FERNANDO PESSOA NOTAS PARA ANÁLISE ORIENTADA DE POEMAS DO ORTÓNIMO.

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FERNANDO PESSOA NOTAS PARA ANÁLISE ORIENTADA DE POEMAS DO ORTÓNIMO

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FERNANDO PESSOA

NOTAS PARA ANÁLISE ORIENTADA DE POEMAS DO ORTÓNIMO

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A fragmentação do “eu”/o tédio existencial

• Tendência para a intelectualização

Permanente processo de auto-análise • Dúvida e indefinição face à sua identidade, a

angústia do auto-desconhecimento (“Por isso, alheio, vou lendo / Como páginas meu ser”)

- Incapacidade de viver a vida- Tédio e angústias existenciais- Desalento e cepticismo profundos

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A fragmentação do “eu”/o tédio existencial

• Correspondências biográficas:- a morte do seu amigo Sá-Carneiro (Abril 1916)- procura insistente da felicidade- dificuldades em ser entendido (?)- dificuldade em sair do turbilhão em que se enredou- dificuldades de relacionamento – sente-se um ser marginal- insatisfação face ao presente – incapacidade de o viver em plenitude (fragmentação do ser)- ânsia por vivências, ilusões, sonhos – que possibilitem coisas impossíveis- desejo de viajar, de ser o que não é

- insatisfação permanente- mesmo o próximo é sentido como longínquo

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A fragmentação do “eu”/o tédio existencial

• A tendência para a intelectualização conduz F. Pessoa à permanente auto-análise;

• A dúvida e a indefinição (identidade), a angústia do auto-conhecimento (“vou lendo… meu ser”) levam Pessoa a ser incapaz de viver a vida.

- Consequência:- tédio e angústia existenciais,

- desalento,- cepticismo.

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A fragmentação do “eu”• Sou um evadido

- o sujeito caracteriza a sua realidade pessoal- concebe uma reflexão filosófica. Temas:

o cansaço de ser uno; convicção que “Ser um é cadeia”; tenciona viver fugindo de si mesmo.

- Caracteriza a sua realidade fragmentada (palavras do campo semântico de prisão e fuga)

- Vê-se como um evadido disposto a fugir sempre do seu próprio ser (vv. 2-4)

- As ironias (vv. 4, 11, 12) mostram assunção da fuga aos limites- É um fugitivo que quer escapar à prisão – SER UNO (est. 4)- O processo de fuga tem um carácter permanente:

“fugi”; “sou”; “Oxalá”, “Viverei”

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A fragmentação do “eu”• Viajar! Perder países!

- a fragmentação traduzida metaforicamente (v. 1)- a constante despersonalização (vv. 2, 3, 5)- a descrença nos motivos para se viver a vida (v. 4)- a solidão e a melancolia do sujeito (vv. 4, 5, 10, 11)

- paradoxo: a perda é após a viagem acontecida (v. 1)

- preço a pagar:fica-se apenas com o sonho tido (vv. 10,

11)

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A fragmentação do “eu”/o tédio existencial

• Tudo o que faço ou medito

- a frustração resultante da dualidade “querer” / “fazer”- a auto-análise conduz a um desdobramento:

- Eu que analisa- Eu analisado

- sentimento de náusea diante do que realiza (v. 5)- procura o auto-conhecimento, mas só encontra um espelho sem reflexo (vv. 11, 12)- a contradição/conflito entre a alma e o ser (vv. 7, 8)- percebe a pulverização do “eu” – a fragmentação em que a unidade (“mar de além”, passado) se converteu (v. 10)

- a impossibilidade de concretizar os seus anseios (vv. 11, 12)

o conhecimento de si

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A “dor de pensar” – a solidão de ser

• A procura constante da racionalidade

• Consequente tragédia íntima que o dilacera…

… querer sentir de forma racional… conciliar o binómio sentir/pensar

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A “dor de pensar” – a solidão de ser• Não sei ser triste a valer

- “eu” estabelece uma analogia entre o florir das flores e a inevitabilidade do pensar, a sua dor e angústia;- a indefinição (vv. 1, 2);- a constatação de que não sabe ser (v. 3);- o prazer de “não sentir”- (vv. 8, 10);- a indefinição entre “florir” e “pensar” - ambos superiores à vontade de flores e homens (vv. 14, 15, 21);- a inevitabilidade da morte (vv. 18, 19).

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A “dor de pensar” – a solidão de ser

• Cansa sentir quando se pensa

- a incapacidade de conciliar o sentir e o pensar (v. 1);- a solidão e a tristeza (v. 3, 5, 7);- a indefinição (v. 6);- a constatação da incapacidade de viver (v. 12, 16);- a incapacidade de relacionamento com os outros e com o mundo (v. 14, 15).

