HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

9
269 INTRODUÇÃO Nesta exposição cronológica, são abor- dados os avanços na comunicação da informação a partir da revolução da escrita, quando o homem passa da comunicação oral e interativa direta das culturas tribais para a comunicação escrita, baseada em textos lineares e no uso de alfabetos. A escrita trouxe uma nova perspectiva para a comuni- cação, já que, nas sociedades orais, seus participantes (emissor e receptor de mensagens) partilhavam do mesmo contexto, isto é, a comunicação ocor- ria, por meio da linguagem, no mesmo tempo e espaço em que ambos se encontravam. A comunicação basea- va-se nas lembranças das pessoas; em especial, em sua memória auditiva. Os membros das sociedades sem escrita exploravam ao máximo artifícios, como dramatizações, rituais, danças e mú- sicas, como forma de transmitir e per- petuar acontecimentos e histórias que consideravam relevantes. Não havia, entretanto, qualquer garantia de que a mensagem oral seria a mesma após Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais Cláudia Augusto Dias Resumo Nesta exposição cronológica, são abordados os avanços na comunicação da informação, passando por diferentes estágios culturais e tecnológicos – a escrita, a imprensa e a tecnologia da informação. O propósito deste artigo é destacar, em especial, os avanços tecnológicos que propiciaram a origem dos hipertextos e os efeitos sociais dessa nova tecnologia. O hipertexto se insere no contexto da cibercultura, como uma de suas novas interfaces de comunicação. Na verdade, o hipertexto resgata e modifica antigas interfaces da escrita, como a segmentação em módulos (capítulos e seções), o acesso seletivo e não-linear ao texto (índices e sumários), as conexões a outros documentos (notas de rodapé e referências bibliográficas), implementadas com novas tecnologias. Essa nova maneira de escrever pode ser usada para organizar e divulgar os conhecimentos sobre uma determinada área do saber, sendo especialmente útil nas áreas de gestão de informações, comunicação e educação. Palavras-chave Hipertexto; Hipermídia. vários estágios de transmissão. Com a escrita, passou a ser possível tomar conhecimento de fatos presen- ciados ou relatos feitos por pessoas que viveram em outras épocas ou lu- gares. Pela primeira vez na história da humanidade, o discurso pôde ser com- preendido e analisado fora do contexto em que foi produzido. Segundo Lévy, “a comunicação puramente escrita eli- mina a mediação humana no contexto que adaptava ou traduzia as mensa- gens vindas de um outro tempo ou lu- gar” 1 . Milhares de anos depois, o homem se deparou com outras duas revoluções: a revolução da imprensa e a revolução do computador 2 . Para Barreto, “esta passagem da cultura tribal para a cul- tura escrita/tipográfica foi uma trans- formação tão profunda para o indivíduo e para a sociedade, como está sendo a passagem da cultura escrita para a cultura eletrônica, que ora presencia- mos” 3 . FIGURA 1 As diferentes fases da comunicação da informação 2 Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

Transcript of HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

Page 1: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

269

INTRODUÇÃO

Nesta exposição cronológica, são abor-dados os avanços na comunicação dainformação a partir da revolução daescrita, quando o homem passa dacomunicação oral e interativa direta dasculturas tribais para a comunicaçãoescrita, baseada em textos lineares eno uso de alfabetos. A escrita trouxeuma nova perspectiva para a comuni-cação, já que, nas sociedades orais,seus participantes (emissor e receptorde mensagens) partilhavam do mesmocontexto, isto é, a comunicação ocor-ria, por meio da linguagem, no mesmotempo e espaço em que ambos seencontravam. A comunicação basea-va-se nas lembranças das pessoas; emespecial, em sua memória auditiva. Osmembros das sociedades sem escritaexploravam ao máximo artifícios, comodramatizações, rituais, danças e mú-sicas, como forma de transmitir e per-petuar acontecimentos e histórias queconsideravam relevantes. Não havia,entretanto, qualquer garantia de que amensagem oral seria a mesma após

Hipertexto: evoluçãohistórica e efeitos sociais

Cláudia Augusto Dias

Resumo

Nesta exposição cronológica, sãoabordados os avanços na comunicação dainformação, passando por diferentesestágios culturais e tecnológicos – aescrita, a imprensa e a tecnologia dainformação. O propósito deste artigo édestacar, em especial, os avançostecnológicos que propiciaram a origem doshipertextos e os efeitos sociais dessa novatecnologia.O hipertexto se insere no contexto dacibercultura, como uma de suas novasinterfaces de comunicação. Na verdade, ohipertexto resgata e modifica antigasinterfaces da escrita, como a segmentaçãoem módulos (capítulos e seções), o acessoseletivo e não-linear ao texto (índices esumários), as conexões a outrosdocumentos (notas de rodapé e referênciasbibliográficas), implementadas com novastecnologias. Essa nova maneira deescrever pode ser usada para organizar edivulgar os conhecimentos sobre umadeterminada área do saber, sendoespecialmente útil nas áreas de gestão deinformações, comunicação e educação.

Palavras-chave

Hipertexto; Hipermídia.

vários estágios de transmissão.

Com a escrita, passou a ser possíveltomar conhecimento de fatos presen-ciados ou relatos feitos por pessoasque viveram em outras épocas ou lu-gares. Pela primeira vez na história dahumanidade, o discurso pôde ser com-preendido e analisado fora do contextoem que foi produzido. Segundo Lévy,“a comunicação puramente escrita eli-mina a mediação humana no contextoque adaptava ou traduzia as mensa-gens vindas de um outro tempo ou lu-gar”1.

Milhares de anos depois, o homem sedeparou com outras duas revoluções:a revolução da imprensa e a revoluçãodo computador2. Para Barreto, “estapassagem da cultura tribal para a cul-tura escrita/tipográfica foi uma trans-formação tão profunda para o indivíduoe para a sociedade, como está sendoa passagem da cultura escrita para acultura eletrônica, que ora presencia-mos”3.

