Miguel Reale - O Direito como Experiência [OCR].pdf

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  • O DIREITO MIGU EL REALE . & COMO

    EXPERINCIA

  • MIGUEL REALE

    O DIREITO COMO EXPERINCIA

    (Introduo Epistemologia Jurdica)

    2!' EDIO FAC-SIMILAR COM NOTA INTRODUTIVA DO AUTOR

    1992

  • ISBN 85-02-00967-2

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasill

    Reale, Miguel, 1910-0 Direito como experincia : introduo epistemologia jurdica /

    Miguel Reale. - 2. ed. - So Paulo: Saraiva, 1992.

    1. Direito - Filosofia 2. Dir ito - Teoria 1. Ttulo.

    91-1089 CDU-340.12

    lndices para catlogo sistemtico:

    1. Direito : Filosofia 340. 12 2. Direito jurldico : Teoria do Direito 340. 12 3. Epistemologia jurdica : Direito 340. 12

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  • PRINCIPAIS OBRAS DO AUTOR

    O Esrado Moderno. 1933, 3 edies esg. Formao da Polt'lica Burguesa. 1935. esg. O Capilalismo Internacional. 1935. esg. Atualidades de um Mundo Anligo. 1936. esg. Atualidades Brasileiras. 1937. csg. Fundamentos do Direi/o. 1940. esg. 2. ed. Re-

    vista dos Tribunais, 1972. Teoria do Direito e do Estado. 1940. esg. 2.

    cd. 1960. esg. 3. ed., rev., Livr. Martins Ed., 1972. esg. 4. ed., Saraiva, 1984.

    A Doutrina de Kant no Brasil. 1949, esg. Filosofia do Direito. 1. ed. 1953. 2. ed. 1957.

    3. ed. 1962. 4. ed. 1965. esg. 5. ed. 1969. 6. ed. Saraiva, 1972. 7. ed. 1975. 8. ed. 1978. 9. ed. 1982. 10. ed. 1983. 11. ed. 1986. 12. ed. 1987. 13. ed. 1990.

    Horizontes do Direito e da Histria. Saraiva, 1956. 2. ed. 1977.

    Nos Quadrantes do Direito Positivo. Ed. Mi-chalany, 1960.

    Filosofia em So Paulo, 1962. esg. 2. ed. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1976.

    Parlamentarismo Brasileiro, 2. ed. Saraiva, 1962. Pluralismo e Liberdade. Saraiva, 1963. Imperativos da Revoluo de Maro. Livr.

    Martins Ed., 1965. Poemas do Amor e do Tempo. Saraiva, 1965. Introduo e Notas aos "Cadernos de Filoso-

    fia", de Diogo Antonio Feij. Ed. Grijal-bo, 1967.

    Revogao e Anulamento do Ato Administrati-vo. Forense, 1968. 2. ed. 1980.

    Teoria Tridimensional do Direito. Saraiva, 1968. 4. ed. 1986.

    Revoluo e Democracia. Ed. Convvio, 1969. 2. ed. 1977.

    O Direito como Experincia, Saraiva, 1968. Direito Administrativo. forense, 1969. Problemas de Nosso Tempo. Ed. Grijalbo-

    EDUSP, 1969. Lies Preliminares de Direito. Bushatsky,

    1973, 18. ed. Saraiva, 1991. Lies Preliminares de Direito. Ed. portugue-

    sa. Coimbra, Livr. Almedina, 1982. Cem Anos de Cincia do Direito no Brasil. Sa-

    raiva, 1973. Experincia e Cultura. Ed. Grijalbo-EDUSP,

    1977. Polt'lica de Ontem e de Hoje (Introduo Teo-

    ria do Estado), Saraiva, 1978. Estudos de Filosofia e Cincia do Direito. Sa-

    raiva, 1978. Poemas da Noite. Ed. Soma, 1980. O Homem e seus Horizontes. Ed. Convvio,

    1980.

    Questes de Direito. Sugestes Literrias, 1981. Miguel Reale na UnB, Braslia, 1982. A Filosofia na Obra de Machado de Assis -

    Antologia Filosfica de Machado de Assis. Pioneira, 1982.

    Verdade e Conjetura. Nova Fronteira, 1983. Obras Polticas (1 ~ fase - 1931-1937). UnB,

    1983. 3 vols. Direito Natural I Direito Positivo. Saraiva, 1984. Figuras da Inteligncia Brasileira. Tempo Bra-

    sileiro Ed. e Univ. do Cear, 1984. Teoria e Prtica do Direito. Saraiva, 1984. Sonetos da Verdade. Nova Fronteira, 1984. Por uma Constituio Brasileira. Revista dos

    Tribunais. 1985. Reforma Universitria. Ed. Convvio, 1985. O Projeto de Cdigo Civil. Saraiva, 1986. Liberdade e Democracia. Saraiva, 1987. Memrias. v. 1. Destinos Cruzados. Saraiva,

    1986. 2. ed. 1987. Memrias. v. 2. A Balana e a Espada. Sarai-

    va, 1987. Introduo Filosofia. Saraiva, 1988. O Belo e outros Valores. Academia Brasileira

    de Letras, 1989. Aplicaes da Constituio de 1988. Forense,

    1990. Nova Fase do Direito Moderno, Ed. Saraiva,

    1990. Vida Oculta, Massao Ohno/Stefanowski Edito-

    res, 1990.

    PRINCIPAIS OBRAS TRADUZIDAS

    Filosofia dei Diritto. Trad. Luigi Bagoli G. Ricci. Torino, Giappichelli, 1956.

    li Dirillo come Esperienza, com ensaio introd. de Domenico Coccopalmerio. Milano, Giuffre, 1973.

    Teora Tridimensional dei Derecho. Trad. J. A. Sardina-Paramo. Santiago de Compostella, lmprenta Paredes, 1973. 2. ed. Universidad de Chile, Valparaso (na coletnea "Juris-tas Perenes").

    Fundamentos dei Derecho. Trad. Jolio A. Chiappini. Buenos Aires, Depalma, 1976.

    Introduccin ai Derecho. Trad. Brufau Prats. Madrid, Ed. Pirmide, 1976. 2. ed. 1977. 9. ed. 1989.

    Filosofia dei Derecho. Trad. Miguel Angel Herreros. Madrid, Ed. Pirmide, 1979.

    Exprience et Culture. Trad. Giovanni Deli' An-na. Bourdeaux, ditions Biere, 1990.

  • Faculdade de Jurisprudncia da Universidade de Gnova

  • NDICE GERAL

    Nota introdulria

    1 - Motivo da edio fac-similar

    II - Momentos da Teoria Tridimensional do Direito

    Ili - Lgica Jurdica Formal e Lgica Jurdica Dialrica

    IV - O problemtico e o conjelural no Direito

    V Modelos do Direito: Modelos Jurdicos e Modelos Dogmticos

    VI Uma antiga conversa a.inda alua[ sobre o presente livro

    Prefcio da 1. edio

    ENSAIO 1

    O PROBLEMA DA EXPERrnNC!A JURIDICA

    PG.

    XIII

    XIII

    XIV

    XIX

    XXI

    XXIV

    XXIX

    XX XVII

    - A crise da teoria da experincia jurdica e a atualidade do tema 1

    li - As trs perspectivas filosficas fundamentais da experincia jurdica 7

    JU - A experincia tica na linha de Kant e dos neokantianos 13

    IV - A experincia tica a partir da fenomenologia 20

    ENSAIO II

    EXPERISNCIA JURIDICA PRIO.-CATEGORIAL E OBJETIVAO CIENTIFICA

    - Concretitude axiolgica da experincia jurdica 25

    II - Problematicismo e tipicidade da experincia jurdica - Sua natureza dialtica 31

    I!! - A experincia jurdica pr-categorial 36

    IV - A ordem imanente experincia jurdica 41

    V - A experincia jurdica como objetivao cientfica 47

  • X M!GUEL REALE

    ENSAIO III

    ESTRUTURAS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO JURlDICO

    I - A experincia jurdica sob os prismas transcendental e emprico positivo 51

    II - Espcies de pesquisas positivas do Direito 58

    III - Lgica jurdica e Lgica jurdica formal 65

    IV - Analtica e Dialtica Jurdicas 70

    ENSAIO IV

    FILOSOFIA JURIDICA, TEORIA GERAL DO DIREITO E DOGMTICA JURIDICA

    1 - A Filosofia jurdica e o papel da Jurisprudncia - A crise do Direito 75

    II - Ontognoseologia e Epistemologia jurdicas 84

    III - A Teoria Geral do Direito como teoria positiva de todas as formas cln experincia jurdica 88

    ENSAIO V

    NATUREZA E OBJETO DA CLtNCIA DO DIREITO

    - Direes fundamentais 93

    li - O Direito como realidade "a se" de carter normativo 95

    TTI - O neo-positivismo jurdico 98

    TV - O Direito como fato 101

    V - Rumo compreenso integral cio Direito 107

    VI - A Jurisprudncia como cincia histrico-cultural compreensivo-normativa 111

    ENSAIO VI

    CltNCIA DO DIREITO E DOGMTICA JURIDICA

    - Os dois momentos da pesquisa jurdica

    li - Momento normativo e momento dogmtico

    Ili - Sistema e problema

    IV - Problemtica do "dogma" jurdico

    123

    131

    135

    139

  • O OJREHO COMO EXPERINCIA

    ENSAIO Vil

    ESTRUTURAS E MODELOS DA EXPERIE.NCTA JURIDICA - O PROBLEMA DAS FONTES DO DIREITO

    XI

    I - Do conceito de estrutura na Sociologia e na Jurisprudncia 147

    li - O conceito de estrutura no plano filosfico e no cientfico-positivo 154

    Tii - Natureza dos modelos jurdicos 161

    IV - A teoria dos modelos jurdicos e a das fontes formais 167

    V - Cincia do Direito e Teoria da Comunicao 173

    VI - Espcies de modelos jurdicos e sua correlao 179

    ENSAIO VIII

    GIONESE E VIDA DOS MODELOS JURDICOS

    1 - Duas espcies de normativismo jurdico

    II - Nomognese jurdica ITI - O nexo flico-axiolgico - O fato e o direito

    IV - Problemas de semntica jurdica

    V - O tempo no Direito

    li

    ENSAIO IX

    COLOCAO DO PROBLEMA FILOSFICO DA INTERPRETAO DO DIREITO

    Do divrcio entre o filsofo do Direito e o jurista

    A perspectiva do filsofo no processo hermenutico

    ENSAIO X

    PROBLEMAS DE HERMEN10UTICA JURJDICA

    187

    192

    200 209

    218

    227 231

    1 - A interpretao corno terna de Filosofia e de Teoria Geral do Direito 235

    11 - A Hermenutica jurdica como cincia positiva 237

    Ili - Fenomenologia do ato interpretativo e objetividade 239 IV - O intrprete perante as intencionalidades objetivadas 241

    V - Ato interpretativo e norma jurdica 245

    VI - Imperatividade e interpretao 248

    VII - Natureza axiolgica do ato interpretativo e sua condicionalidade hist-rica 250

  • Xll MIGUEL REALE

    VIII - Logicidade concreta do ato interpretativo como exigncia de objetivao racional 252

    IX - Plenitude do ordenamento jurdico e pluralismo metdico 255

    X - Interpretao e integrao normativa 257

    ENSAIO XI

    EXPER!eNCIA MORAL E EXPERrnNCIA JURIDICA

    1 - Duas perspectivas do problema 261

    II - Sentido da subjetividade da Moral e da objetividade do Direito 264

    III - A moralidade do Direito 269

    IV - Os corolrios da atributividade 271

    ENSAIO XII

    PENA DE MORTE E MIST1':RIO

    1 - O problema da morte na conscincia contempornea 277

    li - A morte e o conceito racional de pena 279

    III - A morte luz da filosofia existencial: Sneca, Agostinho, Heidegger e Sartre 280

    IV - O absurdo da morte na gradao das penas 285

    INDICE DOS AUTORES CITADOS 289

  • NOTA INTRODUTRIA

    SUMRIO: I - Motivo da Edio Fac-similar; II - Momentos da Teoria Tridimensional do Direito; Ili - Lgica Jurdica Formal e Lgica Jurdica Dialtica; IV - O Problemtico e o Conjetural no Direito; V - Modelos do Direito: Modelos Jurdicos e Modelos Dogmticos; VI - Uma Antiga Conversa ainda Atual sobre o Presente Livro.

