Formação do Sistema Internacional · Módulo 1: Aula 3 •A partir de meados do século XV, a...

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Formação do Sistema Internacional DBBHO1335- 16SB (4-0-4) Professor Dr. Demétrio G. C. de Toledo – BRI [email protected] UFABC - 2016.III Aula 3 3ª-feira, 27 de setembro

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Formação do Sistema Internacional

DBBHO1335- 16SB

(4-0-4)

Professor Dr. Demétrio G. C. de Toledo – BRI

[email protected]

UFABC - 2016.III

Aula 3

3ª-feira, 27 de setembro

Módulo 1: Aula 3

Módulo I: O(s) sistema(s)-mundo às vésperas da ascensão

europeia, 1250-1492

Aula 3 (2ª-feira, 5 de outubro): O mundo em 1400: um quadro

Comparativo

Textos base:

ABU-LUGHOD, J. (1991) “The World-System in the Thirteenth

Century: Dead End or Precursor?”, p. 184-195

WOLF, E. (2009) “O mundo em 1400”, p. 49-102.

Textos complementares:

THORNTON, J. (2004) “O nascimento do mundo atlântico”, p. 53-86.

BLAUT, J. (1993) “Before 1492”, p. 152-179. 2

Os sistemas-mundo

às vésperas da ascensão europeia, 1250-1492

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• A partir de meados do século XV, a Europaocidental experimentou uma ascensãoeconômica, política, militar, comercial,científica e tecnológica que lhe assegurouseguidas hegemonias no sistema-mundo até ocomeço do século XX (Gênova e Veneza,Portugal e Espanha, Holanda, Inglaterra).

• O traço fundamental do domínio“europeu/ocidental” foi o desenvolvimento deum novo modo de produção: o capitalismohistórico. 4

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• Nem sempre, no entanto, foi assim.

• Perguntas fundamentais: quando, onde e porque surgiu o capitalismo histórico?

• O processo de formação do capitalismo sedeve a traços peculiares à Europa e aoseuropeus?

– Econômicos?

– Culturais?

– Tecnológicos/científicos?

– Raciais?5

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• O surgimento do capitalismo moderno sópoderia ter ocorrido na Europa e por obra deeuropeus?

• É possível explicar o surgimento docapitalismo moderno na Europa apelandoapenas a explicações internas à Europa, isto é,aos traços peculiares da Europa e doseuropeus?

• Qual o papel do resto do mundo nosurgimento do capitalismo?

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• A história tem uma direção? Um fim? Ahistória é teleológica?

• Teleologia s.f. FIL 1 qualquer doutrina queidentifica a presença de metas, fins ouobjetivos últimos guiando a natureza e ahumanidade, considerando a finalidade comoo principio explicativo fundamental naorganização e nas transformações de todos osseres da realidade (Dicionário Houaiss daLíngua Portuguesa).

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• No período que vai, grosso modo, de 1250-1500, havia uma série de sociedades ecivilizações espalhadas nos mais diversospontos do globo (Ásia, África, Europa, OrienteMédio) em que vigorou um modo deprodução protocapitalista (Abu-Lughod 1991;Blaut 1993; Thorton 2004).

• Como explicar a divergência entre a Europa eas outras regiões do mundo?

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• Conceitos fundamentais para o estudo da formaçãodo sistema internacional:

– Capitalismo

– Sistema-mundo

– Eurocentrismo

– Modernidade

– Modo de produção9

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• Modo de produção: conceito cunhado porKarl Marx para descrever “um conjuntoespecífico de relações sociais que ocorremhistoricamente e pelas quais o labor é usadopara extrair energia da natureza por meio deinstrumentos, destreza, organização econhecimento” (Wolf 2009: 106).

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• Wolf (2009) define três tipos de modo deprodução:

–Modo capitalista;

–Modo tributário;

–Modo ordenado segundo o parentesco.

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Modo capitalista de produção:

• “O modo capitalista apresenta (...) trêscaracterísticas interligadas (…) [1] Os capitalistasdetêm os meios de produção (…) [2] Nega-se aostrabalhadores o acesso independente aos meiosde produção e eles precisam vender sua força detrabalho aos capitalistas (…) [3] A maximização doexcedente produzido pelos trabalhadores com osmeios de produção detidos pelos capitalistasacarreta ‘um incessante acúmulo, acompanhadopor mudanças nos métodos de produção’ (…)”(Wolf 2009: 109). 12

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Modo tributário de produção:

• “No mundo de 1400, as principais regiões agrícolas(...) eram dominadas por Estados baseados naextração de excedentes dos produtores primáriospor parte dos governantes políticos ou militares.Tais estados representam um modo de produçãono qual o produtor primário, seja ele agricultor oupastor, tem acesso facultado aos meios deprodução, ao mesmo tempo que o tributo érecolhido dele por meios políticos ou militares”(Wolf 2009: 110-111).