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O espelho dos pensamentos• Bóiam leves, desatentos

- Sujeito faz a caracterização amarga dos seus pensamentos. Eles são…

– Adjectivos: “leves”, distraídos, tristes;– Comparação: como cabelos ou algas– Metáforas: são insignificantes, como “Pós” ou “nadas”

- Observando o seu mundo interior, o poeta redu-lo a uma insignificância insuportável (vv. 8 a13)

- O espelho (superfície aquática) em que procura a sua imagem não lhe dá o seu reflexo…

impedindo o seu encontro consigo mesmo

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A nostalgia de uma infância mítica• F. Pessoa sente saudade da infância

- imaginada intelectualmente- Trata-se de nostalgia… - trabalhada

- literariamente sentida como“um sabor de infância triste”

A saudade é uma “atitude literária”, símbolo de pureza, inconsciência, sonho, paraíso perdido.

carta a João Gaspar Simões, 11/12/1931

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A nostalgia de uma infância mítica• tom de lamento é consequência do confronto

com a criança que outrora foi…

… numa Lisboa sonhada,… numa Lisboa real, porque

familiar.

(onde passou 5 anos da sua vida, numa forte relação com a mãe)

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A nostalgia de uma infância mítica• A infância como refúgio

- insatisfação com o presente

Motivações - incapacidade de viver o presente em plenitude

- desprovida de experiência biográfica;

Características - submetida a um processo de intelectualização.

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A nostalgia de uma infância mítica• A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos

outros se vão sucedendo, sem qualquer relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade;

• O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi);

• O passado não existe numa relação de continuidade com o presente;

• Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia, porque é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade.

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O tempo e a degradação: o regresso à infância

• “Quando as crianças brincam” a evocação da infância surge como motivo de criação poética:

- o real (a brincadeira das crianças) como pretexto para uma reflexão introspectiva

“Quando as crianças brincam / E eu as oiço brincar”- a infância como um tempo onírico

“E toda aquela infância / Que não tive me vem”- a infância como um tempo de felicidade apenas pressentida;- a articulação passado / presente / futuro: o jogo dos tempos verbais

“fui”, “serei”, sou”;- a permanência da dualidade pensar / sentir

“Quem sou ao menos sinta / Isto no coração”.

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O tempo e a degradação: o regresso à infância

• “Pobre velha música!”

o ouvir da “velha música” faz convergir o passado e o presente:- presente marcado pela nostalgia do passado

“Enche-se de lágrimas / Meu olhar parado.”- percepção de dois modos de ouvir

“Recordo outro ouvir-te,”- desejo violento de recuperar o passado

“Com que ânsia tão raiva / Quero aquele outrora!”- permanente incapacidade de ser feliz

“E eu era feliz? Não sei: / Fui-o outrora agora.”1

1- Oxímoro: intensificação de uma antítese

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O tempo e a degradação: o regresso à infância

• “O menino da sua mãe”- Poema ditohttp://letras.kboing.com.br/mafalda-veiga/o-menino-da-sua-mae/- Canção: Mafalda Veigahttp://www.youtube.com/watch?v=IhQCPm_OXCk&feature=related

Parte da imagem de um soldado morto e abandonado para exprimir o dramatismo de uma vivência familiar:- contraste entre expectativas da mãe e da criada velha e a realidade;- a precocidade da morte;- a intemporalidade da situação dramática evocada;- a fugacidade dos momentos de felicidade.

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O tempo e a degradação: o regresso à infância

• “Não sei, ama, onde era” evoca o universo simbólico dos contos infantis, dos reis e das

princesas para expressar a saudade de um tempo de felicidade.- simbologia do tempo e do espaço referidos “Sei que era Primavera / E o jardim do rei…”

- diálogo entre um “eu” feminino e a ama- estrutura dramática- desdobramento do sujeito poético

- discurso parentético (est. 1-4) revela…- a dor de crescer e pensar “(Filha, os sonhos são dores…)”

- a inevitabilidade da morte “(Filha, o resto é morrer…)”

- a dor de pensar “Penso e fico a chorar”

- identificação entre as narrativas infantis e a felicidade“Conta-me contos, ama… / Todos os contos são / Esse dia, e jardim e a dama / Que eu fui nessa solidão…”.

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O tempo e a degradação: o regresso à infância

• Conclusões:

• Desencanto e angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos dias;

• Pessoa busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba “sem alegria nem aspirações”, inquieto, só e ansioso;

• O passado pesa “como a realidade de nada” e o futuro “como a possibilidade de tudo”. O tempo é para Pessoa um factor de desagregação, na medida em que tudo é breve e efémero;

• Procura superar a angústia existencial através da evocação da infância e de saudade desse tempo feliz - nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância.

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O tédio existencial• Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação

da alma humana.• A sua precaridade, a sua limitação, a dor de

pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.

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O tédio existencial• “Náusea. Vontade de nada.”

- a desistência da vida

- a incapacidade de agir- a imagem de um eu “espectador” da vida- o tédio de tudo:

Tudo quanto penso,Tudo quanto souÉ um deserto imensoOnde nem eu estou.

Extensão paradaSem nada a estar ali,Areia peneiradaVou dar-lhe a ferroadaDa vida que vivi.

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Navegar é Preciso Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Quero para mim o espírito [d]esta frase,transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.Só quero torná-la grande,ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade;ainda que para isso tenha de a perder como minha.Cada vez mais assim penso. (…) Nota:"Navigare necesse; vivere non est necesse" - latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu]