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HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ RESIDÊNCIA DE ANESTESIOLOGIA ANTONIO EDILTON ROLIM FILHO DEPENDÊNCIA QUÍMICA ENTRE ANESTESIOLOGISTAS REVISÃO DE LITERATURA FORTALEZA 2016

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HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA

ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ

RESIDÊNCIA DE ANESTESIOLOGIA

ANTONIO EDILTON ROLIM FILHO

DEPENDÊNCIA QUÍMICA ENTRE ANESTESIOLOGISTAS – REVISÃO DE

LITERATURA

FORTALEZA

2016

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ANTONIO EDILTON ROLIM FILHO

DEPENDÊNCIA QUÍMICA ENTRE ANESTESIOLOGISTAS – REVISÃO DE

LITERATURA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré requisito parcial para conclusão de Residência Médica em Anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza, vinculado a Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará

Orientador: Prof. Dr. Rogean Rodrigues

Nunes

FORTALEZA

2016

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ANTONIO EDILTON ROLIM FILHO

DEPENDÊNCIA QUÍMICA ENTRE ANESTESIOLOGISTAS – REVISÃO DE

LITERATURA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré requisito parcial para conclusão de Residência Médica em Anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza, vinculado a Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará.

Aprovado em: ___/___/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Dr. Rogean Rodrigues Nunes (Orientador)

Corresponsável CET-Hospital Geral de Fortaleza

_____________________________________

Dr. Eugênio Araújo Costa

Corresponsável CET-Hospital Geral de Fortaleza

____________________________________

Dr.a Ana Cecília Lopes Mota

Corresponsável CET-Hospital Geral de Fortaleza

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A Deus, por sempre ter me dado saúde e condições de

lutar em busca dos objetivos pretendidos ao longo de

minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais amados, Edilton e Rita, que sempre cuidaram tão bem de mim. Se há

algo que faz diferença na formação da personalidade e na vida de uma pessoa é o

amor que ela recebe dos pais. Vocês me educaram com amor, se dedicaram à minha

educação como ser humano, sempre com muito carinho e alegria infinitos. Vocês

fizeram de mim a pessoa que hoje sou, e eu só tenho motivos para agradecer.

À minha irmã Aline, por sempre proporcionar apoio e ajuda, além de compartilhar os

conhecimentos da medicina.

À minha namorada Giselle, pelo amor e atenção diários. Pela paciência, força e

motivação para enfrentar os obstáculos da vida.

Aos parentes e amigos, pela fonte contínua de apoio e motivação.

Ao Prof. Dr Rogean Rodrigues Nunes, orientador desta monografia, por todos os

ensinamentos e pelo exemplo de competência e dedicação à produção científica e ao

desenvolvimento da anestesiologia.

À Dr.a Aglais Gonçalves da Silva Leite, pela coordenação e dedicação ao serviço de

anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza, por sua luta constante no

aprimoramento do serviço e do nosso aprendizado.

Aos integrantes da banca examinadora, pela disponibilidade, interesse e disposição em colaborar.

A todos os preceptores dos hospitais que fazem parte de nossa residência (HGF,HGWA, HGCC, HIAS, HM, ICC), que contribuíram de alguma forma com ensinamentos para minha formação. Aos amigos de residência, pela amizade, coleguismo e companheirismo durante esses três anos. Espero tê-los sempre por perto. A todos os profissionais dos centros cirúrgicos dos diversos hospitais que frequentei, contribuindo também com minha formação. A todos os pacientes que confiaram suas vidas aos nossos cuidados.

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RESUMO

Adicção ainda é considerado por muitos como um risco ocupacional para os médicos

envolvidos no prática da anestesiologia. Apesar dos avanços substanciais da

compreensão do vício, da tecnologia e terapêutica utilizadas para combater a

dependência química, esta doença continua a ser uma questão importante no local de

trabalho do anestesiologista. Existe uma considerável associação entre a

dependência química e distúrbios psicológicos, em que o tratamento bem sucedido

para a dependência é menos favorável quando comorbidades psicopatológicas não

são tratadas. Numerosos fatores têm sido propostos para explicar a alta incidência de

abuso de substâncias entre os anestesiologistas. Estes incluem: fácil acesso às

drogas com alto potencial viciante, relativa facilidade em desviar esses agentes e

curiosidade sobre as experiências dos pacientes com essas substâncias. Os

programas de tratamento mais eficazes são multidisciplinares, sendo capazes de

fornecer a longo prazo a recuperação do médico acometido.

Palavras-chave: Anestesiologia. Anestesia. Adicção. Doença ocupacional Opióides.

Complicações. Mortalidade.

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ABSTRACT

Addiction is still considered by many to be an occupational hazard for those involved

in the practice of Anesthesiology. Despite substantial advances in our understanding

of addiction and the technology and therapeutic approaches used to fight this disease,

addiction still remains a major issue in the anesthesia workplace. There exists a

considerable association between chemical dependence and other psychopathology

and successful treatment for addiction is less likely when co-morbid psychopathology

is not treated. Numerous factors have been proposed to explain the high incidence of

substance abuse among anesthesiologists. These include the following: easy access

to potent drugs, relative simplicity of diversion of these agents and curiosity about

patients' experiences with these substances. The most effective treatment programs

are multidisciplinary and are able to provide long-term follow-up for the impaired

physician.

