INSTITUTO DE EDUCAÇÃO JOSÉ DE PAIVA NETTO E O … · O norte desse trabalho foi a adoção de...

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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO JOSÉ DE PAIVA NETTO E O MAPREI: UMA FERRAMENTA PEDAGÓGICA FACILITADORA DE INTERAÇÃO ALUNO/PROFESSOR Aline Braga Trevisan Maria Suelí Periotto Relato de Experiência Resumo: O Método de Aprendizagem por Pesquisa Racional, Emocional e Intuitiva (MAPREI) é uma ferramenta pedagógica criada pelos professores do Instituto de Educação José de Paiva Netto, que tem auxiliado no desafio de envolver estudantes de comunidades com altos índices de vulnerabilidade social. O objetivo é promover um processo dinâmico de aprendizagem, com incentivo a um saber crítico e solidário, mediado pela ação do professor. Composto de 6 etapas aplicáveis a conteúdos de diferentes áreas e níveis de complexidade, aliadas ao desenvolvimento de valores de cidadania, apresenta resultados como a diminuição do risco de evasão escolar, avanço nos indicadores de qualidade e no percentual de egressos que deram continuidade à trajetória acadêmica. Palavras-chave: MAPREI, ferramenta pedagógica, valores de cidadania.

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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO JOSÉ DE PAIVA NETTO E O MAPREI:

UMA FERRAMENTA PEDAGÓGICA FACILITADORA

DE INTERAÇÃO ALUNO/PROFESSOR

Aline Braga Trevisan

Maria Suelí Periotto

Relato de Experiência

Resumo:

O Método de Aprendizagem por Pesquisa Racional, Emocional e Intuitiva

(MAPREI) é uma ferramenta pedagógica criada pelos professores do Instituto

de Educação José de Paiva Netto, que tem auxiliado no desafio de envolver

estudantes de comunidades com altos índices de vulnerabilidade social. O

objetivo é promover um processo dinâmico de aprendizagem, com incentivo a

um saber crítico e solidário, mediado pela ação do professor. Composto de 6

etapas aplicáveis a conteúdos de diferentes áreas e níveis de complexidade,

aliadas ao desenvolvimento de valores de cidadania, apresenta resultados

como a diminuição do risco de evasão escolar, avanço nos indicadores de

qualidade e no percentual de egressos que deram continuidade à trajetória

acadêmica.

Palavras-chave: MAPREI, ferramenta pedagógica, valores de cidadania.

Proposta de comunicação

Problema

O presente relato visa compartilhar experiências do Instituto de Educação José

de Paiva Netto, escola filantrópica de São Paulo/SP voltada a famílias de baixa

renda, na promoção do progresso contínuo do desempenho escolar de seus

estudantes, no aumento do percentual de egressos que vão para o ensino

superior imediatamente após a conclusão do Ensino Básico e na conquista e

manutenção do índice zero de evasão escolar, entre outros resultados.

Esses números tornam-se ainda mais significativos pelo fato de a escola ter a

maioria absoluta de seus alunos oriundos de famílias das camadas populares,

e pelo fato de não selecionar aqueles com maiores possibilidades de progresso

acadêmico no processo de matrícula. Pelo contrário, uma equipe de

assistentes sociais, de acordo com critérios técnicos estabelecidos pela Política

Nacional de Assistência Social (PNAS), prioriza as famílias conforme seu grau

de vulnerabilidade social (indicador abrangente e multidimensional de exclusão

social).

Essa prática se deve ao próprio histórico da unidade escolar, que teve início

como creche em 1986, fundada pela Legião da Boa Vontade (LBV), uma das

mais antigas entidades de Assistência Social do País. Em 1993, atendendo a

uma demanda dos pais atendidos, estende esse trabalho para o Ensino

Fundamental e para o Ensino Médio, permanecendo com foco nas famílias

menos favorecidas. Conforme ampliava a faixa etária beneficiada, a escola

passava a enfrentar o desafio também colocado para a rede pública de

prevenir a evasão dos adolescentes.

