 14b16-23, Aristóteles explicita claramente a relação existente

entre o fato e aquilo que o pensamento expressa, caracterizando como a verdade, não estando

nas coisas, é percebida:

A existência de um ser humano, por exemplo, requer a verdade da

proposição na qual afirmamos sua existência. Vale também o inverso, pois

se ele existe, consequentemente a proposição que afirma tal fato será

verdadeira. Se a proposição, reciprocamente falando, for verdadeira, então o

homem aludido nela necessariamente existirá. (ARISTÓTELES, Categorias,

2010, p. 76)

Assim, a condição de verdade da proposição está estreitamente relacionada e

dependente da existência real da coisa que é expressada pela proposição. Sua verdade deve,

pois, implicar a necessidade da existência do estado de coisas que lhe corresponde. Embora

seja possível identificar a reciprocidade entre ser e o verdadeiro, identifica-se uma

precedência necessária do ser em relação à proposição: é aquele que determina esta. Ora, dito

dessa maneira, temos que não é possível que haja verdade numa proposição se ela não

corresponder a um estado de coisas da realidade que a torna verdadeira.

3.2 – A causalidade necessária das premissas

Como vimos, o conhecimento científico é resultado de um procedimento de natureza

demonstrativa, cujo instrumento básico para sua expressão é o silogismo científico. Este é

constituído por premissas que, uma vez dispostas segundo determinada estrutura, devem

resultar em uma conclusão. A conclusão deve, necessariamente, estabelecer vínculos com as

premissas que a precederam e tais premissas, também como vimos, devem conter algumas

características ou atributos sem os quais a conclusão pode não ter estreita correspondência

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com o objeto a que a demonstração está se referindo. Um dos atributos essenciais analisados

foi a verdade que as premissas devem expressar.

Além desse atributo, um outro essencial é que as premissas devem ser causas da

conclusão do silogismo científico, porque, segundo Aristóteles, em Segundos Analíticos I, II,

71b 30-1), “... [premissas] causais porque nós temos um saber científico de qualquer coisa

somente quando sabemos a sua causa.” (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 254)

Nos Analíticos Segundos, Aristóteles não trata, especificamente, da doutrina das

quatro causas apresentadas na Metafísica e na Física, mas, em Metafísica V,2,1013b16-7,

encontramos a seguinte afirmação quanto a seu entendimento do significado de causa

relacionada a um raciocínio silogístico: “...e as premissas das conclusões são as causas no

sentido de são aquilo de que as coisas derivam.” (ARISTÓTELES, Metafísica, 2002, p. 193).

Assim, as premissas passam a constituir-se em causa material da conclusão de qualquer

silogismo corretamente construído, principalmente quando este for o silogismo

demonstrativo. Isto é, é a causa a partir de que a conclusão se realiza.

Uma vez identificada que as premissas são a causa material da conclusão, resta

necessário identificar, porém, à qual premissa está Aristóteles, especificamente, se referindo.

A esse respeito, podemos dizer que, conforme Mrad:

A relação causal nos Analíticos é perfeitamente representada pelo silogismo

dedutivo, no qual o meio termo é a causa, isto é, é um intermediário que

explica a atribuição de dois termos, um em relação a outro. (MRAD,

Principes et causes dans les Analytiques Seconds d'Aristote, 2004, p. 37)

A prova de uma conclusão sempre ocorrerá por meio do termo médio, que se constitui

em termo de ligação entre duas premissas. A causa terá, sempre, uma precedência lógica e

temporal em relação ao efeito que provoca a conclusão a que se quer chegar.

O texto a seguir, reafirma o caráter necessário da existência do termo médio:

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É sempre por ele [o termo médio] que é necessário provar e, se algo se

conclui que não tenha sido provado por termos médios, é sempre ainda

possível perguntar o porquê (διὰ τί) de tal conclusão. Provaremos assim, por

exemplo, num silogismo afirmativo, que A pertence a C por pertencer a B e

este, a C; e poderemos, eventualmente, igualmente provar que A pertence a

B e B, a C, através de outros termos médios, destarte construindo uma cadeia

silogística em que as premissas de um silogismo são conclusões de

silogismos anteriores. (PEREIRA, Ciência e dialética em Aristóteles, 2000,

p. 91)

Embora Aristóteles não tenha destacado sua doutrina das quatro causas nos Segundos

Analíticos, Mrad, no texto a seguir, nos mostra que é possível identificar a relação que

Aristóteles faz entre a causa formal ou essencial e o termo médio num silogismo

demonstrativo:

Assim, a pesquisa científica, para Aristóteles, consiste num esforço para

alcançar a essência. E o silogismo demonstrativo é um silogismo que nos faz

conhecer tal essência, quando se procura apreender (on chercher à saisir)

um fato ou uma coisa por meio das características necessariamente

relacionadas à sua natureza. Mas, de uma maneira geral, a causa é a essência

ou a forma, e o meio termo depende dessa forma ou dessa essência, mesmo

quando se trata da causa material, motriz ou final. De fato, a relação de cada

uma das quatro causas com o efeito pode ser substituída pela relação da

forma ou da essência a aquilo de que elas são a forma ou a quididade:

pesquisar o porquê de um fato complexo ou de uma coisa concreta é

pesquisar qual é a essência ou a forma dessa coisa. (Metafísica VII, 1041b

5). (MRAD, Principes et causes dans les Analytiques Seconds d'Aristote,

2004, p. 41)

Semelhantemente, a esse respeito, Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p.

92) enfatiza que se, em sentido absoluto, a causa é o termo médio, “este pode exprimir, assim,

os diversos prismas sob que se pode abordar a causalidade que engendra uma coisa: as causas

todas de uma coisa poderão exprimir-se pelo termo médio”, como destaca Aristóteles nessa

passagem em Segundos Analíticos II, XI, 94a20-4:

Só julgamos que temos conhecimento de uma coisa quando conhecemos sua

causa. E há quatro tipos de causa: a essência, as condições determinantes

[causa material], a causa eficiente desencadeadora do processo e a causa

final. Todas elas são exibidas através do termo médio. [ou, todas estas causas

podem atuar como termos médios numa demonstração científica].

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 327)

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Outro aspecto a ser considerado, nesta abordagem sobre a natureza da causa em um

silogismo científico, diz respeito à distinção entre a causa de uma conclusão e a causa do fato

expressada na conclusão. Uma das propostas de entendimento dessa distinção vem-nos da

seguinte argumentação:

...sabemos já que nem todo silogismo é científico e que a demonstração é

apenas uma espécie particular do silogismo; porque a ciência apreende, pela

determinação causal, o ser necessário, exige-se, para a cientificidade do

silogismo, que a causalidade que lhe é própria recubra e exprima, então, a

causalidade real que a ciência conhece. [...] Porque a causalidade interna do

silogismo transcreve, na demonstração, a causalidade “externa” das coisas, o

fato de que a demonstração se faz pela causa depende do valor objetivo das

premissas. (PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 92)

Ora, dado que o fato concreto apenas existe e não é racional, sendo racional a sua

expressão em termos de premissas, é de se prever que a causa desse fato, isto é, o seu porquê,

ao ser expresso por meio da demonstração científica, também exigirá que elas, as premissas,

tenham estreita correspondência com a causa propriamente do fato real.

Byrne também aborda tal questão, ao estabelecer uma estrita conexão entre a causa

física de um fato e a causa lógica expressada pelo silogismo:

É evidente que as premissas devem, de alguma maneira, expressar a causa da

conclusão, porque um enunciado não analisado de um mero fato contido

numa conclusão pode não ser sua causa. E se uma explicação de uma causa

não aparecesse em lugar algum na demonstração, não se teria, certamente

episteme – “conhecer a causa e conhecê-la não poderia ser de outra maneira.

Todavia, uma importante distinção precisa ser estabelecida neste ponto,

porque o incômodo de ambas expressões em Inglês e Grego torna muito fácil

falar de “premissas como sendo causas” de tal modo que pode levar a um

mal-entendido.[Barnes traduz aition como “explicação”, enquanto

McKirahan empregou “fundamento.”] (BYRNE, Analysis and science in

Aristotle, 1997, p. 93)

É necessário, então, haver uma distinção entre as causas da conclusão e as causas do

fato expressado pela conclusão, pois, rigorosamente falando, as premissas de qualquer

silogismo são causas da sua conclusão.

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Assim, prossegue Byrne:

Isto pode ser assim mesmo quando as premissas não expressam a causa atual

do fato expressado pela conclusão. Neste caso, há um silogismo e “causas”,

mas não episteme e, portanto, nenhuma demonstração. Como Aristóteles diz:

“O silogismo será realmente possível sem tal [critério], mas não a

demonstração; por isso, não se produzirá o conhecimento científico

[epistémen]”. (I.2 71b24-25). É claro, no entanto, que por “causas da

conclusão” Aristóteles considera que as premissas teriam de ser, não apenas

causas lógicas da conclusão, mas, também, expressões das causas reais do

fato expressado pela conclusão. De fato, se isto não fosse assim, a

demonstração não poderia produzir conhecimento científico do fato

expressado pela conclusão. (BYRNE, Analysis and science in Aristotle,

1997, p. 93)

Estabelecendo uma associação das proposições contidas nos dois textos acima com o

que estabelece Aristóteles em I, II 71b 25 (as premissas têm que ser proposições verdadeiras),

veremos que há perfeita aderência de conceitos. Para se ter premissas verdadeiras, exigir-se-á

admitir, necessariamente, a existência de um fato real apreensível que nosso intelecto

traduzirá em enunciados no formato de premissas. A estreita e necessária correspondência de

tais premissas com o fato em questão é que garantirá a verdade ou o conteúdo verdadeiro das

premissas. Assim, uma vez conquistada essa correspondência, passo seguinte é identificar o

porquê ou a causa real desse fato. Sendo esta encontrada, o conhecimento científico terá sido

produzido, pois a causa do fato estará expressa na conclusão da demonstração.

3.3 – As premissas anteriores e melhor conhecidas

O terceiro atributo que deve caracterizar uma premissa da demonstração se

refere a que ela deva ser anterior e melhor conhecida. Esses dois aspectos reforçam a

interdependência com relação à característica da causalidade tratada anteriormente neste

texto. Ilustramos a pertinência dessa interdependência no texto a seguir, em que fica

enfatizada a importância que Aristóteles lhe dá, pois se constitui, conforme

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entendimento de Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 101), numa

passagem absolutamente fundamental para a compreensão da profundidade da ciência

como entende esse filósofo.

Assim, nos diz Aristóteles, em Segundos Analíticos I, XI, 71b31-72a7,

Têm de ser causais, melhor conhecidas e anteriores – causais porque só

dispomos de conhecimento de uma coisa quando conhecemos sua causa,

anteriores na medida em que são causais e já conhecidas, não meramente no

sentido de que seu significado é entendido, mas também no sentido de que

são conhecidas factualmente [ou como a coisa é]. Há dois sentidos nos quais

as coisas são anteriores (πρότερα) e mais cognoscíveis [conhecidas]

(γνωριμώτερα). Aquilo que é anterior na natureza não é idêntico àquilo que é

anterior em relação a nós, e aquilo que é naturalmente mais cognoscível por

nós. Por anterior e mais cognoscível em relação a nós quero dizer aquilo que

está mais próximo de nossa percepção; por anterior e mais cognoscível no

sentido absoluto quero dizer aquilo que está mais distante da percepção. Os

conceitos mais universais são os mais distantes de nossa percepção,

enquanto os particulares são os mais próximos dela e se opõem entre si.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 254)

Antes de entrarmos, propriamente, nas considerações mais específicas sobre os

conceitos postos acima, conviria destacar alguns comentários pontuais sobre eles.

Inicialmente, segundo interpretação de Pellegrin:

A anterioridade de uma causa em relação ao efeito não é necessariamente

temporal, mas gnosiológica. ‘Já conhecida’ (προγινώσκόμενα) é a mesma

coisa que ‘melhor conhecida’, como pensa, por exemplo, Zabarella.

Mignucci nota que ‘já conhecida’ não indica mais do que a prioridade

temporal de um conhecimento sobre um outro, mas parece que com a

exatidão conferida aqui por Aristóteles ( que o ‘já conhecido’ não é somente

identificado mas, também, ‘é o caso’), pode-se pensar que tudo aquilo que é

‘já conhecido’ é também ‘melhor conhecido’, pois é conhecido mais

imediatamente (antes do silogismo). (PELLEGRIN, Aristote Seconds

Analytiques Organon IV, 2005, p. 345)

Referentemente a essa possível dicotomia entre “o melhor conhecido” e o “já

conhecido”, Barnes apresenta uma versão diferente:

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O texto em 71b31 é ambíguo. Muitos intérpretes põem um ponto-e-vírgula

depois de “explicativas” [explanatory, conforme Barnes, ou causais,

segundo outros tradutores], e consideram “e nós já as conhecemos...” para

expressar novamente a condição de familiaridade [familiarity]. Temos,

agora, que as premissas (ou princípios) de uma demonstração devem ser

“mais familiares (gnõrimõtera)” que sua conclusão, e que elas devem,

também, ser progignõskomena (“nós já as conhecemos”). Mas essas duas

afirmações são totalmente distintas; portanto, a referência em 71b30 para o

que nós já conhecemos não pode expressar novamente a condição de

familiaridade. Nós deveríamos, então, enfatizar novamente; remover a

vírgula depois de “explicativas”, e considera “nós já sabemos...” para

conceder ao segundo argumento a condição de prioridade. (BARNES,

Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 96)

Pellegrin, ao considerar os entendimentos de Zabarella e Mignucci, destaca sua

também discordância em relação à proposta de entendimento de Barnes, ao afirmar que as

interpretações daqueles autores respondem

à questão colocada por Barnes de saber se as linhas 71b31-33 tratam do

caráter “anterior” dos princípios ou de seu caráter “melhor conhecida”: ser

“já conhecida”, segundo o sentido concedido aqui, é ser não somente

anterior mas, também, melhor conhecida. (PELLEGRIN, Aristote Seconds

Analytiques Organon IV, 2005, p. 345)

Além das considerações dos autores acima, é oportuno verificar qual interpretação

Ross nos apresenta relativamente a tal questão, em que ele expõe uma visão diferente da de

Barnes, ao afirmar que premissas ‘melhor conhecidas’ não significam premissas mais

familiares, nem ‘pré-conhecidas’ ou ‘conhecidas anteriores no tempo’:

E, além disso [as premissas serem verdadeiras e primárias], tendo essas

características intrínsecas, elas devem manter uma certa relação especial

com a conclusão; devem ser "mais inteligíveis, anteriores e causas da

conclusão ... causas porque nós conhecemos um fato somente quando

sabemos sua causa; anteriores, porque eles são causas, conhecidas antes, não

só no sentido de que nós sabemos o que significado das palavras, mas

também no sentido de que nós sabemos que elas representam um fato. Estas,

apesar de definidas conforme condições distintas, são claramente ligadas.

'Anteriores' e "melhor conhecidas" determinam duas características das quais

seguem as premissas como causas, isto é, os enunciados das causas dos qual

o fato indicado na conclusão depende. (ROSS, Aristotle's Prior and posterior

analytics, 1949, p. 54)

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Ross considera ainda que as expressões “anteriores” e “melhor conhecidos” assumem

um sentido não-natural, portanto especial, já que Aristóteles não consideraria que os fatos

contidos nas premissas são necessariamente anteriores no tempo: em matemática não existe

sucessão temporal entre a causa e a consequência.

Continua Ross:

Aristóteles iria mesmo mais longe e diria que um fato (ou uma combinação

de fatos), que antecede um outro fato, nunca poderia ser a causa completa do

outro, uma vez que o lapso de tempo implica que o fato anterior pode existir

sem o fato posterior ter acontecido. 'Anteriores', portanto, deve significar

"mais fundamental na natureza das coisas". E, mais uma vez, "melhor

conhecidas" não significa "mais familiar”, nem ‘pré-conhecidas’,

'conhecidas anteriormente no tempo’. Ele prossegue, dizendo que "não é a

mesma coisa ser mais conhecido por natureza e mais conhecido por nós.” As

coisas que estão mais perto dos sentidos são mais conhecidas por nós, os que

estão mais longe dos sentidos mais conhecido, sem qualificação. (ROSS,

Aristotle's Prior and posterior analytics, 1949, p. 54)

Uma vez tendo apontado essas diferenças de entendimentos entre alguns

interpretadores, resta-nos, neste instante, esclarecer qual é o sentido que Aristóteles assume

quando se refere às características de anterioridade e de maior cognoscibilidade das premissas

do silogismo científico.

Embora no texto Aristóteles não esclareça o que significa anterioridade, seu conceito

aflora quando ele trata da causalidade, isto é, por serem causas da conclusão é que as

premissas, necessariamente, devam vir anteriormente a ela. Se há um fato, sempre deverá

haver uma causa que o engendra. O texto, em Segundos Analíticos II, XVI, 98a35 e ss.,

reafirma o conceito de anterioridade:

No que respeita à causa e efeito, poder-se-ia questionar se a presença do

efeito implica a presença da causa (por exemplo, se uma árvore deixar cair

suas folhas ou ocorre um eclipse, a causa do eclipse ou da queda da folhas

tem também que estar presente, a saber, neste último caso, o fato de a árvore

apresentar folhas largas, e, no primeiro, o fato da interposição da Terra – isto

porque se a causa não estiver presente, deverá haver alguma outra causa para

tais efeitos); e estando a causa presente, estará presente também o efeito.[...]