Keywords: Anesthesiology. Anesthesia. Addiction. Opioids. Complications. Mortality.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 8

2 EPIDEMIOLOGIA............................................................................................ 9

3 FATORES GENÉTICOS.................................................................................. 11

4 FISIOPATOLOGIA........................................................................................... 13

5 ASPECTOS SOCIAIS......................................................................................... 15

6 ASPECTOS CLÍNICOS....................................................................................... 17

7 TRATAMENTO.................................................................................................... 20

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 24

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1 INTRODUÇÃO

A dependência química é uma das questões mais preocupantes na área da saúde mental

e tem sido motivo de estudos e pesquisas em diversos países. Sua relevância se deve

tanto em relação ao sofrimento psicossocial do médico quanto aos riscos que

representam para o atendimento dos pacientes. O consumo de substâncias de abuso

pelos médicos é causa frequente de erro, absenteísmo e queixas junto aos Conselhos

Regionais de Medicina. Este problema demanda urgente e cuidadosa atenção, pois

determina riscos tanto para o público quanto para o médico. O uso de drogas é uma das

principais causas da perda de capacidade laboral e aposentadorias precoces 1.

A dependência química deve ser considerada como uma patologia com potencialidade

de afetar profissionais em todas as áreas de atividade, todavia é de importância vital

entender que o perfil psicofisiológico dos anestesiologistas apresenta características que

propiciam o estabelecimento desse tipo de situação.

Dentre os médicos, a especialidade da anestesiologia apresenta mais problemas de

abuso de substâncias psicoativas, sendo este o risco ocupacional mais prevalente neste

grupo 2. Existem várias dificuldades para diagnosticar o problema, como o temor das

consequências e o despreparo técnico e emocional para fazer o diagnóstico 3.

A dependência química é uma questão importante no local de trabalho dos profissionais

anestesiologistas. Entre 1991-2001, 80% dos programas de residência médica em

anestesiologia dos Estados Unidos relataram experiências com médicos residentes

dependentes químicos e, 19% relataram pelo menos uma fatalidade em período pré-

tratamento. Avanços substanciais têm ocorrido em nossa compreensão do vício, bem

como as tecnologias e abordagens terapêuticas utilizadas para lutar contra essa doença.

Este trabalho destaca os pensamentos atuais sobre a base fisiopatológica do vício, bem

como manifestações clínicas, questões jurídicas e estratégias de tratamento 4.

Anestesiologistas, bem como todas as especialidades médicas, podem experimentar da

dependência química de uma grande variedade de substâncias, embora a dependência

de opioides continue sendo a mais comum. A droga de escolha entre os anestesiologistas

que iniciaram o tratamento contra a dependência química foi um opioide, dentre eles, o

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fentanil e o sufentanil. Outros agentes, como o propofol, a cetamina, tiopental sódico,

lidocaína, óxido nitroso e os potentes anestésicos voláteis são menos frequentemente

utilizados, que também apresentam potencial de abuso documentados. O alcoolismo

entre anestesiologistas tem taxas semelhantes em relação a outras especialidades

médicas.

Diversos fatores têm sido propostos para explicar a alta incidência de abuso de drogas

entre os anestesiologistas. Dentre eles, destacam-se a proximidade com grande

quantidade de drogas altamente viciantes, a relativa facilidade em desviar esses agentes

para uso pessoal, o ambiente de alta tensão em que os anestesiologistas trabalham

rotineiramente e, a exposição no próprio local de trabalho que sensibiliza as vias de

recompensa no cérebro.

Todos os médicos anestesiologistas devem ter consciência da natureza básica do

problema e possuir as informações necessárias para reconhecer e ajudar um colega

prejudicado.

2 EPIDEMIOLOGIA

Uma percepção comumente frequente é que os anestesiologistas são mais propensos

que os outros médicos a engajar nas substâncias abusivas. Um grande estudo

retrospectivo sugeriu que a prevalência do abuso de drogas entre anestesiologistas

abrange 1 a 2% 5. Ele publicou percentuais baseados em questionários individuais

aplicados para anestesiologistas na percepção de alguns diretores de programas de

residência nos Estados Unidos e na honestidade individual de cada desses profissionais

em responder o questionário. Além disso, a prevalência é similar haja visto em estudos

de anestesia na Austrália e Nova Zelândia 6. Em 1993, aproximadamente 2% dos

residentes de anestesiologia americanos se tornaram adictos por alguma substância

durante a residência 7.

Dados do Programa de Médicos da Califórnia mostram que 17% dos médicos em

tratamento são anestesiologistas e estes representam apenas 5% dos médicos

agregando todas as especialidades 8. Dessa forma, essas estatísticas implicam que a

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incidência de dependentes químicos é extremamente elevada entre anestesiologistas.

Esse dado sugere uma reflexão sobre o potencial de abuso de drogas, a habilidade do

anestesiologista em reconhecer a dependência entre seus colegas e a aplicação da

especialidade em indicar colegas para o tratamento.

Um relatório de um programa de tratamento de médicos dependentes que teve início na

década de oitenta sugere que todos os anestesiologistas dependentes, e pelo menos

10% dos outros médicos, apresentam outras doenças, como a depressão.

Aproximadamente 50% dos dependentes são anestesiologistas com menos de 35 anos

de idade e um terço são residentes. Metade deles usam drogas e álcool, 40% usam

apenas drogas e uma minoria usa apenas álcool. Fentanil foi a droga de abuso mais

utilizada, seguida de sufentanil, meperidina, morfina e drogas orais 9.

Infelizmente, a perda da vida pode ser a primeira indicação do abuso de drogas pelo

médico. Essas mortes podem alterar a frequência dos números quando comparado à

médicos jovens e idosos. Por exemplo, jovens médicos que morrem obviamente não são

drogadictos de longa data. Numerosos estudos têm examinado o risco de mortalidade

entre médicos de um modo geral e anestesiologistas, especificamente, comparando com

a população geral. A taxa de mortes por várias causas é menor entre médicos ao público

em geral, essa diferença é atribuída ao elevado status socioeconômico dos médicos e ao

rápido acesso aos cuidados da saúde. Contudo, o risco elevado de mortalidade dos

anestesiologistas devido relato de uso de drogas é alarmante 10.

Em 2010, o Professional Wellbeing Work Party da WFSA realizou uma pesquisa dentre

os 120 profissionais da WFSA objetivando identificar a incidência de problemas de saúde

ocupacional entre os membros das sociedades nacionais e avaliou as intervenções que

cada sociedade tinha adotado para tratar a saúde ocupacional do anestesiologista.

Embora os resultados mostrem amplo reconhecimento de um problema, mais de 90%

das sociedades nacionais relataram a síndrome de burnout em seus membros, apenas

14% haviam desenvolvido algum tipo de estratégia de enfrentamento para combater essa

síndrome. É evidente que o primeiro passo para solucionar esse problema é descobrir os

principais fatores que contribuem para que o anestesiologista se torne um usuário de

substâncias.

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No Brasil, em recente pesquisa retrospectiva, constatou-se que a prevalência de

anestesiologistas dependentes é em torno de 12,5%, muito superior em relação ao

restante da população médica (3%). Os fármacos de escolha na dependência são o

álcool, opioides (fentanil, meperidina, morfina e sufentanil), cocaína, maconha e

benzodiazepínicos 11. Pesquisas têm mostrado que o suicídio e os óbitos relacionados

ao uso de drogas são importantes causas de mortalidade entre os anestesiologistas. A

maior taxa de mortes relacionadas com a dependência química ocorre dentro dos

primeiros cinco anos após a graduação 12.

3 FATORES GENÉTICOS

A genética pode ser responsável por mais de 50% de predisposição de um indivíduo para

o desenvolvimento de dependência ao álcool, como também pode desempenhar

significativo papel na dependência à nicotina e outras drogas 13.

Atualmente, a conclusão é que o vício decorre de uma interação de fatores e que, quanto

mais favorável for o ambiente, menos efeito tem a predisposição genética para o

desenvolvimento de dependência. A principal limitação em fazer afirmações definitivas

sobre a importância dos genes e do ambiente é que há uma infinidade de variáveis de

confusão que podem estar relacionadas à composição do indivíduo e com o ambiente

físico e psicossocial no qual vive.

Em relação ao alcoolismo, vários sítios de genes estão envolvidos, tanto de forma direta

quanto indiretamente, por meio de traços neurofisiológicos 60. Há 100 ou mais genes que

influenciam o risco de dependência, sendo a interação sutil dessas variações genéticas

em combinação com fatores ambientais que determinam a predisposição de um

indivíduo. Sendo assim, não há uma exata variação genética que efetivamente levará ao

vício, mas esse subgrupo genético pode estar em maior risco em determinadas

circunstâncias. É importante salientar que pode haver uma possibilidade de avaliação

individual de cada anestesiologista. Ter predisposição genética para a dependência não

é o mesmo que ter a dependência e suas consequências 14.

A interação complexa de diversos traços genéticos em combinação com outros fatores

parece ser o determinante principal que conduz a um indivíduo se tornar viciado em

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comparação com o outro. Os genes mais fortemente implicados no desenvolvimento do

alcoolismo são os envolvidos no metabolismo do álcool – álcool desidrogenase e aldeído

desidrogenase. Em menor frequência, genes que codificam para o ácido gama-

aminobutírico, neurotransmissor (Gaba) e seus receptores e subunidades estão ligadas

ao alcoolismo 14.

O acetaldeído é tóxico para os seres humanos, de modo que para os indivíduos com os

alelos ADH1B*2 e ALDH2*2 o efeito do consumo de álcool leva a produção de altos níveis

séricos de acetaldeído, que por sua vez produzem a “síndrome do flush”, na qual o rosto

fica hiperemiado, além da ocorrência dos sintomas desagradáveis de náusea, vômito,

palpitações e cefaleia 14. Esses sintomas servem para proteger o indivíduo do alcoolismo,

pois reforçam negativamente o uso do álcool. Essas predisposições genéticas que

protegem contra o alcoolismo podem ser superadas por influências sociais para as

pessoas com um único alelo ALDH2*2 em seu genoma. No entanto, quando o indivíduo

tem dois alelos ALDH2*2 as chances de se tornar alcoolista são muito pequenas, devido

a graves sintomas sistêmicos do acetaldeído não metabolizado.

