Festa Infinita - Transe coletivo

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Página: 1 CYAN MAGENTA YELLOW BLACK PÁGINA 1 - SÁBADO - 20/JUNHO/2009 - 17:3 Vitória (ES), sábado, 20 de junho de 2009 Editor: José Roberto Santos Neves | [email protected] | (27) 3321-8608 | www.agazeta.com.br nn nn nn nn n n n n n n nn - -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- teatro A volta dos “Monólogos da Vagina”. Pág. 2 luto Perry Salles morre no Rio aos 70 anos. Pág. 8 show Betina Aarão faz a ponte musical entre Brasil e França. Pág. 4 - ------------------------------------ TRANSE coletivo FOTOS: MURILO GANESH/DIVULGAÇÃO nn MULTIDÃO. Pista principal da festa Tribe, no interior de SP: reuniões atraem cerca de 500 mil jovens por mês, apenas no Brasil Movimento. Jornalista desvenda o universo das raves no livro “Festa Infinita” TIAGO ZANOLI [email protected] nn Muito antes de desenvolver um padrão de linguagem e defi- nir o conceito de festa, o homem pré-histórico já praticava algo muito parecido com as raves. Se- gundo o arqueólogo inglês Ste- ven Mithen, homens de Nean- dertal que viviam nas cavernas em Dordogne, na França, canta- vam, pulavam e faziam sons com os pés e as mãos, mergulhando numa espécie de transe coletivo semelhante às intermináveis festas de música eletrônica. Essa herança arraigou-se no DNA humano, desde os pri- mórdios, e, ao longo da história, povos diversos se reuniam e até hoje se reúnem para alcan- çar esse estado de transe por meio da combinação de músi- ca, alteradores de consciência e longos períodos de dança. Em “Festa Infinita – O Entor- pecente Mundo das Raves”, o jornalista e escritor Tomás Chiaverini entra de cabeça no universo de seu objeto de estu- do, até então completamente desconhecido para ele, e revela as mais diversas facetas de um movimento contracultural que, apenas no Brasil, atrai cerca de 500 mil jovens por mês. Para conceber seu livro de estreia, “Cama de Cimento”, sobre moradores de rua, Chia- verini chegou a viver um perío- do ao relento, disfarçado entre os sem-teto de São Paulo. Co- mo no primeiro trabalho, abra- çou mais uma vez o jornalismo de imersão, o que lhe permitiu captar a essência vertiginosa dessas festas sem fim. Se o esforço de reportagem, desta vez, não envolveu a mes- ma ousadia de “Cama de Cimen- to”, a prosa de Tomás Chiaverini, por outro lado, apresenta-se mais madura. Mais literária, a narrativa é fluida e envolvente. TEMÁTICA “Os temas quase que aparecem sem querer”, diz o autor, em en- trevista ao Caderno 2. “Come- cei meu primeiro livro por cau- sa de uma amiga que trabalhava com moradores de rua.” No ca- so de “Festa Infinita”, ele conta que passava férias na Bahia com a namorada, quando co- nheceu um grupo de estrangei- ros que ia para o festival Uni- verso Paralello – um dos maio- res do país. Até então, o mundo das raves era totalmente desco- nhecido para o jornalista. As primeiras pesquisas fo- ram feitas no Google. Por meio dele, Chiaverini encontrou si- tes e blogs e identificou os prin- cipais nomes do meio. “Fui atrás deles, a fim de entrevis- tá-los, e um foi levando a outro. Depois veio essa parte de ir às festas, viajar com o pessoal. O DJ Rica Amaral foi um dos pri- meiros a me abrir as portas.” - ------------------------------------ Confira TOMÁS CHIAVERINI Festa Infinita EDIOURO 320 PÁGINAS QUANTO: R$ 49,90, EM MÉDIA - ------------------------------------ nn VEJA NA WEB Leia trecho do livro e assista a vídeos de raves em gazetaonline.com.br/agazeta - ------------------------------------ Nessas festas, o autor identi- ficou uma espécie de reedição dos ideais da contracultura (que teve seu apogeu no final dos anos 60). A celebração da paz e do amor, o clima de liberdade, a exaltação hedonista e a mistura de culturas diversas remete aos tempos em que os hippies orga- nizavam grandes festivais, sob o lema sexo, drogas e rock’n’roll. “Acho que eles pretendem dar continuação ao movimen- to contracultural, falando de paz e amor e exaltando o con- sumo de drogas como uma for- ma de ampliar as percepções e enxergar o mundo de uma ou- tra forma. Há uma intenção de fazer uma festa que funcione como uma revolução no meio da sociedade”, observa. CULTURA PULVERIZADA Chiaverini acrescenta, no en- tanto, que os jovens de hoje não têm a mesma força ideológica daqueles de outrora, sobretudo no que se refere às questões po- líticas. “Nos anos 60 e 70, a ju- ventude queria pegar em armas para lutar contra a ditadura e de- fender seus ideais. Hoje, com a tecnologia e a multiplicação de informações, a cultura ficou pulverizada. É difícil conseguir enxergar a nossa geração como uma geração coesa. Temos mo- das que se criam e acabam num período muito curto.” No livro, o autor revela uma característica das raves que re- produz um aspecto da socieda- de urbana contemporânea: o pa- radoxo entre coletividade e indi- vidualidade. As raves podem reunir em média três ou quatro mil pessoas. “Todos pulsam jun- tos, mas cada um dança fechado dentro de si mesmo”, escreve, logo no primeiro capítulo. Além de frequentar várias festas, viajar mais de 30 horas dentro de um ônibus com cerca de 40 ravers para ir ao festival Trancendence e ficar 20 dias acompanhando a montagem do Universo Paralello, o jornalista arriscou-se a experimentar um comprimido de ecstasy, a fim de compreender o efeito da droga associado à música eletrônica. “Tinha medo de tomar e pes- quisei muito a respeito. Não gosto de música eletrônica, mas depois de tomar ecstasy, achei tudo maravilhoso. Eu percebia a música como se fos- se sólida. Isso não aconteceria se estivesse sóbrio”, completa. - ----------------------------------------------------------------------------- “É uma cultura positiva”, diz produtora local nn Juninho Oliveira, um dos realizadores da Soul Vibes, no Estado, conta que acompa- nhou o lançamento do livro pe- la internet e achou o trabalho interessante, completo. “O iní- cio da cena trazia esse ideal de paz e amor. O psytrance, que surgiu na Índia, descende do rock psicodélico. Mas, no Bra- sil, as festas passaram a ser - ----------------------------------------------------------------------------- mais comerciais, e a ideologia restringiu-se aos grandes fes- tivais, como o Universo Para- lello”, observa. Coprodutora da festa Psyproject, Fernanda Celin acredita que as raves vão além da diversão, ao pregar a paz, o amor, a consciência eco- lógica e o contato com a natu- reza, nos eventos a céu aberto. “É uma cultura positiva, que pretende mostrar coisas boas aos adeptos e não-adeptos. Não é apenas festa, mas um grande intercâmbio artístico e cultural”, afirma. - ----------------