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Se assim é, causa e efeito serão concomitantes e demonstráveis, um em

função do outro.[...] Mas como é impossível que duas coisas sejam causas

uma da outra, porquanto a causa é anterior ao seu efeito e é a interposição da

Terra que é a causa do eclipse, e não o inverso. [...] Que a interposição da

Terra é a causa do eclipse, e não o inverso, é óbvio, se considerarmos o fato

de que a primeira constitui um elemento de definição da segunda, o que

claramente indica que obtemos nosso conhecimento da segunda através da

primeira, e não o inverso. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p.

339)

Devem ser, também as premissas, previamente conhecidas, e isto é suficiente para que

assumam um estatuto de temporalidade, já que existência deve preceder aquilo cujo

conhecimento a ser alcançado por elas é a conclusão, cuja gênese se encontra nas premissas

anteriores. Não se nos seria possível escapar de tal afirmação, haja vista que Aristóteles já nô-

la apresentara, logo no início dos Segundos Analíticos I, I, 71a1-2: “Todo o ensino e toda

instrução intelectual procedem de um conhecimento pré-existente.” (ARISTÓTELES,

Segundos Analíticos, 2010, p. 251). Assim, tem-se que um novo conhecimento somente é

obtido tendo como base o conhecimento anterior, caracterizando, então, uma progressão

dianoética.

Em continuidade à caracterização de como se obtém o conhecimento prévio, Byrne, ao

comentar o trecho de Segundos Analíticos I, I, 71a11-18, destaca que ele é necessário em dois

sentidos:

Hás dois sentidos no quais o conhecimento anterior é necessário; algumas

vezes, é necessário entender (grasp) previamente o que é o fato [ὅτι ἔστι

προϋπολαμβáνειν], e algumas vezes deve-se conhecer [ξυνιέναι] a expressão

falada [λεγόμενόν] (ou, conforme Pellegrin, compreender aquilo que é a

coisa da qual se fala; ou, conforme Bini, compreender o significado do

termo) e algumas vezes ambas...O reconhecimento [γνωρίζειν] pode,

algumas vezes, requerer conhecimentos prévios assim como o que é

entendido no reconhecimento. (BYRNE, Analysis and science in Aristotle,

1997, p. 109)

Sobre a dupla natureza do conhecimento anterior estabelecida por Aristóteles, Ross

comenta o seguinte:

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Mas sobre a natureza deste conhecimento original, diz Aristóteles que é de

dois tipos. Há o conhecimento de fatos e o conhecimento do significado das

palavras. O primeiro ele ilustra pelo conhecimento da lei do terceiro

excluído, o segundo, pelo conhecimento de que ‘triângulo’ significa esse ou

aquele. Ele acrescenta que há certas coisas (por exemplo, a unidade), sobre

as quais sabemos não só que a palavra pela qual as designamos significa isso

e aquilo, mas também algo que responde que esse significado existe. Em

outro lugar, ele expande isso observando que, enquanto nós devemos saber

de antemão o significado de todos os termos que usamos em nossa ciência,

precisamos saber de antemão a existência de coisas correspondentes somente

quando estes são temas fundamentais da ciência em questão. (ROSS,

Aristotle's Prior and posterior analytics, 1949, p. 52)

Assim, o conhecimento prévio necessário está relacionado com a compreensão

do “que” [ὅτι ἔστι] de uma coisa, isto é, ao fato de que ela é. Também diz respeito à

compreensão do significado das coisas, ou o que é a coisa expressada pela premissa. Em

conclusão à conceituação de conhecimento anterior das premissas, Pereira assim nos diz:

Ora, o conhecimento das premissas da demonstração tem, precisamente, essa

dupla natureza: não se trata apenas da segunda modalidade de conhecimento

apontada, de uma compreensão de significações mas, também, do

conhecimento de “que a coisa é” [ὅτι ἔστι], de que é real o que a premissa

exprime. (PEREIRA, Ciência e Dialética em AristótelesCiência e Dialética

em Aristóteles, 2000, p. 102)

‘Melhor ou mais conhecidas’ [γνοριμώτερα] é mais uma característica essencial

definida por Aristóteles a respeito das premissas de uma demonstração. Não basta somente

que sejam anteriores, isto é, que haja um conhecimento prévio, é necessário, também, que

sejam mais conhecidas. Assim se expressa nosso autor, em Segundos Analíticos I, II, 25-9:

Ora, visto que a condição requerida para o nosso conhecimento ou convicção

de um fato consiste em apreender um silogismo do tipo que chamamos

demonstrativo, e visto que o silogismo depende da verdade das premissas,

faz-se mister não apenas conhecer as premissas primárias – todas ou algumas

delas – de antemão, mas conhecê-las melhor do que a conclusão, uma vez

que o que faz um predicado se aplicar a um sujeito sempre possui esse

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predicado num grau mais elevado. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos,

2010, p. 255)

A ciência só o será se for necessária, na medida em que devam as premissas ser mais

conhecidas do que as conclusões. Caso contrário, ter-se-á uma ciência meramente acidental.

Deve haver uma estreita ligação entre a causa e a conclusão, não somente pelo fato de aquela

dever ser anterior a esta, mas, também, por dever ser mais conhecida. Dada uma conclusão, o

conhecimento desta não pode superar o conhecimento que se deve ter de sua causa. Se fosse

possível estabelecer uma gradação entre o conhecimento fornecido pela conclusão e o pela

causa, poderíamos afirmar que o grau maior de conhecimento estaria na causa.

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42

CAPÍTULO III – OS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA

Uma vez reconhecida a base estrutural e formadora do conhecimento

científico, surge o instante em que trataremos da natureza, das características e da

constituição dos primeiros princípios da ciência.

1 – O que são os primeiros princípios?

A noção de princípio em Aristóteles assume fundamental importância em sua teoria da

ciência, haja vista a imprescindibilidade de sua existência na montagem estrutural da

demonstração, base fundamental para a constituição da ciência como ele a entende.

Suas palavras dão-nos a exata medida desse papel fundamental dos princípios e, após

explicitá-los, obteremos a condição necessária para explorar mais adiante, relativamente ao

capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos, como se dá a sua apreensão, aspecto este

tido como basilar para a compreensão plena de sua teoria sobre a ciência.

Vejamos, então, o que nos diz Aristóteles a respeito das premissas:

Têm de ser originárias e indemonstráveis, pois de outra maneira

necessitariam de demonstração para que as conhecêssemos, pois conhecer

(de uma outra forma que não a acidental) aquilo que é suscetível de

demonstração implica em ter dele a demonstração... Argumentar a partir de

premissas originárias (primárias) corresponde a argumentar a partir dos

primeiros princípios apropriados, pois por premissa primária e primeiro

princípio entendo a mesma coisa. O primeiro princípio de uma demonstração

é uma premissa imediata, e uma premissa imediata é aquela que não tem

nenhuma outra anterior a ela. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010,

p. 254)

O caráter primeiro e imediato que adere, necessariamente, às demais características

das premissas da demonstração, conduz-nos à conclusão de que nada mais deverá haver de

anterior às premissas primeiras, dado o caráter de absoluta anterioridade requerida pelos

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princípios. São princípios porque têm como função básica principiar as demonstrações. O

principiar as demonstrações implica a anterioridade necessária às demais premissas, tornando-

se causadora das premissas ou conclusões que se lhe seguem. Então, Aristóteles declara

(Segundos Analíticos, 2010, p. 255): “Assim, se as premissas primárias são a causa de nosso

conhecimento e convicção, conhecemos e somos convencidos por elas num grau mais

elevado, uma vez que geram nosso conhecimento de tudo que delas resulta”.

Mais adiante, Aristóteles ressalta a importância de se crer na existência dos primeiros

princípios sob pena de não se obter o conhecimento científico:

Mas crer em alguma coisa mais do que nas coisas que conhecemos, se nem

realmente a conhecemos nem nos achamos numa melhor situação do que se

realmente a conhecêssemos, é impossível. E, no entanto, isto é o que

acontecerá se alguém, cuja convicção tem o respaldo da demonstração, não

dispor de um conhecimento anterior, já que precisamos crer nos primeiros

princípios (em alguns, senão em todos), mais do que na conclusão.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 256)

2 – Os primeiros princípios são indemonstráveis.

As premissas, como vimos, são primeiras e imediatas, se se quer produzir um

conhecimento científico, obtido de uma demonstração. A anterioridade absoluta de tais

premissas garante-lhes a característica de indemonstrabilidade. Se o princípio fosse

demonstrável, certamente teria de haver uma premissa anterior que possibilitasse tal

demonstração, o que levaria a uma regressão ao infinito. Como sustenta Pereira (Ciência e

Dialética em Aristóteles, 2000, p. 127): “Repousa, pois, a demonstração sobre os

indemonstráveis e neles se funda a demonstrabilidade do objeto científico exigindo, como

condição de sua possibilidade, a indemonstrabilidade de premissas últimas, de que a

demonstração decorre.” Assim, também, se expressa Aristóteles: “O silogismo enquanto tal

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será possível sem tais condições, mas não a demonstração2, pois o resultado não será

conhecimento.” (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 254)

3 – O caminho para a apreensão dos primeiros princípios

Após termos caracterizado a necessidade e a indemonstrabilidade dos primeiros

princípios, resta-nos tratar, a partir deste instante, sobre como os primeiros princípios são

apreendidos. Esta questão é tratada por Aristóteles no capítulo XIX, do livro II, dos Segundos

Analíticos, cujo ponto de vista já houvera antecipado em Segundos Analíticos 71b16 (2010, p.

253), em que afirma que posteriormente tratará da existência ou não de um outro método de

conhecer que não aquele em que “se qualquer fato for objeto do conhecimento simples e sem

qualificação, o fato não poderá deixar de ser o que é.” E também em 72b18-25, em que afirma

que:

Nós, contudo, sustentamos que nem todo conhecimento é de natureza

demonstrativa. O conhecimento das premissas imediatas não é

demonstrativo. É evidente que assim deva ser, já que é necessário conhecer

as premissas anteriores com base nas quais a demonstração progride e, se o

retrocesso finda com as premissas imediatas, têm estas de ser

indemonstráveis. Esta é a nossa doutrina a esse respeito. Na verdade, não só

sustentamos ser possível o conhecimento científico, como também que há

um específico primeiro princípio do conhecimento graças ao qual

reconhecemos as definições. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010,

p. 257)

O último capítulo, uma vez terminada a doutrina da ciência em capítulos precedentes,

nos indicará que cabe ao νοῦς ou inteligência a apreensão dos princípios da ciência. Também,

segundo Ross, os estudos desse capítulo tratam, além dos princípios próprios da ciência, dos

axiomas. Assim, Ross se manifesta:

2 Recordemos que a demonstração ou silogismo científico é não somente válido, mas verdadeiro.

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45

A ἀρχαί, com o conhecimento da qual o capítulo esta envolvido, são as

premissas das quais a ciência ou a demonstração partem. Elas incluem (1)

axiomas ou causa comum. Estes, por sua vez, incluem: (a) princípios que se

aplicam a tudo o que é, ou seja, a lei da contradição e de terceiro excluído, e

(b) os princípios válidos de tudo em uma categoria específica, como o

princípio (comum a todas as quantidades) de que o todo é maior do que a

parte e igual à soma de suas partes. [...] Em segundo lugar (2), existem as

teses ou a causa própria, que por sua vez são subdivididos em (a) definições

nominais de todos os termos usados na ciência dada, e (b) hipóteses,

pressupostos da existência das coisas que correspondem aos termos

principais da ciência dada.

Todos estes são propostas, enquanto que o processo descrito em 99b35-

100b5 parece preocupar-se com a formação de conceitos universais (cf. o

exemplo homem, animal em l00bl-3). Não seria difícil argumentar que a

formação de conceitos gerais e a apreensão de proposições universais estão

inseparavelmente entrelaçadas. (ROSS, Aristotle's Prior and posterior

analytics, 1949, p. 675)

O capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos é o que se poderia considerar

como um fechamento conclusivo dos Analíticos, porquanto, em 99b16-7, já considera ter

cumprido etapas importantes, anteriormente, ao explicar a natureza do silogismo e da

demonstração e, por consequência, da ciência demonstrativa, empreendimento a que se

propôs assumir logo no início dos Primeiros Analíticos (24ª10-1), em que afirma: “Nossa

primeira tarefa consiste em indicar o objeto de estudo de nossa investigação e a que ciência

ele pertence: que concerne à demonstração e que pertence a uma ciência demonstrativa.”

(ARISTÓTELES, Primeiros Analíticos, 2010, p. 111)

Barnes, em seu comentário inicial ao capítulo, considera que este “levanta numerosos

problemas, de geral e detalhada interpretação” (BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002,

p. 259), talvez caracterizando algumas dificuldades interpretativas que esse capítulo enseja ao

propor soluções a algumas questões estabelecidas por Aristóteles (conforme abaixo

apresentaremos), referentemente à origem e natureza dos primeiros princípios da ciência

demonstrativa.

Por oportuno, mas sem aprofundarmo-nos na discussão, envolvendo estudiosos dessa

obra, acerca de possíveis aporias e dificuldades no caminho empreendido por Aristóteles,

Pereira se posiciona diferentemente da daquela de Barnes, assim se manifestando:

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46

Como se vê [a propósito de 99b17-19], nada vem sugerir que o problema da

apreensão dos princípios se afigure ao filósofo momentoso e difícil ou que as

aporias que se dispõe a formular lhe pareçam de solução duvidosa ou por

demais complexas, como entenderam ou entendem tantos intérpretes

zelosos... (PEREIRA, Ciência e Dialética em 2000, p. 340)

Há três aspectos, que Barnes denomina de quebra-cabeças, no capítulo em questão.

Um primeiro diz respeito à forma de apreensão dos princípios, ou seja, tal capítulo

assemelhar-se-ia à:

Face de Janus, olhando numa direção voltada para o empirismo, e em outra

voltada para o racionalismo. Os princípios são apreendidos pela indução

(epagogé), num modo honesto empirista; mas eles também são apreendidos

pela alma (nous), ou intuição como é normalmente traduzido, num modo

racionalista fácil. É um clássico problema dos acadêmicos aristotélicos para

explicar ou reconciliar estes dois aspectos aparentemente opostos do

pensamento aristotélico. (BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, p.

259)

O segundo aspecto refere-se à afirmação de Aristóteles, logo no início do capítulo

XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos de que pretende levantar um novo assunto, a

apreensão dos primeiros princípios. Barnes destaca que a pretensão de Aristóteles talvez já

tivesse sido atendida ao longo dos Segundos Analíticos, pois

a maior porção do livro B [Segundos Analíticos] parece ter sido dedicada

apenas a esse tópico: definições são princípios, e o principal alvo do livro é

explanar como nós podemos conseguir apreender as definições. B19

[capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos] faz parte de um estrato

diferente do pensamento de Aristóteles? Ou são duas tentativas de dar

satisfações à nossa compreensão de princípios complementares? (BARNES,

Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 259)

Por último, Barnes identifica que no capítulo XIX, do livro II, dos Segundos

Analíticos, muitos comentadores teriam encontrado uma ambiguidade muito profunda:

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Seus “princípios” vacilam entre proposições primitivas e termos primitivos.

De um lado, se Aristóteles tenciona falar sobre os princípios das

demonstrações, ele deveria estar falando de proposições: de outro lado,

muito da linguagem de B19 sugere que ele está falando da aquisição de

conceito. Aristóteles foi culpado por essa grande confusão? Ou há alguma

saída? (BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 259)

Após a ligeira introdução acima ao capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos,

daremos, então, início a uma análise de seu conteúdo. Na introdução ao capítulo, tendo

Aristóteles já assumido como conquistada posição consolidada anteriormente de que não há

possibilidade de conhecimento demonstrativo sem conhecimento dos primeiros princípios,

podemos destacar três partes em que esse capítulo pode ser dividido. A primeira parte diz

respeito à fixação de dois problemas a serem examinados (99b20-6); a segunda parte trata de

sua resposta a um desses problemas (99b26-100b5); e a terceira (100b5-17), à resposta ao

segundo problema.

Temos, assim, colocadas por Aristóteles as primeiras questões ou dificuldades a serem

superadas nos parágrafos posteriores:

É necessário, a seguir, indagarmos qual é a forma de obtenção do

conhecimento dos primeiros princípios e qual é a faculdade [ou estado,

segundo Barnes, op. cit. p.72] asseguradora desse conhecimento. A resposta

surgirá com clareza se começarmos por examinar algumas dificuldades

preliminares. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 343)

As questões formuladas acima já partem do pressuposto da existência dos princípios,

portanto não sendo esta posta em dúvida ou nem mesmo se nos apresenta necessária sua

prova. Em 72ª25-b4, Aristóteles indica-nos argumentos suficientes que nos dizem que, uma

vez tendo conhecimento demonstrativo, irrefutavelmente teremos tido conhecimento dos

primeiros princípios. Destaquemos alguns trechos mais importantes:

Ora, visto que a condição requerida para o nosso conhecimento ou convicção

de um fato consiste em apreender um silogismo do tipo que chamamos de

demonstrativo, e visto que o silogismo depende da verdade de suas

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premissas, faz-se mister não apenas conhecer as premissas primárias – todas

ou algumas – de antemão, mas conhecê-las melhor antes do que a conclusão.