Há genes relacionados em desempenhar alguns papeis na dependência de opioides são:

OPRM1, UGT2B7, ABCB1, HTR3B, COMT, POMC e OPRK1. Múltiplos fatores, incluindo

a demografia ambiental e interação com fatores genéticos atuam de forma obscura para

produzir a predisposição para dependência de narcóticos. O gene OPRM1 acopla a

proteína G no receptor opioide mu, que por sua vez, é o alvo principal de todos os

opiáceos. Variações nesse gene parecem ser responsáveis, pelo menos em parte, pelas

variações individuais observadas na dependência de opiáceos e capacidade de resposta

15.

Simplificando, a genética por si só é um importante modificador que pode aumentar ou

diminuir as chances de um indivíduo tornar-se adicto. Fatores genéticos podem ter até

50% da predisposição causal, mas os outros 50% são diretamente atribuíveis a

capacidade de enfrentar e suportar as muitas tensões encontradas no ambiente do

indivíduo. No caso do anestesiologista, esses fatores de estresse são comuns no trabalho

e na sala de operação.

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4 FISIOPATOLOGIA

O uso crônico de drogas responsável pelo fenômeno de adicção interfere no processo de

gratificação psíquica que tem o seu substrato anátomo-farmacológico localizado no

sistema límbico, principalmente em estruturas dopaminérgicas cortico-mesencefálicas do

cérebro. Esse complexo estrutural no sistema nervoso central estende-se desde a área

tegumental ventral do mesencéfalo até o núcleo accumbens, incluindo as projeções

anatômicas para estruturas de sistema límbico, como amígdala e córtex orbito-frontal.

Esse complexo neuronal está intimamente relacionado com os efeitos psicogênicos de

gratificação e reforço dos efeitos naturais de sobrevivência, tal como a fome e reprodução

humana 16.

A porção tegumentar ventral e o núcleo accubens servem para quantificar o quanto um

evento é gratificante para o homem, a amígdala percebe a intensidade de prazer gerado

por um fato e o córtex frontal elabora essas informações, direcionando o comportamento

final a ser adotado pelo ser humano 16.

A drogadição envolve múltiplos circuitos neuronais cerebrais com localização bem

definida. A gratificação corresponde ao núcleo accumbens e pallidum. Já, a motivação e

a atitude, ao córtex órbito-frontal e córtex sub-calosa. A memória e o aprendizado

correlacionam-se com a amígdala e hipocampo. Para o controle racional, tem-se o córtex

pré-frontal e gyrus do cíngulo 16.

Esses quatro circuitos recebem, principalmente, a inervação direta de neurônios

dopaminérgicos, embora também recebam contribuições inervatórias acessórias de

neurônios glutaminérgicos. O modelo psíquico de dependência química é constituído,

teoricamente, dos quatro circuitos acima descritos, os quais podem ser modificados na

sua fisiologia por experiências vivenciadas pelo uso crônico de drogas, principalmente os

opioides, cocaína e álcool. Dessa forma, a drogadição eleva a valorização do uso da

droga através dos fenômenos de gratificação, motivação e memória, os quais suplantam

os circuitos inibitórios (controle racional) exercido pelo córtex pré-frontal. Esse fato,

favorece a exacerbação de um sistema de feedback positivo iniciado e perpetuado pelo

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consumo de drogas, o qual culmina com a perda gradativa da crítica consciente das

atitudes em busca da satisfação conferida pelo efeito da mesma 16.

As drogas com potencialidade aditiva geram o fenômeno de gratificação por estimulação

de neurônios dopaminérgicos pré-sinápticos localizados na área tegumentar ventral do

cérebro, produzindo um estado de euforia. A administração repetitiva dessas substâncias

estimula a manutenção da liberação de dopamina, resultando em respostas prazerosas

as quais, para o usuário, estabelecem uma correlação direta entre o ato de administração

da droga e a geração de prazer 17.

O etanol e os benzodiazepínicos produzem seus efeitos farmacológicos através da

ligação com receptores GABA do tipo A. O etanol também inibe os receptores NMDA

sensíveis ao glutamato 17.

Os opioides têm suas atividades farmacológica mediada através dos receptores

acoplados a proteína G, sendo que receptores opioides μ (mi) são os responsáveis pela

analgesia e síndrome de abstinência. Na fase inicial de uso, os opioides ativam os

receptores μ, os quais inibem a adenilciclase, diminuindo os níveis de AMPc, sendo que

as administrações subsequentes dessensibilizam os receptores opioides, resultando no

desenvolvimento de tolerância. Estimulação crônica dos receptores opioides resulta no

fenômeno de up regulation da vias AMPc, dessa forma aumentando os fatores

reguladores da transcrição genética (fosforilação do CREBS - AMPc elementos

responsivos à ligação proteica e DELTA-fos). A remodelação sináptica ocorre nos

neurônios em resposta ao DELTA–fos, podendo essas alterações persistirem por

semanas ou meses após a parada no uso de opioides 17.

