Fibromialgia: Dor Invisivel (Imagem corporal e Depressão)

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CD/cd 1 FIBROMIALGIA: DOR INVISÍVEL Depressão e imagem corporal © Celeste Duque, Psicóloga Clínica ([email protected] ) RESUMO O síndroma de fibromialgia é uma doença que só em 1992 foi verdadeiramente diagnosticada e separada das doenças do foro reumatológico. O síndroma de fibromialgia caracteriza-se, entre outros sintomas, por: dores persistentes nos músculos e tendões, dores de cabeça intensas, rigidez muscular matinal, alterações no ciclo menstrual, transtornos intestinais, alterações ao nível da memória de curto prazo, dificuldade de concentração, perda de sensibilidade ao nível das mãos, ausência da fase IV do sono (sono profundo). O diagnóstico da fibromialgia faz-se por resposta de dor em pelo menos 11 pontos de entre os 18 pontos de pressão específicos (tender points), os exames de análise sanguínea não apresentam alterações. A esta doença estão frequentemente associadas depressões graves pelo que se pensou que estas últimas estariam na origem do síndroma. No entanto, a investigação tem vindo a demonstrar que estas são mais uma das inúmeras consequências do síndrome de fibromialgia. Nesta investigação, em que participaram três sujeitos diagnosticados com fibromialgia há pelo menos três anos, verificou-se que os níveis de depressão apresentados (usando o Inventário de Depressão de Beck) são elevados, verificou-se ainda possuírem baixos níveis de auto-estima e auto-conceito e apresentarem uma imagem corporal negativa. E que mais importante que a doença é a representação que os sujeitos têm sobre a Saúde e a doença que marcam decisivamente a forma como vão reagir às adversidades da vida (dependendo fortemente da personalidade, educação, experiências de vida, meio social e cultural, grupo de amigos mas, também, da sua dimensão espiritualidade) e todos as dimensões influenciam e são influenciadas sendo por isso necessária a análise caso a caso, para se chegar à compreensão do indivíduo na sua globalidade, só após isso se podem estabelecer as melhores estratégias de intervenção e modalidades de aconselhamento. Definição A fibromialgia, deriva do grego fibro my algia, e significa: "dor nos tecidos fibrosos dos músculos". A fibromialgia é um síndroma que causa dores músculo-esqueléticas (anteriormente chamada de fibrositis) foi descrita pela primeira vez em 1843, como um tipo de reumatismo "com pontos localizados altamente dolorosos". Os paciente atingidos por este síndroma foram frequentemente rotulados de neuróticos, devido aos seus inúmeros e inexplicáveis sintomas. Não há testes

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Artigo sobre o síndrome de fibromialgia em que se analisa a imagem corporal e níveis de depressão.

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CD/cd 1

FIBROMIALGIA: DOR INVISÍVEL

Depressão e imagem corporal © Celeste Duque, Psicóloga Clínica ([email protected])

RESUMO

O síndroma de fibromialgia é uma doença que só em 1992 foi verdadeiramente diagnosticada e separada das doenças do foro reumatológico.

O síndroma de fibromialgia caracteriza-se, entre outros sintomas, por: dores persistentes nos músculos e tendões, dores de cabeça intensas, rigidez muscular matinal, alterações no ciclo menstrual, transtornos intestinais, alterações ao nível da memória de curto prazo, dificuldade de concentração, perda de sensibilidade ao nível das mãos, ausência da fase IV do sono (sono profundo).

O diagnóstico da fibromialgia faz-se por resposta de dor em pelo menos 11 pontos de entre os 18 pontos de pressão específicos (tender points), os exames de análise sanguínea não apresentam alterações.

A esta doença estão frequentemente associadas depressões graves pelo que se pensou que estas últimas estariam na origem do síndroma. No entanto, a investigação tem vindo a demonstrar que estas são mais uma das inúmeras consequências do síndrome de fibromialgia.

Nesta investigação, em que participaram três sujeitos diagnosticados com fibromialgia há pelo menos três anos, verificou-se que os níveis de depressão apresentados (usando o Inventário de Depressão de Beck) são elevados, verificou-se ainda possuírem baixos níveis de auto-estima e auto-conceito e apresentarem uma imagem corporal negativa.

