imputacao objectiva - acordao

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Acordao tribunal sobre imputação objetiva - direito penal

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  • Acrdos TRL Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa Processo: 2164/2008-3 Relator: CARLOS ALMEIDA Descritores: HOMICDIO POR NEGLIGNCIA

    ACUSAO MANIFESTAMENTE INFUNDADA

    CAUSALIDADE

    N do Documento: RL Data do Acordo: 03/26/2008 Votao: UNANIMIDADE Texto Integral: S

    Meio Processual: RECURSO PENAL Deciso: NEGADO PROVIMENTO

    Sumrio: I A conduta de uma arguida que iniciou a manobra de

    ultrapassagem de um velocpede imediatamente antes de uma

    passadeira de pees, que se aproximou excessivamente da roda

    traseira do mesmo quando transitava na sua retaguarda e que

    passou perto quando circulava a par dele violou as regras de

    cuidado legalmente estabelecidas, o que justifica a concluso de

    que foi objectivamente negligente.

    II Isto no significa que, num plano normativo, o resultado

    que adveio deva necessariamente ser imputado quela conduta.

    Deciso

    Texto

    Integral:

    Acordam, em conferncia, no Tribunal da Relao de Lisboa

    I RELATRIO

    O Ministrio Pblico, no termo da fase de inqurito do processo n. 87/04.7GTTVD,

    deduziu contra a arguida P. a acusao que se transcreve:

    No dia 12 de Fevereiro de 2004, cerca das 14H20m, na Estrada Nacional 9, ao km

    61,7, Ponte do Rol, no sentido Torres Vedras/Ponte do Rol, a arguida P conduzia o

    veculo ligeiro de passageiros com a matrcula XX-XX-XX, marca Fiat, modelo Punto,

    seguindo sua frente no mesmo sentido de marcha uma bicicleta (velocpede) com a

    matrcula X-TVD-UU-VV, conduzida por A.

    O local acima referido situa-se dentro da localidade, a faixa de rodagem tem 6 metros de

    largura e composta por duas hemifaixas de rodagem, uma em cada sentido. O tempo

    estava bom.

    A via configura uma recta com boa visibilidade, precedida de uma curva para a direita,

    atento o sentido de marcha dos veculos.

    No local acima referido existe uma passadeira de pees (sinalizada no pavimento) que se

    encontra tambm assinalada com o sinal vertical de informao H7 (passagem de

    pees).

    A circulava junto da berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

    No momento acima referido a arguida, aps descrever a curva, aproximou-se do

    velocpede e, apesar de saber que estava a aproximar-se da passadeira de pees, decidiu

    ultrapass-lo.

    Como vinha trnsito em sentido contrrio, a arguida decidiu efectuar a ultrapassagem

    http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/Por+Ano?OpenView

  • passando perto do velocpede de forma a ocupar o menos possvel a hemifaixa de

    rodagem contrria.

    Assim, apesar de estar a pouco mais de 3 metros da passadeira, a arguida aproximou-se

    da roda traseira do velocpede - a cerca de um metro - e comeou a ultrapass-lo.

    Nesse mesmo momento, A, por pretender passar a circular na berma esquerda da via,

    atento o seu sentido de marcha, e querendo aproveitar a passadeira que estava mesmo

    sua frente para atravessar a estrada, levantou o brao esquerdo para sinalizar a sua

    inteno e, acto contnuo, virou o velocpede para a esquerda, sem se aperceber que

    dessa forma ia contra o veculo da arguida que estava perto de si.

    Tal no impediu, dada a proximidade entre ambos, o embate entre a parte de trs do

    velocpede e o lado direito do pra-choques da frente do veculo da arguida, embate este

    ocorrido a cerca de 3 metros da passadeira.

    Devido ao embate, o velocpede rodopiou e Antnio Gomes foi arremessado contra o

    pra-brisas, lado direito, do veculo da arguida, embatendo no mesmo com violncia,

    sendo depois arremessado contra o pavimento.

    O veculo da arguida ficou parado em cima da passadeira, no eixo da via, ocupando a

    hemifaixa contrria de rodagem.