Após longos períodos, é configurada uma situação de down regulation sendo que essa

situação exige do dependente químico uma elevação progressiva das doses de drogas

para a obtenção de níveis estáveis de prazer e gratificação, o que frequentemente resulta

em over dose e morte.

Quando o nível de droga, no plasma e receptores, diminui após períodos longos de

utilização da mesma, desencadeiam-se sinais de abstinência que são produzidos por um

aumento no débito adrenérgico de neurônio localizados no locus ceruleus 17.

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As alterações na função dos neurotransmissores resultam no desencadeamento de

tolerância, caracterizada pela necessidade de elevação da dose e redução dos intervalos

entre as administrações no sentido de obter o mesmo grau de prazer através de seu

efeito farmacodinâmico (fenômeno de down regulation).

O remodelamento de circuitos neuronais no cérebro pode persistir por mais de dois anos

após a interrupção na administração da droga. Esse fato evidencia que a dependência

química é uma doença crônica. O entendimento das alterações neuronais associadas

com a dependência química é importante para criar terapias específicas com ação em

receptores e neurônios alterados pelas drogas.

5 ASPECTOS SOCIAIS

As evidências que confirmam a vulnerabilidade dos anestesiologistas adictos propõem

algumas explicações. Os toxicodependentes buscam oportunidades, praticando

anestesia para obter acesso direto aos opioides e outras drogas anestésicas para o

abuso. Diferentemente da maioria dos médicos que realizam prescrições ou receitas de

medicamentos a serem administrados por outras pessoas do que eles mesmos, os

anestesiologistas pessoalmente administram drogas diariamente, com a possibilidade de

desviar as drogas para o seu próprio uso. A tensão durante administração da anestesia

pode ser intensa, daí a de busca de alívio para amenizar a pressão da administração de

fármacos que podem levar a morte do paciente ou sérias lesões 18.

Personalidades dos profissionais da anestesia podem predispô-los ao vício. Para alguns

anestesiologistas, o que torna atrativo fazer anestesia são as recompensas em curto

prazo pelo esforço, o risco de fazer algo com consequências de vida ou morte para o

paciente e a adrenalina descarregada em determinadas situações de emergência no

intuito de controlar alguma intercorrência. Esse fenótipo é compartilhado por aqueles que

tendem a experimentar drogas ilícitas 18.

O centro cirúrgico é o local onde os anestesiologistas permanecem a maior parte do

tempo. É neste ambiente onde ocorre a maior parte das situações de estresse, os

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problemas de relacionamento interpessoal, as dificuldades na realização do trabalho e a

presença e utilização das drogas.

Grande parte dos anestesiologistas apresentam um esquema de trabalho alternando

plantões que duram de 12 a 24 horas, com trabalhos autônomos ligados às equipes de

cirurgia que circulam diversos hospitais. Totalizando a carga horária semanal de trabalho,

os anestesiologistas apresentam uma média entre 50 a 130 horas.

Há dois aspectos importantes no trabalho do anestesiologista. De um lado, o sentimento

onipotente de poder controlar a dor e a vida do paciente por meio de drogas que ele

manipula, por outro a sensação de insegurança que essa vivência proporciona devido ao

risco de perder o paciente.

Pode-se observar que a carreira de anestesiologia revela um paradoxo para muitos

profissionais da área. Há uma procura por esta especialidade como forma de se afastar

do sofrimento do paciente devido pouca habilidade em ouvir as queixas de ordem

psicológica e social, assim como lidar com os casos em que há baixa resolutividade dos

procedimentos e conduta. Porém, o exercício da anestesiologia caracteriza-se por ser

uma atividade bastante estressante, pois o médico deve estar atento o tempo inteiro para

eventuais intercorrências, por vezes inesperadas, o que pode levar à perda do controle

sobre a situação, ao contato direto com o sofrimento dos pacientes e familiares e, em

último caso, com a morte.

A exposição ambiental contribui de forma significante para a alta taxa de dependência

entre anestesiologistas. A exposição dos profissionais ao ar do local de trabalho gera

uma sensibilização do sistema de recompensa cerebral, facilitando o interesse a

experimentar as drogas abusivas. A exposição se daria por partículas aerossolizadas no

ar do centro cirúrgico 19.

Há um ciclo vicioso na rotina do anestesiologista que tende a derrubar os mecanismos

de enfrentamento e aumentar as chances do profissional fazer má utilização de uma

substância a fim de lidar com o estresse. O ciclo começa tipicamente com a fadiga física,

o que parece ser parte integrante da prática anestésica moderna. A fadiga leva a erros

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médicos, que, por sua vez, por meio da autorrecriminação e um processo de imperícia,

levam ao estresse e aumento da fadiga emocional. Qualquer um desses fatores podem

levar um profissional a procurar uma maneira de aliviar o estresse. Com a disponibilidade

de drogas, infelizmente esse caminho leva ao consumo e abuso de drogas, que por sua

vez leva a uma espiral de vícios 20. A fadiga, para o anestesiologista, pode ter origem

física, mental ou emocional. Não raro todas as três têm importante papel causador da

síndrome de burnout.

