Fontes e Modelos Do Direito - Por Miguel Reale

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    " " M ig u e l R e a le ""

    . " P a r a u m ' l1 o v o " p a ' t a d i g m a .: h e r m e h e u t i d c ) .

    .. ' ": ,

    " I: I I I ' : ; 1 .~ d i t o ra " ."'_SARAIVA< ., .

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    N d t u ' r e Z d " ' d O s , , ' M Q d ~ I Q $ ' J u r f : ( U C : Q ' s . " ' . ,No~ao de modelo j1.1ricli(!o

    Consoan~j~ notadq,o~ model()s jqri4icp~ ~~o~ma dasespecies demodelos 46 Direito, pois nestes se incluemtambemos modelos dogmaticos ou.h'ermeneutiG'os,cuJoconjlIIl.to formaa douirina ou.como dizia a,vigny,o Dkeito.ci(!ntifico.Emborao assunto comporte ulteriores'de~envolvimentos,podemos deixar desde.logo .assente, que,' 'a , stiIl~a:o~,ss~ncialentre modeloshermeneuttcos e modelos juridicos8' a naturezaprescritiua de!?tes,ouseja"a sua espedficae pre~isa,f4n~aoprat ica dereger, de maneira objet iva, atos futuros. Os modeloshermeneuticos.iao contraIio,embora referidos itpraxis social,naop~rdem seu.vies te6rico, e, pormaisrelevantes que sejamseus fundamentos, nao possuem a, qualidade.de obrigar alguema agir de conformidade comas suas.conclusoes,Finnado esse ponto,cumpreinsistirque; quando se falaem' modelo, na Epistemologia contemporanea, nao se pensaem urn prot6tipo ou modelo ideal, em tennos platonicos oumesmo wetberianos, mas sim em uma estrutura ou esquemaquecompendia sinteticamente as notas identificadoras ou dis-tintivas de, dado segmento da realidade, a fim de ter-se deleuma base segura de referencia no plano cientffico. Nessa l inha

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    de pcnsamento, 0 modelo juridico nao indica urn fim primor-dial e abstrato a ser atingido, mas sim 0 fim ou os fins concre-tos que se inserem no deuer-ser do Direito correspondente aurn dado complexo de regras objetivizadas ou formalizadas se-gundo as requisitos exigidos pelo ordenamento juridico paracada modalidade de fonte do direito.Nao se deve, com efeito, esquecer que a fonte legal, porexemplo, se apresenta segundo diversos graus de amplitude,!G O que se ref e re ao numero de normas que a compfiem ou aquantidade de seus destinatarios; bern como segundo distintosgraus ou niveis de validade, uma vez que nao se pode conceberI)ordenamento juridico - que, em ultima analise, correspondea urn macromodelo juridico - sem uma hierarquia de normas,sendo umas subordinantes e outras subordinadas na linha desua aplicacao e efetividade.Nao e demais lernbrar que a hierarquia, ou a ordem desubordinacao das fontes entre si - salvo quanto ao primado dafonte constitucional, que tern urn status jurfdico pr6prio - naoobedece a prindpios uniformes e universais, mas se vincula adistintas conjunturas historico-sociais, conforme se depreende,Garnoja foi notado, do confronto entre 0 sistema de origemromanfstica (au do Civil Law, como dizem as autores anglo-americanos), no qual predomina a {onte legislativa, eo siste-ma do Common Law, no qual prevalece a fonte costumeira-jurisprudencial para disciplina das relacoes privadas. Na In-glatsrra, alias, ao eontrario dos Estados Unidos da America,com sua Constituicao escrita, ate mesmo a ordem constitucio-nal orjgina-se fundamentalmente de usos e costumes, consubs-tanciados na praxe parlamentar e em seus statutes.Neste ou naquele caso, porern, os modelosjuridicos repre-sentam formas ou formas, permitam-me assim dizer, mas for-mas flexiveis au plasticas mediante as quais se ordena 0con-teudo das fontes do direito.Sendo os modelos juridicos formas de compreensao e atua-Iizacao do conteudo das fontes do direito, eles sao obviamentedotados da mesma [orca objetiva epositiua de obrigatoriedadeja atribuida as fontes, naose reduzindo, por conse,guinte, a

    meras express6es Imgtustioas, ou a simples formas tecnicas deconhecimento dasregras.jurfdicas, Esta.s constituemsefupreoobjeto doprocesso. hermeneutico, s6 que .saointerpreta;~gs en-quanta elementos componentes de urn mode.lo,cujaestruturae atualiza9fto pressupoem sempre referibilidaq~.aJtLtiJs.evalores. . . .. ... ........, ... +'.It poressas mesmas razoes que o.m()delojuJiqi~o ..p " ~ p emero modelo maternatico, muito emboraele PbssaS~r~'!3tu~a-.do em termos de L6gica deontica, ou L6gtcadodever:ser:~G:dn-soante ja assinalado, NewtonAfonso da Costa,r~conlie;cid"6il1-ternacionalmente como :o principal ipstaurad?faf(.Lqgica_paraconsistente, e sua equips tem reatiza.do releva.Iit~stra:ba"'lhos de formalizacao doDireito, levando einconta:tn.afsc:l~umadimensao, como ja foi feito com sucesso COIn iiTeotiaTridimensional do Direitc>.

    Modelagem da expeziencia juridicaAo converter 0 conterido da fonte do d,ireit()ero..modelosjuridicos, temos. uma estruturaque, em.virtudede projetar-sehistoricamente no tempo ate enquanto a fonte ,est~v~rem vi-g()l",se vincula a experiencia juri dica, 0bedecendo aSI11ll:ta,yoesfatico-valorativas quenesta se operam, E por tais motivosque,louvandb-me do que escrevo em Liccee Preliminares delJireito(Cap . .xv),I)Qsso afirmar que das fontes do direito r~El~lta,todauma trama ordenada de relacoes sociais que, eII?cvirt}.ldedasmatrizesde que se originam, sao .dotadas degarantiaespecifi-ca, 011 sancoes '. Opera-se," desse modo, atraves .da hist6ria, aprocessode "modelagem jurfdica" da realidade social, e rn vir-tude de sempre divers as erenovadas qualificacoes valorativasdos fatos.Onde ha norma ha sempre sancao, isto e , uma formade garantiaacrescentada a regra para assegurar 0 seuadimplemento, podendo haver tanto sancoes penais como.premiais, porquanto naoe apenas mediante a aplicacao de pe-