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Modo de produção ordenado segundo o parentesco:

• “O parentesco pode então ser entendido como ummeio de comprometer o labor social com atransformação da natureza mediante o apelos àfiliação e o casamento e à consanguinidade eafinidade” (Wolf 2009: 123).

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• “Tentativa de antropologia global (...) com ointuito de delinear as redes e osentrelaçamentos da interação humana que seestenderam por dois hemisférios aindaseparados – o ‘Velho Mundo’ da Europa, Ásiae África e o ‘Novo Mundo’ das Américas”(Wolf 2009: 50)

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• Segundo Wolf (2009), as característicasgeográficas, ecológicas e climáticas dediferentes partes do ‘Velho Mundo’ criaram ascondições (e tornaram necessário) o comérciode longa distância entre diferentes sociedadese civilizações dos séculos X-XV, integrandofrouxamente África, Ásia e Europa emcorrentes de trocas não apenas comerciais,mas culturais, ideológicas, políticas, ecológicase de doenças.

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• Um mundo mais conectado do que nosacostumamos a pensar - Marco Polo, séculoXIII-XIV (Veneza), Ibn Battutah, século XIV(Marrocos) e Cheng-Ho, século XV (China),Colombo, século XC (Espanha): “essas viagensnão eram aventuras isoladas, porémmanifestações de forças que estavam levandoos continentes a estabelecer relacionamentosmais abrangentes e que, em breve,transformariam o mundo em um palcounificado para a ação humana” (Wolf 2009:49).

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O Velho Mundo em 1400: principais rotas comerciais (Wolf 2009: 54)

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• Séculos X-XV: expansão da urbanização e docomércio mundial.

• Mundo afro-eurasiano: múltiplas cidades mercantis,que se intercomunicam pelo transporte terrestre oumarítimo (Mediterrâneo, Índico)

– Principais produtos:

– África: ouro, cobre, azeite, sal, marfim, tecidos tinturados,especiarias e escravos;

– Extremo Oriente e Sudoeste asiático: porcelana, seda, pólvorae especiarias;

– Europa: sal, peles, arenque, lã, madeira, tecidos, vinho,metais, azeite;

– Ásia Central e Oriente Médio: sal, escravos. 19

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• Principais cidades mercantis:– África: Madagascar, Zimbabwe, Sofala, Kilwa, Zanzibar,

Mombaça, Mogadício, Cairo, Alexandria, Marrakech, Fez, Gao, Kano, Niani, Tombuctu, Walata, Djene, Kanem;

– Oriente Próximo: Istambul, Meca, Damasco, Ormuz, Adir, Tripoli, Beirute, Tiro, Constantinopla, Alepo;

– Europa: Gênova, Veneza, Florença, Pisa, Amalfi, Chipre, Londres, Hamburgo, Bergen, Hansa;

– Extremo Oriente e Sudoeste Asiático: Cambary, Delhi, Malaca, Satgaon, Sumatra, Nagasaki, Calicute, Pequim, Cantão, Zaiton;

– Ásia Central: Merv, Kashgar, Ansi, Moscou. 20

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• A civilização islâmica (iniciada em inícios do século VII)tinha uma posição central nas trocas internacionais porsua localização geográfica (Oriente Próximo) eexpansão marítima no Oceano Índico, África e Ásia(Índia e Sudoeste Asiático).

• No entanto, não existia ainda um sistema-mundialpropriamente dito. Sobretudo, porque o comércio alonga distância não era o elemento primordial daeconomia destas sociedades, mesmo as centrais.

• Estes elementos eram a produção agrícola e opastoreio. São sociedades regidas pelo modo deprodução tributário, ainda que algumas delas tivessemforte vocação mercantil.

Sistema-mundo afroeurasiano, século XV

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Extensão do domínio islâmico, c. 1500

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Domínio islâmico na Europa e norte da África, século VIII

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Islã no sudeste asiático

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Rota da seda, terrestre e marítima

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• Janet Lippman Abu-Lughod, “The World-Systemin the Thirteenth Century: Dead-End orPrecursor?” (1991).

• Abu-Lughod é autora de um dos trabalhosclássicos sobre sistemas-mundo pré-expansãoeuropeia: Before European Hegemony: TheWorld System A.D. 1250-1350.

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• “The basic conclusion I reached was that therehad existed, prior to the West’s rise topreeminennce in the sixteenth century, acomplex and prosperous predecessor – a systemof world trade and even ‘cultural’ exchange that,at its peak toward the end of the thirteenthcentury, was integrating (...) a very large numberof advanced societies stretching between theextremes of North-Western Europe and China”(Abu-Lughod 1991: 184).