    I

    MOTIVO DA EDIO FAC-SIMILAR

    ~ 1. Quando a Saraiva, a fim de atender a pedidos chegados de todos os recantos do Pas, resolveu publicar a 2. edio de O Direito como Experincia fiquei diante de uma alternativa: ou atualizar a obra, refundindo-a em alguns pontos para faz-la corresponder ao desenvolvimento de meus estudos, quase vinte quatro anos aps a primeira edio, ou, ento, manter o texto inalterado, feita apenas a correo de lapsos graves que o enfeiavam.

    Aps atenta releitura, optei por esta segunda soluo, porque me parece que o livro exige menos retificaes de fundo do que notas complementares, com remisso a tpicos de livros posteriores onde o assunto passou a ser versado com mais amplitude ou profundidade. Da a idia da presente Nota Introdutria, a exemplo da traduo italiana, mas com o objetivo especfico de salientar as conseqncias das investigaes por mim elaboradas com base nas concluses a que chegara em 1968.

    Na realidade, a presente obra tem a distingui-la o fato de ter operado, por assim dizer, como um divisor de guas na corrente de minhas pesquisas, abrindo meu esprito para problemas tanto de Fi-losofia Geral como de Filosofia e Cincia do Direito: alter-la subs-tancialmente significaria, pois, perder o nexo que suas razes guar-dam com os desenvolvimentos tericos, notadamente em razo da passagem de uma teoria da experincia jurdica para os amplos qua-dros de uma teoria da experincia em geral, objeto de Ex'[>erincia e Cultura, publicado em 1977.

  • XIV MIGUEL REALE

    Nem mesmo me parece necessrio converter os Ensaios em Ca-ptulos, como se fez na edio italiana 1, por ter o ilustre mestre que a dirigiu, o Professor Domenico Coccopalmerio, da Universidade de Trieste, considerado plenamente comprovado o travamento que une todos os estudos numa seqncia lgica essencial.

    Alm do mais, na inteligncia do autor, certos livros se revestem de uma configurao especial, de tal modo que nasce o receio de reto-c-los para no alterar-lhes a fisionomia. Problema, pois, de filiao espiritual que peo seja respeitada.

    O que me comove saber que, depois de tantos anos, estando o livro esgotado, dele se faziam fotocpias para pesquisas de semin-rios, ou para atender queles que cuidam da histria das idias jur-dicas no Brasil, onde sem dvida crescente o interesse pelos proble-mas de Filosofia Social e Jurdica, no somente em razo de novos cursos universitrios que conduzem interdisciplinaridade, mas tam-bm em virtude da insegurana que reina em nosso ordenamento ju-rdico positivo, impondo o exame de seus alicerces.

    Foi talvez a Filosofia do Direito o primeiro ramo filosfico a adquirir, em nossa Terra, dimenso prpria, projetando-se univer-salmente por seus valores prprios, muito embora em necessria e fecunda correlao com o dilogo das idias acima de distines de fronteiras ou de idiomas. Hoje em dia, outros campos lavrados por nossos "filosofantes'', como o caso da Lgica Paraconsistente de Newton A. da Costa, atraem a ateno de pensadores aliengenas, adquirindo, assim, a projeo j alcanada pelo Brasil no plano do Direito Positivo (nesse sentido bastaria o exemplo de Teixeira de Freitas). na Msica, nas Letras, na Arquitetura e em alguns dom-nios da Cincia positiva.

    Espero que esta edio, com as notas que a acompanham, possa preencher a reclamada lacuna, contribuindo para a transladao esfera do Direito do esprito crtico de que andamos to precisados.

    II

    MOMENTOS DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

    ~ 2. A teoria tridimensional do Direito no surgiu de repente, desde logo plenamente constituda, mas veio sendo completada e aper-feioada ao longo do tempo, graas a um constante trabalho de auto-

    1. Vide MIGUEL REALE - li diri110 come esperienza, Giuffre Editore, 1973, com Saggo i11trod11ttivo de DoMENICO CoccoPAl.MER!O.

  • 0 DIREITO COMO EXPERINCIA XV

    crtica e tambm em funo da emergncia de novas diretrizes dou-trinrias no domnio da Cincia ou da Filosofia do Direito.

    claro que, como si acontecer, essa teoria foi fruto de uma intuio inicial, qwmdo, ao constatar a persistncia de uma diviso tripartida da Filosofia elo Direito para fins didt;cos - desde o posi-tivista Icilio Vanni at os neokantistas Giorgio D21 Vecchio 2 Adolfo H.av -, me ocorreu perguntar se essa tripartio no ocultava um problema de fundo relativo estrutura mesma de fenmeno jurdico. at ento no devidamente analisado.

    Essa primeira tomada de posio ocorreu em 1940, com a simul-tnea publicao de duas obras bsicas na histria de meu pensamen-to jurdico, Fundamentos do Direito e Teoria do Direito e do Esh-do ', de concepo geminada, corno foi bem observado, na poca, por Waldemar Ferreira.

    Nesses dois livros j saliento a existncia de trs elementos cons-titutivos, sempre presentes em toda experincia jurdica, a que deno-minei fato, 1.:alot e norma, segundo terminologia ao depois uni\ersa-lizada.

    Essa primeira colocao do problema traduziu-se numa correla-o esttica e ainda no plenamente esclarecida entre aqueles fatores, por no ter ainda concebido o valor como ekmento autnomo, no redutvel aos objetos ideais. S depois viria superar a "idealidade axiolgica" de inspirao platnica estabelecida por Max Scheler e Nicolai Hartmann, cujas diretrizes ento seguia. Isto, porm, no me impediu de, pg. 26 de Teoria do Direito e do Est':lio, j poder afir-mar, em 1940, que " da int8grw:;o do fato em wn i.:~lcr que surge a nonna", o que permitiu a Josef Kunz, em seu conhecido estudo sobre a Filosofia do Direito na Amrica Latina, referir-se "frmula H.ea-le" como integrao normativa de fatos segundo valores, expresso primeira da tridimensionalidade.

    ~ 3. Foi nos anos seguintes, como o demonstram as sucessivas prelees taquigrafadas de meu curso de Filosofia do Direito, que mi-nhas idias sobre a tridimensionalidade vieram progressivamente se determinando, cm virtude, em primeiro lugar, de uma reviso da teo-ria dos objetos de Frank Brentano com base numa compreenso J'e:i.-lista da distino kantiana entre ser (Sein) e d%er-s::>r (Sollen), com o entendimento de que o que dei.:e ser no pode deixai de converter-se em algum momento da histria, em algo de atualizado ou realizvel,

    2. O primeiro. tese com que me apresentei ao concurso de Filosofia do Direito na histrica Faculdade do Largo de S~o Francisco. apareceu como edii'o particu-lar (2." ed. da Rel'i.11nais. com ampla Introduo de THEOPHILO CAVALCAN 11 FILHO) e o segundo foi i icialmenle publicado pela Livraria Martins Editora. sendo a 4.' cd. da Editora Saraiva, reestruturada com todos os textos estrangeiros traduzi-dos (1984).

  • XVI MIGUEL REALE

    sob pena de esfumar-se como quimrica aparncia. Desse modo, o va-lor deixava de ser algo que (um dado lgico ou ideal) para passar a ser algo que deve se1 (um dado deontolgico). No creio que essa mudana de enfoque seja irrelevante para um conceito autnomo de Axiologia.

    Por outro lado, minha anlise do problema do conhecimento le-vou-me a outra e complementar concluso quanto correlao essen-cial entre sujeito e objeto, exposta em termos ontog1wswlgicos, isto , como fatores em mtua e unitria dependncia. claro, penso eu, que nessa dupla correlao entre sujeito e objeto e ser e dever-ser est imanente uma dialtica de novo tipo, a dia!tioa de complemen-taridade, por sinal que cada vez mais prevalecente no campo da Filo-sofia da Cincia, como viria a expor, detalhadamente, em meu livro Experincia e Cultura (1977). De tal modo, o objeto (meta do pro-cesso gnoseolgico) se convertia concretamente no objetivo visado pelo processo valorativo e tico, compondo em integralidade meu pen-samento filosfico, depois exposto na obra supracitada.

    Cabe notar que essas colocaes dos dados do problema ocorre-ram sob a influncia crescente da fenomenologia de Husserl, mas em uma "viso histrica" que poucos a consideravam compatvel com a sua teoria transcendental. Sua obra pstuma A crise da Cincia euro-pia e a f encm.eno!ogia transcendental viria, porm, dar-me razo. Foi, assim, que surgiu o meu historicismo axiolgico, feliz denomi-nao dada a meu pensamento pelo fraterno amigo Luigi Bagolini, ao prefaciar a traduo italiana de minha Filo.sofia do Direito, que ele me deu a honra de traduzir conjuntamente com Giovanni Ricci. Na concepo histrico-axiolgica da vida humana, que, em minha experincia pessoal representava o superamento do historicismo de Benedetto Croce e Giovanni Gentile, ainda apegados dialtica hege-liana, j est implcita a dial-etizao ds fato, valor e norma, a qual, no dizer de Sanchez De La Torre, catedrtico da Universidade de Ma-drid, representou inovao fundamental no estudo do que h de fac-tual, normativo e axiolgico na experincia social e jurdica. Em ver-dade, to-somente quando os trs fatores so vistos como termos entre si diaieticamente correlacionados que se pode considerar elabo-rada uma teoria fundada na estrutura tridimensional de qualquer segmento ou momento da experincia jurdica. Foi propriamente em 1952 que essa idia se me apresentou de maneira clara, sendo recebi da com entusiasmo por Luigi Bagolini, ao retomar seu curso em nos-sa Faculdade de Direito.

    Como se v, minha Filosofia do Direito, cuja 1. edio de 1953, significa o ponto de chegada de uma longa e coni"inuada pesquisa, muito embora interrompida por freqentes intervalos determinados por atividades polticas e administrativas, a que os intelectuais no podem fugir, sobretudo nos pases do Terceiro Mundo. Alis, se os

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA XVII

    empenhos prticos, de um lado, nos afastam das elaboraes tericas, de outro, nos enriquecem de senso do real concreto, alimentando e re-orientando as fases sucessivas de indagao.

    4. Comprende-se, desse modo, tambm sob o ponto de vista existencial, minha crescente simpatia pelo problema da concreo no processo histrico-social, em geral, e no processo jurdico em particu-lar, o que comea a se delinear de maneira positiva em meu ensaio pioneiro (modstia parte) intitulado Goncreo dg fato, val,or e nor-ma no Direito Rrmu11w Clssico", o qual, segundo me relatado por meu caro amigo Almiro Couto e Silva, que lhe ouviu as lies, em 1-Ieidelberg, era apresentado por Gerardo Broggini como uma das fon-tes da teoria da concreo jurdica.