O conceito de burnout, originalmente usado para descrever os usuários de drogas que

haviam atingido o fundo do seu vício, foi expandido para incluir as pessoas que trabalham

de forma intensa e que responderam negativamente, gerando tensões emocionais e

interpessoais 21. As três dimensões principais que definem o burnout são exaustão,

cinismo e ineficácia profissional. O elemento-chave que leva ao esgotamento

considerado como o mais importante, é um estado de exaustão que ocorre nos níveis

físico, emocional e mental 22. É a combinação de carga de trabalho e exigências

emocionais no trabalho que servem como geradores de estresse e que levam a burnout

21. Esses mesmos fatores de estresse também têm sido associados às várias formas de

abuso de drogas e dependência química. As populações mais jovens, abaixo de 30 anos

de idade, parecem estar em maior risco de esgotamento em relação aos trabalhadores

mais idosos 21. Portanto, não é surpreendente encontrar uma alta taxa de burnout e

ideação suicida na população de estudantes de medicina altamente estressados 23. Entre

os profissionais de anestesia, são os estagiários, residentes e anestesiologistas recém-

formados os mais suscetíveis a burnout e a voltarem para as drogas como um mecanismo

de enfrentamento.

6 ASPECTOS CLÍNICOS

Independentemente de quais são as drogas utilizadas, qualquer incomum e persistente

mudança de comportamento deve ser motivo de alarme. Classicamente, estes

comportamentos incluem grandes alterações de humor, tais como períodos de

depressão, raiva e irritabilidade, alternada com períodos de euforia.

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Embora não seja um dos critérios específicos para o diagnóstico de transtornos

relacionados com a droga, a negação universal pode representar um dos principais

obstáculos ao tratamento do médico viciado 24. O viciado não reconhece que ele tem um

problema, raramente o tratamento é procurado espontaneamente. A negação não é

diminuída por educação e formação, embora alguns especialistas têm mesmo sugerido

que médicos e outros profissionais altamente educados podem ter um mecanismo de

negação bem desenvolvido. Pacientes médicos são muitas vezes descritos como tendo

idéias grandiosas de invulnerabilidade e auto-suficiência, e como incapazes de aceitar

que o abuso leva ao vício e que o vício é a perda de autonomia 25.

Os sintomas no trabalho são os últimos a aparecer, primeiramente na comunidade e, em

seguida, em casa. O sinal patognomônico é auto-administração de drogas. Adicção é

muitas vezes detectado quando um indivíduo é encontrado comatoso. Indivíduos cujo

vício permanece sem tratamento são muitas vezes encontrados mortos.

A identificação inicial de indivíduos com dependência química pode ser extremamente

difícil, mas com o progresso dessa patologia, alguns sinais podem se tornar mais

evidentes. Infelizmente, os amigos, as esposas, os familiares e os colegas

frequentemente negam o problema, com receio de assumirem a responsabilidade sobre

o mesmo ou por medo de prejudicar socialmente o dependente.

Os sinais de dependência química podem ser observados tanto fora quanto dentro do

ambiente hospitalar.

Fora do hospital, os seguintes sinais podem ser percebidos: postura isolacionista,

alterações comportamentais frequentes (humor, depressão, irritabilidade, agressividade),

alternância euforia/depressão, instabilidade psíquica, despesas elevadas não

justificadas, problemas jurídicos frequentes, atividades extraconjugais, elevados

números de conflitos na atividade profissional, usualmente apresenta hálito e odor de

álcool, com ou sem sinais de alcoolismo, sucessivos desentendimentos domiciliares,

atividade sexual diminuída, troca constante de emprego, necessidade de estar próximo

a localização da droga, constante aparecimento de seringas, frascos, ampolas e garrafas

na proximidade do domicílio, habitualmente procuram lugares isolados (por exemplo,

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banheiros), esquecimento de seringas com sangue, gazes, algodões e garrotes em locais

estranhos, presença ocasional de sinais clínicos ou subclínicos de síndrome de

abstinência (diaforese), sudorese e tremores de extremidades, pupilas puntiformes

(opioides), descuido com a higiene pessoal e indumentária, palidez e emagrecimento

acentuado e, em casos mais drásticos, são encontrados em coma ou mortos antes que

os sinais acima tenham sido notados 26.

Já os sinais clínicos de dependência química observados dentro do hospital são:

utilização de elevadas quantidades de drogas opioides e hipnóticas durante o

procedimento anestésico, alterações comportamentais durante atividade clínica diária,

fichas de anestesia pouco organizadas, confusas e irreais, negam a alimentação

oferecida durante o trabalho, preferem trabalhar sozinhos, são voluntários para casos

extraescala, preferem cirurgias de grande porte e demoradas (por exemplo, cirurgias

cardíaca, neurológicas e transplantes com anestesia venosa total), frequentemente

assumem plantões de outros colegas, preferencialmente à noite e durante fins de

semana, constantemente desaparecem nos intervalos das cirurgias, vão aos sanitários

com maior frequência, queixam-se de frio rotineiramente, apresentam a pele pálida e

pupilas puntiformes e são vistos frequentemente à noite no hospital, sem motivo

justificado. Em determinados casos, podem ser encontrados em coma ou mortos no

próprio ambiente hospitalar 26.