[...] E se couber a alguém possuir o conhecimento que é produzido pela

demonstração, não só terá que reconhecer e crer nos primeiros princípios,

mais do que naquilo que está sendo demonstrado, como nada que se opõe

aos primeiros princípios e do que resultará um silogismo do erro contrário

deverá ser mais crível ou melhor conhecido a ele do que esses princípios,

considerando que aquele que possui conhecimento absoluto deve ser

inabalável em sua convicção. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010,

pp. 255-6)

As duas questões acima são recolocadas por Aristóteles de outra maneira, para melhor

caracterizá-las, em 99b22-26. Partindo-se de constatação já feita, conforme visto acima, de

que não há possibilidade de existir conhecimento científico sem o conhecimento dos

primeiros princípios, Aristóteles assim se manifesta, em 99b22-6, conforme Pellegrin:

Mas pode-se perguntar por sua vez, a propósito do conhecimento dos

imediatos, se ele é ou não o mesmo <que o conhecimento científico>, ou,

dito de outra maneira, se há ciência nesses dois casos, ou então se num caso

há ciência e em outro há um outro gênero de conhecimento e se os estados

[ou faculdades, segundo Bini e Ross] são adquiridos devido ao fato que eles

não existem em nós, ou que eles existem em nós sem que nós nos

apercebamos. (PELLEGRIN, Aristote Seconds Analytiques Organon IV,

2005, p. 336)

O texto acima caracteriza bem as dificuldades a serem enfrentadas por Aristóteles nos

parágrafos posteriores: o conhecimento dos princípios imediatos é ou não o mesmo que o

conhecimento obtido por demonstração; ou se é outro tipo de conhecimento diferente que não

seja considerado como ciência; ou se as faculdades cognitivas [disposições ou “hábitos”,

conforme Pereira, op. cit. p. 340 ou estados, conforme Barnes, 2002 p. 73], que têm

conhecimento dos princípios já nascem conosco ou não, ou seja, se vêm a se gerar em nós

posteriormente, sem que as tenhamos possuído anteriormente ou se as temos inatamente em

nós, sem delas termos tido conhecimento.

Antes de abordar as considerações acerca dessas questões, entendemos importante

apresentar algumas observações iniciais elaboradas por Barnes, a respeito das duas questões

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acima propostas por Aristóteles, bem como e principalmente em referência ao emprego de

determinados termos em grego, feito por esse filósofo, que atingem essencialmente a sua

compreensão.

Inicialmente, Barnes argumenta que, talvez tendo identificado alguma insuficiência de

Aristóteles relativamente à primeira questão [‘Como os primeiros princípios se tornam

conhecidos? ’], ao reformulá-la em 99b22-4, ele, Aristóteles, o tenha feito

de maneira um tanto negligente. Eu parafraseio, como segue: “O

conhecimento dos princípios é o mesmo tipo de conhecimento como o é o

conhecimento dos teoremas? Isto é, temos entendimento dos princípios

como nós temos dos teoremas, ou há, além disso, alguma outra maneira de

conhecer os princípios?” (BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, p.

260)

Já com referência à segunda questão [‘Qual é o estado que consegue conhecê-los? (os

primeiros princípios)’], Barnes apresenta-nos suas considerações acerca de sua tradução do

termo ‘estados’. Informa-nos que essa questão é restabelecida por Aristóteles em 99b25, na

frase “os estados estão presentes em nós”.

“Estado” traduz hexis, um substantivo verbal originado de (echein) (“ter”).

Aristóteles regularmente usa a palavra para disposições mentais,

especialmente para disposições cognitivas e virtuosas. Há uma tentação de

“deslizar” [slide] de “disposição” para “faculdade”; para observar a

adequabilidade entre o termo “faculdade” e hexis, em 99b18; e para concluir

que hexis significa “faculdade” em todo Capítulo 19. Se assim é, a segunda

questão surge para perguntar se a faculdade pela qual nos apreendemos os

princípios é inata ou não. A questão é, indubitavelmente, aristotélica; pelo

fato de a faculdade vir a ser nous, é que o problema da origem de nous é

debatido. (com notória obscuridade). (BARNES, Aristotle Posterior

Analytics, 2002, p. 202)

A análise empreendida por Barnes a respeito dos termos ‘estado’, ‘faculdade’ e nous

reflete preocupações que emergem de diversos comentadores e tradutores da obra de

Aristóteles. Por se tratar de tema de grande extensão, não o trataremos aqui. Daremos, por

oportuno, curso à análise de Barnes por nos parecer adequada e importante para a

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compreensão das propostas de Aristóteles no capítulo XIX, do livro II, dos Segundos

Analíticos. Assim, prossegue Barnes em suas considerações:

Todavia, este não é um problema de Aristóteles no Capítulo 19. Primeiro, ele

fala de estados (hexeis-plural) e não sobre uma simples faculdade ou estado;

em segundo lugar, a formulação inicial da questão em 99b18 dificilmente

sugere indagar sobre a origem de uma faculdade; e em terceiro lugar, a

resposta de Aristóteles simplesmente não pode ser acomodada a esta

questão. Dessa forma, estados, pelo menos na segunda questão, são “posses

(havings) ou apreensões (graspings): “os estados estão presentes em nós”

(99b25) significa “as apreensões estão em nós”, isto é, “nós já apreendemos

(os princípios)”, isto é, “nós já sabemos (os princípios).” Na leitura da

tradução, é possível considerar que o grego para “estado” é cognato com o

grego para “apreender” ou “possuir”; O inglês não permite esta conexão para

mostrar. (BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 202)

Como podemos notar, o exato significado do termo grego “hexis” não é uma questão

pacificada entre os comentadores, haja vista a possibilidade de este termo poder se referir a

disposições ou “hábitos” da alma, estados, faculdades cognitivas, ou aspectos da alma

caracterizados pela passividade ou atividade. Barnes continua suas considerações, agora,

ainda preliminarmente, acerca de alguns termos indicativos ou não do caráter inatista do

conhecimento dos princípios, na medida em que afirma que “Há estados ‘presentes em nós’

(enousai)? Eneinai, ‘ser (presente) em’ não significa ‘ser inato em’.” Esse autor destaca um

trecho em Metafísica I, 9, 993a1, em que Aristóteles emprega outro termo (sumphutos) para

designar ‘inato’, diferente, portanto, dos termos acima: “Portanto, se esse conhecimento fosse

inato (sumphutos), seria muito surpreendente, porque possuiríamos sem o saber a mais

elevada das ciências.” (ARISTÓTELES, Metafísica, 2002, p. 65). Barnes, continuando sua

análise com respeito ao emprego de expressões significando ou não inatismo ou inato, assim

prossegue:

Similarmente, em 99b26 (“não estando presente em nós”) e 99b31 (“É claro,

então, que não podemos possuir esses estados...”), echein (“possuir”) não

significa “possuir inatamente”. (Echein tem a relação oposta com eneinai).

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Todavia, quando Aristóteles pergunta se os estados estão “presentes em

nós”, certamente quer perguntar se são ou não inatos: o contraste com

“revela-se ou acontece em nós” (99b25) é suficiente para mostrar isto.

(BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 261)

Retomando o percurso inicial do capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos,

Barnes reelabora a segunda questão que fica desse modo: “Temos conhecimento inato dos

princípios, ou o nosso conhecimento é adquirido? E se é adquirido, como é adquirido?”

A partir desse ponto, faremos um percurso, em que a abordagem ao capítulo XIX, do

livro II, se dará, praticamente, com algum grau de detalhe, seguindo a ordem encontrada nesse

capítulo.

A questão que abordaremos inicialmente é aquela que Aristóteles nos apresenta em

segundo lugar, ou seja, trata-se de se saber se o conhecimento dos primeiros princípios é inato

ou não e, se não, se é e como é adquirido.

Em 99b26, Aristóteles já nos antecipa ao afirmar sobre a impossibilidade de o

conhecimento dos primeiros princípios ser inato, ou seja, se o possuímos de forma latente em

nós e de nós mesmos desconhecido: “Parece despropositado que as [faculdades cognitivas]

tenhamos possuído sempre, porque, se assim fosse, seríamos forçados a concluir que

possuímos, sem saber, recursos de apreensão (de conhecimento) e maior precisão do que a

demonstração.” (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 343)

Essa discussão também se faz presente em Metafísica I, 9, 992b24-993ª2, embora em

um contexto diferente, em que Aristóteles reafirma a inconsistência lógica de o conhecimento

dos primeiros princípios ser inato:

E como poderíamos aprender os elementos de todas as coisas? É evidente

que não poderia haver nenhum conhecimento prévio. [...] Portanto, se existe

uma ciência de todas as coisas, tal como pretendem alguns, quem começasse

estudá-la nenhuma conhecimento prévio teria. No entanto, todo aprendizado

se baseia em premissas, todas ou algumas delas conhecidas com

antecedência – quer o aprendizado se faça por demonstração, que por

definições; pois devemos conhecer previamente os elementos da definição e

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estar familiarizados com eles; e o aprendizado por indução se processa de

forma semelhante. Mas, por outro lado, se esta ciência fosse realmente inata,

seria pasmoso que possuíssemos a mais alta das ciências sem nos

apercebermos disso. (ARISTÓTELES, Metafísica, 1969, p. 62)

Aceitar, então, o inatismo implicaria admitir a possibilidade de, sem o sabermos,

termos conhecimento mais exatos do que a demonstração, isto é, um conhecimento

inteiramente não observado. Não seria possível, também, aceitar “que se possam conhecer, de

modo obscuro, confuso ou apenas latente, conhecer menos, portanto, que a coisa

demonstrada, aquelas premissas a cujo conhecimento devemos, precisamente, o conhecer a

coisa demonstrada e o nela crer.” (PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p.

340); pois, como enfatiza Aristóteles em 72ª31-32, ao defender a superioridade necessária do

conhecimento das premissas primárias: “Assim, se as premissas primárias são a causa de

nosso conhecimento e convicção, conhecemos e somos convencidos por elas também num

grau mais elevado, uma vez que geram nosso conhecimento de tudo que delas resulta.”

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 255)

É de se assinalar, também, que Aristóteles em Metafísica I, 2, 982b25, valoriza a

precedência e importância de se ter uma ciência que trata dos primeiros princípios por

considerá-la mais exata do que as ciências que necessitam de princípios que não os primeiros.

Aqui, vemos, novamente, a reforçar argumentos acima, o não menor destaque que o filósofo

também atribui à ciência que investiga as causas:

E a compreensão e o conhecimento buscados por si mesmos são mais

comumente encontrados no conhecimento daquilo que é mais cognoscível

(pois que almeja conhecer por amor ao conhecimento escolherá de

preferência o conhecimento mais autêntico, e esse é o conhecimento das

coisas mais cognoscíveis); ora, os primeiros princípios e as causas são os

mais cognoscíveis, porquanto é em razão deles e por meio deles que todas as

outras coisas se tornam conhecidas, e não eles [se tornam conhecidos] por

meio do que lhes é subordinado. (ARISTÓTELES, Metafísica, 1969, p. 39)

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Ross (Aristotle's Prior and posterior analytics, 1949, p. 85) também destaca a

impossibilidade de, desde nosso nascimento, termos conhecimento dos princípios, ao afirmar,

dentre outros, que “é igualmente difícil ver como poderíamos ter adquirido tal estado se não

tivéssemos conhecimento para começar.”

Dadas as considerações acima, temos, então, que os princípios não são inatos. Não o

sendo, podemos considerar que os adquirimos? Qual é o caminho que poderia ser utilizado

para que a ciência possa se instalar, conhecendo-se as premissas basilares das quais ela

procede e onde se apoia? Assim, diz-nos Aristóteles, em 99b28-30, a respeito da outra

hipótese, contrária ao inatismo:

Se, por outro lado, nós as adquirimos, não estando de posse delas antes,

como podemos obter conhecimento e aprender sem algum poder pré-

existente de apreensão? Isto constitui uma impossibilidade, tal como

dissemos no que tange à demonstração. (ARISTÓTELES, Segundos

Analíticos, 2010, p. 344)

Se adotarmos a hipótese de que o conhecimento dos princípios é adquirido,

poderíamos ser induzidos a concluir que tal conhecimento é derivado de algum outro

conhecimento já existente anteriormente, o que já fora estabelecido por Aristóteles em 71b31-

2: “Todo ensino e toda instrução intelectual procedem de conhecimento pré-existente.” Nesse

texto, Aristóteles, anteriormente a abordar o estudo do conhecimento científico, “expusera-

nos como, em toda esfera dianoética, parte-se sempre de um conhecimento anterior,

caminhando-se do conhecido para algo novo que se vem a conhecer: os mesmos princípios

introduziram-se, precisamente, como aquelas premissas previamente conhecidas que a

demonstração exige.” (PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 341)

Ora, se se exige um conhecimento anterior para a constituição da ciência e se não se

tem inatamente conhecimento dos princípios, “fica evidente que não podemos adquiri-las [as

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faculdades cognitivas] se somos completamente ignorantes e não dispomos de nenhuma

faculdade positiva.” (99b31-2).

Este possível impasse conduz Aristóteles a afirmar que deve haver, portanto, algum

outro tipo de conhecimento sem o qual o conhecimento dos princípios não ocorre. Assim,

manifesta-se: “Devemos, então, possuir alguma faculdade, mas não tal que seja superior, do

ponto de vista da precisão, às mencionadas anteriormente.” (99b33)

Aparentemente, pode ser possível imaginar que estamos diante de uma fonte de

aporias, quando sabemos que o conhecimento científico se constrói a partir de conhecimentos

anteriores e exige a existência de princípios dos quais devam partir, princípios estes que não

podem ser demonstrados, pois exigiriam outros princípios que os demonstrassem, o que

levaria a sucessão regressiva sem fim. De outro lado, temos que os princípios do

conhecimento não são inatos, o que nos leva a considerar que devam ser adquiridos, portanto,

apreendidos. Apreendê-los exige um conhecimento anterior que possibilite tal empreitada

cognoscente, mas esse conhecimento anterior poderia ensejar a necessidade se ter alguma

forma de conhecimento ou capacidade inata para apreendê-lo, o que no leva ao início do

problema.

É bem oportuno expor, neste instante, o pensamento de Barnes a propósito das

considerações acima. Ao comentar sobre a aplicação do princípio geral, explicitado em

71b31-2, Barnes afirma que o argumento de Aristóteles não é muito bom, assim justificando:

Se ele aplicar o principio geral do Capítulo I [livro I, dos Segundos

Analíticos], então ele deve concluir que temos alguns itens de conhecimento

inatos; e esses itens, de acordo com o Capítulo II [Segundos Analíticos]

serão mais exatos do que nosso conhecimento resultante dos princípios. A

conclusão de Aristóteles de que temos uma capacidade cognitiva inata não

tem nada a ver com os princípios do Capítulo I. O fato é que o Capítulo I,

que trata da ‘aprendizagem (learning) intelectual’ de proposições derivadas,

é inaplicável ao Capítulo 19, que se refere à aquisição não-intelectual de

princípios não deriváveis. Nosso conhecimento dos princípios não depende

de qualquer outro conhecimento de nenhum modo; e isto é simplesmente

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55

para dizer que o conhecimento dos princípios não é conhecimento deduzido.

(BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 262)

Entretanto, ainda segundo Barnes, é possível restabelecer o argumento de Aristóteles,

bastando, apenas, ele afirmar que nosso conhecimento dos princípios, se adquirido, deve

depender do exercício de uma ou outra capacidade. Aristóteles não tem nenhum argumento a

favor dessa afirmação: por que, talvez possa ser perguntado, os princípios não deveriam ter

sido colocados dentro de nossas mentes pela sorte ou pela divina providência?

Ainda, com objetivo de desvendar os caminhos percorridos por Aristóteles, Barnes

perscruta o pensamento do filósofo:

É possível que Aristóteles tenha sustentado que os fatos estivessem contra

sua visão: nossa aquisição dos primeiros princípios não parece ser um evento

aleatório, mas sim seguir um modo regular e inteligível. Ele pode, também,

ter argumentado que a aquisição aleatória de uma opinião (belief) não é

suficiente para sustentar um conhecimento dos princípios: o conhecimento

deve estar conectado com o seu objeto; não pode resultar de uma diversão

(entertainment) casual. Dessa forma, o que se quer é uma explicação causal

para a aquisição dos princípios que ligue nosso conhecimento dos princípios

aos fatos que eles estabelecem. (BARNES, Aristotle Posterior Analytics,

2002, p. 262)

Retornando ao texto de Aristóteles, temos algumas formulações que nos direcionam a

considerar que, se é necessário possuirmos um saber anterior para a apreensão dos princípios,

mais premente, portanto, é que possuamos uma faculdade com que tal saber se vincule.