    Pois bem, foi em O Direito como Experincia que surgiu, em 1968, plenamente desenvolvida a minha viso concreta ou experien-cial da realidade jurdica, superando de vez no somente o formalis-mo jurdico, cuja mxima expresso foi 1-Ians Kelsen, mas tambm todas as modalidades de compreenso unilateral do mundo jurdico, em contraposio frontal s recentes pretenses do neopositivismo ou do neo-realismo jurdicos, que, atravs de caminhos paralelos, preten-diam reduzir o Direito ao meramente factual.

    1968 foi um ano decisivo na histria de minha vivncia jurdica, repetindo 1940 no que se refere elaborao de duas obras gemina-das, ou seja, Teoria Tridimensional do Direito e O Direito como Ex-perincia, ambas de Saraiva - Livreiros Editores. So livros que no podem ser compreendidos seno em essencial correlao, sendo o se-gundo, por assim dizer, continuao e especificao do primeiro como projeo no plano epistemolgico das idias gerais anteriormente fir-madas. Todavia, nem sempre se poder estabelecer essa correlao em termos de gnero e espcie, porquanto o desenrolar da pesquisa implica, de per si, ir freqentemente do genrico ao especfico, e vice-versa. Vista no seu todo, a apontada correlao me parece, no entanto, plausvel.

    ~. em suma, na presente obra que a correlao ftico-axiolgico-normativa se apresenta em sua concretitude. Esta pe-se no plano filosfico ou transcendental como momento da ontognoseologia jur-dica e do historicismo axiolgico - objeto da citada 1. edio de Teoria Tridirnen.si.vnal do Direito -, mas se realiza como modalidade de estruturas sociais, ou modelos jurdicos no plano emprico da expe-rincia do Direito, o que explica o ttulo dado obra.

    Dessarte, cornpreenso fi"losfica vem acrescentar-se a com-preenso sociolgica, esta nas linhas da Sociologia estruturalista de

    3. Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Direito da USP. vol. 49, 1954, e inserto, depois, na 1: edio de Horizontes do Direito e da Histria, 1956, pgs. 58-RI.

  • XVIII MIGUEL REALE

    Talcott Parsons e Robert Merton, coincidentes, alis, em vrios pon-tos, com as contribuies renovadoras de Gilberto Freyre.

    A teoria dos modelos jurdicos eu a esbocei, inicialmente, em co-municao escrita para o Congresso Internacional de Filosofia, reali-zado em Viena, em agosto de 1968, apresentando-se j elaborada em seus pontos capitais em O Direito como Expsrincia.

    Quando concordei em publicar a 4. edio de Teorh! Tridimen-sional do Direito (1986), resolvi acrescentar-lhe um longo estudo des-tinado a atualiz-la, oportunidade em que tratei com mais profundi-dade do papel desempenhado pela Lebenswelt (o mundo da vida co-mum) de inspirao husserliana na vida e morte dos modelos jurdi-cos, consoante ser realado logo mais.

    O certo que a presente obra constitui um momento essencial em minhas renovadas investigaes, tendo representado ponto de par-tida para estudos posteriores, no s na esfera do Direito, mas tam-bm na tela da Filosofia Gerai, como o demonstra talvez a minha obra capital, Experincia e Cultura, recentemente vertida para o francs. Nesse sentido, rogo ao benvolo leitor que estenda a este li-vro as referncias que encontrar a um meu escrito de 1966, intitula-do "Fenomenologia, Ontognoseologia e Reflexo Crtico-Histrica", porquanto ele foi o embrio de Experincia e Cultura.

    Apenas para completar a exposio dos momentos da leoria tri-dimensional do Direito, de seu Ensaio X sobre problemas de Herme-nutica Jurdica resultaram minhas ltimas pesquisas sobre os pres-supostos filosficos e a natureza da interpretao do Direito, luz do pensamento conjetural, tal como exposto em Estudos de Filoso-fia e Cincia do Direito (1978) e Noi:~t Fase do Direito Moder-no (1990).

    por todas essas razes que, ao se dispor a Editora Saraiva a fazer a 2. edio de O Direito ccmw Experincia, julguei mais con-veniente limitar-me reviso de lapsos da edio anterior, fazendo-a anteceder desta Nota Introdutria destinada a apontar os pontos fJUe merecem correo ou complementos, luz dos ltimos desenvolvi-mentos de minhas pesquisas. Ver-se- que no teria senticlo refundir algumas pginas de um livro que possui a sua dimenso histrica na evoluo de meu pensamento. O cotejo desta Nota com o texto de 1968 servir tanto para comprovar a evoluo como a contnua reviso crtica e as retificaes essenciais investigao cientfica, a qual, conforme conhecido magistrio de Karl Popper, se desenvolve segundo sucessivas tentativas e refutaes, o que no significa que deva ser alterado o que ainda resiste ao erosiva do tempo.

    4. Cf. Exprience er C11/111re, Fondemelll d'une tlrforie g11ra/e de f'exprien-ce, 1990, trad. de Giovanni Dell'Anna, Editions Bire, Bordeaux. com prefcios de }EAN-MARC TRIGEAUD e CAND!DO MENDES.

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA XIX

    III

    LGICA JURtDICA FORMAL E LGICA JURDICA DIALTICA

    5. Por ocasio do III Congresso de Filosofia Social e Jurdica, ocorrido cm So Paulo, cujos Anais foram publicados sob o ttulo .Li-berdade, Participao, Comunidade\ Roberto Vernengo, ilustre pro-fessor de Filosofia do Direito da Universidade de Buenos Aires, ofe-receu uma comunicao destinada a delinear a situao atual da L-gica Jurdica. Nesse trabalho R. Vernengo atribui posio de Carlos Cossio e minha, perante essa disciplina, mero valor de documentos histricos superados pelo rpido desenvolvimento dos estudos.

    Ele pode ter razo quanto a Cossio, que reduzia a Lgica Jurdi-ca Teoria Pura do Direito - o que deveras inadmissvel, muito embora Hans Kelsen tenha contribudo mais do que ningum para uma viso autnoma e geral do "normativo" com base na categoria de dever-ser -, mas no penso que a crtica seja procedente com relao ao que afirmo nos pargrafos 8 e seguintes do Ensaio II deste livro (pgs. 65 usque 74).

    Ou Vernengo tresleu o que escrevi, ou se deixou levar pela pai-xo neopositivista de no admitir outra Lgica alm da Lgica For-mal, Simblica, Matemtica ou que melhor nome tenha, no admi-tindo, por preveno, a Lgica Dialtica ou Concreta.

    Penso que as dvidas por mim suscitadas, em 1968, sobre o al-cance da Lgica Jurdica, enquanto Lgica das estruturas proposicio-nais do Direito, ainda no foram de todo superadas, como o demons-tra o inquietante dilogo travado entre Hans Kelsen e Ulrich Klug, que levou o Mestre da Teoria Pura s surpreendentes concluses con-tidas em sua obra pstuma, Teori.a Geral das Norm'.1.s ".

    ~ 6. A Lgica Jurdica formal, tal como hoje em dia enten-dida, tem uma histria recente, adquirindo perfil mais ntido a par-tir dos estudos de De6ntica Jurd'ioa estabelecidos com base nas decisivas contribuies sobre a teoria das normas de Von Wright, o qual em 1951, por sugesto de Broad, passou a usar o sintagma Deontic Logic como ttulo de seu j clssico ensaio sobre o sistema formal de lgica dos modos denticos obrigatrio, proibido ou per mi tido.

    Como nos lembra Tecla Mazzarese, Norberto Bobbio, em 1962, em Diritto e Lo9ica, j inrfagara da possibilidade de serem respon-didas pela Dentica Jurdica, enquanto memento da Lgica Jurdica, estas duas perguntas: a) " possvel, e em que condies, uma v-lida inferncia entre normas?"; b) "Quais so as caractersticas de

    5. Cf. Edio do INSTITUTO BRASltF.lRO Df. F1wsoF1A, So Paulo, 1986. 6. Cf., sobre o assunto, MIGUEt REAi.E - No1a Fase. do Direito Moderno,

    So Paulo, 1990, pg. 201, no estudo intitulado "O terceiro Kelsen".

  • XX MIGUEL REALE

    um sistema jurdico e em que condies se pode falar de um orde-namento jurdico como sistema?" 1 Pois bem, so esses dois quesi-tos que Tecla Mazzarese, com base em anlise da linguagem jurdica, considera ainda no resolvidos satisfatoriamente pela Dentica Ju-rdica 8

    Comparada com essa atual atitude dubitativa, no se poder negar que, em 1968, eu revelava posio mais otimista perante a Dentica Jurdica, da qual esperava, como se pode ler pg. 68, "preciosas contribuies determinao dos conceitos jurdicos, da estrutura da norma jurdica, do silogismo prtico e dos nexos de inferncia entre as proposies normativas, em geral, bem como elucidao das figuras de qualificao jurdica e das condies in-dispensveis configurao do Direito como 'sistema' e 'ordena-mento'".

    Esclareo, no entanto, que, na mesma pg. 68, declaro ser "evidente que a Lgica Jurdica formal no pode deixar de fazer abstrao do varivel oonWdo axiolgico das regras de direito, assim como de sua mutvel condicionalidade ftica", o que no ex-clua a possibilidade da formalizao normativa chegar a levar em conta, vetorialmente, a existncia da realidade factual ou valorativa do Direito no seu todo, sem imiscuir-se na infinita variabilidade dos fatos e valores. Neste ponto, confesso que fui surpreendido pelos recentssimos trabalhos de forrruilizao dual (a norma em funo do valor) ou mesmo trina (a norma em funo do fato e do valor) resultantes da aplicao ao mundo do Direito da Lgica Paracon-sistente, um de cujos fundadores o grande lgico brasileiro Newton A. da Costa. Nem demais lembrar que nessa tarefa pioneira co-labora por sinal tambm Roberto J. Vernengo, ao lado de Leila Zar-do Puga e outros. Quanto formalizao da teoria tridimensional, bastar referir-me ao estudo de Leila, que a analisa sob o prisma da Lgica Paraconsistente 9

    Como se v, houve e continua a haver inegveis progressos na tela lgico-juridica, mas sem desmentido de minhas colocaes ini-ciais do assunto quanto ao que, no Direito, transcende o aspecto proposicional.

    Todavia, o que me parece fora de contestao que a Lgica Jurdica formal no cobre, nem pode cobrir, todos os momentos do processo normativo peculiar experincia do Direito, quer no que se refere gnese dos modelos juridicos e suas mutaes, por tratar-se de um sistema normativo dinmico cheio de insurgncias e recor-rncias; quer no tocante aos problemas de validade e eficcia; quer

    7. Diritto e Logica, 1962, pgs. 25 e segs. 8. TECLA MAZZARESE, Logica Deolltica e /inguaggio giuridico, Pdua, 1989,

    pg. 3 e passim. 9. Cf. LEILA Z. PuoA - "A Lgica dentica e a Teoria Tridimensional do Di-

    reito", em Revista dos Tribunais, 1988, vol. 634, pgs. 36 e segs.

  • O DIREITO COMO EXPERl~NCIA XXI

    no concernente sempre aberta captao hermenutica de seus significados; quer quanto aos critrios de sua aplicao judicial, e, por fim, no que se refere s exigncias lgicas que presidem a tc-nica da argumentao e de persuaso, objeto de conhecidos estudos de Perelman, Viehweg e Esser. Para esse amplssimo e variegado campo da experincia jurdica que, a meu ver, torna-se necessrio recorrer a processos dialticos, cuja variedade e amplitude ponho em realce em Experincia e Cultura.

    No vejo razo, pois, para alterar o que escrevo, de pgs. 70 a 74, sobre uma distino fundamental entre Analtica e Dialtica Jurldicas, sobretudo depois que foi superado o monoplio marxista na matria, reconhecendo-se outras modalidades de dialtica, cuja frente situo a dialtioa d.e cornpl.61'/'LentaridJ:ul,e como a mais prpria ao mundo do Direito. Nem de somenos salientar a correlao exis-tente entre essas duas ordens de mtodo e de pesquisa, como assina-lo na parte conclusiva do Ensaio III.

