Heinz G. Konsalik - O Mistério Das Sete Palmeiras

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    Konsalik

    O MISTRIO

    DAS SETE

    PALMEIRASCRCULO DE LEITORES

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    Titulo original: Das Geheimnis Der Sieben Palmen

    Traduo de:

    FERNANDA FERREIRA

    Sobrecapa de:

    Z PAULO

    Capitulo primeiro

    Hestia Verlag Gurgh, Bayreuth, 1982

    Impresso e encadernado por Printer Portuguesa

    no ms de Setembro de 1988

    Nmero de edio: 2239 Depsito legal nmero 20 369/88

    O cinzento navio-patrulha da marinha nacional do Equador, com as mquinas capa, preparava-separa abordar lentamente o ilhu. No interior do navio, na sala dos sonares, os recifes de corais e aslavas dos fundos submarinos reflectiam atravs de ecos sonoros os raios emitidos pelos aparelhosencarregados de situar a sua posio. Nos ecrs dos radares pestanejavam estranhas massasfosforescentes. As mquinas, que ronronavam aos solavancos, funcionavam no regime mais baixo.

    Deslize, entrada prudente, numa paisagem de fundos altos que se acha fascinante na primeiraabordagem, mas que atemoriza os marinheiros ao ouvirem o menor raspar contra o casco. Na salade radiogoniometria, o engenheiro-chefe anunciou para a ponte de comando com uma voz

    insistente:

    - Temos de parar dentro de um quarto de milha, capito, quando tivermos o costado aberto sobretoda a extenso!

    No mesmo momento, de p entrada da ponte de comando, um homem dizia:

    - precisamente como eu tinha imaginado!

    Usava um fato de tecido sinttico amarelo, um chapu de pano usado. Encostado amurada, olhavaem frente, para o ilhu que, acima do oceano pouco agitado, surgia como uma carapaa detartaruga abaulada. Distinguia-se j nitidamente um grupo de sete grandes palmeiras com afolhagem eriada pelo vento, cujos troncos se curvavam na direco da margem.

    - Precisamente - repetiu o homem. - As sete palmeiras!

    Lanou um olhar de lado para o comandante do navio-patrulha, que, nesse momento, deixavadeslizar o barco lentamente, com os motores no mnimo, por cima de invisveis recifes escondidossob a superfcie. O comandante era um marinheiro experiente. Os seus homens chamavam-lhesimplesmente D. Fernando. Conhecia as costas do Equador

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    e todo aquele arquiplago to bem como o corpo da esposa, Juanita - notemos todavia que noexiste nenhum homem que conhea perfeitamente o corpo da mulher!

    - Continua a julgar-me louco, Dom Fernando?

    - Sim!

    O comandante mandou parar o navio. Da sala dos sonares tinha-lhe chegado este aviso:Navegao impossvel, recifes vulcnicos e bancos de coral atingem a nossa quilha. Podia-severificar isso l de cima: na gua azul transparente, a barreira de corais elevava-se at superfcie.Algumas caprichosas arestas de rochedos furavam o oceano como grossas agulhas. Mais longe,junto ilha, o mar enfurecido fervilhava contra uma tripla muralha amarela, vermelha e negra. Asfotografias tiradas de helicptero revelavam por ali uma estreita passagem que desembocava numabaa de areia em meia-lua com cerca de trinta metros de extenso, e protegida por uma encosta depedra-pomes pulverizada. Um cenrio vestgio dos primeiros dias da criao.

    Mas no cimo desta curva rochosa verdejavam vimes e fetos, pequenos rizforos e urzes coroadospelo grupo das sete elegantes palmeiras.

    - No o julgo louco, Dom Philippe - respondeu calmamente D. Fernando -, mas sim um homemque preciso manter fora neste barco. O fim do mundo no existe, pois a Terra redonda,mas considero este canto, aqui, como o mais solitrio que conheo. Pense um pouco mais! Umapalavra e daremos meia volta!

    - Ponha a lancha na gua, Dom Fernando, atingi a minha meta, as sete palmeiras! Estouentusiasmado! Que pedir mais: um ilhu que lhe pertence, fontes de gua doce, pedras com as

    quais pode construir uma casa, rvores com que pode fazer um telhado e mveis, uma terra na qualpode fazer crescer o alimento do dia-a-dia. Juntemos-lhe o cu, o sol, as chuvas, os ventos, o mar eos peixes. Repouso, paz, existncia paradisaca! Nada de fiscais de impostos, nada de leis, nada dearrombadores nem de bandidos, nenhuma luta pelo dinheiro, nem competio, nem poltica...

    Pelo telefone da ponte de comando o comandante deu ordem para lanar gua a lancha a motor.Neste esquife, seria possvel atingir - com bastante sorte e orientao -,

    a baa situada para l das trs barreiras rochosas e da margem de areia dourada. A ressaca naqueledia quase suave e o vento sonolento eram uma das caractersticas daquelas ilhas.

    - Mas tudo isso no verdade! - disse D. Fernando, enquanto examinava a ilha com a ajuda do

    binculo. Nada de guerras? Todos os seres vivos nesta ilha se combatem! Cada um desafia ooutro... para sobreviver! Os fetos contra os vimes, as focas contra os tubares, os corvos-marinhoscontra os peixes. Cada espcie de aves obrigada a defender os ovos contra as aves maiores oucontra as serpentes, os surios, as iguanas, e se ainda existem nesta ilha, tal como revelam asfotografias tiradas de helicptero, animais em estado selvagem (porcos, cabras), ento semdvida porque cada um deles luta contra o outro! Nada de poltica, diz o senhor? As ilhasGalapagos tm uma posio estratgica extremamente importante, sobretudo no que diz respeito aocontrolo do canal de Panam, enquanto base area!

    - Eu sei. Estiveram aqui americanos: a base area de Baltra...

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    - Exacto - respondeu D. Fernando. - E mais de um milhar de homens! E depois o aerdromo deHood! - Olhou de novo atravs do binculo. - Finalmente, aqui, no h mulheres...

    - Isso no problema para mim.

    O homem encostado muralha olhava intensamente a ilha com as sete palmeiras. Parecia to pertoque se poderia julgar ser possvel, com algumas braadas vigorosas, atravessar aquele espao demar a nado. Mas era uma fortaleza protegida por muralhas de lava, recifes, bancos de coral,remoinhos, uma ressaca que projectava alto a sua espuma, tubares assassinos em guas cheias depeixes e perigos que ainda ningum conhecia.

    A ilha das sete palmeiras nunca tinha sido, sem dvida, pisada por ps humanos. Talvez tivessesido sobrevoada, ou alguns pescadores passassem por perto ao virem de Cristobal, de Santa Cruz,de James ou de Floreana. Apenas estas ilhas e a maior dos Galapagos eram habitadas. Mas ospescadores mostravam-se lacnicos a esse respeito.

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    - Conhece a minha histria? - perguntou o homem apoiado amurada, enquanto a bombordo alancha era arriada para o mar.

    O comandante respondeu com um aceno de cabea: Don Domingo falou-me um pouco dela. Ohomem retorquiu:

    - Pers Domingo, governador das ilhas Galapagos... Um homem bom, recto e so. Deviamintern-lo, muito simplesmente, disse-me quando cheguei junto dele. Eu sei, a nossa embaixadaem Bona ps-nos ao corrente e o embaixador do seu pas, embora o considere um idiota, falou de siao nosso ministro do Interior, assim como ao ministro da Marinha. Mas ei-lo aqui em carne e osso!Deviam prend-lo ilegalmente, mandar para a sua cela uma bonita rapariga e deix-los em pazdurante uma semana! Depois disso deixaria de ter a nostalgia dos Galapagos, porque passaria apreferir as coxas da rapariga..., o governador dixit.

    O homem encostado muralha teve um sorriso sarcstico.

    - Bravo por Dom Pers! - exclamou D. Fernando. A barcaa, com grande rudo, tomou contactocom o oceano. Um jovem tenente desceu a escada de corda presa escotilha.

    - Vocs s tm, inegavelmente, mulheres na cabea? perguntou o homem.

    - Indique-me alguma coisa mais bela neste mundo, Dom Philippe!

    - Ei-la! As Sete Palmeiras! Um paraso que s pertence a mim. Encarregado do seu governo emvirtude de um auto especial. Certamente que se trata de ecossistema protegido, mas sabereiintegrar-me neste natureza. No destruo nada.

    - O homem destri sempre!

    o; - Isso no passa de uma frase feita!

    De p contra a amurada, D. Philippe voltou a pr o chapu de pano.

    - Sabe que os meus parentes que ainda esto vivos (dois sobrinhos, uma sobrinha e at um meio-irmo, filho do segundo casamento do meu pai) queriam mandar-me interditar na Alemanha... pelanica razo de eu no parar de procurar refgio na solido?

    - Acho que isso, apesar de tudo, tem lgica... Desculpe, Dom Philippe.

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    Est desculpado. J me habituei a esses sarcasmos.

    Lutei durante dois anos para viver este momento, aqui mesmo: a passagem de um mundo que oshumanos devastaram para um outro mundo que permanece tal como Deus o criou.

    - Pertence quela categoria de pessoas que pretendem melhorar a humanidade?

    D. Philippe riu com todo o gosto:

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    - Pelo contrrio! Eu era precisamente aquilo a que se chama um bomio. No desdenhei nada:nem um poema, nem uma taa de vinho, nem uma mulher! Onde se desenrolava o acontecimento,

    Philippe Hassler (os meus numerosos amigos chamavam-me Phil) l estava. Sabe o que ojet-setl1Sim? Eu estava sempre onde acontecia qualquer coisa. Em Saint-Moritz ou nas Baamas, em MonteCario ou em Marbella, em Saint-Tropez ou em Miami, em Acapulco ou em Copacabana. Ondeaparecesse uma mulher nova, Phil estava nas primeiras filas e exibia os seus xitos na lista deconquistas. Quanto ao que chamamos de produtos da civilizao, tive tudo: jacto privado e chalnos Alpes suos, iate, carros de desporto... ridculo falar nisso, mas eu podia oferecer tudo amim mesmo. Possua as fiaes de seda Johas (do apelido do meu bisav, o fundador JohannHassler) em Krefeld: fiaes, confeces, modelos de alta costura. O negcio marchava sozinho,quer acredite quer no. Ainda h cinco anos, eu era um trabalhador obstinado: o primeiro a chegarao trabalho de manh, e o ltimo a ficar noite, s vezes at a uma hora avanada da noite. MeuDeus, como eu pude trabalhar sem descanso! O meu pai, depois da guerra, voltara a casar-se. Amulher tinha menos dois anos que eu, o filho! O velho passou-me ento o negcio, que no eramais que um monte de runas. (Em vez de uma firma prspera!...) O meu pai viveu perto de Niceat ao seu ataque... Mas tudo isto que lhe conto no lhe interessa, pois no?

    - Fale, se isso o alivia; a lancha estar pronta para partir dentro de dez minutos.

    D. Fernando mergulhou o olhar por cima da amurada e viu que a tripulao, trs marinheiros e umoficial, j estava

    Alta sociedade. Festas da alta sociedade. (N. da T.)

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    a bordo. Com a ajuda de um pequeno guindaste rotativo, as bagagens de Phil Hassler - algumascaixas de metal leve, dois sacos de pano de vela, pequenos volumes de toldos de tecido sinttico...ltimas manifestaes da civilizao foram l depositadas. Havia ali um motor fora de bordo,

    barris de gasolina, recipientes de gua doce, embrulhos de pano de vela com armas: trsespingardas, duas pistolas, munies. Era isto que prometia um paraso bastante...moderno!