Encontramos, em 99b34-100a5, a introdução de um tema fundamental para a

compreensão de que tipo de faculdade está o nosso filósofo a tratar:

Devemos, então, possuir alguma faculdade, mas não tal que seja superior, do

ponto de vista da precisão, às mencionadas anteriormente. Está claro que se

trata de uma propriedade de todos os animais. Possuem uma faculdade

discriminatória inata, a que damos o nome de percepção sensorial. Todos os

animais a possuem, porém em alguns deles a percepção persiste, enquanto

em outros, não. No caso negativo, ou não há cognição alguma fora do ato

perceptivo, ou não há cognição dos objetos em relação aos quais a percepção

não é retida; quando a percepção persiste, após o término do ato perceptivo,

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aquele que percebe pode ainda reter as impressões de percepção na alma. Se

isto ocorrer repetidamente, surgirá imediatamente uma distinção entre os

animais que extraem uma impressão coerente da persistência [da percepção]

e aqueles que não extraem. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p.

344)

A respeito da distinção que Aristóteles destaca acima, Ross (1949, p. 676) entende que

“presumivelmente o filósofo acha que isso é verdade apenas do homem”, ou seja, somente o

homem reteria em sua alma a percepção sensorial.

Ross nos remete à Metafísica 980b21-25, em que Aristóteles faz uma distinção entre

os animais mais inferiores do que o homem, estabelecendo uma diferença entre aqueles que

não vão além da memória presente, embora tenham sensação e aqueles que têm uma audição,

mas são capazes de aprender com a experiência:

Os animais são naturalmente dotados da faculdade de sentir, e em alguns

deles a sensação gera a memória, ao passo que em outros isto não acontece.

Em consequência, os primeiros são mais inteligentes e mais aptos para

aprender do que aqueles que não possuem memória; os que não têm a

capacidade para ouvir sons são inteligentes, embora não possam ser

ensinados: sirva de exemplo a abelha e qualquer outra raça de animais que se

assemelhe a ela; e os que, além da memória, também possuem esse sentido

da audição, podem ser ensinados. (ARISTÓTELES, Metafísica, 1969, p. 36)

Quando Aristóteles estabelece que a percepção é uma faculdade inata nos animais está

nos remetendo à sua obra Sobre a Alma II, 2, 413b, em que nos apresenta tal concepção:

Se aos seres vivos, então, pertence o viver mediante aquele princípio, já o

animal possui-o primeiramente pela sensibilidade [ou percepção]. Por isso,

até aos seres que não se movem nem mudam de lugar, mas que possuem

sensibilidade, chamamos «animais» e não apenas «seres vivos».

(ARISTÓTELES, Sobre a alma, 2010, p. 65)

Aristóteles dá sequência à construção de seu raciocínio a partir da afirmação de que

nós e os animais em geral possuímos uma faculdade inata, a da percepção sensorial. Esta

faculdade produz em nós a memória. Memórias seguidas e repetidas levam-nos a constituir a

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experiência. Um número suficientemente grande de múltiplas memórias vem a formar uma só

experiência, singular.

Neste ponto, é que Aristóteles se nos apresenta o processo de formação do universal

na alma, como uma aglutinação de memórias denominada experiência, em que os elementos

singulares presentes nesta se transformam no elemento universal. Vejamos o que nos diz em

100ª6-9:

E a experiência que é o universal quando estabelecida como um todo na

alma – o singular corresponde ao múltiplo, a unidade que está identicamente

presente em todos os sujeitos particulares – outorga o princípio da arte e da

ciência: arte no domínio da criação e ciência no domínio do ser.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 344)

É possível distinguir, então, em 100ª3-9, quatro estágios no caminho do conhecimento

proposto por Aristóteles: o entendimento é baseado na experiência, a experiência, na memória

e a memória, na percepção. E isto também está explicitado em Metafísica I, 1, 980b27-981ª3:

“Nos homens, a memória gera a experiência, pois as diversas recordações da mesma coisa

acabam por produzir a capacidade de uma só experiência” . (ARISTÓTELES, Metafísica,

1969, p. 36)

Para a exposição dos quatro estágios do caminho cognitivo citado acima, faremos uso

do método explanatório de Barnes (Aristotle Posterior Analytics, 2002, pp. 262-4), que nos

apresenta uma análise percuciente e, portanto, não menos importante, de tais estágios. Para

lograr o intento de trazer clareza às intenções de Aristóteles quanto ao texto existente em

100ª3-9, será necessário, para não perder o alcance e a pertinência das observações e análises

de Barnes, lançar mão de citações desse autor unicamente.

O estágio A é a percepção. Aristóteles frequentemente diz que a percepção separa ou

julga (krinei), ou é capaz de discernir ou julgar (kritikós). Encontramos referência a essas

acepções na obra Sobre a Alma (ARISTÓTELES, 2010, p. 79; 95; 107):

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Cada um dos sentidos discrimina, em todo o caso, este tipo de sensíveis e

não se engana a respeito de serem uma cor ou um som. Pode enganar-se,

porém, a respeito do que é ou onde está o colorido ou o que soa. (p.79)

Ou então:

É por isto que ele [o sentido] discrimina os sensíveis: o elemento que serve

de meio é capaz de discriminar, pois transforma-se, por referência a cada

extremo, no extremo contrário. E como aquilo que se dispõe a percepcionar

o branco e o preto não pode ser, necessariamente, nenhum dos dois em

atividade, mas ambos em potência (e o mesmo no caso dos outros sentidos

também), igualmente no caso do tacto não pode ser nem quente, nem frio. (p.

95)

E mais neste trecho:

Cada sentido, com efeito, respeita ao sensível correspondente, existe no

órgão sensorial enquanto órgão sensorial e discrimina as diferenças do

sensível correspondente. Por exemplo, a visão discrimina o branco e o preto,

e o paladar o doce e o amargo. O mesmo se passa, assim, nos outros casos. E

uma vez que, além do branco e do doce, discriminamos igualmente cada um

dos sensíveis entre si, é mediante alguma coisa que percepcionamos o facto

de serem diferentes. É forçoso, então, que seja mediante um sentido, já que

se trata de sensíveis. (p. 107)

Assim, krinein pode significar ou “julgar” ou “discriminar”, e dizer que a percepção é

kritiké é dizer ou que a percepção julga ou que pode discriminar. A respeito dessa dupla

possibilidade de significados, Barnes comenta:

Tem sido muito discutido relativamente à qual dessas duas acepções

Aristóteles se refere. No geral, parece mais provável que se tem

discriminação do que julgamento na alma; e, entretanto, tenho traduzido

kritikós, em 99b35, por “discriminatória”. Esta posição não é inteiramente

sem sentido: se kritikós é tomado aqui para significar “julgamento”, e se a

capacidade para julgar pressupõe algum domínio conceitual, então o Estágio

A envolverá a posse de conceitos, e a explicação do quarto estágio não pode,

coerentemente, funcionar como explicação do conceito de aquisição.

(BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, pp. 262-3)

Prosseguindo na mesma metodologia de Barnes, iniciamos o estágio B, que trata da

habilidade para reter uma percepção, isto é, a memória (um tipo de).

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Aristóteles, eventualmente, fala de memória com o significado de “permanências”

(remainings) de alguma coisa na alma. É oportuno destacar a análise que Barnes realiza a

respeito dos significados de alguns termos relacionados com a acepção de memória:

“Retenção” [retention-termo utilizado por Barnes para traduzir o grego

moné] na língua inglesa sugere alguma coisa menos passiva que o Grego

moné, que é literariamente uma ‘permanência’; mas “o reter” (remains) não

é propriamente um percepto ou uma impressão do sentido, senão um

‘fantasma’ ou imagem mental, que é como se fosse um traço de impressão

de um percepto, e a memória requer, adicionalmente, para sua retenção, a

habilidade de ressuscitar essas impressões. (BARNES, Aristotle Posterior

Analytics, 2002, p. 263)

O estágio C trata da experiência (empeiria) em 100ª3-9. Barnes pergunta: “o que é a

experiência e pode um homem experiente formular qualquer tipo de proposição universal?”.

Se a experiência, segundo Aristóteles, depende da presença de muitas memórias do mesmo

objeto, Barnes assim argumenta:

Devemos, então, imaginar um homem experiente dizendo alguma coisa

parecida: “Todos os Bs que eu já encontrei são A.”; e a profundidade dessa

experiência é determinada pelo número de Bs que ele testemunhou. Ele

diferencia-se do homem de conhecimento cujo julgamento do universal é

limitado ao passado, observado, casos de As apreendidos de B. (BARNES,

Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 264)

Por outro lado, o texto de Metafísica I, 1, 981ª5-9 mostra-nos como se dá a formação

do juízo universal, com base na experiência:

Ora, a arte surge quando, de muitas noções fornecidas pela experiência, se

produz em nós um juízo universal a respeito de uma classe de objetos.

Porquanto, formar o juízo de que tal remédio curou Cálias quando sofria de

certa doença, e da mesma forma no caso de Sócrates e de muitos outros

indivíduos, é questão de experiência; mas julgar que esse remédio tem

curado todas as pessoas de determinada constituição, definida como uma

classe, quando padeciam de tal doença – p.ex., pessoas fleumáticas ou

biliosas ardendo em febre – isto é questão de arte. (ARISTÓTELES,

Metafísica, 1969, p. 37)

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Esse texto, segundo Barnes, “sugere que o homem de experiência simplesmente

lembra-se das proposições da forma “Este B é A” (“Sócrates foi curado da febre tomando um

remédio feito de planta”), e não formulou nenhuma proposição universal. A distinção entre

estas duas maneiras de ter “experiência” não é, talvez, muito grande: cada uma parece

oferecer uma explicação razoável do que é contar com a experiência.”

Para concluir este percurso no caminho cognitivo de Aristóteles, resta tratar do estágio

D. De acordo com Barnes, este estágio apresenta alguns quebra-cabeças. Em primeiro lugar,

em 100ª2, ele identifica a referência à ‘descrição’ (account, em Barnes; impressão, em Bini; e

noção, em Pellegrin), que Barnes também chama de definição, e distinção à linguagem de

100ª6-8, referências essas que sugerem o conceito de aquisição.

De outra forma, diante do enunciado em 100ª6-8, Barnes argumenta, tendo

identificado uma distinção entre habilidade e entendimento (100ª8), que a habilidade é

explicada de modo proposicional: “As proposições do entendimento simplesmente

estabelecem fatos; as da habilidade também fornecem instruções para a ação ou produção.”

Neste ponto, a elucidá-lo, Barnes cita a obra de Aristóteles Ética a Nicômaco VI, 4, 1140ª8-

13:

Ora, como a arquitetura é uma arte, sendo essencialmente uma capacidade

raciocinada de produzir, e nem existe arte alguma que não seja uma

capacidade desta espécie, nem capacidade desta espécie que não seja uma

arte, segue-se que a arte é idêntica a uma capacidade de produzir que

envolve o reto raciocínio. Toda arte visa à geração e se ocupa em inventar e

em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser

como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido.

(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco; Coleção Os Pensadores, 1973, p. 343)

Examinando mais detidamente o significado do texto em 100ª6, Barnes comenta que:

A impressão [cf. Bini] ou descrição (account)[cf. Barnes] vem “da

experiência ou de todo o universal que veio para permanecer na alma”

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(100ª6). ‘Permanecer aqui equivale a não mais que presença. O que, então, é

“todo o universal”? O paralelo na Metafísica diz: “Habilidade acontece

quando, de muitos pensamentos de experiência, uma simples crença

universal a respeito das coisas similares acontece.” (981ª5-7). O salto para a

“crença universal” é presumivelmente indutiva. A passagem simplesmente

lida com o conhecimento proposicional. Refere-se a muitos pensamentos,

onde nossa passagem se refere a todo universal. (BARNES, Aristotle

Posterior Analytics, 2002, p. 264)

Barnes considera, então, que se pode destacar “todo universal” em termos de ‘perfeita’

indução, em que só é possível ter conhecimento adequado de que todo B é igual A quando

ocorrer que todas as proposições particulares pertinentes forem conhecidas. Este pensamento

está de acordo com o que Aristóteles dissera antes, em Segundos Analíticos II, 23, 68b, ao

tratar do raciocínio indutivo:

A indução, ou o raciocínio indutivo, consiste em estabelecer uma relação

entre um termo extremo e um termo médio por meio de outro extremo; por

exemplo, se B é o termo médio e A e C, a demonstração de C se aplica a B.

[Neste ponto, Aristóteles apresenta um exemplo de raciocínio indutivo, para

concluir que]. Devemos, entretanto, entender por C [o conhecimento que se

quer] a soma de todos os particulares, pois a indução procede através de uma

enumeração de todos os casos. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos,

2010, pp. 243-4)

Mas, Barnes questiona: será que Aristóteles acreditava que a ‘experiência’ seja capaz

de dispor de conteúdo suficiente para compor uma perfeita indução? Esse autor avança, então,

numa interpretação que, pela pertinência da argumentação, obriga-nos, embora longa, a

reproduzi-la integralmente:

Talvez, então, Aristóteles está pensando primariamente sobre a aquisição de

conceito: nós entendemos a noção, A, quando ‘todo’ A se detém em nossas

mentes; o que, presumivelmente, ocorrerá ou quando as sucessivas

impressões dos particulares As tenham gravado uma imagem completa em

nossas mentes, ou, de outra forma, quando nós tivermos suficientes imagens

concorrentes de As para extrair todos e somente os atributos essenciais de A.

(“Todo o universal” é identificado como “a única parte de muitos”: esta frase

normalmente tem o significado de “separar”.) (BARNES, Aristotle Posterior

Analytics, 2002, pp. 264-5)

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Aqui, nessa linha argumentativa de Barnes e considerando a expressividade da

afirmação “a única parte de muitos”, não poderíamos nos furtar de, a exemplo desse autor,

considerar uma possível referência aos ‘universais platônicos’, que Aristóteles comenta em

Segundos Analíticos I, II, 77ª5-9:

É necessário, com o fito de tornar possível a demonstração, que haja

Formas3 ou alguma Unidade separada da Multiplicidade [A ideia, para

Platão, é singular. Há uma dissociação na dualidade mundo

inteligível/mundo sensível]; Mas é necessário que seja exato enunciar um

predicado singular de uma pluralidade de sujeitos, sem o que não haverá

termo universal, e não havendo universal não haverá termo médio e, por

conseguinte, nenhuma demonstração. Portanto, é imperioso que haja alguma

coisa una e idêntica acima dos vários particulares e não se restrinja a

compartilhar com eles um nome comum. (ARISTÓTELES, Segundos

Analíticos, 2010, p. 272)

Quando se comparam duas frases, o termo ‘explicação’ (100ª6) se transforma,

segundo Barnes, em 100ª8, em “um princípio... do entendimento”, indicando-nos que

Aristóteles está, sem dúvida, pensando, primariamente, no ‘princípio do entendimento’ ou

compreensão dos princípios. Assim, prossegue Barnes:

Mas nada na explicação do quarto estágio restringe-o aos princípios: nós

devemos, então, tomar o Capítulo 19 como uma descrição geral da aquisição

do conhecimento universal – e o paralelo em Metafísica A1 [vide acima] fala

em geral de “habilidade e entendimento”. Suponha, então, que P é um

principio e Q não é, mas que a adquire conhecimento de ambos P e Q pelo

processo descrito no Capítulo 19. Agora, devido ao Livro I, 2, o

conhecimento de a’s de P deve ser superior ao seu conhecimento de Q; e

então um único processo deve conduzir ao conhecimento de importância

diferente quando aplicado a diferentes objetos. Isto é, eu penso, um paradoxo

trivial: o paradoxo não aparece se Aristóteles está pensando somente na

aquisição de conceito. (BARNES, Aristotle Posterior Analytics, 2002, pp.

264-5)

3 Aristóteles critica Platão. Ειδη, a Ideia (acepção platônica) – forma perfeita, uma, eterna, imutável e universal,

presente no mundo inteligível, de todas as coisas que existem no mundo sensível como meras cópias imperfeitas,

múltiplas, corruptíveis, mutáveis e particulares. A realidade autêntica, para Platão, é constituída pelo mundo

inteligível e não pelo sensível, que contém apenas a multiplicidade inconsistente e falaciosa de imagens por

participação com as Ideias. (cf. Parmênides e a República, Livro VI, de Platão.)

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O processo que vimos acima descreve, operacionalmente, como nossa percepção do

real progride desta até a conquista da unidade de entendimento, representativa, não mais dos

indivíduos particularizados com suas características acidentais apreensíveis pelos sentidos,

mas do significado estrito aderente, univocamente, à cada indivíduo, conferindo-lhe, assim

como a todos, uma identidade, já não mais ao nível da sensação, porém já na instância do

entendimento. Há, então, uma transição do elemento particular sensorial para o elemento com

características cognitivas, a que Aristóteles denomina de “universal”. Há uma imagem posta

por Aristóteles que simboliza a passagem dos particulares para os universais:

Elas [as faculdades cognitivas] provêm da percepção sensorial, como quando

ocorre uma retirada durante uma batalha, se um homem se detém e o mesmo

o faz um outro e, em seguida, um outro, até que a posição original seja

recuperada. A alma é constituída de tal modo que está apta ao mesmo tipo de

processo. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 344)

Textos anteriores têm-nos colocado diante de expressões fundamentais para

entendimento da gênese da ciência em Aristóteles. Um deles, “os particulares”, sobre o qual

acreditamos não haver controvérsias a respeito de seu entendimento. Mas há outro “o

universal”, sobre o qual parece pairar alguma dessemelhança de significado entre os

estudiosos de Aristóteles, principalmente no que se refere à identificação do que,

efetivamente, se conquista ao final do processo descrito acima. Apreendemos os universais ou

os princípios da ciência? É o que tentaremos esclarecer no item seguinte.