Embora as camadas populares tenham conquistado expressivo avanço

educacional nos últimos anos, seus indicadores quantitativos e qualitativos

nesta área são ainda bem inferiores às médias nacionais, uma vez que, de

acordo com dados do IBGE de 2012, 32,2% dos jovens brasileiros de 18 a 24

anos desistiram de estudar antes de completar o Ensino Médio, proporção que

supera 50% entre os jovens do quinto mais pobre da população.

Frente a esta realidade, o Instituto de Educação José de Paiva Netto, ao

promover os encontros de formação continuada dos docentes, procurou

caminhos que pudessem auxiliar o planejamento dos conteúdos, por meio de

ações interdisciplinares, com pesquisas e participação dos professores, que

construíram conjuntamente estratégias que envolvessem ainda mais os

educandos nas aulas. O norte desse trabalho foi a adoção de abordagens

dinâmicas e significativas para os estudantes, que fomentassem a sua

participação nas aulas e valorizassem o seu repertório cultural e familiar.

Nasceu, assim, a metodologia que hoje é utilizada na rede de escolas da LBV,

recebendo o nome de MAPREI (Método de Pesquisa Racional, Emocional e

Intuitiva), que possui 6 etapas de aplicação, e que pode ser utilizado em

quaisquer disciplinas, em todos os níveis da Educação Básica.

Objetivos

-> Instrumentalizar os professores participantes com as principais etapas do

MAPREI, uma vez que o aprendizado do aluno resulta de um conjunto de

ações individuais e do grupo, que englobam a busca, a reflexão e o

amadurecimento do saber que, para ser seguramente apreendido pelo ser

humano, necessita percorrer o seguinte trajeto:

A busca pelo conhecimento parte do indivíduo, é compartilhada com o

grupo e necessariamente volta para o ser humano, que a internaliza.

1ª ETAPA - Identificação do conteúdo/área temática

A palavra chave desta etapa é “mobilização”. Cada planejamento do MAPREI

começa por uma atividade mobilizadora, preparada pelo professor mediante a

temática a ser desenvolvida. O assunto a ser contemplado (conteúdo/área

temática a ser discutido no trimestre, bimestre, quinzena ou semana) não fica

necessariamente explicitado na primeira etapa, uma vez que o objetivo do

educador não é revelar rapidamente qual tema será desenvolvido, mas

despertar a atenção do educando nessa apresentação inicial, garantindo a

continuidade de seu interesse durante o tempo em que estiverem debruçados

sobre o tema contemplado naquele MAPREI.

1ª etapa:

Pedagogia do Afeto Educação Infantil e Ensino Fundamental

(1º ao 5º ano)

Pedagogia do Cidadão Ecumênico Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e

Ensino Médio

Palavra–chave: Mobilizar Objetivos: - Apresentar o tema a ser desenvolvido; - Pontuar os subtemas sugeridos.

Palavra–chave: Mobilizar Objetivos: - Apresentar o conteúdo, projeto, planejamento;

Estratégias: - Hora do conto; - Roda de conversa; - Chuva de palavras; - Leitura oral (textos, poesia, jornal); - Música; - Dinâmicas; - Filmes; - Atividades Externas.

- Pontuar sugestões apresentadas pelos alunos. Estratégias: - Bate-papo; - Leitura oral (textos, poesia, jornal); - Música; - Explanação oral; - Dinâmicas; - Filmes; - Atividades externas (passeios e visitas).

2ª ETAPA: Busca Individual do Conhecimento

Esta etapa dispara uma pesquisa individual, com a busca do conhecimento

mais alargado da temática proposta. O professor estabelece subtemas

diferenciados, de modo que o material a ser pesquisado enriqueça o

conhecimento de todos, considerando seus aspectos diversificados, porém

convergentes ao assunto em questão.

2ª etapa:

Pedagogia do Afeto Educação Infantil e Ensino Fundamental

(1º ao 5º ano)

Pedagogia do Cidadão Ecumênico Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e

Ensino Médio

Palavras–chave: Intuição e Pesquisa Objetivos: - Mobilizar atividades de pesquisa (coleta de materiais); - Propor participação da família; - Despertar a intuição. Estratégias: - Recorte e colagens; - Produções artísticas; - Tarefa de casa envolvendo pais; - Utilização de fotos, documentos pessoais etc.