    - Fui casado - disse Hassler - e no apenas feliz, mas muito feliz! Inegavelmente feliz. Amar comoeu amei a minha mulher no possvel seno uma vez na vida de um homem.

    Philippe Hassler atirou para a nuca o seu chapu de pano. A tarde chegava ao fim. O sol iluminavade esguelha as rochas da sua ilha, que resplandeciam de azuis e violetas, de amarelos-claros eazuis-esverdeados. Acima das vagas, erguiam-se altas colunas de basalto, entre as quais seencontravam massas caprichosas de lava que tinham arrefecido no mar. Dir-se-ia uma poro daLua sobre terra, se no houvesse as sete palmeiras. Contra a tripla barreira rochosa embatiam asondas preguiosas do oceano. Formavam-se pequenos lagos nos campos de lava bistre.

    - A minha mulher morreu com trinta e um anos, vtima de cancro dos gnglios. No tnhamosfilhos. Pode imaginar tudo o que eu tentei para a salvar? Aonde fui com ela em toda a parte domundo? Que mdicos consultei? Tinha milhes minha disposio. Teria dado tudo de boavontade. Mas, em toda a parte, respondiam-me: sem esperana! Os milhes, neste caso, no servemde nada. As clulas cancerosas importam-se com as contas bancrias?... Quando Franciska morreu(eu chamava-lhe sempre Ziska), fiquei durante trs dias na frente de quarenta comprimidos paradormir, mas fui demasiado cobarde para os engolir. Resultado: ca em tornar-me umjet-set-man,um homem sem complexos nos negcios, na vida quotidiana, com as mulheres. Passava mesmo nomeu meio por uma bomba! Uma vez aconchegada na cama de Phil Hassler a mais reles dasratinhas tornava-se socivel. E depois, aconteceu o inexplicvel. Fiz o suficiente para que toda a

    gente me tomasse por louco, para que os meus amigos me evitassem como se eu tivesse lepra, paraque a minha famlia procurasse impor-me um conselho judicirio...

    fora de chocar, por toda a parte, com a incompreenso, fiquei de repente nauseado! Com vmitos.Ao ponto de, de manh, se acordasse e encontrasse ao meu lado uma beleza nua que serequebrasse, ter podido escarrar-lhe para cima! Tudo me aborrecia. Tudo. A imagem de Ziskaimpunha-se-me cada vez mais: o seu fim terrvel, a decomposio que fez com que, em cada dia,qualquer coisa dela se esboroasse, o martrio que ela sofreu com lucidez e uma coragemincomparvel at ao fim. Tudo isso me perturbava, anulava oplay-boy que eu era e transformava-me no que me tornei: o senhor de uma ilha desabitada, as Sete Palmeiras, no limite extremo dasilhas Galapagos... Esta a minha histria resumida. Dom Fernando, posso ir para bordo?

    - Est tudo descarregado. A tripulao espera-o. Pode subir.

    D. Fernando pousou a mo no brao de Hassler:

    - Mais uma palavra, Dom Philippe. Consegue ver claramente, assim o espero, que vai passar umavez mais de uma iluso para outra? De um extremo para um outro? Do grande mundo modernopara um mundo pr-histrico em miniatura? Desde a morte da sua mulher, tem-se mantido sempreem fuga, porque no sabe o que fazer da sua prpria pessoa!

    - Vendi tudo. As fiaes, as lojas... tudo.

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    - Talvez o senhor no passe realmente de um grande sonhador, mas tambm ali, nos rochedos delava, vai ser mal sucedido! J no h parasos.

    - J ouvi repetir isso centenas de vezes! Personalidades tais como ministros, altos funcionriosqueriam convencer-me da loucura do meu empreendimento. E as minhas meigas e bonitasraparigas que inventavam mil astcias para me prender! At fiz uma aposta com os meus velhosamigos. Se eu exprimir esse desejo durante os prximos cinco anos, faam-me voltar! E ganharoum milho de marcos, isento de impostos. E se eu ficar, pagarei a seguir outras quantias Para afundao de um instituto de pesquisas biolgicas contra o cancro dos gnglios: a Fundao Hassler.

    Cinco anos! Nunca entraria nessa aposta, seria muito desonesto em relao a si. No se vaiaguentar ali nem um ano. Eu roubaria o milho pesquisa contra o cancro!

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    - Como quiser, Dom Fernando - disse Hassler, estendendo-lhe a mo. - Boa sorte! Voltaremos,porventura, a ver-nos? Seja como for, faa como combinmos: nada de ligao rdio comigo, amenos que eu tenha antes entrado em contacto consigo. Se eu ficar calado, porque tudo vai bem;

    ento, ningum se deve preocupar comigo. J no existo para o mundo!

    Apertou a mo do comandante, dirigiu-se para a coberta, agarrou-se escada de corda encostada aocasco do barco e desceu para a lancha. Um marinheiro afastou esta do navio e escorou-a com umremo contra a quilha, a seguir o motor comeou a cuspinhar e o pequeno barco deslizou no calmooceano em direco s barreiras de lava e de corais. Phil Hassler olhou para trs, para a canhoneira,ao mesmo tempo que dirigia cumprimentos e grandes gestos ao comandante, que lhe respondia:dir-se-ia que ele rendia as ltimas homenagens a um navio prestes a naufragar.

    Passados cem metros, comeou a dana dos remoinhos e da ressaca. As primeiras vagassubmergiram a pequena lancha; arestas de lava cortantes como facas apareciam, ameaadoras, portoda a parte. O jovem tenente, munido de uma carta martima feita a partir de fotografias areas,atravessou bem o estreito canal entre as barreiras, mas os turbilhes e as correntes contrriasexigiam toda a potncia do pequeno motor. Os bravos marinheiros tinham empalidecido um poucoperante os obstculos, temendo ver o seu barco desfeito contra os recifes. As ordens emanadas dasreparties da Marinha no os tinham preparado para aquilo.

    Logo que a terceira barreira foi ultrapassada, a gua tornou-se menos profunda, mais calma. J nocintilava com um azul intenso, tinha tomado reflexos de esmeralda. Nesse momento, a baa arenosafeita de lava em p aparecia diante deles, praia sem perigo, suavemente inclinada para o mar.

    A lancha avanou at seis metros da margem das Sete Palmeiras, depois Phil desembarcou. A guasubia-lhe at ao peito. Debaixo dos ps, sentia um cho firme, pedregoso. A gua estava

    extraordinariamente quente, como se os baixios, tanto como o sol, a tivessem aquecido. Tratava-se,pois, de uma terra nascida de rochas pr-histricas em fuso. Debaixo

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    da delgada camada deste solo fervilhavam ainda as massas ardentes.

    Com grandes passadas, Phil avanou nas guas calmas da baa e ps o p, com os braos muitoabertos, na sua ilha. Dir-se-ia que queria abraar aquela poro de terra perdida no infinito.

    Ficou um momento imvel nesta atitude, muito direito, com o olhar errante sobre as camadasrochosas escavadas e furadas por cavernas, sobrepostas at s sete palmeiras que se balanavam na

    brisa. Eis-me aqui, pensou, estou aqui, plantado na minha ilha. E, o que ningum sabe nemnunca saber, tenho medo! Que impresso maldita esta de estar de repente completamente s!

    Phil assustou-se: atrs dele, a gua acabava de embater contra um obstculo. Os marinheirosdescarregavam as bagagens da lancha. Voltou-se, foi at ao barco e ajudou os homens at todo ocarregamento estar em terra.

    Havia objectos em cima da areia! Preocupava-se em particular com o seu barco insuflvel,insubmersvel, concebido como os catamars; com o motor fora de bordo, com os bides degasolina, com os mapas especiais do arquiplago das Galapagos e com o pequeno posto de rdioemissor com o qual podia comunicar com a estao martima de Santa Cruz, tal como com a

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    estao de pesquisas Charles Darwin, fundada em 1959, e que nunca mais tinha deixado de serremodelada, alargada. No estava, pois, completamente separado do mundo, esquecido, enterradovivo, mas quem conhecesse os habitantes das ilhas Galapagos sabia que nem um s se preocuparia

    com Phil Hassler, a no ser que ele pedisse socorro insistentemente. Um homem que escolheuviver para sempre nas Sete Palmeiras, ao norte da ilha Tower- selvagem ao ponto de nunca ningum ter pisado o seu cho, excepo de alguns cientistas,desde h milhes de anos -, um tal homem no merece que se pense demasiado nele. Convmdeixar os loucos na sua clula de isolamento quando foram eles prprios a escolh-la.

    Phil Hassler ficou em baixo, em frente da praia, com a gua at aos tornozelos, a acenar para alancha at ela atravessar de novo a tripla barreira de lava. S ento a embarcao acelerou a marchapara se ir juntar canhoneira.

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    Quando a lancha foi iada para bordo, o navio, antes de fazer rumo para o mar alto, tocou trsvezes as sereias guisa de adeus, por ordem de D. Fernando. Philippe Hassler, que se mantinhacom as pernas afastadas sobre um monte de caixas metlicas empilhadas umas sobre as outras,

    respondeu, acenando com um leno: adeus, ltimos humanos!

    Ficou de p em cima das caixas at a silhueta do navio-patrulha costeiro se apagar a pouco e poucono mar e nos cus. Ficou assim at no ter mais nada para ver seno o horizonte crepuscular, de umvermelho incandescente, e as ondas que, nesse momento, embatiam nas barreiras de lava,projectando nuvens de espuma, tal como uma fora primitiva que investisse contra um momentoparado da criao.

    Neste momento, a minha solido absoluta, notou. Como o Sol, que mergulha no horizontepara voltar a seguir amanh na sua nova claridade, o velho Phillippe Hassler foi tambm submersopela vida de que se fartou e... amanh de manh, ser um outro homem que contemplar o mar.

    Sozinho! Porqu esta angstia no fundo do teu corao? Estar s nesta natureza grandiosa... Vivesa ltima grande aventura que pode ainda nos nossos dias ser concedida a um homem... E se tecansares dela, s tens de te sentar na frente do teu posto emissor para chamares D. Fernando:Venha-me buscar! O paraso encantador, mas o prprio Deus sabia que no perfeito seno comEva...

    Lentamente, Phil Hassler desceu do seu poleiro de caixas e encostou-se a ele. Procurou cigarrosnas algibeiras das calas, mas s encontrou uma massa disforme - porque tinha apanhado gua atmeio corpo. Que caixa metlica, que embrulho teria os cigarros? E os isqueiros ou os fsforos?

    Atirou para longe o mao de cigarros e limpou as mos s pernas das calas.

    - Ora! - disse -, era sem dvida um capricho. Nunca mais querers voltar a partir? O paraso far-te- perder a razo? Chamars D. Fernando?

    No, Phil. Aqui o teu universo, a ltima paragem. Ficars na ilha das Sete Palmeiras, neste grode areia pousado no mar.

    E que sabor teria neste momento um bom usque? Ou um conhaque? Que cantava, ento, o Vascoda Gama na pera

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    de Meyerbeer quando, pela primeira vez, pisou um cho novo: Terra...to radiosa...?

    Phil teria podido ento cantar a ria inteira, qual estava associada uma recordao: Viena, apera, o camarote III... A seu lado: Elly, a mulher de um camiseiro que comprava tecidos FbricaHassler. O marido no estava l. Suspirava no clima asfixiante de Hong Kong, onde tinha idocomprar peas de seda. A mulher tambm iria suspirar a seguir, quando, depois do espectculo,arfasse nua nos braos de Hassler: Estou a arder, estou a arder!