4 – Apreendemos os universais ou os primeiros princípios?

Em diversas passagens anteriores, neste texto, percebemos que o termo “universal” é

largamente utilizado por Aristóteles, para dar curso e embasamento às suas considerações

sobre as características do pensamento científico.

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Desse modo, com o objetivo de esclarecer as acepções que Aristóteles utiliza para esse

termo, apoiar-nos-emos no esquema apresentado por Pereira (Ciência e Dialética em

Aristóteles, 2000), por entendermos que nos conduz a uma clareza a seu respeito.

4.1 – As acepções de “a todo sujeito” (κατά παντός), de o “por si” (καθ΄αὑτό) e de o

“enquanto tal” (ᾖ αὺτό)

Universal, para Aristóteles, refere-se ao que pertence a todo sujeito (κατά παντός), ao

por si (καθ΄αὑτό) e ao enquanto tal (ᾖ αὺτό). Assim se expressa Aristóteles, em Segundos

Analíticos I, IV, 73b26-9:

Por predicado universal entendo aquele que é pertinente como predicado de

todo em relação ao seu sujeito e pertence a esse sujeito per se e enquanto ele

mesmo. Assim, é evidente que todos os predicados universais pertencem

necessariamente aos seus sujeitos. Um predicado per se é idêntico àquele

que pertence ao seu sujeito enquanto ele mesmo. (ARISTÓTELES,

Segundos Analíticos, 2010, p. 260)

Quando Aristóteles se refere ao κατά παντός, estamos diante do que ele entende por

atributo da totalidade, ou atributo de todo sujeito. Como exemplo, quando tomamos um

sujeito, tal como, todo homem, do qual se diz animal, como atributo, é possível dizer-se que,

segundo Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 152), “se é verdadeiro para um

determinado ser, que é um homem, é, também, verdadeiro dizer que é animal.”

Ao que é atributo de uma totalidade, não lhe é possível pertencer a tal

instância individual do sujeito, mas não, a tal outra, nem pertencer em tal

momento, mas não, em tal outro. Nas mesmas objeções que levantamos,

quando queremos impugnar uma atribuição a uma dada totalidade,

encontramos indício suficiente de que é exatamente isso o que entendemos

por atributo de “todo o sujeito.” (PEREIRA, Ciência e Dialética em

Aristóteles, 2000, p. 152)

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Um atributo pertence a uma totalidade quando, exclusivamente, ele pertencer a

qualquer membro da totalidade e em qualquer momento. Entretanto, isto não é suficiente para

caracterizar o universal aristotélico. Como vimos acima, no texto de Aristóteles, que o por si e

o enquanto tal coincidem, que o universal para esse autor é o por si considerado do ponto de

vista da extensão. Justifica-se tal concepção partindo-se da constatação de que, se o universal

pertence a todo sujeito, necessariamente pertencerá ao sujeito por si, já que o universal

pertence necessariamente às coisas. Algumas passagens de Aristóteles nos ajudam a entender

a afirmação acima:

Por outro lado [referindo-se à impossibilidade de se obter conhecimento

científico pela percepção sensorial], um termo universal de aplicação geral

não pode ser percebido pelos sentidos porque não é uma coisa particular

num tempo determinado; se o fosse, não seria universal, uma vez que

descrevemos como universal somente o que é sempre e em toda parte.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, XXXI, 87b30-4, p. 306)

Alguns eventos ocorrem universalmente (pois um dado estado ou processo

pode ser aplicável sempre e a todos os casos (idem, 96ª8, p. 332) [...] Se A é

predicado universalmente de B, e B universalmente de C, A terá também que

ser predicado de C e do todo de C, uma vez que universalmente significa

sempre e em todos os casos. (idem, 96ª12-5, p. 332)

Como o por si aristotélico exerce função explicativa importante na caracterização do

universal, entendemos oportuno apresentar duas noções básicas de tal expressão aplicáveis ao

contexto ora em evidência. Numa primeira acepção, podemos dizer “por si”, quando algo

pertence à coisa naquilo que a coisa é. Em Segundos Analíticos I, IV, 34-7, Aristóteles

descreve com clareza seu entendimento dessa expressão:

Descrevo uma coisa como pertencente em si mesma (per se) a uma outra se

constituir um elemento na natureza essencial da outra [isto é, os predicados

que pertencem à essência do sujeito], como, por exemplo, uma linha

pertence a um triângulo e um ponto a uma linha (uma vez que a linha ou o

ponto é um constituinte do ser do triângulo ou da linha e é um elemento na

fórmula descritiva de sua essência) (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos,

2010, p. 259)

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Assim, os elementos que integram a quididade de uma coisa pertencem por si a essa

coisa. Esses elementos constituintes se exprimem, discursivamente, ao dizer o que a coisa é,

portanto exprimindo sua definição. Por si significa, então, a essência da própria coisa. Pereira

complementa esse entendimento afirmando:

Diremos, do mesmo modo, uma vez que “animal” pertence ao discurso que

nos diz o que é Cálias, que animal é um atributo de Cálias, por si, isto é, que

Cálias é, por si, um animal. Nesta primeira acepção. Vê-se, então, que se diz

pertencer a uma coisa, por si, aquilo que a coisa é por si, na medida em que

ela “é” cada um dos elementos que compõem a sua mesma definição.

(PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 139)

Já a segunda acepção, o por si significa tudo aquilo que se encontra na essência de

uma coisa, ou como diz, propriamente Aristóteles, em Segundos Analíticos I, IV, 73ª37-b3:

[Descrevo uma coisa como pertencente em si mesma] os predicados

encerrados nos sujeitos que estão eles próprios compreendidos na definição

que expressa o caráter desses predicados. Por exemplo, reto e curvo

pertencem à linha; ímpar, par, primo, composto, quadrado, oblongo

pertencem ao número; e a fórmula da essência de cada um destes inclui a

linha ou o número respectivamente. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos,

2010, p. 259)

Desta forma, podemos dizer que o atributo por si é aquele que já está incluído na

própria definição do sujeito. Por exemplo: Cálias por si é um animal, porque, na definição de

Cálias, está incluído o animal. Com efeito, Cálias é um animal de determinada espécie.

Visualizando, agora, as duas acepções, é possível identificar que esta segunda é uma

inversão da primeira acepção que, segundo Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000,

p. 139), “não tem merecido atenção de autores e comentadores, apesar de sua importância

para a teoria aristotélica da demonstração científica.” Assim, esse autor justifica seu ponto de

vista:

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De fato, se todo elemento da definição se diz pertencer à coisa definida, por

si (primeira acepção), o atributo em cuja definição seu mesmo sujeito

comparece – ao qual, portanto pertence esse sujeito, por si, naquele primeiro

sentido – diz-se, também, pertencer-lhe, por si (segunda acepção). Um

exemplo esclarecerá melhor a questão: par é um atributo de número, por si,

no segundo sentido desta expressão: é atributo de número e inclui “número”

em sua definição. Mas, por isso mesmo, porque “número” pertence à

definição de par, dizemos que também o número pertence ao par, por si,

segundo o primeiro sentido que explicitamos. (PEREIRA, Ciência e

Dialética em Aristóteles, 2000, p. 139)

Assim, se uma coisa pertence a outra por si de acordo com a segunda acepção,

também esta última coisa pertencerá, por si, à primeira, segundo a primeira acepção.

Uma vez esclarecidas essas acepções do por si, e retomando a caracterização do termo

universal, resta-nos claro que a universalidade decorre do caráter essencial que deve existir na

relação entre o sujeito em evidência e o que dele é dito. Nesta relação sujeito e atributo do

sujeito, em que a totalidade é um componente fundamental, é possível afirmar-se que o por si

(καθ΄αὑτό) é o fundamento para o todo sujeito (κατά παντός), para aquele tornar-se, portanto,

em um universal (καθόλου). De um ponto de vista lógico, a noção de totalidade é basilar para

a construção da noção de universalidade, ou seja, aquela em que um mesmo predicado de

muitos sujeitos deva ser verdadeiro, condição esta sem a qual não há o “universal”: é a

compreensão que fundamenta a extensão. Já, do ponto de vista ontológico, Pereira assim

caracteriza o universal:

De um ponto de vista ontológico, por outro lado, integrando a quididade

(primeiro sentido de “por si”) ou dela decorrendo (segundo sentido de “por

si”), o universal não é senão o aspecto quantitativo de que o “por si” se

reveste para um sujeito que se individua numa multiplicidade de

manifestações numericamente distintas, que “enforma” sua mesma

quididade: o universal pertence ao sujeito “segundo a forma” (κατ΄ειδος). Ε,

porque sabemos que as “demonstrações científicas concernem ao que

pertence por si”, desvenda-se-nos, então, o exato sentido das declarações

aristotélicas [...] de que “a ciência é conhecer o universal”, “a ciência é

universal e procede por conexões necessárias”, “a ciência de todas as coisas

é universal” etc. (PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p.

154)

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4.2 – Algumas acepções do termo “universal”

Pelo que pudemos ver até aqui, a ciência se constrói por meio de proposições que

conquistam conclusões cujos predicados são atribuídos a um sujeito, universalmente e por si.

Temos, então, que o conhecimento dos universais revela a essencialidade de sua existência

para a constituição da ciência, já que a ciência é dos universais, cuja evidência se dá a partir

das demonstrações e das definições, conforme nos diz Aristóteles, em Metafísica XIII, 10,

1086b33-4 (1969, p. 294).

Sem pretender exaurir todos os significados que Aristóteles atribui a “universal”,

veremos, suscintamente, algumas acepções. Além do sentido técnico como atributo necessário

e por si, que pertence a todo sujeito, consignado nos Segundos Analíticos, identificamos em

sua doutrina geral do silogismo, nos Primeiros Analíticos I, I, 24ª16-7 (2010, p. 112), a

distinção que ele faz entre a proposição universal, a particular e a indefinida, consignando que

universal é a oração que aplica a tudo ou nada do sujeito, ou, como já referido anteriormente,

refere-se à proposição que contém um predicado em todo seu sujeito (κατά παντός)

Mais adiante, ainda nos Primeiros Analíticos, conforme Pereira, diversas passagens4

tratam dessa expressão, assim sintetizados por esse autor:

Por termos universais, entendem-se, também, ao longo desse tratado,5

quantos predicados se atribuem, pura e simplesmente, κατά παντός, assim

como se denominam universais os silogismos de conclusões universais,

nesse sentido da expressão.6 Mostra, ainda, o estudo geral do silogismo que,

sem universal, nem mesmo pode haver silogismo.7 (PEREIRA, Ciência e

Dialética em Aristóteles, 2000, p. 157)

4 Por se tratar de apresentação sintética de algumas acepções do termo “universal”, não serão reproduzidos os

textos em que ela é encontrada. Adotamos, apenas, consignar os locais dos textos de Aristóteles, referidos pelo

autor. 5 Cf., por exemplo, Prim. Anal. I, 4, 26a18, 31; 26b1; 5, 27a2, 23, 26, 28, 29, 30; 6, 28a17; b5, 16, 31; 7, 29a23;

8, 30a6 etc. 6 Cf., por exemplo, Prim. Anal. I, 23, 40b18; II, 8, 59b26 etc.

7 Cf. Prim. Anal. I, 24, part. 41b22-6; Tóp. VIII, 14, 164a9-11.

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Já, nos Segundos Analíticos I, XI, 77ª7-8, lemos que se não há universal, não há termo

médio e, consequentemente, não há demonstração.

Além da aplicação desse termo como elemento estruturante do juízo, próprio do

raciocínio silogístico, Aristóteles também o emprega relativamente às próprias coisas. Isto é

verificado na obra de Aristóteles, Da Interpretação VII, 17ª38-b1, em que os conceitos de

universal e particular são introduzidos:8

Mas, uma vez que, dentre as coisas existentes, umas são universais, outras

singulares, denomino universal aquilo que naturalmente é predicado em

muitas coisas, e de singular aquilo que não é, por exemplo: homem pertence

às coisas universais e Cálias às singulares. Também é necessário declarar que

alguma coisa subsiste ou não subsiste ora em alguma coisa universal, ora em

alguma coisa singular. (ARISTÓTELES, Da Interpretação, 2013, pp. 9,11)

Vê-se a utilização do universal como aplicado a muitas coisas. O singular se associa

ao indivíduo e o universal a múltiplos indivíduos com características comuns, designando um

determinado todo “que compreende uma pluralidade, por atribuir-se naturalmente a cada um

de seus membros e por serem todos eles, cada um de per si, uma única coisa: homem, cavalo,

deus são, todos, seres animados.” (PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p.

158)

Mais uma acepção de universal emerge, agora, do tratado das Categorias 5,2ª14, em

que o universal corresponde às substâncias segundas, ou seja, às formas ou espécies e aos

gêneros.

Finalizando esta breve apresentação de algumas acepções do termo universal

empregado por Aristóteles, trataremos, neste instante, da acepção encontrada no livro II dos

8 Cf., também, Ger. Anim. IV, 3, 768a13; b13-5; 769b13 etc. Veja-se a mesma definição de universal proposta

em Met.VII, 13, 1038b11-2, em que o universal se diz, também, comum (κοινόν); cf., também, Met. a, 4, 1000a1;

Part. Anim. I, 4, 644a27-8.

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70

Segundos Analíticos, capítulo XIX, mas ainda sem adentrar em sua análise mais específica, o

que se dará no próximo item.

Nesse capítulo, Aristóteles descreve a atuação de mecanismos psicológicos que

conduzem, da sensação até nossa alma, as afecções que resultarão nos universais em questão.

Identifica-se, portanto, um processo de conhecimento em que se conquistam os universais,

que têm sua origem nos individuais apreendidos pelas sensações. Trata-se de universais que

surgem como sujeitos quantificados de modo universal nas proposições, sendo, por tal

motivo, consideradas como proposições universais. Nessa condição, tais universais

constituem-se em sujeitos necessários das proposições científicas nas quais o predicado é

atribuído ao sujeito por si e universalmente, constituindo-se, portanto, o predicado em um

universal. Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 160) complementa esse

entendimento, ao afirmar que as proposições da ciência hão de formular-se com base nos

predicados universais de sujeitos universais. A reforçar tal argumentação, Aristóteles nos diz

que o atributo universal é verdadeiro de um sujeito primeiro, este entendido com aquele de

maior extensão de significado: por exemplo, a afirmação de que o triângulo isósceles tem seus

ângulos internos iguais a dois retos mostra-nos um sujeito de menor extensão de significado

do que a afirmação de que todo triângulo, no qual o isósceles se inclui, tem seus ângulos

internos tal e tal. Este é o sujeito primeiro. Em Segundos Analíticos I, XXIV, 85b24-6:

Há também o argumento de que a demonstração é um silogismo probatório

da causa e da explicação [do fato]; ora, o universal tem mais a ver com a

natureza de uma causa, uma vez que o sujeito que um sujeito que possui um

predicado per se é ele mesmo a causa de sua própria posse de tal predicado;

ademais, o universal é primário. A conclusão é ser o universal a causa e,

portanto, a demonstração universal é superior porque é mais adequadamente

probatória da causa e explicação [do fato]. (ARISTÓTELES, Segundos

Analíticos, 2010, p. 299)

Ao finalizar este item, retém-se-nos a constatação, segundo Pereira (Ciência e

Dialética em Aristóteles, 2000, p. 160), de que “dizer que a ciência é do universal assume,

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71

assim, à luz destes novos textos uma significação bem mais ampla, na mesma medida em que

a universalidade e causalidade, sob tal prisma, de algum modo, se recobrem.”

4.3 – O processo de passagem dos elementos particulares para os universais

Uma vez aclaradas as diversas acepções do termo “universais” empregado por

Aristóteles, nosso próximo empreendimento diz respeito ao que propriamente se forma em

nossa alma, como resultado de um processo que culminaria na apreensão dos primeiros

princípios da ciência.

Para tanto, adotaremos, como método, a abordagem das principais afirmações que

nosso filósofo consigna a partir de 100ª15 até 100b3, dos Segundos Analíticos. Eis o texto que

será objeto de considerações:

Reafirmemos o que acabamos de exprimir [em 100ª3-9] com insuficiente

precisão. Logo que um individual, entre muitos especificamente não

diferenciados, se detém na alma, trata-se do mais primordial [universal

primitivo] nela, no que diz respeito à presença de um universal (porque

embora seja o particular o que percebemos, o ato da percepção envolve o

universal, por exemplo, homem, não um homem, Cálias). Então outras

paradas ocorrem entre esses universais [imediatos], até que os gêneros

indivisíveis ou os universais são estabelecidos; por exemplo, uma espécie

particular de animal conduz ao gênero animal e assim por diante.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 345)

O texto acima procura esclarecer-nos a passagem anterior 100ª3-9, registrando que o

que retemos, nesse primeiro momento, isto é, no primeiro contato com as coisas exteriores,

são os objetos individuais, a que denomina de indiferenciados (adiaphora). O que temos,

então, é que Aristóteles elege a sensação como primeiro passo essencial à constituição de um

conhecimento que deverá resultar, como veremos a seguir, no conhecimento dos primeiros

princípios da ciência. A sensação, por certo, é uma faculdade de nível inferior e menos exata,

já que todos os animais a possuem, como vimos anteriormente. Mas é nela que se observa a

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gênese do conhecimento dos princípios científicos. Corrobora-se essa afirmativa em Sobre a

Alma III, 8, 432ª4-8, em que Aristóteles diz:

Mas como, ao que parece, nenhuma coisa existe separadamente e para além

das grandezas sensíveis, é nas formas sensíveis que os objetos entendíveis

[inteligíveis] existem. Estes são os designados «abstrações» e todos os

estados (exeis) e afecções dos sensíveis. Mais, por isso, se nada

percebêssemos, nada poderíamos aprender nem compreender.