    Em consequncia dos vrios embates A sofreu poli-traumatismos, nomeadamente

    crnio-vasculo-enceflicos, melhor descritos a fls. 51 e que aqui dou como reproduzidos,

    que lhe determinaram a morte no dia 15 de Fevereiro de 2004, no Hospital de S. Jos,

    apesar dos tratamentos hospitalares a que foi sujeito at essa data.

    O embate acima descrito deveu-se - para alm do facto de A ter iniciado a manobra de

    atravessar a via sem se certificar que o podia fazer em segurana e sem avisar com

    antecedncia essa sua inteno, ao facto da arguida, de forma imprevidente e

    descuidada, ter efectuado a manobra de ultrapassagem junto a uma passadeira de pees

    e muito perto do velocpede, quando podia e devia ter efectuado a ultrapassagem noutro

    local e mais afastada do velocpede.

    A arguida quis agir de forma voluntria, livre e consciente, bem sabendo ser proibido o

    seu comportamento.

    Cometeu assim a arguida, em autoria material singular:

    - um crime de homicdio por negligncia, p. e p. no art. 137, 1, com referncia aos arts.

    35, 1, 38, 1, 41, 1, al. d), do Cdigo da Estrada (redaco em vigor data dos

    factos).

    Remetidos os autos para a fase de julgamento, a sr. juza veio a proferir o despacho

    que, na parte para este efeito relevante, se transcreve:

    O Digno Magistrado do Ministrio Pblico deduziu acusao contra P, melhor

    identificada a fls. 127, imputando-lhe a prtica, em autoria material, de um crime de

    homicdio por negligncia, p. e p. no art. 137, n. 1, com referncia aos arts. 35, n. 1,

    38, n. 1, e 41, n. 1, al. d), todos do Cdigo da Estrada (na redaco em vigor data

    dos factos).

    A imputao do crime teve por base os seguintes factos:

    - No dia 12 de Fevereiro de 2004, cerca das 14H20, na Estrada Nacional n. 9, ao Km

    61,7, em Ponte do Rol, Torres Vedras, no sentido Torres Vedras/Ponte do Rol, a arguida

    conduzia o veculo automvel de matrcula XX-XX-XX, seguindo sua frente no mesmo

  • sentido de marcha uma bicicleta com a matrcula X-TVD-UU-VV, conduzida por A;

    O local situa-se dentro da localidade, a via tem 6 metros de largura e composta por

    duas hemifaixas de rodagem, uma em cada sentido;

    - A via configura uma recta com boa visibilidade, precedida de uma curva para a direita,

    atento o sentido de marcha dos veculos;

    - No referido local existe uma passadeira para pees (sinalizada no pavimento) que se

    encontra tambm assinalada com o sinal vertical de informao H7 (passagem de

    pees);

    - A circulava junto da berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha;

    - No momento acima referido, a arguida, aps descrever a curva, aproximou-se do

    velocpede e, apesar de saber que estava a aproximar-se da passadeira para pees,

    decidiu ultrapass-lo;

    - Como vinha trnsito em sentido contrrio, a arguida decidiu efectuar a ultrapassagem

    passando perto do velocpede de forma a ocupar o menos possvel a hemifaixa de

    rodagem contrria;

    - Assim, apesar de estar a pouco mais de 3 metros da passadeira, a arguida aproximou-

    se da roda traseira do velocpede - a cerca de um metro - e comeou a ultrapass-lo;

    - Nesse mesmo momento, A, por pretender passar a circular na berma esquerda da

    via, atento o seu sentido de marcha, e querendo aproveitar a passadeira que estava

    mesmo sua frente para atravessar a estrada, levantou o brao esquerdo para sinalizar

    a sua inteno e, acto contnuo, virou o velocpede para a esquerda, sem se aperceber

    que dessa forma ia contra o veculo da arguida que estava perto de si;

    - A arguida ainda accionou os traves e desviou o veculo para a esquerda;

    -Tal no impediu, dada a proximidade entre ambos, o embate entre a parte de trs do

    velocpede e o lado direito do pra-choques da frente do veculo da arguida, embate este

    ocorrido a cerca de 3 metros da passadeira;

    - Em consequncia do acidente, o A veio a falecer.

    Invocou o Ministrio Pblico a infraco ao disposto nos arts. 35, n. 1, 38, n. 1 e 41,

    n. 1, al. d), todos do Cdigo da Estrada (na redaco em vigor data dos factos), como

    causal do acidente e, consequentemente, do homicdio negligente.