    Terra to radiosa... Vida to radiosa...Amor to radioso...Solido...to radiosa?

    J no havia nem Blondie, nem Elly, nem Elfie ou Sandra, nem fossem quais fossem osnomes...Nenhuma das que tinha enchido as pginas do seu dirio de recordaes pessoais, s vezes

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    com uma nota margem: Morde durante o orgasmo; ou Arranha as costas; ou Parece que vaidesmaiar a seguir. Tantas notas escritas por um homem que no ia voltar a respirar na atmosferaperfumada das alcovas.

    O ar!

    Aspirou profundamente o ar salgado vindo at ele daquela espuma trovejante que rebentava nabarreira e se estendia at baa. O sol escolhia a melhor ocasio antes de desaparecer. O marcintilava, violeta, estriado de ouro. E a nica nuvem no cu, vermelha, leve como uma pluma,vogava lentamente no crepsculo, para o infinito.

    Isto o ar, pensou. O mar, os rochedos, o cu e tu, finalmente s!...Que sensao!

    Phil continuou encostado ao monte de caixas e, apesar da sua satisfao, tinha um desejo infernalde fumar um cigarro e de beber um copo de aguardente.

    Lembrou-se ento que no seu pequeno saco de marinheiro- a que chamava desdenhosamente as provises dos primeiros dias - tinha cigarros, fsforos e umfrasco forrado de couro com conhaque.

    Este frasco de viagem tinha, tambm ele, uma histria, disse a si mesmo, enquanto procurava, entreas caixas, os embrulhos, os sacos e as malas, o pequeno saco de pano verde: o passeio de carro coma Marianne! Tratava-se tambm de uma mulher casada. As mulheres casadas tinham sido

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    sempre as mais desembaraadas, as mais desenvergonhadas, as mais reconhecidas, as maisoferecidas, as menos complicadas. Tinham o seu porto de abrigo, a sua segurana, e consideravamas excurses nos braos de Phil como um desporto, como uma distraco sem consequncias, como

    pequenas patrulhas de reconhecimento em guas desconhecidas. A volta ao porto conjugal partiade si: elas voltavam ali como se volta de um passeio vela.

    Marianne! O marido era dono de uma firma de refinao de petrleo bruto, de reputao mundial.Conhecia o Mdio Oriente, a costa dos Piratas, to bem como o sinal de beleza no seio esquerdo deMarianne. Quinze dias com ela passaram como um turbilho. Iam dar passeios nas regiesmontanhosas ou na costa holandesa. Ficavam deitados, nus, cheios de areia nas dunas, ou ento, sada de um banho perfumado, no leito romntico de um castelo-hotel. s vezes, paravam naestrada para beber um golo de conhaque do mesmo frasco forrado de couro. Marianne gostavamuito de conhaque. Depois de quatro pequenos copos, a sua reserva e o seu cdigo moral erammandados para o diabo de uma forma que, para Phil, era extremamente cativante...

    Encontrou a pequena sacola de pano, acendeu um cigarro e bebeu um golo de conhaque. Depoisficou arrependido, fechou o saco e olhou de novo para o mar. Meu velho, tens de te aguentar!,pensava. Vais-te habituar depressa a estar s no mundo. E s tu quem o quer! s

    Os primeiros passos de Phil na ilha foram para ir at s sete palmeiras. Na extremidade da baa,vista do mar, esquerda, o rio de lava instalava-se num vasto espao. Neste ponto da costa, podia-se contornar a muralha de basalto castanho-esverdeada, a pique, e subir para o dorso do ilhu.Trepou a encosta coberta por um monto de calhaus onde giestas brancas cresciam em moitasbaixas, quase redondas, como postas por um gigante naquela aridez a fim de colorir a paisagem...A suar e a soprar, Phil chegou ao cume, ao prprio stio onde a ilha se tornava frtil porque duasfontes de gua doce brotavam das sete palmeiras, que se balanavam no vento.

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    Tenho de acabar com esta respirao difcil, pensava Phil, enquanto subia para chegar s setepalmeiras. A culpa dos numerosos cigarros que tm entupido os meus pulmes e das bebidasdecapantes que tm provocado uma tenso arterial demasiado elevada!

    Acabou-se, tudo isso! Acabou-se! Tenho a minha ilha de basalto e de lava, de areias vulcnicas ebancos de coral. Piso um cho desagregado por milhes de anos de eroso mas que s espera guae imaginao para se cobrir de um jardim. Tenho as minhas duas mos e a minha vontade de viver.Excelente ocasio para reeducar os meus pulmes entupidos de nicotina; tempo de seremarejados porque tenho de me servir deles! Colocou-se no meio das palmeiras e de repente sentiu-

    se feliz.

    As aves voavam sua volta. S as conhecia pelos livros que lera sobre as ilhas Galapagos. No eranem bilogo nem ornitlogo. Que o pssaro que o cercava com os seus voos fosse um busardo-das-galpagos, um bispo, uma fragata, uma gaivota-de-cauda-bifurcada, era-lhe completamenteindiferente. Do stio onde estavam as sete palmeiras, dominava a ilha por todos os lados. Sabia queao norte havia uma baa rochosa com uma plataforma onde vivia uma numerosa colnia de lees-marinhos1. Mais ao sul, havia o terreno de jogos de milhares de drages-marinhos2 e, num pontoda costa, a leste, reunia-se ainda um grupo de doze tartarugas-gigantes, tal como uma colnia dealbatrozes. Tudo isso fora j assinalado pelos bilogos e pelos zologos quando tinham aterrado nailha, de helicptero, para descobrirem o espao vital habitvel que iam conceder ao louco do

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    Hassler - tal como o designava o seu compatriota, o doutor Hardtmann, do Instituto Darwin, deSanta Cruz. Porque, at Balira com o seu aeroporto, todo o arquiplago era reserva ecolgicaprotegida.

    Abandonados pelos piratas no sculo viu, havia at, na ilha, cabras domsticas regressadas aoestado selvagem, porcos e alguns bovinos.

    1 Morsas.

    2 Lagartos.

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    O Sol, disco flamejante, mergulhava no oceano. Viso fascinante! Esperava-se a cada instante vero mar arder. Hassler s tinha pouco tempo para instalar o acampamento da sua primeira noite.Desceu at margem, procurou ali um saco-cama de nylon alcochoado - coisa que Ado no tinha

    no Paraso, pensou, enquanto o desdobrava - e levou tudo o que iria precisar na manh seguintepara perto dos rochedos escarpados.

    Quando viu o que tinha levado sentiu um pouco de vergonha. Contou as armas (espingardas,pistolas) e as caixas de munies. Uma grande ave de rapina - deve ser um busardo, pensava Phil -aproximou-se dele no seu voo elegante, aterrou aos seus ps e olhou-o, piscando os olhos, semreceio. O que um homem? A ave nunca tinha visto nenhum. Confiava naquela criatura estranha,como cada um confia no outro, no Paraso. Ainda no se sabia por ali que o homem o animalmais cruel sado das mos do Criador.

    Em cima da areia, ao longo da muralha de basalto, ali onde Phil queria instalar o seu primeiroacampamento para a noite, rastejavam dois grandes rpteis chamados iguanas, que se assemelhamaos drages dos contos de fadas, vivamente coloridos.

    Phil quis ca-los e agarrou num pau, mas viu ento que as iguanas o olhavam com curiosidade.Confiantes, caminharam na direco dele, levantaram-se nas patas de trs, apoiando-se numacomprida e grossa cauda. Phil, ao ver este espectculo, deu uma gargalhada rouca, depois abriu umsaco de plstico e tirou de l um bocado de paio. O casal de iguanas farejou o objectodesconhecido, pareceu desdenh-lo e continuou a pavonear-se.

    Ah!, so vegetarianas, lembrou-se Phil. O seu pitu preferido o figo-da-barbaria dos cactos. Asiguanas limpam-no dos espinhos, rolando a noplea ou os frutos no cho rochoso. uma ocupaoque requer um certo discernimento.

    - No tenho figos-da-barbaria para vos oferecer, minhas queridas amigas - disse Phil para asiguanas. - E para ti nem ratos nem pintainhos, meu velho busardo! Esperem que eu faa das SetePalmeiras a minha terra. Ento, seremos felizes todos juntos.

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    Phil Hassler meteu-se no seu saco forrado. Fazia mais frio. As rochas porosas vulcnicas noconservavam o calor. Puxou para a cara o cimo do saco-cama e adormeceu. As duas iguanasestenderam-se perto dele como se lhe pertencessem, como se Phil fosse a maior de todas as iguanase, por isso, o seu chefe. O busardo foi-se embora a voar.

    A noite tinha chegado. O oceano quebrava-se contra os recifes, volta dos quais a espumafervilhava, e por cima de toda a ilha arrendondava-se o cu, com a Via Lctea feita de milhes depontos cintilantes como promessas de eternidade.

    Phil sonhou que estava na cama com Fifi Schweizer, um manequim de fotografias publicitrias darea das confeces dos Ateliers Johas, de Krefeld. Um sonho terrivelmente doce para quem noqueria saber mais nada de tudo isso!

    Acordou por um momento, viu que o casal de iguanas dormia em cima da sua barriga, o que, porcausa do peso, podia talvez explicar o sonho. Mas no expulsou as iguanas e adormeceu a sorrir.

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    mesmo o paraso, pensou.

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    Captulo segundo

    Para o leitor familiarizado com oRobinson Crusoe, a descrio dos dois primeiros meses de

    Philippe Hassler na ilha seria suprflua. J sabe o que ele teve de fazer para instalar uma caverna-dormitrio, capturar cabras-selvagens, acender uma fogueira, conservar as brasas, procurar gua ereconhecer se ela era ou no salobra.

    Assim viveu o nosso heri. Durante dois meses, inventariou as suas terras, onde encontrou umagrande e bonita caverna, descobriu cabras-selvagens, porcos e vacas, que apanhou a lao maneirados cow-boys, habituou os animais ao seu convvio, instalou quase confortavelmente o seu antro,porque tinha consigo tudo o que era necessrio: todas as ferramentas, mais um pequeno geradoralimentado a gasolina. Phil abriu com a p uma espcie de escadaria entre os pedregulhos daencosta que descia para a baa e esteve assim muito ocupado desde o amanhecer cinzento at noite.

    Por vrias vezes, o rdio emitiu rudos caractersticos, mas no se deixou tentar por aquele convite.

    O que est combinado est combinado! pensou. Eu que tenho de pedir ajuda! Ora, estou emplena forma e to dinmico que respiro como um touro de combate. A minha tenso arterial estfantstica! O veneno da civilizao j foi eliminado. Agora fao parte integrante desta naturezaselvagem, amiga das iguanas e dos busardos, dos lees-marinhos e dos bispos-de-bassan.

    O primeiro campo j est semeado. Estende-se entre as sete palmeiras. Apenas as sementes decouves, alfaces e batatas so ainda produtos importados, mas j no haver vestgios deles a partirda segunda colheita. A seguir, vou plantar bananeiras, abacateiros, papaias, talvez at laranjeiras elimoeiros...

    O mar fervilhava de peixes comestveis; tinha-se apercebido disso desde o primeiro dia. No interiorda terceira barreira de lava, j no havia tubares; o mar era to calmo ali que

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    se podia apanhar os peixes mo, to confiantes eles se mostravam. Quando ficava de p dentro degua, os bancos de peixes turbilhonavam volta das pernas do novo Robinson.