E que mais importante que a doença é a representação que os sujeitos têm sobre a Saúde e a doença que marcam decisivamente a forma como vão reagir às adversidades da vida (dependendo fortemente da personalidade, educação, experiências de vida, meio social e cultural, grupo de amigos mas, também, da sua dimensão espiritualidade) e todos as dimensões influenciam e são influenciadas sendo por isso necessária a análise caso a caso, para se chegar à compreensão do indivíduo na sua globalidade, só após isso se podem estabelecer as melhores estratégias de intervenção e modalidades de aconselhamento.

Definição

A fibromialgia, deriva do grego fibro my algia, e significa: "dor nos tecidos fibrosos dos

músculos".

A fibromialgia é um síndroma que causa dores músculo-esqueléticas (anteriormente chamada de

fibrositis) foi descrita pela primeira vez em 1843, como um tipo de reumatismo "com pontos

localizados altamente dolorosos". Os paciente atingidos por este síndroma foram frequentemente

rotulados de neuróticos, devido aos seus inúmeros e inexplicáveis sintomas. Não há testes

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laboratoriais para o diagnóstico do síndroma fibromiálgico. A fibromialgia foi reclassificada em

1992, tendo sido incorpora na WHO (World Health Organization), 10ª revisão da International

Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (ICD-10) que entrou em vigor

em 1 de Janeiro de 1993.

O novo documento define a fibromialgia como uma doença dolorosa que envolve

predominantemente os músculos. A dor muscular-esquelética irradiada é a causa mais comum da

sua cronicidade. Exclui assim, hipótese de se tratar de uma doença das articulações, pelo que foi

separada das doenças do foro reumatológico, tendo ganho estatuto próprio de doença (até aí

muitas vezes considerada uma falsa doença, com falsos sintomas).

Sinais e sintomas mais evidentes da Fibromialgia

Clinicamente, podemos dizer que os pacientes apresentam, para além da dor difusa e dos pontos

fibromiálgicos (tender points), fadiga e sono não reparador/restaurador e outros sintomas como

parastesias, sensação subjectiva de inchaço ("os anéis deixaram de me servir"), rigidez muscular

matinal, tonturas, palpitações, fenómeno de Raynaud (mãos e pés inchados e frios, dedos com

extremidades brancas), cefaleia, perturbações da memória a curto termo e dificuldade de

concentração, cólon irritável e distúrbios da afectividade (depressão e ansiedade).

De seguida apresenta-se no quadro 1 a lista dos sinais e sintomas mais frequentes associados à

fibromialgia.

Quadro 1

Sinais e sintomas associados à fibromialgia (Wolfe, 1990)

Sinais/Sintoma % Pacientes

Dores difusas 97,6%

Sensibilidade dolorosa em pelo menos 11 dos 18 pontos fibromiálgicos 90,1%

Fadiga 81,4%

Rigidez muscular matinal 77,0%

Distúrbios do sono 74,6%

Parastesias 62,8%

Cefaleias 52,8%

Ansiedade 47,8%

Síndroma pré-menstrual 40,6%

Síndroma de Sicca (boca e olhos secos) 35,8%

Depressão prévia 31,5%

Cólon irritável 29,6%

Infecções urinárias 26,3%

Fenómeno de Raynaud (mãos e pés ficam dormentes, brancos, e frios 16,7%

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Nota. Outros sintomas presentes nos pacientes com fibromialgia como: tonturas, perturbações da

memória (a memória a curto prazo fica fortemente comprometida) e concentração, comichão e

erupção cutânea crónica (dados não publicados), no homem impotência, na mulher cãibras

durante o coito.

A maioria dos pacientes com fibromialgia são do sexo feminino (80-90%) e, embora atinja

ambos os sexos e todas as faixas etárias é, no entanto, mais predominante nas mulheres entre os

35 e os 50 anos de idade. A idade mais usual do aparecimento da fibromialgia é entre os 20 e os

40 anos, pode, no entanto, aparecer por volta dos 2 anos ou ainda a partir dos 65 anos.

