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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO COMUNITÁRIO: INFÂNCIA E JUVENTUDE HÁ CRITÉRIOS PARA O PERDÃO? Angela Caren Dal Pos Porto Alegre, JUNHO DE 2003

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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO COMUNITÁRIO:

INFÂNCIA E JUVENTUDE

HÁ CRITÉRIOS PARA O PERDÃO?

Angela Caren Dal Pos

Porto Alegre, JUNHO DE 2003

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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO COMUNITÁRIO:

INFÂNCIA E JUVENTUDE

HÁ CRITÉRIOS PARA O PERDÃO?

UM OLHAR SOBRE O SUBJETIVISMO NA REMISSÃO

E MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

Angela Caren Dal Pos

Porto Alegre, JUNHO DE 2003

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ORIENTADOR:

JORGE TRINDADE

DOUTOR (PH.D.) PELA WISCONSIN INTERNATIONAL

UNIVERSITY (ESTADOS UNIDOS)

MESTRE PELA UNIVERSIDADE EXTREMADURA

ESPANHA

LIVRE-DOCENTE PELA ULBRA/RS E DIRETOR-

ADJUNTO DA FACULDADE DE DIREITO DA

ULBRA/RS

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TERMO DE APRESENTAÇÃO

Trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação – Especializaçãoem Direito Comunitário: Infância e Juventude

HÁ CRITÉRIOS PARA O PERDÃO? UM OLHAR SOBRE OSUBJETIVISMO NA REMISSÃO E MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

Apresentado por

ANGELA CAREN DAL POS

Para obtenção de título de Especialista em Direito Comunitário :Infância e Juventude

na ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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... as piores atrocidades contra a infância se cometeram (e se cometem

ainda hoje) muito mais em nome do amor e da compaixão, que em nome da

própria repressão. Tratava-se (e ainda se trata) de substituir a má, porem

também “boa” vontade, nada mais – porém nada menos - , pela justiça. No

amor não há limites, na justiça sim. Por isso, nada contra o amor quando o

mesmo se apresenta como um complemento da justiça. Pelo contrário, tudo

contra o “amor” quando se apresenta como um substituto cínico ou ingênuo

da justiça.

Emilio Garcia Mendez, 2000.

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DEDICO este trabalho aos amores de minha vida:

Deus, meus pais, meus irmãos Michele e Marcio, meu

querido Fabiano.

Aos primeiros por contribuírem fundamentalmente

para a construção do que sou; ao último por seu amor,

apoio e compreensão incondicionais.

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AGRADEÇO a todas as pessoas queridas, que

fazem parte de minha vida, especialmente a Fabiane

Rios Lisardo, pelo incentivo e paciência com a privação

de nossa convivência em prol da dedicação a esse

trabalho.

Também aos colegas Promotores de Justiça que

concordaram em responder essa pesquisa, sem os quais

esse trabalho não seria possível.

Ao Professor Emílio Garcia Mendez, por sua obra

inspiradora.

Ao Professor Jorge Trindade por sua amizade e

orientação, e por me fazer acreditar que seria possível

essa realização.

À Fundação Escola Superior do Ministério Público

pelo incentivo financeiro que me foi proporcionado.

À Administração do Ministério Público do Rio Grande do

Sul, por estimular o aprimoramento profissional de seus

membros.

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SUMÁRIO:

Lista de Quadros................................................................................ IX

Lista de Gráficos................................................................................. X

Lista de Tabelas................................................................................. XI

Lista de Abreviaturas..........................................................................XII

Resumo .............................................................................................XIII

Introdução.............................................................................................1

I- PARTE: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1- DA PENA À MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.....................................4

2- AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO ECA..............................36

3- A REMISSÃO................................................................................52

II- PARTE: CONTRIBUIÇÃO PESSOAL

4- ASPECTOS METODOLÓGICOS..................................................67

5- APRESENTAÇÃO E DICUSSÃO DOS RESULTADOS................69

6- CONCLUSÃO................................................................................98

7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................XIV

8- ANEXO.........................................................................................XX

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LISTA DE QUADROS

QUADRO N.º 01: Divisão da História em Períodos........................................5

QUADRO N.º 2: Momentos da Concessão da Remissão.............................53

QUADRO N.º 3: Valoração dos Critérios......................................................71

QUADRO N.º 4: Critérios e Valores Atribuídos............................................73

QUADRO N.º 5: Justificativas às Respostas da Pergunta 6........................76

QUADRO N.º 6: Justificativas às Respostas da Pergunta 7A.....................79

QUADRO N.º 7: Justificativas às Respostas da Pergunta 7B.....................82

QUADRO N.º 8: Justificativas às Respostas da Pergunta 7C.....................85

QUADRO N.º 9: Justificativas às Respostas da Pergunta 7D.....................89

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LISTA DE GRÁFICOS:

GRÁFICO N.º 01: População e

Amostra.............................................68

GRÁFICO N.º 2: Promotores de Justiça

Participantes........................69

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LISTA DE TABELAS:

TABELA N.º 1 : N.º DE PROMOTORES DE JUSTIÇA EM RELAÇÃO À

FUNDAMENTAÇÃO OU NÃO DO PEDIDO DE REMISSÃO QUANDO DA

HOMOLOGAÇÃO À

JUÍZO...............................................................................74

TABELA N.º 2 : N.º DE PROMOTORES DE JUSTIÇA EM RELAÇÃO À

CONCESSÃO OU NÃO DE REMISSÃO MESMO QUANDO O

ADOLESCENTE NÃO ADMITE O

FATO.....................................................................................75

TABELA N.º 3 : SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORS DE JUSTIÇA

PARA A PERGUNTA

7A...................................................................................79

TABELA N.º 4 : SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORS DE JUSTIÇA

PARA A PERGUNTA

7B...................................................................................81

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TABELA N.º 5 : SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORS DE JUSTIÇA

PARA A PERGUNTA

7C...................................................................................85

TABELA N.º 6 : SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORS DE JUSTIÇA

PARA A PERGUNTA

7D...................................................................................88

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

TERMOS SIGLAS

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ECA

PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE PSC

LIBERDADE ASSISTIDA LA

CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO CNH

LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS LCP

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RESUMO

A presente monografia buscou realizar um estudo prático acerca dos

critérios utilizados para a concessão da remissão, escolha das medidas

sócio educativas e fixação do prazo, pelos Promotores de Justiça da Infância

e Juventude do Rio Grande do Sul.

Teve por objetivo demonstrar a subjetividade e discricionariedade que

envolve a efetividade desses institutos, podendo configurar violação de

direitos do adolescente em conflito com a lei, na medida que permite a

concessão de remissão e aplicação de medida socioeducativa, de caráter

penal, sem o devido processo legal, sujeitas unicamente à conveniência do

Promotor de Justiça ou Magistrado, desrespeitando o princípio da igualdade

e a doutrina de proteção integral instituídos no ECA .

Foi realizada pesquisa através de questionário respondido por

Promotores da Infância e da Juventude, titulares ou substitutos, acerca do

modo e critérios utilizados para a concessão da remissão e escolha da

medida socioeducativa a ser aplicada e o prazo estipulado para o

cumprimento, bem como a justificativa. O estudo revelou enorme

disparidade nas respostas para casos hipotéticos idênticos, ou seja, que não

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há consenso nos critérios, estando no âmbito da subjetividade e

discricionariedade do aplicador do Direito. Também demonstrou a fragilidade

do sistema no que tange à suscetibilidade de violação de direitos

constitucionais em relação à Infância e Juventude, ensejando a reflexão e

discussão de pontos significativos para o aprimoramento das questões

envolvendo o direito menorista.

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INTRODUÇÃO:

A idéia do presente trabalho surgiu a partir de uma inquietação,

enquanto Promotora de Justiça Criminal, muitas vezes chamadas para atuar

na área da Infância e Juventude, ao ter que aplicar remissão, cumulada ou

não com medida socioeducativa, sem encontrar, no Estatuto da Criança e do

Adolescente, a resposta acerca dos critérios a serem adotados para tal,

quais os atos infracionais passíveis de remissão, qual medida adequada,

quanto de medida é suficiente, o que me dava a sensação de poder

desmedido e arbitrário. Ainda mais quando comparado ao Direito Penal,

onde, ressalva feita à transação nos crimes de menor potencial ofensivo,

não é possível aplicação de pena sem o devido processo legal. Não parecia

correta a aplicação de medida socioeducativa, entendida de natureza penal,

sem o respeito dos direitos processuais constitucionais, como é garantido

aos adultos, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Tal inquietação aumentou a partir de uma aula ministrada pelo

eminente professor, aqui muitas vezes doravante citado, Emílio Garcia

Mendez, acerca da subjetividade e discricionariedade no Estatuto da Criança

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e do Adolescente, despertando a vontade de aprofundar a matéria e

contribuir com o debate para o melhoramento do Direito Menorista.

Esse olhar que me proponho a lançar sobre o estatuto, pretende

explorar a Natureza Jurídica Penal das Medidas socioeducativas e o

problema da falta de critérios legais definidos para a concessão da remissão

e para a escolha e dosimetria dessas medidas a serem aplicadas,

configurando ato subjetivo e discricionário do aplicador do direito, atentando

contra os direitos fundamentais do jovem em conflito com a lei.

Trata-se de um estudo prático acerca dos critérios utilizados para a

concessão da remissão e escolha das medidas sócio educativas pelos

Promotores de Justiça da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul.

O problema levantado leva a refletir acerca do tema e buscar soluções,

pois inúmeras disparidades vêm sendo praticadas, a ponto de configurarem

sérias injustiças contra os adolescentes infratores, ao aplicar-se, para casos

idênticos, respostas muito diferentes, a critério única e exclusivamente do

entendimento do Promotor de Justiça, o que vai de encontro com os

propósitos do Estatuto da Criança e do Adolescente. A pesquisa, ainda que

realizada somente junto aos membros do Ministério Público, permite chegar

às mesmas conclusões quando da remissão e aplicação de medida

socioeducativa pelo magistrado como forma de extinção ou suspensão do

processo.

Não se pretende, de modo algum, questionar a idoneidade e zelo no

desempenho das atribuições dos Promotores de Justiça ou Magistrados que

laboram junto à Justiça Menorista, mas apenas demonstrar a necessidade

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de limitar-se o subjetivismo e discricionariedade, pois, como diz Mendez1, as

maiores atrocidades são cometidas em nome do amor, pois nesse não há

limites, na justiça sim.

Tais questionamentos poderão permitir a elaboração de projetos

visando a alteração legislativa e outros aperfeiçoamentos, ou, pelo menos, e

já terá tido grande valia, a reflexão no assunto e contribuição para a

modificação da consciência e de atitude, dos aplicadores do direito, no trato

das questões envolvendo a Infância e Adolescência.

PARTE IRevisão Bibliográfica

1 MENDEZ, Emílio Garcia. Por uma Reflexão sobre o arbítrio e o Garantismo na Jurisdiçãosocieducativa. Porto Alegre: AJURIS, ESMP-RS, FESDEP-RS, 2000, P. 13.

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1- DA PENA À MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

1.1-Evolução Histórica da Pena:

Historicamente, observamos que os sistemas punitivos evoluíram com o

passar do tempo, acompanhando a evolução do pensamento que se seguiu

com a evolução do próprio homem.

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“Leciona Carnelutti que el primado históricopertence al derecho penal. Cuándo el derecho nace,nace como derecho penal.2 Pode-se afirmar, portanto,que um dos principais motivos da racionalização ehumanização do direito foi a resistência imposta pelopensamento folosófico-jurídico às manifestações debarbárie dos Tribunais do Santo Ofício daInquisição.”3

É importante ter em mente os períodos da divisão clássica da história, a

fim de melhor compreender os acontecimentos de acordo com o contexto

histórico.4

QUADRO N.º 1: DIVISÃO DA HISTÓRIA EM PERÍODOS

Nome do Período Marcos Históricos Divisores

Idade Antiga Abrange o desenvolvimento das antigas civilizaçõesorientais e clássicas até a queda do Império Romano doOcidente

Idade Média Compreendida entre a queda do Império Romano doOcidente e a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453)

Idade Moderna Inicia com a queda de Constantinopla e termina com aRevolução Francesa de 1789.

Idade Contemporânea Tem início com a Revolução Francesa, alcançando nossosdias

2 CARNELUTTI, apud CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2001, p. 33.3 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 23.

4 SOUTO MAIOR, Armando. História Geral: para o ensino de 2º grau. 21. ed. São Paulo:Nacional, 1978, p. 5.

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O Direito Penal é uma construção social – para existir é necessário a

formação do ESTADO –na concepção de poder centralizado.

Antes da concepção de Estado centralizado, a sociedade reunia-se em

pequenos grupos de iguais. Embora não existente ainda o Direito Penal,

esses grupos tinham seus próprios mecanismos de resolução de conflitos.

A origem do Direito Penal está ligada a religião, à superstição religiosa

e a pena teria origem sagrada.5

As comunidades primitivas acreditavam, em razão de seu precário

conhecimento científico, que os fenômenos meteorológicos eram fruto de

influências espirituais, os quais tinham participação direta na vida das

pessoas, premiando-os ou castigando-os em razão de seu comportamento.

Era necessário adequar a conduta humana de forma a obter a benevolência

ou proteção desses seres imaginários.6

As religiões primitivas se fundavam no tabu, ou seja, na lei religiosa que

representava uma expressão de controle social dos povos, garantido pelas

sanções sobrenaturais.7

Daí que as violações das proibições emanadas dos tabus impunham

penas severíssimas, sendo a mais comum a de morte. Como a infração de

um tabu representava uma ofensa ao ser sobrenatural, cuja ira recairia sobre

todo o grupo, era necessário que toda a comunidade participasse do ato de

castigar, eximindo-se, assim, da vingança que ocorreria. A pena, embora

5 ARROJO, Manuel Lopez-Rey y. apud PIERANGELI, José Henrique. Escritos JurídicosPenais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.340.6 PIERANGELI, José Henrique. Escritos Jurídicos Penais. 2. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 1999, p.341.7 PIMENTEL, Manoel Pedro. apud PIERANGELI, op. cit., p.341.

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tendo a função reparatória de aplacar a ira da entidade, não correspondia a

uma reparação social, porque o delito ainda estava ligado a idéia de pecado

e não como uma ofensa contra o organismo social existente. 8

Num segundo período, as formas primárias de reação penal encontram

lugar na vingança ilimitada ou vingança de sangue, consistente em uma

indiscriminação absoluta e irracional de aplicação de pena às coisas, aos

animais e até aos cadáveres, inclusive aqueles já sepultados. As penas se

caracterizavam pela vindita, não estando submetidas a qualquer critério de

proporcionalidade ou de justiça.

O cometimento de um crime causava uma reação não só da vítima,

mas também de seus parentes, sua tribo ou clã, resultando em lutas de

grupos, com graves conseqüências, pois eram improdutivas e extenuantes,

enfraquecendo o próprio grupo, em razão da retaliação dos familiares e

despojamento dos bens. Isso criou a necessidade de limitar-se a pena, a fim

de que atingisse tão-só ao autor do delito. Refere Boschi9 que:

“Como corolário disso, a vingança de sangueacabou sendo substituída por duas outras penas demenor espectro: a de expulsão do ofensor e a de seubanimento do próprio grupo. Elas eram visivelmentesuperiores à vingança de sangue porque preveniam aeclosão de movimentos grupais de vingança e, ainda,porque ao direcionar seus efeitos só sobre a pessoado autor da falta, funcionavam, direta ouindiretamente, como instrumentos de proteção dosinocentes ”

8 PIERANGELI, op. cit., p.341/342.9 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 2. ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 91.

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O talião representou um grande avanço para a época, sendo apontado

como a primeira manifestação explícita de punição proporcional à falta

cometida. Em Roma, afirmava-se quod aliquis tale quid patitur, quale fecit, e

a lei mosaica proclamava o olho por olho, dente por dente.

O talião apresentava duas formas: uma similar ao suplício encontrável

na lei mosaica (hebreus), na Lei das XII Tábuas (romanos), no Código de

Hamurabi (babilônicos) e na maioria das existentes naquela época; outra,

dita talião simbólico, consistia em castigar o agente exatamente no órgão

corporal utilizado para a prática do crime: cortava-se a mão do ladrão, a

língua do caluniador, marcava-se o rosto da adúltera, castrava-se o

estuprador.

“É assim que se vê o filho órfão guardar a bala, deque pereceu seu pai, para devolvê-la em ocasiãooportuna, ao peito do assassino. É assim que ohomem do povo, a quem a calúnia feriu no maisfundo de sua dignidade, não tem outra idéia senão ade cortar a língua de seu caluniador. É ainda assimque, nos atentados contra a honra feminina, nãoraras vezes a desafronta só se dá por justa ecompleta, castrando-se o delinqüente.”10

Refere Pierangeli11:

“A solução talional, encontra, ainda hoje, apoionas concepções retribucionistas, e mesmo avisualização da pena como imperativo categórico deKant, não passa de uma projeção talional.”

10 BARRETO, Tobias apud Boschi, op. cit., p. 9111 Pierangelli, op. cit., p. 344

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Entretanto, adverte o mesmo autor que:

“não se pode querer encontrar no talião ascaracterísticas modernas de retribuição adequada àreparação da ordem, e da paz social, anulando-secom ela o alarme produzido pelo delito, e arestauração da fé no ordenamento jurídico estatal,concepção moderna dos fins da pena, como possaalguém pensar.”

Embora o talião tenha introduzido as primeiras formas de composição e

a reparação do dano através da entrega de dinheiro, bens objetos de

natureza ou prestação de serviços, está muito longe da concepção moderna

de reação penal.

A composição foi outro sistema considerado bastante avançado na

limitação da vingança privada, onde a vítima e seus familiares ao receberem

bens, dinheiro, etc., na forma estabelecida pelas regras consuetudinárias ou

escritas em textos legais, renunciavam à vingança e ao talião. Com essa

pena, redirecionou-se a reação ao patrimônio e não mais ao corpo do autor

da falta.

A perda da paz, por sua vez, foi considerada a mais grave das penas

conhecidas pelos germanos que predominaram, já na Idade Média, do

século V até o século XI, sendo muitas vezes empregada como sucedâneo

da vingança de sangue. Era uma conseqüência do sistema talional: quem

lesa a paz, perde a paz.

O homem germano da época atribuía grande valor para a liberdade e

individualidade, integrado a um grupo social. Quando essa ordem do grupo

era rompida, havia uma agressão ao direito à paz, que era imposta pelos

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deuses, surgindo o delito. A lesão à paz alheia significava um atentado ao

culto, que impunha ao outro a vingança.

A paz significava a ordem e o direito, e a perda da paz correspondia à

perda da proteção jurídica, ou seja, referia-se à pessoa do agressor e aos

seus bens, permitindo qualquer lesão à sua pessoa e coisas, levando, em

definitivo, à sua morte e à destruição ou devastação de seus bens. Isso

poderia ocorrer pela mão do particular ou por atos populares. Entretanto, à

medida que se foi tornando público o direito penal, a vingança foi sendo

limitada por via da composição, que de optativa passou a ser obrigatória.

Atualmente, as atuais abordagens abolicionistas destacam essa

experiência histórica individualista, posto que até o século XIII a influência

germânica impunha-se com este gênero de sanções mais reparatórias do

que punitivas.12

Retomando a análise das civilizações antigas existentes, verifica-se que

o sistema talional, ainda na forma de vingança privada, era muito comum.

Apesar da limitação da proporcionalidade ditada por esse sistema, as penas

aplicadas consistiam nos mais diversos suplícios corporais, especialmente

para os crimes considerados mais graves. As sociedades antigas (v.g.

China, Índia, Japão, Coréia, Sião, Egito, Babilônia) experimentaram as mais

dolorosas sanções que iam desde marca de ferro na testa, amputação de

partes do corpo, escravidão, trabalhos forçados, a outras extremamente

cruéis, tais como picotamento dos olhos com ferro em brasa, abraçar uma

coluna de ferro incandescente, desquartização, cozimento, forca,

crucificação, decapitação, morte por imersão, sepultamento em vida. Só

12 ZAFFARONI, Raul Eugênio, PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito PenalBrasileiro, Parte Geral. 4. ed. revista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 180.

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para dar alguns exemplos, na Babilônia, o Código de Hamurabi previa que

as crianças podiam ser objeto de furto porque eram consideradas coisas. No

furto calamitoso, o autor era atirado vivo às chamas, a mulher adúltera era

atirada às águas dos rios, com as mãos atadas; o furto com rompimento de

obstáculo levava à morte e ao emparedamento. Na Fenícia, à profanação

dos templos de Astarte, Anat ou Reschuf, a pena era a de morte executada

com o encerramento do ofensor no interior de um boi - sem as vísceras -

sob o qual se acendia uma grande fogueira, que aquecia o metal de

sustentação até a incandescência, produzindo queimaduras atrozes, e, em

seguida, a morte. Em Roma, os ofensores dos fundamentos da religião eram

atirados vivos às chamas (crematio), crucificados, mortos por submersão na

água, ou esquartejado por animais.