    Passados dois meses, Phil Hassler estava verdadeiramente convencido de ter descoberto o paraso.Por duas vezes, um helicptero militar tinha sobrevoado a ilha a muito baixa altitude. Hassler tinhaento alinhado pedras brancas num cho de lava negra para compor, em espanhol, esta mensagem:

    Deixem-me em paz!

    O helicptero no voltou terceira vez.

    Foi numa tarde, ao princpio do terceiro ms de isolamento, que Phil viu, de dentro da cavernaanichada sob as sete palmeiras, um barco a motor com linhas perfeitas, ousadas, semelhantes aosque se vem em Saint-Tropez ou em Cannes: um iate que valia bem 3000 000 dlares e que,naquele momento, bem diferente da lancha que o tinha trazido, penetrava quase sem dificuldade noestreito que atravessava a tripla barreira rochosa, dirigindo-se a direito para a margem.

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    O iate branco veio at muito perto. Uma escada deslizou para a gua pouco profunda, depois trshomens em calas de ganga e camisas de cores vivas patinharam at praia. Phil observava-os,pensativo, porque eles se comportavam como se conhecessem aquele stio. Na popa do iate no

    flutuava nenhuma bandeira. Antigo proprietrio de um iate, Phil soube imediatamente que algumacoisa falhava. Contra vontade, agarrou na espingarda que estava na caverna, carregou-a e comeoua descer a escada talhada no dorso do ilhu vulcnico.

    Quem quer que seja, pensava, meu Deus!, eu quero ter paz. intil enviarem-me tipos parasaberem notcias minhas! E se forem reprteres que farejaram uma histria sensacional, cairosobre um negociante de citrinos! Porque no ho-de deixar-me tranquilo?

    Phil pensou, interrogou-se se devia continuar a avanar ou se seria prefervel deixar os homenschegarem junto dele. Decidiu, depois de breves consideraes sobre a situao, fazer parar osvisitantes imediatamente, mesmo ao p da montanha rochosa. No caso de se tratar de reprteres aosquais D. Fernando, preocupado, tivesse confiado uma mis-

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    so por Hassler nunca ter respondido aos apelos pelo rdio que ele tinha emitido, no lhes dariaassim nenhuma hiptese de fotografarem o seu reino.

    Um Robinson em caverna de luxo., Quem ento o utopista das Galapagos?; Um milionrioalemo brinca aos eremitas.;O ltimo primeiro homem com gerador e instalao emissoramartima. Julgava ter aqueles grandes ttulos de imprensa debaixo dos olhos; queria evit-los atodo o custo! Rapazes, s tenho dois meses de permanncia aqui! Neste momento, estou acomear o terceiro... e estou feliz. S me interessa uma coisa: qual de vocs, marinheiro sabedor,encontrou a entrada do estreito que atravessa as trs barreiras? Foi uma grande habilidade!

    Phil ficou de p, a meio caminho da encosta vulcnica, e ia gritar: Fiquem l em baixo, rapazes!Eu vou a! No quero aborrecer-me convosco!, mas no teve tempo.

    Os trs homens pareceram primeiro ficar parados no stio onde estavam, depois atiraram-se com arapidez do relmpago para um monte de pedras, ao mesmo tempo que sacavam um revlver doslargos cintos. Comearam a disparar de imediato, com as duas mos ao mesmo tempo, sem avisoprvio.

    Phil deixou-se cair na grossa areia vulcnica, rastejou para trs de um bloco de rocha vermelho-acastanhado, que, filtrado numa s coluna cerrada por uma fuso de intensidade inimaginvel, eramais duro que o ferro. Accionou a patilha de segurana da espingarda e viu com assombro os trshomens, que, sem pararem de disparar por todos os lados, corriam na sua direco. Usavam umatctica de profissionais. Enquanto dois deles faziam fogo o primeiro continuava a corrida, sendocoberto pelos tiros dos outros, que caminhavam em ziguezague pela colina. Disparavam, enquantoPhil no se mexia. Agachado atrs do grande bloco de lava, com a coronha da espingarda apoiadaao ombro, esperava estupidamente, persuadido de que os trs homens voltariam razo e lhe

    diriam o que queriam.

    No!, queria gritar Phil. Vocs esto enganados! Sou o contrrio daquilo que imaginam! Queroa paz! O repouso! A amizade! No quero matar ningum, quero viver. Porque disparam contramim? O que que eu vos fiz? il

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    Mas os trs homens continuavam a sua investida. Quando descobriram Phil atrs do bloco de lava,estenderam-se no cho, alvejando um adversrio desconcertado.

    - Sai da! - rugiu um deles, enquanto os outros voltavam a carregar os revlveres. - Sai da,

    canalha! No tens qualquer hiptese de fugir! Oferecemos-te uma sepultura entre os tubares...Vem da, avana lentamente, com os braos levantados, seno arranco-te a pele!

    A paz no existe, pensava Phil com desgosto. No h paraso nem nenhum lugar na terra onde ohomem no derrame sangue. Mesmo numa ilha esquecida pelo mundo inteiro! Se eu tivesseapostado contra D. Fernando, teria perdido o milho de marcos, agora, durante alguns segundostenho de fazer pontaria, o dedo apoiado no gatilho...

    Phil ripostou. No podia fazer mais nada seno disparar. Os trs homens rastejavam na suadireco.

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    Saint-Moritz! pensava Phil com um gosto amargo na boca. A barraca de tiro do jet-set, osprmios... O primeiro: um leito! Mas, l atrs, esperava o prmio que ultrapassava todos osoutros: a jovem baronesa de Saagfelden, crina loira, seios pontiagudos, pernas de gazela. Este

    concurso de tiro tinha durado at derrocada dos apostadores.

    Com os olhos quase fechados, Phil disparava agora por sua vez. Sabia o que ia acontecer. Os trshomens rastejavam na sua direco: um grito, um corpo que se empina, a queda! Depois osilncio... A segunda entrega morte.

    Segundo tiro. O mesmo processo. Terrvel, de fazer gritar! Mesmo quando se trata de legtimadefesa, uma vida que se extingue aterrador...

    O terceiro homem desistiu, no tendo mais cmplices, de se mostrar heri por mais tempo.Rastejou a recuar, levantou-se de um salto e, dobrado em dois, desceu a encosta vulcnica at margem. L, apressou-se atravs da gua, subiu a bordo do iate branco e pareceu observar Philatravs do binculo, ao mesmo tempo que se abrigava atrs da superstrutura do navio. Philabandonou o abrigo e plantou-se, com as pernas abertas, em cima da rocha de lava.

    Olha bem para mim!, pensava. Quero a paz. Porque hei-de matar? Mas devo deixar-me matar?Porque ho-de ter atirado contra mim?

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    O motor do iate com linhas perfeitas roncou de repente. Lentamente, deslizou pela entrada doestreito para o mar alto, para o oceano, sem dificuldade nem hesitao.

    J veio vrias vezes aqui, pensou Phil, mas at agora ningum o soube. Para eles, sou o intruso.Quem teria duvidado? No havia nenhuma razo para dispararem contra ;o, mim como se eufosse um coelho, ameaando-me de pedir ajuda aos tubares!

    Baixou os olhos para os dois mortos estendidos em cima dos calhaus. A vida normal tinha-oencontrado: sangue e morte. Ali onde jaziam os cadveres acabava o paraso.

    Meteu a arma debaixo do sovaco esquerdo, no voltou a trav-la e desceu prudentemente a encostaat aos corpos estendidos, como se estivessem desarticulados.

    Um busardo j tinha vindo poisar entre eles e debicava com o bico curvo e cortante o sanguecoagulado que tinha corrido de um ferida aberta na testa de uma das vtimas.

    Pela primeira vez, Phil via homens que tinha morto pela sua mo. Vira alguns mortos durante a suaexistncia; tivera at de identificar alguns deles: durante as corridas de automveis nas quaishaviam participado velhos amigos, durante os rallies de barco a motor, competies entreesquiadores sobre encostas escarpadas ou ainda corridas de bobsleigh. Tambm por ocasio daqueda de um avio privado. E, alm disso, tinha ficado sentado cabeceira da mulher a viver asfases sucessivas, atrozes, da morte de um ser terrivelmente preso existncia, que gostava de rir eno parava de se opor desesperadamente eterna escurido. Protesto que, no fim . da doena, nopodia prolongar seno por algumas horas, por alguns minutos, a ltima luta. O tempo de apertarainda a mo de Phil na sua, com a consoladora certeza de que ele se encontrava junto dela e quecontinuava a am-la no ltimo momento.

    Muitos mortos... mas nenhum tinha passado pela sua mo desta vida para o outro lado.

    Com o cano da espingarda, Phil tentou afastar o busardo bebedor de sangue. Mas o necrfago, toconfiante como todos os animais do ilhu, no se deixou intimidar. Com os

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    olhos parados de ave de rapina, olhava para Phil com espanto e continuava a debicar as tmporasdo morto.

    Mesmo quando Phil lhe bateu na cabea com o cano da arma, contentou-se em saltar trs passos

    para trs, voltando a plantar-se em seguida em cima dos calhaus de lava e a consider-lo com umolho crtico.

    Phil Hassler ajoelhou-se junto do primeiro morto e voltou-o de costas. Era um homem na fora daidade, com cerca de quarenta e cinco anos, moreno, olhos azuis, cujo olhar vtreo expressava oespanto mesmo na morte. A corrente de oiro que rodeava o pescoo desta poderosa figurarepresentava um leo a saltar. Phil procurou papis nos bolsos das ; calas, de ganga, mas omorto no tinha nada consigo. > Tal como o primeiro, o segundo homem abatido parecia

    europeu. Era mais baixo que o outro, mas mais musculado. Tinha cabelos castanhos, uma cicatrizna base do nariz e restavam-lhe nove dedos. O dedo mindinho da mo esquerda faltava.Aparentemente no tinha sido amputado por um cirurgio. A cicatriz era grosseira como se o

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    homem tivesse perdido o dedo durante uma funesta aventura, o que podia explicar o seu receio derecorrer a um mdico.

    Os revlveres encontrados perto dos cadveres eram do melhor fabrico americano, de grandecalibre: deviam provocar feridas difceis de sarar! Phil extraiu uma bala do tambor. Tinha sidoserrada frente, o que fazia dela uma espcie de bala dundum absolutamente mortal. Estavaprovado que se tratava de bandidos profissionais!

    Os trs homens - dos quais um lograra salvar a pele conheciam portanto a ilha das Sete Palmeiras.O barco deles tinha atravessado os obstculos da baa com demasiada segurana para ser de outramaneira. A ilha desabitada, acerca da qual o governador Pers Domingo dissera que quem vivessenela se esquecia at das lgrimas, no era uma terra deserta. Trs homens, pelo menos, tinham-naconsiderado propriedade sua. Para eles, Phil Hassler era um intruso; logo, haviam disparado semavisar. Porqu?

    Era a pergunta-chave que Phil tinha colocado a si mesmo desde o comeo do tiroteio e que noparava de repetir. Porqu aquela fria determinao de destruir? O que tinha isso

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    a ver com as Sete Palmeiras? Que segredo se escondia naquelas falsias de lava, nas cavernascavadas pelo oceano, nas rochas de basalto e de granito, nas encostas cravejadas de obsidianas ecobertas de areia vulcnica?

    O busardo voltou a aproximar-se a saltitar; queria continuar o repasto. Phil enxotou-o com o canoda espingarda e bateu-lhe na cabea. Mas a ave continuou no mesmo lugar, recomeando a piscaros olhos.