FIGURA 1As diferentes fases da comunicação da informação 2

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

Page 2: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

270

O propósito deste artigo é destacar, emespecial, os avanços tecnológicos quepropiciaram a origem dos hipertextose suas implicações sociais.

DO PAPIRO À RODA DE LEITURADE AGOSTINO RAMELLI

Por volta de 3000 a.C., na Mesopotâ-mia, começaram a surgir formas deescrita utilizando ideogramas e fone-mas. Também nesse período, no Egi-to, eram usados papiros e tintas rudi-mentares para representação de sig-nos na comunicação escrita. Em di-versas regiões agrícolas, durante aAntigüidade, o uso da escrita era rela-cionado com a contabilidade e o inven-tário dos templos. Com o surgimentodos primeiros Estados, a escrita ser-via para a gestão dos grandes domíni-os agrícolas e para a organização dalavoura e dos impostos. Ao longo dosséculos seguintes, surgiram o alfabe-to norte-semítico (Ásia Ocidental,1700-1500 a.C.), as escritas cunei-forme (Síria, 1400 a.C.) e aramaica (Ori-ente-próximo, 1000 a.C.) e o alfabetogrego (Grécia, 1000-900 a.C.). As ins-crições ainda eram feitas sobre cerâ-mica e outros materiais, como cera,argila, peles de animais e papiros.

No século III a.C., foi criada a Bibliote-ca do Museu de Alexandria, a qual ti-nha como ambição reunir, em um sólocal, todo o conhecimento do mundo.Surgiram, então, o pergaminho, comooutra opção de suporte, e o livro,como reunião de vários pergaminhosou papiros.

Estima-se que no século IX d.C. co-meçaram a ser escritos os contos ára-bes Les Mille et Une Nuits4, reunidos etraduzidos para a cultura ocidental porAntoine Galland no século XVIII. Essaobra compõe-se de 12 volumes e apre-senta um encadeamento contínuo dehistórias, isto é, uma história contémoutra história, que por sua vez con-tém outra e assim por diante. Pode-se dizer que foi uma das primeirasobras a utilizar, de forma consisten-te, links* em um mesmo documento.

O papel, introduzido no mundo ociden-

tal em meados do século XII, difundiu-se na Europa entre os séculos XIII eXV. Em meados do século XV, Guten-berg inventou a imprensa e a tipogra-fia*. A Bíblia de Gutenberg é conside-rada a primeira publicação impressa.Passamos da era dos manuscritospara a era do papel impresso. A co-municação escrita e o modo de trans-missão dos textos sofreram profundasmudanças com a imprensa. A quanti-dade de livros e cópias produzidos au-mentou significativamente, e o leitorpassou a ter maior acesso a teorias econhecimentos, antes restritos aosmestres encarregados de interpretar osmanuscritos e repassar seu conteúdoaos discípulos. A leitura e a interpreta-ção adquiriram um caráter mais indivi-dualizado, e as obras começaram aincluir representações gráficas maisprecisas, tais como tabelas, desenhos,mapas etc.

O livro moderno passou a apresentaruma interface padronizada entre o con-teúdo da obra e o leitor, com a incor-poração de inventos anteriores à tipo-grafia e o aparecimento evolutivo de vá-rios elementos que conhecemos hojeem dia, tais como paginação, sumári-os, citações, capítulos, títulos, resu-

mos, erratas, esquemas, diagramas,índices, palavras-chave, bibliografias,glossários etc. Todos esses elemen-tos classificatórios e inter-relaciona-mentos lógicos são tão corriqueirospara nós que mal notamos sua exis-tência. Porém, na época em que fo-ram inventados, possibilitaram uma in-teração entre o texto e o leitor comple-tamente diferente daquela que ocorriacom os manuscritos. Com esses ele-mentos foi oferecida ao leitor a possi-bilidade de avaliar o conteúdo da obrade forma rápida e acessar partes dolivro que mais lhe interessavam, demodo seletivo e não-linear. Por meiodas notas de rodapé e das referênciasbibliográficas, o leitor passou a ter co-nhecimento de outros livros que trata-vam do mesmo assunto. Essa novaforma de interação com o conteúdo daobra já mostrava uma certa tendênciaà não-linearidade.

Os primórdios do hipertexto podem serassociados a uma idéia de AgostinoRamelli cuja proposta era permitir aconsulta simultânea de vários livros. A“roda de leitura” foi descrita na obra Lediverse et artificiose machine del Ca-pitano Agostino Ramelli (Paris, 1588):

* Ligações ou conexões feitas entre nós emum hipertexto. Os nós podem ser trechos, pa-lavras, figuras, imagens ou sons no mesmodocumento ou em outro documento hipertexto.

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

* Impressão com tipos, ou caracteres, remo-víveis, reutilizáveis e feitos de metal.

FIGURA 2Roda de leitura de Ramelli 5

Page 3: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

271

“Esta é uma máquina bonita e enge-nhosa, muito útil e conveniente paraqualquer pessoa que tenha prazer emestudar. ...Com esta máquina um ho-mem pode ver e percorrer através deum grande número de livros sem sairdo lugar. Esta roda é feita da maneiramostrada, isto é, é construída de talforma que, quando os livros estão emseus leitoris* , nunca caem ou saemdo local em que se encontram, mes-mo que a roda gire uma volta comple-ta” (citado em Tolva5).

Segundo Tolva, esse aparato de leituranão foi implementado por Ramelli. Po-rém, apesar de haver poucas informa-ções sobre sua construção, existe umaroda de leitura moderna em exposiçãoem Veneza5.

No século XVIII, surgiram dois modosde organização da informação em bi-bliotecas: um deles usava fichas cata-lográficas, classificadas em ordem al-fabética (formadas a partir dos títulose sumários dos livros) e o outro utiliza-va índices gerais em árvore (formadosa partir de árvores do conhecimento).Ambos tinham como objetivo facilitar oacesso e a busca de informações.Essa biblioteca moderna muito se as-semelhava às bibliotecas atuais, ape-sar de as linguagens documentárias**mais comuns hoje (Dewey e CDU*** )só terem aparecido, respectivamente,no final do século XIX e no início doséculo XX.