    Estabelece o art. 35, n. 1, do Cdigo da Estrada ento em vigor que "O condutor s

    pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudana de direco, inverso do sentido

    de marcha e marcha atrs em local e por forma que da sua realizao no resulte perigo

    ou embarao para o trnsito".

    Depois dispe o n. 1 do art. 38 que "O condutor de veculo no deve iniciar a

    ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veculo

    que transite no mesmo sentido ou em sentido contrrio".

    Por fim, refere o art. 41, n. 1, al. d), do mesmo cdigo, que " proibida a

    ultrapassagem imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de

    pees".

    Ora, efectivamente houve uma coliso entre o veculo conduzido pela arguida e o

    velocpede conduzido pelo malogrado A . Mas, tal como resulta da factualidade

    alegada, foi o velocpede do A que foi colidir com o veculo conduzido pela arguida,

    porque, ele, A, inadvertidamente e sem atentar ao facto da arguida ter dado incio a

    uma ultrapassagem, ter repentinamente virado o velocpede para a esquerda.

  • Refere, porm, a acusao que a arguida iniciou a ultrapassagem ao velocpede em local

    proibido, posto que a pouco mais de 3 metros de uma passadeira para pees. E que o

    A pretendia aproveitar a passadeira ali existente para atravessar a estrada e passar a

    circular na berma esquerda, atento o sentido de trnsito de ambos os veculos.

    Contudo, alm de constar tambm da acusao que o A virou repentinamente para a

    esquerda, sem se certificar que o podia fazer com segurana, e que o embate ocorreu a

    cerca de 3 metros da passadeira, o que faz concluir que o Ano pretenderia atravessar

    na passadeira, a verdade que apenas tm prioridade nas passadeiras os pees, no

    podendo utiliz-las para o atravessamento da via os condutores de velocpedes neles

    montados.

    De todo o modo, o Apretendia realizar uma manobra de mudana de direco que,

    para a sua realizao, obedece tambm ao princpio geral consagrado no n. 1 do art.

    35 do Cdigo da Estrada. Isto , cabia ao Acertificar-se de que da realizao daquela

    manobra no resultaria perigo ou embarao para o trnsito, o que no fez.

    Assim, podemos concluir que o A contribuiu seguramente para a produo do

    acidente.

    Ter a arguida igualmente contribudo para o mesmo, atravs da violao das

    disposies legais que o Digno Magistrado do Ministrio Pblico invoca?

    Entendemos que no.

    Na verdade, pese embora a arguida tenha infringido a disposio legal que impede que

    se realizem manobras de ultrapassagem imediatamente antes e nas passagens

    assinaladas para a travessia de pees (art. 41, n. 1, al. d) do C.E.), o facto que no foi

    essa sua manobra que deu causa ao acidente. Diremos mais: o referido preceito legal

    tem como finalidade proteger os pees que procedem ao atravessamento da via nas

    referidas passagens.

    Alis, circulando o velocpede conduzido pelo Ajunto da berma do lado direito,

    sempre cortaria a linha de marcha do veculo conduzido pela arguida, ao realizar a

    manobra de mudana de direco como o fez.

    De todo o modo, no se v da matria alegada qualquer facto de onde resulte que a

    arguida infringiu o disposto aos artigos 35, n. 1 e 38, n. 1, do Cdigo da Estrada. Da

    manobra realizada pela arguida no resultou perigo ou embarao para o trnsito e a

    coliso ocorrida no se verificou em funo da conduta da arguida, mas sim do A.

    Resta, pois, concluir que no existe nexo causal entre a conduta da arguida e o embate

    ocorrido que vitimou o infeliz A. Da que tambm no estejam preenchidos os

    elementos constitutivos do crime de homicdio negligente imputado arguida, por no

    se poder assacar arguida uma conduta negligente causadora da morte.

    Nestes termos, ao abrigo do disposto na al. a) do n. 2 do art. 311 do Cdigo de Processo

    Penal, rejeito a acusao do Ministrio Pblico por a mesma ser manifestamente

    infundada, uma vez que os factos dela constantes no integram a prtica do crime

    imputado arguida nem de qualquer outro.