Palavras–chave: Intuição e Pesquisa Objetivos: - Mobilizar atividades de pesquisa (coleta de materiais). Estratégias: - Colagens; - Trabalhos escritos e resumos; - Vídeos; - Lista de palavras–chave; - Reportagens; - Letras de música.

3ª ETAPA: Socialização do conhecimento

Após ter realizado a pesquisa individual, cada educando irá socializá-la com os

demais colegas de sala. O aluno destaca o trecho que achou mais significativo

e agregador à temática proposta e é convidado pelo professor a compartilhar

oralmente o conteúdo que selecionou. Geralmente, o professor estabelece o

tempo de um ou dois minutos para a apresentação individual de cada

estudante.

3ª etapa:

Pedagogia do Afeto Educação Infantil e Ensino Fundamental

(1º ao 5º ano)

Pedagogia do Cidadão Ecumênico Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e

Ensino Médio

Palavras–chave: Mediar e aprofundar Objetivos: - Propor construção do conhecimento; - Incentivar o diálogo e a reflexão; - Aprofundar conceitos; - Sistematizar conteúdo. Estratégias: - Construção de painéis, murais e cartazes; - Utilização de vídeos, livros paradidáticos, mapas, jornais, revistas etc; - Exposições; - Uso da apostila ou livro didático; - Rodas de conversa (grandes grupos e grupos menores).

Palavras–chave: Mediar e aprofundar Objetivos: - Incentivar o diálogo e a reflexão; - Sistematizar os dados levantados; - Aprofundar conceitos; - Esclarecer e corrigir conceitos. Estratégias: - Produzir um quadro sinóptico cronologicamente organizado; - Elaborar painéis, murais e cartazes; - Construir coletivamente um texto; - Formular questões; - Promover debates, gincanas e exposições; - Colóquios e mesas-redondas; - Apresentação oral dos dados coletados; - Uso da apostila ou livro didático.

4ª ETAPA: Conclusão

Nesta etapa está prevista a primeira conclusão do tema em discussão. É a

partir dela que o professor introduz o material que preparou sobre a temática-

foco deste MAPREI. Agora, seguindo apostilas, livros didáticos ou

paradidáticos, vai “costurar” o que tem a acrescentar ao que já foi exposto

pelos alunos, fruto de suas pesquisas, mediante a socialização ocorrida na

etapa anterior. A proposta, neste momento, é fechar uma conclusão parcial

acerca da temática, com a confecção de trabalhos, desta vez em grupos.

4ª etapa:

Pedagogia do Afeto Educação Infantil e Ensino Fundamental

(1º ao 5º ano)

Pedagogia do Cidadão Ecumênico Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e

Ensino Médio

Palavra–chave: Produção Objetivos: - Concluir tema ou o projeto elaborado; - Elaborar o documento de conclusão; - Sistematizar o conteúdo propriamente dito. Estratégias: - Produção artística individual ou em grupo; - Registro de conteúdo no álbum didático; - Utilização de apostila, livro didático, lista de atividades; - Utilização de cadernos: cartografia, pedagógico, brochura, quadriculado; - Produção escrita ou prática sobre a conclusão do assunto.

Palavra–chave: Produção Objetivos: - Concluir o tema ou o projeto elaborado; - Elaborar o documento de conclusão; - Sistematizar o conteúdo propriamente dito. Estratégias: - Registro das produções no caderno; - Uso da apostila ou livro didático para fixar conceitos; - Utilização de lista de atividades; - Produção escrita ou plástica sobre conclusão do assunto.

5ª ETAPA: Apresentação de Resultados

Neste passo do MAPREI, em sua quinta etapa, é importantíssimo o

reconhecimento do empenho dos que atuaram na ação educacional realizada,

na dimensão que tenha acontecido, valorizando-se do menor ao maior trabalho

desenvolvido pelos componentes dos grupos.

Com o propósito de incentivar e compartilhar as criações que surgem das

atividades finalizadas, a escola convida a família e a comunidade do entorno a

assistir às apresentações e/ou visitar as exposições dos materiais

confeccionados pelos alunos envolvidos nas propostas.