* Espécie de estante em plano inclinado, tam-bém denominada atril, onde se põe papel oulivro aberto para se ler comodamente.

** Listas de termos de indexação destinadasa descrever e organizar o conteúdo dos do-cumentos.

*** Classificação Decimal Universal.

FIGURA 3Roda de leitura moderna 5

OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NAERA DA ELETRICIDADE

A partir do século XIX, muitos foram osavanços tecnológicos no ramo da eletri-cidade. Vários inventos começaram ainfluenciar a forma de comunicação dasociedade. Em 1837, o alfabeto foi digi-talizado no código Morse e, nos anossubseqüentes, ainda no século XIX, fo-ram inventados o daguerreótipo* , o telé-grafo, a máquina de escrever, o fonógra-fo** , o telefone e o rádio. Em 1890, nas-ceu a mecanografia, com o cartão perfu-rado de Hermann Hollerith.

No início do século XX, surgiram ou-tros dispositivos relacionados, de algu-ma maneira, com a comunicação: ocinema falado, a televisão, o gravador,a caneta esferográfica, a fotocopiado-ra e os primeiros computadores*** .Com essa evolução apareceram tam-bém novos suportes : fotossensíveis(filme, microfilme, fotografia e microfi-cha), mecânicos (disco de vinil) e mag-néticos (filme polímero recoberto poróxido de ferro ou cromo).

DO MEMEX À INTERNET*

As primeiras idéias de hipertextoe outros avanços tecnológicoscontemporâneos

Em 1945, Vannevar Bush publicou, narevista americana Atlantic Monthly, oartigo “As we may think”6, onde des-creve uma máquina, chamada Memex,capaz de propiciar leitura e escrita não-lineares e armazenar uma bibliotecamultimídia** de documentos. Segun-do Bush, a mente humana não funcio-na de forma linear, e sim por associa-ção. Barreto cita Bush, quando desta-ca que o homem “não está mais presoa uma estrutura linear da informação,que passa a ser associativa em condi-ções de um hipertexto”3. Bush seguedizendo, ainda em seu artigo históri-co, que, apesar de ser muito difícilreplicar o processo mental artificial-mente, os homens devem certamenteser capazes de adquirir algum conhe-cimento a partir desse processo6.

* Aparelho primitivo de fotografia.

** Antigo aparelho destinado a reproduzir sonsgravados em cilindros ou discos metálicos.

*** Equipamentos utilizados, na época, paracálculos científicos em aplicações militares.

* Termo der ivado da pa lav ra ing lesainternetworking, que significa interconexão deredes. A Internet, na verdade, é composta poruma infra-estrutura computacional e de tele-comunicações que propicia a transferênciade informações por redes espalhadas por di-versos países.

** Termo utilizado para designar aquilo queemprega mais de um tipo de suporte ou veícu-lo de comunicação. Para Lévy9, muitas vezesesse termo é usado erroneamente para de-signar aquilo que emprega diversas formasde representação (textos, imagens, sons etc.)capazes de estimular diferentes modalidadessensoriais (visão, audição, tato e sensaçõesproprioceptivas). Para esses casos, sugereo termo multimodal.

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

Page 4: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

272

Bush descreveu o Memex como umdispositivo mecanizado em que umapessoa guardaria todos os seus livros,fotos, jornais, revistas e correspondên-cias e poderia consultá-los de formarápida e flexível, como se fosse umaextensão de sua memória.

A figura 4 mostra como seria o Memex,isto é, uma mesa com telas translúci-das, teclado, botões, alavancas e me-canismos de armazenamento, grava-ção e projeção baseados no uso demicrofilmes. O processo de ligaçãoentre dois itens seria feito por indexa-ção associativa, em que um item po-deria selecionar imediata e automati-camente um outro item para ser lido.Bush acrescenta ainda que, ao ligar vá-rios itens, “é exatamente como se ositens físicos tivessem sido reunidospara formar um livro. É mais que isso,já que qualquer item pode ser ligado ainúmeras trilhas”6.

O Memex, portanto, permitiria o aces-so rápido e não-linear a diversas uni-dades individuais de informação multi-mídia relacionadas por meio de liga-ções. Para Shneiderman e Kearsley,essa idéia de Bush trata do elementomais importante do hipertexto: os linksentre documentos7.

Essa idéia, no entanto, ficou “adorme-cida” por quase 20 anos. Para Vilan,“o caminho seguido pela tecnologia dainformática separou-se cada vez maisdo Memex, à medida que a arquiteturabaseada nos postulados de Von Neu-man obrigava a informação a organizar-se de forma seqüencial, o que não nossurpreende em uma civilização em queo meio básico de comunicação é line-ar: a escrita (manual ou impressa)8”.

Na década de 50, foram inventados orádio a transistor e o circuito integra-do. No início dos anos 60, as fitasmagnéticas, inventadas em 1956, co-meçaram a ser usadas nos computa-dores e foi criado o satélite de teleco-municações.

Em 1963, Douglas Engelbart escreveu

o artigo “A conceptual framework”, noqual afirma que o computador poderia“aumentar” o pensamento humano. Em1965, Engelbart inventou o mouse eTheodore Nelson criou o termo “hiper-texto” no seu projeto Xanadu, cuja pro-posta era implementar uma rede depublicações eletrônica, instantânea euniversal – um verdadeiro sistema hi-pertexto, um universo documental. Otermo hipertexto, no conceito de Nel-son, estava relacionado à idéia de lei-tura/escrita não-linear em sistemas in-formatizados. Durante suas pesquisas,Nelson descreveu muitas das idéias im-plantadas nos sistemas hipertexto atu-ais.