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Maréria do Jornal Gazeta do Espírito Santo

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Página: 1 CYAN MAGENTA YELLOW B L AC K

PÁGINA 1 - SÁBADO - 20/JUNHO/2009 - 17:3

Vitória (ES), sábado, 20 de junho de 2009

Editor: José Roberto Santos Neves | j r n eve s @ re d e g a ze ta .co m . b r | (27) 3321-8608 | w w w. a g a ze ta .co m . b r nn nn nn nn n n n n n n nn

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te at roA volta dos“ Mo n ó l o go sda Vagina”.

Pág. 2

lu toPerry Salles

morre no Rioaos 70 anos.

Pág. 8

s h owBetina Aarão faz a

ponte musical entreBrasil e França.

Pág. 4

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TRANSE co l e t ivoFOTOS: MURILO GANESH/DIVULGAÇÃO

n n MULTIDÃO. Pista principal da festa Tribe, no interior de SP: reuniões atraem cerca de 500 mil jovens por mês, apenas no Brasil

M ov i m e n to.

Jo r n a l i s ta

desvenda o

universo das

raves no

livro “Festa

Inf inita”

TIAGO ZANOLItg a rc i a @ re d e g a zeta .co m . b r

n n Muito antes de desenvolverum padrão de linguagem e defi-nir o conceito de festa, o homempré-histórico já praticava algomuito parecido com as raves. Se-gundo o arqueólogo inglês Ste-ven Mithen, homens de Nean-dertal que viviam nas cavernasem Dordogne, na França, canta-vam, pulavam e faziam sons comos pés e as mãos, mergulhandonuma espécie de transe coletivosemelhante às intermináveisfestas de música eletrônica.

Essa herança arraigou-se noDNA humano, desde os pri-mórdios, e, ao longo da história,povos diversos se reuniam eaté hoje se reúnem para alcan-çar esse estado de transe pormeio da combinação de músi-ca, alteradores de consciênciae longos períodos de dança.

Em “Festa Infinita – O Entor-pecente Mundo das Raves”, ojornalista e escritor TomásChiaverini entra de cabeça nouniverso de seu objeto de estu-do, até então completamentedesconhecido para ele, e revelaas mais diversas facetas de ummovimento contracultural que,apenas no Brasil, atrai cerca de500 mil jovens por mês.

Para conceber seu livro deestreia, “Cama de Cimento”,sobre moradores de rua, Chia-verini chegou a viver um perío-

do ao relento, disfarçado entreos sem-teto de São Paulo. Co-mo no primeiro trabalho, abra-çou mais uma vez o jornalismode imersão, o que lhe permitiucaptar a essência vertiginosadessas festas sem fim.