    Os testemunhos acerca das Galapagos, nos livros, so verdadeiros, pensava Phil. Basta aoscamponeses sacudirem as rvores onde se empoleiram os busardos e eles caem entorpecidos. Nadamais fcil que apanh-los! A selvajaria, aqui, no est no lado que pensamos...

    Phil voltou para os cadveres que estavam a seus ps. O segundo tambm no tinha papis deidentidade. Arrastou os corpos at ao cimo da ilha, no planalto, e cavou uma sepultura para cadaum na areia vermelha. Era um trabalho esgotante! Os cadveres eram pesados!

    Depois de dois dias de esforos, os mortos estavam enterrados, com grandes blocos de lava emcima. Phil perguntou a si mesmo se os dois homens teriam acreditado em Deus: Se no forameles, foi a me deles com certeza, pensou; farei, pois, um sinal.

    Na madeira dura e em parte nodosa dos troncos, que mediam s vezes at quinze metros de altura,talhou duas cruzes, que colocou entre os blocos de lava.

    Passado este episdio, a vida retomou o seu curso na ilha das Sete Palmeiras. tarde, muitasvezes, Phil olhava para longe, por cima do oceano avermelhado pelo sol-poente. Quando o ventosoprava de feio, ouvia, vindos da outra extremidade da ilha, os grunhidos, gritaria e fungadelas

    dos lees-marinhos.

    s vinte e uma horas, rodava o boto do transistor e ouvia Rdio Equador ou o pequeno emissor deondas curtas da estao de pesquisas Darwin, de Santa Cruz. Ouvia sambas, tangos, rock, canesem voga e, de vez em quando, notcias do mundo inteiro. A estao Darwin, mais discreta, forneciaindicaes meteorolgicas, informaes sobre a fauna e a flora das ilhas, ou comentrios sobre asltimas investigaes cientficas.

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    Os seus trabalhos nas Sete Palmeiras avanavam: arranjo da caverna, que, pouco a pouco, se iaparecendo com uma casa com varanda, terrao e beiral; sementeira das terras arveis;

    domesticao das cabras-selvagens e dos porcos; pesca nas lagoas e secagem dos peixes emespetos; observao das germinaes nos solos semeados - sem esquecer uma inicial comoo vista de minsculos rebentos verdes sados da terra. Tratava-se de salsa, de uma salsa alem igual da horta da av, atrs da casa, perto da cozinha...

    Quando viu os pontos verdes a colorir o solo, Phil voltou para a caverna e instalou-se num bancofeito pelas suas mos, no canto mais retirado. Chovia, pela primeira vez depois de nove dias.

    Tenho saudades da terra pensou. Meu Deus, sinto saudades! Tenho vontade de chorar. Chorarpor causa de um p de salsa vindo da terra! No devo permitir-me isso, nunca! Sou o homem maisfeliz do universo...

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    - Sou eu, o polcia! - respondeu Phil. Tirou debaixo da nuca dela a camisa enrolada e p-la sobre opeito da jovem mulher. Este gesto pareceu surpreend-la vivamente.

    - No me diga! - disse ela. - E que mais?

    - Eu sou aqui o chefe do Estado, o primeiro-ministro, o ministro dos Negcios Estrangeiros, doInterior, da Justia, da Educao, da Agricultura...

    - Falta o ministro das Finanas!

    - No temos disso por aqui. - Phil fez um largo gesto com o brao: - um pas sem finanas. -Depois perguntou-lhe num tom cortante: - Donde vem? Quem voc?

    - Chamo-me Evelyn Boll - disse ela calmamente. O nosso iate naufragou com a tempestade; verdade que eu sou a nica sobrevivente?

    - Parece-me provvel.

    Phil olhava para o oceano pouco agitado. Uma tempestade, pensou, que engoliu um navio? Nsno tivemos nenhuma tempestade por aqui nas ltimas semanas, ainda no vi nenhuma aqui!

    Parecia que a recordao das ltimas horas vividas no mar tinha paralisado de repente a jovemmulher. Tentou levantar-se, conservando a camisa de Hassler contra ela, depois encostou-se parede de granito polido, com os ps apoiados na areia vulcnica. Olhava fixamente, em silncio, omar preguioso. Parecia no ver o voo das fragatas, que descreviam graciosos crculos por cimadas guas.

    - Completamente s - disse por fim.

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    Hassler esperava. Ela devia, apesar de tudo, ter experimentado um choque. Sobreviver sozinha auma tempestade no oceano, ver um navio com os seus passageiros desfazer-se sob os golpes dasvagas altas como casas antes de desaparecer nos abismos marinhos - para suportar este espectculo

    so necessrios nervos slidos.

    Mas onde se teria desencadeado a tempestade? Naqueles dias, o seu transistor tinha-lhe transmitidonotcias da Estao Darwin, que dava regularmente a situao meteorolgica. Nem uma palavrasobre qualquer tempestade.

    - No est sozinha - disse Hassler - porque eu estou aqui!

    - uma estranha consolao! - troou ela.

    - Serei eu um tal papo? o o,;.?

    - Voc despiu-me.

    - Para lhe salvar a vida. Voc estava estendida na baleeira. Tinha de me certificar que ainda vivia!Ter-me-ia talvez entregue a tentativas de reanimao.

    - mdico? g,

    - No!, no ria: sou industrial! ; - Trabalha as nozes de coco?

    - No h disso por aqui, onde s se encontram lavas, rochas de granito e de basalto, areiasvulcnicas, e fendas no solo que so vestgios de antigas erupes. Pode pendurar dentro delas um

    bocado de carne, ficar cozido em cinco minutos. Sabe o que uma pizza!

    - Evidentemente!

    - Ento oia, vai saber qualquer coisa de verdadeiramente espantoso: descobri uma caverna a seismetros da minha casa. Nessa pequena gruta, uma pedra de granito partida ao meio assemelha-se auma espcie de tabuleiro de forno e podem-se ali cozerpizzas apenas com o calor que sai do ncleoterrestre em fuso!

    - Tem uma casa? - perguntou ela, olhando mais uma vez em volta. Continuava a apertar a camisade Hassler contra o peito nu. - louco?

    - A est uma pergunta que me foi familiar durante a minha anterior existncia. - Hassler deu umagargalhada.- No consegue dizer outra coisa?

    - No parece um perseguido.

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    - Estou farto da civilizao. Percebe?

    - Talvez.

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    - Como inevitvel ficarmos juntos, pelo menos durante algum tempo, contar-lhe-ei amanh, oudepois de amanh, a histria de Phil Hassler. - Colocou-se na frente dela debaixo do sol matinal.Ela levantou na sua direco um olhar interrogativo.

    - Julgo - disse Phil - que o melhor ser vir comigo at casa para se refrescar com gua doce. O sal eo sol podem queimar-lhe a pele como cido.

    - Volte-se!

    O olhar dele deslizou pelo mar e ouviu-a levantar-se atrs de si.

    - Pode olhar para mim.

    Vestira a camisa de Phil e arregaava-lhe as mangas. Tinha-a abotoado at ao pescoo. A camisapendia como um saco volta do corpo elegante, disfarando as suas formas to graciosamentefemininas. Agora que estava de p, parecia mais alta e mais delgada. Ela notou-lhe o olhar e sorriu,trocista:

    - Contente com o destroo recolhido?

    - Sabe muito bem que bonita.

    - E voc sabe como eu sou completamente nua. At agora, s os meus amantes tinham esseprivilgio.

    - Teve muitos?

    Ela no respondeu, passou na frente dele para descer a encosta at ao mar num passo leve dedesportista. Parou diante do barco encalhado na areia, inclinou-se por cima da borda e tirou de lqualquer coisa. Era um pequeno saco de plstico que Hassler no tinha notado.

    Ele esperava-a sombra das rochas granticas. A cabeleira dela brilhava com um reflexo acobreadodebaixo do sol j alto. Tinha tapado as pernas com as calas brancas rasgadas, por cima das quaisflutuava a camisa muito larga de Hassler.

    bonita pensou ele. Diabo, bonita! Podia vestir um saco de batatas, teria o mesmo xito. Noanda, os seus ps acariciam o solo.

    Arrancou-se a este enternecimento potico e prometeu a si mesmo mostrar-se particularmentefirme em relao a ela: Refugiei-me numa das ilhas mais solitrias do mundo para a ser felizcompletamente sozinho. E eis que uma mulher me

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    vem importunar de novo! E to bela! O destino uma maldita alcoviteira. Evadi-me dos meushbitos e eis que uma deusa surge das ondas!

    Como te sentias nas primeiras horas de solido nesta ilha, enquanto a canhoneira de D. Fernandodesaparecia no horizonte e tu tinhas mo um mao de cigarros molhado? Tinhas uma vontadeferoz de fumar, uma sede frentica de conhaque, confessa-o, um desejo feroz de presena feminina.

    Encostaste-te s caixas, com o olhar por cima do mar, e experimentaste um pnico indescritvel aopensares na solido. Em pensamento, fugiste para Viena, para junto de Marianne e de Blondie, deFifi e de Deus sabe que rameira, at ao momento em que reencontraste bastante razo para voltaresfinalmente para a tua ilha com sete palmeiras. Um mundo digno de Ado e Eva!

    Nos primeiros meses da sua permanncia, Phil verificara que a sua ilha era bastante rica para lheoferecer tudo aquilo de que necessitava. Quando a noite chegava, afundava-se no colchopneumtico e adormecia de imediato, com os msculos a doer, as palmas das mos magoadas pelotrabalho do dia. Muito cedo, estava de novo de p na frente da caverna, tomava banho nu no mar,ordenhava as vacas, comia o po que tinha cozido (cuja farinha tinha vindo de um moinho deColnia), bebia a gua clara e fresca da fonte que brotava atrs da sua caverna e retomava otrabalho onde o tinha largado na vspera.

    Soubera reconstruir a sua vida!

    E tudo melhorava de dia para dia, de noite para noite. Quando deixou de sonhar com mulheres -sonhos que o atormentavam nas primeiras semanas de exlio -, agarrou no frasco chato revestido decouro, cheio de conhaque e bebeu sua prpria sade.

    E, subitamente, tudo muda!

    Um barco encalhado, uma mulher de rara beleza. Agora, ela caminha no seu passo ondulante, comas calas subidas at aos joelhos, os seios livres debaixo da camisa.

    Ele cerrou os dentes: Phil, meu velho, nada de brincadeiras! Continua fiel s tuas decises!

    - Eu sabia que tinha trazido qualquer coisa - disse ela, quando se encontrou diante dele. Balanavao saco de pls-

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    tico, no qual estava escrito a vermelho Vronique boutique, Cannes.

    - Meu Deus! - exclamou ele falta de melhor.

    - O qu?

    - Cannes, meu Deus!

    - Ah! Est a falar deste saco? - Ela releu a direco. Foi h um ano. Como que este saco aindaestava no iate e eu o agarrei... Foi puro acaso.

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    - Que iate? ooi?; ,;- v..-. -: < .. &?.;;>

    - O Prova damore. ; ; ; .

    - Como? >

    - italiano...

    - Eu falo italiano. Prova damore, que nome estpido para um barco de recreio!

    - Estpido, porqu? Um barco no pode ser um testemunho de amor?

    - De um dos seus adoradores?

    - Comea a mostrar-se impertinente!

    - Quem quer que fosse, o possuidor deste testemunho amoroso devia ter pouco gosto para o amor.Um barco podre...