Esses suplícios seguiram-se por todo o período da Idade Média. A partir

do ano 1232, com o nascimento da inquisição, tornaram-se penas estatais,

aplicadas desumana e desmedidamente, com o fim de assegurar o poder

político alcançado pelo consórcio entre o Estado e a Igreja Católica. Tinham

por fim não a reconstrução moral do homem, mas expressar a ira dos reis e

da Igreja contra todos os que se insubordinassem contra o poder absoluto

ou ousassem pensar diferentemente da cartilha religiosa. Inclusive o modelo

inquisitivo, ainda hoje aplicado em nosso sistema penal e processual penal,

fundado na fusão da figura do julgador, acusador e defensor na mesma

pessoa, tem sua origem na inquisição católica. Essa época perdurou até a

implantação da Revolução Francesa.13

A propósito, Foucault14 descreveu o doloroso suplício de Damiens,

condenado por parricídio, em 02/03/1757, remetendo-nos ao período da

13 BOSCHI, op. cit., p. 95.14 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 9/11.

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barbárie primitiva em plena época pré-iluminista, demonstrando como somos

propensos a violar os direitos humanos, na medida em que negamos a

própria natureza do outro, a fim de justificar as crueldades que cometemos

contra nossos iguais.

Similar desconsideração do “outro” deu-se na época das “descobertas”

da América pelo povo europeu onde, segundo Düssel15:

“Houve uma violência irracional nas colônias, nãoapenas física, mas cultural, que simplesmente negoua identidade do ‘outro’, seja através de uma posturaassimilacionista, seja através da simples exclusão eeliminação. Tudo isto está simbolizado no ‘mitosacrificial’, isto é, toda a violência derramada naAmérica Latina era, na verdade, um ‘benefício’ ou,antes, um ‘sacrifício necessário’. E diante disso, osíndios, negros ou mestiços eram duplamenteculpados por ‘serem inferiores’ e por recusarem ‘omodo civilizado de vida’ ou a ‘salvação’, enquanto oseuropeus eram ‘inocentes’, pois tudo o que fizeramfoi visando a atingir o melhor.”

Como reflexo, a imensa população latino-americana, representada

pelos índios, negros e mestiços, segue miserável e oprimida,

desconsiderada em sua alteridade cultural por uma cultura eurocentrista de

marginalização, em razão da qual se seguiu a disciplina dos sistemas penais

latino-americanos, característicos por sua prática violenta e genocida contra

essa mesma população, que é a que compõe o cárcere.

Refere Zaffaroni16:

15 DÜSSEL apud SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Da “Invasão” da América aosSistemas Penais de Hoje: Discurso da “Inferioridade Latino-Americana”. Revista de EstudosCriminais 7. Porto Alegre: Notadez, 2002, p. 106.16 ZAFFARONI, R.E., PIERANGELLI, J.H. op. cit., p. 180.

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“o panorama histórico da lei penal, é um dosaspectos mais sangrentos da história. Ele, muitoprovavelmente, tem custado à humanidade maisvidas que todas as guerras e é suscetível de ferirnossa sensibilidade atual mais profundamente doque o próprio fenômeno da guerra, se por talentendemos a guerra tradicional, posto que esta, emgeral, não supera a tremenda frieza, premeditação eracionalização que caracterizavam as crueldades eaberrações registradas na história da legislaçãopenal.”

Na Idade Média, a pena privativa de liberdade ainda não tinha surgido

como alternativa à barbárie, sendo resultado da modernidade. A prisão

preventiva existia, não como pena, mas como forma de assegurar o corpo

do condenado até a aplicação da pena, que era a morte ou a perda do

membro - a prisão processual data desde a época das penas

compensatórias.

Em 1763, Cesare Beccaria inicia escrever a obra “Dos Delitos e das

Penas”, o qual viria a ser o primeiro e mais contundente libelo público contra

o uso desvirtuado e abusivo do direito penal,17e que inspiraria os grandes

movimentos de transformação dos séculos XVIII e XIX. Referiu ele que a

“finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem

desfazer um crime que já está praticado (...) Os castigos têm por finalidade

única obstar os seus concidadãos do caminho do crime.(...) Uma pena para

ser justa, precisa ter apenas o grau de riscos suficiente para afastar os

homens da senda do crime.”18

Consoante o pensamento de Foucault, além dessas variáveis de

influência introduzidas pelos iluministas, o próprio poder político da época

17 BOSCHI, op. cit., p. 97.18 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 49 e 54.

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contribuiu para a revisão do paradigma inquisitorial, temeroso dos distúrbios

que os suplícios em praça pública provocavam na multidão insatisfeita que

poderia precipitar sua recusa ao poder punitivo e, eventualmente, à própria

recusa do poder do Rei. Suavizar e humanizar os suplícios representava,

então a base da Reforma, uma nova economia e uma nova tecnologia do

poder de punir.19

O aumento desmesurado da criminalidade em fins do século XVII e

início do XVIII, em razão da pobreza causada pelas guerras que assolaram a

Europa durante os séculos XVI e XVII, e que ameaçava as pequenas

minorias tanto quanto a classe burguesa emergente, fez com que fosse

repensada a pena de morte, pois já não era mais uma solução adequada,

vez que não se podia aplicá-la a tanta gente. Tinha-se que enfrentar

verdadeiros exércitos de vagabundos e mendigos. Para fazer frente ao

fenômeno sociocriminal, criaram-se instituições de correção de grande valor

histórico-penitenciário.20

O contexto histórico era propício para a mudança de paradigma. A

Revolução Industrial tinha consolidado o sistema capitalista; o tempo vira

uma mercadoria.

A Revolução Francesa de 1789 - revolução política igualitária, baseada

na ficção de que todos os homens são iguais, pressupondo a existência de

um mercado regido pela oferta e pela procura - inaugura a ideologia

positivista e desencadeia a Revolução burguesa, que obtém o poder político

e econômico da época.

19 BOSCHI, op. cit., p. 98.20 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2. ed.São Paulo: Saraiva, 2001, p. 15.

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A penitenciária surge no final do século XVII, para atender a demanda

da nova criminalidade, com influência religiosa, inspirada na prisão canônica

medieval, cuja clausura, isolamento e meditação, na maioria das vezes, fazia

com que o preso chegasse ao arrependimento, alcançando-se o objetivo

principal de auto-correção, idéias voltadas a reabilitação do recluso. A

finalidade da instituição consistia, ainda, na reforma dos delinqüentes por

meio do trabalho e da disciplina.21

Na Inglaterra, embora criadas para tratar a pequena delinqüência,

essas instituições que visavam a recuperação do preso pelo combate ao

ócio e a vadiagem eram denominadas de houses of correction ou bridwells,

surgindo, posteriormente, no mesmo estilo, as workhouses, assinalando o

surgimento da pena privativa de liberdade moderna.

Assim é que os autores afirmam que o surgimento da pena privativa de

liberdade não foi apenas uma busca de humanização da pena, mas de impor

o modelo capitalista. O trabalho na prisão era empregado com sentido

utilitário, visando alcançar maior produtividade possível, quer em benefício

do estado, quer de particulares. Tinha o fim de evitar que se desperdiçasse

mão-de-obra e ao mesmo tempo de controlá-la, regulando a sua utilização

de acordo com as necessidades de valoração do capital, constituindo-se um

importante instrumento para controlar salários, na medida que aumentava a

oferta de mão- de-obra no mercado.

Somente a partir século XIX, a pena privativa de liberdade passa a ser

a mais importante, figurando nos Códigos Penais do mundo inteiro, não mais

com caráter processual, mas de pena, autônoma, substituindo

gradativamente a pena de morte.

21 idem. p. 12, 13 e 16.

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Tempo é aquilo que todos tem por igual, por isso a pena privativa de

liberdade passou a ser a pena mais democrática. Como retira o tempo das

pessoas, pode ser aplicada de forma precisa e justa.22

Por um caráter idealista, a pena privativa de liberdade passou a ser o

centro do sistema punitivo moderno, havendo uma evolução das penas

brutais para estas, numa humanização da pena.

Deixa-se de punir o corpo do condenado para punir a alma: é a

humanização da pena, seguindo o pensamento de Foucault.

Atualmente a pena privativa de liberdade tem recebido duras críticas,

especialmente frente à crise que se opera no sistema carcerário, fazendo

com que cada vez mais se busque alternativas à prisão. Entretanto, ainda

não se encontrou um substituto à pena de prisão para os crimes mais

graves. Sem desconsiderar a violação de direitos humanos que se verifica a

todo o tempo no cárcere, há que se ter em mente que a pena deve ter

caráter de dissuasão. Ou seja, deve ser, de tal forma ameaçadora, que

represente um risco à forma de vida inferior a da camada mais inferior da

sociedade. O caráter dissuasivo consiste em que não se torne interessante

para a pessoa receber a pena. Como por exemplo, não pode ser tão boa

que uma pessoa que não tenha comida deseje ir para a cadeia, porque fora

22 MENDEZ, Emilio Garcia. Criminologia, Direito Penal e Prevenção Comunitária. PalestraProferida no Curso de Pós Graduação em Direito Comunitário, Infância e Juventude, daESMP- Escola Superior do Ministério Público, em 05/10/01.

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passa fome23, o que não significa que o sistema deva ser gerador de

violência e violador da dignidade da pessoa humana.

23 MENDEZ, Emilio Garcia. Criminologia, Direito Penal e Prevenção Comunitária. PalestraProferida no Curso de Pós Graduação em Direito Comunitário, Infância e Juventude, daESMP- Escola Superior do Ministério Público, em 05/10/01.

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1.2- Teorias da Pena

1.2.1-Teoria Absoluta ou Retributiva.

A pena para os clássicos tem o fim exclusivo de castigar o delinqüente,

conforme a expressão: ao mal do crime, o mal da pena (punitur cuia

peccarum est). Sustentam que a pena encontra em si mesma a sua

justificação, sem que possa ser considerada um meio para fins ulteriores.

São representantes dessa teoria Kant e Hegel, além de Carrara, Binding,

Welzel e Mezger.

Kant24 elabora sua concepção retributiva da pena sobre a idéia de que

a lei penal é um imperativo categórico. A pena deve ser aplicada somente

porque houve infringência à lei, sem nenhuma consideração sobre a

utilidade da pena para ele ou para os demais integrantes da sociedade.

Afirma que, em caso de dissolução do Estado, este deve preocupar-se em

que antes que isso ocorra “o último assassino mantido na prisão deva ser

executado antes da dissolução, a fim de que cada um sofra a pena de seu

crime, e que o homicídio não recaía sobre o povo que deixasse de impor

esse castigo, pois poderia ser considerado cúmplice dessa violação pura da

justiça.”

24 KANT, Immanuel, apud BITTENCOURT, op. cit., p. 110.

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Hegel25, seguindo os passos de Kant, afirmava que a pena é a negação

da negação do direito. A sua imposição seria a condição para o

restabelecimento da ordem jurídica violada, afirmação que já continha a

idéia de que a pena, além de retribuir, também visava a prevenir, como mais

tarde sustentariam os relativistas.

A teoria retribucionista é característica do Estado absolutista, em que a

unidade entre a moral e o direito, entre o Estado e a religião, impunham a

pena a quem, agindo contra o soberano, rebelava-se também contra o

próprio Deus. Posteriormente, com a ascensão da burguesia e um

considerável acúmulo de capital, fazia-se necessária a implantação de meios

para assegurar o capital. O Estado absoluto concentrou, então, a seu redor,

e com uso ilimitado o poder necessário para o desenvolvimento posterior do

capitalismo. Nesse sentido, “a pena não podia ter senão as mesmas

características e constituir um meio a mais para realizar o objetivo

capitalista.26

Com o surgimento do Estado burguês e a divisão de poderes, temos a

laicização do Direito. A pena passa a ser concebida como a retribuição à

perturbação da ordem (jurídica) adotado pelos homens e consagrada pelas

leis. A pena devia ser imposta àquele que violou o contrato social.

Uma das críticas que se impõe a essa teoria centra-se na idéia de que

se ao mal do crime se impõe o mal da pena, como justificar essa questão: se

o mal já está feito, e não há um sentido construtivo para a punição, por que

punir? Em razão disso fala-se em uma nova retribuição, preocupada com os

25 BOSCHI, op. cit., p. 106.26 RAMIREZ, Juan Bustos e MALARÉE, H. Hormazabal apud BITENCOURT, op. cit., p. 105.

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limites da própria retribuição (tipificação) e com a resposta (pena) à crise do

ideal ressocializador.27

1.2.2- Teoria Relativa ou Prevencionista:

Desenvolveram-se em oposição às teorias absolutas, concebendo a

pena como um meio para a obtenção de ulteriores objetivos. Pune-se para

que o indivíduo não mais peque (punitur er ne peccetur).

Para essa corrente, a prevenção colimada pelas penas é geral e

especial por se endereçar simultaneamente aos cidadãos em geral e ao

criminoso, em particular, respectivamente.

Ensina Boschi28:

“A prevenção é classificada, ainda, como positivaou integradora e negativa, porque, com a pena, secorrige o réu (prevenção integradora especial), e, aomesmo tempo, se reforça a autoridade do Estado e osentimento, nas pessoas, de necessidade de respeitoàs leis (prevenção integradora geral); comoprevenção negativa, porque, com ela, ao mesmotempo em que se neutraliza (castiga-se) o réu(prevenção especial negativa), dissuade-se oscidadãos ‘honestos’ a não praticarem crimes dequalquer espécie (prevenção geral negativa).”

A teoria da prevenção geral foi sustentada por Feuerbach29, através da

“teoria da coação psicológica”, segundo a qual a pena é uma ameaça da lei

27 BOSCHI, op. cit., p. 107.28 Idem, p. 112.29 ZAFFARONI, R.E., PIERANGELLI, J.H., op. cit., p. 120.

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aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos. Além dele, foram

partidários dessa corrente doutrinária Bentham e Schopenhauer.

O utilitarismo afirmado por Bentham30 sustenta que o valor essencial é

a maior felicidade para o maior número. No exemplo de Kant, a punição não

teria sentido, porque não teria nenhum caráter pedagógico. O valor essencial

é a utilidade pública, enquanto que, no retribucionismo, é a justiça.

Quanto aos defensores da prevenção especial, destacam-se Von Liszt,

Marc Ancel e Ferri.

As idéias prevencionistas desenvolveram-se no período do Iluminismo.

São teorias que surgem na transição do Estado absoluto ao Estado liberal.

Muitas são as críticas à essa teoria.

Roxim31 assinala, quanto prevenção geral, ser difícil entender possa ser

justo que se imponha um mal a alguém para que outros se omitam de

cometer um mal.

Hassemer32 questiona os resultados das penas, vez que a prevenção

geral pressupõe que a prática do fato, a condenação e a execução cheguem

ao conhecimento de todos, o que nem sempre ocorre.

Quanto à prevenção especial, critica-se o fato de não estabelecer se o

objetivo é evitar que o criminoso reincida pelo mesmo crime ou por outro.

30 MENDEZ, Emilio Garcia. Criminologia, Direito Penal e Prevenção Comunitária. PalestraProferida no Curso de Pós Graduação em Direito Comunitário, Infância e Juventude, daESMP- Escola Superior do Ministério Público, em 05/10/01.31 ROXIM, Claus. Apud BOSCHI, op. cit., p. 106.32 HASSEMER, Winfried. Apud BOSCHI, op. cit., p. 106.

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Também não evita que os criminosos habituais continuem cometendo seus

crimes.

A função intimidativa da pena é contestada também a partir do

argumento de que as pessoas não lêem o Código Penal, antes de praticar

um crime, para medir as vantagens e desvantagens, mas ao contrário,

confiam em não serem apanhados pela Justiça. As posições contrárias à

essa teoria afirmam que a pena, por si só, não é intimidativa, pois, se não,

os índices de criminalidade em países que adotam pena capital não seriam

altos. Pelo inverso, a eficácia da sanção depende da maior ou menor

fiscalização do poder público.

Em relação à função ressocializadora, afirmam que essa não seria

possível, em razão de que a prisão não é lugar adequado para ressocializar,

tendo em vista que constitui instrumento de reprodução da repressão das

minorias sobre as maiorias desassistidas da população, não há programas

de tratamento, as relações em seu interior são tensas e impregnadas de

desconfiança, além de que as pessoas teriam direito de serem diferentes,

não podendo ser imposto um tratamento sem seu consentimento. Ademais,

como justificar a punição das pessoas de bem, socializadas, aquelas que

pertencem a estratos superiores e para quem a cadeia nada acrescentará?33

Segundo Boschi34, se a ressocialização não é filosoficamente

sustentável pelas razões acima, faz-se necessário, nos casos em que a

pena privativa de liberdade é absolutamente necessária, que o Estado crie

as condições mínimas, garantindo os direitos fundamentais da pessoa, para

que o condenado, espontaneamente, avalie a situação em que se encontra e

33 BOSCHI, op. cit., p. 12234 idem, op. cit., p. 123.

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decida, se quiser, redirecionar sua vida ao mundo sem traumas e sem

crises.

1.2.3- Teorias Mistas ou Unificadoras:

Partem da teoria absoluta e tratam de cobrir suas falhas acudindo a

teorias relativas. São as mais difundidas na atualidade e, por um lado,

pensam que a retribuição é impraticável em todas as suas conseqüências e,

de outro não se animam a aderir à prevenção especial. Uma de suas

manifestações é o lema seguido pela jurisprudência alemã: “prevenção geral

mediante retribuição justa.”35

Os ecléticos recusam estudar a pena sob o ângulo restrito da dualidade

retribuição/prevenção. Inserem um novo ingrediente: a sociedade a ser

defendida contra o crime e em cujo o meio o delinqüente deve ser inserido,

sem traumas.

Podemos citar como partidários dessas teorias, ressalvadas as

variações da doutrina de cada um, Roxim, Hassemer, Jakobs, Mario

Romano e Pagliaro.

No Brasil, com o advento das leis n.º 7.209 e 7.210 de 1984,

abandonou-se o sistema do duplo binário – que ensejava a aplicação

cumulativa de pena e de medida de segurança – reservando-se a última

somente para os casos de inimputabilidade ou semi-imputabilidade.

35 ZAFFARONI, op. cit., p. 120.

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A reforma preservou o caráter utilitarista da pena, conforme se pode

extrair, dentre outros dispositivos, do enunciado do art. 59 do Código

Penal36, que alude às finalidades repressiva e preventiva da pena.

Do mesmo modo, o art. 1º da Lei de Execuções Penais37 considera de

igual valia e importância a preocupação com a ressocialização do

delinqüente, embora a palavra ressocialização não conste explicitamente do

texto.

Assinala Boschi38:

“Contudo, o conjunto da legislação penal,excetuada a recente Lei 9.714/98, vai de encontro aogarantismo, na medida em que, por meio dela,maximiza-se o Estado Penal e se enfraquecem asliberdades fundamentais, o que é revelador daprofunda intolerância oficial, que o vê, assim, como ogrande inimigo, e não como a grande vítima de umsistema político e econômico desigual, privilegiador einjusto.”

1.2.4-Modelo Garantista:

36 Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, àpersonalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bemcomo ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficientepara reprovação e prevenção do crime:37 Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisãocriminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e dointernado.38 BOSCHI, op. cit., p. 127.

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As diversas críticas dirigidas às teorias penalógicas da modernidade -

absolutas e relativas -, propiciaram a construção do modelo penalógico

garantista.39

Luigi Ferrajoli40 e Eugênio Raúl Zaffaroni41 apontam para a

desnecessidade de uma teoria da pena, pois esta seria apenas uma

manifestação fática, em essência política, isenta de qualquer fundamentação

jurídica racional. Tal como a guerra - modelo sancionatório nas relações

internacionais -, a pena caracterizar-se-ia como um meio extremo e cruel,

isento de justificativa jurídica.42

Assim, em interação com as críticas marginais das teorias anteriores,

propõe o modelo garantista não mais uma teoria justificante do poder de

punir, mas uma doutrina normativa sobre os limites e condições de

legitimidade da pena fundadas em fins específicos: a) diminuição de dor e

sofrimento causada pela aplicação da pena; b) reconhecimento da pena na

esfera da política; e tutela do pólo débil na relação contra qualquer tipo de

vingança emotiva e desproporcional (pública ou privada).43

39 CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: O Modelo Garantista de Limitação doPoder Punitivo. In CARVALHO, Salo de. (org) Crítica e Execução Penal. Doutrina,Jurisprudência e Projetos Legislativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 27.40 FERRAJOLI, Luigi. Apud CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: O ModeloGarantista de Limitação do Poder Punitivo. In CARVALHO, Salo de. (org) Crítica eExecução Penal. Doutrina, Jurisprudência e Projetos Legislativos. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2002, p. 28/29.41 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Apud CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: OModelo Garantista de Limitação do Poder Punitivo. Op. cit., p. 28/29.42 CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: O Modelo Garantista de Limitação doPoder Punitivo. Op. cit., p. 29.43 Idem, p. 30.