    IV

    O PROBLEMATICO E O CONJETURAL NO DIREITO

    7. Tenho para mim que a evoluo de meu pensamento no obedece a mutaes bruscas, mas antes a uma demorada vivncia dos problemas. o que se pode notar quanto ao assunto tratado no Ensaio VI deste livro, onde me refiro aos estudos, em cuja modernidade manifesta, sobre a natureza problemtica ou dogm-tica da Cincia do Direito, entendido, claro, o termo "dogmtico" em seu sentido tcnico, isto , como enunciao da norma jurdica a ser seguida, em virtude de uma deciso do poder, que pe fim, velo menos provisoriamente, s opes espontneas do processo nor-mativo.

    Como explico, no mencionado Ensaio, o momento normativo do Direito - que pode ter incio no mbito da sociedade civil para, aos poucos, merecer a ateno do legislador ou dos rgos jurisdi-cionais, para distinguirmos entre Civil Law e Common Law - uma das expresses mais significativas do processo geral de objetiva-o, ou melhor, de objetivizao de formas de sentir, pensar e que-rer, mediante as quais o homem se afirma como indivduo ou como membro de uma coletividade.

    Sem se converter em algo de objetivo ou de heternomo, ou seja, em algo dotado por si mesmo de validade e eficcia, o ato hu-mano se esfuma ou se esvai, sem deixar sinal de si. A objetiviza-o - que o ato de tornar algo objetivo, distinto do sujeito cria-dor -, como penso ter demonstrado em vrios escritos, mas sobre-tudo em Experincia e Cultura, o ato nomottico fundante sem o qual as obras do homem no se transfeririam de gerao a gerao

  • XXII MIGUEL REALE

    . no processo civilizatrio. que, se um ato dotado de per si de validade e eficcia, pelo menos como potencialidade, ele culmina em alguma forma objetiva, que pode ser tanto uma frmula cientfica quanto um poema, tanto uma obra de arte quanto um enunciado normativo, uma regra destinada a disciplinar uma classe previsvel de aes futuras.

    Ao contrrio da afirmao de N. Hartmann, que v nas objeti-vizaes um ato de resfriamento, por assim dizer, do "esprito sub-jetivo", entendo que elas o potenciam, no apenas porque assegu-ram durao s suas criaes, mas tambm porque permitem a in-tercomunicao e o confronto com as objetivizaes oriundas dos demais homens, constituindo, assim, a ponte e a base do desenvol-vimento material e espiritual. No h dvida que as obras instaura-das, aquilo que Hartmann denomina hegelianamente "esprito obje-tivo", pode converter-se em fator de resistncia ou de empecilho a novos atos institutivos, mas, em geral, ele opera como plataforma a partir da qual o homem se lana a novos vos.

    Atravs de mltiplas modalidades de comportamento (acordo de vontades no plano negocial; reiterados modos de ser e de enten-der consolidados em usos e costumes, convergncia de julgados de rgos jurisdicionais e, por fim, a deciso do legislador) desenvol-ve-se a experincia normativa do Direito, a qual tende sempre a converter-se em parmetros ou paradigmas, cuja luz possam ser aferidos os contratos, obedecidos os costumes, cumpridas as sen-tenas e as leis.

    8. Ora, perante esses processos mltiplos e incessantes de "norrnativizao da vida humana" h os que optam por um entendi-mento aberto, dando um sentido problemtico at mesmo s solues resultantes de um acordo de vontades privadas ou de uma deciso do poder pblico, cuja provisoriedade proclamam; h os que, em campo oposto, enaltecem o valor primordial do decidido (fonte pri-meira de todos os tipos de "decisionismo") e atribuem mero valor preparatrio a tudo aquilo que antecede a formulao da norma imperativa, e so os que conferem valor primordial Dogmtica Jurdica; e, em terceiro lugar, figuram aqueles que no vem con-traposio entre problema e dogma jurdico (entenda-se: norma ju-rdica obrigatria posta por ato de autoridade) e, por via de conse-qncia, entre problema e sistema, convictos de que este no supera aquele, pela simples razo de no se poder compreender o sistema com abstrao de todos os problemas que lhe deram causa.

    claro que a cada uma dessas diretrizes fundamentais corres-pondem tambm trs tipos de obrigatori.fade jurdca, a qual pu-ramente indicativa, segundo pensam os primeiros (natureza facul-tativa da norma jurdica, certificvel em cada caso); enquanto imperativa, no entendimento dos segundos, como expresso do que-rido e decidido (natureza imperativa da norma jurdica, de per si,

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA xxm

    erga omnes); sendo, para os que se alinham na terceira posio, uma obrigatoriedade desvinculada da vontade de quem pe a regula iuris, em virtude de seu contedo essencialmente a."Ciolgico, deven-do, pois, o dogma legal ser recebido, como e~crevo pg. 134, "no como um contedo ordenado e rgido, mas como um sentido de ao que objetivamente deve ser valorado e concretamente experiencia-do", podendo-se afirmar que "o poder queda, de certa forma, envol-vido pela norma que ele acaba de positivar", inserindo-se no con-texto normativo a que ps termo em virtude de sua superior opo.

    ~ 9. Pois bem, foi a meditao dessa complexa problemtica que aos poucos me levou a analisar o pensamento problemtico como tal, objeto de um pequeno livro, Verdade e Conjetura, que de 1983. o qual influiu em Nova Fase do Direito Moderno, no que se refere natureza conjetural de categorias jurdicas fundamentais, como a de pessoa humana, a da obrigatoriedade da lei mesmo para os que a ignorem; a unidade e as lacunas dos sistemas e ordenamentos ju-rdicos.

    claro que, se fosse tratar, hoje em dia, dos temas ventilados no Ensaio VI, os analisaria mais diretamente luz do "pensamento conjetural", muito embora j tivesse, em 1968, plena conscincia do valor do "problemtico" na vida social, em geral, e na jurdica em particular, dado o reconhecimento da radical historicidade do ser hmnano, ao qual inerente o valor da liberdade, muito embora nenhuma responsabilidade tenha quanto sua chegada onde e como no Mundo.

    Ora, meus estudos sobre a conjetura, a partir sobretudo das referncias de Kant ao pensamento problemtico - ponto de sua doutrina bem pouco analisado -, chegaram a algumas concluses que me permito aqui enumerar:

    a) a conjetura no se confunde nem com o quimrico nem com o arbitrrio, mas corresponde antes a um juzo de plausi-bilidade, formulado em isonomia com a experincia, de tal modo que dura enquanto esta com ela se harmoniza;

    b) a conjetura no corresponde a um juzo aleatrio ou even-tual, mas nasce, ao contrrio, da necessidade de atender a certos reclamos experienciais que a cincia desconsidera por estarem alm de suas possibilidades certificadoras ou veri-ficadoras;

    c) a conjetura possui um status epistemolgico prprio, no se confundindo com a probabilidade, cujos dados numricos so certificveis ou previsveis, nem com a analogia . que obedece a parmetros racionais prprios, de procedncia ou viabilidade;

    d) a conjetura, no obstante a problematicidade que a envolve,

  • XXIV MIGUEL REALE

    alberga uma compreenso de sentido vlida tanto no plano da Cincia como no da Metafsica;

    e) a conjetura, na tela cientfica, s vezes opera como uma "suposio", uma "hiptese imaginria", ou uma "fico", a partir da qual se pode chegar a formas de conhecimento verificveis 00

    Penso eu que, com tais colocaes do problema, superam-se mui-tas das razes da contraposio rigidamente firmada entre prob"lema e sistema, em virtude do que neste h de conjetural; em ltima anli-se, um sistema uma ordenao conjetural de problemas que visa tanto a compreend-los como a possibilitar o advento de novos pro-blemas, assegurando a continuidade da cincia, a qual no tem ape-nas uma finalidade gnoseolgica, mas tambm o fim tico de aper-feioamento humano.

    No que tange questo particular da obrigatoriedade objetiva do Direito, de que trata o Ensaio VI, o pensamento conjetural me parece ser de grande valia, pois a exigibilidade de sujeio lei da-qlleles que a ignoram somente se legitima luz de um postulado da razo prtica jurdica, uma vez que admitir o contrrio importaria no absurdo de subverter-se toda a ordem jurdica, sem a qual a so-ciedade pereceria. Ora, todo postulado, luz da Epistemologia con-tempornea, essencialmente um como se, um als ob ou als if, admi-tido em razo do absurdo a que nos levaria a tese oposta, operando como "hiptese de trabalho", conforme feliz terminologia de Claude Bernard.

    V MODELOS DO DIREITO: MODELOS JURDICOS E MODELOS

    DOGMATICOS

    10. Uma das partes fundamentais, e, a meu ver, mais origi-nais do presente livro refere-se colocao da experincia jurdica em termos de "estruturas normativas" ou "modelos jurdicos".

    no Ensaio VII que procuro demonstrar que a vida do Direito no se desenvolve com referncia a modews abstratos postos ab extra, por um ato de autoridade, mas sim como uma contnua "pro-vao" ou "experimentao" de modelos concretos, onde o formal necessariamente se casa ao contedo, sendo observveis, nesse pro-cesso, avanos e recuos, ou, como diria Gilberto Freyre, surgncias, insurgncias e recorrncias.

    10. Sobre todos esses pontos, v. MIGUEL REALE - Verdade e Co11jet11rn, Rio de Janeiro, 1983.

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA xxv

    claro que, no plano puramente lgico, podemos conceber mo-

  • xxvr MIGUEL REALE

    de vontade", pouco importando que seja um poder derivado, resul-tante da lei e por ela assegurado, porquanto o que releva a natureza do liame e a atualizao especifica da faculdade genericamente outor-gada pelo legislador.

    Pois bem, so as fontes que pem in esse os modelos jurdicos, os quais se apresentam como "estruturas normativas de fatos segun-do valores, instauradas em virtude de um ato concomitante de esco-lha e prescrio" 11

    A diferena essencial entre umas e outras que as fontes so retrospectivas, remontam s nascentes de que emergem os modelos jurdicos, enquanto estes so prospectivos, voltados para a realizao futura dos objetivos que lhes deram nascimento. Resulta da uma mudana radical no processo hermenutico, que no fica retrospec-tivamente apegado s fontes ( "inteno do legislador", ou "in-teno da lei", por exemplo), mas prospectivamente orientado no sentido dos fins paradigmaticamente enunciados nos modelos jur-dicos.

    Costumo, a esse propsito, lembrar, como o notou Wolf Paul, que Karl Marx, assistindo s aulas de Savigny, criticou-o por inter-pretar o Direito remontando s suas nascentes, e no segundo o fluxo das guas do rio no qual o homem se situa navegando em seu barco. Eis a uma verdade marxista que flutua no obstante o nau-frgio do socialismo real .

    No ser demais observar que nessa viso da experincia jurdi-ca a compreenso axiolgica da vida do Direito se converte natural-mente em compreenso teleolgica, mesmo porque, no meu entender, o fim no seno o valor racionalmente reconhecido como objetivo da ao. por isso que, enquanto o mundo sempre agitado e impre-visvel dos valores - no obstante a existncia de invariantes ax1.ol-gicas - desafia nossas foras intuitivas e racionais, o mundo dos fins resulta de uma filtragem racional daquilo que valorado, im-portando numa opo intelectual por um dos caminhos possveis: essa a razo de ser da norma jurdica, a qual se pe sempre como um dJ:Ulo racional destinado a ser racionalmente interpretado, ainda que no possam e no devam ser olvidados os motivos axiolgicos que lhe deram sei, mesmo quando tisnados de irracionalidade. O que cabe razo realizar o superamento das contradies inerentes ao mundo das estimativas, o que s possvel em termos de razo concreta ou de razo d-ialtica (na qual a razo argumentativa se insere) decidindo sobre os critrios que devem ser seguidos na apli-cao da norma jurdica, na medida de sua elasticidade axiolgica, at que surja a necessidade de sua revogao formal.