    14~Cf.n~ta4, supra.39

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    nas que se pode obter a atualizacao das norrnas jurfdicas, 0que nao ha sao modelos jurfdicos desprovidos de sancao. E arazao pela qual entendemos que as modelos de Direito, elabo-rados pela doutrina, nao sao "modelos juridicos" propriamenteditos, no sentido tecnico deste termo.Pais bern, a medida que a legislacao e a doutrina se de-senvolvem e ordenam os fatos, VaGsurgindo distintos modelosnormativos, correspondentes a divers as estruturas sociais ehist6ricas. No fundo, a hist6ria do Direito e a hist6ria de seusmodelos, de seus institutes, instituicoes e sistema de norrnas,em funcao das mutacoes sociais.a . termo modelo juridico foi par mim proposto em meulivro 0 Direito como Experiencia=, como complemento neces-

    sario a teoria das fontes de direito. 0 conceito de modelo, emtodas as especies de ciencias, nao obstante as suas naturaisvariacoes, esta sempre ligado a ideia de projeto, de planifica-I~ao16gica e a representacao simb6lica e antecipada dos resul-tados a serem alcaneados par meio de uma sequencia orden a-da de medidas ou prescricoes, Cada modelo expressa, pais, u~aordenacao l6gica de meios a fins, constituindo, ao mesmo tern-po, uma preordenacao 16gica, unitaria e sintetica de relacoessociais, Assim acontece, por exemplo, com a "modele arquiteto-nico", ou projeto, que antecipa econdiciona a construcao de Urn .ediffcio. Coisa analogs ocorre com os modelos mecanicos OU asmatematicos.

    Dessa exposicaoresulta que os modelosjurfdicos nao saomeras criacoes da mente, mas sim 0 resultado da ordenacaoracional do conteudo das normas 'reveladas ou forrnalizadaspelas fontes de direito, para atender aos caracteristicos de ua-lidade objetiva autimoma e de atualizacao prospectiva dessasmesmas norrnas.

    iI.(\.Antes jao fizera em comunicacao enviada aoCongresso Internacional de'Ftlosofia realizado em Viena, em 1968 (cf. nota 1,supra).4('

    A "modelagem" da experiencia juridica e feita, portanto,pelo jurista em contato direto com as relas:oes sociais, como afaz a sociologo, mas enquanto este se limita a descrever e ex-plicar as relacoes existentes entre as fates, emterrnosdeleiscausais au motivacionais, a jurista opera mediante regras ounormae produzidas segundo a processo correspondente a cadatipo de .fonte que espelha a solucao exigida par cada campo deinteresses ou valores. A bern ver, a compreensao de urn setorda experiencia juridica pode e deve valer-se do conteudo demais de uma fonte do direito, quando correlatas ou comple-mentares, de modo que a configuracao de urn modelo juridicoimplica a estudo dos distintos processos normativos.que, porsua natureza ou finalidade, exijam reductio ad unum, isto e,interpretacao e aplicacao conjuntas. Tal fato ocorre porque aordenamento juridico, conforrne ja salientado, nao e um ajun-tamento causal e contrastante de normas dispersas, mas, comoa pr6prio termo a indica, constitui-se como integracao normativacujos elementos se articulam racionalmente. Se a ordenamentojuridico nao tern a- graduacao 16gica atribuida par Kelsen aosistema do Direito nacional e Internacional, reconhece-se, ge-ralmente, que, em virlude de sua subsuncao a mesma ordemconstitucional, ele se constitui , tudo somado, como unidadecoerente e complementar, cujas lacunas e contradieoes e mis-ter superar.

    A unidade in fieri do ordenamento juridico como sera me-lhor explanado no Capitulo final deste livro, explica-se aindaem razao da ordem imanente a experiencia jurfdica, Sobre esteassunto, peco venia 'ao leitor para fazer tambem remissao asideias por mim expostas em 0 Direito como Experiencia-eNouaFase do.Direito Moderno, nos quais estudo a ordenamento ju-rfdico como urn processoabertode modelosjuridicos que, tudosomado, se complementam'",1G.Vuie, especialmente, Cap. X, infra, pags, 105e segs. deste livro, e JOAOBAPTISTA MQREIRA, Um Estudo sobre a 'Thoriados Modelos Jurtdicos de. Miguel Reale, Sao Paulo, Resenha Universitaria, 1977, pags. 55 e segs.

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    Modelos da Filosofia do Direito emodelosdoDireito

    17. Le:inbroessas datas porque urn carnentarista 'italianc nao vacilou em.afirmar queminha tese era reflexo dadeDI ROBlLANT, que,camo se vera,alemde ter escapo campletamente diverso, fai publicadaposteriormente aminha citada cornunicacao. . . '.42

    soh a forma de estruturas-normativas. cogentes; ism e , comomcdelos.jurtdicos inseparaYeiwdarealirladesQc:ia,l,(lo .:Direito.Situada a ques~i:iQ~n(jplaq.pd~jndaga'tgeSjoquesobrele.

    vano Iivro de .Di.Robilant; ~ > a cQinpre!nsaodo termomodeloCO~O '~esqueIllac9gnosci.tiv:oj ...Apresenta.elequatro tiposdes.,seesquema ..Num::1,prip:1ejI'aac.!pc;~(),onsoante se-da nadoutrina de HerlJert .Ian, 9D ,19. q. g~o;!. Pgei.(l9P:lpr';Wq~epla ,:queprocur~ repJ:odu2\i~,.n,as~~as,iiph~,ess,~l)ciais,e,deJg:r;1lla.com"pacta, algo que pertence a .experi~nc.ia~,.99n~Ht~iIl.49.":~P;~~ti'-va de,iIlteirar-s! ,qeumarealidade .social.deIl1()qo.isirit~HCQ".Obserya~,~.e,.llb:Os~jIA,4 9 ~ "~~~q~an~ . i~p;~1~.t(/f4~,,'r,mQ4e~.lodev! ~er fi~lhreali4.a

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    Ora, nao obstante a relevancia desseestudo no plano daGnoseologia Juridica, ha um problema diverse e nao menosrelevante, por mim focalizado, que diz respeito, nao a criteriosde explicacao e aferi~ao de formas decompreensao filosofico-jurfdicas; mas sim relativamente aos modelos da Ciencia doDireito, como estruturas normativasmedianteas quais epos -sivel ter uma visao cientffico-positiva daexperienciajurfdicaem seus multiples aspectos, desde asrelacoes deordem priva-d.aas de ordem publica.. E claro que, ao cornpreender a experienciajurfdica em ter-mos de modelos, 0 pesquisador se vale de seu podercriadorouinstituidor de formas compreensivas do real, mas estas naosao concebidas como simples "elementos taticos" de compreen-sao, n_emcomo "meras reproducoes sinteticas e compactas doreal"; os modelos sao captados e revelados na imanencia mes-ma do processo experiencial. Trata-se, em suma, d~ algodeque 0 pesquisador toma ciencia em direto cantata com areali-d.adejuridica, numa correlacao sincronica entre 0significante.e a significado. Dir-se-ia que surgem uno in actu a' percepcaoda est~tura normativa da experiencia jurfdica e a sua repre-sentacao e formulacao como modelo juridico, podendo-se lem-brar a licao de Giambatista Vico de que "uerum. acfactumconoertuntur".