    Sem custas.

    2 O Ministrio Pblico interps recurso desse despacho.

    A motivao apresentada termina com a formulao das seguintes concluses:

    1. Os factos constantes da acusao, ao contrrio do sustentado no despacho recorrido,

  • integram a prtica de um crime de homicdio por negligncia, p. e p. no art. 137, 1, do

    Cdigo Penal.

    2. Os elementos de facto que devem constar da acusao para integrar o crime

    imputado, no caso de um acidente de viao, so, em sntese:

    - a morte de uma pessoa

    - um comportamento violador de regras de cuidado na circulao estradal

    - um nexo de causalidade entre esse comportamento e o resultado morte

    3. O despacho recorrido aceita, obviamente, que da acusao consta que ocorreu uma

    morte, e ainda que a arguida violou deveres de cuidado constantes do Cdigo da

    Estrada, negando, no entanto, qualquer nexo de causalidade entre o dano e o

    comportamento negligente.

    4. Ao contrrio que sustentado no despacho recorrido, a causa da morte no foi

    exclusivamente uma manobra repentina da vtima, nem as regras que probem efectuar

    ultrapassagens junto das passadeiras se destinam apenas a proteger os pees.

    5. Desde logo, no consta da acusao que a manobra da vtima foi repentina, como

    refere o despacho recorrido, mas apenas que a manobra foi logo aps o sinal do brao

    de que ia virar para a esquerda.

    6. Mas mesmo admitindo, como alis se admite expressamente na acusao, que a

    vtima foi co-responsvel pelo acidente, tal no afasta a responsabilidade criminal da

    arguida.

    7. A responsabilidade criminal exige apenas que a conduta negligente da arguida

    tambm tenha concorrido para o resultado morte, mesmo que em menor grau que a

    conduta da vtima, admitindo o direito penal uma responsabilidade criminal partilhada

    (extinta, no caso da vtima, pela morte, para alm de a nica vtima ter sido ele).

    8. Ora, consta da acusao e o prprio despacho recorrido aceita, que a arguida violou 2

    deveres de cuidado (embora se refiram 3 normas):

    - efectuou uma ultrapassagem junto de uma passadeira, violando o disposto no art. 41,

    1, d) do CE

    - efectuou uma ultrapassagem circulando muito perto do velocpede, violando o disposto

    no art. 38, 1, do Cdigo da Estrada, que concretiza o princpio geral do art. 35, 1, do

    mesmo diploma

    9. Desde logo, conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias (Temas bsicos da doutrina

    penal, Coimbra Editora, 2001, pg. 359), a violao de uma norma jurdica de

    comportamento constituir indcio por excelncia de uma contrariedade ao cuidado

    objectivamente devido, s sendo afastada em casos excepcionais.

    10. Na acusao, refere-se que o ciclista virou para a esquerda e embateu no veculo da

    arguida. O problema que esta, caso cumprisse o disposto no art. 38, 1, do Cdigo da

    Estrada, no podia estar nessa posio, a ultrapassar to perto do velocpede.

    11. Consta da acusao que a arguida efectuou a ultrapassagem perto do velocpede,

    porque vinha trnsito em sentido contrrio.

    12. Neste caso, a arguida, que deveria ter esperado que no viesse trnsito em sentido

    contrario, de forma a efectuar a ultrapassagem em segurana, decidiu fazer a manobra,

    acreditando que o velocpede nunca ocuparia muito espao, podendo fazer a

    ultrapassagem sem ter de se afastar muito dele.

    13. O risco desta manobra precisamente de poder ocorrer um embate, caso o

  • velocpede se desvie um pouco, o que efectivamente sucedeu.

    14. Bastou ao velocpede virar para a esquerda, ainda na sua faixa de rodagem o que

    alis deveria fazer, pois a lei refere que ele se deve aproximar o eixo da via antes de

    virar esquerda (art. 44 do Cdigo da Estrada) para embater no veculo da arguida.

    15. Acresce que a manobra de ultrapassagem foi efectuada perto de uma passadeira, em

    violao do disposto no art. 41, 1, d), do Cdigo da Estrada.