(ARISTÓTELES, Sobre a alma, 2010, p. 124)

Ainda no texto acima, deparamo-nos com uma palavra “indiferenciados” (adiaphora),

sobre a qual alguns comentadores apresentam suas observações quanto ao sentido que

Aristóteles provavelmente tenha lhe atribuído. Assim como Ross (Aristotle's Prior and

posterior analytics, 1949, p. 677), Barnes (Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 266) também

entende que adiaphora se refira às infimae species (aspecto das coisas em seu menor nível),

isto é, refere-se “não a um indivíduo, pois a permanência [na alma] de um único indivíduo

não pode produzir nada de universal”. Barnes ainda afirma que o que se constata nesse

instante da apreensão sensorial é a “presença de uma universal primitivo na alma: se esta

tradução está correta, um universal ‘primitivo’ deve ser o mesmo que uma ínfima species. O

texto talvez deva ser melhor construído: então, pela primeira vez, há um universal na alma”

Ainda com referência aos “indiferenciados”, torna-se oportuno conhecer os

comentários de Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 346: nota 60), em que,

destaca o entendimento de Ross de que adiaphora se refere às ínfimae species. Entretanto,

Pereira argumenta que tal termo é utilizado por Aristóteles, primeiramente, para designar as

coisas particulares que diferem quanto à forma ou espécie, conforme vemos em Tópicos I,

VII, 103ª9-3, quando se refere às várias significações do termo idêntico, como consignamos

abaixo:

Ocorre identidade numérica quando há mais de um nome para a mesma

coisa; por exemplo, manto e túnica. Ocorre identidade específica quando há

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várias coisas, mas estas não diferem em espécie; por exemplo, um homem e

um outro homem, um cavalo e um outro cavalo; com efeito, se diz que são

especificamente idênticas tais coisas que se enquadram na mesma espécie.

Analogamente, as coisas são genericamente idênticas quando se enquadram

no mesmo gênero; por exemplo, cavalo e homem. (ARISTÓTELES,

Tópicos, 2010, p. 354)

e em Tópicos IV, I, 121b15-23:

É preciso, ademais, verificar se o gênero anunciado é inaplicável ou se seria

geralmente tido como inaplicável a alguma coisa que não é especificamente

diferente da coisa em discussão; ou, se estivermos argumentando

construtivamente, se é aplicável, pois o gênero de todas as coisas que não

são especificamente diferentes é o mesmo. Se, portanto, for demonstrado que

se trata do gênero de uma, será evidente tratar-se do gênero de todas, e se for

demonstrado que não se trata do gênero de uma, obviamente não será o

gênero de nenhuma. ( idem, p. 414)

Em segundo lugar, Pereira (cf. acima) destaca também ser possível um outro

entendimento para o termo adiaphora, segundo o qual este serve “para designar as mesmas

formas ou espécies últimas que não mais comportam nenhuma diferença. Esse autor embasa

sua argumentação em duas passagens de Aristóteles: a primeira, em Segundos Analíticos I,

XIII, 97ª28-31, em que Aristóteles demonstra como estabelecer uma definição por divisão,

indicando três aspectos que devem ser observados: 1) a seleção dos predicados que descrevem

a essência, 2) a ordem de prioridades em que devem ser dispostos e 3) que a seleção deles

esteja completa. Assim, diz-nos:

A primeira dessas coisas é atingível através da possibilidade de estabelecer o

gênero e a diferença pelo gênero, tal como, no que tange ao acidente, é

possível inferirmos que é inerente ao sujeito. [Quanto a 2], os predicados

podem ser dispostos corretamente se tomarmos primeiramente o primeiro na

ordem, isto é, aquele que está implícito nos outros, mas não implica em

todos os outros [predicados], sendo necessário que este termo seja um

[apenas]. Uma vez que o tenhamos selecionado, poderemos prosseguir

imediatamente da mesma maneira com os termos inferiores.

(ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 335)

Já com referência ao item 3) acima, é oportuno destacar, embora Pereira não o tenha

feito, o texto do filósofo e referenciado por Ross (op. cit. p. 677) a propósito desse tema, em

97ª37, que caracteriza bem a noção de infimae species:

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[Quanto a 3], a completitude de nossa seleção se revelará evidente pelo fato

de tomarmos primeiramente a primeira classe a ser dividida e supormos que

todo animal é ou A ou B e, em seguida, que uma dessas diferenças lhe é

pertinente, e então tomarmos a diferença da classe inteira assim obtida, até

que a classe finalmente atingida não apresente mais nenhuma diferença, ou,

em outras palavras, no momento em que tivermos suposto a última diferença

que caracteriza o termo complexo [a ser definido], este último não será mais

divisível em espécies. (idem, p. 336)

A segunda passagem, a que Pereira alude para sustentar sua argumentação,

encontramos, em Metafísica VII, 12, 1038ª16. Nesse texto, Aristóteles utiliza-se de um

exemplo “animal dotado de pés” que caracteriza uma diferença cujo gênero é animal, para

ilustrar como é possível atingir o último nível de uma definição. Se se quiser estabelecer uma

diferença ainda relativamente ao exemplo acima, somente poderemos adotá-la enquanto,

necessariamente, considerarmos “animal dotado de pés” e não dotado de penas. Vejamos

como o filósofo prossegue em sua argumentação:

Se quisermos falar com acerto, não devemos dizer, por conseguinte, que

entre os animais dotados de pés uns tem penas e outros não. Só poderemos

dizer que uns tem os pés fendidos e outros não, pois estas são diferenças

relativas ao pé: o pé fendido é um modo de ser do pé. É preciso prosseguir

desta maneira até alcançar uma espécie que já não contenha diferenças.

Haverá, então, tantas espécies de pé quantas forem as diferenças, e as

espécies de animais dotados de pés serão em número igual ao dessas

diferenças. Assim sendo, é óbvio que a última diferença será a substância do

ser definido e a sua definição, porque nas definições seria supérfluo dizer

mais de uma vez a mesma coisa. (ARISTÓTELES, Metafísica, 1969, p. 170)

Diante dessas duas passagens, que ilustram duas possíveis interpretações para

adiaphora, Pereira (op. cit. p. 356, nota 60) entende que, independentemente de qualquer

interpretação adotada, o sentido geral não se altera, “uma vez que o que pretende o filósofo é

mostrar que a fixação de um desses ‘indifereciados’ (adiaphora) na alma é a fixação do

elemento formal comum a todos os sensíveis particulares através dos quais um mesmo ειδος

se individua.”

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Ainda o texto (100ª15 até 100b3) em análise permite-nos observar que um processo de

universalização já se terá iniciado, pois a percepção sensível já nos traz a sensação do

universal: percebemos um homem Cálias, um indivíduo, mas temos a sensação de homem,

uma noção mais abrangente em que ‘Cálias’ se encontra representado. Ross (Aristóteles,

1987, p. 63) também entende haver uma transição ao considerar que a percepção assim

descrita possui um conteúdo de universalidade, isto é, que o ‘que percebemos é uma coisa

particular, mas o que percebemos nela são caracteres comuns [ou conceitos gerais] a todas as

outras coisas com que se assemelha.”

Neste ponto, apresentaremos algumas considerações feitas por Barnes sobre o

processo que descreve a transição dos particulares para o universal, mas sem aprofundar ou

tentar encaminhar algum tipo de solução à questão levantada por ele, até porque esse autor

não o faz em seu texto. Barnes (Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 266) questiona como a

lacuna entre os particulares e os universais é transposta. Embora compreenda, como descrito

por Aristóteles, que a percepção dos particulares já traga a sensação do universal, ele observa

que “homem (conforme exemplo acima: um homem Cálias e homem),[ segundo Aristóteles] é

diretamente implantado em nossa mente pelos sentidos, mas, neste caso, nós precisamos de

uma explicação que Aristóteles não nos dá em nenhum lugar, de como tais conceitos de

homem são derivados dos dados da percepção.” Para Barnes, não está claro como nós

apreendemos homem em primeiro lugar.

Retomando o caminho de análise da progressão das percepções particulares em

direção à apreensão dos universais, Aristóteles enfatiza que as sucessivas passagens dos

particulares para os universais podem nos levar a graus cada vez maiores de universalidade,

ou aos conceitos mais gerais. “Então outras paradas ocorrem entre esses universais

[imediatos], até que os gêneros indivisíveis ou os universais são estabelecidos; por exemplo,

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uma espécie particular de animal conduz ao gênero animal e assim por diante.” (Segundos

Analíticos, 2010, p. 345).

Segundo tal afirmação, na alma estariam se formando universais com universalidade

cada vez mais ampla, na condição de formas ou espécies, gêneros e gêneros de gêneros,

culminando nos gêneros supremos e indivisíveis, isto é, nas categorias, segundo interpretação

de Pereira (Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 347).

Quanto a este ponto, podemos notar a convergência de interpretação acima com a

Ross, na medida em que articula o significado do termo “ta amere” (os indivisíveis) com o

termo “ta katolou” (os universais), ambos presentes no texto de Aristóteles imediatamente

acima. Segundo Ross, então, “a chegada aos “amere” [isto é, os indivisíveis] é descrita como

o ponto culminante do processo, de modo que “ta amere” não pode significar universais em

geral, mas somente os mais amplos universais, as categorias, que, isoladamente, não podem

ser explicadas entre os elementos do gênero e da diferença; e “katolou” (o universal) deve ser

usado como sinônimo de “ta amere”, ou seja, como significando os universais par excellence.

(ROSS, Aristotle's Prior and posterior analytics, 1949, p. 678)

Duas passagens da Metafísica levam-nos a compreender a extensão da noção de “ta

amere” e “katolou”, como indicadores de que a culminância da chegada dos particulares na

alma, nesta fase final, é a conquista dos universais ou dos indivisíveis, ou dos gêneros

supremos. A primeira delas, V, 1014b6, em que Aristóteles discorre sobre os significados de

elemento:

Alguns, por transferência, (a) chamam elemento o que, sendo um e pequeno,

pode servir a muitas coisas. Por isso o pequeno, o simples e o indivisível são

chamados elementos. (b) Daqui deriva a convicção de que as coisas que são

mais universais são mais elementos, enquanto cada uma delas, sendo uma e

simples, está presente em muitas coisas; em todas ou na maioria delas.

(ARISTÓTELES, Metafísica, 2002, p. 197)

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Reale (Sumários e comentário à Metafísica de Aristóteles, 2011, p. 215) localiza nessa

passagem uma identificação de elemento com universal, ao apontar três características

“segundo as quais os universais são considerados elementos: (1) a unidade, (2) simplicidade e

indivisibilidade, (3) presença em muitas coisas a guisa de componentes”, permitindo

considerar, por via de consequência, que se trata, também, dos gêneros supremos.

A segunda passagem, em Metafísica II, 2, 994b21, ao se referir à necessidade de as

causas dever serem limitadas tanto em número como em espécie, especificamente quanto aos

limites da definição de essência, assim se manifesta:

Mas tampouco a definição de essência pode ser reduzida <ao infinito> a

outra definição sempre mais ampla em seu enunciado. De fato, a definição

próxima é sempre mais definição do que a última. E quando, numa série de

definições, a primeira não define a essência, tampouco o fará a posterior.

Além disso, os que falam desse modo destroem o saber: com efeito, não se

deve possuir o saber antes de ter alcançado o que não é mais divisível. E

também não será possível o conhecer: de fato, como é possível pensar coisas

que são infinitas desse modo? (ARISTÓTELES, Metafísica, 2002, p. 77)

Esse texto diz-nos da impossibilidade da série infinita de definições sob pena de

destruir tanto o conhecimento científico quanto o conhecimento comum, porque esses tipos de

conhecimento pressupõem que se conquiste algo primeiro e determinado. Ainda nesse texto,

Aristóteles usa o termo “ta atoma”, que significa “inteiro, não divisível”, proporcionando uma

interpretação de Ross (idem, ibidem) no sentido de que tal termo está sendo usado no texto

para designar os gêneros e os mais altos universais, que não são mais divisíveis em gêneros e

diferenças, enfim algo que é indivisível tanto em cima como embaixo, vale dizer tanto o

gênero supremo como a espécie ínfima, conforme Reale (Sumários e comentário à Metafísica

de Aristóteles, 2011, p. 108)

Isto posto e encaminhando-nos para a finalização da apresentação do mecanismo que

produz o universal na alma, é oportuno apresentar uma síntese elaborada por Pereira:

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Ora, quando as múltiplas noções da ἐμπειρία cedem lugar à unidade de uma

só concepção (ὐπόληψις) universal e se dá, por fim, a apreensão

“consciente”, numa apercepção unitária, da universalidade retida pela alma

desde o processo de “fixação” da experiência sensível, substitui-se à

“experiência” a τέχνη, principiam arte e ciência. (Ciência e Dialética em

Aristóteles, 2000, p. 347)

É o que nos informa trecho da Metafísica I, 1, 981ª5(op. cit. p. 4): “Com efeito, os

homens adquirem ciência e arte (τέχνη) por meio da experiência. [...] A arte se produz quando,

de muitas observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível de ser referido

a todos os casos semelhantes.” A experiência, enquanto experiência sensível e abstrata, como

um estado de consciência resultante de um conjunto de lembranças abstratas, mas

particulares, é a gênese da τέχνη. Embora derivando daquela, dela se distingue, pois se

identifica um processo radical de passagem do plano do conhecimento do particular para o

plano do conhecimento do universal.

E, assim, Aristóteles conclui, preparando-nos para a próxima etapa, em que trataremos

do processo de indução: “Está claro, então, que tem que ser por indução que adquirimos o

conhecimento das premissas primárias, porque este é também o modo pelo qual os conceitos

gerais nos são transmitidos pela percepção sensorial.” (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos,

2010, p. 345)

4.4 – A indução como etapa para a apreensão dos primeiros princípios

Na passagem acima, Aristóteles afirma, a respeito do processo da indução, que este

nos proporciona a obtenção de dois tipos de conhecimento: um, o conhecimento das

premissas primeiras e o outro, o conhecimento dos conceitos gerais ou dos universais. A

leitura do texto em questão não nos permite concluir que haja uma identidade entre o processo

de aquisição dos princípios primeiros e o processo de constituição dos universais. Embora o

processo seja o mesmo, o da indução, resta-nos o entendimento de que o conhecimento dos

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79

primeiros princípios da ciência é obtido como consequência de um conhecimento anterior,

que tem como base, em última instância, na sensação, por meio de um raciocínio indutivo

“que se pode assemelhar a – e que, de algum modo, está em continuidade com – um processo

indutivo mais simples que, partindo diretamente da sensação, leva os universais contidos nas

formas sensíveis a fixar-se na alma.” conforme Pereira nos diz em (Ciência e Dialética em

Aristóteles, 2000, p. 348).

O mecanismo psicológico pelo qual se tem uma fixação na alma dos universais não é

suficiente para nos conduzir, diretamente, à constituição dos princípios primordiais a partir

dos quais a ciência se erige. Por outro lado, contrariamente a Le Blond, apud Pereira (idem,

ibidem), embora a sensação seja fundamental em tal constituição, ela não poderia, por si

mesma, ter o estatuto que lhe conferiria a prerrogativa única de explicar todo o conhecimento

dos princípios. O que se tem, simplesmente, é um processo indutivo, pelo que se verifica a

passagem dos particulares ao universal: não é possível atingir-se o universal sem a indução e

não é possível que haja uma indução se não se tiver como origem a percepção sensorial.

Assim nos assegura Aristóteles, em Tópicos I, XII,11-9, em que nos diz que, além do

silogismo, também a indução é um tipo de argumento dialético:

A indução é o raciocínio caracterizado pelo progresso dos particulares para

os universais; por exemplo, se o piloto hábil é o melhor piloto e o auriga

hábil o melhor auriga, então, em geral, o homem hábil é o melhor homem

em qualquer esfera particular. A indução é mais convincente e mais clara,

além de ser mais facilmente apreendida pela percepção sensorial, sendo

compartilhada pela maioria das pessoas. (ARISTÓTELES, Tópicos, 2010, p.

361)

Da mesma forma Ross, ao considerar que os princípios são proposições, entende que o

processo acima descrito parece se ocupar, principalmente, com a formação de conceitos

universais, pois, para ele:

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Não seria difícil argumentar que a formação dos conceitos gerais e a

apreensão das proposições universais são inseparavelmente interligadas. Mas

Aristóteles não tenta mostrar que os dois processos são tão interligados; e ele

dificilmente teria prescindido de algum argumento para essa conclusão se

tivesse pretendido dizer que eles são interligados. Antes, ele parece

descrever os dois processos como se fossem distintos, mas semelhantes

apenas por serem indutivos. (ROSS, Aristotle's Prior and posterior analytics,

1949, p. 675)

Ainda a propósito do processo indutivo, temos a destacar passagem abaixo da Ética a

Nicômaco VI, 3, 1139b27-31, em que Aristóteles enfatiza a proeminência do processo

indutivo para o conhecimento dos princípios da ciência:

Com efeito, o ensino procede às vezes por indução e outras por silogismo.