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A pena apresenta-se como instrumento político de negação da

vingança, como limite ao poder punitivo, como o mal menor em relação às

possibilidades vindicativas que se produziriam na sua inexistência,

justificando-se como técnica de minimalização da violência e do arbítrio. Não

há legitimação da pena, mas do direito, como regulador e inibidor da

violência política da sanção.

A adoção desse modelo, segundo os defensores desta teoria, implica

como efeito necessário o abandono do propósito ressocializador da pena,

que é absolutamente incompatível com o saber criminológico

contemporâneo e em relação aquilo que, na prática, ela (pena) realmente é:

uma retribuição por aquilo que se fez.44

A proposta do garantismo penal é a de um direito penal mínimo, que

recomenda o uso do direito penal como ultima ratio e dentro do estritamente

necessário para evitar que o ofendido ou a comunidade volte a recorrer às

armas para fazer justiça pelas próprias mãos. Ferrajoli45 refere que o direito

penal é “a proteção do débil contra o mais forte”, ou seja, a proibição e a

ameaça penal protegem as possíveis partes ofendidas contra os delitos,

enquanto o juízo e a imposição da pena protegem, por paradoxal que

pareça, os réus (e os inocentes que como tal se suspeita) contra as

vinganças e outras reações mais severas bem como protege-se o

condenado dos abusos do poder de punir.

44 SUANNES, Adauto apud CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: O ModeloGarantista de Limitação do Poder Punitivo. Op. cit., p. 39.45 FERRAJOLI, Luigi apud BOSCHI, op. cit., p. 109.

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1.3- Evolução Histórica do Direito Menorista

“Até o século XVII, a criança como tal, não existiaem nossas sociedades. O sentimento da infâncianasce, na Europa, com o sentimento da família e coma constituição, pelas grandes ordens religiosas, daeducação separada, que preparava a criança para avida adulta. Este regime de separação durou até osanos cinqüenta e sessenta. Antes dessa data, aidade adulta era vista como a idade ideal, e aeducação consistia em preparar a criança para esseperíodo da vida. Atualmente, tudo foi alterado. Nesseponto somos herdeiros duplos de Freud e deRoussou, onde o primeiro ensinou-nos que a infânciaé a chave mestra da nossa personalidade; e osegundo fez da criança o “bom selvagem” no seio dafamília.”46

No tema da responsabilidade penal dos menores de idade, Mendez

aponta três etapas fundamentais, as quais convencionou chamar a primeira

etapa de caráter penal indiferenciado, a segunda de caráter tutelar e a

terceira de responsabilidade penal.47

A primeira etapa, que se estende desde o nascimento dos códigos

penais de corte claramente retribucionista do século XIX até 1919,

caracterizou-se por considerar os menores de idade praticamente da mesma

forma que os adultos.

46 BRUCKNER, Pascal. Filhos e Vítimas: O Tempo da Inocência. In: Morin Edgar, PrigogineIlya e outros. A Sociedade em Busca de Valores. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 57.47 MENDEZ, Emílio Garcia. Por uma Reflexão sobre o arbítrio e o Garantismo na Jurisdiçãosocieducativa. Porto Alegre,: AJURIS, ESMP-RS, FESDEP-RS, 2000, P. 7.

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No Brasil, a primeira legislação aplicada, em matéria criminal, após

seu descobrimento, foram as Ordenações Filipinas e, nos moldes de

Portugal, tinham caráter penal indiferenciado, representando o modelo

jurídico-penal da Inquisição. As penas eram extremamente graves, com

sentido de intimidação geral, onde a criança era encarada como o adulto,

merecendo o mesmo tratamento jurídico e social. Não havia preocupação

em protegê-la, reeducá-la ou em proporcionar-lhe qualquer forma de

reinserção social.48 A imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos,

eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena.

Entre dezessete e vinte um anos havia um sistema de “jovem adulto”, o qual

até permitia a condenação à morte, ou ter a pena diminuída conforme certas

circunstância. A imputabilidade penal plena ficava para os maiores de vinte e

um anos.49 A pena era cumprida pelos menores e pelos adultos

indistintamente no mesmo estabelecimento, situação que persistiu até a

criação do primeiro Tribunal de Menores, em 1899. Antes de sete anos,

eram absolutamente incapazes, sendo seus atos equiparados aos cometidos

pelos animais.

48 CHAVES, Sabrina Smith, FURTADO, Leonor. As Medidas Socio-educativas e as Medidastutelares na Legislação Brasileira e Portuguesa. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários,2000, p. 19.49 SARAIVA, João Batista Costa Saraiva. Adolescente em Conflito com a Lei. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2003, p.23.

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Após a Independência, em 1822, a preocupação com a infância, ainda

incipiente, limitava-se aos casos de crianças órfãs e enjeitadas, as quais

eram recolhidas nas Casas dos Expostos.50

Em 1824, é outorgada a Constituição do Império, considerada liberal

em razão da influência dos ideais iluministas, na qual o Código Criminal de

1830 veio a fixar suas linhas mestras. Em decorrência, este vem a abolir

vários suplícios e conferir às penas fins utilitaristas de prevenção e de

recuperação moral e social do criminoso, com as variações propostas pelas

Escolas Clássica, Positiva e de Defesa Social. Passa-se a estabelecer a

responsabilidade penal para menores a partir de 14 anos, os quais deveriam

ser recolhidos em casas de correção.

Refere Mendez51 que o respeito pelos direitos da criança (ou menor)

era inversamente proporcional ao parentesco, ou seja, os pais podiam fazer

o que quisessem com os filhos, pois eram seus “donos”, assim como eram

donos de seus animais, diferentemente do estranho que nada podia fazer

contra a criança, pois, neste caso, era responsabilizado.

Durante o período de vigência do Código Penal de 1830, travava-se

uma luta abolicionista, culminando que, em 1871, é editada a Lei do Ventre

Livre, seguida posteriormente da abolição da escravatura e proclamação da

República (1889). Entra em vigor o novo Código Penal Republicano de 1890.

50 RIZZINI, Irene. A criança e a Lei no Brasil. Rio de Janeiro, UNICEF-CESPI/USU, 2000, p.98 explica que: Nessas casas havia a “roda dos expostos” que era uma espécie de roleta naqual a criança era depositada e penetrava na instituição sem que se identificasse quem aconduzira até o local.

51 MENDEZ, Emilio Garcia. Criminologia, Direito Penal e Prevenção Comunitária. PalestraProferida no Curso de Pós Graduação em Direito Comunitário, Infância e Juventude, daESMP- Escola Superior do Ministério Público, em 05/10/01.

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No final do Século XIX, as crianças passaram a ser defendidas pela

Lei de Proteção dos Animais, após o episódio de Marie Anne, em Nova York,

em que uma sociedade defensora dos animais ingressou na Justiça visando

a proteção de uma menina de nove anos que sofria maus tratos pelos pais.

A partir daí, a criança, que até então era tratada como “coisa”, passou a

reclamar ao menos a condição de objeto da proteção do Estado, marcando o

surgimento do Direito de Menores. Em 1899, é criado o primeiro Tribunal de

Menores em Illinois, EUA. Triunfa o movimento dos reformadores norte-

americanos, os quais pleiteavam a separação dos adultos e crianças que

estivessem na mesma instituição. Inicia-se a segunda etapa de caráter

tutelar, marcada pela profunda indignação frente à promiscuidade, mas

mantida a idéia de reclusão como resposta às patologias sociais, decorrente

do positivismo filosófico.

No Brasil, a criança passa a ser vista como um magno problema para

a elite intelectual, política e filantrópica da época. A tônica dos discursos era,

a primeira vista, em defesa incondicional da criança, mas uma leitura mais

atenta permitia verificar uma oscilação entre a defesa da criança e a defesa

da sociedade contra essa criança que se torna uma ameaça à “ordem

pública”, ressaltando a necessidade da intervenção do Estado para educar

ou corrigir “os menores”, tornando-os cidadãos úteis e produtivos para o

país.52 Havia necessidade de resolver o problema de uma minoria de

“menores” que não tinha as necessidades básicas satisfeitas ou apenas

parcialmente.

De 1906 a 1927, diversos projetos de lei foram debatidos, com o

objetivo de se regulamentar a proteção e a assistência à infância. Medidas

de prevenção, proteção e assistência eram gestadas, visando à criança

52 RIZZINI, op. cit., p. 18.

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abandonada (física e moralmente) e delinqüente.53 Em 1923, é criado, no

país, o Tribunal de Menores, mesma época que outros países da América

Latina o fizeram, com a finalidade de resolver os problemas de uma parte da

infância não atingida pela satisfação das suas necessidades essenciais.

“Paralelamente se veio construindo a Doutrina doDireito do Menor, fundada no binômiocarência/delinqüência. Se não mais se confundiamadultos com crianças, desta nova concepção resultaum outro mal: a conseqüente criminalização dapobreza.”54

Nesta, a confusão conceitual, não distinguindo os abandonados dos

infratores, até hoje presente na cultura brasileira, foi o fundamento das

primeiras legislações brasileiras em relação ao novo Direito da Criança,

especialmente o Código de Menores de 1927, chamado Código de Mello

Mattos.

Refere Rizzini55 que:

“ a extensão do texto faz com que destoe dosdemais projetos e decretos que o antecederam;porém, seu conteúdo era, em essência, o mesmo quevinha sendo formado ao longo dos anos. A leitura dalei dá a impressão que se procurou coibir um amploespectro de situações envolvendo a populaçãoinfantil e juvenil. Parece-nos que o legislador, aopropor a regulamentação de medidas de proteção,englobando a assistência, enveredou por uma áreasocial que ultrapassava em muito as fronteiras dojurídico.

53 Idem, p. 89.54 SARAIVA, op. cit., p.3155 RIZZINI, op. cit., p. 28.

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O que impulsionava era ‘resolver’ o problema dosmenores, prevendo todos os possíveis detalhes eexercendo firme controle sobre os menores, pormecanismos de ‘tutela’, ‘guarda’, ‘vigilância’,‘reeducação’, ‘reabilitação’, ‘preservação’, ‘reforma’ e‘educação’”.

Como conseqüência, o juiz de menores exercia poderes

discricionários absolutos, pois normatizados, a fim de resolver os problemas

da população carente infantil e juvenil, institucionalizando abandonados e

infratores indistintamente, todos considerados em situação irregular. Os

juizes eram os autores da política social para a infância pobre no Brasil.

Bastava pertencer à classe carente, ou não se ajustar ao padrão

estabelecido para estar ao alcance das ações da Justiça de Menores, a fim

de conter a patologia social. As garantias individuais não eram observadas,

e a privação da liberdade era a medida por excelência, tanto para os

infratores, quanto para as “vítimas” ou “protegidos”. Esse modelo vai

perpetuar-se nos anos subseqüentes atingindo seu ápice com o advento do

Código de Menores de 1979.

Em 1930 ocorreu uma crise econômica mundial muito forte, onde

piorou a situação social, resultando num aumento do número de “menores”,

assim entendida a população infanto-juvenil carente, em relação ao número

de “crianças”, consideradas as nascidas em famílias estruturadas. No

entanto, não houve nenhuma modificação na política jurídica com relação à

criança e à adolescência de 1928 a 1989 no Brasil, exceto pelo Código

Penal de 1940 que, por uma questão de política criminal, estabeleceu a

imputabilidade penal aos dezoito anos, mantida atualmente.

Somente a partir de 1989, com a Convenção das Nações Unidas de

Direito da Criança, a Constituição Federal e, em 1990, com o Estatuto da

Criança e do Adolescente, inaugura-se a terceira etapa que é a da

responsabilidade penal dos adolescentes.

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O conjunto de normas representadas pela Declaração dos Direitos da

Criança, em 1959; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a

Administração da Justiça de Menores, conhecidas como regras de Benjing,

em 29/11/1985; a Convenção da ONU de Direitos da Criança em

20/11/1989; as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores

Privados de Liberdade, de 14/12/1990, e as Diretrizes das Nações Unidas

para a Prevenção de Delinqüência Juvenil, conhecidas como Diretrizes de

Riad, de 14/12/1990, irão compor mais tarde o novo perfil da normativa

internacional, consagrando a Doutrina da Proteção Integral.56

Essa ideologia, que norteia o Estatuto da Criança e do Adolescente,

parte do pressuposto de que todos os direitos da criança e do adolescente

devem ser reconhecidos. Estabelece que estes direitos se constituem em

especiais e específicos, pela condição que ostentam de pessoas em

desenvolvimento. Para isso, as leis internas e o sistema jurídico dos países

que a adotam devem garantir a satisfação de todas as necessidades das

pessoas até 18 anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado

pela ou contra a criança, mas seu direito à vida, à saúde, à educação, à

convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade,

entre outros,57dos quais destacamos as garantias processuais previstas no

Capítulo III do Estatuto.

Refere Saraiva58 que:

56 SARAIVA, op. cit., p. 34.57 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional, Garantias Processuais eMedidas Socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.18.58 Idem, op. cit., p. 22/23.

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“Do ponto de vista das garantias penais,processuais e de execução no sistema da justiça dainfância e juventude para jovens em conflito com aLei, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxeestes agentes da condição de objeto do processo,para o status de sujeitos do processo,conseqüentemente detentores de direitos eobrigações próprios do exercício da cidadania plena,observada sua peculiar condição de pessoa emdesenvolvimento, cumprindo um dos princípiosfundamentais da Constituição Federal Brasileira, queestabelece em seu art. 1º, inciso III, como fundamentoda República, a Dignidade da Pessoa Humana.”

O Estatuto constitui a primeira inovação substancial latino-americana

a respeito do modelo tutelar, pois de 1919 a 1989, as reformas das leis de

menores no país constituíram apenas variações da mesma melodia.59

Juntamente com a Convenção, representou uma ruptura no paradigma

dominante, introduzindo uma alteração significativa daquilo que tinha sido o

vínculo entre o Estado e adultos em relação aos menores e crianças.

Mendez60 refere que houve muitas críticas quando da edição do ECA,

em razão do entendimento de que a norma deve ter relação com a

realidade, refletindo-a. O argumento central era de que o Estatuto era muito

bom, mas estava longe da realidade brasileira, não sendo, pois, para o

Brasil. Esse autor refuta tal posicionamento, utilizando-se do ensinamento

de Boaventura Souza Santos de que, quando a lei é um reflexo da

sociedade é inútil; a lei deve ser um projeto de construção, então a relação

entre a norma e a realidade deve ser de tensão. O pensamento de Baratta61

59 MENDEZ, op. cit., p. 8.60 MENDEZ, Emilio Garcia. Criminologia, Direito Penal e Prevenção Comunitária. PalestraProferida no Curso de Pós Graduação em Direito Comunitário, Infância e Juventude, daESMP- Escola Superior do Ministério Público, em 05/10/01.61 BARATTA apud CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena. In CARVALHO, Salode. (org) Crítica e Execução Penal. Doutrina, Jurisprudência e Projetos Legislativos. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2002, p. 17/18.

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reforça essa idéia, quando afirma que não há mudança sem utopia, e, no

momento em que o homem renuncia à utopia, acaba por renunciar sua

própria condição humana.

Embora a ruptura de paradigma trazida pelo ECA, a infância paga um

preço alto pelo reconhecimento da categoria diferenciada dos adultos, pois

essa se dá em troca da incapacidade do sujeito.62 Além disso, há o falso

entendimento, baseado no senso comum, de que a inimputabilidade

equivale a impunidade, o que também é um alto custo suportado por esse

grupo.

Na questão da natureza jurídica da responsabilidade dos menores de

18 anos, em caso de transgressão da lei penal, e dos reflexos dessa opção

conceitual na execução das medidas socioedudcativas, por não ter sido

suficientemente abordada em lei ou doutrina, vem deixando grande abertura

à interpretação judicial, dando espaço, por vezes, ao subjetivismo e à

discricionariedade, num retrocesso à doutrina do Código de Menores. Seus

efeitos fazem-se sentir não apenas no campo jurídico, mas especialmente

na administração das políticas públicas de atenção ao jovem em conflito com

a lei.63

Poder-se-á perceber, no transcurso desse trabalho, que a não

admissão da natureza penal das medidas socioeducativas, abre espaço à

subjetividade e acaba por acarretar a desconsideração do correspondente

sistema de garantias constitucionais em prejuízo dos jovens acusados,

62 MENDEZ, Emilio Garcia. Criminologia, Direito Penal e Prevenção Comunitária. PalestraProferida no Curso de Pós Graduação em Direito Comunitário, Infância e Juventude, daESMP- Escola Superior do Ministério Público, em 05/10/01.

63 MENDEZ, op. cit., p. 3 e 4.

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diferentemente do que ocorre no sistema penal, onde a discricionariedade é

mínima, o suficiente apenas para interpretação da lei e enquadramento do

fato à norma.

Segundo Mendez64, é necessário romper tanto com a visão

pseudoprogressista e falsamente compassiva, de um paternalismo ingênuo,

de caráter tutelar, quanto com a visão retrógrada de um retribucionismo

hipócrita de mero caráter penal repressivo, expresso atualmente pela

proposta de redução da idade na imputabilidade penal, adotando-se o

modelo da responsabilidade penal dos adolescentes, que é o modelo das

garantias.

Em que pese a revolução cultural suscitada pelo ECA, onde a criança

e o adolescente passaram a ser vistos como sujeitos de direitos, esta não

está sendo efetivada de forma plena. Verifica-se, ainda, as más práticas

autoritárias, repressivas e incriminadoras da pobreza, bem como as boas

práticas tutelares compassivas, referidas por Mendez, herança do código de

menores subsistentes em nosso meio. A chamada crise de interpretação do

ECA diz especialmente com a persistência dessa cultura de subjetivismo e

discricionariedade a qual lentamente estão dando lugar à reformulação,

deslocando os fundamentos filosóficos na percepção e tratamento da

infância da “bondade” discricional à justiça garantista.65

Ensina o mesmo autor que

64 idem, op. cit., p. 8 e 9.65 Idem, op. cit., p. 12.

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“o caráter garantista de uma legislação remete auma dupla caracterização. Por um lado, o respeitorigoroso pelo império da Lei, próprio dasdemocracias constitucionais baseadas numaperspectiva dos direitos humanos, hojenormativamente estabelecidos e, por outro, aexistência de mecanismos e instituições idôneas eeficazes para a realização efetiva dos direitosconsagrados. Desde este ponto de vista, não existemdúvidas de que a cara oposta do garantismo é osubjetivismo e a discricionariedade.”66

Mendez67, assim como Ferrajoli68, sustentam que não existem

discricionariedades e subjetivismos bons. Refere o segundo que a ausência

de regras nunca é tal; a ausência de regras é sempre a regra do mais forte.

Diz o primeiro que, no contexto histórico das relações do Estado e dos

adultos com a infância, a discricionariedade tem funcionado sempre, de fato

e de direito, no médio e no longo prazo, como um mal em si mesmo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, embora legislação de cunho

garantista, baseada na doutrina da proteção integral, permite ainda, em

razão de suas lacunas e da cultura herdada do direito menorista, a violação

de direitos em decorrência do emprego da discricionariedade e do

subjetivismo pelo aplicador do Direito, especialmente no que tange à

execução das medidas de privação de liberdade e à remissão e aplicação de

medidas socioeducativas, questão que esse trabalho procura demonstrar.

Nesse contexto, o Estado se torna ele próprio um gerador de

violência, como se não bastasse a violência que a criança e o adolescente já

sofrem nas ruas, abandonados, e em suas próprias famílias, vítimas

passivas de espancamento e abuso sexual, estigmatizados como “pivetes” e

66 Idem ibidem.67 Idem, op. cit., p. 14.68 FERRAJOLI, Luigi, apud MENDEZ, op. cit., p. 14.

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“trombadinhas”, em caso de prática de ato infracional. Não que se entenda

que a criminalidade esteja relacionada diretamente com a miséria, mas esta

população está mais exposta a todo tipo de violência, não podendo ser o

Estado mais um a praticá-la, quando seu dever é dar-lhe proteção integral,

conforme institui o art. 227 da Constituição Federal, que em momento algum

excluiu os adolescentes em conflito com a lei dessa proteção69.

69 VERONESE, Josiane Rose Petry; RODRIGUES, Walkíria Machado. A Figura da Criançae do Adolescente no Contexto Social. In VERONESE, Josiane Rose Petry; RODRIGUES,Walkíria Machado; MIOTO, Regina Célia Tomaso (Autoras e Organizadoras). Infância eAdolescência, O Conflito com a Lei: algumas discussões. Florianópolis: Fundação Boiteux,2001, p. 34.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao regulamentar os artigos

227 e 22870 da Carta Magna, ao tempo em que conferiu direitos

fundamentais e sociais, criou regime jurídico em que o adolescente foi

elevado à dignidade de responder pelos seus atos. A responsabilidade penal

juvenil encontra bases doutrinárias na Constituição Federal e nas Regras

70 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e aoadolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e àconvivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.§ 1º. O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e doadolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo osseguintes preceitos:I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistênciamaterno-infantil;II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores dedeficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescenteportador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e afacilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos eobstáculos arquitetônicos.§ 2º. A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de usopúblico e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acessoadequado às pessoas portadoras de deficiência.§ 3º. O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto noartigo 7º, XXXIII;II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade narelação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser alegislação tutelar específica;V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiarde pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa daliberdade;VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais esubsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ouadolescente órfão ou abandonado;VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescentedependente de entorpecentes e drogas afins.§ 4º. A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e doadolescente.§ 5º. A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos econdições de sua efetivação por parte de estrangeiros.§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmosdireitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.§ 7º. No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração odisposto no artigo 204.Art. 228.São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas dalegislação especial.