    Alias, 0proprio Di Robilant reconhece que, quando setra-ta de modelo, a reproducao do real nao se confunde com a suasimples descricao, pois "0 que distingue urn ~odelo "da meradescricao e , propriamente,o fatode por em evidencia a estru-tura de urn fennmeno, operando uma selecao en.treos elemen-tos que compoem 0 mesmo fenomeno, de modo a apresentardele um esquema, eo fato de serconstruido em funcao.de de-terminado fim, do qual derivaa sua valoraeao em termos de-utilidade cientifica" (pag, 90). . .

    Se e assim, nao compreendo como possa 0modelo consti-tuir "uma sintese e uma construcao artificial (sic), no sentidode que apresenta algo que, naqu-=:laforma, nao existe nareali-44

    dade'\nem tampoucoque seja apenas "uma tentativa de en-quadrat u.IIlfenoInenoda realidade socialem uma figura uni-taria,segund6 categorifise qualificacoes .que nao se encontramcomo tais no fenomsno rsproduzido" (pag, 90).

    Concre~aodos:modelosjur:idic()SOra, mesn1.()o s mo de l os f f si co s' n a o S a o concebidos tal comose observam na realidadenatural- visto como as Ieiscientffi-cass;bsetrtpre cria~Oes da mente hum ana=, mas 0cientista,porassim dizer, extrai eriadoramente do teal os modelos que

    correspimdem,enao podemdeixar decorrespoTider;ao real qUatale. Bern mais acentuadamente do que ocorre nomundo cul-turalem geral, como se dacom. osmodeloseconemicrs; lingiiis-ticos e aitisticosrnomundo jurfdico constitueni-seformas obri-gatoriasde comportamento que 0 espiritohurtU:lIiO capta eex-press-a como estruturasou categorias normativas, quenao seconfundem com a realidadeem si, mas tambem naopodem setreveladas'comabstra~a() dela, e daquiloque, porassini dizer,nelaja se ancontram in nuce. .' ". ..Somente desse modo os modelos juridicos deixaIIl de sermeros esquemas cognoscitivos, para valerem como elementosconstitutiiJos da propria sxperiencia juridica, tal como e exigi-do pela visao concreta do Direito como experienc~a.

    De resto, cumpre esclarecer 0equivoco de afirmar-se queOS modelosnao cortespondem a realidadec.sendo uma "cons-truc;ao artificial". Uma afirmacao dessa natureza prende-se auma.visao naturalistabufisicalista da realidade, coni olvidode tudoque nosensina a teoria dos objetos, revelando as rmil-tiplas .formasassumidaspelo reaL ..'. .. . N" i r ig i I e .m afirma.q\leqsmodelos juridicos sejam Ellemen-tosc(II~lPonen,tesda realidade social, oncontrando-se nesta comtodas as stlasca1;egori~se qualificacoes, mas nem por isso dei-

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    xam eles de ser realidades culturais, constitllfq,a PEllopesqui-sador de conformidade com aquela construr;ji:o que com.areali-~ade se conforme de mansira objetiva e necessaria.Voltarei a .este tema. .. .' .

    De acordo com a teoria dos objetos, revigorada por FranzBrentano e potenciada por Edmund Husserle seus continua-dores, a realidadee bsmmais cornplexado que a apresentadapelos que a reduzem apenas a objetos fisicos ou psfquicos istoel, aquilo que naturalmente se apresentaa sensibilidade e apercepcao.Grande passo foi dado quando se reconheceu a "realidadedos objetos ideais"como os 16gicosou os matematicos. P~de;s~divergir quanto a sua g~nese que, segundo Piaget, se pr.end~sempre a fenomenos psfquicos, os quais, a seu ver, em dad.omomento se convertem em alga de ''validade emsi't.rnas 0que,hoje em dia, nao se contesta e que tais expressoesdeidealidade,como formas em si do pensamento, ou seja, objetos ideais,saotao "reais" como os objetos ffsicos e psfquicos, tanto assim quesao objetos de nossas proposicoes e .calculos. Tudo.depende desaber de que "realidade" ou "entificaeao" se trata. .

    Outre passo relevante ocorreu quando. indo-se alem domundo do Ser, au do Sein, se reconheceu a "realidade" dos ua -lores,das estimativas que se poem no'plano do deuer ser au doSollen, Modestia a parte, pensoter contribufdo.a.firmar. a au-tonomia daAxiologia ou Teoria dos Valores, quando fiz ver (em_'bora se teime em nao querer ver.algo propostono TerceiroMundo ... ) que os valores nao sao objetos ideais (expressoes domundo do Sein) mas constituem uma esfera pr6pria de obje-tos, ados objetos que devem ser, nomundo do Sollen, tirandoassim uma conclusao de certo modo implfcitanadistincaoes-sencial de Kant entre 0 que e e a que deveser.Pais bern, essa compreensao quadrupla dos objet6s (ffsi-ens, psfquicos, ideais e valores) auxilia-nos a terrnais claroentendimento dos objetos culturais, como os artfsticos.oseco-nomicos, os jurfdicos, as cientfficos etc., as quaissaoenquanto

    devern ser, .como penso ter demonstrado .com argumentos quenaoteria sentido reproduzir nestaspaglnas.mas que consti-tuem parte substancial de meu pensamento.Pedindo, pois, vema' ao leitor para remets-lo ao que escre-vi alhures'P, podemos concluir que os modelosjurfdicos, longede serem arbitrarias OU artificiais construcoes da mente, sur-gem e se poemcomo tealidadesouobjetos culturai, estrutu- :ras normativas tfpicascom que 0 pesquisador representa e sin....tetiza distintos aspectos da experiencia juridica, enifuilyao: dasfontes de que promanam, e em razaodos fins que visam aatin-gil: ' navida comunitaria, '

    Modelos jurfdicos e sfmbolosResta ainda examinar urn aspecto de grande interesse,que e saber se os modelos juridicos podem ser.reduzidos a sfm-bolos. Enquanto representacdes sintaticas de dado. campo daaxperiencia social, osmodelosjuridicosapresentam algodesiIn-bolico, mas seriagrave errodar realce a esse aspactoem detri-menta de outros bemmais relevantes, que dizemrespeito afmalidade que lhes e inerente como estruturas normativas des-tinadas areger e preservar atos futuros, tendo em vista a rea-lizacao dos valores pertinentes ao campo de acao por elesabran-gido. '.Demaisamais, nem todas as virtualidades do "sfmbolo"sao aplicaveis aos mcdelosjuridicos. 0 ensaista ecientista Mil-ton Vargas, do Instituto Brasileiro de Filosofia, commuita pre-

    cisao escreve: "Em termos objetivos diz-se que 0 simbolo temquatro funcoes principais. A primeira e a fun~'ao dsnotativa,pela qual ele refere-se diretamente 'a coisa; a segunda e aconotativa, pela qual alude a tudo que, de algumaforma.asso,-cia-se a coisa denotada; a terceira e a evocativa, com a qualfae18. Sobre a Teoria dos Objetos, v.MIGUEL REALE, Introdw;do a . Filosofia,cit., 3~ ed., 68 usque 77; Filosofia do Direito, 15" ed., cit" 76-84, eExperiencia e Cultura, Sao Paulo, 1977, Cap. Iv,pags. 87 usque 105, Cap.. VI, pags. 137 usque 15~, Cap.VII, pags. 171ueque 188 e passim.