    - Oh!, voc pssimo!

    - A baleeira o carto-de-visita de um barco. Pintura deteriorada, nenhum nome proa, madeiracarcomida: o seuplay-boy era um sovina ou um pobre diabo! Eu conheo um pouco de iates. Tive,at, um dos mais belos iates no porto de Saint-Tropez.

    - E ei-lo agora como um Robinson? Fez negcios ilcitos?

    - Sim.

    - Era o que eu pensava!

    - Aborrecia-me. Ento voltei vida primitiva. No discutamos isso agora. Na regio da Rennia,diz-se: cada madrao diferente!

    Ela disse que sim com um sinal de cabea e puxou o fecho de segurana do seu saco:

    - Estou ento no nmero dos madraos. Sabe o que eu salvei deste naufrgio entre tantos objectosde que ainda me podia ter apoderado? Os meus produtos de beleza! - Tirou do saco uma bolsinha

    chata. Hassler conhecia aquele gnero de objecto. Feita da mais bela pele de serpente, castanho-

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    Seguiu Evelyn com o olhar, admirando-se com o seu instinto. Qualquer outra mulher teriaperguntado:

    Como vamos subir este rochedo? Ela no. Tinha encontrado o caminho com a segurana de umacabra-monts.

    Ela tem de deixar a minha ilha pensava Hassler, enquanto a seguia. Vou imediatamentetransmitir uma mensagem! Se fica aqui mais de quarenta e oito horas, estou perdido. Eu conheo-me. No se pode ficar tranquilamente sentado junto de uma tal mulher a falar da chuva e do bomtempo, ou a grelhar peixes numa fogueira! Uma mulher uma provocao para cada macho!

    Apanhou-a precisamente antes das rochas de lava e ficou perto dela. Continuaram silenciososdurante a subida, mas quando se encontraram no cimo, perto das sete palmeiras, Hasslerultrapassou-a, depois parou diante do terrao da sua caverna-casa. Foram acolhidos pelo berreirodas cabras e dos leites, que esfregavam a pele contra as ripas de madeira da pocilga. A hortarecm-semeada mostrava rebentos minsculos.

    Evelyn Boll respirou profundamente duas vezes, depois dirigiu-se para o banco de madeira rsticoe sentou-se. A vista que se tinha do resto da ilha vulcnica era assombrosa. Distinguia-se at labaixo baa e para l das trs barreiras de recifes no infinito do oceano. Mas a sensao de solidoapertava o corao.

    - Quanto tempo vai suportar esta situao? - perguntou ela.

    - At ao fim.

    - Quer ser enterrado aqui?

    - Estou-me nas tintas. - Deu uma gargalhada amarga: Posso ser cremado!

    - Foi industrial, disse?

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    - Sim, toda uma cadeia de fiaes de seda, de casas de confeco ou de criaes de moda.

    - Incrvel. - Ela sacudiu a cabea: - Eu ficaria louca aqui.

    - Se estamos habituados s vassalagens...

    - Onde diabo o seu famoso banho de gua doce? exclamou ela de repente. Ps-se de p de umsalto. Os olhos estavam sombrios.

    - S lhe posso oferecer uma tina feita com as minhas mos, uma banheira talhada a golpes demacete na rocha. Deu-me c um trabalho! A tina j existia cavada pela gua, mas eu preferialarg-la. Tambm tem gua corrente: uma pequena fonte desce do rochedo para esta bacia emminscula cascata. Um duche natural! - Apontou vagamente, na paisagem rochosa, uma regio deaspecto lunar. - Mais tarde, apresentar-lhe-ei os meus animais selvagens. Dei-lhes nomes dasminhas velhas tias: quando chamoAlma a um deles, lembro-me imediatamente da minha infncia.Ento, sinto-me menos isolado...

    Levou-a at fonte que brotava por cima de uma cavidade quase polida. Um tronco de rvorecortado em toda a sua extenso permitia chegar l a fim de encher de gua os barris de plsticocomo preveno contra a seca.

    - Vou trazer-lhe sabonete e uma toalha. Que tal acha a minha sala de banho?

    - Se no aparecer nenhum rato... - disse ela com um ar assustado.

    - Garanto-lhe que no vai aparecer.

    Voltou para a caverna, procurou um bocado de sabonete de jasmim na sua caixa de provises eatirou para cima do brao a mais bela toalha de banho. Quando voltou fonte, ela tinha tirado ascalas, debaixo das quais usava um minsculo slip verde-claro que acentuava mais o comprimentodas pernas. Verde, pensou Phil; verde como uma parra: estamos mesmo no paraso!

    Pousou o sabonete e a toalha no rebordo do rochedo esculpido e voltou para a caverna, onde psum caldeiro cheio de gua sobre um fogo crepitante, a fim de preparar o ch. Depois, pelaprimeira vez desde h semanas, tirou para fora o seu posto emissor, colocou-o no terrao, puxou alonga

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    antena at primeira das sete palmeiras e esperou que aquela instalao lhe permitisse chegar aoaerdromo de Balira ou estao martima Academy Bay em Santa Cruz. Espantou-se de ter topouca vontade de proceder a uma emisso e levou mais tempo que o habitual nos preparativos.

    - Ela tem de se ir embora, Phil! - disse em voz alta. Meu velho, que farias tu de uma rapariga comoesta?

    Ps os auscultadores, regulou a frequncia indicada para chegar a Santa Cruz e admirou-se de ouvirto nitidamente o emissor martimo. Uma voz enfadonha dava as horas das mars, informaesmeteorolgicas e passava mensagens particulares destinadas aos marinheiros embarcados. Phil

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    runa. A antena ligada palmeira baloiava tristemente. No seria possvel qualquer reparao.

    Lentamente, Phil voltou para o banco e sentou-se ao lado de Evelyn. J no tremia, mas conservava

    os olhos fechados.

    Foi um trabalho bem feito!

    - Eu... no quis isto... encalhei em qualquer coisa... disse baixinho. - Que podemos ns fazer?

    - Eis a questo! Nada mais, absolutamente nada: a resposta. Estamos isolados do mundo parasempre.

    Ela levantou-se e colocou a toalha sobre o ventre:

    - Mas como isso possvel? - balbuciou. - Algum h-de vir com certeza dentro de pouco tempover o que lhe aconteceu!

    - Ningum vir. Foi combinado que apenas viriam ilha das Sete Palmeiras se fosse eu a pedirajuda. Por mais tempo que eu fique calado, ningum se preocupar comigo. O emissor estdestrudo, portanto calo-me definitivamente.

    - Isso... no possvel... - gaguejou ela. Os olhos tinham-se tornado sombrios, enormes: - Parasempre?

    - Sim. Seremos os humanos mais solitrios do universo. Miss Evelyn Boll, tropeou num tempoque no tem medida... o dos isolados.

    Era uma constatao dramtica, mas definitiva. ,;

    Se daquele dorso montanhoso se observasse a ilha vulcnica, os campos de lava, as trs barreirasna frente da baa, a imensidade do oceano, o mundo das ilhas na sua maioria inexploradas,percebia-se que uma nica coisa contava a partir de ento: sobreviver!

    O que Phil no mencionou, todavia, foi a existncia do pequeno motor fora de bordo guardado nacaverna do material e das provises. Se se lhe juntasse um barco macio em material plstico,barris de gasolina e leo para o motor, foguetes de alarme e a promessa jurada por D. Fernandoquando tinha abandonado a canhoneira: No vale a pena irritar os loucos, senhor Hassler, masquer queira quer no, quando eu passar junto de si, durante as minhas viagens de vigilncia, deitar-

    lhe-ei uma olhadela... Pode demorar alguns

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    meses daqui at prxima vez, mas voltarei com certeza, prometo-lhe, mesmo que no emitanenhuma mensagem!

    Alguns meses... sozinho com esta mulher numa pequena ilha...

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    Phil Hassler continuou sentado no banco. Viu Evelyn caminhar com grandes passadas de um ladopara outro no seu desespero impotente, depois agachar-se perto do emissor desconjuntado e tentar,como uma criana culpada, voltar a ligar os fios cortados. Depois voltou para junto dele.

    - Como pode parecer to tranquilo, to diabolicamente calmo? - exclamou.

    - Preciso de me ralar? No ser isso que juntar os bocados!

    - Apesar de tudo, tente alguma coisa!

    - essa a minha inteno, distinta Miss Boll. Mas nada de pressas: sei que no conseguiria! Vocrolou por cima deste posto vontade! Ter de renunciar durante muito tempo aos seus amantes decabelos encaracolados. Agora, deixe-me pensar em paz. Eu tambm tenho de me habituar a umisolamento total, se ainda tivssemos um rdio podamos ouvir as notcias do mundo... mas ns jno vivemos nesse mundo.

    - Voc quis esta existncia! Fugiu da civilizao para viv-la!

    - Eu, sim. Por isso estou completamente tranquilo. Mas voc? Ser obrigada a aprender a ordenharvacas, cabras-selvagens, a matar porcos...

    - Nunca! Nunca! Nunca!

    Abandonou Phil, correu para a caverna, onde ele a ouviu atirar os objectos em todos os sentidos.Quando voltou a sair c para fora, trazia outra camisa de Phil e as calas brancas rasgadas e sujas.Tinha alisado o cabelo e pintado os lbios... com um baton brilhante, agressivo.

    - Muito bonito! - aprovou Phil tranquilamente. Tinha tido tempo de pensar o que iria acontecer aseguir. - Muito sedutora! A minha camisa fica-lhe a matar!

    - Foi a mais estreita que encontrei.

    - De facto, j no consigo fech-la na barriga. Engordei nesta solido, mesmo vivendo quase s deleite!... At tenho uma barriguinha pateta.

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    - O seu descaramento odioso! Sabe muito bem que tem o aspecto de um desportista e que aindapor cima um belo homem.

    - A sua experincia julga-me assim, Miss Boll? Teve algum amante atleta?

    - Na prxima vez, atiro-lhe um martelo cabea! Acabo de ver um perto da lareira... - Sentou-sejunto dele n banco, com os joelhos cerrados, e observou intensamente, para l das trs barreiras delava que barravam o oceano, a mar, que estava a subir.

    - Consegui passar por aquilo? - perguntou em voz baixa.

    - Como est a ver, foi um prodgio...

    - E voc no pode reparar o seu aparelho emissor?

    - No tenho esperanas. Alm de tudo, sou um mau radiotcnico, nunca tendo tido qualquercuriosidade nesse domnio. No sou eu quem o vai reparar!

    - Tenho fome! - disse ela de repente. - Que horas so? Ele consultou o relgio:

    - Onze horas e dezanove, hora local; verdade, ainda no tommos o pequeno-almoo, que vaiconsistir em ovos, carne fria, ch e, daqui a menos de uma hora, leite. Prefere uma omeletacozinhada num vulco? De Nova Iorque a Paris, nenhum grill lhe far esta proposta! Digamos...uma omeleta no magma vulcnico... Enquanto espera, descanse. A minha cama est suadisposio. Eu dormirei na caverna, na cozinha aquecida pelo fogo da terra.

    Ela aprovou com um aceno de cabea e pareceu achar esta ateno muito natural. Depois apontoupara as cabras na cerca:

    - No gosto de leite de cabra.

    - J estive nas minhas pastagens esta manh, ao alvorecer, para procurar as minhas vacas selvagense ordenhei-as. Sabe cozinhar?

    - Sim! - disse ela num tom arrogante. - Ch, com certeza, ovos tambm, mas voc no tem po.