Em 1968, foi apresentado ao mercadoo sistema de editoração de texto Aug-ment, desenvolvido pelo Stanford Re-search Institute, sob a direção de En-gelbart. Finalmente, foram colocadasem prática as idéias de Bush e Nel-son. O Augment implementava linksentre diferentes arquivos, filtros e múl-tiplas janelas controladas pelo usuá-rio. Os pontos fortes desse sistemaeram as inúmeras facilidades que pro-piciavam o trabalho colaborativo e umamelhor interface entre o usuário e ocomputador. Dentre os mecanismos decolaboração implementados nesse sis-tema, podemos citar: mensagens ele-trônicas, teleconferência, compartilha-mento e arquivamento de mensagens.Para Shneiderman e Kearsley, a de-monstração do Augment, feita por En-gelbart na Spring Joint Computer Con-ference, em 1968, foi a “pedra funda-mental da história do hipertexto”7.

Ainda no final dessa década, foi criadaa Arpanet* . A informática, nesse tem-

po, era utilizada apenas por grandescorporações, instituições governamen-tais ou centros de pesquisa, já queservia basicamente para cálculos demaior complexidade, processamentode grandes volumes de dados ou ativi-dades de pesquisa científica. Nesseperíodo, a Brown University, liderada porAndries van Dam, desenvolveu pesqui-sas sobre sistemas hipertexto, esta-ções de trabalho, processamento detextos, computação gráfica e desen-volvimento de software.

Nos anos 70, a IBM inventou o disque-te (como substituto da fita magnética),o qual se tornou um dos suportes maisdifundidos na microinformática. Com acomercialização do chip eletrônico, ainformática tomou outro rumo e se ex-pandiu na indústria, com a automaçãoindustrial e a robótica, e no setor deserviços, com a automação bancária.Com relação à pesquisa sobre hiper-textos, iniciou-se, em 1972, na Carne-gie Mellon University, o desenvolvimen-to de um sistema hipertexto distribuí-do (ZOG, mais tarde chamado de KMS– Knowledge Management System),onde não havia uma separação rígidaentre autores e leitores, de forma queas alterações feitas por cada usuárioeram lidas por todos os outros.

No final da década de 70, Apple e IBMlançaram seus computadores pesso-ais. A informática expandiu seu raio de

* Rede precursora da Internet, implementadapelo Departamento de Defesa Americano comobjetivo de que técnicos e cientistas envolvi-dos com projetos militares nos EUA pudes-sem compartilhar computadores e informa-ções.

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

FIGURA 4Memex de Bush 5

Page 5: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

273

ação, dos centros de processamentode dados para as mesas dos escritóri-os. Surgiram o primeiro videodisco hi-permídia* Aspen Movie Map, desenvol-vido por Andy Lippman do MIT Archi-tecture Machine Group, e o softwarede processamento de textos Wordstar.

OS AVANÇOS DA DÉCADA DE 80

Ao longo dos anos 80, apareceram ovideotexto, a rede francesa Minitel, afibra ótica, a primeira tela sensível aotoque, o processador de texto do Ma-cintosh da Apple, com Wyiwyg** , me-mórias óticas, scanners*** , videodis-cos, cd-roms****, TCP/IP (TransportControl Protocol / Internet Protocol –protocolo de comunicação*****) e a In-ternet****** . Esses avanços, o aumen-to da capacidade de armazenamentoe processamento de dados dos com-putadores e o surgimento de interfacesgráficas mais amigáveis (com menus,janelas e ícones acionados por um “cli-ck” do mouse) permitiram que a infor-mática passasse a fazer parte do coti-diano das pessoas comuns e os siste-mas hipertexto se tornassem comer-cialmente viáveis.

Vários projetos de sistemas hipertex-to foram desenvolvidos nessa década,tais como:

• Guide – University of Canterbury – de-senvolvido por Peter Brown, foi o pri-meiro sistema hipertexto para compu-tadores pessoais;

• TIES (The Interactive EncyclopediaSystem, posteriormente chamadoHyperties) – University of Maryland –desenvolvido por Ben Shneiderman eusado em inúmeras aplicações, taiscomo exposições de museus, arqueo-logia, fotografia, manuais on-line etc.;

• KMS (sucessor do ZOG) – comerci-alizado pela Knowledge Systems, Inc.para estações de trabalho Sun e Apo-llo;

• Notecards – Xerox Palo Alto Resear-ch Center – desenvolvido por Frank Ha-lasz, Randy Trigg e Tom Moran, parasuportar tarefas de leitura, categoriza-ção, interpretação e escrita de materi-al técnico;

• Intermedia – Brown University – sis-tema para documentos multimídia de-senvolvido pelo Institute for Researchand Scholarship (Iris). Nesse sistema,os links pertenciam a webs (redes), detal forma que, para visualizar um docu-mento, o usuário devia selecionar umaweb específica. Os links eram, assim,dependentes de contexto;

• WE (Writing Environment) – Universi-ty of North Carolina – projeto baseadoem modelo de processos cognitivosenvolvidos na autoria de textos, cujoobjetivo era suportar todas as fases doprocesso de escrita de textos (conteú-do e estrutura);

• Hypercard – Apple Computer – de-senvolvido por Bill Atkinson, para com-putadores Macintosh.

Em 1983, foi defendida, por RandallTrigg, na University of Maryland, a pri-meira tese de PhD sobre hipertexto, e,na Carolina do Norte, em 1987, acon-teceu o primeiro grande workshop so-bre hipertexto – Hypertext ‘87.

A Web, isto é, a World Wide Web* , foiproposta em 1989 por Tim Berners-Lee.Essa rede global nada mais é do queuma imensa biblioteca multimídia, ou

seja, um conjunto de documentos hi-pertexto, com informações digitaliza-das de textos, sons e imagens, conec-tados entre si e espalhados por com-putadores do mundo inteiro.

OS AVANÇOS DA DÉCADA DE 90

No início dessa década, foram desen-volvidos a linguagem HTML** (subcon-junto da SGML*** ) e o protocolo de co-municação HTTP (HyperText TransferProtocol), os quais possibilitaram aprodução e a disseminação de docu-mentos hipertexto pela rede mundial decomputadores – a Internet. Nesse pe-ríodo, a Internet deixou o meio acadê-mico e ganhou adeptos das mais dife-rentes nacionalidades e profissões.Desde então, o número de servido-res**** Internet e de novos usuáriosvem aumentando exponencialmente acada ano.