O período de tempo durante o qual essas alterações são manifestadas depende da droga

em que o indivíduo tornou-se viciado. Dependência de álcool, normalmente, leva anos

para se tornar aparente enquanto o vício aos opioides de ação rápida, tais como o fentanil

e sufentanil, torna-se aparente ao longo de alguns meses de uso.

Tão poderosa é a adicção que a necessidade intensa pela droga faz com que pessoas

inteligentes recorram a um comportamento aparentemente incrédulo, a fim de obter sua

droga de escolha a qualquer custo. Os adictos podem solicitar a utilização de um agente

para determinado procedimento anestésico, quando na verdade, esse agente nem

mesmo é necessário.

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Os testes para a detecção de drogas e ou metabólitos das mesmas no organismo do

indivíduo dependente da problemática no caso dos anestesiologistas já que, até o

momento, é difícil a detecção de fentanil e seus congêneres na urina e no plasma. Os

testes mais sofisticados ainda são muito caros, visto que os resultados falsos negativos

na urina são frequentes. Amostras de saliva ainda carecem de validação. Some-se a isso

a existência de aspectos jurídicos na colheita de amostras de forma compulsória 26.

Exames de fio de cabelo têm sido reportados como mais válidos, uma vez que são mais

difíceis de sofrerem adulteração e por contemplarem uma janela temporal mais ampla 27.

7 TRATAMENTO

Em 1993, um estudo revisou o problema da dependência entre anestesiologistas (Opioid

Addiction in Anesthesiology) e propôs estratégias de tratamento e prevenção 28.

Alguns estudos sugerem que, uma vez feito o diagnóstico de dependência, o médico

deve ser encaminhado para uma internação, se possível, especializada para médicos. A

maioria dos tratamentos tem como base o modelo Minnesota que inclui desintoxicação,

abstinência monitorada, educação intensiva, participação em grupos de mútua ajuda e

psicoterapia 29.

Muitos médicos se deparam com situações em que há um grau robusto de suspeição

quanto ao comportamento de uso de substâncias por um colega médico. Daí a

necessidade de uma abordagem, ao mesmo tempo, firme e compassiva. Torna-se

imprescindível que se conheçam as leis trabalhistas e as vias de encaminhamento para

o tratamento, que diferem de um país a outro e de região à região. Independentemente

de diferenças nas leis, alguns componentes de uma abordagem de caso envolvem:

- Mostrar interesse em ouvir a problemática que o paciente-médico tem a expressar;

- Evitar o confronto, buscando motivar para uma avaliação especializada;

- Indicar profissional treinado para o atendimento de dependências;

- Procurar garantir que, uma vez em tratamento, o emprego e a remuneração serão

preservados, bem como o anonimato. Se o médico não conseguir retornar ao trabalho

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como anestesista, o ideal é que o serviço o auxilie na transição para outra área de

atuação dentro da medicina;

- Solicitar ao médico responsável pelo tratamento que encaminhe relatórios diários

quanto à manutenção e aderência ao tratamento;

- A depender das variáveis locais quanto ao sigilo e ao envolvimento ou não dos órgãos

reguladores do exercício profissional, amostras de fio de cabelo negativas são requeridas

para o retorno à atividade em centro cirúrgico. Esta parece ser a forma mais confiável de

observar a cessação ou não do uso de substâncias.

Um dos paradoxos da prevenção da dependência entre anestesiologistas é que muitos

são competitivos, prestativos, dedicados ao trabalho e sem sinais psicopatológicos

evidentes. Assim, estratégias que tenham como foco todos os anestesiologistas

(prevenção universal) podem fazer mais sentido e obterem melhores resultados que

estratégias de prevenção seletiva, apenas dirigidas para grupos com maiores

vulnerabilidades 30.

Dessa forma, sugere-se que os programas dirigidos à saúde do anestesiologista tenham

amplo leque de ação e não apenas o enfoque na dependência de substâncias – o que

poderia, inclusive, macular a estratégia de divulgação do serviço. Programas voltados à

qualidade de vida e saúde do médico podem ser bem vindos e sofrer menos resistência

a sua implementação e manutenção 30.

A recaída é vista como uma falha do tratamento mais do que como uma circunstância

inerente à própria patologia. Mudanças nas vias cerebrais de neurotransmissão

permanecem por longos períodos após a cessação do consumo de droga e se

manifestam de modo rápido após a retomada do consumo (reinstalação da síndrome de

dependência), o que leva ao fenômeno de recaída 30.

Inicialmente, é importante que os empregadores tenham um procedimento bem definido

e compassivo quando lidar com um colega que desenvolva problemas relacionados às

drogas. Ressaltando que o tratamento deva ser feito por profissionais com experiência

para lidar com médicos dependentes químicos.

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Um programa de monitoramento prolongado sugeriu que o tempo de afastamento inicial

para um residente que tenha dependência de opioides deva ser de, no mínimo, doze

meses para que o médico se concentre na sua recuperação. Depois deste período, deve

ser estabelecido um retorno gradual a prática, a começar pelas atividades com menor

exposição as drogas e com alto grau de monitoramento. A abordagem das constantes

comorbidades psiquiátricas é essencial, uma vez que essas se constituem em fator de

risco importante para recaídas 31.