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    surgir algo ausente; e aultimae a emotiva, pela qual desper-ta, em quem 0percebe, emo~ao quer artistica, quer sentimen-tal" 19. . . -. . ". ....Ora, it vista da correlacao essencial existente entre a ex-perieneia jurfdicae seus distintos modelos jurfdicos, jamaisestes poderiam ter mero sentido evocativo de algo ausente, comoacontece na poesia, devendo imprescindivelmente denotar .econotar 0 campo de relacoes sociais das quais emerge atravesde urn processo de racionalizaeao objetiva .Donde nao pode-rem tambem exercer.uma funeao emotiva: a racionalidade t istoe, a formulacao de juizos ou proposieoes Iogicas, e inseparavel.do conceito de modele jurfdico, que e sempre urn ente racional,embora na~ seja simples "ente de razao" ou da mente humana,Deve-se, em suma.ireconhecer que haum sentido prospec-tivo ou vetorial em todo modele juridico, pois, como vimos, estee sempre de natureza normativa, etoda norma e emanada parareger atos ou acontecimentos futuros. .Isto posto, parece-me ja poder completar a noc;ao inicialde modelo juridico, apresentando-o como "estrutura normativade atos e fatoe pertinentes unitariamente a dado campo da ex-perisncia social, prescreuendo a atualizadio racional e garan-tida dos valores que lhes siio proprios".. 'Nos tennos da teoria tridimensional doDireito, pode-se,analiticamente, esclarecer que a estrutura de urn modelo juri-dico pressupoe:

    a) dado campo de atos ou fatos da experiencia social;b) uma'ordena~lio normativa racionalmente garantida;c) 0 proposito de realizar valores ou impedir desvalores,.de conformidade com a natureza de cada porc;ao de rea-lidade objeto da investigaeao cientffica,Como se ve, as modelos juridicos sao instrumentos de vidasegundo pressupostos e. categorias que apesquisa cientffica

    elabora em func;ao de cada domfnio da realidade social. numacompreensao unitaria.

    19. Reuista de Poesia e Crttica, An o XVII, D. 17; pag..8.48

    ..{JmproblelDad.~PoUticado Direito.Para plena compreensaod.aIl:aturez~dCis'Inodel(l~juridi,.

    cos..nad~Il1el~or ..o.q.ue,o~:3~lld?,d~..,+a,g~R~s.e~.qg~~:9n.~ribuipatadesia.iera:jd~la a~';umri:,constni9iio;aItificifil~' como se setratassede-meros-produtds.da mente;O;tecnisUlojuridico terndebaldeptocufadOredtizirhI>irei~(fa,.ull1'"siste~a'.di..riomastecnicas"~' concebidas comosimpl:~rilistrllIltentos'Mticos deinstauta9aoe salvaguarda dosobjetivos que' se' Mill 'e m vistate'aIlza'r, atenderidoa.dIiteresseseticos, economicos, politicosetc> .

    : Deconformidade com ojaexposto, creio que ficou esclare-ddoqrteofrmodelosjuridicos, por mais que impliquem a parti-cipa.c{6riadora e ordenadora da inteligencia, compondo sin-teticamenteem unidade estrutural elementos multiples e naora:to.diSpetso~daexperiencia,nunca deixam de ser mementosdd'experiencidjitrtdicarnesma, enquanto expressoea domun-do da cultura;: ..Na6;sepod~;em:,suina,configl.rrar.os.mQdelosjuridicoscomo'Ientes.atraves'dasquaisse observao mundoda.condutahumaIi&;:.massint:coino"estruturas:quesurgeinEf'se',{!laboram

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    no contexte mesmo da experiencia, como objetos historico-cul-turais que sao.E a razao pela qual a formacao dos model osjuridicos est asujeita as variegadas vicissitudes pr6prias das relacoes de todasorte emjogo entre os individuos e os grupos que ora se conci-Ham ora se confl itam na sociedade.Nao se pode dizer que em qualquer processo legislativohaja sempre uma carga de irracionalidade, de pretensoes epressoes oriundas de inqualificaveis interesses, sendo maisplausivel admitir-se a hip6tese freqiiente de leis originadas delegitimos .interesses, gracas a uma tramitaeao parlamentarobjet iva. e isenta, na qual , alem de serem cumpridos os requisi-tos formais, tenham sido consultados e atendidos osreais inte-resses da coletividade. Em tal caso exemplar, 0 processolegislativo se desenvolveria em perfeita linearida.de racional,sem sequer haver necessidade de emendas ou substitutivosapresentados ao projeto original.Nao ignoro, todavia, que essa hip6tese nem sempre pre-valece na vida parlamentar, onde predomina cada vez maiscontraste de interesses, alguns ideo16gicos e outros de cliente-la, quando nao sao fruto de reprovaveis ambicoes pessoais oude mel-as vaidades.Nao cabe, por certo.a Ciencia do Direito como tal 0estudodesse ass unto, 0qual se situa por inteiro no ambito da Politicado Direi to, denominacao atual da antiga 'Ieoria da Legislacao,na qual se projetaram magnificos ensinamentos como os deBentham ou de Filangieri.A Politica do Direito e uma discipli-na cientificaque serve de mediacao entre a Ciencia Polftica ea Ciencia do Direito.

    Com razao se afinna que nenhum projeto ou plano politi-co se realiza plenamente se ele nao se transforma em lei. Numaditadura, e sobretudo num Estado totalitario, a vontade dochefeou dos Hderes polfticos tern forea de lei, de tal modo que nao hanecessidade de lima ciencia intercalada entre 0 poder politicoeo processo legislativo ..Numa democracia, ao contrario, as leis50

    sao 0 resultado final de u r n proeesso quecome.;acom oestudode determinado campo de' interessesqueesteja redam:andd 'aformulacao de modelos 'jurfdicos adequados 'a Se Ufl ' objetivos,provocando, em cascata, uma serie de projetos de lei~tini dosquais podera set convertido em preceito legal. .