Os sistemas hipertexto começaram aser efetivamente utilizados, principal-mente nas áreas de educação, comu-nicação e organização de dados. Em1993, a venda de enciclopédias hiper-mídia ultrapassou seus equivalentesimpressos. Algumas instituições gover-namentais passaram também a utili-zar a Internet como dispositivo de di-vulgação de informações, estruturadasem hipertextos. Nessa época, a baixavelocidade dos meios de telecomuni-cação (por onde trafegam os dados) ea pouca interatividade das ferramentasdisponíveis dificultavam o acesso àsinformações na Web.

Para melhorar a interface homem-má-quina, tornando-a mais amigável e in-tuitiva, foram desenvolvidos vários pro-

* Sistema ou serviço de recuperação de in-formações por meio da Internet, também co-nhecido pela sigla WWW.

** Abreviatura de HyperText Markup Langua-ge, linguagem composta por um conjunto decomandos de formatação e utilizada na cria-ção de documentos hipertexto, visualizadosnas páginas WWW.

*** Abreviatura de Standard GeneralizedMarkup Language, sistema padronizado de or-ganização de documentos, desenvolvido pelaInternational Organization for Standards (ISO).

**** Nomenclatura dada aos computadores que,conectados em uma rede cliente-servidor, for-necem informações ou prestam serviços aosclientes (computadores pessoais ou estaçõesde trabalho que constituem a interface diretacom o usuário).

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

* Tipo de hipertexto onde há links entre tex-tos, sons e imagens.

** What You See Is What You Get – é impres-so exatamente o que se vê na tela do compu-tador.

*** Equipamentos utilizados na digitalização dedocumentos impressos.

**** Abreviatura de Compact Disc – Read OnlyMemory – discos compactos a laser, seme-lhantes aos CDs de áudio, usados para arma-zenamento de dados e programas de compu-tador.

***** Conjunto de regras e comandos estabe-lecido entre os componentes de uma rede decomputadores, que permite a comunicaçãoentre eles.

****** Nessa década, a utilização da Internetse expandiu no meio acadêmico.

Page 6: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

274

jetos como o Mosaic e o Netscape. Em1995, as ações da Netscape Corp. fo-ram transacionadas em Wall Street,causando alvoroço no mercado. Vári-as empresas começaram a anunciar evender produtos pela Web. O comér-cio chega à Internet – é a era do co-mércio eletrônico.

Os avanços apresentados na área detelecomunicações, nos anos subse-qüentes, e essa interface mais amigá-vel fizeram com que a Internet “explo-disse”. Dentre outros serviços, a Inter-net passou a oferecer correio eletrôni-co, transferência de arquivos, listas dedistribuição, grupos de usuários e a webpropriamente dita (WWW), com seusserviços de busca de informações esua infinidade de hipertextos – textos,sons e imagens em uma verdadeirarede de informações. Para Lévy, “astecnologias digitais surgiram, então,como a infra-estrutura do ciberespa-ço* , novo espaço de comunicação, desociabilidade, de organização e de tran-sação, mas também novo mercado dainformação e de conhecimentos”9.

ESTÁGIO ATUAL DA PESQUISACIENTÍFICA SOBRE HIPERTEXTOS

Como acontece anualmente, desde1987, a conferência Hypertext ’99 (ocor-rida em fevereiro deste ano) apresen-tou os últimos resultados de pesqui-sas e projetos sobre hipertexto. Esteano, em especial, foi dada ênfase àhipermídia e ao estabelecimento depadrões para o desenvolvimento de hi-pertextos. Dentre os diversos temasabordados, podemos destacar:

• padrões, tais como XML, SMIL, XLinke WebDAV* ;

• métodos de avaliação, desenvolvimen-to e design de hipertextos e hipermí-dias;

• Open Hypermedia Systems (OHS)**;

• hipermídia (interfaces, novas tecno-logias de armazenamento, design uti-lizando arquitetura orientada a objetos,espaços tridimensionais etc.);

• aplicações para a Internet;

• estudos de ergonomia e psicologiacognitiva.

Efeitos sociais de uma novatecnologia

A primeira idéia que nos vem à mentequando se fala em hipertexto é a não-linearidade. Porém, é bom destacarque, antes da informática, já existiamelementos que possibilitavam a leituranão-linear, como os sumários, as refe-rências bibliográficas e as notas derodapé. A tecnologia da informação,entretanto, proporcionou maior veloci-dade de acesso, um volume infinita-mente maior de documentos disponí-veis à sociedade, e associações, emuma mesma mídia, de textos, imagense sons, como presenciamos hoje naInternet.

Sem dúvida, com o hipertexto, criou-se nova maneira de leitura e escrita dedocumentos, em que os papéis desem-penhados por autores e leitores se con-fundem. O autor, ao elaborar um hiper-texto, na verdade, constrói “uma ma-triz de textos potenciais”9, os quais sãoalinhavados, combinados entre si, peloleitor, como uma leitura particular den-tre as inúmeras alternativas possíveis.O leitor, portanto, participa ativamenteda redação e edição do documentoque lê, podendo, até mesmo, traçar ca-minhos nunca antes imaginados peloautor, conectando uma infinidade dedocumentos, como se estivesse crian-do um novo documento hipertexto apartir dessas associações. O conhe-cimento não precisa mais estar presoa uma página impressa: todos os ti-pos de acessos cruzados entre docu-mentos são autorizados. Na opinião de

Lévy, “com o hipertexto, toda leitura éuma escrita potencial”9.