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Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Juventude,

incorporadas pelo Estatuto Brasileiro, que, no artigo 103, conceituou o ato

infracional como a conduta descrita como crime ou contravenção penal,

remetendo o intérprete aos princípios garantistas do Direito Penal Comum,

tendo como normas específicas as do Estatuto.71

O reconhecimento da responsabilidade penal dos adolescentes

significa a garantia dos direitos fundamentais desses jovens, no mínimo nos

mesmos moldes daqueles garantidos aos adultos frente ao sistema penal.

Não é conveniente adotar eufemismos, como uma suposta responsabilidade

social, não-penal, pois é justamente a adoção do modelo penal juvenil,

previsto no ECA, que permite a preservação das liberdades individuais, além

de ser um componente essencial para a construção da cidadania, pois essa

não pode ser concebida na ausência de responsabilidade.

Os adolescentes devem seguir sendo inimputáveis penalmente,

negando-se a redução da idade da imputabilidade penal, porém penalmente

responsáveis pelos seus atos típicos, ilícitos e culpáveis. Há necessidade

de demonstrar-se a exata dimensão do problema da delinqüência juvenil, a

fim de que não se acredite que a redução da maioridade penal seja a

solução para o problema da insegurança pública que assola a sociedade.

Segundo Volpi72 os mitos envolvendo o problema dos adolescentes

dizem respeito ao tamanho do problema, periculosidade e irresponsabilidade

dos adolescentes, ou seja, a mídia, autoridades e profissionais que atuam

com o tema encarregam-se de apresentar o panorama como grave, quando

não existem números e pesquisas seguras a respeito; existe a crença de

71 SARAIVA, op. cit., p.39.72 VOLPI, Mário. Sem Liberdade, Sem Direitos. São Paulo: Cortez, 2001, p. 14/16.

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que os adolescentes estão propensos a praticar crimes cada vez mais

graves, quando os estudos revelam que a maioria envolve-se em delitos

contra o patrimônio; quanto ao terceiro mito, relacionado com a tendência

dos adolescentes de cometerem crimes porque a legislação é muito branda,

na verdade o Estatuto da Criança e do Adolescente inovou, implantando a

responsabilização juvenil.

Entende Carvalho73 que:

“O efeito da miserabilidade do tema violência,ofuscando as possibilidades de seu controle pacífico,é a barbarização do cotidiano, a confusão entrepolítica pública de segurança e vingança privada,obtendo-se como subproduto trágico, o vilipêndio donúcleo rígido da Constituição que são os direitos egarantias fundamentais.”

É preciso modificar esse olhar desviado da realidade e superar os

mitos que circundam o assunto envolvendo adolescente infrator e a violência

em geral, a fim de que se possa realizar uma melhor aplicação dos

mecanismos oferecidos pelo ECA, dentro de sua doutrina garantidora de

direitos, que é a da proteção integral. Forçoso é que não nos deixemos

levar pela crença da resolução dos problemas de segurança pública, única e

exclusivamente, através da proliferação de leis cada vez mais rígidas,

baseadas no comando “lei e ordem”, da qual também advém os movimentos

pela redução da menoridade penal.

Há necessidade de legislação reguladora das medidas

socioeducativas, a fim de enfrentar a sobrevivência da cultura da “proteção”

subjetiva e discricional, mantendo-se integralmente as garantias

fundamentais dos adolescentes, sujeitos de direito.

73 CARVALHO, op. cit., p. 22.

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O homem precisou descobrir a si mesmo, como ser humano, para só

então descobrir a infância e passar a ver esses seres em desenvolvimento

não mais como coisas, mas como sujeitos de direitos. Apesar de sermos

ainda incipientes na implantação das inovações trazidas pelo ECA e de

modificação de paradigma, o que se percebe é uma propensão muito forte a

retornar ao ponto anterior, cedendo às pressões resultantes da violência que

nos cerca, do que mantermos o que já foi alcançado.

Até hoje o homem não conseguiu chegar a um consenso na resposta

para a pergunta: Por que punir? Mas segue punindo tanto adultos como

adolescentes, de forma cada vez mais rigorosa, com a edição de novas leis

capitulando novos crimes, com penas cada vez mais severas, tolhendo

direitos fundamentais até então consagrados, sem que se adote uma política

séria e viável de contenção da criminalidade.

Por isso, as conquistas até aqui obtidas precisam ser discutidas e

reafirmadas a todo o tempo em nossos dias, numa luta incessante, a fim de

que jamais se retroceda, um passo sequer, no que diz respeito aos direitos

alcançados, e assim se possa tornar as barbáries cometidas contra nossas

crianças e adolescentes, apenas um fato histórico, jamais repetido.

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2- AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO ECA

As medidas socioeducativas estão previstas no artigo 112 do Estatuto

da Criança e do Adolescente, podendo ser divididas em não privativas de

liberdade - advertência, reparação de dano, prestação de serviços à

comunidade e liberdade assistida - ou privativas de liberdade -semiliberdade

e internamento, com ou sem atividades externas.

São aplicáveis aos adolescentes autores de ato infracional, entendido

este como toda conduta descrita como crime ou contravenção penal, nos

termos do art. 103 do ECA.74 Com esse dispositivo, o Estatuto explicita a

observância da garantia constitucional do princípio da tipicidade, excluindo a

antiga idéia do ambíguo conteúdo típico do desvio de conduta, preconizado

pelo Código de Menores.

74 Art. 103 – Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravençãopenal.

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A autoridade - Juiz ou Promotor de Justiça – deve levar em conta a

capacidade do adolescente de cumprir a medida escolhida, bem como as

circunstâncias e a gravidade da infração.

Sotto Maior75, comentando o §1º do art. 112 do ECA, refere que:

“a imposição de medida irrealizável, além doinerente desprestígio à própria Justiça da Infância eda Juventude, acabaria reforçando juízo negativo (eformulado com freqüência pelos adolescentes) deincapacidade ou inaptidão para as coisas da vida,provocador de inevitável rebaixamento da auto-estima. Ao invés de benefícios, a aplicação da medidatraria prejuízos à formação da personalidade doadolescente. A parte final do parágrafo em tela, poroutro lado, refere-se à necessária relação eproporcionalidade entre a medida aplicada e ascircunstâncias e gravidade da infração. A decisãodesproporcionada ou que não guarde qualquerrelação com o fato infracional praticado tenderá aperder contato com o processo educativo que lhe dárazão de existir, restando, neste aspecto, inócua einjusta.”

Inobstante a intenção de estabelecer o norte para a aplicação das

medidas socioeducativas, o Estatuto silencia acerca dos critérios a serem

adotados a fim de que a medida seja proporcional e não fira os direitos

fundamentais do adolescente infrator, especialmente quando estabelecida

em sede de remissão pelo Promotor de Justiça, pois ausentes as garantias

processuais, especialmente o devido processo legal e o contraditório.76

75 SOTTO MAIOR, Olímpio. Comentário ao art. 112 do ECA. in CURY, M.; AMARAL E SILA,A; MENDEZ, E.G. (Coord). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, ComentáriosJurídicos e Sociais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.341-342.

76 Vide texto capítulo 3, Da remissão.

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Apenas estabelece, por força do art.113, o qual remete ao art. 100,

que se devem levar em conta as necessidades pedagógicas da criança ou

do adolescente, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos

vínculos familiares e comunitários. Visa essa regra ao bem-estar do

destinatário da medida, a qual deverá ter caráter educativo, capaz de auxiliar

o jovem a superar os conflitos da chamada crise da adolescência,

especialmente marcada pelo insurgimento contra os padrões sociais

estabelecidos e, por isto mesmo, determinante das transgressões aos

comandos legais.77

Ainda, prevê o ECA a possibilidade de aplicação das medidas

socioeducativas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a

qualquer tempo. Graças a esta regra, as decisões que aplicam medida

socioeducativa não fazem coisa julgada.

O art. 114 do ECA dispõe, como pressuposto para a aplicação das

medidas socioeducativas, a existência de provas suficientes da autoria e da

materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão.

Nessa ressalva verifica-se verdadeiro flagrante da violação de direitos

fundamentais, na medida em que permite a aplicação de medida

socioeducativa não privativa de liberdade, que tem caráter punitivo, em sede

de remissão com exclusão, suspensão ou extinção do processo, sem

necessidade de que estejam provadas a autoria e materialidade da infração.

Uma “pena” é aplicada ao infrator, sem que sejam observados seus

direitos ao devido processo legal e ao contraditório, sob a justificativa de que

se trata de “composição”, determinada pelo ajuste e concordância, pela

77 SOTTO MAIOR, Olímpio. Comentário ao art. 113 do ECA. In CURY, M.; AMARAL E SILA,A; MENDEZ, E.G. (Coord). Op. cit., p. 344.

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aceitação de sua concessão por parte do adolescente - e de seus pais ou

responsável -, além de que não prevalece para efeito de antecedentes e não

pode incluir a aplicação das medidas socioeducativas de semiliberdade e

internação.

O Estatuto, que é mundialmente conhecido por ser um dos mais

modernos do mundo, destacando como princípio basilar o da proteção

integral, no entanto, permite tamanha disposição quanto aos direitos

fundamentais do adolescente.

Conforme Alves Lima78:

“É preciso que se preste muita atenção à lógicaprotetiva do Estatuto, evitando-se que o exercício dopoder corretivo descambe para um disfarçado abusode autoridade.”

O mesmo autor, comentando a dispensa da prova da autoria e da

materialidade para a imposição da advertência, assevera:

“Embora a advertência possa vir a ser aplicada noprimeiro contato com o sistema de Justiça daInfância e da Juventude, na audiência deapresentação ao órgão do Ministério Público (art. 179do ECA), nada impede que decorra do procedimentoapuratório do ato infracional, através do respectivoprocedimento contraditório. Dessa forma, não sepode estabelecer a dispensa da apuração do atoinfracional como regra de proceder.

78 ALVES LIMA, Miguel Moacyr. Comentário ao art. 115 do ECA. In CURY, M.; AMARAL ESILA, A; MENDEZ, E.G. (Coord). Op. cit., p. 350.

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Em segundo lugar, a afirmação de que a medidapode ser imposta independentemente da prova damaterialidade do fato contraria não só o espírito doEstatuto, um sistema jurídico edificado sobre oprincípio dos direitos fundamentais dos seusdestinatários, mas também a exigência expressa doparágrafo único do seu art. 114.” 79

Acrescente-se que a ressalva atenta contra o próprio princípio da

tipicidade, previsto no art. 113, pois esse remete o exegeta aos Princípios

Garantistas do Direito Penal Comum, dentre os quais o de que não há pena

sem crime e sem processo no qual reste provada a autoria e materialidade,

sob pena de arbitrariedade.

O processo é a garantia da sociedade contra a restrição de direitos

substanciais de modo arbitrário e desarrazoado.80 A dispensa da prova da

autoria e materialidade para a cumulação de medida socioeducativa com a

remissão fere também o princípio da inocência, segundo o qual o acusado é

inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em

julgado. Como conseqüência, não deveria ser possível a aplicação de pena,

no caso, de medida socioeducativa, sem o devido processo legal e sem que

restem comprovadas a autoria e materialidade do ato infracional.

79 Art 114 do ECA: A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração,ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova damaterialidade e indícios suficientes da autoria.80 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1998, p. 27

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2.1- Medidas socioeducativas não privativas de liberdade:

2.1.1- Advertência:

Prevista no art. 115 do ECA, consiste em admoestação verbal do

adolescente infrator.

Pode ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios

suficientes da autoria, ressalvada a hipótese de remissão, em que são

dispensados, conforme acima analisado.

2.1.2- Reparação do dano:

Sempre que possível, quando o ato infracional tiver reflexos

patrimoniais, poderá ser determinado pela autoridade que o adolescente

restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma,

compense o prejuízo da vítima (art. 116 do ECA).

Assim, se a vítima não tiver seu dano ressarcido através da medida

socioeducativa aplicada ao adolescente, poderá buscar esse direito na

esfera civil, pois esta responsabilidade não é excluída pelo Estatuto.81

A medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano se aplica ao

adolescente, assim entendido aquele que tenha entre doze anos completos

e dezoito incompletos.

81 VERONESE, Josiane Rose Petry; QUANDT, Guilherme de Oliveira; OLIVEIRA, Lucienede Cássia Policarpo. O Ato Infracional e a Aplicação das Medidas Socioeducativas. InVERONESE, Josiane Rose Petry; RODRIGUES, Walkíria Machado; MIOTO, Regina CéliaTomaso (Autoras e Organizadoras). Infância e Adolescência, O Conflito com a Lei: algumasdiscussões. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001, p. 56.

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O Estatuto inova ao prever que a autoridade (Promotor de Justiça ou

Juiz) poderá ir além da mera tentativa de composição patrimonial,

estabelecendo a faculdade de determinar que o adolescente repare o dano

decorrente de sua ação ilícita, como medida socioeducativa. Havendo

impossibilidade da reparação, seja pela condição financeira do adolescente,

ou pelo diminuto valor jurídico do ato, a medida poderá ser substituída por

outra.82

Ressalva Nogueira83 que:

82 CORREA JUNIOR, Luiz Carlos de Azevedo. Direito do Menor. São Paulo: Atlas, 1991, p.34.83 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 180.

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“a medida de obrigação de reparar o dano, salvomelhor juízo, parece-nos de duvidosaconstitucionalidade, pois não pode o Juiz deMenores84 impô-la como medida obrigatória, masapenas tentar a composição do dano como previa oCódigo revogado (art. 103), já que nem mesmo aoadulto condenado criminalmente pode ser impostapelo juiz criminal a obrigação de reparar o danocausado, nem mesmo como condição do ‘sursis’,embora a não-reparação do dano pelo condenadoconstitua causa obrigatória de revogação dessebenefício (CP, art. 81, II). Como, pois, impor talmedida obrigatoriamente ao adolescente ou a seu paiem procedimento que apura a prática de atoinfracional?(...) Assim, a imposição da reparação dodano pelo Juiz de Menores não deixa de serexorbitante, sem que haja a devida apuração da culpaem processo regular, o que deve ocorrer na esferacivil, já que na esfera minorista existe previsãosomente da apuração da prática de ato infracional,não impedindo, todavia, que seja tentada umacomposição amigável para reparação do dano, masnão imposição obrigatória como está previsto.”

Deve-se, sempre, estar atento ao espírito do ECA quanto à proteção

dos direitos dos adolescentes.

A obrigação de reparar o dano alcança não somente aos casos de atos

infracionais que atinjam o patrimônio da vítima, mas também àqueles em

que o dano à esfera patrimonial se dá por via indireta e nas hipóteses de

dano moral.

Quanto à dispensa da prova da materialidade e autoria na remissão,

refere Alves Lima85:

84 Ou o Promotor de Justiça. Nota da autora.85 ALVES LIMA, Miguel Moacyr. Comentário ao art. 116 do ECA. In CURY, M.; AMARAL ESILA, A; MENDEZ, E.G. (Coord). Op. cit., p. 357.

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“Quando a medida vier acoplada ao benefício daremissão, a autoridade deverá contar com a prova damaterialidade, bem como com elementos deconvicção, embora não concludentes, masfortemente indicativos (indiciários) da autoria do atoinfracional. Caso contrário, estaríamos diante de umasituação legal desconectada do princípio de justiça,ou de justa causa, e portanto, estranha ao modelojurídico-processual do Estatuto. Ao falar-se emprincípio do contraditório não se pode concebernenhuma forma de sanção, ainda que de carátersócio-educativo, sem formação de culpa, ainda quenão plena. Estaríamos embutindo no sistema doEstatuto da Criança e do Adolescente um viésautoritário de incontroláveis conseqüências.Estaríamos quebrando a lógica da proteção integral,em homenagem à lógica da tutela repressiva que oideário básico da atual lei menorista rechaça deforma direta e aberta, como se vê de suapreocupação com a salvaguarda dos direitos egarantias individuais, dos direitos e garantiasprocessuais da criança e do adolescente- no casodestes, ainda que infratores.”

Conclui-se que o ECA, em vários artigos isolados permite a violação de

direitos individuais dos adolescentes, os quais devem ser corrigidos por meio

de uma interpretação sistemática dos objetivos do Estatuto em conformidade

com a Constituição Federal.

2.1.3- Prestação de Serviços à Comunidade:

Estabelece o art. 117 do ECA que:

“A prestação de serviços comunitários consiste narealização de tarefas gratuitas de interesse geral, porperíodo não excedente a seis meses junto aentidades assistenciais, hospitais, escolas e outrosestabelecimentos congêneres, bem como emprogramas comunitários ou governamentais.

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Parágrafo único. As tarefas serão atribuídasconforme as aptidões do adolescente, devendo sercumpridas durante jornada máxima de oito horassemanais, aos sábados, domingos e feriados ou emdias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência àescola ou à jornada normal de trabalho.

Nada impede que a autoridade judiciária fixe um número de horas a

serem cumpridas pelo adolescente, cominando um lapso temporal máximo

para cumprimento da medida. O número total de horas deve respeitar os

limites de oito horas semanais e seis meses para o término da medida.86

A atividade deverá ser não remunerada, a fim de que cumpra a

finalidade de responsabilização do adolescente.87

A prestação de serviços à comunidade, inobstante o conteúdo

pedagógico, encobre forte natureza punitiva. Tanto é que em nada difere das

prestações de serviço à comunidade aplicadas no Direito Penal, sendo uma

forma de pena restritiva de direitos, alternativa à privativa de liberdade.

Por isso mesmo, cabem as mesmas críticas quanto ao desrespeito ao

devido processo legal e ao contraditório para sua aplicação, bem como à

dispensa da prova da autoria e da materialidade, em sede de remissão.

86 CORREA JUNIOR, op. cit. p. 35.87 VERONESE, Josiane Rose Petry; QUANDT, Guilherme de Oliveira; OLIVEIRA, Lucienede Cássia Policarpo. O Ato Infracional e a Aplicação das Medidas socioeducativas. InVERONESE, Josiane Rose Petry; RODRIGUES, Walkíria Machado; MIOTO, Regina CéliaTomaso (Autoras e Organizadoras). Op. cit., p. 60.

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2.1.4- Liberdade Assistida:

Prevista no art. 118 do ECA, será aplicada sempre que se mostrar a

medida mais indicada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o

adolescente, por meio de pessoa capacitada (orientador), a fim de criar

condições para reforçar vínculos entre o jovem, seu grupo de convivência e

sua comunidade.

É fixada por um prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer

tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o

orientador, o Ministério Público e o defensor.

A liberdade assistida depende de estrutura prévia da comunidade, que

contem com programas específicos de atendimento, a fim de que tenha

êxito. O comprometimento do adolescente e de alguém de sua família, bem

como o papel do orientador, são essenciais para atingir-se o caráter

socializante.

O art. 119 apresenta rol exemplificativo das atividades a serem

desempenhadas pelo orientador, especialmente a promoção social do

adolescente, supervisão da freqüência e aproveitamento escolar, promoção

da profissionalização e sua inserção no mercado de trabalho e apresentação

de relatório do caso.

Tratando-se também de medida com caráter repressivo, uma vez que

restringe direitos, aplica-se a mesma crítica acerca do desrespeito ao devido

processo legal e ao contraditório para sua aplicação, bem como à dispensa

da prova da autoria e da materialidade, em sede de remissão.

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2.2- Medidas socioeducativas privativas de liberdade:

2.2.1- Regime de Semiliberdade:

Dispõe o art. 120 que o regime de semiliberdade pode ser determinado

desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada

a realização de atividades externas, independentemente de autorização

judicial, sendo vedada determinação em sentido contrário88, diferentemente

do que ocorre com a internação. Ressalvadas suas peculiaridades, amolda-

se ao regime aberto previsto na legislação penal.

É obrigatória a escolarização e a profissionalização durante o

cumprimento, não comportando prazo determinado. Aplica-se, no que

couber, as regras relativas à internação, levando em conta a finalidade

limitativa e de proteção como razão comum da disciplina das duas medidas.

Assim como a internação, devem ser observadas as garantias

processuais previstas no art. 114 e arts. 110 e 111 da Lei menorista, não

podendo ser aplicada em sede de remissão.