    A verificacao da Iegitimidade :dos iuteresses emj6Oim.wplica multiples estudos de ordem etica,. econcmica; fiiiilircei:ra;sociol6gica etc., num complexo de pesquisas quecbhsti"tili;()objeto da PoIi tica do Direito, ciencia globalizante e sili teticapor sua. propria natureza. Funcao daPolitica do.Direito e .~analise de todosos' elementos e fatores quejustifidl:Il1:elegiti':mam a ' conversao em .lei"decertas pret"eftsoes p'ot it icds'fE' C l a r oque aPolftica do Direito nao se resume r ia elab6r~:~iihd9'pr6~cesso legislativo, mas este e 0 seu instn:imentOde.l:t~~oIlor ex-celencia.

    ; , _ . . . ; . : ' " " , - " .. " _ , : . . ;_, - - ... .. - .A decisao do poder no processo Jllrilg~noNas sociedades abertas e de marcado sentido pluralista.a

    objstivizacao, ouseja, a .transformacao de pretensoesdeor ..dempolitica, na acepcao maisampla deste termo,E~m modelosjuridicos, sempre dotados de validade prescritiva. Ate certoponto,. toda pretensao politica tende a acabar em proposta delei, a qual, no mais das vezes, representa 0 resultado deumacomposicao devalores e interesses.E 0 motive pelo qual torna-se mdispensavel estudar asrazoes e 0 processo mediante os quais os modelos jurfdicos sao'elaborados, ao prevalecer uma determinada diretrizsobre. asdemais, recebendo a aprovaeao e a sancao do Podercompeten-te, federal, estadual, oumunicipal.. . ." ......-

    No meu livro 0 Direito como Experiencia dadicoespecialatencao a esse problema, mostrando, a luz de ilustrativas in-vastigacfies de sociologos e politiC6logos, como 0 nascimento

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    das leis pode ocorrer como resultado de urnjogo de atos contra-dit6rios u deimpulsosa-racionais, tornandoimpossivel qual-quer previsao quanto it formulacao e promulgacao finais deurn projeto de lei. .Pois bern, 0 homem, pO:rsua pr6pria natureza, .nao.podepermanecer .indefinidamente num estado de incerteza=- porser a duvida tanto um mal logicoquanto existencial e, por issomesmo, paradoxalmente, poderosa fonte inst igadora na busca

    da verdade - mister e que, em urn certo memento, uma opcaoseja feita pordeterminada via, e haja escolha de u r n projeto delei, em detrimento dos demaia. E momento decisive do fiatlex, da decisao em virtude da qual uma das propostaslegislati-vas se converte em lei. . . .. .

    Debaide os que se arreceiam da Gorgona do Poder ternprocurado lobrigar ou conceber processos de auto-revelacao doDireito como consequencia de urn processo social imanente,ora guiado por sugestivas forcas intuitivas, ora por rebuscadossort ilegios da chamada "razao comunicativa" ..

    Naoobstanteessas tentativasrom.anticasde urn Direi togeradosem as impurezas do poder, geralmente associado amargem da forca bruta, prevalece 0 entendimento de que agenese dos modelos jundicos naopode prescindir do poder, en-teridido como inevitavel participacao de uma decisiio que poetermo a incerteza essencial ao fecho do processo nomogenetico,no pressuposto de ser essa a via mais adequada aos imperati-vos do bern publico.Nao creio que sera demais reproduzir, .nestas paginas, o.grafico com que procure ilustrar a genese das normas jurfdi-cas, valendo-me das diretrizes da teoria tridimensionaldo di-rei to, apresentando os valorescomo raios luminosos queincidem sobre urn complexo factual, refragindo-se em um 1e-que de normas possioeie, uma das quaisseconverte.em norma

    legal, gracasa Interferencia opcional do Poder. Eis a figura:

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    .ESTRUTURA DANOMOGENESEJURIDlCA .

    o exame dsssafiguraraplicavel it genesedetodo modelojucldico,qualquerque seja a fonte de que promana, suscitauma serie de problemas, 0 primeiro dos quaisdiz respeito it .natureza da decisao do Poder (P)que interfere tao decisiva-mente no processo normative,

    Progressiva despersonalfzaeao dopoderT~rnpo ja houve ern que 0 poder se vinculava Intima-e'indissoluvelmente itpessoade seu detent or,sobretudo ate quan-do preponderoua teoria da origem divina da autoridade dos

    reis, Ali

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    desde suasmisteriosas'origens, as quaisss confundemcom. ahist6ria do pr6prio Direito, quando as normas deste ainda naose distinguiam das religiosas. A Antropologiajuridica revela-ra aspectos surpreendentes das {antes do direito no perfodoar-caico. Em Li~oes Preliminares de Direito lembro alguns carac-teristicos do Direito arcaico, quando 0poder se revestia de for-ca mitica, fato este que projeta nas diversas tentativas del~~timayao da autoridade .monarquicagraeas a sua origemdivina, Em plenoseculoXvTl ainda se atribuia aos reis miste-rioso poder de curar pelo simples toque deseus dedos'",A hist6ria do.Direito assinala, porem, nito somente a se-cularizacao mas tambem a despersonalizaeao progressiva dopoder, a comeear pela denominaeao mesma dos corpos legislati-vos, que deixaram de s~r "Ordenacoss" manuelina au filipina,c?nforme 0nome do rei que a outorgava, para serem, pura esunplesmente, Orderuiciies, sem referencia a sua fonte emana-dora, muitoembora ainda se conservasse a ideia essericialdaregra do direito como lima ordem. ou comando. .

    Absor~aodo poder pela regra de direito. Um segundo momento de desperscnalizaeao d6pod~~ da-se quando 0 conceito de norma se desvencilha do significadoantropom6rfico de comando, ordem. ou imperatioo, para pas-sar a expressar tao-somenta uma configuraqao transpessoala~onima e obrigat6ria de certotipo de conduta ou decompeten:

    CWo Por outras palavras, a regra juridica vale em si e -deper siencapsr:lando e englobando em sio ato decisorio do poder, au,como .dizem outros, da vontade da vida comunitaria.20. ?f.op. cit., pags, 143 usque 148~Cf. HENRIDEC :UG IS , Les Etap~s duDroit des Origenes a nos Hours, Paris, 1946. Adrniravel e a obra de MARCBLOCH, O~Reie . 'll iu~turgOS - 0 Cartiter Sobrenaturaldo Poder IJ,egio,tradcleJ~ha Mamarti ,_SaoPaulo, 1993. Sobre a Direito arcaico, v. PAULODOVRAI)ODEGlJS:MAO,lnt1'C!du~aoao Estudodo Direito, 16l!ed., 19113,pags, 157 e segs. . . . .... . .54

    o paradoxal e impressionante eque a norma iuris naosurge sem a interferencia do poder, maanaosubsiatirla emtoda a sua objetioidade elegitimidade se naOuengolisse", porassim dizer, 0 poder, no ato mesmo em que este apoein esse.Caso contrario, o.poder, ao invas de ser urn fator de ordem,seria de desordem: ficaria interferindo, indevida e indefinida-mente, perturbando a aplicacao da regra de direito. Daf.a.rre ..cessidadedeque seu "querer" se converta em "querer darnorrna". Da-se urn fenomeno equivalente ao que ocorrenonasci-mento de certos insetos.como 0 caranguejo, cuja remeadevorao macho tao.logo por ele fecundada ...Nahistoria do processocultural.mao ha, em verdade.fatomais intrigante de que esse da regra dedireitoque nasce.gra-cas ao poder, e somente subsistese 0 deuer-ser dopoderseincorpora na estrutura da norma, 0 que demonstraa.sem-ra-zao de ser do decisionismo que s6 da valor ao ato de decidir,erradicando-o no processo em que a decisao e tomada.Note-se que, por longo tempo, mesmodepoisdeconstitui-do.o Estadode Direito- 0 qualse poderia considerar.sob esseangulo, 0Estado no qual 0Direito nao se reduz as decisces dopoder - aindase continuou, por forca deinercia.a dizer que "alei deve serinterpretada segundo a intendio do legislador". .Ora, essa paremia s6 tern algumsentidologoap6s a.pro-mulgaeao daIei, quando ainda vivo 0 sentido do deuer'-:;erquedeterminou a conversao do projeto de lei em lei, mas, poucodepois, passa a nao ter significacao alguma, redundando numabusca impossfvel, absurda, da intencao d e urn legislador, comoo do C6digo de Comercio de 1850 au do C6digo Civil de 1916. ..Donde sedeve concluir que 0poder.su Estado de Direito,e urn {ato (urn ato decis6rio qualificado, em virtude e em razaoda competencia do orgao legitimo que decide) inserido ouenucleado num complexo factico-axiologico, fato este queaca-ba subsumindo-se a norma, a que da lugar e explica 0"sentidode ualidade e eficacia" com que a norma surge..A essegrandetema. dediqueium estudo intitulado "0 Po-der na Democracia" (Direitoe poder e sua correlacao) 0 qualconstituio XIII Ensaio constante de meu livro Pluraiismo e

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    Liberdade, que e.de 1963. As conclusoes dessa pesqnlsatoremaceitas por Norberto Bobbio'".. Ap6s aturada analise de varies aspectos do assu~to- a qualpeco venia para remeter 0 leiter -, concIuo pela verificaeao da"progreesioa jurisfar;iio do poder", ou sua "progress iva institu-:cionalizactio objetioa", com sua ((despersonalizar;ao e transperso-

    nalieaciio", ate se apresentar soh a forma essencial de um atodecisorioobjetiuoe transpessoal: "em poderescolher, para ou-:trem, escrevo eu, consiste a nota distintiva e eminente dopoder",.Nesse sentido acrescento: "Na impossibilidade de uma clas-sificacao de fatores, pelo menos no estadoatual das pesquisas,bastara concluir, embora a titulo provis6rio, que a analise his-torica e sociol6gica nosmostra, se nao como realidadeatual, aomenos como linha de desenvolvimento potencial, que' 0 poderten de cada vez mais: . .

    a) a ser a expressao de uma ideia de direito, quer emcir-culos associativos, quer no ambito dos Estados nacio-.nais ou na comunitas gentium; .

    b) a ser cada vez mais objet ivo, despersonalizado e trans-pessoaI; ..c) a ser a expressao da integracao progressivado cfrculos. sociais, com a concomitants garantia de campos auto-nomos de ac;:aopara os indivfduos e os grupos; .:d) aser cada vez mais fundado no consentimento dos go-vernados, como expressao das liberdades que se' com-poem em unidade22

    Racionalidade e heteronomiao fato fundamental de 0 "dever-ser dopoder"acabar sen-do absorvido pelo modelo jurfdico tern duas relevantes conse-

    21. Op. cit., pags, 207 usque 235. Esse trabalho roi publicado antes nos Esb-dos Unidos da America sob a titulo "Law, Power' and their Correlations"inserto no volume Essays in Honor ofRoscoe Pound, cit., pags, 238 e segs. '22. Gp. cit., pags, 215 e 231. . .56

    quenciag,.Aprillleira . 6 , . qUE!0 processo normativo, filtra, por .as-si~dizE!r, as.impurezase contra,di~oes ..do.poderxconvertendo-oem uni esquema impessoal e certo de comportamentos obri-gat6rios, nos. limitesde determinadas competencias.osendodesse modo superadoo arbitrio. '. r. . '.'. Umavez s~ncionada; COIn efeito, a nOI'majurfdl(!8, ....a.qual,mesm() ..quando. nao constitui. ltm.ll1odelo.jru;idic()tac~ha, ngmais ..das .vezes; por. ~~compor ~ q m optras .n0l"IIla:sEfll l~~()rPara_iIl90rpOrar-sea modelos jl,l,ridicosj a ~xist,~ntes ~ce~$.aa_C()n1ilet,i~i ioqyemarcaya. 0 , con.flito .eIl.tl'e.projet()SIl9rm~;ttiyg$eIIlcop.tr.a.st.~, para prevalecer urn ..de1es,.sendo objetq qesaIl.-~ao,cl.E!()rm~ .heteron{}gJ.aE!ra.cional,' .' . .... '.. . ..' .Um. dos. aspectos mais nQtavei~'da n.om()g~Ilesej~d~~~. exatame.nt(lesse dosuperamentodas (!ontradi~oesa$yezef)h'-r~cion~isou a-racionais que precederalll a elapora~ao dO'rri9-delo jtiridico,como advento deste como urn ente racional, qlle

    dev~serobjetode interpretacao e aplicaeao aluz deexigencifisda razao,setnas pabroes que porventura hajam tisnado a suaforma..g&o. . ' .. .' Nunca sera demais atentar para 0 imperativo de raciona-lidadeque .'assinala a revelacao de urn modelo juridico, comoelemelltoessencial do Direito, 0 qual nao podeserconcebidocientifitamentea nao sercomo Iucidue ordo, um ordenamentoIogicamente coerente, nao obstante8uasineVit~veislac1inasecontradic;:oes, como a sell, tempo seraestudado. . ....Poroutro lado, 0 modelo juridico vale de per si, de confer-midade com 0 querer (tornado este termo.em seusentidologi-co) que el~ incorporou, passando"g 'representar impessoaJinen-teeobjetivamente 0 poder, sern qrialquer resqufcio de antropo-morfismo,.Avalidade e a eficacia do modelo jurfdico saoconsequen-cias do ato sancionatorio, de tal modoqueambas, em suacor-rela~aoessencial,Inarcama positividade do Direito. Positivase diz uma norma jurfdica quandoela de per si possui validadee eficacia, de maneira heteronoma e impessoal, isto e , tao-so-mente emrazao daforca que.Ihee.propria..o que.evidente-. mente.nao excluique essa vis prescritivanao sesubordine a