Do ponto de vista da autoria, tambémocorreram mudanças. O processo decriação de hipertextos passa, quaseque necessariamente, pela leitura deoutros documentos hipertexto disponí-veis, os quais poderão ser associadosao hipertexto em elaboração. O au-tor, portanto, ao estruturar seu docu-mento, lê, avalia e estabelece links aoutros documentos que possam con-tribuir para o entendimento de seu pon-to de vista ou servir como bibliografiasugerida sobre o assunto abordado.Com a incorporação de sons e imagensaos textos, em uma rede de nós inter-ligados, certamente a escrita hipertex-tual requer habilidades adicionais deseus autores. Isso pode levar a umacerta reação, pois é comum condenar-mos aquilo que nos parece estranhoou diferente do padrão que nos foitransmitido através dos milhares deanos desde a invenção da escrita.

Outro aspecto a ser analisado é a inte-ratividade proporcionada pelo hipertex-to. Nos meios de comunicação demassa, como a imprensa, o rádio, atelevisão e o cinema, a difusão se dáde forma unilateral, impondo somenteuma visão da realidade (dos gruposproprietários das mídias), sem abrirespaço para resposta, crítica ou con-fronto de idéias antagônicas. No casodos documentos hipertexto acessíveison-line na Internet, por exemplo, é pos-sível afirmar que o fluxo informacionalpode ser reorientado ou interrompidoem tempo real e que existe um verda-deiro diálogo entre os participantes dacomunicação. Os hipertextos são fru-tos da leitura/escrita de uma comuni-dade, pois cada pessoa estabelece umnovo texto a cada link percorrido, po-dendo, inclusive, no caso de hipertex-tos abertos, acrescentar seus pró-prios links, observações e figuras aohipertexto original. A interatividade doshipertextos permite, portanto, a con-cepção de obras coletivas, nas quaisos conhecimentos de várias pessoaspodem ser concatenados entre si deforma mais ágil.

Há também a possibilidade, proporcio-nada pela Internet, de qualquer pessoaexpor seus pontos de vista, sem res-trições, em documentos hipertexto por

* Novo meio de comunicação que surge dainterconexão mundial dos computadores. Se-gundo Lévy [09], esse termo foi inventado em1984 por William Gibson no romance de fic-ção científica Neuromante, onde é definidocomo sendo o universo das redes digitais palcode conflitos mundiais e uma nova fronteiraeconômica e cultural.

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

* Padrões ou linguagens padronizadas paraelaboração de hipertextos.

** Tema de pesquisa que trata da integraçãoda funcionalidade da hipermídia às ferramen-tas existentes no ambiente computacional, en-focando as áreas de biblioteca virtual, supor-te computacional a empresas de engenharia,desenvolvimento de software e educação.

Page 7: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

275

ela elaborados e colocados à disposi-ção de qualquer um que tenha acessoà rede. É claro que a Internet, indepen-dentemente de sua hipertextualidade,acarreta outros inúmeros impactossociais. Porém, nos ateremos, aqui,apenas às implicações sociais relaci-onadas aos hipertextos.

A interatividade e o compartilhamentode informações sob a forma de textos,sons e imagens, proporcionados peloshipertextos, promovem o desenvolvi-mento de novas relações com as fon-tes do saber e são, indubitavelmente,novos aspectos a serem consideradosnos métodos educacionais de constru-ção do conhecimento. Os sistemashipertexto permitem um novo tipo deaprendizagem: a aprendizagem coleti-va, cooperativa e interativa. Estudan-tes e professores partilham de umamesma base de conhecimentos inicialque se amplia à medida que são acres-cidos novos links (com observaçõespessoais ou sugestões de novas refe-rências bibliográficas, por exemplo),novos textos, imagens e sons. O en-volvimento pessoal e interativo do es-tudante é, reconhecidamente, funda-mental no processo de aprendizagem.Quanto mais participa da aquisição deconhecimento, questionando-se e res-pondendo a suas próprias questões,mais facilmente entende e assimila oque aprende. O hipertexto e a multimí-dia favorecem, portanto, a participaçãoativa e exploratória do estudante, aointeragir com a não-linearidade e osdiversos estímulos sensoriais desseambiente.

O hipertexto provê ainda outras vanta-gens educacionais. Uma delas é oacesso imediato, e praticamente ilimi-tado a enormes volumes de informa-ção, de forma direta (em contraposi-ção ao acesso seqüencial do texto tra-dicional). O estudante vai direto ao as-sunto que lhe interessa. A estruturalógica arbitrada pelo autor, em docu-mentos seqüenciais, pode ser contra-producente no processo de aprendiza-gem de algumas pessoas. Com o hi-pertexto, o estudante tem a liberdadede estruturar o documento da forma quemais lhe convém, melhorando e acele-rando sua compreensão do tema emestudo. O hipertexto, como dispositivodidático, provê um ambiente propício à * Trilhas ou caminhos predefinidos pelo autor,

em um documento hipertexto.

* Sistemas macroliterários, em bases compu-tadorizadas, normalmente remotas, capazesde suportar grandes conjuntos bibliográficosou documentais, oferecendo acesso on-lineaos usuários da rede.

FIGURA 5Vídeos em tempo real 10

exploração, em que o aluno desenvol-ve seu próprio estilo cognitivo. Outravantagem, como uma alternativa à es-colha livre dos links a serem percorri-dos, é a oportunidade de tours* guia-dos, de acordo, por exemplo, com ograu de conhecimento do estudante,com o objetivo de tornar-lhe mais com-preensível a informação.

Além disso, com o uso das redes detelecomunicação e dos suportes mul-timídia interativos, o hipertexto permi-te a implementação de bibliotecas vir-tuais* e ensino à distância, o qual vemse integrando cada vez mais aos mé-todos tradicionais de ensino presenci-al. Dessa forma, utilizando a informáti-ca, a multimídia e os sistemas hiper-

texto abertos, como suportes pedagó-gicos, professores e estudantes apren-dem juntos em uma nova modalidadede ensino.

O hipertexto, como uma nova tecnolo-gia, não tem como objetivo suplantar olivro, na sua forma tradicional. Depen-dendo do conteúdo e de sua aplicação,a forma hipertextual pode ser mais oumenos adequada que o livro impresso.Por exemplo, dicionários, enciclopédi-as e manuais de equipamentos se apli-cam mais ao formato multimídia e não-linear dos hipertextos, enquanto osromances literários são mais adequa-dos ao formato impresso.