    16. Afirmar que a regra de proibio de ultrapassagem antes de uma passadeira apenas

    pretende proteger os pees configura uma leitura formal do mbito de proteco da

    norma, sem atender ao efeito da mesma para todos aqueles que circulem na via.

    17. Como sabido, no tipo de ilcito negligente, e em especial na circulao rodoviria,

    existe o chamado princpio da confiana (ver Figueiredo Dias, Comentrio

    Conimbricense do Cdigo Penal, Coimbra Editora, 1999, pg. 109), segundo o qual, e

    aplicando ao caso, quem circula na via pode confiar que os outros condutores tambm

    cumprem as regras de trnsito.

    18. Assim, o condutor do velocpede, pretendendo virar para a esquerda, e sabendo que

    para o fazer teria, legalmente, de se aproximar do eixo da via, ao se aproximar de uma

    passadeira e ao ver que vinham veculos em sentido contrrio, tinha o direito a confiar

    que no existia qualquer veculo a ultrapass-lo.

    19. Por esse motivo, segundo consta da acusao, o mesmo depois de fazer o sinal com o

    brao, acto contnuo (e no repentinamente, repete-se), virou para a esquerda. Neste

    gesto, foi embater no veculo da arguida que, legalmente, no podia encontrar-se ao seu

    lado. O acto ilcito da arguida criou o perigo de embate, que o velocpede no s no

    podia contar como tinha o direito a ter confiana de que no existia.

    Termos em que, por violao do disposto nos art. 137 do Cdigo Penal e 311 do

    Cdigo de Processo Penal, deve o presente recurso se considerado procedente,

    revogando-se o despacho recorrido, que dever ser substitudo por outro que receba a

    acusao e designe data para julgamento.

    Desta forma se fazendo justia.

    3 A arguida respondeu motivao apresentada pelo Ministrio Pblico

    defendendo a improcedncia do recurso (fls. 186 a 190).

    4 Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 191.

    5 Neste tribunal, a sr. procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi

    apresentado, emitiu o parecer de fls. 197 a 199.

    6 Foi cumprido o disposto no artigo 417, n 2, do Cdigo de Processo Penal.

    II FUNDAMENTAO

    7 O despacho proferido pela sr. juza, tal como o recorrente reconhece

    explicitamente logo no incio da sua motivao, fez uma correcta aplicao dos

    poderes que lhe so conferidos pelo artigo 311, n. 3, alnea d), do Cdigo de

    Processo Penal, tendo-se limitado a analisar os factos tal como eles constam da

    acusao, no tendo formulado qualquer juzo quanto aos indcios que deles se

    podero colher no inqurito.

  • A divergncia cifra-se apenas, portanto, em saber se aqueles factos constituem crime

    [alnea d) do n. 3 do artigo 311] e, consequentemente, se a acusao deduzida ou

    no manifestamente infundada [alnea a) do n. 2 do mesmo preceito legal].

    8 Como o demonstram as peas processuais transcritas, o recorrente e a sr. juza

    sustentaram, com elevao, as suas posies, centrando-se a divergncia, mais

    concretamente, no juzo que ambos fazem quanto possibilidade de imputao

    objectiva do resultado conduta da arguida, por todos considerada como violadora

    de normas de cuidado.

    Na verdade, parece ser consensual que a arguida, ao iniciar a manobra de

    ultrapassagem do velocpede imediatamente antes de uma passadeira de pees [alnea

    d) do n. 1 do artigo 41 da redaco ento vigente do Cdigo da Estrada], ao

    aproximar-se excessivamente da roda traseira do mesmo quando transitava na sua

    retaguarda (artigo 18, n. 1) e, eventualmente, ao passar perto quando circulava a

    par dele (artigo 18, n. 2) violou regras de cuidado legalmente estabelecidas que

    justificam a concluso de que a sua conduta foi objectivamente negligente.

    Essa conduta foi uma condio sine qua non do embate e do resultado morte que

    dele adveio.

    O que se discute portanto, como se disse, apenas a questo de saber se, num plano

    normativo, esse resultado pode ser imputado quela conduta[1].