Se o esforço de reportagem,desta vez, não envolveu a mes-ma ousadia de “Cama de Cimen-to”, a prosa de Tomás Chiaverini,por outro lado, apresenta-semais madura. Mais literária, anarrativa é fluida e envolvente.

T E M Á T I CA“Os temas quase que aparecemsem querer”, diz o autor, em en-trevista ao Caderno 2. “Come-cei meu primeiro livro por cau-sa de uma amiga que trabalhavacom moradores de rua.” No ca-so de “Festa Infinita”, ele contaque passava férias na Bahiacom a namorada, quando co-nheceu um grupo de estrangei-ros que ia para o festival Uni-verso Paralello – um dos maio-res do país. Até então, o mundodas raves era totalmente desco-nhecido para o jornalista.

As primeiras pesquisas fo-ram feitas no Google. Por meiodele, Chiaverini encontrou si-tes e blogs e identificou os prin-cipais nomes do meio. “Fuiatrás deles, a fim de entrevis-tá-los, e um foi levando a outro.Depois veio essa parte de ir àsfestas, viajar com o pessoal. ODJ Rica Amaral foi um dos pri-meiros a me abrir as portas.”

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C o n fi ra

TOMÁS CHIAVERINIFesta Infinita

EDIOURO 320 PÁGINAS

QUANTO: R$ 49,90, EM MÉDIA

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n n VEJA NA WEBLeia trecho do livro e

assista a vídeos de raves emg a z et a o n l i n e.co m . b r /a g a z et a- ------------------------------------

Nessas festas, o autor identi-ficou uma espécie de reediçãodos ideais da contracultura (queteve seu apogeu no final dosanos 60). A celebração da paz edo amor, o clima de liberdade, aexaltação hedonista e a misturade culturas diversas remete aostempos em que os hippies orga-nizavam grandes festivais, sob olema sexo, drogas e rock’n’roll.

“Acho que eles pretendemdar continuação ao movimen-to contracultural, falando depaz e amor e exaltando o con-sumo de drogas como uma for-ma de ampliar as percepções eenxergar o mundo de uma ou-tra forma. Há uma intenção defazer uma festa que funcionecomo uma revolução no meioda sociedade”, observa.

CULTURA PULVERIZADAChiaverini acrescenta, no en-tanto, que os jovens de hoje nãotêm a mesma força ideológicadaqueles de outrora, sobretudono que se refere às questões po-líticas. “Nos anos 60 e 70, a ju-ventude queria pegar em armaspara lutar contra a ditadura e de-fender seus ideais. Hoje, com atecnologia e a multiplicação deinformações, a cultura ficoupulverizada. É difícil conseguirenxergar a nossa geração comouma geração coesa. Temos mo-das que se criam e acabam numperíodo muito curto.”

No livro, o autor revela umacaracterística das raves que re-

produz um aspecto da socieda-de urbana contemporânea: o pa-radoxo entre coletividade e indi-vidualidade. As raves podemreunir em média três ou quatromil pessoas. “Todos pulsam jun-tos, mas cada um dança fechadodentro de si mesmo”, escreve,logo no primeiro capítulo.

Além de frequentar váriasfestas, viajar mais de 30 horasdentro de um ônibus com cercade 40 ravers para ir ao festivalTrancendence e ficar 20 diasacompanhando a montagem doUniverso Paralello, o jornalistaarriscou-se a experimentar umcomprimido de ecstasy, a fim decompreender o efeito da drogaassociado à música eletrônica.

“Tinha medo de tomar e pes-quisei muito a respeito. Nãogosto de música eletrônica,mas depois de tomar ecstasy,achei tudo maravilhoso. Eupercebia a música como se fos-se sólida. Isso não aconteceriase estivesse sóbrio”, completa.

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“É uma culturapositiva”, dizprodutora localn n Juninho Oliveira, um dosrealizadores da Soul Vibes, noEstado, conta que acompa-nhou o lançamento do livro pe-la internet e achou o trabalhointeressante, completo. “O iní-cio da cena trazia esse ideal depaz e amor. O psytrance, quesurgiu na Índia, descende dorock psicodélico. Mas, no Bra-sil, as festas passaram a ser- -----------------------------------------------------------------------------

mais comerciais, e a ideologiarestringiu-se aos grandes fes-tivais, como o Universo Para-lello”, observa. Coprodutorada festa Psyproject, FernandaCelin acredita que as raves vãoalém da diversão, ao pregar apaz, o amor, a consciência eco-lógica e o contato com a natu-reza, nos eventos a céu aberto.“É uma cultura positiva, quepretende mostrar coisas boasaos adeptos e não-adeptos.Não é apenas festa, mas umgrande intercâmbio artístico ecultural”, afirma.

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