Wolfe (1993) considera que a fibromialgia afecta 2 a 4% da população geral dos Estados Unidos.

Não há dados estatísticos oficiais para Portugal, mas tudo leva a crer que a percentagem deverá

ser idêntica, dado que esta permanece semelhante no Canadá e em vários países da Europa.

No quadro 2 apresenta-se esquematicamente a caracterização geral da fibromialgia.

Quadro 2

Caracterização geral da fibromialgia

Idade de aparecimento 20-40 anos

Sexo mais atingido Feminino

Prevalência na população geral Comum

Causa Desconhecida

Crónica Sim

Sensibilidade dolorosa em 11 dos 18 pontos fibromiálgicos Sim

Dores difusas, fadiga, perturbação do sono Sim

Resultados dos Estudos Laboratoriais Normal

Patologia Nenhuma

Incapacitante Sim

Etiologia

A etiologia da fibromialgia permanece desconhecida.

Inicialmente classificada como uma doença inflamatória e catalogada como reumatológica,

Durante algum tempo pensou tratar-se de uma doença psicogénica (os sintomas não são

confirmados por exames médicos complementares de diagnóstico), actualmente os

investigadores são unânimes em considerar que a depressão, se e quando presente, é mais uma

das consequências e não a causa da doença. Tendo sido, deste modo, excluída a hipótese de se

tratar de uma doença psiquiátrica.

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Actualmente a teoria mais aceite integra uma disfunção do sistema nervoso central em regular a

sensibilidade dolorosa, com aumento dos estímulos nociceptivos oriundos de músculos,

ligamentos e articulações.

Assim, em indivíduos geneticamente predispostos, diversos factores de stress:

- Infecções;

- Trauma físico – decorrentes de acidentes de viação ou de trabalho, nomeadamente fracturas de coluna, entre outros;

- Trauma psicológico – por exemplo, derivados de violação;

- Esforços repetitivos;

- Distúrbios do sono;

poderiam causar uma alteração nos centros moduladores de dor ao nível medular e cerebral,

traduzidos pela diminuição de serotonina e o aumento da substância P. Estas alterações de

neurotransmissores trariam um aumento da sensibilidade dolorosa, alodínia, alteração de sono e

fadiga.

Diagnóstico da Fibromialgia

O American College of Rheumatology estabeleceu os critérios diagnósticos para a Fibromialgia em 1990 e que são:

Quadro 3

Critérios diagnósticos da Fibromialgia (ACR, 1990)

História de dor difusa* presente há pelo menos 3 meses (além disso a dor no esqueleto axial deve

estar presente ! coluna cervical, tórax anterior, coluna torácica ou lombar)

Dor em pelo menos 11 dos 18 pontos de dor à compressão digital** Os 18 tender points são: Occipitais (2): inserções dos músculos sub-occipitais Cervicais inferiores (2): partes anteriores dos espaços inter-transversais C5-C7 Trapézios (2): pontos médios das bordas superiores Supra-espinais (2): acima das escápulas, próximo das bordas médias Segunda costela (2): lateralmente e acima das segundas junções costescapular Epicôndilo laterais (2): distal a 2 cm dos epicôndilo Glúteos (2): quadrantes superiores externos das nádegas, na dobra anterior do músculo Grande trocânter (2): posteriormente à proeminência do trocânter Joelhos (2): coxins gordurosos mediais, proximal à linha dos joelhos

Nota. * A dor é considerada difusa quando a sensibilidade dolorosa se encontra presente em todos os locais seguintes: dor bilateral (no lado direito e esquerdo do corpo) e dor acima e abaixo da cintura; ** Deve ser exercida uma pressão digital de 4 kg à qual o paciente deve reagir com dor.

Na figura 1 apresenta-se a localização dos 18 pontos fibromiálgicos.

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Figura 1. Localização dos pontos fibromiálgicos (http://www.futureon.com/~hunter/fms.htm, 1998)

Tratamento da fibromialgia

O tratamento passa pelo tratamento medicamentoso e não medicamentoso.