    - O padeiro est hoje fechado, mas a partir de amanh vai respirar o cheiro do po acabado decozer. O simples pensamento de ter de viver consigo a partir de agora quase que me mata!

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    Ela levantou-se bruscamente e ele viu como, debaixo da camisa, os seios se elevavam ao ritmo darespirao, agitada. Meu Deus, pensou, no sucumbas, meu velho!

    - Vou fazer o ch - disse ela.

    - E eu vou buscar ovos frescos... Amassarei po a partir de amanh na caverna nmero quatro, oforno est l. Porque a senhora encontra-se no meio de uma aldeia, Miss Evelyn. As cavernas quevi at agora tm dimenses que permitem abrigar vrias centenas de pessoas...

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    Ela sobressaltou-se. - Porque que no casada? - perguntou ele. - Aos trinta anos!

    - E voc? Aos quarenta e seis!

    - A minha mulher morreu com um cancro.

    i; - Desculpe, no sabia - disse ela a meia voz. i - Porqu? S nos conhecemos h doze horas e nosabamos nada um do outro. Ah! desculpe: eu sei que voc teve muitos amantes!

    - S lhe disse isso num momento de clera, Phil! - Os seus olhos verdes conservavam-noprisioneiro enquanto tirava a lmina da faca metida na madeira da mesa a fim de cortar uma fatiade carne. - Acreditou mesmo?

    - Sim, um homem que passasse sem a ver s podia ser um cego ou um desgraado. At cegopararia, creio. Sentiria a sua vibrao.

    - Eis os cumprimentos de rotina!

    - verdade! Nunca passei junto de uma mulher bela sem lhe dizer que era bonita.

    - Deve ter sido uma pessoa cheia de si, perfeitamente antiptica! - disse Evelyn Boll. - Teriacorrido consigo sem remorsos.

    - Talvez - disse ele, levantando o copo de plstico cheio de gua lmpida. - sua sade, MissEvelyn! A gua um bem raro. Prefiro-a neste momento aos vinhos de Bordus ou vodca daSibria. Prometo-lhe que vamos viver cem anos!

    - Estive noiva duas vezes - disse ela, sem prembulos, depois de ter bebido alguns goles -; masambos eram piratas !

    - So experincias instrutivas! - respondeu ele. T-lo-ia esbofeteado de boa vontade por aqueleltimo sarcasmo. As asas do nariz dilataram-se enquanto continuava:

    - Era bailarina e manequim. Depois do bacharelato, devia formar-me em medicina, mas fugi decasa.

    - Com o pirata nmero um.

    - Sim, era professor de tnis.

    Adivinhei mesmo!, pensou Phil alegremente. A minha primeira impresso estava certa.

    - Foi esta a minha vida - disse ela, ao mesmo tempo que mastigava a carne.

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    - Curta e simples, estou a ver; a minha foi muito mais complicada. Falaremos nisso mais tarde,temos cinquenta e quatro anos para o fazer, se eu chegar aos cem anos...

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    - Ressono assustadoramente, Evelyn. A minha mulher suportava-o por amor de mim. As minhasamantes aguentavam-no porque eu lhes pagava. Como voc no nem minha mulher nem minhaamante, no lhe posso impor a minha doena.

    - Vamos tentar, Phil.

    - Prefiro no tentar esta experincia. - Dirigiu-se para a sada e endereou-lhe do exterior o ltimoaceno com a mo: - Durma bem, Evelyn, e no tenha medo. Aqui no h ladres nem piratas;ningum a incomodar!

    - Phil...

    Ele parou e voltou para a entrada da caverna:

    - Sim?

    - Obrigada - disse ela em voz baixa. - , contra a minha expectactiva, um homem sensato.

    - Olhe, nunca tinha pensado nisso! - Riu e desapareceu no escuro.

    Durante a noite, teve a sensao que algum se tinha estendido encostado s suas costas. J se tinhahabituado. De tempos a tempos, uma iguana vinha estender-se a seu lado.

    Phil voltou-se para o outro lado e empurrou a iguana. De repente, ficou completamente acordado.O que ele tocava no era uma criatura com pele spera, mas uma epiderme tpida e acetinada.Sentia nas palmas as curvas de dois seios e a protuberncia endurecida dos bicos. Ao levantar-se,

    tirou a manta de l. Apesar da escurido que reinava na gruta, apercebeu-se de que ela estava nua.Nesse momento, aproximava-se de si mais estreitamente.

    - Evelyn - disse com uma voz rouca. - Tnhamos combinado...

    - Tive medo de estar sozinha na caverna, Phil...

    - Desde h quanto tempo est deitada junto de mim?

    - Desde h bastante tempo... Voc ressona de facto assustadoramente!

    - Eu preveni-a!

    - Mas habituamo-nos a isso. tranquilizante e pensamos: este homem junto de mim est vivo!Ressona! Despertar de manh e recomear um novo dia! Com ele.

    - Evelyn... - Debruou-se para ela. Dois braos vieram envolver-lhe o pescoo e puxaram-no nadireco dela. Um

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    corpo liso vinha ao encontro do seu corpo, a sua tepidez irradiava at ele. - No quero isto! -balbuciou. - Prometi a mim mesmo...

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    - Eu sei, mas isso no faz sentido! O que que tu disseste? Temos ainda cinquenta e quatro anos nanossa frente...

    Cobriu-a de beijos, deixou-se cair contra ela e no pensou mais.

    Phil acordou primeiro. O seu relgio interior tinha-se modificado depois daqueles meses passadoss. Outrora, depois de uma noite de amor, teria mergulhado na piscina cerca das dez horas, para seatirar em seguida para a barra de ginstica e finalmente se sentar tranquilamente mesa dopequeno-almoo. Neste momento, o seu organismo reagia ao menor raio de sol ainda invisvel hora a que nasce o dia.

    Outrora, ter-se-ia instalado na frente de um estendal de garrafas de rum, de bules, de pezinhos, dejornais, com o telefone mo. Telefonava para os chefes de seco, para os directores comerciais,para todos os postos importantes das suas fbricas. Tudo ia to bem sem ele que rapidamente sesentia suprfluo. Que eu esteja vivo ou morto, pensava muitas vezes, pouco importa. Asfbricas tm os seus directores, as oficinas os seus chefes, o departamento das exportaes oscompradores e os vendedores. H uma direco financeira, uma direco do comrcio externo e omeu procurador domina o conjunto. Quanto a mim, se as firmas usam o meu nome, a nica coisaque lhes dei nestes dois ltimos anos. Haveria pelo menos algum para me lamentar se,subitamente, eu desaparecesse?

    Phil Hassler afastou-se cautelosamente de Evelyn e deslizou para fora da manta. Diante da entradada caverna, a aurora j se anunciava. Hassler saiu l para fora nas pontas dos ps a fim de respirar oar refrescado pelo mar.

    Nu, correu para a fonte no rochedo e colocou-se debaixo do jacto, que rebentava numa nuvem depoeira lquida. No cu apareceram as primeiras listas douradas, o mar escuro coloriu-se de azulsemeado de pontos amarelos, as formas extravagantes das rochas vulcnicas esbateram-se, o soltriunfou.

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    i*

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    acompanhado por um movimento violento de resistncia de todo o corpo, ao qual sucedeu umabandono total.

    Afundou-se, com os msculos relaxados, os olhos fechados, os braos a oscilar lentamente, semfora, de cada lado da cama estreita.

    - Evelyn! - gritou ele assustado. - Em nome do cu, o que que tens?

    Separou-se dela, ajoelhou-se ao p do leito e agarrou-lhe a cabea entre as mos. Um sorrisoaflorou-lhe ento aos lbios, uma estranha claridade acariciou-lhe a face. Abriu os olhos e pareceudivertir-se com a preocupao de Phil.

    - Bom dia, Phil - disse a meia voz. - Que belo dia! Nunca o comeo de um dia me pareceu to belo.

    A primeira refeio matinal tomaram-na no terrao, numa nudez paradisaca, protegidos, por umatoalha nos ombros, dos raios j ardentes do sol. Estavam sentados, um encostado ao outro, pelecontra pele, como se j no lhes fosse possvel separarem-se.

    Falavam pouco. O que diriam eles sem ser tu e eul O xtase mudo.

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    - Uma vez que era aqui o nico homem...

    - Mas eram trs... - interrompeu ela.

    - No, vim sozinho para esta ilha.

    - Os outros estavam ento aqui antes de ti?

    - Talvez. No sei. Seja como for, quando os encontrei, acabavam de desembarcar. Talvez no fossea primeira vez. Nem pensaram em arranjar tempo para se me apresentarem.

    - Disparaste contra eles?

    - Sim. Tinha de ser. Esqueceram-se de se explicar e atiraram primeiro. No podia agir de outraforma. - Apertou a espingarda debaixo do brao e abanou a cabea: - tudo. No te posso dizermais nada, porque no sei mais... No os conhecia e no tinham com eles nenhum documento deidentificao.

    - E o que que queres fazer agora com essa arma?

    - Abater um leito em tua inteno. Quero ass-lo no espeto. Eu sei, abater um porco com umaespingarda no normal, mas confesso que no sou capaz de matar um animal com as minhasprprias mos. Foi sempre assim, mesmo durante as grandes caadas para as quais era convidado:eu disparava, mas nunca teria esfolado um cabrito-monts... Nunca! Fiz essa aprendizagem aqui, nailha, e os comeos foram dolorosos... - Olhou de novo para os seios nus: Vais apanhar um escaldo,Evelyn!

    - Vou j vestir-me e vou limpar a tua... a nossa caverna!

    - Repete o que acabas de dizer, peo-te!

    - A nossa caverna, Phil!

    - Tudo me parece sob uma nova luz!

    - Vai ento, e f az o teu trabalho!

    - Obrigado - disse baixinho.

    - Porque me agradeces?

    - Porque no duvidas de mim. Essas duas cruzes... Os mortos que esto debaixo delas... Poderiasamar um assassino?

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    - Meu Deus, Phil, no faas perguntas dessas! So inteis: sei que no matarias ningum se nofosses obrigado a isso para salvares outra vida.

    Voltou-se e correu para a caverna. Phil ficou mais um momento de p, pensativo, e ouviu-a fazerbarulho com um balde, depois foi at pocilga dos porcos.

    Quando voltou, uma hora mais tarde, viu Evelyn sentada no longe das sete palmeiras, em cima deum bloco de rochas, ocupada a maquilhar-se muito cuidadosamente com a ajuda da sua pequenabolsa de produtos de beleza salva do naufrgio. Sombra para as plpebras, lpis para assobrancelhas, baton para os lbios. De tempos a tempos, quando mexia na bolsa, o nicoespelhinho de que estava munida enviava um claro. Pintava-se com a mo direita enquanto aesquerda mexia nervosamente nos objectos contidos na bolsa.

    Meu Deus, amo-a de verdade!, pensou Phil. J no sentia nada disto h muito tempo, pelomenos nunca to claramente como hoje! Desde a morte da minha pobre Ziska, s tive aventuraspassageiras, e o amor no passava de um negcio de sexo. Neste momento, podia correr para ela ecair a seus ps. Queria dizer-lhe: peamos ao Cu para vivermos juntos duzentos anos!

    Encostou-se entrada da caverna e olhou para Evelyn, que estava a vinte metros dele, dentro dacamisa, que se tinha tornado muito estreita para si, e do seu minsculo slip verde. Tocava naplpebra do olho direito com um dedo coberto de p cor de malva. A mo esquerda, nervosa,deslizava sobre as rolhas brilhantes dos frascos da sua bolsa de produtos de beleza.