Ora, a indução é o ponto de partida que o próprio conhecimento do universal

pressupõe, enquanto o silogismo procede dos universais. Existem, assim,

pontos de partida de onde procede o silogismo e que não são alcançados por

este. Logo, é por indução que são adquiridos. (ARISTÓTELES, Ética a

Nicômaco, 1973, p. 343)

O conhecimento da coisa demonstrada depende, assim, de um conhecimento anterior,

o conhecimento dos princípios, que tem sua origem em um outro conhecimento anterior, este

empírico, pois advém da apreensão dos particulares captados pela sensação. Configura-se,

dessa forma, que todo o fundamento do conhecimento humano tem sua gênese nas sensações,

sem a qual, portanto, nada se poderá conhecer e compreender, pois, diz Aristóteles em Sobre

a alma III, 8, 432ª6-7: “Mas como, ao que parece, nenhuma coisa existe separadamente e para

além das grandezas sensíveis, é nas formas sensíveis que os objetos inteligíveis existem.”

Embora possa parecer claro que o processo indutivo tem a capacidade de produzir as

premissas primárias e os conceitos gerais, como apresentado por Aristóteles no texto ora em

análise (100b3-5), não se poderiam omitir algumas considerações feitas por Ross (1987), a

respeito desse resultado alcançado por tal procedimento indutivo. Embora reconheça ser

surpreendente a exposição de Aristóteles sobre a transformação dos particulares sensíveis em

universais que constituirão as primeiras premissas da ciência, Ross identifica alguma

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obscuridade nesse processo, pois, para ele, faltaria clareza quanto a que são, efetivamente, as

“premissas primeiras”. Assim, se desenvolve sua interpretação:

Uma parte importante da linguagem refere-se à apreensão de conceitos, e as

coisas primeiras devem, então, ser os objetos supremos, os objetos

inanalisáveis do conceito, as categorias. Mas um conhecimento das

categorias não é um ponto de partida suficiente para o pensamento

demonstrativo. Os primeiros princípios da ciência são os axiomas, as

definições e as ‘hipóteses’, ou postulados da existência dos objetos

primordiais da ciência. (ROSS, Aristóteles, 1987, pp. 63-4)

O aspecto obscuro que Ross identifica refere-se à passagem do particular para o

universal. Quando isto ocorre, chega-se a termos categoriais e não a premissas que são

fundamentais para a ciência. Sua interpretação conduz ao entendimento de que, paralelamente

à progressão da percepção dos particulares aos conceitos universais, há, também, um

progresso dos juízos particulares aos juízos universais. Ou, de outra forma, no campo da

formação do conceito, ocorre a passagem do particular para o universal e, no campo da

formação da proposição, há uma evolução dos juízos particulares para os juízos universais,

tais como a lei da contradição e os outros princípios primordiais da ciência.

A argumentação de Ross está sustentada numa passagem da Metafísica I, 1, 981ª1-11,

em que Aristóteles estabelece uma relação entre experiência (ἐμπερία) e arte (τέκνη) na

formação dos juízos:

A experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte. Com efeito, os

homens adquirem ciência e arte por meio da experiência. A experiência,

como diz Polo [personagem do Górgias de Platão], produz a arte, enquanto a

inexperiência produz o puro acaso. A arte se produz quando, de muitas

observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível de ser

referido a casos semelhantes. Por exemplo, o ato de julgar que determinado

remédio fez bem a Cálias, que sofria de certa enfermidade, e que também fez

bem a Sócrates e a outros indivíduos, é próprio da experiência; ao contrário,

o ato de julgar que a todos esses indivíduos, reduzidos à unidade segundo a

espécie, que padeciam de certa enfermidade, determinado remédio fez bem

(por exemplo, aos fleumáticos, aos biliosos e aos febris) é próprio da arte.

(ARISTÓTELES, Metafísica, 2002, p. 5)

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Até este instante, vimos que é por meio da indução que construímos o conhecimento

científico e que ela tem por origem, necessariamente, a sensação. Mas ainda não está

explicitado como pode o raciocínio indutivo produzir o conhecimento dos princípios, sem

criar obstáculos ao caráter imediato e primeiro dessas proposições. Há alguma faculdade

garantidora, em termos de verdade e exatidão, de que o resultado final do processo indutivo

produz, efetivamente, os primeiros princípios da ciência? Aristóteles reconhece que há, sim,

uma faculdade superior à ciência que torna possível a apreensão dos primeiros princípios: é a

razão intuitiva ou, segundo alguns autores, ou a inteligência, ou ainda a inteleção ou

compreensão.

No próximo capítulo, trataremos dessa questão e procuraremos demonstrar em que

consiste essa faculdade e em que condições ela pode garantir a apreensão efetiva dos

primeiros princípios da ciência.

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CAPÍTULO IV – A APREENSÃO DOS PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA

Neste capítulo, apresentaremos a resposta dada por Aristóteles à outra pergunta,

formulada em 99b17, sobre se há alguma faculdade que possa assegurar o conhecimento dos

primeiros princípios da ciência, já que sua origem, assim como a dos universais, ocorre por

um processo indutivo, como vimos acima.

1 – A faculdade asseguradora do conhecimento científico

Oportuno se torna, então, apresentar o texto final (embora longo, mas necessário em

vista das considerações que lhe serão feitas adiante) do capítulo XIX, do livro II, dos

Segundos Analíticos 100b5-17, pelo qual Aristóteles, por um procedimento analítico e

dedutivo, nos demonstra a exequibilidade de sua solução:

Bem, [1] das faculdades intelectuais que utilizamos na busca da verdade,

algumas são sempre verdadeiras, por exemplo, [2] o conhecimento científico

e a intuição (νοῦς), enquanto outras (por exemplo, a opinião e o cálculo)

admitem falsidade. [3] E nenhum outro tipo de conhecimento, exceto a

intuição, é mais exato do que o conhecimento científico. [4] Primeiros

princípios são mais cognoscíveis do que as demonstrações, [5] e todo o

conhecimento científico envolve o discurso racional. [6] Conclui-se que não

pode haver conhecimento científico dos primeiros princípios; e uma vez que

[7] nada pode ser mais infalível do que o conhecimento científico, salvo a

intuição, [8] é forçosamente esta que apreende os primeiros princípios. Isto

se mostra evidente não apenas como fundamento nas considerações

precedentes, como também porque o princípio da demonstração não é ele

próprio demonstração, e assim o princípio do conhecimento científico não é

ele próprio conhecimento científico. Portanto, como não dispomos de outra

faculdade infalível além do conhecimento científico, a fonte de tal

conhecimento deve ser a intuição. Assim, será a fonte primária do

conhecimento científico que apreende os primeiros princípios, ao passo que

o conhecimento científico como um todo está analogamente relacionado à

esfera total dos fatos. (ARISTÓTELES, Segundos Analíticos, 2010, p. 345)

Este trecho tem provocado diversas leituras e interpretação de comentadores. Não

apresentaremos, aqui, todos esses comentários, assim como não será objeto deste capítulo

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resolver os problemas por eles suscitados. Buscamos, apenas, encaminhar soluções possíveis

com vistas a superar dificuldades interpretativas relacionadas a uma eventual distância entre

os resultados de um processo indutivo e a transformação desses resultados em primeiros

princípios da ciência assegurados pela intuição ou inteligência.

A propósito desses termos e antes de iniciar a análise do texto acima, conviria

conhecer, apenas para elucidação, logo de início, as divergências referentes à tradução de

νοῦς, e alguns significados a ele atribuídos. Para tanto, servimo-nos de um trecho conforme

nota abaixo que destacamos9.

O autor citado abaixo ainda complementa seus comentários acerca desse termo,

destacando um significado especial que o par νοῦς/νοεν assumiu correspondentemente no

latim de intelligentia/intelligere, o que gerou, como consequência, as expressões

<<inteligir>> e <<inteligência>>, como alternativas às traduções destacadas na nota 9.

Preliminarmente a iniciarmos uma análise mais específica do trecho acima de

Aristóteles (100b5-17100b5-17), apresentaremos, mas sem intenção de esgotar o assunto,

visões de alguns comentadores sobre a questão da dualidade indução versus inteligência dos

princípios. A primeira visão é a de Barnes (2002), que identifica, nas obras de Aristóteles, que

este usa o termo νοῦς e seus cognatos de forma ampla e variada. Embora concorde com

9 O termo que significa o <<estado cognitivo>> do cientista, precisamente enquanto tal estado de compreensão,

é um outro, a saber, ό νοῦς. Trata-se do único caso em que recomendamos vivamente o afastamento em relação

às traduções clássicas. A versão mais aproximada é, em nossa opinião, <<discernimento>>, assim como

<<discernir>> o é para o verbo cognato (νοεν). [...] Trata-se aqui, por outras palavras, de uma tradução

puramente funcional. Ora o escrutínio dessas ocorrências (onde os termos ocorrem) permite selecionar como

significado comum aquele que é expresso pelas traduções propostas. Com efeito, o sentido que preside à

utilização do par νοῦς/νοεν nos textos aristotélicos remete invariavelmente para a ação de discernir, em toda a

gama semântica que a expressão portuguesa recobre: desde o ato de discriminar ou distinguir as coisas

individuais como tais (assim o νοῦς como faculdade inerente à própria percepção, cf. Ética a Nicômaco VI, 12,

1143ª35-b5), passando pelo ato de destacar algo em algo (eminentemente os universais nos singulares, cf.

Analíticos 88ª11-17/99b34-100b17 e Sobre a Alma III, 4-5), até a capacidade geral de compreender ou

propriamente ter discernimento revelada por aquele que assim discerne (cf. Ética a Nicômaco VI, 6, 9, 11 e 12 e

Analíticos 88b30-89ª4/100b5-17). Ao traduzir deste modo, não se toma, portanto, nenhuma decisão acerca do

caráter intuitivo ou não-intuitivo no νοῦς. É certo que, objetivamente, isto significa, pelo menos, assumir a

decisão de não tomar nenhuma decisão. Mas essa assunção não é ela própria uma decisão, senão uma

decorrência da circunstância de o critério utilizado para a compreensão do conceito redundar numa tradução que

de fato não a toma. E este, se não houvesse outros, um motivo ponderoso para evitar à partida qualquer solução

onde semelhante decisão é tomada, como é o caso de versões outrora dominantes com <<intelecto>>, <<razão

intuitiva>>, <<intuição>> etc. (MESQUITA, Aristóteles: Introdução Geral; Projeto Obras Completas de

Aristóteles, 2005, pp. 525-6)

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Aristóteles quanto a ser o método indutivo aquele pelo qual obtemos o conhecimento dos

primeiros princípios, em resposta à primeira questão desse filósofo formulada em 99b17,

assegura que

... νοῦς, que responde à segunda questão não tem a intenção de escolher

alguma faculdade ou método de adquirir conhecimento: νοῦς, ou estado ou

disposição, detém [stands] a indução assim como o entendimento

[understanding] (episteme) detém a demonstração. Entendimento não são

meios para se adquirir conhecimento. Nem é, então, νοῦς. (BARNES,

Aristotle Posterior Analytics, 2002, p. 268)

Assim, ainda segundo Barnes, νοῦς não seria traduzido como “intuição”, pois intuição

é precisamente uma faculdade ou meio para se adquirir conhecimento: “Então, em minha

tradução, abandono “intuição” e uso, ao invés disso, a pálida palavra “compreensão.”

Outra visão que podemos identificar é a apresentada por Irwin (1988), para quem νοῦς

é a habilidade para raciocínio e pensamento conceitual, e está relacionado com a apreensão

dos universais e o uso dos conceitos universais. Para ele, também não é claro se νοῦς faz ou

parte da indução ou é somente o estado que alcançamos no processo final da indução. Esse

autor avança uma possível interpretação:

Provavelmente Aristóteles tem ambos os papeis na mente, uma vez que os

mesmo tipos de habilidades serão requeridos em ambos estádios. Mas essas

funções de νοῦς não esclarecem as pretensões epistemológicas de Aristóteles

com relação a esse termo. Lesher (1973) mostra que νοῦς tem um papel

legítimo na formação de generalizações e na aquisição dos primeiros

princípios, e que esse papel não exige a intuição de princípios auto

evidentes. (IRWIN, Aristotle's first principles, 1988, p. 531)

Irwin adiciona, ainda, que o “status epistêmico que Aristóteles atribui aos primeiros

princípios da ciência demonstrativa exige que ele entenda νοῦς como consciência não

inferencial de algo tão verdadeiro e necessário e mais conhecido que suas conclusões.”

Já em Ross (1949, p. 49), encontramos uma tradução especial a respeito do termo

νοῦς. Considera esse autor que a indução não prova os princípios, mas é sim a “preparação

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psicológica sobre a qual o conhecimento dos princípios sobrevém. O conhecimento dos

princípios não é produzido pelo raciocínio, mas adquirido por um ‘insight’ direto.” Segundo

ele, os lógicos modernos chamam de indução intuitiva. Dessa forma, νοῦς, acrescenta Ross

(op. cit. p. 85), é chamado por esse autor de ‘razão intuitiva’, por reconhecer-lhe ser a única

faculdade capaz de apreender os primeiros princípios, isto é, a capacidade entendida como

ponto de partida do conhecimento. Semelhantemente aos comentadores acima, Ross também

apresenta, segundo seu entendimento, algumas diferenças na representação do que significa a

atividade da “intelecção” presente no processo indutivo:

No que diz respeito a esta atividade [intelecção], Aristóteles nem sempre

está de acordo consigo mesmo. Por vezes, representa-a como forma de um

νοῦς que, apesar de interior à alma, não faz parte dela, mas é qualquer coisa

trazida à alma embriônica desde fora. Outras vezes, representa-a como a

última fase dum desenvolvimento contínuo a partir da sensação, através da

memória e da experiência. (ROSS, Aristóteles, 1987, p. 50)

Concluindo esta apresentação de algumas visões em torno desse tema, é oportuno

destacar entendimento de Tomás de Aquino que, semelhantemente a Aristóteles, se contrapõe

às teorias racionalistas e empiristas, enquanto encaradas isoladamente. Ambos propõem a

conjunção dessas duas visões, cabendo a Tomás, na Idade Média reorganizá-las, dando-lhes

uma unidade, conhecida como intelectualismo. É conhecida sua tese fundamental, segundo

Hessen (2000): Nosso conhecimento intelectual deriva totalmente dos sentidos”10

Uma vez tendo apresentado, dentre diversas outras, algumas visões acerca do termo

νοῦς, retornamos ao texto de Aristóteles (100b5-17) apresentado no início deste capítulo.

10

Podemos descrever este processo concebido por Tomás, segundo Hessen, do seguinte modo: Inicialmente,

recebemos das coisas concretas as imagens sensíveis, species sensibles. O intellectus possibilis recebe essas

imagens e faz, então, juízos sobre as coisas. Dos conceitos essenciais assim formados obtemos, por meio de

outras operações do pensamento, os mais altos e mais universais de todos os conceitos, como os contidos nas leis

da lógica do pensamento. (por exemplo, os conceitos de ser e de não ser do princípio da não-contradição). Em

última instância, portanto, mesmo os mais altos princípios do conhecimento estão fundamentados na experiência,

pois nos apresentam relações entre conceitos que provêm da experiência. É por isto que Tomás, seguindo

Aristóteles, nos diz: venit nobis ex sensu.

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Uma análise inicial da doutrina da intuição já é possível ser feita. Percebemos,

segundo Irwin (Aristotle's first principles, 1988, p. 135), nos passos [3] e [4], determinada

exigência natural de prioridade epistêmica das premissas da demonstração. No passo [5],

observa-se que os passos anteriores não podem ser considerados como objetos do

conhecimento científico, porque este requer sucessivas explicações de natureza inferencial, o

que levaria a uma regressão infinita na cadeia demonstrativa. Assim, nada mais apropriado

para a apreensão dos primeiros princípios do que os passos [1] e [2], uma vez que, no

entendimento de Aristóteles, estes são as únicas possibilidades cognitivas definidas como

basilares para a certificação da verdade dessa apreensão. Ao aceitar o argumento contido no

passo [5], é necessário que se aceite o apresentado no passo [6], o que implicaria em não se

ter a apreensão efetiva dos princípios, por constituir-se em impossibilidade a demonstração

destes. Restaria, portanto, a concordância com os passos [7] e [8], pelos quais se reconhece a

característica não dedutiva dos princípios.