Uso de anti-depressivos (amitriptilina, ciclobenzaprina, entre outros) ! as investigações têm

demonstrado que são eficazes no combate à dor, fadiga e distúrbio do sono, no entanto, as

melhoras significativas com relevância clínica apenas acontecem em 30-40% dos pacientes. O

seu efeito parece estabilizar-se ou até diminuir com o decorrer do tempo.

Os tricíclicos, em doses tão baixas como as recomendadas no tratamento da fibromialgia, não se

destinam ao tratamento da depressão, mas sim a melhorar efectivamente a fase IV do sono (fase

não-REM). Concomitantemente, os indivíduos que relatam melhoras ao nível do sono referem

igualmente diminuição das dores.

Apesar dos tricíclicos serem eficazes, menos de 50% dos pacientes os tomam regularmente

devido à grande quantidade e gravidade dos efeitos secundários, tais como secura da boca,

tonturas rotatórias, obstipação intestinal, sonolência excessiva, alucinações, ou mesmo indução

de depressão.

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Quadro 4

Substâncias químicas que ajudam no tratamento da fibromialgia (adaptado de Nye, 1997)

Substância química Dose inicial (mg) Tomar x Horas

antes de deitar

Dose máxima (mais usual)

Tradozone 50 0 600

Ciclobenzaprina 10 1 60

Alprazolam 0,5 0,5-1 4

Carisoprodol 350 0 1400

Difenidramina 50 0,5-1 300

Amitriptilina 5 2 150

No quadro 5 apresenta-se a lista dos factores que afectam a fibromialgia.

Quadro 5

Factores que afectam os sintomas de fibromialgia

Factores que agravam Factores que melhoram

Clima frio ou húmido Clima quente ou seco

Sono de má qualidade Sono reparador/restaurador

Doenças recorrentes Aplicação de calor nos músculos afectados

Trauma Exercício físico adaptado e moderado

Stress físico e/ou psicológico Dieta equilibrada

Exercício físico exagerado

Educação

Os sintomas devem ser explicados pormenorizadamente ao paciente. Este deve ser informado

que não existe cura para este síndroma e que é uma doença que oscila entre momentos bons (de

relativa acalmia) e momentos de crise. Deve-se informar, igualmente, o paciente que tratamento

desta doença requer um envolvimento efectivo por parte do médico mas também e

principalmente do paciente, só assim poderá beneficiar de uma melhor qualidade de vida.

Os indivíduos com fibromialgia deverão ter acesso a uma educação de novos hábitos de higiene

articular, criação de novos ciclos de vigília/sono adaptados à sua nova condição e ao seu nível de

limitação/incapacidade (deve ser enfatizada a importância do sono).

Os pacientes com fibromialgia consideram-se indivíduos noctívagos, no entanto, o que sucede é

que sofrem de perturbações do sono que passam por insónias e/ou privação da fase IV do sono

(sono profundo).

Assim, é importante que se estabeleça uma hora certa para se deitar (entre as 21,00 e as 22,00

horas) por forma a romper com os anteriores ritmos patogénicos.

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Aprendizagem de novos comportamentos mais saudáveis isentos de stress físico e psicológico,

i.e., devem ser reeducados por forma a estarem preparados para viver com as suas limitações

efectivas adquirindo a melhor qualidade de vida possível.

Devem ser incentivados a relacionar-se com os outros, a não se isolarem e a aprenderem a gerir o

seu tempo por forma a intercalarem no tempo útil que têm (variável de caso para caso, mas que é

muito frequentemente de 4 a 5 horas/dia) distribuindo entre as suas actividades profissionais (não

raras vezes vêem-se obrigados a mudar de profissão) e as actividades prazerosas e/ou recreativas

(nas quais se deve incluir a prática de exercício físico moderado e regular, por exemplo as

caminhadas a pé são ideais, tal como o andar de bicicleta).

Essa reeducação/aquisição de novos hábitos passa pela adopção de uma dieta alimentar na qual

devem ser evitadas (preferencialmente banidas) as seguintes substâncias: açúcar refinado, álcool,

cafeína, alimentos saturados em gordura, alimentos altamente calóricos, a comida pronta a comer

(junk food ou fast food) de baixo valor nutritivo.