O importante guia “Princípios do tratamento efetivo da dependência”, produzido pelo

NIDA (National Institute on Drug Abuse) elenca as ferramentas úteis e cientificamente

comprovadas no manejo clínico. Estudos de meta-análise têm dado suporte à validade

destes princípios. Dentre essas ferramentas, é importante citar que o tratamento costuma

ser longo, sendo que internações podem ser necessárias, além da utilidade de

abordagens em grupo, psicoterapia e farmacoterapia. O tratamento da comorbidade

psiquiátrica, comum nessa clientela (algo em torno de 50%), também é imprescindível 32.

O anestesiologista deve ficar afastado de seu trabalho e de qualquer outra atividade

médica por um período inicial. Não é necessária a internação, desde que o

anestesiologista esteja aderente ao tratamento e não apresente comorbidades

psiquiátricas graves que indiquem o contrário. Lembrar que a internação costuma ser

custosa, além de ser estigmatizante.

A família deve contribuir para a aderência às diversas modalidades de tratamento

propostas. Integrar a família ao tratamento tem se demonstrado uma peça chave na

manutenção do tratamento ao longo dos anos. Um ponto chave é fornecer orientações

tanto aos familiares quanto aos colegas do paciente médico. Procura-se trabalhar com

os colegas no sentido de conscientizá-los de que o médico está necessitando de ajuda

e, de que lhe deve ser garantida a segurança econômica caso precise se afastar para

tratamento. Tal elemento é essencial, pois o contrário pode afugentar casos futuros a

procurar tratamento ou deixar os colegas pouco à vontade ao recomendar que um

anestesiologista com problemas busque ajuda.

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Em casos em que seja necessário o uso de opioides de substituição, a droga que

encontra mais respaldo na literatura médica é a metadona. A dose de metadona inicial

varia de 20 a 120 mg por dia, no entanto, na maioria das vezes, fica entre 30 e 60 mg por

dia. A manutenção da metadona deve ser restrita ao período de transição para a

abstinência e, após um período sem metadona de pelo menos duas semanas,

recomenda-se instituir o uso de um antagonista opioide chamado naltrexone, capaz de

reduzir a incidência de recaídas 33.

Um estudo comparou 11 anestesistas que buscaram tratamento por dependência de

opioides e tomaram naltrexone de forma supervisionada com outros 11 anestesistas que

não tomaram a medicação. No primeiro grupo, apenas um caso apresentou recaída, ao

passo que no segundo grupo, sete recaíram e somente um conseguiu retomar a

profissão. Nove dos onze médicos que tomaram naltrexone tiveram sucesso em sua volta

à anestesiologia 33.

Entretanto, alguns cuidados devem ser considerados. O naltrexone não deve ser

administrado nos primeiros dias de abstinência (ou nas primeiras duas semanas de

retirada da metadona, em caso de transição de fármacos), pelo risco de "super síndrome

de abstinência". O paciente deve assinar um termo de consentimento no uso da

medicação, uma vez que a parada do medicamento, seguida de recaída no uso de

opioides aumenta em muito o risco de overdose, por vezes fatal, por um processo de

hiper-sensibilização de receptores 33.

Não há consenso sobre como deve ser o retorno dos anestesiologistas que são

autorizados a reassumir a atividade em centro cirúrgico. O que é recomendado é que

haja colaboração de todas as partes envolvidas (chefes de serviço, familiares, psiquiatra

assistente e equipe clínica). O médico deve assinar um termo de consentimento

esclarecido, fornecer amostras de fios de cabelo, evitar trabalho noturno, aos finais de

semana e excesso de trabalho. Por fim, sugere-se um período de pelo menos um ano

afastado do centro cirúrgico, para melhor considerar a escolha profissional 34.

Bons resultados foram obtidos através de mudança de especialidade. Esse tipo de

procedimento deve contar, no entanto, com a colaboração do médico. É fundamental que,

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adicionalmente, com amparo legal, auxílio financeiro ao médico durante o processo e

suporte da família.

Grupos de mútua ajuda têm sido enfatizados como uma estratégia importante para lidar

com a dependência entre médicos. Em diversos países, há grupos específicos apenas

para médicos ou para médicos e profissionais de saúde. Tais grupos funcionam de forma

autônoma em relação aos serviços de atendimento a médicos.

O melhor controle da dispensação de fármacos, bem como melhor monitoramento das

fichas de procedimentos têm sido enfatizados como estratégias potencialmente úteis em

lidar com o desvio destas substâncias com fins de abuso. Melhor controle da dispensação

de anestésicos relaciona-se com maiores índices de detecção precoce de abuso 35.

O treinamento de residentes de anestesiologia para o enfrentamento de questões de

estresse profissional, dor, cansaço, sobrecarga de trabalho, burnout, ansiedade e

depressão, bem como a busca por suporte social e redução da sobrecarga de trabalho

tem sido reportados como estratégias de melhoria de qualidade de vida efetivas 36.

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