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• “Indeed, the century between A.D. 1250 and1350 clearly seemed to constitute a crucialturning point in world history, a moment whenthe balance between East and West could havetipped in either direction. In terms of space, theMiddle East heartland that linked the easternMediterranean with the Indian Oceanconstituted a geographical fulcrum on whichEast and West were then roughly balanced”(Abu-Lughod 1991: 184).

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• Janet Abu-Lughod (1991) descreve três grandescircuitos de trocas comerciais e culturais emfuncionamento nos séculos XIII-XV (divididos emnove sub-circuitos):

– Circuito da Europa Ocidental: feiras deChampagne, Flandres, Itália.

– Circuito do Oriente Médio: Constantinopla,Palestina, Alexandria.

– Circuito do Extremo Oriente: Gujarat/Malabar(costa ocidental da Índia), Costa de Coromandel(costa oriental da Índia), Estreito de Málaca.

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Abu-Lughod, principais circuitos comerciais, 1250-1350

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• Segundo Janet Abu-Lughod (1991), três fatoresdesempenharam papel fundamental na reestruturaçãodo sistema mundo do século XIV e na consequenteascensão da Europa no século XV:

1. A peste bubônica (ou Peste Negra), que alterou ademografia dos sistemas-mundo eurasianos (etambém do africano);

2. A rebelião Ming, que depôs a dinastia Yuan (mongol)na China, levando ao fechamento do circuitoterrestre e marítimo do Extremo Oriente;

3. A conquista e colonização pelos europeus daAmérica.

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• A intensificação das trocas mercantis entre 1000-1400trouxe uma série de vantagens para muitos povos afro-eurasianos, mas também possibilitou o avançodevastador de doenças e epidemias que antes eramapenas locais ou regionais – trocas microbianas: vírus,bactérias, protozoários, bacilos, gungos.

• O caso mais emblemático foi a pandemia de pestebubônica (meados do século XIV). Iniciando-se,provavelmente, na China, a peste se espalhou por todoo mundo afroeurasiano nesta época, seguindo amilenar “Rota da Seda” (“Itália”-”Turquia”-”Mongólia”-“China”).

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A pandemia de peste bubônica, século XIV

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A pandemia de peste bubônica, século XIV

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• A peste bubônica, transmitida por pulgas hospedadasem cavalos e ratos, estima-se, causou a morte de 15%a 25% da população mundial (de 450 milhões a 375-250 milhões); morte de 30% a 60% da populaçãoeuropeia.

• A mortandade causada pela peste bubônica alterouprofundamente a demografia das regiões atingidaspela pandemia.

• Por exemplo, afetou mais os centros urbanosconectados aos circuitos comerciais (pelos quais apandemia se espalhou) do que as áreas rurais; algumasregiões foram devastadas, enquanto outras forampouco atingidas. 37

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• A mortandade da população europeia alterou aforça relativa de camponeses, nobres eburgueses (citadinos, habitantes dos burgos).

• Regiões pouco afetadas (como a Inglaterra e aEscandinávia) passaram a contar com umexcedente populacional em relação aos paísesdevastados pela peste.

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• Abu-Lughod levanta a hipótese de que amortandade das tropas mongóis que davamsustentação à dinastia Yuan (de origem mongol)criou condições favoráveis para a Rebelião Ming.

• A China dos Ming, após um breve período deextroversão (época do almirante Cheng-Ho),voltou-se para dentro, interrompendo o circuitocomercial do Extremo Oriente em sua parteterrestre e retirando de ação sua poderosamarinha de guerra, que garantia a segurança eabertura do comércio marítimo no Índico. ..39

Posição estratégica do Estreito de Málaca no circuito comercial do Extremo Oriente

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• Segundo Abu-Lughod (1991), o terceiro fatorfundamental para a explicação da ascensão daEuropa no século XV foi a conquista ecolonização da América, que permitiu acesso ariquezas que estavam fora dos circuitoscomerciais anteriores.

• A incorporação definitiva do Atlântico aosistema-mundo afroeuroasiático foi a primeiravez em que todo o globo se conectou em umúnico sistema-mundo (Dussel 2005; Mignolo2005; Wallerstein 2001). 41

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• O surgimento do mundo Atlântico “displaced theMediterranean decisively from a core focus of trade, thusprecipitating a long-term marginalization of the MiddleEast, reduced the relative indispensability of the IndianOcean arena, and provided the nascent developingnations of western Europe with the gold and silver theyneeded, both to settle the long-standing balance-of-payments deficits with the East and to serve as the basisfor a rapid accumulation of capital. This capitalaccumulation process, deriving ‘free resources’ fromconquered peripheries, eventually became the chiefmotor of European technological and social change” (Abu-Lughod 1991: 193)

Expansão marítima portuguesa, século XV

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Para falar com o professor:

• São Bernardo, sala 322, Bloco Delta, 3as-feiras e 5as-feiras,das 14-16h (é só chegar)

• Atendimentos fora desses horários, combinar por email com oprofessor: [email protected]

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