Prevê o parágrafo segundo do art. 120 que se aplicam as disposições

relativas à internação, no que couber, ao que se entende cabíveis as

determinações de reavaliação periódica para manutenção da medida a cada

seis meses, o prazo máximo de três anos, a possibilidade de aplicar outra

88 CURY, Munir; GARRIDO. P. & MAÇURA. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado.São Paulo: RT, 1991, p.64.

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medida após esse período, a liberação compulsória aos vinte e um anos, o

procedimento de desinternação (art. 121, §§ 2º a 6º do ECA).89

A dificuldade prática é que infelizmente não dispomos de casas de

semiliberdade para o recolhimento de adolescentes, como forma de

transição para o regime aberto, que seria o de liberdade assistida.90

2.2.2- Internação:

A internação é medida privativa de liberdade, prevista no art. 124 do

ECA. Por isso, é normatizada pelos princípios da brevidade,

excepcionalidade e respeito à dignidade humana em estágio de

desenvolvimento. Havendo outra medida adequada, não deve ser aplicada a

internação.

Segundo Mendez91:

“A utilização da expressão ‘privação da liberdade’resulta altamente conveniente no sentido de não seignorar o complexo sistema de garantias de fundo eprocessuais que devem acompanhá-la.Tradicionalmente, os sistemas de Justiça de‘menores’ produzem uma alta quota de sofrimentosreais encobertos por uma falsa terminologia tutelar.

89 VERONESE, Josiane Rose Petry; QUANDT, Guilherme de Oliveira; OLIVEIRA, Lucienede Cássia Policarpo. O Ato Infracional e a Aplicação das Medidas socioeducativas. InVERONESE, Josiane Rose Petry; RODRIGUES, Walkíria Machado; MIOTO, Regina CéliaTomaso (Autoras e Organizadoras). Op.cit., p. 70.90 NOGUEIRA, Op. cit., p. 120.91 MENDEZ, Emílio Garcia. Comentário ao art. 121 do ECA. In CURY, M.; AMARAL E SILA,A; MENDEZ, E.G. (Coord). Op. cit., p. 373.

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Neste sentido, o espírito e a letra do art. 121traduzem, plenamente, aquilo que está disposto noinc. ‘b’, ponto 10, das ‘Regras Mínimas das NaçõesUnidas para a Proteção dos Jovens Privados deLiberdade.’

As atividades externas são permitidas, salvo se houver vedação

expressa da autoridade judiciária.

Não comporta prazo determinado, porém não poderá exceder a três

anos, devendo ser realizada uma avaliação a cada seis meses a fim de

verificar a necessidade de sua manutenção, caso em que a fundamentação

é obrigatória.

Após o lapso temporal máximo, o adolescente deve ser posto em

liberdade, semiliberdade ou liberdade assistida, sendo a liberação

obrigatória em caso de o adolescente atingir a idade de vinte e um anos. Em

qualquer hipótese, a desinternação depende de autorização judicial, ouvido

o Ministério Público.

Considerando seu caráter de excepcionalidade, a internação

exclusivamente deve ser aplicada quando não houver em hipótese alguma

outra medida adequada e somente quando o ato infracional for cometido

com violência ou grave ameaça à pessoa, quando houver reiteração no

cometimento de outras infrações graves, ou por descumprimento reiterado e

injustificável de outra medida. Neste último caso, não poderá a internação

superar o prazo de três meses (Art. 122 do ECA).

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O aspecto mais importante do art. 122 do ECA está no § 2º, que inverte

o ônus da prova, obrigando a autoridade judicial a demonstrar que não

existe outra medida mais adequada que a internação.92

A internação deverá ser cumprida em estabelecimento exclusivo para o

atendimento de adolescentes, diverso daquele destinado a abrigo,

obedecendo critérios de separação por idade, compleição física e gravidade

da infração. Durante o período de internamento, deverá haver a prática de

atividades pedagógicas, afim de favorecer a reinserção do jovem.

O Estatuto busca com isso terminar com qualquer possibilidade de

promiscuidade pela manutenção de adolescentes internados em

estabelecimentos com adultos, bem como em locais não condizentes com a

reeducação e dignidade da pessoa humana.

Os direitos do adolescente internado estão elencados no art. 124 do

ECA, sendo vedada a incomunicabilidade, com possibilidade de suspensão

temporária de visitas, em caso da existência de motivos sérios e fundados

de sua prejudicialidade ao adolescente. O Estado deverá zelar pela

integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas

adequadas de contenção de segurança.

Assim como a semiliberdade, devem ser observadas as garantias

processuais previstas no art. 114 e arts. 110 e 111 da Lei menorista, não

podendo ser aplicada em sede de remissão.

A esse respeito, ressalta-se a necessidade de respeitar esses mesmos

princípios para a aplicação de todas as medidas socioeducativas, haja vista

terem caráter penal, poderem ser revisadas a qualquer tempo para aplicação

92 Idem, p.377.

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de medida mais gravosa, poderem ser convertidas em internação em caso

de descumprimento injustificado e reiterado, o que vai contra às garantias

processuais, ao respeito à dignidade humana em estágio de

desenvolvimento e da doutrina da proteção integral, adotados pelo ECA.

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3- REMISSÃO:

O Instituto da Remissão foi previsto no Estatuto da Criança e do

Adolescente, em seus artigos 126, 127 e 128, constituindo formas de

exclusão do processo quando concedido pelo Promotor de Justiça, e de

suspensão ou extinção do processo, quando concedido pelo Juiz.

A primeira forma está prevista no caput do art. 126 que prevê:

“Antes de iniciado o procedimento judicial paraapuração de ato infracional, o representante doMinistério Público poderá conceder a remissão comoforma de exclusão do processo, atendendo àscircunstâncias e conseqüências do fato, ao contextosocial, bem como à personalidade do adolescente esua maior ou menor participação no ato infracional.”

Já a segunda forma está prevista no parágrafo único do mesmo

dispositivo, assim narrado:

“Iniciado o procedimento, a concessão da remissãopela autoridade judiciária importará na suspensão ouextinção do processo.”

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Neste trabalho, abordaremos mais especificamente a remissão

concedida pelo Promotor de Justiça, embora seja importante traçarmos a

diferenciação entre as duas e fazermos algumas considerações genéricas,

vez que os questionamentos suscitados abrangem também a remissão e

aplicação de medida socioeducativa pelo Magistrado.

A remissão faz-se admissível em dois momentos distintos: na fase

pré-processual, concedida pelo Promotor de Justiça, antes do oferecimento

da Representação, tendo como efeito a exclusão do processo de

conhecimento; ou já na fase judicializada, com exclusão ou suspensão do

processo, aplicada pelo Juiz de Direito da Infância e Juventude, quando já

oferecida a representação.

QUADRO N.º 2: MOMENTOS DA CONCESSÃO DA REMISSÃO

FASE QUEM CONCEDE EFEITO

Pré-processual Promotor de Justiça Exclusão do processo

Judicializada Juiz de Direito Exclusão ou suspensão do processo

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“Remissão, do latim remissio, de remittere,significa clemência, misericórdia, indulgência,perdão, renúncia, mas também ‘falta ou diminuiçãode rigor, de força, de intensidade’ (cf. Novo DicionárioAurélio).”93

Alguns autores divergem acerca do tema ao entender que remissão não

é sinônimo de perdão, por ter caráter de transação e permitir a cumulação

de medida socioeducativa. Segundo esses, a expressão tem um sentido

mais amplo que o de simples perdão, que abarcaria apenas a supressão do

processo judicial.94 No caso de ser concedido o perdão puro e simples, sem

aplicação de qualquer medida, tem-se a chamada remissão própria,

enquanto que quando cumulada com medida socioeducativa, é chamada

remissão imprópria.95

O art. 126 estabeleceu, como critérios para a remissão, a análise das

circunstâncias e conseqüências do fato, do contexto social, da personalidade

do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

Na seqüência, o art. 127 determina que a concessão da remissão não

implica em reconhecimento ou comprovação da responsabilidade do

adolescente e, em conseqüência, não prevalece para efeito de

antecedentes, admitindo, eventualmente, a aplicação de qualquer das

medidas socioeducativas, exceto a colocação em regime de semiliberdade e

a internação.

93 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Remissão. in CURY, M.; AMARAL E SILA, A; MENDEZ, E.G.(Coord). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos eSociais, 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.385.94 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional, Garantias Processuais eMedidas Socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.56.95 Idem, op. cit., p. 64.

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Não entraremos na discussão sobre a constitucionalidade da aplicação

de medida socioeducativa pelo Ministério Público no âmbito de sua

competência, uma vez que o advento do enunciado da Súmula 108 do STJ,

estabeleceu a competência exclusiva do Juiz de Direito na aplicação de

medida socioeducativa, pacificando a matéria 96.

O estatuto silenciou acerca dos critérios a serem adotados para a

escolha da medida socioeducativa a ser aplicada e o prazo, o que vem

causando, na prática, uma série de disparidades, pois se verifica que cada

Promotor de Justiça opta por critérios diversos e subjetivos, o que pode

configurar injustiças, na medida em que alguns infratores recebem medidas

bem mais gravosas que outros para casos idênticos, além da violação de

direitos fundamentais.

À primeira vista poderá parecer aceitável o fato de cada Promotor de

Justiça aplicar medida socioeducativa diferente para casos similares, uma

vez que a remissão, como exclusão do processo, aproxima-se ao probation

norte- americano, ou, no nosso direito pátrio, ao instituto da transação penal.

Assim, basta que o Ministério Público proponha a remissão, cumulada com

medida socioeducativa, se for o caso, e, sendo esta aceita pelo infrator e seu

responsável legal, segue para a homologação pelo juízo.

Esse trabalho visa a justamente trazer à discussão algumas questões, a

fim de que a reflexão contribua para o aprimoramento do tema que envolve a

Infância e Adolescência.

96 SARAIVA, op. cit., p. 61, preleciona que : “Na verdade, o ECA ao estabelecer que aremissão concedida (rectius, concertada) pelo Ministério Público sujeita-se para sua eficáciaà homologação do Juiz de Direito (que, como já dito, se não concordar com aquelarepresentará ao Procurador-Geral da Justiça, a exemplo do que também ocorre quandodivergir acerca de pedido de arquivamento de inquérito), implicitamente afirma que será oJuiz de direito quem, homologando a transação efetuada, estará aplicando a medidasocioeducativa ajustada entre as partes.”

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Alguns dirão que, mesmo em caso de uma sentença condenatória, no

processo penal, cada Juiz dará uma resposta diversa para o mesmo caso.

Ocorre que no Direito Penal, a lei estabelece os limites, máximo e mínimo, e

o tipo de pena a serem fixados, bem como os critérios definidores do

quantum, previstos no art. 59 do Código Penal. O julgador é obrigado a

respeitar estes limites e os critérios, bem como a fundamentar

adequadamente. Além disso, em caso de sentença condenatória, foi

observado o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, o que

não ocorre em sede de remissão e aplicação de medida socioeducativa.

No caso da transação penal, trazida pela Lei n.º 9.099/95, poder-se-ia

afirmar, em defesa da falta de critérios do ECA, que aquele instituto também

permite a aplicação de pena - pecuniária ou de prestação de serviço à

comunidade - a critério do Promotor de Justiça, com a única ressalva de

que, em caso de ser a pena de multa a única aplicável, o juiz poderá reduzi-

la até a metade (art. 76, § 1º, da Lei n.º 9099/95).

Cabe lembrar que o instituto da transação se aplica apenas para os

delitos entendidos de menor potencial ofensivo com pena máxima prevista

de dois anos - art. 61 da Lei n.º 9099/95, combinado com art. 2º da Lei n.º

10.259, de 12 de julho de 2001, que instituiu os Juizados Especiais no

âmbito da Justiça Federal 97-, enquanto a remissão não faz distinção de ato

infracional, podendo ser aplicada a qualquer fato criminoso. Na transação

penal pode ser aplicada pena de multa, o que não é possível em sede de

remissão, pois esta não é prevista como medida socioeducativa. Também, a

97 Lei n.º 10.259 de 12 de julho de 2001, art. 2º : “Compete ao Juizado Especial FederalCriminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos àsinfrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo Único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitosdesta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.”

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transação penal, diferentemente da remissão cumulada com medida,

estabelece requisitos para a sua concessão, previstos no art. 76, § 2º da Lei

n.º 9.099/95.

Ressalvadas as peculiaridades, os institutos têm muitos pontos em

comum, sendo a remissão mais abrangente que a transação penal, o que é

mais grave, na medida em que põe em risco os direitos dos adolescentes

infratores. Mas a mesma crítica que se faz à transação penal cabe à

remissão e à aplicação de medida socioeducativa como exclusão ou

suspensão do processo, pois ambos os institutos desrespeitam o devido

processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e

a igualdade. Segundo Lopes Jr98:

“Outra situação que nos parece inaceitável é aaplicação de uma pena sem que tenha antecedido nasua totalidade um processo penal válido, comoocorre, v.g., na transação penal prevista no art. 76 c/c85 da Lei n.º 9.099. Os referidos dispositivospermitem que a pena de multa, aplicada de formaimediata na audiência preliminar, seja convertida empena privativa de liberdade ou restritiva de direitos,quando não for paga pelo acusado. O resultado finalé absurdo: uma pena privativa de liberdade (fruto daconversão), sem culpa e sem que sequer tenhaexistido o processo penal. É um exemplo desubversão de princípios básicos do processo penal”

Tal censura é valida e deve ser estendida ao âmbito do Estatuto da

Criança e do Adolescente, devido a remissão ter o mesmo sentido de

negociação que a transação, além de impor “pena” na forma de advertência,

reparação do dano, prestação de serviço à comunidade e liberdade

98 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2001, p. 10.

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assistida, que, inclusive também pode ser convertida em privativa de

liberdade pelo descumprimento, conforme art. 122, III do ECA.

Assinala Carvalho99, referindo-se à inconveniência da prescindibilidade

do sistema processual penal, que as críticas dirigidas à violação de direitos

no “processo penal” centralizam-se em dois momentos específicos: atividade

policial (inquérito policial) e atividade executiva (sistema penitenciário),

ressaltando que estes são pautados pelo viés administrativo, e não

jurisdicional. São momentos em que não há verdadeiro processo penal, mas

procedimentos administrativizados (inquisitivos), em essência autoritários e

violadores de direitos, pois inquisitivos – não há respeito dos princípios do

contraditório e ampla defesa. O dirigente faz papel de acusador, advogado e

julgador.

O direito de punir do Estado é limitado pelo direito penal e pelo

processo penal. Quanto mais se utiliza a via administrativa para a resolução

desses conflitos, menos controle formal para que garantias sejam

minimamente respeitadas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a via administrativa na

fase pré-processual, no momento da ouvida do adolescente na Promotoria

de Justiça e análise do procedimento e critérios subjetivos para a tomada de

decisão quanto ao arquivamento, remissão cumulada ou não com aplicação

de medida socioeducativa ou representação. A discricionariedade prejudicial

resulta da disparidade dos critérios utilizados pelos Promotores de Justiça

para concessão da remissão e aplicação de medida socioeducativa, em

99 CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: O Modelo Garantista de Limitação doPoder Punitivo. In CARVALHO, Salo de. (org) Crítica e Execução Penal. Doutrina,Jurisprudência e Projetos Legislativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 24.

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razão da omissão da lei e exclusão do processo. A lei e o processo,

limitadores do direito de punir, neste caso, não cumprem seu papel, uma vez

que a primeira não limita o poder discricionário do aplicador do Direito – seja

pela não imposição de critérios legais definidos, seja pela permissão de

exclusão ou suspensão do processo para a imposição da sanção, que tem

caráter penal.

Lopes Jr.100 interpretando modelo garantista de Ferrajoli, ensina que:

“O Direito Penal mínimo é uma técnica de tutela dosdireitos fundamentais e configura a proteção do débilcontra o mais forte; tanto do débil ofendido ouameaçado pelo delito, como também do débilofendido ou ameaçado pela vingança; contra o maisforte, que no delito é o delinqüente, e na vingança é aparte ofendida e os sujeitos públicos ou privadossolidários com ele.101 A proteção vem por meio domonopólio estatal da pena e da necessidade deprévio processo judicial para sua aplicação, e daexistência, no processo, de uma série deinstrumentos e limites, destinados a evitar os abusospor parte do Estado na tarefa de perseguir e punir.”

Por isso a importância de reconhecer-se caráter penal à medida

socioeducativa, a fim de que também aos adolescentes sejam estendidas as

garantias processuais penais, limitando-se a discricionariedade. Refere

Carvalho que, por mais paradoxal que pareça, mesmo sendo mais

estigmatizante, ao dar natureza penal ao ato infracional estaremos

100 LOPES JR, op. cit., p. 17101 FERRAJOLI, apud LOPES JR, op. cit., p. 17.

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garantindo ao menor direitos materiais e penais mínimos que estão ausentes

no Estatuto da Criança e do Adolescente.102

Lopes Jr.103 destaca, em sua crítica ao sistema de Justiça Negociada,

que a discricionariedade da ação penal e os acordos são resquícios

históricos da ação penal privada e/ou popular, em que a acusação era

disponível, violando o monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva

do Estado. A pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se

submete aos limites da legalidade, senão à discricionariedade do Ministério

Público. Esse poder conferido ao Promotor de Justiça termina com a

igualdade entre as partes, vez que é ele quem impõe as condições e o preço

do "negócio”, transformando a acusação em um instrumento de pressão

sobre o acusado, que se vê na conveniência de aceitar uma culpa

inexistente em troca de uma pena menor, ou correr o risco de submeter-se a

um processo que será desde logo desigual.

A desigualdade, na fase administrativa do ECA, não se dá somente

pela superioridade do Promotor de Justiça em relação ao adolescente

hipossuficiente, mas também em relação à escolha de critérios diversos para

a concessão da remissão e aplicação de medida educativa em casos

idênticos, o que acaba por violar também a dignidade da pessoa humana,

princípio contido no art. 1º da Constituição Federal de 1988.

Segue, ainda, Lopes Jr104 dizendo que tampouco os princípios da

presunção de inocência e do ônus probatório da acusação sobrevivem

nessas condições. “O processo penal passa a não ser mais o caminho

102 CARVALHO, Salo de. Teoria Agnóstica da Pena: O Modelo Garantista de Limitação doPoder Punitivo. In CARVALHO, Salo de. (org). Op. cit., p. 26.103 LOPES JR, op. cit., p. 22/25.104 LOPES JR, op. cit., p. 26.

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necessário para a pena, e com isso o status de inocente pode ser perdido

muito antes do juízo e da sentença e, principalmente, sem que para isso a

acusação tenha que provar o alegado.” Refere esse autor que o sistema

negocial sequer colabora para aumentar a credibilidade da justiça, pois

ninguém gosta de negociar sua inocência.

Evidente, pois, a necessidade de estabelecer limites para a

subjetividade e discricionariedade dos aplicadores do Direito, e isso se faz,

no mínimo, com o estabelecimento de critérios legais definidos para a

concessão da remissão e aplicação de medida socioeducativa, ou com a

obrigatoriedade do devido processo legal para imposição da última, devido

ao reconhecimento de seu caráter penal.

A obrigatoriedade da assistência técnica por advogado durante a fase

administrativa também deve ser buscada, como medida de efetivar os

princípios constitucionais que também foram expressos no Estatuto, de

modo que, se o Estado não tiver condições de proporcionar defensor público

para assistir o infrator, o ato administrativo deve restar prejudicado em favor

do próprio adolescente, devendo a medida socioeducativa ser aplicada

somente com o devido processo legal. Embora reconheça-se a necessidade

do devido processo legal para a aplicação de medida socioeducativa como o

garantia da não violação de direitos, o estabelecimento de critérios definidos

e a obrigatoriedade da assistência por advogado permitiriam um controle da

estrita observação desses critérios, a conveniência de aceitar-se ou não a

remissão e a medida, bem como a possibilidade de atacar recursalmente a

análise dos critérios considerados ou não para a concessão da remissão e

aplicação da medida socioeducativa.

Foi visualizado que as medidas socioeducativas têm forte cunho

repressivo, na medida em que são restritivas de direitos e privativas de

liberdade, estas últimas não podendo ser aplicadas em sede de remissão.

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Como então permitir que cada Promotor de Justiça utilize critérios

subjetivos para a concessão da remissão e escolha da medida a ser

aplicada e o prazo?

Mesmo os critérios definidos no art. 126 do Estatuto da Criança e do

Adolescente para a remissão são abertos, deixando grande margem de

discricionariedade ao Promotor de Justiça.

Está-se diante de um Direito Penal Juvenil, embora muitos aplicadores

do Direito insistam em que as medidas socioeducativas não tem caráter

penal, pensamento herdado do Código de Menores, baseado na

irresponsabilidade do adolescente.

A implicação de uma medida socioeducativa aplicada é muito grave,

pois pode ser revista a qualquer tempo (art. 128 do ECA), inclusive por uma

mais gravosa, bem como, se não cumprida reiterada e injustificadamente,

convertida em internação (art. 122, III do ECA).