5ª etapa:

Pedagogia do Afeto Educação Infantil e Ensino Fundamental

(1º ao 5º ano)

Pedagogia do Cidadão Ecumênico Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e

Ensino Médio

Palavras–chave: Escola-Família-Comunidade Objetivos: - Compartilhar o conteúdo vivenciando com os demais grupos da escola e da família. Estratégias: - Exposições na escola;

Palavras–chave: Escola-Família-Comunidade Objetivos: - Compartilhar o conteúdo vivenciando com os demais grupos da escola e da família. Estratégias: - Exposição na escola;

- Mostras ou feiras culturais; - Gincanas; - Dramatizações; - Apresentações musicais.

- Mostras de feiras culturais; - Gincana; - Dramatização; - Apresentações musicais; - Colóquios.

6ª ETAPA: Conclusão Individual

Como forma de conclusão Individual, é hora de avaliar o que foi apreendido. A

sexta etapa do MAPREI torna-se um dos momentos de avaliação formal, mas

não o mais importante, uma vez que diversos recursos foram até aqui utilizados

para registrar o desenvolvimento e a apreensão do conteúdo trabalhado nas

unidades temáticas.

6ª etapa:

Pedagogia do Afeto Educação Infantil e Ensino Fundamental

(1º ao 5º ano)

Pedagogia do Cidadão Ecumênico Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e

Ensino Médio

Palavra–chave: Internalização Objetivos: - Registrar o conteúdo assimilado Estratégias: - Atividades plásticas, cênicas e musicais; - Atividades escrita (caderno, sulfite, apostila ou livro didático).

Palavra–chave: Internalização (fechamento) Objetivos: - Registrar o conteúdo assimilado. Estratégias: - Uso do caderno, apostila ou livro didático; - Produção de textos; - Elaboração de projetos; - Avaliação oral e/ou escrita.

-> Fomentar a reflexão sobre o currículo trabalhado com os estudantes, seu

diálogo com a realidade familiar, comunitária e social vivenciadas por eles.

Será apresentada a experiência concreta do Instituto de Educação José de

Paiva Netto, que estruturou um programa que envolve alunos desde a idade

em que estão no berçário (4 meses) ao Ensino Médio, bem como a EJA

(Educação de Jovens e Adultos), trabalhado de forma transversal em todas as

matérias.

Metodologia

A experiência será apresentada em duas partes. A primeira, expositiva, trará os

principais conceitos relacionados ao Maprei, sua contextualização e exemplos.

A segunda, prática, consistirá na produção pelos professores presentes de

planos de aulas que envolvam algum tema presente em suas disciplinas,

construídos de acordo com as etapas do Maprei. O formato da segunda parte

será estruturado de acordo com a estimativa de público presente ao evento. No

encerramento, será realizada uma dinâmica em que alguns professores

participantes poderão compartilhar suas produções com os demais presentes

e, na oportunidade, esclarecerem dúvidas que surgirem no processo.

O próprio conteúdo da apresentação foi sistematizado dentro das 6 etapas do

Maprei, a saber: Identificação do Conteúdo (Palavra-chave: Mobilização),

Busca Individual do Conhecimento (Pesquisa), Socialização do Conhecimento,

Conclusão (Produção), Apresentação de Resultados e Conclusão Individual.

Os passos seguidos são explicitados ao público, no final da apresentação,

como demonstração da metodologia.

Esboço de fundamentação teórica

O Instituto de Educação José de Paiva Netto foi fundado com a diretriz de desenvolver estratégias de aprendizagem que propiciassem a plena exteriorização do potencial intelectual de cada educando, independente de sua origem social. Para tanto, foi necessário estruturá-lo para, por um lado, não ignorar as limitações presentes na realidade de cada família, e, por outro, também não encará-las como fatores limitantes definitivos do progresso acadêmico;ao contrário, valorizar a riqueza interior do aluno, sua bagagem cultural familiar. Bourdieu (2007) fez importante contribuição a esse debate, revelando o peso da origem do estudante sobre seu desempenho acadêmico, prevalecendo sobre o suposto papel integrador que as escolas teriam para os indivíduos das camadas populares:

É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da ‘escola libertadora’, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade as desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural. (BOURDIEU, 2007, p. 41).