    11. Cf. Lies Preliminares de Dreiro (I.' ed., 1973, e 19.' ed., 1991) cap. XV.

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA XXVII

    Essas consideraes vm reforar o j dito sobre a minha com-preenso concreta, por seu contedo (contenutistica, diria um juris-ta peninsular), dos modelos jurdicos, cuja absoluta positividade necessrio salientar, para que se no confunda o modelo com um ente ideal, concebido abstratamente alm da expe1incia.

    Tudo isso implica nova compreenso da Hermenutica Jurdica, j delineada nos Ensaios IX e X, numa vi.so d3 integralidade, ac mesnw tempo lgica, axiolgica e histrico-social, que s aparente-mente pode ser equiparada ao mtodo histrico-evolutivo que mar cou o ponto mais avanado a que poderia chegar a Jurisprudncia clssica, na passagem do plano dos conceitos para o plano dos inte-resses.

    Como o problema dos modelos jurdicos inseparvel de sua exegese (a Hermenutica , penso eu, uma das partes fundamentais da Axiologia), peo que a leitura dos dois Ensaios supracitados seja completada pelo que escrevo sobre "Hermenutica estrutural" em meu livro Estudos de Filosofia e Cincia do Direito.

    12. No haver mal, todavia, em referir-me ao papel que o conceito de Lebenswelt (mundo da vida comum) passou a desempe-nhar, a meu ver, na exegese dos modelos jurdicos, a fim de compreen-der-se melhor suas variaes semnticas at a sua revogao ou des-constituio.

    A noo de Lebenswelt, ou do mundo da vida comum, ao qual me refiro pg. 40, segundo alguns remontaria idia de Common Sense subtilmente elaborada em termos psicolgicos pelos filsofos escoceses do Sc. XVIII. Husserl emprega-a, porm, em sentido de condio transcendental da existncia do homem comum, que somos todos ns, em nossas relaes sociais, donde ser essa idia apresen-tada como fonte inspiradora da filosofia de Heidegger.

    Por Lebenswelt, inspirando-me em Husserl, entendo o complexo das formas de ser, de pensar e de agir no categorizadas (isto , no estadeadas em formas objetivas, como as das artes e das cincias) que condiciona, como conscincia histrico-transcendental, a vida co-munitria e a vigncia de suas valoraes, muitas delas devidas ao refluxo ou reflexo das forrnas objetivas no plano da vivncia coletiva. No se trata, note-se bem, de um estgio larvar ou incipiente desti-nado a evoluir para formas categorizadas superiores, mas sim de uma condio existencial c

  • xxvm MIGUEL REALE

    Ora, sendo o Direito uma das dimenses da vida humana, seus modelos jur!dicos e dogmticos esto sempre na dependncia das mutaes operadas na Lel>enswelt. O Direito, em suma, tanto no seu evolver como na sua hermenutica, no pode deixar de ser infludo pela Lebenswelt, assim como esta recebe tambm influxos a partir das estruturas jurdicas e das conquistas da Cincia do Direito. o que procuro explicar na parte final da 4. edio de Teoria Tridi-mensional do Direito, de 1986, cuja leitura seria complemento natu-ral do presente livro.

    13. Outro ponto que desejo realar, a propsito do assunto desenvolvido no Ensaio VII, 7, uma alterao de natureza termi-nolgica.

    Aps a publicao de Lies Preliminares de Direito, venho dando ao termo "Modelos do Direito" um sentido genrico que abran-ge duas espcies, a dos modelos jurdicos e a dos modelos dogmti-cos. Neste livro, ao contrrio, os modelos elaborados pela doutrina, isto , pela Cincia do Direito, so impropriamente denominados "modelos do Direito" ou "modelos dogmticos'', motivo pelo qual se torna necessria uma releitura da pg. 163, atualizando-se a respec-tiva terminologia, ficando assente a seguinte diviso:

    {a) modelos juridicos, dotados de for-

    Modelos do Di.reito a prescritiva; (estruturas normativas da experincia jurdica) b) modelos dogmticos, dotados de

    fora indicativa ou persuasiva.

    A cincia dos juristas pode, em suma, elaborar modelos tericos indispensveis compreenso dos modelos jurdicos, mas, alm de no poder fazer abstrao destes, tem por finalidade estabelecer o que os modelos jurldicos significam ou devem significar: em rela-o aos modelos jurldicos, portanto, os modelos dogmticos repre-sentam uma metalinguagem jurdica: so, fundamentalmente, um discurso sobre modelos jurdicos, sua estrutura lgica e axiolgica, suas variaes semnticas e pragmticas, e sua lacunosidade nos sistemas e subsistemas que compem o ordenamento jurdico.

    Por a se v que acentuo mais ainda as razes pelas quais no considero a doutrina uma fonte formal do Direito, visto como os modelos tericos que ela constitui se acham desacompanhados de ga rantia do Poder, sem cuja deciso no se instaura nenhum modelo jurdico como tal.

    claro que, no plano factual, a alta significao de uma tese doutrinria pode levar os tribunais a decidir em consonncia com ela, preenchendo as lacunas dos modelos jurdicos legais e negociais, ou interpretando-os de maneira renovadora, mas, nesse caso, como no Oommon Law, o entendimento terico ganha fora prescritiva graas ao Poder Judicirio, provocando reformas no Poder Legisla-tivo.

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA XXIX

    Nesse entendimento, como alis realo no 15 do Ensaio VII, no diminuo, mas antes enalteo, a funo dos mode1.o8 ck>gmticos, cuja finalidade determinar: a) como as fontes podem produzir mo-delos jurdicos vlidos; b) que que esses modelos significam; c) como que eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos, subsistemas e sistemas, tudo na unidade lgico-axiolgica do orde-namento jurdico nacional. Se, efetivamente, a misso mais imediata dos juristas determinar o que os modelos jurdicos significam, no menos certo que, por razes de Poltica do Direito e pelo prprio evolver da Cincia Jurdica, cabe-lhes abrir primeiramente o caminho para a revogao dos modelos jurdicos tornados inadequados e sua substituio por outros mais correspondentes s necessidades ma-teriais e espirituais do povo.

    Essa posio de vanguarda do Juristenrecht incontestvel, de-vendo-se reconhecer que os jurisconsultos brasileiros, de Ribas a Teixeira de Freitas, de Lafayette a Clvis, de Rui ou Pedro Lessa a Pontes de Miranda, tm sabido conesponder a esse nobre mandato intelectual.

    A irredutibilidade dos modelos dogmticos s estruturas das fon-tes formais e dos modelos jurdicos, longe de cercear-lhes plena li-berdade investigadora, vai compondo, aos poucos, o horizonte terico dentro do qual se desenrola o drama da experincia jurdica nacional.

    Que misso poderia haver maior que essa?

    VI

    UMA ANTIGA CONVERSA AINDA ATUAL SOBRE O PRESENTE LIVRO

    Editado, em 1968, O Direito como EX'perincia, provocou ele incontinenti a ateno dos cultores do Direito do Pas, com a publi-cao de artigos que enalteceram seus mritos, mas formularam cr-ticas e observaes que me pareceram merecedores de resposta, a que dei o ttulo de Cmiversa com meus crtiooo, tal como consta do fascculo 74 da Revi.sta Brasileira. de Filooofia, do segundo trimestre de 1969, pgs. 231 e seguintes.

    Os trabalhos a que me refiro nessa resposta - a qual, por sua atualidade, julgo de bom alvitre apresentar como complemento s consideraes anteriores, conforme artigos constantes do mesmo fas ciculo da RBF - foram de autoria dos saudosos amigos e colegas Leonardo Van Acker e Theophilo Cavalcanti Filho, que escreveram, respectivamente, sobre EX'[lfffincia e epitemologz jurdica e A re-volta contra o f ormoJ,ismo jurdico e o -problema da experincia. Os demais artigos foram escritos por Renato Cirell Czerna - Fundo-nalidade histrico-cultural e antiformalismo; Irineu Strenger - Dia-

  • xxx MIGUEL REALE

    ltica da experincia jurdica; e Trcio Sampaio Ferraz Jr. - Algu-mas observaes em torno da cientificidade do Direito segundo Mi-guel &ale.

    Foi esse, sem sombra de dvida, um momento que veio confir-mar a maturidade dos estudos de Filosofia do Direito no Brasil.

    Eis a parte essencial do mencionado texto, atualizada apenas a sua ortografia:

    Fundao da Cincia do Direito

    "A colocao da cientficidade do Direito em termos de expe-rincia resultou de exigncias intrnsecas ao desenvolvimento da pesquisa, ditadas pela necessidade de atingir um conceito de Cincia Jurdica que seja to concreto como concreto se me afigura o Di-reito na concretitude da experincia social e histrica.

    No vi razo para, como intrito do livro, relembrar os pressu-postos de minha posio ontognoseolgica, preferindo reportar-me a trabalhos anteriores, a fim de concentrar a ateno do leitor no mbito de sua projeo 'epistemolgica'. Eis aqui um ponto, a meu ver, capital, este da Epistemolgica como especificao do processo ontognoseolgico.

    Pe-se uma correlao essencial entre processo ontognoseolgico e processo histrico-cultural, sem que, isto no obstante, um se re-duza ao outro. O realismo ontognoseolgico realismo na medida e enquanto a subjetividade transcendental outorga sentido ao real, em funo de estruturas imanentes a este; e ontognoseolgico enquan-to o objeto s o por sua essencial correlao conscincia mesma. A essa luz, a antinomia entre 'realismo' e 'idealismo' passa, por assim dizer, a um segundo plano, prevalecendo o sentido de unidade do pro-cesso em que a conscincia e a realidade concretamente se correlacio-nam. Poder-se-ia mesmo dizer que a funcionalidade entre os dois termos, o sujeito e o objeto, opera como sntese a priori condicio-nante de um processo cognoscitivo e, ao mesmo tempo, prtico, mar-cado pelo sentido dialtico de complementaridade.

    Poder-se-ia dizer que no 'envolvente ontognoseolgico' se suce-dem os momentos distintos de objetivao, no se podendo sequer considerar o dado emprico como sendo de todo independente do su-jeito cognoscente: mesmo aquilo que percebido e captado como 'dado natural', num esforo metdico de despersonalizao, no pode, enquanto objeto, deixar de se situar no mbito ontognolgico, o que torna impossvel a absolutizao da cincia como 'positividade', bem como torna precrio todo formalismo 'a se stante'.

    dentro dessa compreenso integrante que o processo histrico-cultural assinala os momentos da objetivao cognoscitiva, revelan-

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA XXXI

    do-se como 'experincia', na qual se insere a 'experincia do Direito'. Esta corresponde, pois, a um caso particular e a um momento da objetivao progressiva do esprito humano enquanto instaura as 'es-truturas da cincia', recortando-as no plano 'infinitamente determi-nvel' daquilo que se supe fora dele como 'natureza', isto , como dado no constitudo, mas oferecido fonte espiritual doadora de sentido, para s ento se apresentar como objeto.