Apesar disso, as medidas socioeducativas tem sido aplicadas como

uma panacéia para os problemas relativos aos adolescentes envolvidos em

ato infracional, a critério do Promotor de Justiça, muitas vezes por períodos

longos, desproporcionais até ao ato infracional, se comparado ao que se

aplicaria em sede de transação penal para um imputável ou em sentença

condenatória, como se não implicasse em conseqüências negativas para o

adolescente e como se houvesse apenas aspecto pedagógico na medida,

sem levar em conta o caráter penal e a peculiar situação do adolescente

como pessoa em desenvolvimento

É preciso estar atento a fim de não sejam dadas respostas mais

severas e duradouras do que as que, em idênticas situações, seriam

impostas aos adultos, garantindo-se os mesmos direitos para os

adolescentes.

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Ensina Mirabete105 que o objetivo da remissão é:

“evitar ou atenuar os efeitos negativos dainstauração ou continuação do procedimento naJustiça de Menores, como, p. ex., o estigma dasentença. No confronto dos interesses sociais eindividuais tutelados pelas normas do Estatuto -interessa à sociedade defender-se de atosinfracionais, ainda que praticados por adolescentes,mas também lhe interessa proteger integralmente oadolescente, ainda que infrator - o instituto daremissão, tal como o princípio da oportunidade doprocesso penal, é a forma de evitar a instauração doprocedimento, suspendê-lo ou extingui-lo,‘atendendo às circunstâncias e conseqüências dofato, ao contexto social, bem como à personalidadedo adolescente e sua maior ou menor participação noato infracional.”

Quer-se que esse mesmo zelo na proteção do adolescente seja

observado quando da cumulação de medida socioeducativa, a fim de manter

íntegro o princípio da proteção integral. Dificilmente esse objetivo será

alcançado se perpetuado o subjetivismo que envolve a aplicação das

medidas em sede de remissão. Diz Lopes Jr. que “não há dúvida de que

sempre é melhor uma sentença justa, ainda que tardia, que o imediatismo da

injustiça”. Nesse sentido, ressaltamos a importância do processo como

garantidor da justiça.

Preleciona também Mirabete106 que a remissão :

105 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Remissão. in CURY, M.; AMARAL E SILA, A; MENDEZ, E.G.(Coord). Op. cit., p.385.106 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Formas de Remissão. in CURY, M.; AMARAL E SILA, A;MENDEZ, E.G. (Coord). Op. cit., p.386.

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“é medida exclusiva do representante do MinistérioPúblico, que, em lugar de pedir a instauração doprocedimento, a concede (arts. 180, II e 201, I0,podendo incluir a aplicação de qualquer das medidasprevistas em lei (art. 227). A manifestação deve serfundamentada e o pedido homologado pelaautoridade judiciária (art. 181, caput), que, nãoconcordando com sua aplicação, deve remeter osautos ao Procurador-Geral de Justiça (art. 181, § 2º).”

Da acertiva, poder-se-ia apontar um meio de tornar mais ameno o

problema da falta de critérios estabelecidos no ECA para aplicação das

medidas socioeducativas, qual seja, através da fundamentação do Promotor

de Justiça ao requerer a homologação da remissão.

Por se tratar de ato administrativo, discricionário do Ministério Público, é

obrigatória a fundamentação, a fim de permitir o controle deste ato, seja pela

não homologação pelo Juízo e remessa ao Procurador-geral, seja pela via

recursal.

Segundo Moreira Neto107, por discricionário entende-se o ato

administrativo em que há possibilidade de escolha de sua oportunidade, de

sua conveniência, do modo de sua realização, do alcance dos seus efeitos,

do seu conteúdo jurídico, das suas condições acessórias, do momento de

sua exeqüibilidade ou do destinatário ou destinatários de sua vontade.

Constitui elemento do ato administrativo a motivação, “consistente na

explicitação dos pressupostos fáticos, vinculados ou não, do ato

administrativo; embora nem sempre obrigatória, salvo para decisões, sua

adoção é praxe de grande valia para a garantia da moralidade administrativa

107 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1999, p. 106.

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e para facilitar o emprego dos instrumentos políticos e jurídicos de

controle”108

Para ilustrar a importância da fundamentação das decisões, junta-se a

seguinte jurisprudência:

“SENTENÇA QUE CONCEDE REMISSÃO – NULIDADEPOR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.”109

No corpo do Acórdão são referido os seguintes argumentos:

“A sentença é realmente nula, pois não contémrelatório, nem identifica o adolescente que recebeu aremissão e no tocante à fundamentação limita-se aressaltar que a remissão é oportuna e justa e que oprosseguimento da instrução não teria utilidade. ”

A esse exemplo, o que se observa na prática, de parte de alguns

Promotores de Justiça, haja vista o entendimento de que a remissão

corresponde a um acordo entre Ministério Público, infrator e seu

representante legal, o pedido de homologação ao Juízo sem a devida

fundamentação dos critérios utilizados para a concessão da remissão e a

medida socioeducativa optada e o prazo.

De forma alguma pretende-se criticar o trabalho dos Promotores de

Justiça deste Estado, consabidamente pessoas da mais alta competência e

idoneidade, mas tão-somente fazer uma mea culpa, admitindo que se utiliza

critérios subjetivos, na falta de critérios legais, sem explicitá-los na

108 Idem, p. 101.109 Apelação Cível 17.672.0/5; Marília; Relator Lair Loureiro; Apelante: Ministério Público;Apelado; R.F.S, São Paulo,30/06/94. Cadernos de Direito da Criança e do Adolescente. SãoPaulo: Malheiros, 1995, n.1, p.159/160 .

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fundamentação, dificultando, assim, o controle destes atos e permitindo que

as disparidades na aplicação das medidas se perpetuem.

Cabe referir, também, a exigência que alguns Promotores de Justiça

fazem para conceder a remissão, de que o infrator admita o ato infracional.

Por esse raciocínio, considerando que a remissão é perdão do fato

delituoso, não se poderia conceder perdão a quem não admite tenha

praticado tal fato. Ocorre que muitos outros Promotores de Justiça

concedem a remissão, atendendo a outros critérios, independentemente da

confissão, por entenderem tratar-se de acordo entre o Ministério Público e o

infrator, conforme veremos adiante na análise na pesquisa, o que assentua a

diversidade do tratamento dado aos adolescentes.

Faz-se necessário buscar uma uniformização destes critérios: seja

através de proposta legislativa; seja pela discussão entre os órgãos do

Ministério Público, por meio de seus Conselhos de Promotores e

Procuradores de Justiça, a fim de unificá-los, ou de, pelo menos, explicitá-los

quando da concessão da remissão; seja, ainda, pelo respeito do devido

processo legal; a fim de evitar-se essas disparidades tão prejudiciais aos

Direitos da Infância e do Adolescente.

A mesma preocupação que motivou estudiosos a montarem uma

comissão técnica para elaborar o projeto de diretrizes socioeducativas como

alternativa prática e propositiva aos movimentos em favor da redução da

menoridade penal, deve ressurgir para buscar respostas aos

questionamentos traçados. Os argumentos referidos por Brancher110,

110 BRANCHER, Leoberto. Justiça para a Juventude. Proteção Integral, publicação daAssociação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude,Porto Alegre, 2001. Encarte especial – Proposta de Lei de Diretrizes sócio-educativas, n. 27,p. 1.

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Presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça

da Infância e da Juventude, para justificar a proposta de Lei são os mesmos

pelos quais se invoca a necessidade de nova mobilização para o debate

aqui proposto:

“Como atividade estatal coercitiva, muitas vezes maisrigorosa, e no mais das vezes mais arbitrária comadolescentes do que com adultos, é inadmissível,que, ao contrário do que já ocorre desde a Lei8.069/90 com o processo de conhecimento, aexecução sócio-educativa se proceda sem asgarantias da legalidade expressas pela norma prévia,estrita e certa.”

O nosso olhar sobre o Direito da Infância e da Adolescência precisa ser

pelo viés garantista. Com isso, as prerrogativas fundamentais da pessoa

humana serão estendidas às crianças e aos adolescentes indistintamente,

especialmente no que tange às garantias processuais previstas no Sistema

Penal para os adultos. O paternalismo deve ser renunciado, pois não se

quer repetir os erros da tutela da situação irregular, adotando-se a

responsabilidade juvenil, isenta de discricionariedade e subjetividade dos

aplicadores do direito, respeitando-se os princípios processuais.

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PARTE IIContribuição Pessoal

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4- ASPECTOS METODOLÓGICOS:

4.1- Metodologia:

O presente trabalho constituiu-se em um estudo exploratório do

problema. O método escolhido foi o misto, quantitativo e qualitativo, através

da aplicação de um questionário conforme modelo constante do anexo, com

questões abertas e fechadas, respondidos por Promotores de Justiça que

atuam nas Promotorias da Infância e Juventude, como titulares ou

substitutos.

A análise quantitativa foi realizada por meio de médias e percentuais

das ocorrências.

A análise qualitativa foi realizada por análise de conteúdo, organizado

em categorizações.

Parte dos questionários foi entregue pessoalmente para os Promotores

de Justiça e parte deles enviada por e-mail, sendo que todos continham as

instruções básicas para o preenchimento e finalidade da pesquisa.

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Por questionário entende-se o instrumento de pesquisa constituído por

uma série de perguntas organizadas, bem estruturadas e apresentadas que

devem ser respondidas sem a presença do pesquisador, do entrevistador.111

O modelo do questionário enviado consta do anexo do trabalho.

4.2- Descrição da População e Amostra:

A população envolve todos os Promotores de Justiça da Infância e

Juventude e eventuais substitutos que responderem o questionário.

Conforme informação obtida junto ao site do Ministério Público, em junho de

2003, atuam no Rio Grande do Sul, em torno de 170 Promotores de Justiça

junto à Infância e Juventude. A amostra foi composta por Promotores de

Justiça, titulares ou substitutos, que responderam o questionário, totalizando

26 participantes, correspondendo a 15, 29% da população.

GRAFICO N.º 1: POPULAÇÃO E AMOSTRA

111 THUMS, Jorge. Acesso à Realidade, Técnicas de pesquisa e Construção do

Conhecimento. 2ª ed. Porto Alegre: Editora Sulina e Editora da Ulbra, 2000, p. 157.

Promotoresde Justiça daInfância eJuventude Promotoresde JustiçaParticipantes15,29%Fatia 3

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5-APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS:

Responderam o questionário 22 Promotores titulares da Infância e

Juventude e 3 Promotores substitutos.

GRÁFICO N.º 2: PROMOTORES DE JUSTIÇA PARTICIPANTES

Para a questão número 4 da pesquisa, acerca dos critérios utilizados

pelos Promotores de Justiça na escolha da medida socioeducativa e do

Promotoresde Justiçatitulares 88,5%

Promotoresde Justiçasubstitutos11,5%Fatia 3

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prazo a serem aplicados, devendo serem enumerados pela ordem de

importância, iniciando pelo n.º 1 para atribuir o de maior importância,

observou-se, pela análise do quadro n.º 4, que o critério mais valorado pelos

Promotores de justiça é a gravidade do fato, sendo que 22 Promotores de

Justiça ( 84,6%) atribuíram-lhe o n.º 1 e apenas 3 ( 15,4%) atribuíram o n.º 1

à confissão do delito (1 Promotor de Justiça, representado na coluna P10,

apenas assinalou os critérios apontados na questão n.º 4, não lhes

atribuindo qualquer valor). O segundo critério mais valorado foram os

antecedentes, onde 9 Promotores de Justiça (34,6%) atribuíram-lhe o n.º 2.

A personalidade (assinalada pelo símbolo (**) no quadro n.º 3) recebeu duas

valorações diferentes: o n.º 3, por 6 Promotores de Justiça (23%) e o n.º 7,

por 5 Promotores de Justiça (26,9%). A conduta social teve o n.º 4 atribuído

por 6 Promotores de Justiça (23%). As conseqüências do fato obtiveram n.º

5 por 7 Promotores de Justiça (26,9%). O estudo ou trabalho do infrator

(simbolizado por (*) no quadro n.º 3) também recebeu duas valorações

diferentes: o n.º 6 por 5 Promotores de Justiça (19,3%) e o n.º 10 por 4

Promotores de Justiça (15,3%). Os motivos receberam o n.º 8 por 5

Promotores de Justiça (19,3%); a idade do infrator foi valorada com o n.º 9

por 4 Promotores de Justiça (15,3%), e o comportamento da vítima

(simbolizada por (***) no quadro n.º 3), recebeu, ao mesmo tempo, o n.º 10

por 4 Promotores de Justiça (15,3%) e o n.º 11 por 10 Promotores de Justiça

(38,4%). A empatia recebeu o n.º 12 por 12 Promotores de Justiça (46,1%),

e 6 (23%) não assinalaram a empatia dentre os critérios considerados

(conforme quadro n.º 4). Houve 4 Promotores de Justiça que elencaram

outros critérios: o sentimento do adolescente em relação ao fato

(arrependimento ou não); a situação familiar, se conta com o apoio e amparo

dos pais; a atitude dos pais, o que pensam sobre o que aconteceu e a

atitude que tomaram; o pedido dos pais. Estes critérios não tiveram qualquer

número atribuído pelos Promotores de Justiça.

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QUADRO N.º 3: VALORAÇÃO DOS CRITÉRIOS

Critériosn.º de Promotores deJustiça que optaram

pelo critério%

valoração atribuída aocritério

Gravidade 22 84,6 1

Antecedentes 9 34,6 2

** Personalidade 6 23 3

Conduta social 6 23 4

Conseqüências 7 26,9 5

* Estudo/trabalho doinfrator 5 19,3 6

** Personalidade 5 19,3 7

Motivos 5 19,3 8

Idade do infrator 4 15,3 9

***Comportamento davítima 4 15,3 10

* Estudo/trabalho doinfrator 4 15,3 10

***Comportamento davítima 10 38,4 11

Empatia 12 46,1 12

Outros 4 15,3 -

Verifica-se que, apesar de os Promotores de Justiça atribuírem o

mesmo valor a determinados critérios, há muita variação quanto aos demais

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critérios, o que pode ocasionar diferentes soluções para os casos dos

adolescentes em conflito com a lei, conforme se verifica nas respostas da

questão 7. O quadro n.º 4 permite demonstrar os diferentes critérios e sua

valoração, considerados para a concessão da remissão e escolha da medida

socioeducativa e do prazo por cada Promotor de Justiça participante. Cada

coluna representa os valores atribuídos por cada um dos 26 Promotores de

Justiça para os critérios elencados na coluna da esquerda

Pode-se perceber que, por exemplo, enquanto 9 Promotores de Justiça

consideraram os antecedentes como o 2º critério mais importante, 17

Promotores de Justiça consideraram outros critérios suscetíveis de receber a

valoração n.º 2. Assim como os mesmos 9 Promotores de Justiça, que

concidiram na escolha do critério de grau 2, optaram por diferentes critérios

para atribuir o valor 3.

Isso ocorre porque o art. 126 do ECA, o qual refere - “Antes de iniciado

o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do

Ministério Público poderá conceder a remissão como forma de exclusão do

processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto

social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor

participação no ato infracional.” – é aberto, ou seja, dá margem a

interpretação e subjetivismo do aplicador do Direito.

Muitos dos critérios elencados na questão n.º 4, adotados pelos

Promotores de Justiça, sequer são mencionados pelo artigo. Observa-se

que há total discricionariedade dos Promotores de Justiça na escolha e

valoração dos critérios para a concessão da remissão e para a fixação de

medida socioeducativa e o prazo. Cada um opta por seus próprios critérios,

da forma que entende relevante, explicando a razão da diversidade de

soluções das respostas para a questão 7.

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QUADRO N.º 4: CRITÉRIOS E VALORES ATRIBUÍDOS PELOS PROMOTORES DE

JUSTIÇA

P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 P10 P11 P12 P13 P14 P15 P16 P17 P18 P19

P20 P21 P22 P23 P24 P25 P26

Legendas: cada coluna corresponde às respostas de cada um dos 26 Promotor de

Justiça, representado por P1, P2...P26

X : critério não assinalado pelo Promotor de Justiça;

* : sentimento do adolescente em relação ao fato praticado (arrependimento ou não);

$: situação familiar, se conta com apoio ou amparo dos pais;

#: pedido dos pais

?: atitude dos pais, o que pensam sobre o que aconteceu e a atitude que tomaram;

SIM: critérios assinalado pelo Promotor de Justiça, sem atribuição de valor.

IDADE 9 11 6 5 11 6 7 7 11 SIM X 9 4 8 9 10 12 11 4 7 4 10 X 3 5 8GRAVIDADE 1 3 2 1 1 1 1 1 1 SIM 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 4 1 1 1 1ANTECEDENTES 2 2 5 9 3 3 X 3 2 SIM 2 5 10 2 11 2 3 6 2 5 2 2 6 4 4 4ESTUDO/TRABALHO 10 9 8 6 9 4 6 10 5 SIM 3 6 2 9 6 3 7 10 6 3 7 8 5 7 10 XEMPATIA 12 10 12 8 12 12 X X 12 X X 12 12 12 12 11 10 12 X 11 10 12 X 11 12 XCONFISSÃO 8 1 1 3 5 2 X X 6 SIM 4 3 7 7 10 7 6 2 3 2 6 1 X 8 9 6CONDUTA SOCIAL 3 6 9 4 4 8 3 6 4 SIM 6 6 3 4 8 2 8 8 X 4 5 7 4 10 8 3PERSONALIDADE 7 4 10 7 2 7 2 5 3 SIM X 2 5 3 7 3 9 7 5 8 3 3 3 9 6 2MOTIVOS 5 12 7 11 8 9 8 4 8 SIM X 5 8 6 3 6 4 5 7 9 8 6 X 6 7 9CONSEQUÊNCIAS 4 5 3 2 6 5 5 2 7 SIM X 8 9 5 4 5 5 3 X 10 9 9 2 2 2 5COMPORTAMENTO VÍTIMA 11 8 11 12 10 11 9 11 10 X X 10 11 11 5 8 11 9 X 12 11 11 X 12 11 10CIRCUNSTÂNCIAS 6 7 4 10 7 10 4 8 9 SIM 5 11 6 10 2 4 2 4 X 6 9 5 X 5 3 7OUTROS X X X X X X X X X X X * $ X X X X * # X X X ? X X X

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Para a pergunta número 5 cerca do costume de fundamentar

expressamente as razões pelas quais concede ou não a remissão, bem como a

medida socioeducativa a ser aplicada e o prazo, quando as submete a

homologação do Juízo, 24 Promotores de Justiça, representando 92,3%

responderam SIM, e 2 Promotores de Justiça, representando 7,7%

responderam NÃO, conforme tabela n.º 1.

Dos que responderam SIM, 21 explicitaram que sempre fundamentam a

decisão; 3 responderam que fundamentam apenas no termo de apresentação,

não quando submetem a homologação ao Juízo. Dos que responderam NÃO, 1

respondeu que não fundamenta por entender tratar-se de ato discricionário do

Ministério Público, e 1 respondeu que não fundamenta, porque consta do termo

de apresentação a manifestação do adolescente, com as regras do acordo,

ressalvando que, somente em caso de descabida a remissão ou não aceita,

entende necessária a fundamentação.

TABELA N.º 1: N.º DE PROMOTORES DE JUSTIÇA EM RELAÇÃO À

FUNDAMENTAÇÃO OU NÃO DO PEDIDO DE REMISSÃO QUANDO DA HOMOLOGAÇÃO À

JUÍZO:

Quanto à fundamentação n.º Promotores de Justiça %

Fundamentam 24 92,3%

Não fundamentam 2 7,7%

total 26 100%

Para a pergunta número 6, acerca da concessão da remissão, mesmo

quando o infrator não admite a prática do ato infracional, 11 Promotores de

Justiça, representando 42,3%, responderam SIM, e 15 Promotores de Justiça,

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representando 57,7% responderam NÃO, com diferente fundamentação,

conforme tabela n.º 2.

TABELA N.º 2: N.º DE PROMOTORES DE JUSTIÇA EM RELAÇÃO À CONCESSÃO OU NÃO

DE REMISSÃO MESMO QUANDO O ADOLESCENTE NÃO ADMITE O FATO:

Quanto à concessão n.º Promotores de Justiça %

Concedem 11 42,3%

Não concedem 15 57,7%

total 26 100%

Quanto aos argumentos apresentados pelos Promotores de Justiça para

fundamentar suas opções de respostas, apresenta-se o quadro n.º 5, a fim de

demonstrar as diferenças.

QUADRO N.º 5: JUSTIFICATIVAS ÀS RESPOSTAS DA PERGUNTA 6:

Fundamenta n.º Promotores

de Justiça

JUSTIFICATIVAS

Sim 2 Em caso de gravidade mínima do fato

Sim 1Em caso de gravidade mínima do fato e ausência deantecedentes.

Sim 2Quando as circunstâncias indicam convenientes a remissão.

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Sim 1Em caso de gravidade mínima do fato, ausência deantecedentes e outras circunstâncias indicarem aconveniência da remissão: estudo, boa conduta social, e nãohaja razão para que volte a delinqüir.