Em que pese seu importante papel na reprodução das desigualdades sociais

conforme diagnosticado por Bourdieu, o sistema escolar não produz sozinho

este resultado. Lahire (2004) identificou a existência de uma complexa relação

de interdependência entre família e escola na produção do chamado “sucesso”

ou “fracasso” escolar nos meios populares. O pesquisador colheu dados de

crianças em seus próprios domicílios na cidade francesa de Lyon, com notas

etnográficas sobre cada contexto de entrevista. Somou os dados das escolas

em que estudavam as crianças selecionadas e aprofundaou a análise geral

que as envolveu, considerando a aprendizagem, a situação socioeconômica e

a bagagem cultural de cada família (entre outros critérios). E concluiu:

Se a família e a escola podem ser consideradas como redes de interdependência estruturadas por formas de relações sociais específicas, então o fracasso ou o sucesso escolares podem ser apreendidos como o resultado de uma maior ou menor contradição, do grau mais ou menos elevado de dissonância ou de consonância das formas de relações sociais de uma rede de interdependência a outra. (LAHIRE, 2004, p. 19-20).

Assim, mediante as informações do núcleo familiar de onde vem o estudante, a

escola vai empenhando-se a fim de que o desenvolvimento pedagógico dos

alunos seja estimulado adequadamente. Esse esforço contínuo de criar

condições para o educando de ser protagonista em sua aprendizagem passa,

segundo Paulo Freire, pelo incentivo à uma postura responsável, solidária, pela

comunidade em que o educando está inserido. Freire (1998) chama a atenção

para esse aspecto mais abrangente da educação, que não deve reduzir-se à

transmissão de conhecimentos técnicos aos educandos.

Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. (FREIRE, 1998, p. 37)

Nesse contexto, o Instituto de Educação José de Paiva tem desenvolvido uma

série de estratégias para fornecer ao educando elementos para que ele possa

capacitar-se para formular respostas críticas aos desafios que surgirem nas

escolhas pessoais, nas relações de convivência, nas ações de cidadania e no

mundo do trabalho. Entre elas, o presente relato realça o papel do Maprei no

desenvolvimento das potencialidades do educando, na medida em que traduz,

em termos práticos, uma abrangente concepção de ensino:

Instruir é Iluminar a Consciência. Sem Educação e Instrução não há progresso. Todavia, educar e instruir não é apenas ensinar a ler, a mergulhar nos livros. (...). Isso apenas será conseguido quando todos souberem ver, além do intelecto, com os olhos do Espírito. (PAIVA NETTO, 2000, p. 265).

Os professores esperam, com o MAPREI, que o aluno, de modo consciente,

torne-se coautor do seu processo educacional. Propõe, ainda, que, ao esforço

contínuo de incentivar o educando a ser protagonista do seu próprio processo

de aprendizagem, seja fortalecida a postura solidária em atividades na

comunidade escolar.

(...) um mundo menos terrível, menos cruel, podemos esperar uma humanização, podemos humanizar e civilizar nossa Terra. Tudo isso pressupõe, ainda, a religação. Ela é uma necessidade vital para o pensamento, para o desabrochar

dos seres humanos, que precisam de amizade e de amor e que, sem isso, definham e se amarguram. (MORIN, 2001, p. 53).

Uma das preocupações do cotidiano dessa escola filantrópica é o reforço junto

aos professores que compõem a equipe pedagógica acerca da prioridade do

educando aprender. Assim, o foco do MAPREI está na aprendizagem, não

fazendo parte de uma ação assistencialista de uma escola cuidadora: seu

papel é priorizar a capacidade intelectual presente em todo educando,

potencial que essa escola considera não ser determinado pela extensão da

bagagem cultural da família e/ou de sua situação socioeconômica.

Ao propor que o professor seja mediador de uma aprendizagem que envolva e

entusiasme o educando em suas ações escolares, existe a intenção de que

ambos somem conhecimentos, num processo de coautoria de um saber

compartilhado. Na aplicação dessa proposta, o aprendiz é protagonista como

partícipe do cenário educacional e tem no professor o responsável por conduzir

seu processo de construção do conhecimento.