    Phil, no seu enlevo, no percebeu que Evelyn, ao mesmo tempo que se pintava com a mo direita,carregava com a mo esquerda nas teclas de um aparelho miniatura que emitia em morse.

    A sua bolsa de beleza era um pequeno emissor extremamente perfeito.

    Bastou-lhe um momento para perceber que Phil a observava. No fez nenhum movimento desurpresa, mas voltou a bolsa de tal forma que conseguiu ver Phil no espelho e esperou a suareaco. Teria ele notado o que ela estava a fazer?

    50

    O que iria acontecer dentro de segundos? Como se portaria ele, agora, depois de uma noite passadaem conjunto?

    Confessou a si mesma que tinha medo.

    Evelyn continou a maquilhagem calmamente. Mas a mo direita perdeu a segurana. Passou nasplpebras p azul, acentuou os contornos dos olhos e pintou ainda os lbios de vermelho, enquantocom a mo esquerda transmitia em morse: Terminado. Esperar envio de informaes posteriores.Nenhuma preocupao. Tudo corre bem.

    Acabada a maquilhagem, Evelyn fechou com um rudo seco o estojo, colocou-o a seu lado em cimado monto de lava e, com um gesto vivo, fez passar a camisa de Phil por cima da cabea. Com obusto nu e os seios esticados na direco do sol, ficou sentada como uma branca ninfa que sedestacasse no cu azul. A cabeleira flutuava na brisa do mar e quando se encostou para trs, sobreas mos, com o corpo esticado como um arco, pareceu querer oferecer-se toda inteira luz.

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    Phil voltou para a caverna e sentou-se, encostado ao enorme forno feito de blocos de granito queparecia uma grande grelha. Alimentava-o a lenha, e punha-lhe pedras de lava porosa e quando elas

    estavam transformadas em brasas obtinha um calor duradouro que lhe permitia cozer e assaralimentos. A cozinha era ainda mais simplificada na caverna onde existia a fenda que comunicavacom o fogo interior da terra. Ali, s tinha de colocar tudo o que quisesse na abertura vulcnica.

    Phil fez algo completamente impensado: colocou um novo braado de lenha na cavidade do forno,deitou-lhe tambm alguns estilhaos de lava e ficou com os olhos cravados nas chamas, que,lentamente, comearam a surgir. Depressa ficou a escorrer de suor, mas no se mexeu.

    Quanto tempo vai durar esta vida?, pensou, uma vez mais, durante a manh. Sou feliz. exactamente o que eu desejava e foi por isso que escolhi a solido. Fugi porque sabia que a vidaconvencional que levava acabaria por me matar. E eis-me feliz como j no era h anos, graas auma mulher! Ser preciso desistir? Poderia faz-lo, encher o meu barco de borracha, colocar ali ofundo de madeira leve, montar o motor fora de bordo e levar Evelyn estao Darwin,

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    de Santa Cruz. A travessia so apenas cento e vinte quilmetros, mais ou menos, num maractualmente calmo. Podia tentar esta aventura, porque tenho aqui tudo o que necessrio: mapasmartimos, sextante, bssola, instrumentos de navegao, bastante gasolina. Tudo isso se encontra

    na caverna n. 5, bem fechado atrs de um monte de pedras. Sim, podia tentar essa viagem, afastarEvelyn... Mas h os seus olhos verdes, o seu sorriso, o seu corpo de gata selvagem, as suas longaspernas que se fecham como tenazes por cima das minhas costas, as suas mos cujas carciasapagam toda a razo, a sua voz que murmura palavras de uma sensualidade assombrosa. Pode-se,nestas condies, preparar um barco para a partida e dizer: Vamos, sobe para bordo! Quero estarsozinho, vou levar-te para a civilizao! Poder um homem agir assim vista de uma rapariga tosedutora? Phil levantou-se e abandonou a caverna para ir procura de Evelyn.

    J no a encontrou no mesmo lugar. De repente, sem ela, a sua ilha bem-amada pareceu-lhe feia ehostil. Viu, com o seu aspecto real, as cabras, os porcos semidomesticados, as galinhas tornadasdemasiado familiares; ouviu, ao longe, mugir os animais. Voos de fragatas e de bispos-de-bassansobrevoavam a ilha e seguiam a costa a baixa altitude. Na outra costa, sabia-o, as grandes morsasestendidas nas imensas rochas chatas aqueciam-se ao sol ou debatiam-se nas guas costeiras poucoprofundas.

    Uma iguana que ainda no tinha atingido a maturidade e cujo refgio se encontrava perto dacaverna de Phil ficava estendida num bloco de basalto donde lhe mandava piscadelas de olho. Philtinha-a baptizado de Oito, em memria de um antigo companheiro de bebedeiras. Otto vonErmulungen. Antiqussima nobreza bltica, presentemente grande posio na indstria pesada. Ottofazia parte da alta sociedade; passava o tempo a perseguir assiduamente criaturas com longascrinas e longas pernas e mantinha, num regime especial, a contabilidade dos seus xitos. Este Otto,com a cara enrugada e os olhos desorbitados, parecia-se com a iguana, que abria uma grande goelade drago.

    - Onde est a Evelyn, Ottol - perguntou Phil preguiosa iguana. .,; ; ;

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    O lagarto baixou a cabea, fechou os olhos e respirou o ar longamente. Fazia calor naquela pedra,mas que delcia aquele calor trrido!

    Sentou-se de perto da iguana, levantou os joelhos e apoiou neles o queixo. O olhar errava de umlado para o outro. Evelyn continuava invisvel. O barco podre jazia l em baixo, na areia da baa.As rochas de granito e de lava, inundadas de sol, cintilavam com todas as cores.

    Ilha selvagem, desesperante, de uma beleza aterradora! S havia dezassete semanas que acanhoneira de D. Fernando o tinha largado ali e que Phil comeara a conquista daquela paisagemde frias. No precisava de mais nada, tinha ele julgado at quele dia.

    Sim... at quele dia. No conseguia transpor esta fase. Deveria continuar a mentir e, depois dadestruio do posto emissor, teria de falar a Evelyn numa priso eterna, ou seria seu dever lev-la no barco, to bem escondido, at Santa Cruz, reconduzi-la para o seio dos humanos, onde era oseu lugar? Evelyn no tinha, como ele, vindo voluntariamente para a ilha das Sete Palmeiras. Omar tinha-a rejeitado.

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    Que idade teria ela? Trinta anos, dizia. Aos trinta anos, comea a vida consciente da mulher, oprazer torna-se experincia, o amor maturidade desabrochada. Deveria enterrar uma mulher comoEvelyn, com os seus radiosos trinta anos, naquele isolamento?

    - um inferno, Ottol - disse Phil, a meia voz, iguana-macho, ofegante sobre a pedra quente. -Uma mulher veio estragar o nosso paraso. Mas com certeza s to louco como eu quando se tratade perseguir um sedutor lagarto-fmea!

    Levantou-se e comeou a procurar Evelyn, que no podia estar longe, porque tinha medo de tudo oque no conhecia: a ilha, a iguanas, os grandes ratos, os rebanhos de lees-marinhos e as grandesaves que voavam to baixo por cima da cabea. Temia o calor trrido que fazia surgir gretasabertas no cho e ficaria aterrorizada ao ouvir Phil explicar-lhe que era possvel cozer um ovo emcertas aberturas em comunicao com o ncleo terrestre em fuso.

    Phil era vtima de um drama eterno: os homens apaixonados so cegos e acreditam sem pensar emtodas as palavras sadas de uma boca vermelha bem desenhada.

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    Phil descobriu Evelyn, finalmente, aps uma hora de buscas, durante as quais a inquietao o tinhaavassalado, apesar de tudo, porque ele imaginava todos os acidentes possveis, desde a queda parao fundo de uma fenda at ao resvalamento por uma encosta que a tivesse feito despedaar-se num

    recife, no mar.

    Ela continuava a usar a sua apertada camisa e trepava um atalho feito para partir o pescoo, umaespcie de trave de lava colada, parecia, a meia altura do rochedo. Avanava s apalpadelas,encostada parede rochosa, e olhava para dentro das grutas que a esburacavam por toda a parte. Detempos a tempos, Evelyn desaparecia num desses buracos, pondo-se de gatas quando as entradaseram muito baixas. Ficava um momento no interior do rochedo, depois saa para continuar acaminhada hesitante de equilibrista sobre a prega de lava condensada.

    Phil conhecia aquele caminho. Tinha-o seguido, uma vez, por curiosidade, e nunca mais depoisdisso. Em alguns stios, a prega de lava no media mais de vinte centmetros de largura; tinha de semeter um p frente do outro, tendo, ao lado, um precipcio a pique at ao mar, eriado de recifesem pontas de agulhas. Daquela vez, Phil brilhava de suor at atingir, finalmente, um solo menosperigoso e tinha voltado por considerar a passagem arrepiante. uma loucura, conclura para simesmo, mas aquela parece-se comigo: no foi preciso eu assumir um risco idiota para saber queno recomearia?

    E agora Evelyn seguia o atalho de cortar a respirao, indo de caverna em caverna. Comportava-secom segurana, visivelmente sem medo, sem hesitao, enquanto Phil continha a respirao aoseguir a caminhada dela. Tinha-se colocado atrs de uma ponta do rochedo. Ela no podia v-lo,mesmo que se voltasse, e ele evitou cham-la, porque talvez reagisse como um sonmbulo que,assustado, cai de um telhado. Cada movimento mais vivo naquele atalho escorregadio podia sermortal.

    Um p frente do outro, centmetro aps centmetro, com o corpo um pouco dobrado em relao muralha rochosa, com as mos cravadas na pedra - s se podia avanar assim -,

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    Evelyn agia como se tivesse aprendido a escalar falsias verticais.

    Desapareceu de novo numa das cavernas, onde ficou mais tempo do que at ento. Phil sentia ummedo surdo em si: E se ela cai numa fenda no interior da caverna? J se tinha resignado a voltara pr os ps naquela trave de lava que pendia para o precipcio quando ela voltou a aparecer porfim, saindo a rastejar da caverna para iniciar o caminho de regresso.

    Naturalmente, pensou Phil enquanto respirava aliviado. As trs ltimas cavernas soinacessveis mesmo atravs deste caminho na rocha. E porque havia de visit-las? Quem viu umaviu todas; so apenas buracos cavados pela eroso ou bolhas cheias de ar que tornam corcunda aparede.

    Ficou atrs da sua ponta rochosa. Muito calmo, esperava que Evelyn chegasse a um solo maisseguro. S ento saiu do seu esconderijo e o assombro de Evelyn foi to violento que meteu acabea entre os ombros. Ele agarrou-a com as duas mos e puxou-a para si com uma sacudidelabrutal.

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    - s doida? - perguntou com voz rouca. - Evelyn, perdeste a razo? Como podes...?

    - Perdi-me - respondeu ela, abraando-o e agarrando-se avidamente a ele.

    - Perdeste-te? - perguntou ele completamente perturbado.

    - Sim. Queria visitar os arredores, na verdade o que houvesse de mais prximo! E eis-me derepente neste atalho... Oh!, foi terrvel! - Explodiu em soluos, ao mesmo tempo que abraava opescoo de Phil e lhe acariciava a nuca. Que bom tu estares a! Que felicidade! H quanto tempo aestavas?

    - Acabo de chegar - disse, mentindo com descaramento, e envolveu-a nos braos. - Procurei-te,evitei gritar ao ver-te