Entretanto, o hipertexto não apresentaapenas vantagens. Várias pesquisastêm sido desenvolvidas com o objetivode minimizar suas desvantagens,como, por exemplo, a desorientaçãodo usuário em meio a tantas informa-ções. As ferramentas de busca, osmenus e os mapas de conteúdo, jáimplementados em sistemas hipertex-to comerciais e na Internet, são exem-

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

Page 8: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

276

plos de produtos gerados por essaspesquisas.

Os críticos mais vorazes das novastecnologias tendem a condená-las, te-mendo uma completa substituição dastecnologias anteriores capaz de provo-car transformações sociais negativas.Em nosso entendimento, essa posiçãoé exagerada. Ao contrário, podemosafirmar que raramente uma nova formade comunicação suplanta completa-mente as anteriores, e a história nostem provado isso.

Com o advento da escrita, as pessoasnão deixaram de se comunicar oralmen-te. A imprensa não fez com que aspessoas deixassem de escrever comas próprias mãos. A fotografia nãosubstituiu a pintura, assim como a te-levisão não substituiu o teatro ou o rá-dio. As videolocadoras e as TVs a cabonão provocaram a falência dos cinemas.Certamente, o surgimento de cada umadessas tecnologias citadas modificou,de alguma maneira, a tecnologia ante-rior, porém não foi capaz de substituí-la por completo. Cada tecnologia aca-ba encontrando seu nicho e seu públi-co-alvo, sendo adotada nos casos econtextos em que, dentre todas as tec-nologias existentes, ela é a mais ade-quada. O mesmo acontecerá com oslivros e os hipertextos.

Podemos generalizar dizendo que astecnologias, por si mesmas, não de-terminam nada; não são boas, nemmás. Essa visão maniqueísta de iden-tificar as novas tecnologias como cau-sas do mal contemporâneo, comparti-lhada por alguns autores, é muito sim-plista e tendenciosa. O confronto ho-mem-máquina e a Internet, com suarede infinita de hipertextos, têm sidoalvo de críticas desse gênero.

Em oposição a esse pensamento, Lévyafirma que “nenhuma técnica tem umasignificação intrínseca, um ser estável,mas apenas o sentido que é dado aela sucessiva e simultaneamente pormúltiplas coalizões sociais. ...A signi-ficação e o papel de uma configuraçãotécnica em um momento dado nãopodem ser separados do projeto quemove esta configuração, ou talvez dos

projetos rivais que a disputam e puxam-na em todos os sentidos”1. A tecnolo-gia em si mesma não é digna de con-denação ou exaltação. O uso que sefaz dela é que pode ser vil ou nobre.

Eventualmente, a inovação tecnológi-ca pode gerar grupos de excluídos eprovocar o desaparecimento de méto-dos antigos, formas de pensamento ouconhecimento não mais consideradosadequados para a época. Ninguém dis-cute, por exemplo, a importância dotelefone para a comunicação social.Entretanto, é enorme a quantidade depessoas no mundo que não têm aces-so a uma linha telefônica, constituin-do, assim, seu grupo de excluídos. Aprópria escrita tem sua parcela de ex-cluídos. A exclusão não pode nos pri-var de vislumbrar formas de uso dasnovas tecnologias que contribuam parao desenvolvimento social como umtodo.

CONCLUSÃO

No início dos tempos da comunicação,havia uma pluralidade de sociedades,de cultura oral, vivendo fechadas em simesmas. Cada tribo tinha sua próprialinguagem e partilhava um contextoúnico. O conhecimento, limitado àslembranças dos mais velhos, era re-passado, de geração a geração, ape-nas aos membros daquela comunida-de.

Com a escrita e, em seguida, com aimprensa, abriu-se uma nova perspec-tiva, universal, de comunicação e difu-são de conhecimentos. Os “mais ins-truídos”, autores dos livros, repassa-vam sua visão particular do mundo, in-fluenciando a todos e difundindo suasidéias a quem tivesse a oportunidadede ler suas obras.

Na fase atual de evolução da comuni-cação, com a cibercultura* , consegui-mos atingir a universalidade e a diver-sidade de comunidades, com pontosde vista por vezes desiguais e confli-tantes. Com a virtualização e a globa-lização da sociedade, o processo deprodução da informação e do conheci-mento deixou de ser hierárquico parase tornar horizontal, descentralizado einterativo. Neste período pós-gutenber-

guiano, como afirma Miranda, “serápossível imaginar buscas eletrônicasem imensos e variados estoques tex-tuais, em escala planetária com as fa-cilidades do hipertexto para passar deuma fonte a outra no aprofundamentodo conhecimento”11.

O hipertexto se insere nesse contextoda cibercultura, como uma de suasnovas interfaces de comunicação. Naverdade, o hipertexto resgata e modifi-ca antigas interfaces da escrita, comoa segmentação em módulos (capítu-los e seções), o acesso seletivo e não-linear ao texto (índices e sumários), asconexões a outros documentos (notasde rodapé e referências bibliográficas),implementadas com novas tecnologi-as. Essa nova maneira de escrever podeser usada para organizar e divulgar osconhecimentos sobre uma determina-da área do saber, sendo especialmen-te útil nas áreas de gestão de informa-ções, comunicação e educação.

A sociedade, ao aprender a lidar comos hipertextos, pode aproveitar todoseu potencial cognitivo, interativo emultimodal, como recurso pedagógico,meio de comunicação e de divulgaçãode conhecimento na era da informáti-ca.

Vale lembrar que toda inovação tecno-lógica gera fenômenos educacionais,culturais e sociais. Entretanto, ela, porsi só, não é capaz de resolver, de umahora para outra, os problemas econô-micos e sociais da era em que foi ide-alizada. Ela apenas contribui para odespertar de uma nova concepção, umnovo saber, transformando a capacida-de de entendimento das gerações quea vivenciam. Devem surgir iniciativas,essencialmente governamentais, para

* Conjunto de técnicas, práticas, atitudes, mo-dos de pensamento e valores que se desen-volveram com o crescimento do ciberespa-ço9.