FREIRE (2005) aponta a urgência dessa inter-relação professor/educando, ao

afirmar que “o diálogo é este encontro dos homens, mediatizado pelo mundo,

para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu.”, ressaltando

que “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo:

os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. E, ainda:

Embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É nesse sentido que ensinar não é transferir conhecimento, conteúdos, nem formar é a ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. (FREIRE, 2005, p.91)

Ao acontecer esta inter-relação, estando o professor disposto a tal

jornada, a mediação pode gerar maior envolvimento dos alunos nas propostas

levadas à sala de aula, encurtando a distância entre quem forma e quem é

formado. Os professores concluíram que a qualidade da mediação docente

pode diferenciar-se à medida que, utilizando os mesmos instrumentos e

ferramentas, observam-se resultados satisfatórios ou nem tanto, uma vez que

cada professor emprega seu próprio modo de ser na condução de uma sala de

aula. Ramón Queraltó apud Quadros: 2001 destaca o alcance da mediação

pessoal, reforçando que esta vai muito além dos instrumentos utilizados para

essa finalidade:

Um instrumento quer significar algo que é utilizado com o objetivo de obter alguns resultados específicos, e é abandonado uma vez que tais resultados tenham sido

alcançados, até a próxima etapa em que ele possa ser necessário novamente para os objetivos da produção científica. Em outras palavras, um instrumento é um meio, como quando se emprega para falar, para utilizar e deixá-lo de lado. Mas uma mediação, no entanto, constitui-se em algo mais, nominalmente, um meio o qual tem valor permanente, de tal forma que a atividade com a qual se correlaciona acaba por determinar-se em função deste meio ou mediação. (QUADROS, 2001, p. 175)

Resultados obtidos

A infraestrutura de suporte social às famílias dos estudantes do Instituto de

Educação José de Paiva Netto, somadas às inovações metodológicas

adotadas hoje por 100% do seu corpo de educadores, sintetizadas no Maprei

— objeto deste relato —, permitiram ao conjunto educacional alcançar:

-> Índice de evasão escolar zero, inclusive entre grupos de maior

vulnerabilidade ao abandono escolar precoce, conforme documentos dos

alunos comprobatórios de sua frequência escolar, sem desistência;

-> Avanços contínuos no aproveitamento pedagógico dos estudantes,

conforme dados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) disponibilizados

pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira);

-> Taxa elevada de continuidade nos estudos (após a conclusão da Educação

Básica, em 2013, 85% dos alunos concluintes já tinham faculdade nas quais

foram aprovados em vestibulares para cursarem em 2014. Os outros 15%

optaram por dedicarem-se ao ensino técnico ou cursos pré-vestibulares).

Em virtude desses resultados, a Legião da Boa Vontade foi convidada, em

julho de 2011, a organizar um painel temático sobre Educação dentro da

programação oficial da Reunião de Alto Nível do Conselho Econômico e Social

da ONU, ocorrida na sede do organismo, em Genebra. Voltada ao debate

sobre os objetivos educacionais internacionais, a Reunião de Alto Nível contou

com a presença de ministros de Estado, altos funcionários da ONU e

delegações dos países-membros.

Na oportunidade, a Instituição foi ressaltada pelos participantes pelos

ambientes livres de violência e políticas de prevenção ao bullying e a outros

modos de intimidação ou afrontamento físico/verbal. Devido aos altos índices

de violência do Brasil, que se manifestam também no contexto educacional, a

LBV foi procurada pelas suas práticas de promoção da Cultura de Paz.

(ANEXO 1)

Conclusão

Escola e educadores visam a prover condições suficientes para que o

educando possa caminhar, mesmo que na contramão de expectativas sociais.

Para tal, necessária se faz uma atenção especial à metodologia e ao currículo,

com os quais o MAPREI caminha continuamente, alinhando objetivos e

estratégias didáticas. Sacristan (2002) refere-se a esse tipo de esforço, ao

afirmar que

Um currículo (...) requer uma estrutura escolar que permita e estimule a mescla social dentro da qual viver a diversidade, sedimentar aspirações compartilhadas, tolerar e entender o que é distinto, porque precisamos estar, participar e entender-nos com ele. A diferença cultural com orientação universalista ou o universalismo plural sensível às diferenças, para que sejam algo mais que atitudes intelectuais, requerem espaços públicos reais de convivência cotidiana. (SACRISTAN, 2002, p. 235)

Assim, ao compreender que a extensão de suas próprias ações o projeta para

um futuro promissor, o estudante consegue contrariar — conscientemente —

as expectativas de sensos oficiais indicadores de pequenas possibilidades de

ascensão acadêmica e profissional. E poderá ainda compartilhar desse

progresso com suas comunidades, à medida que essa trajetória é marcada

pela reflexão e debate acerca das responsabilidades de cada cidadão com os

avanços sociais tão necessários.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, P. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à

cultura. In:______. Escritos de educação. Organizadores Maria Alice Nogueira

e Afrânio Catani. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática

educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

LAHIRE, Bernard. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do

improvável. São Paulo: Ática, 2004.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 4ª ed. São

Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.