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    modelosjuridicos mais amplos, no seio de ordenamento jurtdi-co, no qual se situe como resultado dagraduattao da positioidadejuridica/",

    Dir-se-a que, apesar da despersonalizacao do poder, estese faz presente no sentido volitivo da regrade direito- 0 quelevou Rudolf Stammler a conceber 0 Direito como uma 'formade querer entrelacante'w - mas tudo esta em saber distinguir(e Stammler muito contribuiu para 0 esclarecimento do assun-to) entre 0 termo "querer" em acepeao psicologica eem acepeaologica. De inicio,por. se originar de atos volitivos,o modelejuridicorepresenta uma "forma de querer", mas, quanto maiso tempo passa, mais ele se converte em esquema vetorial de"dever ser", Verifica-se, em suma, uma passagsm do planoexplicativo do "querer psicol6gico" parao plano compreensivodo "querer normative", Como penso ter demonstrado, em di-versas passagens de meus livros, nao se passa do mundo doSein ao mundo do Sollen a nao ser em virtude da mediaeao deurn valor: no caso em apreco, 0 querer originario, inerente dopoder, e superado pelo valor de conteudo do querer transferidopara 0modelo.

    Visualizando essa questao soh 0 prisma stammleriannpoder-se-ia dizer que a valoracao etica do querer, como fatopsiquico, converte-o em "querer normativo", istoe, numenlacelogico dotado de sentido, valido de maneira heteronoma, pois aheteronomia nao significa senao a capacidade de fazer valeralgo para outrem.. Ora, a validade heter6noma dos modelos juridicos querdizer que eles sao prescritivos, ou seia, enunciadores de algop_ostol!ara = : de mod? uinculante, 0 que, consoante ja sa-lientai, e sera melhor analisado a seu tempo, nao ocorre com osrnodelos juridicos hermeneuticos, os quais nao tern forca paraobrigar, a nao ser gracas ao seu poder de conviccao que se poena esfera te6rica e nao na juridica.23. Vlde, sobre f : ' - materia, 0 exposto, infra, nos Caps. VIII e IX.24. Cf. MIGUEL REALE, Filosofia do Direita, cit ., 15! ed. , Cap. XXIII .58

    Quando declare, pois, que os.model osjuridicos siiOlprescri-tivos,tal afirmacao e feita no plano I6gico-expressional, supe-rada toda e qualquer conotaeao naturalista de ordemvolit iva.' Ibda prescricao importa uma "declaracao de sentido" visandoa que seja admitido algo como .jurfdicoou antijuridico, 0 quedemonstra quanta razao assistia a Hans Keisen ao abrir 0cam-po doj uridico nele inserindo tanto 0icito quanto 0. ilfcito. Pen-so que otermo prescriciio e 0que melhor atende.a vis heterono-rna dos modelos juridicos, com a vantagemde ser aplicaveltanto no plano da Teoria Geral do Direito como no planodaLogicaDeontica",Vimos que eprescriciio resulta do poder decisorio.quesan-ciona uma norma juridica, podendo esta outorgar algo (umapretensiio ou uma obrigadio, do mais amplo.espectro, desde 0Direito Publico ao Privado) a favor ou contra alguern, ouresol-ver-se em mera atributividade. Donde 0 surgimento de multi-plas situacoes jurfdicas, como afacultas agendi e, maisampla-mente, 0direito subjetioo, com 0 correlato dever derespeitar 0direito alheio, impedir que sobrevenha algum dana a si ou aoutrem, e respeito a uma competenciaoutorgada, com garan-tia de seu exercicio etc.Aprescrir;ao da, pois, Iugar a multiplas formas de preten-soes e de exigibilidade, 0 que pressupoe a existencia de urnagarantia, sobranceira tanto ao direi to que se pretende quantoao dever a ser cumprido. Costumo, por isso, dizer que as nor-mas juridicas e, .por conseguinte, os rnodelos jurfdicos sao do-tados de coacao.: Sao, porem, aIites coerciveis, suscetfveis delegitimar a interferencia coercitiva do Estado,Por mais que se tenhaprevencao contra a participacaocoercitiva do Estado na ordem juridica, parece-me que semcoercibilidade nao se realiza 0 Direito como autonoma formade vida, nem elepode ser distinto das regras morais ouconsue-tudinarias. A coaciio virtual, consequencia inevitavel da pres-cricao, e elemento QU criterio distintivo da experienciajurfdi-25. c r. TERCIO SAMPAIO F E R R A Z JUNIOR, Thoria da Norma JurCdica,Riode Janeiro, 1978, pags, 54 e seg.

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    ca, como penso ter demonstrado no Capitulo XLIV deminhaFilosofia do Direito, intitulado "Coercitividade e Coercibilidade".

    Legitimidade dos modelos juridicosOutra questao suscitada pelo estudo da nomogenese juri-dica e a da legitimidade dos modelos juridicos .enquanto entesracionais conclusivos que pressupoem 0 superamento de im-purezas a-racionaise ate mesmo irracionais do poder.o problema da legitimidade do Direito tern sido objeto,ultimamente, de amplos e profundos estudos, tanto no estran-. geiro como no Brasil, bastando lembrar que a esse fascinantetema foi dedicado, em grande parte, 0 III Congresso Brasileirode Filosofia do Direito realizado em 1988, em Joao Pessoa, sobos auspicios do entao Governador da Parafba, ojurista 'Iarcfsiode Miranda Burity-",o que desejo considerar, neste passo, e tao-somente 0pro-blema da legitimidade do Direito em razao doadvento do mo-delo juridico, que alguns .perseveram a apresentar como urnato arbitrario, desnudo de juridicidade, olvidando 0 concreto edense processo fiitico-axiologieo em cujo bojo se realiza a "op-.~ao do.poder".Ja disse e reitero que 0 poder e um fato, mas um (atoimantado de valor, sobretudo na sociedade contemporansa,como e proprio do Estado Democratico do Direito.Antes de fazer breves consideracoes sobre esse magno as-sunto, seja-me permitido escIarecer que, sendo 0poderumfato,

    ja hoje prevalecendo sua versao como urn fato-oalorado, elenao representa, como pretendeu apressadamente alguem, uma26. c r. Anais do III Congresso Brasi leiro de Filosofia do Direi to , realizadono Espaco Cultural de Joao Pessoa, de 17 a 23 dejulho de 19BB,em home-nagem a PONTES DEMIRANDA. Sabre a tema vide a bela coletanea deensaios organizada par JACQUES CHEVALIER: L'Idee de Legitimite, Pa-r is , 1967; JOAO MAURICIO LEI TAo ADEODATO,O Problema daLegiti-midade, Rio de Janeiro , 1989, e LUIZ FERNANDO COELHO, Teoria Crtti-ca do Diretto, Porto Alegre, 1991, Cap. IX, "A legit imidade do Direi to".60