Estes indivíduos beneficiam de uma dieta moderadamente equilibrada em carbo-hidratos,

proteínas e gorduras. Sendo considerada como a mais saudável a dieta que apresenta a seguinte

composição (baseado na percentagem de calorias e não em gramas):

- 40% de carbo-hidratos;

- 30% de proteínas;

- 30% de gordura.

É, igualmente, importante beber muita água (2,5 litros/dia), pois esta ajuda a libertar as toxinas

do organismo.

Tratamento

Vejamos, então, de uma forma esquemática, como se deve processar o tratamento da

fibromialgia.

Quadro 6

Tratamento da fibromialgia

Diagnóstico e tranquilização do paciente

Evitamento dos factores agravantes (por exemplo, frio, narcóticos, esteróides, cafeína, stress, etc.)

Introdução de modificações ao nível do trabalho ! quando o paciente consegue manter-se a trabalhar é necessário introduzirem-se modificações físicas no local de trabalho (por exemplo uso de cadeira e teclado ergonómicos, etc.) e modificações dos ritmos, horas e volume de trabalho.

Opções farmacológicas

Modalidades físicas (por exemplo, calor, massagem, sprays, anestésicos, acupunctura, etc.)

Exercícios aeróbicos recreativos

Papel activo do paciente

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Estudo psicológico de doentes diagnosticados com fibromialgia

Muitos são os caso de doentes diagnosticados com fibromialgia objecto de estudo psicológico, numa tentativa de melhor perceber o síndrome e as consequências e limitações por ele introduzidas na vida quotidiana do sujeito.

Como já se viu, a fibromialgia afecta a vida do sujeito a todos os níveis, não fora o ser humano um ser altamente complexo, e uma verdadeira “caixinha” de surpresas!

A depressão está muitas vezes presente, e não raras vezes tão saliente que acaba por abafar todos os outros sinais/sintomas, sendo por isso uma das causas de “mau” diagnóstico. Resta saber até que ponto é que a depressão é, de facto, causa ou consequência da fibromialgia?

Analisando três casos (do género feminino), procurou-se saber qual o grau de depressão presente. A fibromialgia tinha sido diagnosticada há pelo menos três anos e a depressão e sintomas eram sobejamente conhecidos do paciente. Procurou-se, igualmente inferir da integridade da auto-estima e auto-conceito, relacionando todas as variáveis presentes para se formar uma ideia de como estes sujeitos lidam com a sua imagem corporal.

Caracterização da amostra

Três sujeitos do género feminino com diagnóstico de fibromialgia há mais de três anos, residentes na área geográfica da zona Centro, que foram “forçados” a abandonar a sua primeira actividade profissional e que desempenham actualmente as suas funções profissionais a partir de casa com uma profunda restrição de horário, de 8 horas para 3 horas de trabalho diário e isso, nos dias em que não estão em “crise” (relativamente raros ! em média 2 a 3 dias por semana).

Metodologia

Utilizou-se como metodologia a entrevista clínica (psico-diagnóstica), tendo-se recorrido ainda à aplicação do Inventário de Depressão de Beck.

Cada sujeito da amostra participou voluntariamente em três sessões, com a duração média de 1 hora. Na 1ª sessão foi efectuado o levantamento da história de vida, dando-se especial atenção aos elementos relacionados com o síndrome. Na 2ª sessão e uma vez criadas as condições de confiança e empatia, foi aplicado o Inventário de Depressão de Beck, complementado com o aprofundamento do seu relato de vida. Na 3ª sessão foi realizado um levantamento clínico nas vertentes da auto-estima, auto-conceito e imagem corporal.

Caracterização psicológica dos pacientes com fibromialgia

Concluiu-se que, pelo facto de os pacientes com fibromialgia terem sempre uma aparência

saudável (como diz o povo “boa cara”), por muito mal que se sintam, são muitas vezes

ignorados, vitimizados pelos médicos (e profissionais da Saúde, em geral), família e amigos

levando-os a duvidarem de si, a sentirem-se culpados e a serem atingidos na sua auto-estima, em

suma a deprimirem, sendo esta mais um sinal de que algo de errado se passa... algumas vezes

desencadeada com o intuito de chamar a atenção para si, como um pedido de socorro!