    A esse ato fundamental de concreo e de 'con-criao' denomi-no 'ato objetivante', que o ato fundante da cincia, a qual s pos-svel na medida em que a estrutura da 'expresso', intersubjetiva-mente comunicvel, no mera cpia, nem adequao extrnseca a algo, mas antes um modo necessrio de ser de algo. Por outras pa-lavras, onde no h objetividade no h Cincia; e toda Cincia a objetivao de algo 12

    Posta a questo nesses termos, pareceu-me que, sob o ngulo da tarefa que me havia proposto, - que era a de determinar a 'fun-dao da Cincia do Direito', - a questo primordial se resumia em saber qual o processo de 'objetivao' da experincia jurdica no quadro de uma concreta compreenso objetiva.

    Para tal anlise, comecei por propor-me o problema da 'experin-cia tica em geral', afrontando um tema que Kant deixara num ver-dadeiro beco sem sada. Teria sido mais fcil tomar o problema como resolvido, como o tm feito em geral os socilogos, subentendendo solues de carter emprico, mas me pareceu que nas obras dos neo-kantianos, de Cohen, Natorp e Cassirer, assim como nas medi-taes que se desenrolam de Husserl a Scheler, Hartmann e Hei-degger, que mais viva se faz sentir a necessidade de superar-se o restrito conceito de experincia de Kant, sem, resultar afetada, ma'l antes integrada na nova sol1Uo, a contribuio do mesmo Kant re-lativamente s condizs lgicas do saber cientfico.

    Foi a essa luz que cheguei concluso da possibilidade de uma 'cincia do social', em geral, por ser possvel e, mais do que is1o, imprescindvel, a ca1egorizao autnoma de uma 'experincia de humano', complementarmente s 'experincias do natural'. O concei-to de 'causalidade motiracional', inspirada por Husserl, mas no integralmente correspondente ao seu ainda impreciso enunciado, jul-guei ser o capaz de dar-nos a comprEenso da 'experincia tica', e da jurdica em particular, como distinta e autnoma modalidade de experincia.

    O passo sucessivo nessa anlise, - que se desdobra ao longo do!: Ensaios, constituindo a linha interna que os integra em unidade, -consistiu em ver a experincia jurdica como 'processus', valendo-me

    12. E

  • xxxn MIGUEL REALll

    da concluso a que j chegara em minha Fi"lo8ofia M Direito, cuja segunda parte toda dedicada Ontognoseologia Jurdica, bem como em outro livro, publicado como preparatrio do ora criticado (Teoria Tridimensional do Direito), de que a realidade jurdica se mostra, em sua estrutura, como uma composio dialtico-normativa de fa-tos e valeres.

    Dessarte, o que se punha como tarefa especfica de uma Episte-mologia Jurdica, no contexto de meu pensamento, desdobrava-se naturalmente do bojo da Ontognoseologia Jurdica, como sua proje-o necessria, no podendo, pois, O Direito como Experincia ser compreendido seno como continuao da Filosofia M Direito. S no apareceu como 3.0 volume do Curso, pelas razes aduzidas no Prefcio.

    Pois bem, uma vez que me pareceu lcito reportar-me ao j ex-posto e desenvolvido em obras anteriores, quanto dialtica de com-plementaridade que governa a experincia tico-jurdica, assim como a experincia histrico-cultural em geral, - o problema se transfe-ria para outro plano, talvez suscetvel de ser resumido nesta pergunta audaciosa: 'Sendo o Direito uma experincia, como que esta se objetivou no decurso do tempo?'

    Eis a, mais uma vez, a problemtica da 'objetivao' posta no cerne do assunto, como bem o viu Renato Cirell Czerna, ao lembrar que uma das razes da discrdia do pensamento moderno , de um lado, o desejo de colher a realidade em sua concreo, e, de outro, a tendncia a reduzi-la a mera expresso lgico-analtica.

    Sempre considerei sem razo de ser essa antinomia, empenhan-do-me em situar o problema da Cincia do Direito de tal modo que seja possvel a sua compreenso analtica (e, por conseguinte, for-mal), sem prejuzo, mas antes em funo de sua compreenso dial-tica (e, por conseguinte, concreta).

    Da interessar-me antes o problema da experincia jurdica na sua gradao ntica, distinguindo-a, permanente e concomitantemen-te, como 'experincia jurdica pr-categarial' (forma imediata de ob-jetivao do processo jurdico-normativo) e 'experincia jurdica tJientfico-positiva' (forma mediata ou reflexa daquela objetivao), a mostrar que a 'objetivao cientfica', lato senso, isto , a objetiva-o ontognoseolgica no privilgio do 'saber rigorm:o', prprio da Cincia positiva como tal, mas implica e subentende o saber espon-tneo, intuitivo, da imediatidade 'eu-mundo' que o da Le"benswelt. , no fundo, essa 'imediatidade eu-mundo' o a priori condicionante de todas as estruturas reflexas do conhecimento cientfico no desen-volver do processo histrico-cultural, razo pela qual toda Cincia entra em 'crise existencial', - que pode no coincidir com a crise metodolgica, relativa ao progresso tcnico, - quando se desvincula das matrizes que inspiraram o seu sentido primordial de objetivao.

  • O DIREITO COMO EXPERINCIA xxxm

    Esta sobretudo verdade que merece lembrada pelos cultores de Cincias tais como o Direito, ficando manifesto que todo formalismo representa como que uma traio s prprias origens.

    Mas se a Cincia Jurdica deve fidelidade ao hmus axiolgico, que mantm o verdor de suas frondes e produz a substncia nutritiva de seus frutos, trata-se de uma rvore que antes de tudo deve ser preservada num campo de ordem e segurana, o que s se consegue atravs de um sistema de 'formas' protetoras, de um 'complexo de certeza' que vai desde o enunciado lgico das regras de conduta at certificao jwisprudencial das responsabilidades.

    Como possvel, ento, conciliar valor e forma na condicionali-dade cambiante do fato histrico? Como optar pela 'forma' em pre-juzo do 'contedo existencial', ou apegar-se lricamente a este at o ponto de perd-lo? Eis a o drama do Direito, que, no dizer expressi-vo de Verdross, quanto mais afunda as suas razes no mundo dos fatos mais alto projeta a sua ramada no cu dos ideais.

    Direito e Lgica

    Compreende-se agora por que fui levado a repropor um velho tema, o da 'estrutura' e da 'forma' ( Gestalt), partindo da intuio goethiana de uma forma repleta de contedo, a surgir de dentro da realidade mesma, numa como que converso objetivante, ou auto-reveladora.

    Todo o dilogo que travo, de um lado, com os 'estruturalistas', -que se iludem com a possibilidade de esquemas libertos do fluxo his-trico, -, de outro lado, com os neo-positivistas que, no campo do Direito, se deixam encantar pela certeza aparentemente suficiente da linguagem rigorosa, toda essa permanente referncia a diversos autores no o resultado de uma atitude polmica, nem marca um desejo ftuo de erudio e de novidades, mas nasce do deberado propsito de firmar e definir, dialeticamente, a posio prpria em confronto com aquelas doutrinas que, com razo, postulam a 'forma', mas a esvaziam de seu sentido real, inseparvel de sua integrao no todo do processo histrico. Sob esse prisma, minha obra se situa, como uma expresso da luta contra o formalismo jurdico, como disse "Thephilo Cavalcanti Filho, mas quero crer que j se situa num mo-mento ulterior, de balano da luta j travada, em busca de uma sntese superadorn, capaz de colher e assimilar as razes pelas quais o formalismo, vencido no plano da doutrina, a todo instante ressurge no plano da prxis.

    Reivindicar o 'histrico' e o 'funcional' contra o meramente 'formal', sem perder os valores que tocam a este, eis, a meu ver, a

  • XXXIV MIGUEL REALE

    problemtica, hodierna da Cincia do Direito, implicando o esclare-cimento d~ trs problemas complementares, a saber:

    a) o que h de 'lgico' no Direito?

    b) 'o que h de 'formal' no Direito?

    e) o que h de 'funcional' no Direito? Procurando responder a tais quesitos, fui levado a correlacionar

    Razo Analtica e Razio Dialtica, vendo nesta a expresso do con-creto em sua funcionalidade e dinamismo. 'Razo objetivante', por outras palavras visto como nela e por ela o real se correlaciona in-cessantemente com o sujeito percipiente, o qual plasma as formas objetivas da explicao e da compreenso e pe, concomitantemente, os 'objetivos' da prxis. a Razo Dialtica que funda a experincia segundo exigncias lgicas que so, a bem ver, ontognoseolgicas, desenvolvendo-se em 'momentos distintos de objetivaes', compa-rveis, por assim dizer, a plataformas atingidas na escalada do saber e do fazer humano. sobre essas 'plataformas objetivas' que opera a Razo Analtica, explorando e consolidando o resultado projetante da Razo Dialtica, que no se exaure, no entanto, em qualquer das formas atingidas, integrando-as a todas na unidade substancial de seu processus. No h, por conseguinte, que falar em contraposio ou em antinomia entre o funcicmnl-histrioo e o 'forrnal', a no ser em momentos de ajustamento necessrio entre o mpeto da caminha-da e a calculada pausa, sendo ambos os dois momentos necessrios e complementares da Lgica concreta, a um tempo formal e funcional, predicativamente certa e teleologicamente operacional, como bem soube ver Irineu Strenger.

    dessa compreenso que resulta a colocao integral da Lgica Jurdica, sem reduzi-la Lgica formal, ou, mais especificamente, Dentica Jurdica. Eis, a meu ver, o quadro abrangente da Lgica Jurdica:

    Analtica Jurdica

    Dialtica Jurdica

    { S . t { Sinttica-Jurdica . em10 1ca S t' J 'd' Jurdica eman _1~a- uri _1~a

    Pragmat1ca-Jurid1ca Dentica Jurdica

    { Dialtica do discurso jurdico Dialtica da experincia jurdica

    A Teoria dos Modelos Jurdicos

    Quem me acompanhou nesta espcie de introspeco do autor, em face de sua obra, j deve ter percebido como surge, como conse-qncia natural da pesquisa, a idia de modelo.

  • O DlREITO COMO EXPERINCIA xxxv

    Todo o estudo que fao da moderna 'teoria da estrutura' pare-ceu-me essencial para poder situar com rigor o problema particular da 'estrutura nornwtiva', ou modelo.

    , com efeito, no conceito de 'modelo' que se pode encontrar reunidas, numa essencial complementaridade, a logicidade da certe-za formal e a funcionalidade instrumental de uma estrutura destina-da a ser 'operada' por advogados e juzes, por administradores e contribuintes do Fisco.

    Note-se que no apresento o 'modelo jurdico' como um simples 'contexto terico', numa espcie de esquema teortico em funo da qual determinados fatos humanos se explicam, mas o concebo antes como algo de concreto, como 'forma experimental', que nasce da experincia social e dela se no separa. Dos 'modelos jurdicos', que so 'formas de vida', postas em funo das opes decisrias do Poder (Poderes legiferante, jurisdicional, costumeiro e negocial) se distinguem os 'modelos dogmticos', estes sim 'teorticos', mas nem por isso menos operacionais; seu operar se distingue por se destinar operao dos 'n10delos jurdicos', esclarecendo o seu sentido, na concretitude da experincia histrica. Poder-se-ia distinguir os 'mo-delos jurdicos' dos 'modelos dogmticos' dizendo que se distinguem entre si como 'linguagem' e 'metalinguagem', visto como os primeiros tm como objeto a conduta humana de carter bilateral-atributivo, enquanto que os segundos se referem aos 'modelos jurdicos' em fun-o dessa conduta. Com isto, penso eu, a 'vexata quaestio' sobre se a doutrina ou no 'fonte' de Direito passa ao rol dos pseudoproble-mas. No fundo, a Cincia do Direito se processa graas permanente interao de 'modelos jurdicos' e 'modelos dogmticos', conferindo-se s estruturas normativas um sentido operacional, que se confunde com o da experincia jurdica.

    a razo pela qual chego concluso, a meu/ver fundamental, como bem o salienta Trcio Sampaio Ferraz Jnior de que mister pr na base da Cincia Jurdica contempornea, at agora concebida em termos de 'fontes', o conceito prospectivo e operacional de 'mo-delos', na complementaridade de suas duas expresses, a teortica e a prtica, ou, para sermos mais precisos, 'teortico-prtica' e 'prti-co-teortica'. a razo pela qual no posso concordar com o con-ceito que Viehweg tem de 'sistema', que, por ser inhistrico ou est-tico, leva-o a recusar cientificidade ao Direito. a mesma razo pela qual no posso aceitar a antinomia, de fundo ideolgico, que o mesmo Autor pe entre uma 'dogmtica de princpios jurdicos', -que seria prpria do Ocidente, - e uma 'dogmtica histrico-filos-fica', que seria vigente nos Pases comunistas. Sobre reduzir, unilate-' ralmente, toda compreenso dialtica 'dialtica marxista', tal pon-to de vista exclui o que me parece essencial: a possibilidade de supe-rar-se a contraposio abstrata entre princpios jurdicos e processos histricos.