PAIVA NETTO, José de. Crônicas e Entrevistas. São Paulo: Elevação, 2000.

PERIOTTO, Maria Suelí (org.) Manual da Pedagogia do Afeto e da Pedagogia

do Cidadão Ecumênico. São Paulo: Editora Elevação, 2009.

QUADROS, Paulo S. Cibernética pedagógica na era das redes: a ótica da

educação digital na contemporaneidade. (Dissertação de Mestrado), São

Paulo: ECA/USP, 2001.

SACRISTAN, José Gimeno. Educar e conviver na cultura global: as exigências

da cidadania. Porto Alegre: Artmed, 2002.

ANEXO 1

Encontro mundial em Genebra

Artigo publicado no Jornal A Tribuna, sábado e domingo, 09 e 10 de julho de 2011

mente A Legião da Boa Vontade foi convidada para apresentar recomendações durante a Reunião de Alto Nível do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), das Nações Unidas, que ocorreu de 4 a 7 de julho, em Genebra, na Suíça. Entre os compromissos agendados, o Ecosoc indicou a participação da LBV como a representante da sociedade civil no encontro ministerial reservado, que se deu no dia 5, no Palais des Nations. Trata-se de um diálogo exclusivo entre governos promovido pela Unesco, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Banco Mundial, que teve como tema “Direcionando soluções para as necessidades dos jovens: educação e capacitação para o mundo do trabalho”. Na ocasião, Danilo Parmegiani, do escritório da LBV para as Nações Unidas, em Nova York, representou-me, expondo os resultados e as propostas da Pedagogia do Afeto e da Pedagogia do Cidadão Ecumênico, aplicadas há décadas na rede de ensino da LBV no Brasil e no mundo. A revista “BOA VONTADE Educação”, disponível em espanhol, francês, inglês e português, foi preparada especialmente e deu sua contribuição para esse importante acontecimento.

Em Genebra, o dr. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU; o sr. Nikhil Seth, diretor do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (UN/Desa) do Ecosoc, e a dra. Asha-Rose Migiro, vice-secretária-geral das Nações Unidas, recebem a revista “BOA VONTADE Educação” de Danilo Parmegiani, da LBV. O pronunciamento da LBV na plenária principal do evento da ONU, dirigido às autoridades internacionais presentes, foi transmitido ao vivo pela ONU TV para todo o mundo. Também na sede da ONU em Genebra, em 6 do corrente, tivemos o painel temático organizado pela LBV, “Educação de qualidade e equitativa: um desafio intersetorial para atingir os ODMs” (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, conjunto de metas dos países-membros da ONU). No ensejo, palestraram a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, chefe da Missão Permanente do Brasil junto à ONU em Genebra; o dr. Andrei Abramov, chefe da Seção de ONGs do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (UN/Desa); e a pedagoga Suelí Periotto, diretora do Instituto de Educação da LBV, em São Paulo/SP.

Painel organizado pela LBV na sede da ONU em Genebra, Suíça. No destaque, da esquerda para a direita, a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, chefe da Missão Permanente do Brasil junto à ONU em Genebra; Danilo Parmegiani, representante da LBV na ONU e mediador do painel; o dr. Andrei Abramov, chefe da Seção de ONGs do UN/Desa; e a pedagoga Suelí Periotto, supervisora da linha pedagógica da LBV. Ainda nesse dia, a convite, a LBV realizou pronunciamento na plenária principal do encontro da ONU, diante das autoridades internacionais presentes, transmitido em tempo real pela ONU TV para todo o mundo. A mensagem da Instituição foi traduzida nos seis idiomas oficiais das Nações Unidas (árabe, chinês, espanhol, inglês, francês e russo).