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

Page 9: HIPERTEXTOv28n3a4.pdf

277

15. FAYET-SCRIBE, Sylvie. Chronologie dessupports, des dispositifs spatiaux, desoutils de repérage de l’information. sept.1997. [on-line], abr. 1999. [http://www.info.unicaen.fr/bnum/jelec/Solaris/d04/4fayet_0intro.html].

16. GROUPEMENT D’INTERET SCIENTIFIQUES –Sciences de la cognition: le livre élec-tronique. Nov. 1998. [on-line], maio 1999.[http://www-poleia.lip6.fr/gis.cognition/somliv.html].

17. JONASSEN, David. Designing structuredhypertext and structuring access tohypertext. Educational Technology, v. 28,n. 11, p. 13-16, nov. 1988.

18. ________. Hypertext principles for textand courseware design. EducationalPsychologist, v. 21, n. 4, p. 269-292,1986.

19. MARCHIONINI, Gary. Hypermedia andlearning: freedom and chaos.Educational Technology. v. 28, n. 11, p.8-12, nov. 1988.

20. NIELSEN, Jakob. Short History ofHypertext. In: Multimedia and hypertext:t h e I n t e r n e t a n d b e y o n d . A PProfessional, 1995. [on-line], abr. 1999.[http://www.sun.com/950523/columns/alertbox/history.html].

21. SMITH, Craig. The Gutenberg Bible.[on-line], maio 1999. [http://www.osl.state.or.us/csimages/bible/bible.htm].

22. TEIXEIRA, Cenidalva & SCHIEL, Ulrich. AInternet e seu impacto nos processosde recuperação da informação. Ciênciada Informação On-line. [on-line], abr.1999. [http://www.ibict.br/cionline/2619708a.zip].

23. VILCHES, Lorenzo. Globalizaçãocomunicat iva e e fe i tos cu l tura is .I n : Globalização, mídia e culturacontemporânea. Campo Grande: LetraLivre, 1997.

Cláudia Augusto Dias

Mestranda em ciência da informação na Uni-versidade de Brasília (UnB). Formada em en-genharia elétrica pela Universidade de Brasí-lia. Trabalha como auditora de sistemas noTribunal de Contas da União (TCU).

e-mail: [email protected]

Hypertext : historical evolutionand social effects

Abstract

In this chronological exposition, the authoranalyses the improvements in informationcommunication, going through differentcultural and technological phases – thewriting, the press and the infomationtechnology. The purpose of this article is topoint out the technological improvementsthat gave rise to hypertexts, and the socialeffects of this new technology.

Keywords

Hypertext; Hypermedia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. LEVY, Pierre. As tecnologias da inteligên-cia : o futuro do pensamento na era dainformática. Rio de Janeiro : Ed. 34, 1993.208 p. (Coleção TRANS).

2. MASUDA, Yoneji. A sociedade da informa-ção. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980.

3. BARRETO, Aldo. Mudança estrutural no flu-xo do conhecimento: a comunicaçãoeletrônica. Ciência da Informação, v.27, n. 2, p. 122-127. Brasília: IBICT, maio/ago. 1998.

4. Les Mille et Une Nuits. Contes arabes. Tome I.Traduction d’ Antoine Galland. Paris:Booking International, 1996. 320p.

5. TOLVA, John. Hypertext – renaissance :hypertext before computers. [on-line],abr. 1999. [http://www.mindspring.com/~jntolva/ramelli.html].

6. BUSH, Vannevar. As we may think. AtlanticMonthly, n. 1, p.101-108, July 1945.[online], maio 1999. [http://www.ps.uni-sb.de/~duchier /pub/vbush/vbush-all.shtml].

7. SHNEIDERMAN, Ben & KEARSLEY, Greg.Hypertext hands-on! : an introduction toa new way of organizing and accessinginformation. Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1989. 166 p.

8. VILAN Fo, Jayme. Hipertexto: visão geralde uma nova tecnologia de informação.Ciência da Informação. v. 23, n. 3, p.295-308. Brasília: IBICT, set./dez. 1994.

9. LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo:Editora 34, 1999. 264p. (ColeçãoTRANS).

10. DING, Wei & MARCHIONINI, Gary.Overviews and previews for multimediainstructional resources. In: ASIS ’98,Pittsburgh, PA, oct. 1998. Proceedings....[on-line], jun. 1999. [http://www.learn.umd.edu/reports/asis98/].

11. MIRANDA, Antonio. Globalización y siste-mas de información: nuevos paradigmasy nuevos desafíos. In: CONFERENCIAREGIONAL POLÍTICAS Y ESTRATEGI-AS PARA LA TRANSFORMACIÓN DE LAEDUCACIÓN SUPERIOR EN AMÉRICALATINA Y EL CARIBE, La Habana, Cuba,nov. 1996. La educación superior en elsiglo XXI. Visión de América Latina y elCaribe. Caracas: CRESALC/UNESCO,1997. p. 1009-1021. (Colección Respu-estas).

12. BARGER, Jorn. HyperTerrorist’s timelineof hypertext history. March, 1996. [on-line],abr. 1999. [http://www.mcs.net/~jorn/html/net/timeline.html].

13. CANALS, Isidre. Introducción al hipertextocomo herramienta general de información :concepto, sistemas y problemática.Revista Española de DocumentaciónCientífica, v. 13, n. 2, p. 685-709, abr./jun. 1990.

14. CAPODAGLI, James. Hypertext andhypermedia: conceptual design and thelearner. IDE 880, Summer 1989.

Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais

Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

reduzir o desequilíbrio cultural e soci-al, com intuito de proporcionar, a umaparcela cada vez maior da população,acesso às novas tecnologias, à infor-mação e ao conhecimento. Cabe à so-ciedade examinar as potencialidades danova tecnologia, acompanhar sua traje-tória e identificar seu nicho, visando àaprendizagem, ao crescimento e ao de-senvolvimento humano em sociedade.