    "quarta dimensao" do Direi to, mas, ao contrario, compte, a seumodo, a essencialestrutura tridimensional do Direito;aqual,.por sua propria natureza, e necessarianientediiiletica. DiaMtieado direitoe dialetica do poder constantemente secruzam e se.interferem, desde 0memento nomogenetico, que 'acabamos deanalisanate atingir, ao depois, as divers as oportunidades emque 0modele juridico sofre 0"impacto do poder;:aovisar este,por exemplo, preliminarmente a altera-Io.vmediante revoga-~oes parciais, culminando em sua total ab-rogacao, oquetudorepresenta a vida e a morte dos modelos juridicos ..Volvendo, todavia, ao tema principal, 0poder nao se con-funde com 0 arbitrio em razao mesmo de sua dialet icidade,encapsulado queelese acha porumcomplexo de conjunturasde ordem factuale valorativa, a comecar por 'sua ubicaeao noconcernente ao problema das fontes. Em verdade,: 0podernaodecide onde e como quer, mas no funbitoprocessual da fonte dodireito. Essa e a primeira razao de sua legitimidade, Ilegttimoe 0poder ":'e, por via de.conseqnencia, 0direito que dele dimana. - quando ele se poe como fonte do direito, e nao aperias comomemento decisivo, sim, mas momenta do processar-se de umadas fontes do direito admitidaspelo macromodelo do ordena-mento jurfdico. .Geralmente se olvida que 0 problemada legitimidade doDireito implica 0 das fontes de que ele provem, parecendo-rneque se impoe reconhecer, como um dos imperativos eticos davida jurfdica, 0 numerus clausus das fontes do direitocomotais. Onde e quando as fontes do direito surgem obedecendo aslivres e imprevistas prescricoes do poder; desaparecem os va- .lores de certeza e seguranca, predominando 0arbftrio, e, sob 0imperio deste, nao ha que pensar em legitimidade do Direi to.Podem, em suma, os sociologos e fil6sofos do Direito reve-lar-nos aspectos surpreendentesantes nao percebidos da ex-periencia jurfdica, ca:ptandoem profundidade .sua dramaticafuncionalidade, como 6 faz, por exemplo, Niklas Luhmann, quetais estudospodem 'esclarecer-ncs e prevenir sabre a s even-tualidades possfveis do arbftrio, mas nao tocam no .punctumpruriens da legitirnidade se nao a situ am em funeao da proble-

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    matic das fontes do direito. Essa critica, a bern vert nao seaplica por inteiro it teoria de Luhmann, pois este, embora tra-tando c ia problema da legitimidade em termos de procedimen-to - erupregado em sentido sodol6gico-juridico e nao em estri-ta acopc;aodogmatica, de conformidade com uma ordem hie-rarquica de fontes -, situa a questao nos limites detres formasde procedimento, "0da eleieao politica, 0procedimento parla-mental' da legislacao eo processo judicial", que sao modalida-des de fontes legal e jurisdicional, a que ele acresce as estrutu-ras contratuais a que tambem alude, cujo estudonos reporta itfonte negocial". 'orelevante no estudo dos procedimentos e a demonstra-~ao de que, se 0 problema da Iegitirnidade nao se resolve emtermos puramente funcionais, tambem nao se esclarece cOrnabstracao da funcionalidade do Direito, ou seja, do procedi-mento, que e uma das condicoes de sua legitim a concretude.A legitimidade de urn modelo juridico depende, na reali-dade, tanto da fonte de que resulta como do contetido etico-social de sua interpretacao e aplicacao ao longo do tempo, con-teudo esse valorado tambem tanto em funvao do fim visadopelo modelo como por sua ubicacao na totalidade do ordenamen-to. Somente assim 0que ha de inevitavelmentepositivo no mun-do jurfdico pode harmonizar-se com os valores que no seu todocompoem a intencionalidade dojusto. Isto quer dizer que 0pro-blema da legitimidade s6 se resolve em termos de justiea comoconcrecao hist6rica, ou como "razao historica", tanto assim quepode ocorrer excepcionalmente sua legitimacao pelo procedi-mento'",27, Cf.NIKLAS LUHMANN,Leg#ima~ao peloProcedimento, trad. deMariada Conceicao Corte Real, Ed. Universidade de Brasilia. A relevancia doprocessus au do procedimento no problema da legitimidade esta, penso eu,ligada Ii ideia de sistema (v., infra, Cap. IX),pois, como observa HANNAARENDT, a significado de sistema "esta contido no processo comourn todo,doqual a ocorrencia particular deriva sem inteligibilidade" (Eritre 0passa-do e 0 futuro, trad, de M.W. Barbosa de Almeida, 1972, pag, 23).28, Sobre essa visao axiol6gico-hist6rica dojusto, v.MIGUEL REALE, NovaFase do Direito Moderno, cit., pags. 37 e segs. e 65 e segs.62

    . -," ' . : :NotaspreviasJa tive ocasiao de observar que' os modelos jurfdicos naorepresentam todobconteu.do das fontes do direito, pois, alemdeles, hi lio'rIllas j1ri idica~(J.ue nao reunem os caracteristicos

    estruturais propriosdaquelesentes' juridicos, muitoemborapossamconstituir-se comoregras domais ample espectro. Alemdisso, um modele jurfdicopode ir contra' submodelos., A'leideIntroducaoao C6digoCivil(Decreto-Lei n;4.657,

    de '4-'9-1942),':porexeIllpId; pode.no seu-todd.rserconsideradaurn modelejurfdico, vistocomoeum complexo deregrasdivar-sas,correladonadas entresi, em razaode urn objetivocomum,queconsiste emdisciplinar diversas hipoteses de in1;el'J.Jr~ta~~ f i o eapliba~ao da 'lei. . . ,. ,'. , 'NOrni~sjuridicas ha, noentanto, que sao rneras formula-c;5esde U J n ou'IllaisjuiZos,Gcu],a UIlldelesvalidos ou prescritivosde per si, COm() s,~da com 0 ' Aft. a ll da rnellcionada Lei, segundoo qliaI((l1ipgu~mse:eElcusade,c1,lJllprir a lei, alegando que naoaconhece" ..o'u,d~maueira mais complexa,'deeonformidadeco:rno,Art.4!!: "Qqand~aIeiforornissa,ojuiz decidira ocasodeaeordo com aanalogia, oscostumes eosprincipios gerais de

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