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Os pacientes com fibromialgia são indivíduos que se auto-impõem ritmos de trabalho intensos, e

prolongados no tempo, regra geral, muito altruístas e sempre prontos a ajudar quem mais precisa,

pelo que não é de estranhar que apesar de estarem, eventualmente, a sentir dor intensa e/ou um

cansaço extremo, sejam incapazes de dizer não! Mostrando-se (pré)dispostos a um esforço extra

quando este lhes é expressa (ou implicitamente) pedido/exigido.

Descuram a sua alimentação, chegando a tomar apenas uma refeição por dia e mesmo essa muito

frugal. Têm tendência a compensar a falta de alimento com a ingestão de café e “petiscando”

doces (um rebuçado, um bolo, um pacote de açúcar...). Raramente comem uma peça de fruta, os

vegetais são consumidos em quantidades ínfimas. Costumam adorar cozinhar e ter muito prazer

em ver os outros a comer... Algumas vezes o cheiro dos alimentos, ao serem cozinhados, são “a

gota de água” para criar a sensação de nojo.

Os ruídos e cheiros ambientes são amplificados, sucedendo, por exemplo, em épocas de crise

que o sujeito não se sente bem, podendo mesmo sofrer de quebras de tensão e desequilíbrios,

alterações de visão, quando se encontra em grandes superfícies (tais como hipermercados,

Centros Comerciais, etc.).

Durante grande parte da sua vida passam aos outros a imagem de serem infalíveis, verdadeiros,

super-homem/mulher (dormem pouco, têm horários intensos e longos de trabalho e, não

satisfeitos, acabam, por se envolver em muitas outras actividades extras; não raras vezes

desempenham mais de uma actividade profissional – acumulam horários e mais de um emprego).

No entanto, e sem aviso prévio, um dia a sua vida transforma-se num caos pois as suas

capacidades físicas e psicológicas levam-no a ter que abrandar, quando não a abandonar, para

sempre estes ritmos.

Apesar de todos os seus esforços os fibromiálgicos sentem, literalmente, na pele o não

reconhecimento do seu valor por parte das pessoas mais próximas (familiares, patrões,

conhecidos e amigos) e isso é o pior que lhes pode suceder pois isso tem consequências

imediatas, repercutindo-se em níveis de auto-estima muito baixos que têm tendência a ser

compensados (devido a esta sua fraqueza/insegurança) com uma necessidade desmesurada de

reconhecimento do seu valor, por parte dos outros; como este não lhes é feito a sua auto-estima

sofre ainda mais, a sua auto-imagem torna-se profundamente negativa, e o seu auto-conceito

sofre um profundo golpe (acabando por se desvalorizarem face aos outros e estarem numa

permanente dúvida quanto às suas capacidades) o que leva a estados de tristeza e depressão

profundos que se arrastam e prolongam no tempo.

O grau de depressão presente nos doentes fibromiálgicos varia de caso para caso, de acordo com

a estrutura de personalidade, representações que o sujeito tem sobre a saúde (mas também sobre

a doença) e forma como lidam com a mesma, podendo variar de depressão major ao simples

humor depressivo.

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Vivem rodeados de stress (físico ou psicológico) e este é-lhes profundamente prejudicial (aliás,

como o é em geral para o ser humano). Apresentam grande dificuldade em gerir/lidar com o

stress e, não raras vezes, têm ainda dificuldade em lidar com figuras de autoridade.

Sentem-se profundamente frustrados, incompreendidos ou mesmo "castrados".

Quando em acompanhamento psicológico apresentam grande dificuldade em verbalizar os seus

sentimentos. O que é perfeitamente normal até porque aprenderam, ao longo da vida, a calar o

seu sentir ! habituaram-se a receber dos outros a troça (são considerados fingidores,

hipocondríacos, mentirosos, preguiçosos, etc.; a sua doença é profundamente incompreendida),

gera-se à sua volta um ambiente de desconfiança, de dúvida e são frequentemente rotulados de

neuróticos e desequilibrados – o que agrava ainda mais toda a sintomatologia, podendo

desencadear graves crises que se prolongam no tempo.