    Colocada assim a questo, devemos dizer, antes de mais, que, a nosso ver, o perigo

    decorrente da aproximao do veculo conduzido pela arguida roda traseira do

    velocpede no se materializou no resultado morte, sendo, para tanto, completamente

    irrelevante. Se a aproximao pela retaguarda se tem feito em conformidade com o

    disposto no n. 1 do artigo 18 da redaco ento vigente do Cdigo da Estrada o

    resultado teria seguramente tido tambm lugar.

    No se pode, portanto, imputar a morte ao comportamento violador daquela regra de

    cuidado.

    Tambm no se pode imputar aquele resultado ao facto de a arguida ter iniciado a

    ultrapassagem do velocpede imediatamente antes do local assinalado para a

    travessia de pees [artigo 41, n. 1, alnea d), do Cdigo da Estrada] uma vez que

    esta norma visa a proteco daqueles que circulam a p e pretendem atravessar a

    faixa de rodagem (artigo 101), o que manifestamente no era o caso da vtima, que

    conduzia um velocpede na hemifaixa, junto da berma do lado direito, atento o seu

    sentido de marcha.

    E no se diga, como faz o recorrente, que o princpio da confiana legitimava que a

    vtima se tivesse comportado da forma como o fez porque podia contar que, naquelas

    circunstncias, nas imediaes de uma passadeira de pees, no seria ultrapassado

    por quem quer que fosse. Salvo o devido respeito, se algum, naquele caso, podia

    contar com um comportamento diferente de terceiros era a prpria condutora do

    veculo, que tinha todo o direito de esperar que a vtima no pretendesse aproveitar a

    passadeira que estava mesmo sua frente para atravessar a estrada, como se de um

    peo se tratasse, e, em consequncia, no levantasse o brao esquerdo para sinalizar a

    sua inteno e, acto contnuo, no virasse o velocpede para a esquerda, sem se

    aperceber que dessa forma ia contra o veculo da arguida que estava perto de si, o que

    ../Local%20Settings/mariarosario/Os%20meus%20documentos/JURISPRUDNCIA/Dr%20CARROLA/2164.08.doc#_ftn1

  • levou a que, dada a proximidade entre ambos, se verificasse o embate entre a parte

    de trs do velocpede e o lado direito do pra-choques da frente do veculo da arguida,

    embate este ocorrido a cerca de 3 metros da passadeira.

    Note-se que, ao actuar desta forma, a vtima no se encontrava a realizar qualquer

    mudana de direco para a esquerda (artigo 44), para o que seria legtimo que se

    aproximasse do eixo da via, uma vez que no pretendia entrar em qualquer outra

    estrada existente no local. Pretendia apenas passar a circular na berma esquerda da

    via, atento o seu sentido de marcha.

    Acrescente-se ainda que, mesmo que se considere que a arguida no manteve uma

    distncia lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veculo e os veculos que

    transitam na mesma faixa de rodagem (artigo 18, n. 2), o que, em face da matria

    de facto narrada na acusao, no certo, pode afirmar-se que o acidente se

    produziria seguramente mesmo que tal distncia tivesse sido respeitada tendo em

    conta as circunstncias em que ocorreu o acidente e em especial que o embate se deu

    entre a parte de trs do velocpede e o lado direito do pra-choques da frente do

    veculo da arguida. Quer isto dizer que, mesmo que a distncia entre os veculos

    fosse superior, o embate no deixaria de se dar.

    Assim, e pelo sumariamente exposto, entende este tribunal que o resultado morte no

    pode ser objectivamente imputado conduta da arguida, o que afasta a sua

    relevncia criminal, razo pela qual decide julgar improcedente o recurso interposto

    pelo Ministrio Pblico.

    III DISPOSITIVO

    Face ao exposto, acordam os juzes da 3 seco deste Tribunal da Relao em julgar

    improcedente o recurso interposto pelo Ministrio Pblico.

    Sem custas.

    Lisboa, 26 de Maro de 2008

    (Carlos Rodrigues de Almeida)

    (Horcio Telo Lucas)

    _______________________________________________________ [1] No que a seguir se dir seguiremos a posio de DIAS, Jorge de Figueiredo, in

    Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2 edio, Coimbra Editora, Coimbra, 2007,

    em especial, p. 336 e segs. e 881 e segs.

    ../Local%20Settings/mariarosario/Os%20meus%20documentos/JURISPRUDNCIA/Dr%20CARROLA/2164.08.doc#_ftnref1