Sim 2Porque independentemente da não admissão do fato, asprovas do expediente permitem verificar autoria ematerialidade.

Sim 1Quando a prova revela que o fato não é exatamente aqueleapontado pela vítima, e há confissão parcial do que realmenteocorreu.

Sim 1Em caso de remissão simples ou com advertência, pois nãoimplicam o reconhecimento da reprovabilidade, desde que oadolescente concorde com a providência.

Sim 1Porque o ECA permite, no caso, cumular a remissão comadvertência.

Não 8Pois a admissão é pressuposto para o perdão.

Não 2Porque o adolescente tem o direito de provar a inocência.

Não 1Porque o adolescente tem direito ao contraditório e ampladefesa em sede de procedimento judicial.

Não 1Porque significaria fomentar a falta de responsabilidade edistinção de caráter do infrator, além de poder configurarviolação de direito ou funcionar como deturpação doentendimento acerca da vida em sociedade.

Não 1Porque indica falta de comprometimento com eventualmedida, bem como não teria caráter educativo.

Não 1Porque há vedação legal.

Não 1Porque importa em cerceamento de defesa.

Esse quadro reflete a divergência existente acerca do tema da remissão,

exposto no capítulo 3, no que diz respeito a existência do entendimento de que

é sinônimo de perdão, e por isso a admissão do fato seria pressuposto para a

concessão, abarcando apenas a supressão do processo; e da interpretação de

que vai além do simples perdão, tendo caráter de transação e, por essa razão,

prescindir da admissão do fato e permitir a cumulação de medida

socioeducativa.

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As respostas verificadas no quadro n.5 permitem constatar que a maioria

dos Promotores de Justiça (57,7%) não concede a remissão em caso de não

admissão do fato, entretanto, somente 8 referiram o entendimento de que esta

é pressuposto para o perdão. Os demais justificaram no sentido de que o

adolescente tem direito de provar sua inocência e de responder o processo,

sendo que apenas um Promotor de Justiça mencionou que a medida não teria

caráter educativo. A combinação das respostas da questão 6, com as

respostas da tabela 4, questão 7B, permitem observar que, mesmo aqueles

que pensam seja a admissão do fato pressuposto para o perdão (8 Promotores

de Justiça), entendem possível a cumulação de medida socioeducativa, pois 20

Promotores de Justiça apresentaram para o caso dado, de porte ilegal de arma

de fogo, remissão com medida socioeducativa, contra apenas 1 que concedeu

remissão simples e 5 que representaram. Em tese, há uma probabilidade de,

no mínimo, 2 Promotores de Justiça, desses 8, que aplicam medida

socioeducativa cumulada com remissão, mesmo entendendo que a remissão é

perdão, e deveria permitir somente a extinção do processo. Pode-se perceber

que há um tendência desses Promotores de Justiça a entender que mesmo em

caso de remissão como sinônimo de perdão, não estaria excluído o cúmulo de

medida socioeducativa.

Essa divergência no entendimento, não esclarecida pelo ECA, que silencia

acerca da natureza da remissão, se sinônimo de perdão ou com caráter de

transação, e acerca da (im)prescindibilidade da admissão do fato para sua

concessão, permite que cada Promotor de Justiça adote seu próprio

entendimento (verificado no quadro n. 5), tratando de forma diferenciada os

adolescentes autores de ato infracional.

Para a pergunta número 7 acerca de qual a solução dada pelo Promotor

de Justiça para os atos infracionais que seguem, comprovada autoria e

materialidade, considerando os seguintes critérios: adolescente, 16 anos, não

tem antecedentes, admite o fato, estuda, comprometeu-se a não mais praticar

o fato:

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a) No caso de direção de veículo automotor sem habilitação, sem

gerar perigo de dano (art. 32 da LCP), 8 Promotores de Justiça ( 30,8%)

apontaram o arquivamento como solução; 7 (26,9%) aplicariam remissão sem

medida; 6 (23%) aplicariam remissão com advertência, e 5 (19,3%) apontaram

a remissão com PSC, conforme Tabela n.º 3.

Dentre os 5 Promotores de Justiça que apontaram a remissão com PSC

como solução, foram fixados diferentes prazos de cumprimento, sendo que 3

Promotores de Justiça estabeleceram 1 mês de PSC; 1 Promotor de Justiça

fixou 2 meses de PSC, e 1 fixou de 2 a 3 meses de PSC, observados no

quadro 6.

TABELA N.º 3: SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA A

PERGUNTA 7A:

Solução n.º Promotores de Justiça %

Arquivamento 8 30,8

Remissão sem medida 7 26,9

Remissão + advertência 6 23

Remissão + PSC 5 19,3

Total 26 100

As justificativas apresentadas pelos Promotores de Justiça para

fundamentar suas opções de respostas foram bastante diversificadas, sendo

mostradas no quadro n.º 6.

QUADRO N.º 6: JUSTIFICATIVAS ÀS RESPOSTAS DA PERGUNTA 7A:

n.º Solução JUSTIFICATIVAS

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Promotoresde Justiça

7 arquivamento Por tratar-se de fato atípico.

1 arquivamento Não apresentou justificativa.

5 Remissão semmedida

Pois o fato é leve e considerando as características doinfrator (conforme enunciado: sem antecedentes, etc.)

1 Remissão semmedida

Pela pequena gravidade do fato, não sendo caso dearquivamento porque a conduta coloca em risco oadolescente e a sociedade.

1 Remissão semmedida

pois independentemente da atual conclusão jurisprudencial(de que é fato atípico), entende-se que, por ser impossívela obtenção da autorização para condução de veículosautomotores, o descumprimento da norma implica notóriafalta de limites. Em sendo completamente vedado aoadolescente a obtenção da autorização ou CNH, aquelenão comete ilícito administrativo, mas sim contrário à lei.Normalmente, concerta-se remissão com medida deproteção de freqüência escolar obrigatória e a curso detrânsito realizado pela Brigada Militar.

1 Remissão comadvertência

Pois há discussão jurisprudencial sobre a tipicidade do fatoe, normalmente, não há reincidência nesses casos.

3 Remissão comadvertência

Pois considera a advertência sempre necessária a evitar arepetição do delito.

1 Remissão comadvertência

Pelo cometimento do ato, a admissão, a falta deantecedentes e a gravidade moderada do ato.

1 Remissão comadvertência

Pois embora o fato não seja grave, o adolescente precisasaber que não pode dirigir sem habilitação e que estaatitude pode gerar grave conseqüência.

1 Remissão + PSCpor 1 mês

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSCpor 1 mês, 4h/s

A fim de criar consciência de limites que talvez os pais nãotenham criado.

1 Remissão + PSCde 1 a 2 meses

Pois há gravidade mediana, mas denotando predisposiçãoao não acatamento das normas sociais, com potencialrisco.

1 Remissão + PSCpor 2 meses

Pois a resposta, no caso, não leva em consideração adiscussão sobre a atipicidade da conduta descrita napergunta.

1 Remissão + PSCde 2 a 3 meses

Pois o fato é grave e exige uma medida efetiva para quenão volte a ocorrer.

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b) No caso de porte ilegal de arma de fogo, 1 Promotor de Justiça

(3,9%) apontou a remissão sem medida socioeducativa como solução para o

caso; 1 Promotor de Justiça (3,9%) optou pela remissão com advertência; 19

(72,9%) referiram a remissão com PSC, e 5 (19,3%) assinalaram a

representação, conforme Tabela n.º 4.

No caso da PSC, novamente os prazos fixados foram diversos: 3

Promotores de Justiça estabeleceram o prazo de 1 mês de PSC; 1 estipulou

prazo de 1 a 2 meses de PSC; 4 fixaram 2 meses de PSC; 6 Promotores de

Justiça estabeleceram 3 meses de PSC; 2 fixaram o prazo de 4 meses; 1 optou

pelo prazo de 4 a 6 meses; 1 aplicou 6 meses de PSC, e 1 não estipulou o

prazo da PSC na pesquisa.

TABELA N.º 4: SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA A

PERGUNTA 7B:

Solução n.º Promotores de Justiça %

Remissão sem medida 1 3,9

Remissão + advertência 1 3,9

Remissão + PSC 19 72,9

Representação 5 19,3

Total 26 100

Os fundamentos apresentadas pelos Promotores de Justiça para justificar

suas opções de respostas foram muito diversos, conforme elenco do Quadro

n.º 7.

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QUADRO N.º 7: JUSTIFICATIVAS ÀS RESPOSTAS DA PERGUNTA 7B:

n.ºPromotoresde Justiça

Solução JUSTIFICATIVAS

1 Remissão semmedida

Por não ser ato grave, não ter antecedentes, sendo aremissão medida que basta ao fato.

1 Remissão comadvertência

Pelo cometimento do ato, a admissão, a falta deantecedentes e a gravidade moderada do ato.

1 Remissão + PSC(não indicou

prazo)

Pois o fato é grave para a idade do adolescente.

1 Remissão + PSCpor 1 mês, 4h/s

É suficiente pelas características do infrator.

1 Remissão + PSCpor 1 mês

Pela gravidade do fato.

1 Remissão + PSCpor 1 mês

Pelo grande perigo social, indicando violência doadolescente.

1 Remissão + PSCpor 1 a 2 meses

Pela gravidade média do fato, demonstrando certatendência perigosa, compensado, em parte, pelascircunstâncias pessoais favoráveis ao adolescente.

1 Remissão + PSCpor 2 meses, 4h/s

Porque o porte ilegal evidencia grave desvio de conduta,que pode trazer conseqüências graves (roubo, homicídio,etc.).

1 Remissão + PSCpor 2 meses

Pela lesividade que poderia causar com a utilizaçãoindevida da arma, gravidade do fato.

1 Remissão + PSCpor 2 meses

Porque o delito é grave, denota defeito de personalidadeque deve ser corrigido.

1 Remissão + PSCpor 2 meses, 4h/s

Pela gravidade social da conduta, observando-se o grandenúmero de fatos típicos e atos infracionais que envolvem apresença de arma de fogo.

1 Remissão + PSCde 3 meses

Porque é um tipo de delito que costuma estar associado adesvio de conduta, circunstâncias que não costumamaparecer no procedimento.

1 Remissão + PSCpor 3 meses

Porque é um meio para prática de infrações mais graves epode gerar conseqüências fatais para o próprio portador. Aproliferação do uso de armas pela população deve serevitada, principalmente entre adolescentes que agem sobimpulso.

1 Remissão + PSCde 3 meses

Porque o fato é grave pelas conseqüências que podemadvir, sendo necessário uma medida mais efetiva quedemonstre que há responsabilização.

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1 Remissão + PSCde 3 meses, 4h/s

Porque, na prática, se procedente a representação, amedida aplicada será a de PSC, sendo o prazo aplicadosuficiente para reeducar o infrator.

1 Remissão + PSCde 3 meses, 4h/s

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSCde 3 meses, 8h/s

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSCde 4 meses

Pois o fato é grave e de sérias conseqüências, ainda maisse a arma vier a ser utilizada.

1 Remissão + PSCde 4 meses 4h/s

Não apresentando justificativa.

1 Remissão + PSCde 4 a 6 meses +acompanhamento

psicológico

Pois há gravidade relevante. O ideal seria aplicação de LAque, na prática, torna-se mais branda que a PSC, logo,pouco aplicável.

1 Remissão + PSCde 6 meses com a

perda da arma

Desde que não haja indícios de que iria cometer crime maisgrave, segundo análise do motivo pelo qual andava armadoe se a arma tinha potencial lesivo.

3 Representação Pois o fato indica periculosidade do adolescente,merecendo mais rigor.

1 Representação Porque a natureza do delito é grave.

1 Representação Não apresentou justificativa.

Da análise do quadro acima, verifica-se que muitos Promotores de Justiça

apresentam a mesma justificativa ou consideram os mesmos critérios

(gravidade do fato, ausência de antecedentes, possibilidade da prática de

crimes mais graves, etc.), entretanto isso não impediu de que estabelecessem

solução diversa para o mesmo caso. Também observa-se que há variação

quanto ao número de horas semanais a serem cumpridas, pois enquanto 6

Promotores de Justiça estabeleceram 4 horas semanais, 1 Promotor de Justiça

estabeleceu 8 horas semanais.

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c) No caso de furto simples, de bem com valor inferior a 30 % do salário

mínimo, 4 Promotores de Justiça (15,3%) estabeleceram a remissão sem

medida socioeducativa como solução para o caso; 4 Promotores de Justiça

(15,3%) optaram pela remissão com advertência; 1 (3,9%) estabeleceu a

remissão com reparação do dano ou PSC; 16 (61,6%) fixaram a remissão com

PSC e 1 (3,9%) ressaltou que dependerá do modo de aferir do adolescente,

não exclusivamente do valor do bem, exemplificando que no caso de furto de

chocolate em supermercado, concede remissão simples; para furto em loja

com intuito de revenda ou sem qualquer necessidade, estabelece remissão

com advertência; no caso de reiteração ou de arrombamento, ou outros fatos

que demonstrem mais audácia ao agir, opta pela remissão com PSC, segundo

Tabela n.º 5.

Dentre os 16 Promotores que estabeleceram remissão com PSC,

verificou-se que os prazos não foram unânimes, onde 2 Promotores de Justiça

estipularam 1 mês de PSC; 1 Promotor de Justiça fixou de 1 a 2 meses de

PSC; 8 Promotores de Justiça fixaram 2 meses; 2 estabeleceram prazo para a

PSC de 2 a 3 meses; 2 Promotores de Justiça fixaram 3 meses de PSC, e 1

estipulou de 3 a 4 meses de PSC.

TABELA N.º 5: SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA A

PERGUNTA 7C:

Solução n.º Promotores de Justiça %

Remissão sem medida 4 15,3

Remissão + advertência 4 15,3

Remissão + reparação do dano ouPSC 1 3,9

Remissão + PSC 16 61,6

Dependendo do modo de aferir doadolescente poderá ser remissão

simples ou cumulada comadvertência/PSC

1 3,9

Total 26 100

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Destacamos no Quadro n.º 8, as diferentes razões apresentadas pelos

Promotores de Justiça para as soluções apontadas para cada caso.

QUADRO N.º 8: JUSTIFICATIVAS ÀS RESPOSTAS DA PERGUNTA 7C:

n.ºPromotoresde Justiça

Solução JUSTIFICATIVAS

4 Remissão semmedida

Por não ser ato grave, não ter antecedentes, sendo aremissão medida que basta ao fato.

1 Remissão comadvertência

Porque não há maiores conseqüências e dificilmente iráreincidir, na maioria dos casos é aventura do adolescente.

1 Remissão comadvertência

Pelo cometimento do ato, a admissão, a falta deantecedentes e a gravidade moderada do ato.

2 Remissão comadvertência

Porque poderia ingressar na esfera do crime de bagatela,entretanto, aplicar a medida de advertência pode ser maisbenéfico ao infrator, na medida em que poderá não maispraticar furtos, dependendo da orientação dada ao adverti-lo.

1 Remissão +reparação do dano

ou PSC

Porque esta espécie de ato infracional é derivada deaspectos eminentemente sociais que, via de regra, refogemao controle do próprio infrator, assim a adoção da medida éproporcional.

1 Remissão + PSCpor 1 mês

Para reprimir a vontade de aquisição fácil das coisas,sobretudo considerando que esse delito, normalmente, éreiterado.

1 Remissão + PSCpor 1mês

Por ser delito de médio potencial ofensivo, uma vez que sepode inferir uma mais audaciosa, além do fato que deveexercer atividade laboral para tentar compreender e avaliarcertos valores da sociedade.

1 Remissão + PSCde 1 a 2 meses

Pelo reduzido potencial ofensivo, mas sinalizador de iníciode progressão infracional, compensado, em parte, pelascircunstâncias pessoais favoráveis ao adolescente.

3 Remissão + PSCpor 2 meses, 4h/s

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSCpor 2 meses, 4h/s

Sendo suficiente pelas características do infrator.

1 Remissão + PSCpor 2 meses, 4h/s

Pois delito de gravidade média, que denota leve desvio depersonalidade.

1 Remissão + PSCpor 2 meses, 6h/s

Dada a forte ocorrência de crimes e atos infracionais contrao patrimônio na Comarca do Promotor, além de entenderser a advertência insuficiente, já que se trata de ato deconduta (subtrair), não prevalecendo a noção de prejuízo.

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A reparação de danos dependeria da (in)existência derestituição à vítima.

1 Remissão + PSCpor 2 meses, 8h/s

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSCpor 2 meses

Porque apesar de o fato não ser grave, a conduta éreprovável, e o adolescente precisa saber que agiuerradamente e só sofrendo alguma punição para não maispraticar nenhum ato infracional.

1 Remissão + PSCde 2 a 3 meses oureparação do dano

Porque considera menos grave, no entanto, somente aplicaadvertência quando o valor do bem furtado é bem baixo.

1 Remissão + PSCde 2 a 3 meses

Não apresentou justificativa

1 Remissão + PSCde 3 meses

Porque não admite o princípio da insignificância.

1 Remissão + PSCde 3 meses

Pela gravidade do fato.

1 Remissão + PSCde 3 a 4 meses e

encaminhamento àassistente social

do Município se foro caso

Pela gravidade mínima entre os crimes contra o patrimônio,mas com repercussão social, vez que, ante adisseminação, perturba a paz social.

1 Remissão semmedida ou com

advertência/ PSC

Depende do modo de aferir do adolescente, não só dovalor da coisa subtraída. Ex.: furto de chocolate emsupermercado – remissão simples; furto em loja com intuitode revenda ou sem qualquer necessidade- remissão comadvertência; no caso de reiteração ou de arrombamento, ououtros fatos que demonstrem mais audácia ao agir-remissão com PSC.

Da observação do quadro acima, constata-se que muitos Promotores de

Justiça apresentam a mesma justificativa, entretanto isso não impediu de que

estabelecessem solução diversa para o mesmo caso. Também observa-se que

há variação quanto ao número de horas semanais a serem cumpridas, pois

enquanto 3 Promotores de Justiça estabeleceram 4 horas semanais, 1

Promotor de Justiça estabeleceu 6 horas semanais e 1 Promotor de Justiça

estabeleceu 8 horas semanais.

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d) No caso de porte de drogas para uso próprio, pouca quantidade, 1

Promotor de Justiça (3,9%) estabeleceu remissão sem medida socioeducativa;

7 (26,9%) estipularam a remissão com medida de proteção de tratamento ou

freqüência em grupo de auto-ajuda; 3 (11,4%) optaram pela remissão

cumulada com advertência; 2 (7,7%) fixaram a remissão cumulada com

advertência e tratamento; 7 (26,9%) concederam remissão cumulada com

PSC; 5 (19,3%) estabeleceram a remissão cumulada com tratamento ou

freqüência a grupo de auto-ajuda, e 1 Promotor de Justiça (3,9%) optou pela

liberdade assistida, o que é demonstrado pela tabela 6.

TABELA N.º 6: SOLUÇÃO DADA PELOS PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA A

PERGUNTA 7D:

Solução n.º Promotores de Justiça %

Remissão sem medida 1 3,9

Remissão + medida de proteção detratamento ou freqüência a grupo deauto-ajuda

7 26,9

Remissão + advertência3 11,4

Remissão + advertência e tratamento2 7,7

Remissão + PSC7 26,9

Remissão + PSC e tratamento oufreqüência a grupo de auto-ajuda 5 19,3

Liberdade Assistida 1 3,9

Total 26 100

Dentre os 12 Promotores que estabeleceram remissão com PSC, com ou

sem tratamento e freqüência a grupo de auto-ajuda, verificou-se que os prazos

não foram os mesmos: 2 Promotores de Justiça não referiram o prazo na

pesquisa; 2 Promotores de Justiça estipularam 1 mês; 1 Promotor de Justiça

fixou de 1 a 2 meses de PSC; 1 Promotores de Justiça fixou 1 mês e meio de

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PSC; 5 estabeleceram prazo para a PSC de 2 meses; 1 Promotores de Justiça

fixou de 2 a 3 meses de PSC. Observa-se que o tempo fixado para o

tratamento também é variado, conforme se observa no quadro n.º 9, bem como

as justificativas para as soluções obtidas.

QUADRO N.º 9: JUSTIFICATIVAS ÀS RESPOSTAS DA PERGUNTA 7D:

n.ºPromotoresde Justiça

Solução JUSTIFICATIVAS

1 Remissão semmedida

Pois se o adolescente não registra antecedentes, aremissão é adequada para a hipótese, que se dissociadode outros elementos, (antecedentes, por ex.) nãodemonstra maior periculosidade e merece solução diversade judicial medida de proteção, se for o caso dedependência, por. ex.

1 Remissão +tratamento

Pois ao usuário de drogas devem ser aplicadas medidas deproteção, com encaminhamento a atendimentoespecializado.

1 Remissão +tratamento

Não apresentou justificativa.

1 Remissão +tratamento

Conforme art. 112, inc. VII, combinado com art. 101, VI doECA, por ser a medida mais adequada, visando arecuperação do adolescente.