Resultados

Os indivíduos acompanhados apresentaram níveis elevados de depressão.

Os níveis de auto-estima e auto-conceito são baixos e a imagem corporal é extremamente

distorcida, negativa, o que confirma a depressão.

Discussão dos resultados

Os sujeitos que participaram neste estudo vivem em depressão há já alguns anos, derivada da

incapacidade imposta pela doença, sendo, precisamente por isso, a depressão mais um sintoma

que causa da fibromialgia.

Apresentavam um profundo sentimento de incapacidade/impotência em lidar com as rotinas

diárias, o que os deixa ainda mais deprimidos, pelo que se provou ser altamente benéfico para

estes sujeitos da amostra (mas também para todos quantos sofrem deste síndrome) ser-lhes

proporcionado um acompanhamento multidisciplinar médico (técnicos da área da medicina,

psiquiatria, neurologia, reabilitação e Saúde em geral), dietético e psicológico.

O acompanhamento psicológico, deve sempre adoptar uma perspectiva da Psicologia Clínica

e/ou da Saúde, com forte componente de Educação para a Saúde, dada a necessidade de se

fornecer aos sujeitos os instrumentos de melhor lidar com a doença e toda a sintomatologia dela

decorrente. Por exemplo:

- ensiná-los a gerir o stress;

- levá-los a adoptar estilos de vida mais adequados à sua actual condição física;

- identificar e evitar/erradicar comportamentos de risco:

- implementar hábitos saudáveis de alimentação;

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- eliminar maus hábitos de consumo: cafeína, bebidas alcoólicas, dependência de medicamentos ou outras substâncias, tabaco;

- adoptar hábitos de sono mais saudáveis: estabelecer horários para deitar e levantar, que se cumprem; dormir pelo menos 8 a 9 horas;

- adoptar a prática de exercício físico moderado e adaptado: caminhar, andar de bicicleta, ginástica aeróbica.

Promovendo, deste modo, a Saúde e obtendo-se um maior bem estar e qualidade de vida as

quais têm, por sua vez, reflexo directo na auto-estima, auto-conceito e imagem corporal.

O doente com Fibromialgia costuma ainda beneficiar de algum alívio ao usufruir de tratamentos

das ditas medicinas alternativas (que devem ser encaradas como complementares, quando

praticadas por profissionais competentes e idóneos) tais como: massagem, acupunctura,

musicoterapia, aromaterapia, etc.

Não existem fórmulas mais eficazes nem gerais, tudo depende do doente e do seu caso

específico. O que é altamente benéfico para um pode ser profundamente prejudicial para outro.

Interessa, isso sim, não perder a esperança e manter o bom senso. Algumas vezes basta ouvir a

“voz do corpo” ou da consciência para se evitarem exageros e se viver melhor...

Em suma, o doente com Fibromialgia deve (re)aprender a viver (aceitando a sua

doença/incapacidade), a melhor (con)viver com uma doença crónica (que tem alguns, poucos,

momentos de alívio e grandes crises e sofrimento) mas, também, aprender a viver melhor

consigo (aceitando-se tal como é, com todas as virtudes e defeitos) e com os outros.

Aprender a dizer não! E a parar (sempre que necessário e se disso depende o seu bem estar e

saúde); a retirar prazer da vida e das pequenas vitórias que lentamente vai alcançando. Até que

seja capaz de atingir um estado de maior equilíbrio em que os sintomas lhe dão algumas

“tréguas”, permitindo-lhe fortalecer a sua esperança na vida, deixando de se lamentar. Aprender

a viver um dia de cada vez, como uma grande dádiva (casos há em que são, literalmente,

interpretados como um verdadeiro milagre).

Não esquecendo nunca que, por pior que seja a sua situação/condição há sempre pessoas que

vivem ou sobrevivem em piores condições...

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© Celeste Duque – 2008-04-05