  • XXXVI MIGUEL REALE

    O mais que no meu livro se encontra, inclusive no que se refere s contnuas incurses pelos domnios da Teoria Geral do Direito, -o que no deveria ter passado despercebido, - uma conseqncia, ou o lgico desdobrar-se dos pressupostos assentes no propsito de uma compreenso integral do Direito e da Vida" (RBF, fase, 74).

    Itanham, Pscoa de 1992

    MIGUEL REALE

  • PREFACIO DA 1. EDIO

    O direUo no s experiencia, ma.~ s pode ser compreen-dido como experincia, cuja moda.lidade procuro determinar nas pgina.~ dste livro, no qual penso ter demonstrado qiw no se trata de um problema ligado a razes histricas contingentes, mas sim de uma questo epistemolgica primordial.

    Os ensaios ora reunidos incl1lem-se, em sita quase totalidade, .no mbito da Epi.stemologia Jurdica; e o leitor, que tiver acom-71anhado com benvola ateno o desenvolvimento de meus estudos, f cilmentc compreender que les representam a continuao na-tttral da parte geral j publicada de minha Filosofia do Direito, cujos terruis voltam, aqui Ott ali, a ser focalizados, rruis com di1'-ersa finalidade . to certo como, no meu. entender, a investigao epis-temolgica marca uma projeo ou de,sdobramento das prvias formulaes ontognoseolgicas.

    O fato de apresentarem-se os presente,s trabalhos sob a forma de ensaios distintos, quatro dles elaborados para atender a sim-psios no estrangeiro, no deve fazer perder de vista o essencial, que a sua colocao numa linha dominante de pesquisa, tendo como fulcro o 1iroblema da fundao da Jurisprudncia ou Cincia do Direito como cincia. Na ordenao dos trabalhos, podia ter mantido a tradicional diviso em captulos, tal a seqncia com que se desdotnam, ma.~ o trmo "ensaio" tem por finalidade acen-tuar a vi1,nda e::r:peri.encia.l dos problemas, bem como o seu sentido 71rogramtico.

    Foi meu propsito inicial dar a estas investigaes um cunho didtico, a eJ;cmplo do adotado naquela citada obra, mas as exi-gncias da investigao prevaleceram no sentido de um estudo de carter mais especializado e tcnico, constituindo como que as bmws nece.~.wrias de uma poss-vel exposio futura. H quem julgue serem os compncUos um ponto de partida: se o so para qncm se i.nicia nos estudos,. devem representar, para quem os redige, a m.at1tridade ou o 11onto alto da investigao, pois somente aB idias longa e prof!mdamente meditadas logram atingir a. sim-plicidade verdadeira, inconfundvd com mna viso de superfcie.

  • xxxvm MIGUEL REALE

    Restam, por certo, muitos e muitos aspectos da Epistemologia Jurdica a ser considerados, mas os aqui examinados bastaro para dar maior consistncia e plenitude teoria tridimensional do direito, demonstrando a fecundidade de seus pressupostos no sentido de uma compreenso mais ntima entre filsofos e juristas, cada qual fiel s respectivas reas de estudo.

    Se a publicao de um livro alberga vrios motivos determi-nantes, h, no presente, tambm o de contribuir para o reconheci-mento de que o Direito uma das cincias fundamentais da expe-rincia humana, numa poca em que parece s haver olhos abertos e extasiados para a tecnologia, como se esta pudesse significar algo divorciada do problema tico essencial do homem.

    So Paulo, Julho de 1968

    MIGUEL REALE

  • O PROBLEMA DA EXPERINCIA JUR1DICA

    SUMRIO: I - A crise da teoria da experincia jurdica e a atualidade do tema. II - As trs perspectivas filosficas funda-mentais da experincia jurdica: a) a posio imanente; b) a posio transcendente; e) a posio transcendental. III - A experincia tica na linha de Kant e dos neokantianos. IV - A

    experincia tica a partir da fenomenologia.

    I

    A CRISE DA TEORIA DA EXPERU:NCIA JURtDICA E A ATUALIDADE DO TEMA

    I. Desde o momento em que se alargou o conceito de "expe-rincia" para nle se incluir a esfera da tica, com mais clara conscincia dos processos epistemolgicos adequados compreenso das realidades histrico-sociais e com a concomitante determinao ntica de suas estruturas, abriram-se melhores perspectivas para o estudo do problema da "experincia jurdica", que j tende a atrair novamente a ateno de filsofos, juristas e socilogos, rea-tando-se uma linha de estudos prematuramente abandonada, apesar dos resultados obtidos em alguns ensaios de real valia 1

    Vrios fatres tero contribudo para o abandono de um assunto de to fundamental importncia, e que j suscitara, desde o primeiro aps-guerra, uma preciosa bibliografia 2 No

    1. Sbre o reaparecimento das teorias sbre a experincia jurdica vide o recente estudo de RECASl:':Ns SrcHEs, em Di.anoia, n. XI, Mxico, 1965, onde o leitor encontrar plenamente demonstrada a atualidade do tema, bem como a necessidade de sua reformulao.

    2. S para me referir a trabalhos que cuidam especificamente da expe-rincia jurdica, lt!mbro, a titulo de exemplo: GmsEPPE CAPOGRASSI - Analisi dell'Esperienza Com.mie, Roma, 1930; Studi sull'Esperienza Guridica, Roma, 1932; ll Problema della Scienza del Dritto, Roma, 1937; G. GuRVITCH -L'Exprience Juridique et la Philosophie Pluraliste du Droit, Paris, 1935; T. CASTIGLIA - L'Esperienza Giuridica. ed il Concetto di Stato, Turim, 1933; LUIGI BAGOLINI - Diritto e Scienza Giuridica nella Critica del Concreto, Milo, 1942; G. P. HAESAERT - La Forme et le Fon. du Juridique, Bruxelas, 1~34;. _WIDAR CESARINI SFORZA - Oggettivt e Astratezza nell'Esperienza G1urzd1ca, (1934) cm ldee e Problemi di Filosofia Giuridic

  • 2 MIGUEL REALE

    ser demais uma referncia, embora sumria, a tais motivos, mesmo porque a sua anlise objetiva poder talvez conduzir-nos a mais rigorosa colocao dos dados do problema.

    Antes, porm, no posso deixar de .notar que, no obstante o decrscimo de intersse pela problemtica da "experincia jurdica", ste trmo nunca deixou de ser empregado por juristas de tdas as orientaes e pases, o que poderia ser maliciosamente explicado como desamor ao rigor da linguagem, ou pela paradoxal e subja-cente influncia de um conceito recebido inadvertidamente como de sentido pacificamente determinado, s vzes no instante mesmo em que se proclamava a inutilidade de dedicar-lhe um instante sequer de ateno 3. Bastaria sse fato singular do persistente uso do trmo, para exigir-se a retomada do discurso que com le se confunde.

    Volvendo, porm, ao fio da anlise que me proponho realizar, parece-me plausvel apontar, como causa originria do compro-metimento do nosso tema, a falta de uma prvia indagao de ordem gnoseolgica, destinada a discriminar os dois possveis tipos de pesquisas da experincia jurdica, evidentemente complementa-res, mas nem por isto insuscetveis de rigorosa distino: a filo-sfica e a emprico-positiva. Em geral predominaram, neste ponto, duas tendncias que no podiam seno empobrecer ou obscurecer os dados do problema: uma, no sentido de se fazer total abstrao de quaisquer cogitaes de carter filosfico, ignorando-se, pura e simplesmente, tudo o que ultrapassasse os limites estritos das re-laes fenomnicas; uma outra, no sentido de se tratar, concomi-tantemente, dos aspectos filosficos e cientficos, quer por se partir do pressuposto de uma radical identidade entre Filosofia e Cincia, quer por se adotarem os princpios de uma doutrina, como a de Croce ou de Gentile, em cujos mbitos a tarefa emprico-positiva se pe como "pseudo-cincia", ou conhecimento condicionado e segundo, particular e contingente.

    imprescindvel, pois, para a boa ordem das pesquisas, reco-nhecer desde logo que a experincia jurdica se apresenta para o filsofo como um "objeto" no coincidente com o ngulo de apre-ciao do jurista como tal, pois ste, - qualquer que seja a sua formao filosfica -, deve situ-la num "campo de realidade"

    pgs. 17-70; VINCENZO PALAZZOLO - Oonsiderazioni sidla Natitra dell'Aziont: e sul Oarattere deU'Esperienza Giuridica, Pisa 1941. Quanto situao atual do problem~" v. ENRICO POCHER - "Esperienza Giuridica", na Enciclo-pedia del Diritto, XV, pg. 735 e Lufs RECASNS S1cHES - "La Experiencia Jurdica", em Dianoia, fase. cit., ambos com ampla bibliografia.

    3. !!: de HEGEL esta nota irnica, iniciando a sua crtica ao empirismo de LoCKE: "Geralmente, quando se fala de experincia. no se cn tende com ela patavina; e dela se fala, pois, como de coi~a pacificamente notria".

  • nC'ccssriamente circunscrito, e receb-la como um dado objetiva-mente vlido.

    Como veremos, uma das questes mais delicadas com que se ele fronta o csl udioso da experincia jurdica consiste exatamente em resolwr se se trata de assunto que, por sua natureza, se situa tambm no mbito da Jurisprudncia (Cincia do Direito), isto , em funo da vigncia e da eficcia dos ordenamentos jurdicos positivos, ou se equivale apenas a mais um "ponto de vista" sbre o direito, significativo nos domnios da Filosofia, mas sem reper-cusso efetiva no plano da cincia positiva.

    de excluir-se, penso eu, possa o assunto ser tratado to-so-mente luz de fatos histricos contingentes, como se daria, por exemplo, com a vinculao do conceito de "experincia jurdica" queles elementos de ordem doutrinria e ftica que determinaram o aparecimento dos primeiros estudos sbre a matria. Por quais motivos, em verdade, haveramos de configurar um tipo inamovvel de "experincia jurdica", nos moldes do correspondente realiza-o dos fins que os pesquisadores do primeiro aps-guerra tiverem cm vista, cm sua luta contra o formalismo jurdico ou a estatalidade do direito, em prol do pluralismo das fontes normativas? No h dvida que as primeiras expresses da "teoria da experincia _ju-rdica" surgiram como resultado de poderosas transformaes s"O-ciais, devidas sobretudo ao impacto da cincia e da tcnica sbre os processos econmicos e as formas do viver comum, a que corres-ponderam Filosofias mais aderentes problemtica da ao e do concreto, como o pragmatismo ou o intuicionismo; exato que a ateno dos juristas foi despertada pelo direito espontneamente revelado atravs do movimento sindical, revelia do Estado e at mesmo em conflito com le; incontestvel que a projeo dada aos estudos de Direito Processual assinalaram, a partir das ltimas dcadas do sculo passado, uma orientao mais dinmica no sistema da Jurisprudncia, assim como inegvel que a inadequao verifica-da entre as leis e os fatos sociais suscitou o aplo ao Direito Natural ou a solues de contedo axiolgico, mas tudo isto no significa que aquela teoria deva ficar jungida ao quadro histrico-cultural que inicialmente lhe deu causa.