O fundamento da argumentação de Aristóteles está na identificação da necessidade da

maior cognoscibilidade dos princípios, isto é, devem ser mais conhecidos, característica esta

já tratada ao longo deste texto e que se renova no final do capítulo XIX, dp livro II, dos

Segundos Analíticos. Os primeiros princípios não poderiam ser apreendidos por meio de um

estado da alma ou faculdade que pudesse admitir tanto a verdade quanto a falsidade, pois,

dessa maneira, estaríamos considerando a opinião e o cálculo como condições constitutivas

para a apreensão dos princípios. A ciência não pode ser ora ciência, ora ignorância. Assim,

nos diz Aristóteles em Metafísica VII, 15, 1031b-40:

Ora, se só existe demonstração do que é necessário e se a definição é um

procedimento científico, e se, por outro lado, não sendo possível que a

ciência seja em certo momento ciência e noutro ignorância (porque essa é a

natureza da opinião), assim como também não é possível que haja

demonstração nem definição do que pode ser diferente do que é (porque

desse tipo de coisas só existe opinião): pois bem, então é evidente que dessas

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substâncias não haverá nem definição nem demonstração. (ARISTÓTELES,

Metafísica, 2002, pp. 355-6)

Assim, conhecimento científico e νοῦς (ou inteligência, ou intuição) podem ser

considerados como faculdades sempre verdadeiras, relativamente à opinião e ao cálculo e,

como tais, exigem que haja absoluta anterioridade no conhecimento de seus princípios.

Entretanto, há necessidade de uma faculdade que seja mais exata do que o conhecimento

científico, porque este pressupõe um raciocínio discursivo, que deve sempre partir de algum

conhecimento atual para progredir em busca de um outro conhecimento. Como vimos acima,

não é possível caminhar indefinidamente em busca de um primeiro princípio, com base nessa

faculdade discursiva, pois não lhe será atribuível a demonstração dos próprios princípios com

base num processo demonstrativo.

Reconhece-se, então, a competência exclusiva da inteligência para apreender os

primeiros princípios. Esta é a conclusão a que chega Aristóteles, por um processo lógico de

eliminação de outras possibilidades tomando como base premissas argumentativas

desenvolvidas ao longo do texto dos Analíticos, mas com forte densidade expositiva,

especialmente nos Segundos Analíticos. Há que se enfatizar comentário de Pereira (op. cit.

p.352), em que reafirma a competência da inteligência para a apreensão dos primeiros

princípios:

Com efeito, ao criticar as concepções errôneas da ciência que só

reconheciam na demonstração um processo de conhecimento rigoroso, já

afirmava o filósofo “haver, não apenas ciência, mas também um certo

princípio de ciência,(ἀρχὴ ἐπιστήμης) pelo qual conhecemos as definições”;

também ao distinguir ciência e opinião (δόξα) e mostrar que não cabe à

ciência o conhecimento do contingente, acrescentava Aristóteles que

também não concerne à inteligência ou “ciência não-demonstrativa” um tal

conhecimento, uma vez que lhe compete a apreensão das premissas

imediatas explicando: “com efeito, chamo de inteligência o princípio da

ciência” (PEREIRA, Ciência e Dialética em Aristóteles, 2000, p. 352)

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Para Aristóteles, a inteligência é o princípio da ciência. Dada a simplicidade dos

princípios, nos diz ainda esse autor que “no silogismo, a unidade é a premissa imediata, ao

passo que, na demonstração e o conhecimento, é a inteligência.” (Segundos Analíticos I,

XXIII, 84b37-85ª1).

Considere-se, ainda, em Ética a Nicômaco VI, 6, 1141ª3-9, que Aristóteles identifica

ser a inteligência a detentora da primazia para se ocupar da apreensão dos primeiros

princípios, em detrimento à prudência (φρόνεσις) ou a sabedoria (σοφία):

Se, por conseguinte, as disposições da mente pelas quais possuímos a

verdade e jamais nos enganamos a respeito das coisas invariáveis ou mesmo

variáveis – se tais disposições, digo, são o conhecimento científico, a

sabedoria prática [φρόνεσις], sabedoria filosófica [σοφία] e a razão intuitiva

[νοῦς ou inteligência], e não pode tratar-se de nenhuma das três (isto é, da

sabedoria prática, do conhecimento científico ou da sabedoria filosófica), só

resta uma alternativa: que seja a razão intuitiva que apreende os primeiros

princípios. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 1973, p. 145)

Assim, é possível compreender que não é competência da sabedoria a apreensão dos

primeiros princípios, cabendo, entretanto tal incumbência à inteligência que, juntamente com

o conhecimento científico, forma a sabedoria filosófica ou σοφία: não há sabedoria dos

princípios, porque compete também ao sábio ter conhecimento demonstrativo de

determinadas coisas. (cf. Pereira, op. cit. p. 353)

2 – A questão aporemática

Até este momento, caracterizamos e reafirmamos a importância da inteligência na

apreensão dos primeiros princípios, entretanto, a despeito de tal tema ter se esgotado com o

capítulo XIX, do livro II, dos Segundos Analíticos, não se pode furtar à evidência de que

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90

algumas dificuldades sobrelevam às conclusões de Aristóteles, principalmente se se

considerar que esse filósofo não nos apresenta caminhos diretos de sua elucidação.

As dificuldades residem em identificar, claramente, qual é a relação que existe entre o

procedimento indutivo e a função cognitiva da inteligência. Embora a indução tenha sua

importância por conduzir-nos à apreensão dos universais e dos primeiros princípios pela

inteligência, restariam algumas dificuldades a serem resolvidas: “como harmonizar sua

infalibilidade que só apreende o verdadeiro (e apreende-o de modo não discursivo) e o

discurso indutivo, que repousa, em última análise, na percepção sensível e que nos pareceu

impotente para atingir, por exemplo, as definições-princípios?” (cf. Pereira, op. cit. p. 353).

A situação aporemática que o processo de apreensão dos primeiros princípios enseja

também é destacada por Mrad, (op. cit. p. 22) ao enfatizar que Aristóteles não nos explica o

suficiente a respeito de νοῦς ou a intuição. Assim essa autora comenta: “Aristóteles quer

escapar da seguinte aporia: se toda dedução é dedução a partir de qualquer coisa, que não é

ela própria deduzida, deve-se admitir então que o saber (savoir) deriva sua origem de um não-

saber e se destrói então a si mesmo”?

Como o objetivo deste trabalho está direcionado, apenas, a caracterizar o processo de

apreensão dos primeiros princípios da ciência, não serão tratadas aqui as aporias que o

capítulo XIX, do livro II dos Segundos Analíticos suscita, assim como seus respectivos

encaminhamentos levados a efeito por comentadores.

Mas, a despeito desse posicionamento, é possível identificar um caminho de solução

para tais aporias, se adotarmos a linha de análise, dentre outras possivelmente existentes de

autores diversos, proposta por Pereira (op. cit.), pela qual será possível validar o modo de

apreensão dos princípios e sua validade.

Apresentaremos somente alguns delineamentos, sem aprofundar a solução. O caminho

escolhido é o da dialética aristotélica.

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Diz-nos Aristóteles, em Tópicos 100ª18-21, a propósito da necessidade de descobrir

um método pelo qual seja possível resolver quaisquer problemas que nos apresentam:

O propósito deste tratado é descobrir um método que nos capacite a

aciocinar, a partir de opiniões de aceitação geral, acerca de qualquer

problema que se apresente diante de nós e nos habilite, na sustentação de um

argumento, a nos esquivar da enunciação de qualquer coisa que o contrarie.

(ARISTÓTELES, Tópicos, 2010, p. 347)

Em seguida, identifica três objetivos a que deve visar esse tratado (Tópicos), um dos

quais, aquele que nos interessa, é tratar das ciências filosóficas. Trata-se, portanto de

estabelecer um método eficaz para tratar das aporias identificadas acima, porque permitirá

realizar um cotejamento entre o verdadeiro e o falso das afirmações, principalmente em

relação às proposições primeiras da ciência. Ora, sabemos que não é possível afirmar qualquer

coisa sobre os princípios a partir deles mesmos, porque primeiros e indemonstráveis, mas, nos

diz Pereira (op. cit. p. 356), “é por meio das proposições aceitas a respeito de cada ponto que

é necessário discorrer sobre eles. Ora, esta é a tarefa própria, ou mais apropriada, à dialética.”

A utilidade, então, da dialética é assim destacada por Aristóteles:

É útil às ciências filosóficas porque, se formos capazes de suscitar

dificuldades em ambos os lados, discerniremos mais facilmente tanto a

verdade quanto a falsidade em todos os pontos. Ademais, é útil em conexão

com os fundamentos primários de cada ciência, pois é absolutamente

impossível discuti-las com base nos princípios peculiares à ciência em

questão, uma vez que os princípios são primários em relação a tudo o mais e

é necessário e é necessário com eles lidar à luz e em função das opiniões de

aceitação geral pertinentes a cada um deles. (ARISTÓTELES, Tópicos,

2010, p. 350)

A dialética é entendida como um método que usa o raciocínio diaporemático, para

conduzir à apreensão dos primeiros princípios, pelo qual deve-se “argumentar em favor de

discorrer os princípios a partir da ἔνδοχα, isto é, de proposições aceitas pela opinião, que a

dialética converte em premissas de seus raciocínios.” (Pereira, op. cit. p. 357).

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Embora tenha como ponto de partida as opiniões, mas opiniões de todos, inclusive dos

sábios, não vê Aristóteles contradição em eleger a dialética como método capaz de nos levar a

apreensão dos primeiros princípios, já que opinião traz a falsidade, embora também

igualmente se refira ao verdadeiro e ao falso: para aquele que aplica o método dialético, basta,

tão-somente, que algo pareça ser verdadeiro, não necessariamente devendo sê-lo.

Não nos deteremos no esgotamento das características fundamentais que credenciam a

dialética aristotélica para a apreensão dos princípios, por fugir ao escopo a que nos

propusemos.

Finalizando esta indicação do caminho dialético para a apreensão dos primeiros

princípios da ciência, podemos afirmar que o surgimento da verdade que se busca, isto é, os

princípios, deverá emergir “da prática de um método diaporemático, por meio do qual,

servindo-se de seus instrumentos e lugares, a dialética raciocina contraditoriamente, provando

o “sim” e o “não”, opondo tese a tese, argumento a argumento, buscando demonstrar, no que

concerne a toda tese, tanto que as coisas são assim, como não são assim” (Pereira. Op. cit. p.

371)

E, para concluir, haveria de se avaliar, ainda, em que medida seria exequível a

conciliação entre indução, dialética e inteligência dos princípios.

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CONCLUSÃO

A apreensão dos primeiros princípios da ciência é o coroamento do projeto de

Aristóteles na estruturação da ciência, entendida como meio necessário para se obter o

conhecimento pleno de alguma coisa. Tal propósito se vê consolidado em sua obra os

Analíticos, principalmente nos Segundos Analíticos, cujo empenho de Aristóteles é identificar

e validar a constituição do conhecimento científico, pois acredita esse filósofo ser aquele o

principal meio para se ter tal tipo de conhecimento.

Ora, o estudo da demonstração e da ciência demonstrativa, ou a análise do saber

demonstrativo, tende a nos encaminhar para a consagração de sua afirmação, já emblemática,

de que é da natureza dos homens o desejo de conhecer. E conhecimento, em sentido próprio,

refere-se à compreensão ou episteme e compreensão abrange a ciência. Esse desejo de

conhecer manifesta-se em diversos momentos em direção da obtenção do conhecimento pleno

de alguma coisa.

A ciência, enquanto o puro conhecimento das causas, estaria acima de todos os demais

modos de conhecer, distinguindo-se da arte por não estar sujeita a qualquer fim prático, pois

tem como objetivo o conhecimento pelo conhecimento. Duas são as características

fundamentais que marcam a ciência: a causalidade e a necessidade, sem o que sê-lo-á apenas

conhecimento acidental, portanto, mutável.

Graças a essas características, o conhecimento científico não deve se apresentar de

modo relativizável, impregnado de aspectos acidentais, pois deve explicitar a causa pela qual

a coisa é, ou seja, o elemento determinante e único que faz a coisa necessariamente ser o que

ela é. Reconhecemos, assim, o nexo que a une a sua causa, ao mesmo tempo em que

aprendemos a sua impossibilidade de ser de outra maneira, isto é, sua necessidade.

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Mas como, então, uma ciência com tais características deve se nos apresentar? E aqui

temos, segundo Aristóteles, que a ciência só o é por ser demonstrativa, isto é, porque se baseia

num sistema de provas ou demonstrações, cuja expressão básica é o silogismo científico

fundamentado no conhecimento. Dessa forma, torna-se problemática a consideração do

fundamento da ciência com base no silogismo dialético, pois, por se apoiar na opinião, sua

verdade é ou não provável.

Uma ciência demonstrativa ou silogismo científico está estruturado em premissas

necessariamente verdadeiras, pois a conclusão exige que a verdade transite integralmente

pelas diversas etapas do silogismo. A demonstração pressupõe, também, que as premissas

sejam primeiras ou imediatas e indemonstráveis, ou seja, não deve haver outra premissa a

demonstrá-las. Outro atributo, o terceiro, é que há de haver uma relação de anterioridade da

premissa em relação à conclusão. O conhecimento e a inteligibilidade delas devem preceder a

conclusão. Finalmente, o quarto atributo determina que as premissas devem ser causas ou

explicação da conclusão.

Esta é uma visão definidora das características da ciência demonstrativa como

Aristóteles a entende. Não é possível ter-se ciência se tais características não forem

suficientemente estabelecidas. Assim, verdade, causalidade, necessidade, anterioridade,

primariedade e indemonstrabilidade constituem o arcabouço arquitetônico da ciência

aristotélica.

Somente a caracterização do conhecimento científico, como visto acima, por si só, não

é o bastante para definir a ciência, embora Aristóteles tenha praticamente tomado todo o texto

dos Segundos Analíticos com tal caracterização. O fundamental é identificar como os

primeiros princípios dessa ciência emergem, já que são eles os principiadores do

conhecimento científico. O caráter primeiro e imediato conduz-nos à conclusão de que nada

mais há de anterior às premissas primeiras, pois os princípios requerem o estatuto de absoluta

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anterioridade a qualquer possibilidade demonstração, estando, portanto, num grau mais

elevado, uma vez que geram nosso conhecimento de tudo que delas deriva.

Tem-se, então, que a demonstração está fundamentada sobre os indemonstráveis e

neles se baseia a demonstrabilidade do objeto científico exigindo, como condição de sua

possibilidade, a indemonstrabilidade de premissas últimas, de que a demonstração decorre. O

silogismo enquanto tal é possível sem essas condições essenciais, mas não o é a

demonstração, pois o resultado não será conhecimento científico.

Aristóteles consolida sua concepção de ciência quando nos apresenta o processo

indutivo como capaz de apreender os conceitos universais (pois entende que a ciência é

ciência dos universais e não dos particulares) e os primeiros princípios. O processo indutivo

tem sua origem na percepção, vista como uma condição exclusivamente dos animais. Ora,

exercendo as sensações a função apreendedora de elementos particulares, é possível dizer-se

que, neste ponto, estamos diante do Aristóteles empirista. Mas o processo progride, até esses

elementos primeiros se constituírem, por processos abstracionistas, em conceitos universais e

em princípios.

A transformação desses elementos iniciais em princípios primeiros Aristóteles atribui

a uma faculdade ou disposição de espírito a que dá o nome de νοῦς (ou inteligência, ou

intuição). Embora a gênese do conhecimento científico esteja nas sensações, Aristóteles não

hesita em atribuir ao νοῦς a capacidade de reconhecimento dos primeiros princípios da

ciência. Neste ponto, podemos afirmar o caráter intelectualista da sua doutrina da ciência,

levando-nos, então, a identificar todo esse processo como empírico-racionalista, afastando-se

doo aspectos racionalistas que caracterizam a teoria do conhecimento platônica.

Não há elementos discursivos na apreensão dos primeiros princípios, pois ela se dá de

forma imediata ou intuitiva, levando alguns intérpretes de Aristóteles a afirmar que se trata de

um processo indutivo intuitivo, ou proveniente da razão intuitiva.

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A densidade da exposição da doutrina da ciência de Aristóteles reconhece a

competência exclusiva da inteligência para apreender os primeiros princípios, graças a um

processo lógico de eliminação de outras possibilidades tomando como base premissas

argumentativas desenvolvidas ao longo do texto dos Analíticos, especialmente nos Segundos

Analíticos.

Enquanto objetivo deste trabalho, apresentamos como se dá a apreensão dos primeiros

princípios da ciência, mas não podemos nos furtar de destacar algumas dificuldades que

emergem da doutrina da ciência aristotélica, embora estejam além de nossos objetivos e,

propriamente, além dos Analíticos, já que Aristóteles não as trata nessa obra.

As dificuldades ou aporias não são objeto de elucidação desse filósofo nos Segundos

Analíticos e também não encontramos caminhos indicadores de esclarecimentos. Algumas

questões afloram: Qual é a relação existente entre o procedimento indutivo e a função

cognitiva da inteligência? Como compatibilizar a infalibilidade reconhecida da inteligência,

que tem como missão apreender somente o verdadeiro, com o processo indutivo fundado

unicamente na percepção sensorial? Em que medida a apreensão dos primeiros princípios pelo

νοῦς pode se constituir num conhecimento verdadeiro e iniciador da ciência?

Tais questões sobrelevam o conteúdo da obra os Analíticos, embora talvez possamos

ter uma possível solução de tais aporias, adotando a linha de argumentação – não obstante

certas dificuldades – que o conhecimento dialético possa nos proporcionar, já que este, ao

tratar de argumentações não verdadeiras ou possivelmente verdadeiras, pode nos ensejar a

oportunidade de validar o conhecimento demonstrativo, dada a característica essencial da

dialética que é o raciocinar com elementos contraditórios, buscando demonstrar, no que

concerne a qualquer tese, se as coisas são ou não são assim.

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