1 Remissão +tratamento

Pelo prazo indicado por pessoa especializada na área dasaúde, entendendo ser essa a medida mais pertinente aocaso.

1 Remissão +tratamento, por 3 a

6 meses

Não apresentou justificativa

1 Remissão +freqüência em

grupos de auto-ajuda, por 2 meses

Pela situação de perigo pela exposição às drogas, para queo adolescente tenha contato com a realidade de viciados.

1 Remissão +freqüência em

grupos de auto-ajuda, por 1 ano

Para que o adolescente tenha contato com a realidade deviciados e se convença que a droga só faz mal.

2 Remissão +advertência

Pois, neste caso, em que a saúde do adolescente está empauta, a advertência é fundamental.

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1 Remissão +advertência

Pelo cometimento do ato, a admissão, a falta deantecedentes e a gravidade moderada do ato.

1 Remissão +advertência e

tratamento

Não apresentou justificativa.

1 Remissão +advertência e

tratamento

Pela pouca quantidade e a condição, em geral, de vítimado uso da droga.

1 Remissão + PSC Porque a resposta estatal ao ato infracional dessa espécieé proporcional.

1 Remissão + PSCpor 1 mês

Sendo suficiente pelas características do infrator.

1 Remissão + PSCpor 1 mês, 4h/s

Pela freqüência de tais atos na Comarca do Promotor,porque os pais solicitam, porque as situações ocorrem porausência de disciplina e atividade que imponham limitaçõese obediência (raríssimos são os casos de situaçõescrônicas de uso de entorpecentes), não entendendo quesomente o diálogo e a compreensão são suficientes paraestes atos, sendo imprescindíveis aqueles limitadores.

1 Remissão + PSCde 1 a 2 meses

Porque o fato gera preocupação social, sem maiorpotencial ofensivo. Adolescente em situação de risco.

1 Remissão + PSCde 2 meses

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSCde 2 meses, 4h/s

Porque o consumo e a traficância devem ser punidossempre, pela sua natureza gravosa à sociedade em geral.

1 Remissão + PSCde 2 a 3 meses

Porque é necessária a aplicação de medida mais efetivaque mera advertência, a fim de impedir que volte a ocorrer.

1 Remissão + PSC,por 1 mês e meioe freqüência a 20

sessões de gruposde auto-ajuda

Não apresentou justificativa.

1 Remissão + PSC,por 2 meses, 4h/s,

e tratamento

(O tratamento é em caso de ser constatado o vício). Por sermedida necessária para criar freios considerando que odelito, por si só, não revela problemas financeiros ou dedifícil solução.

1 Remissão + PSC,por 2 meses,tratamento e

freqüência escolar

Se assim entender o profissional, pela alta lesividadeprópria.

1 Remissão + PSC,por 2 meses e

freqüência a 10sessões

tratamento

Não apresentou justificativa

1 Remissão + PSC e Pela necessidade de cura da doença (se estiver neste nívelo comprometimento) ou, no mínimo, conscientização da

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tratamento gravidade social do ato.

1 Remissão + LApelo prazo mínimo

de 6 meses

Pois o uso de drogas exige acompanhamento doadolescente por profissionais capacitados e seumonitoramento.

Inicia-se a discussão dos resultados pela análise da questão 4 onde se vê

que, apesar de os Promotores de Justiça atribuírem o mesmo valor a

determinados critérios, há muita variação quanto aos demais critérios, o que

pode ocasionar diferentes soluções para os casos dos adolescentes em conflito

com a lei, conforme se verifica nas respostas da questão 7. O quadro n.º 4

permite demonstrar os diferentes critérios e sua valoração considerados para a

concessão da remissão e escolha de medida socioeducativa e do prazo por

cada Promotor de Justiça participante.

Pode-se perceber que, por exemplo, enquanto 9 Promotores de Justiça

consideraram os antecedentes como o 2º critério mais importante, 17

Promotores de Justiça consideraram outros critérios suscetíveis de receber a

valoração n.º 2. Assim como os mesmos 9 Promotores de Justiça, que

coincidiram na escolha do critério de valor 2, optaram por diferentes critérios

para atribuir o valor 3.

Isso ocorre porque o art. 126 do ECA, o qual refere - “Antes de iniciado o

procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do

Ministério Público poderá conceder a remissão como forma de exclusão do

processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto

social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor

participação no ato infracional.” – é aberto, ou seja, dá margem a interpretação

e subjetivismo do aplicador do Direito.

Muitos dos elementos relacionados na questão n.º 4, adotados pelos

Promotores de Justiça, sequer são mencionados pelo artigo 126. Observa-se

que há total subjetividade dos Promotores de Justiça na escolha e valoração

dos critérios para a concessão da remissão e para a fixação de medida

socioeducativa e o prazo. Cada um opta por seus próprios critérios, da forma

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que entende relevante, o que explica a diversidade de soluções das respostas

para a questão 7.

O art. 127 do Estatuto, ao estabelecer que a concessão da remissão,

cumulada ou não com medida socioeducativa, não implica em reconhecimento

ou comprovação da responsabilidade do adolescente e, em conseqüência, não

prevalece para efeito de antecedentes, também contribui para essa falta de

rigorismo para com a análise e valoração dos critérios, pois dá a entender que

não implica em conseqüências negativas para o adolescente, quando vimos,

na primeira parte do trabalho, que as medidas socioeducativas não têm apenas

caráter pedagógico, mas penal.

A reforçar esse entendimento, quanto ao conteúdo retributivo das medidas

socioeducativas, refere Amaral112 que:

“Se a simples advertência, materializada através darepreensão, da ameaça de sanções mais graves, nãotiver caráter penal, não corresponder a uma punição? Aque corresponderá? Prestação de serviços àcomunidade é pena restritiva de direitos na maioria daslegislações penais de adultos. Liberdade assistida nãopassa do probation da legislação penal comum. Ainternação, eufemismo, corresponde à privação deliberdade. É cediço que a expressão pena pertence aogênero das respostas sansionatórias e que as penas sedividem em disciplinares, administrativas, tributárias,civis, inclusive socioeducativas.”

O Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentando os artigos 227

e 228 da Carta Magna, ao tempo em que conferiu direitos fundamentais e

sociais, criou regime jurídico em que o adolescente foi elevado à dignidade de

responder pelos seus atos. A responsabilidade penal juvenil encontra bases

doutrinárias na Constituição Federal e nas Regras Mínimas das Nações Unidas

para a Administração da Justiça da Juventude, incorporadas pelo Estatuto

Brasileiro, que no artigo 103 conceituou o ato infracional como a conduta

descrita como crime ou contravenção penal, remetendo o intérprete aos

112 AMARAL, Antônio Fernando do. Apud SARAIVA, op. cit., p. 41.

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princípios garantistas do Direito Penal Comum, tendo como normas específicas

as do Estatuto.113

A partir, então, desse entendimento, observa-se, na análise das respostas

das 4 soluções para os casos da questão 7, a importância de se estabelecer

critérios legais definidos no ECA, pois da opção subjetiva dos Promotores de

Justiça, resultou soluções muito diversas para o mesmo caso, onde muitos

adotaram medidas bem mais gravosas que outros para casos idênticos.

No item 7A, de direção sem habilitação (art. 32 da LCP), por exemplo,

verifica-se que, inobstante o posicionamento jurisprudencial de que o fato é

atípico, inclusive com manifestação do STF a respeito, apenas 8 Promotores

de Justiça apontaram o arquivamento como solução para o caso, enquanto os

demais aplicaram remissão: 7 remissões simples; 6 remissões com advertência

e 5 Remissões com PSC, variando o prazo de 1 a 3 meses.

Percebe-se a contrariedade ao princípio da tipicidade previsto no art. 103

do ECA, pois concerta-se a remissão com medida socioeducativa, mesmo

quando o fato é atípico, retrocedendo-se ao período anterior ao Estatuto, em

que se agia discricionariamente e até arbitrariamente para conter os desvios de

conduta. Não é essa a finalidade da medida socioeducativa, a qual tem caráter

educativo e retributivo, aplicável apenas ao autor de ato infracional, assim

entendida a conduta descrita na lei penal como crime. Se fosse respeitado o

devido processo legal, haveria a possibilidade de um controle maior desses

atos, aplicando-se a medida socioeducativa somente em caso de fato típico,

provadas autoria e materialidade, imposta por sentença transitada em julgado.

Nos demais itens, 7B, 7C e 7D, também constatou-se grande variedade de

soluções, observadas na tabela e quadros deste capítulo. Mesmo aqueles

Promotores de Justiça que optaram pela remissão cumulada com medida

socioeducativa de PSC, fixaram prazos muito diversos. Também houve

variação no número de horas de cumprimento.

113 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional, Garantias Processuais eMedidas Socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.39, referido no capítulo1.3. desse trabalho.

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Chama-se atenção para o enunciado da questão 7, que informou

elementos determinados a serem considerados pelos Promotores de Justiça.

Ou seja, foram dados quatro casos hipotéticos idênticos, como se fossem

distribuídos os mesmos quatro expedientes de ato infracional para serem

resolvidos pelos 26 Promotores de Justiça. Entretanto, isso não impediu de que

fossem apresentadas respostas muito diversas, em razão de que o ECA não

estabelece os atos infracionais passíveis de remissão, as medidas cabíveis

para cada um deles, tampouco o prazo de cumprimento, diferentemente do

Direito Penal.

Está-se novamente frente ao subjetivismo e discricionariedade tão

condenados por Mendez114, num retrocesso à doutrina da situação irregular,

onde o Juiz possuía poderes absolutos e ultrapassava as fronteiras do jurídico,

a fim de resolver o problema dos menores, sem respeitar as garantias

individuais e aplicando medida socioeducativa, praticado ato infracional ou não.

Cada Promotor de Justiça, julgando estar fazendo o melhor para que o

adolescente seja ressocializado e não volte a delinqüir, aplica a solução que

lhe aprouver em sede de remissão, na maioria das vezes cumulada com

medida socioeducativa, conforme observado nas tabelas 3, 4, 5 e 6, alguns

com períodos de cumprimento longos, sem respeitar o devido processo legal,

fazendo com que recebam um tratamento muito mais rigoroso daquele

estabelecido para o adulto e sem qualquer critério legal.

Os adolescentes são tratados como objeto do processo, vez que, como

referido por Lopes Jr.115, é lhe imposta a remissão, cumulada ou não com

medida socioeducativa, da qual não tem o direito de negociar as condições ou

o prazo, onde ele e seu responsável se acham na conveniência de concordar,

sob o prenúncio de sofrer um processo e receber medida mais gravosa na

sentença. O ato é administrativo, portanto, como já exposto no capítulo 3,

114 MENDEZ, Emílio Garcia. Por uma Reflexão sobre o arbítrio e o Garantismo na Jurisdiçãosocieducativa. Porto Alegre,: AJURIS, ESMP-RS, FESDEP-RS, 2000, referido no Capítulo 1. 3.desse trabalho.115 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2001, referido no capítulo 3 desse trabalho.

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padece dos mesmos problemas encontrados no inquérito policial e execução

penal, em que impera a inquisitoriedade e o excesso de poder do aplicador do

Direito. Os princípios do Direito Penal e do Processo Penal que funcionam, no

caso do adulto, como um limitador do direito de punir do Estado, no Direito

Menorista são relevados, a fim de resolver o problema do adolescente em

conflito com a lei mais rapidamente, para que não sofra o estigma do processo.

Entretanto, considerando o resultado da pesquisa, mais vale o peso de um

processo justo do que a imposição de uma solução rápida e arbitrária.

As garantias processuais também são desrespeitadas, vez que não há o

devido processo legal e, como conseqüência, não há também contraditório e

ampla defesa. Os adolescentes sequer são assistidos por advogado na

Promotoria de Justiça, ressalvadas algumas exceções. A igualdade entre as

partes é quebrada em razão do absoluto poder do Ministério Público em impor

ao adolescente a solução que entender em sede de remissão, conforme

demonstrado no resultado da questão 7.

A dignidade da pessoa humana é relegada e o princípio da igualdade

desprezado, vez que há tratamento desigual para casos idênticos, pois

depende única e exclusivamente do entendimento do Promotor de Justiça.

Nesse sentido também é que se diz que o adolescente volta a ser tratado como

objeto.

Os princípios da presunção de inocência e do ônus probatório são

violados na medida em que, como referiu Lopes Jr116: “O processo penal passa

a não ser mais o caminho necessário para a pena, e com isso o status de

inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e,

principalmente, sem que para isso a acusação tenha que provar o alegado.

O que traz um certo alento é o resultado da questão n.º 5, que demonstrou

24 (92,3%) dos Promotores de Justiça contra 2 (7,7%) responderam que

fundamentam o pedido de homologação da remissão e medida socioeducativa

quando as submetem a Juízo, o que permite o controle dos atos e dos critérios

116 LOPES JR, op. cit., p. 26, referido no capítulo 3 deste trabalho.

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adotados. Para que isso se efetive, todavia, faz-se necessário garantir a

assistência técnica por advogado, mesmo na fase administrativa.

Pode-se inferir, pelo decorrer de todo o trabalho, que o respeito ao devido

processo legal para a aplicação da medida socioeducativa é o que vai garantir

a observância de todos os demais direitos constitucionais do adolescente,

inclusive da proteção integral.

O estabelecimento de critérios legais definidos para a concessão da

remissão e aplicação de medida socioeducativa, determinando quais atos

infracionais são passíveis de quais medidas e o quantum, permite que se

possa restringir a discricionariedade e subjetivismo dos aplicadores do Direito,

bem como exercer o controle sobre esses atos e da estrita observação dos

critérios legais previstos, o que já limita a violação de algumas das garantias

constitucionais.

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CONCLUSÃO

O estudo revelou enorme disparidade nas respostas para casos

hipotéticos idênticos, ou seja, mostrou que não há consenso nos critérios

utilizados para a concessão da remissão e escolha da medida socioeducativa a

ser aplicada e seu quantum, estando no âmbito da subjetividade e

discricionariedade dos Promotores de Justiça da Infância e da Juventude

titulares ou substitutos. Tais disparidades não são afetas somente ao âmbito de

atuação do Ministério Público, mas também do Magistrado, considerando que

este também tem o poder de conceder remissão cumulada ou não com medida

socioeducativa.

Através da revisão teórica apontada nos três primeiros capítulos, foi

possível compreender que a medida socioeducativa tem caráter penal.

Portanto, reclama o respeito ao devido processo legal para sua aplicação, em

conformidade com o Direito Penal aplicado aos adultos, sob pena de o ECA ser

mais gravoso que aquele, o que é um contra-senso, além de ferir a

sistematização interna do Estatuto, baseada na doutrina da proteção integral,

e outros princípios constitucionais.

A pesquisa mostrou a necessidade de estabelecer limites ao subjetivismo

e a discricionariedade, herança da doutrina da situação irregular do antigo

Código de Menores: seja adotando entendimento pela obrigatoriedade do

respeito ao devido processo legal para aplicação de medida socioeducativa,

eliminando a possibilidade de cumulá-la na remissão, como forma de exclusão

ou suspensão do processo; seja, pelo menos, pela inclusão no ECA, através de

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reforma legislativa, de critérios definidos a serem observados, em sendo

mantida a possibilidade de aplicação de medida socioeducativa em sede de

remissão.

É importante destacar, também, a fragilidade do sistema do ECA, revelada

no estudo, no que tange à suscetibilidade de violação de direitos em relação à

Infância e Juventude e da doutrina da proteção integral.

O grande problema da aceleração do mundo moderno é que o homem não

tem mais tempo para pensar no que está fazendo. A velocidade possibilitou a

acumulação do saber, mas produz um pensamento programático e

combinatório que “pode resolver melhor e mais depressa os problemas que

aparecem, mas a preocupação de ir buscar aquilo que é preciso procurar

continua a ser o problema e o privilégio dos homens”117 Daí porque ser

necessário exercitarmos a lentidão do nosso pensamento, no sentido de

refletirmos acerca da forma pela qual estamos tratando a adolescência em

conflito com a lei e quais os resultados dessa velocidade em resolver os

problemas a ela afetos.

Invocamos a citação de Mendes118, trazida na abertura deste trabalho,

para suscitar essa reflexão, a qual se espera possa despertar o desejo,

naqueles preocupados com o tema, de aprofundar esse estudo:

... as piores atrocidades contra a infância secometeram (e se cometem ainda hoje) muito mais emnome do amor e da compaixão, que em nome da própriarepressão. Tratava-se (e ainda se trata) de substituir amá, porem também “boa” vontade, nada mais – porémnada menos - , pela justiça. No amor não há limites, najustiça sim. Por isso, nada contra o amor quando omesmo se apresenta como um complemento da justiça.Pelo contrário, tudo contra o “amor” quando seapresenta como um substituto cínico ou ingênuo dajustiça.

117 GUILLAUME, Marc. A Competição das Velocidades. In: Morin Edgar, Prigogine Ilya eoutros. A Sociedade em Busca de Valores. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 116.118 MENDEZ, Emílio Garcia. Por uma Reflexão sobre o arbítrio e o Garantismo na Jurisdiçãosocieducativa. Porto Alegre,: AJURIS, ESMP-RS, FESDEP-RS, 2000, P. 13.

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SOTTO MAIOR, Olímpio. Comentário ao art. 112 do ECA. In CURY, M.;AMARAL E SILA, A; MENDEZ, E.G. (Coord). Estatuto da Criança e doAdolescente Comentado, Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. SãoPaulo: Malheiros, 1996

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ZAFFARONI, Raul Eugênio, PIERANGELLI, José Henrique. Manual de DireitoPenal Brasileiro, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: RT, 2002.

ZAFFARONI, Raul Eugênio. El Sistema Penal em los Países de AméricaLatina.

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ANEXO

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Prezado Colega:

A presente pesquisa faz arte de monografia do Curso de Especialização

em Direito Comunitário, Infância e Juventude, da ESMP.

Sua colaboração no preenchimento do formulário que segue é

imprescindível para o êxito do trabalho.

Ressalva-se que os dados serão preservados e destinam-se unicamente

para a formação de estatística acerca da matéria.

Para garantia de que este questionário retorne, favor enviar para os

seguintes endereços eletrônicos: [email protected],

[email protected] e [email protected]

Atenciosamente,

Angela Caren Dal Pos

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QUESTIONÁRIO:

1- Iniciais ou nome (facultativo):

2- Comarca:

3- ( ) titular ( ) substituto

4- Quais os critérios que você utiliza para aplicação da remissão e na

escolha da medida socioeducativa e do prazo a serem aplicados? Enumere

pela ordem de importância, iniciando pelo n.º 1 para atribuir o de maior

importância.

( ) idade do infrator ( ) conduta social

( ) gravidade do ato infracional ( ) personalidade do infrator

( ) antecedentes ( ) motivos

( ) se o infrator estuda ou trabalha ( ) conseqüências do ato infracional

( ) empatia com o infrator ( ) comportamento da vítima

( ) confissão do delito ( ) circunstâncias do fato

( ) Outros (indicar) ______

5- Você costuma fundamentar expressamente as razões pelas quais concede

ou não a remissão bem como a medida socioeducativa a ser aplicada e o

prazo, quando as submete a homologação do Juízo?

( ) sim, sempre.

( ) não, pois a motivação já consta do termo de apresentação.

( ) não, pois é ato discricionário do Ministério Público, não havendo

necessidade de motivar, tampouco constar do termo de apresentação.

( ) outros (especifique) _______

( ) sim, porque ______

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( ) não, porque ______

6- Você concede remissão mesmo quando o infrator não admite a prática de

ato infracional?

( ) sim, porque ________

( ) não porque ________

7- Qual a solução dada por você para os atos infracionais que seguem

(comprovada autoria e materialidade), considerando os seguintes critérios:

adolescente, 16 anos, não tem antecedentes, admite o fato, estuda,

comprometeu-se a não mais praticar o fato:

a) Em caso direção de veículo automotor sem habilitação, sem gerar

perigo de dano (art. 32 da LCP)

( ) arquivamento.

( ) remissão sem medida socioeducativa.

( ) remissão com medida socioeducativa de _________ pelo prazo de ______.

( ) representação.

Justificativa: _________________________________________.

b) Em caso de porte ilegal de arma de fogo:

( ) arquivamento.

( ) remissão sem medida socioeducativa.

( ) remissão com medida socioeducativa de _________ pelo prazo de ______.

( ) representação.

Justificativa: _________________________________________.

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c) Em caso de furto simples, de bem com valor inferior a 30% do salário

mínimo.

( ) arquivamento.

( ) remissão sem medida socioeducativa.

( ) remissão com medida socioeducativa de _________ pelo prazo de ______.

( ) representação.

Justificativa: _________________________________________.

d) Em caso de porte de drogas para uso próprio, pouca quantidade:

( ) arquivamento.

( ) remissão sem medida socioeducativa.

( ) remissão com medida socioeducativa de _________ pelo prazo de ______.

( ) representação.

Justificativa: _________________________________________.

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