    Se houvesse tal vinculao, se estivssemos irremedivelmente ligados a uma configurao j definitivamente plasmada na tela da histria, a "experincia jurdica" deixaria de ser um problema epistemolgico fundamental, para valer como simples categoria histl'ica destinada compreenso daquelas circunstncias que, durante certo tempo, a converteram em tema de relvo nos qua-drantes do Direito 4

    4. dC'ssa compreenso particular do problema que' no se liberta intei-ramente ENRICO POCHER, no b(']o ensaio que escreveu sbre o assunto

    (Enc/.opedia de/. Diritto, Zoe. ci.t.). Apesar, porm. de vincular o conceito ele experincia jurdica a determinados pressupostos Jiistricos, sendo levado

  • 4 MIGUEL REALE

    No h dvida que a perquirio da gnese da teoria indis-pensvel, mas to importante como a minuciosa anlise dos fatres e das doutrinas que formaram o quadro conceituai, ao ser ela pela primeira vez sistematizada, indagai de suas razes mais profundas, de algo, em suma, que nos explique o porqu de seu constituir-se como um ponto de convergncia para o qual tenderam concepes filosficas, sociolgicas e jurdicas to dispares e at mesmo con-trastantes.

    Se, por outro lado, desponta novamente o intersse pelo pro-blema da experincia jurdica, e se, mesmo com o eclipse da teoria, a sua expresso nuclear continuou sendo um valor positivo na lin-guagem comum do jurista, sinal de que nos cabe renovar a pesquisa, numa anlise que nos permita descer, de camada em ca-mada, at ao eidos da questo, captando o que nela possua validade universal na esfera da Jurisprudncia.

    Estou convencido, por conseguinte, de que qualquer investi-gao sbre a experincia jurdica no pode partir a vriori da preconcebida tese de sua vinculao a dado sistema de idias e de aspiraes, devendo-se, ao contrrio, admitir-se, pelo menos como hiptese de trabalho, que o seu conceito, como tantos outros da histria do Direito, dsses que, uma vez trazidos luz da conscincia teortica, emancipam-se dos motivos transeuntes que o revelaram, para passar a desempenhar uma funo positiva e necessria nos domnios da cincia.

    No me iludo, evidentemente, com a possibilidade de um con-ceito unvoco de "experincia jurdica". to avultado o nmero das perspectivas filosficas e ideolgicas que a condicionam, mas no creio seja sse motivo bastante para negar-se, de antemo, a possibilidade de uma construo sistemtica do direito como expe-rincia, como no o impediria o seu natural carter problemtico. por tratar-se de uma experincia axiolgica, com todos os impre-vistos inerentes ao valor e liberdade. O direito todo estaria em causa, se pudesse prevalecer essa antinomia abstrata entre o "pro-blemtico" e o "sistemtico", s admissvel com base num rgido e equvoco conceito de sistemas.

    a excluir a possibilidade da "construo sistemtica do direito como expe-rincia", o mestre de Pdua conclui o seu trabalho afirmando que a colocao do assunto em trmos problc>mticos pode trazer relevante contribuiiio para a Filosofia e a Cincia do Direito, pelo menos em trs pontos fundamentais: al no tocante ao conceito de Filosofia do Direito e sua legitimidade como Filosofia particular; b) sbre a questo das relaes entre historicidade e validade axiolgica do direito, ou, se se preferir, entre o direito como fato histrico e o direito como valor; e) sbre a questo do conceito de Cincia Jurdica e, em particular, da funo reservada ao jurista quanto "cons-truo" de seu objeto (loc. cit., pg. 746).

    5. Tamhm a propsito do conceito de Dogmtica J1irtiicCI (v. infra, pgs. 123 e segs.) encontraremos essa falsa anttese entre "sistema" e "problema".

  • O DIREITO COi\10 EXPERINCIA 5

    essencial, por conseguinte, proceder-se ao estudo da questo numa atitude de objetividade fenomenolgica, para verificar se efetivamente h no conceito de "experincia jurdica", ou, por outras palavras, no conceito do direito como experincia algo de universalmente vlido para o jurista, ou se se trata apenas de um conceito, no apenas problemtico, mas polmico, peculiar s pocas ele transio ou de crise de estrutura.

    A investigao, conduzida com sse esprito, exige, pois, que, primeiro, se procure determinar o "conceito de experincia jurdica", com o rigor compatvel com a ndole das cincias culturais, para, depois, se indagar das razes que, no primeiro aps-guerra, deram nascimento a uma dada forma de compreenso do assunto, que no coincide com a ora vigente, como esta poder tambm no corres-ponder exigida em futuras circunstncias: tais mudanas de pers-pectivas valem antes como estmulo captao das possveis razes condicionantes do problema.

    2. No pargrafo anterior apontei, como uma das razes da perda de intcrsse pela teoria da experincia juridica, a falta de mais rigorosa determinao de seus pressupostos gnoseolgicos, espe-cialmente quanto distino entre a pesquisa do filsofo e a do ju-rista. Mas essa impreciso de conceitos no foi menos acentuada no mbito mesmo da cincia positiva.

    Refiro-me sobretudo a dois equvocos paralelos, o dos juristas que acabaram por fazer uma identificao indevida entre direito e experincia jurdica, e o dos que pretenderam convert-la em objeto exclusivo da Sociologia Jurdica. graas a cujas contribuies e di-retrizes caberia ao legislador elaborar as leis, assim como aos ju-risperitos a tarefa de interpret-las e aplic-las convenientemente. Experiencialismo jurdico (permitam-nos o neologismo) e sociolo-gismo foram as duas factas com que se apresentou a apontada orientao reducionista, oriunda do esquecimento ou desconheci-mento de que o conceito de experincia jurdica bem mais amplo do que o determinado pelo jurista ou pelo socilogo no cam7ms de suas respectivas indagaes: luz da teoria tridimensional do direito, penso ser possvel esclarecer que o jurista aprecia a experincia juridica no sentido vetorial do ato normativo, enquanto o socilogo pe o problema no sentido vetorial da ef iccia, a nenhum dles de per si cabendo o monoplio de tal ordem de estudos, e sem que, por outro lado, em ambas as hipteses, "direito" e "experincia jurdica" se confundam.

    Ainda, neste passo, impe-se uma advertncia quanto com-plexidade e certa fluidez increntes matria versada, pois, assim como no possvel repudiar a Filosofia do Direito de Hegel sob a alegao simplista de no ser obra de jurista, conhecedor dos mean-dros da Jurisprudncia, ou a validade cientifica da produo de Savigny, por se reputarem sumrios os seus pressupostos filos-

  • 6 MIGUEL REALE

    ficos, da mesma forma no haveria como pretender que todo so-cilogo seja jurista e todo jurista seja socilogo. So verdades bvias, mas com freqncia nos esquecemos das conseqncias nelas implcitas, no momento em que nos referimos experincia jurdica.

    Uma conseqncia, por exemplo, a tirar-se dessa verdade prende-se natureza mesma da Filosofia do Direito, que s uma acanhada compreenso da experincia jurdica poder levar a iden-tific-la com a Filosofia da Cincia Dogmtica do Direito, como se o jurisfilsofo pudesse se desinteressar pela problemtica socio-lgica ou psicolgica, etc. que naquela experincia se contm. O posterior constituir-se, por exemplo, da Sociologia Jurdica implica, ao contrrio, o imprescindvel dever que tem o filsofo de transpor os limites tradicionais do Direito, visto apenas "sub specie norma-tivitatis", para inserir-se na totalidade e concretitude da experin-cia jurdica, de cujo processo o momento dogmtico-oormativo parte essencial, integrante e constitutivo, mas no at ao ponto de eliminar os demais fatres, sem os quais, alis, perderia le a sua consistncia ntica e o seu significado axiolgico.

    3. A terceira ordem de reparos, sempre com o propsito de vislumbrar as possveis causas que levaram a se considerarem precipitadamente sem sentido ou superados os estudos sbre a experincia jurdica, liga-se amplitude mesma dste tema, que se presta fcilmente tanto a divagaes como a observaes frag-mentrias, desligadas umas das outras, sem aquela continuidade e sistematicidade indispensveis a qualquer investigao de car-ter cientfico, mxime em se tratando de matria que, por sua vastido e riqueza de perspectivas, exige a cooperao de todos os que cuidam do direito, filsofos, juristas, socilogos, historia dores, antroplogos, psiclogos e politiclogos. A primeira fase dos estudos sbre a experincia jurdica revela, ao contrrio, co-mo que a "auto-suficincia" de que se achava possudo cada inves-tigador, pouca ou nenhuma ateno dispensando certas pesquisas filosficas - mxime quando desenvolvidas sob o influxo do idea-lismo de Croce e de Gentile -, aos resultados atingidos, por exem-plo, nos domnios fundamentais da Antropologia cultural ou da Sociologia.

    claro que o filsofo no pode ser infiel natureza de sua especfica investigao, mas isto no quer dizer que possa fazer abstrao das contribuies cientfico-positivas, a no ser que de antemo as considere fruto de "pseudo cincia", ou receie ver por elas contaminada a forma pura e absoluta de seus pressupos-tos transcendentais, psto, dsse modo, um antagonismo absurdo entre Filosofia e Cincia.

    Faltou, por outro lado, a alguns autores a preocupao 'de delimitar os assuntos versados com os necessrios apuro e rigor

  • O DIREITO COMO EXPERI~NCIA 7

    de linguagem, a comear pela discriminao das diversas formas de experincia jurdica, em funo das distintas modalidades do saber jurdico, sem ter havido sequer o cuidado preliminar de situar-se o Direito (= Cincia normativa do direitu) "perante" ou "na" experincia jurdica.

    Em certos mestres pioneiros ou fundadores da teoria da ex-perincia jurdica, como o caso especial do mais profundo dles, Giuseppe Capograssi, o estilo colorido, e s vzes de tonalidade romntica, traduz como que o entusiasmo e o mpeto polmicos de quem se ope predominante viso lgico-normativa do di-reito, sendo os problemas por le enunciados segundo intuies que se articulam e se sistematizam em virtude da capacidade ordenadora do autor, e no como resultado de uma clara fundao epistemolgica. Frise-se, desde logo, que no recuso a Capograssi a devida preocupao pelas questes condicionantes da experincia jurdica, mas no me parece que passe de mera constatao das dificuldades existentes a qualificao de ambigidade por le atri-buda Cincia do Direito no mundo da cultura 6. Da a necessi-dade de retomar-se a linha dessa e de outras contribuies valio-sas, para melhor compreenso da natureza do direito e do objeto da Jurisprudncia.

    II

    AS ~S PERSPECTIVAS FILOSFICAS FUNDAMENTAIS DA EXPERffiNCIA JURfDICA

    4. Reconhecida a correlao existente entre a compreen-so filosfica e a cientifico-positiva da experincia jurdica, no ser demais discriminar, logo no incio dste trabalho, as posies fundamentais que se delinearam perante o binmio Filosofia-Ex-perincia, a partir de Kant. No obstante o carter propedutico das noes que vo ser expostas a seguir, a confuso operada entre elas no foi causa menor do comprometimento das pesquisas em curso sbre o nosso t