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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA - INPA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DEÁREAS PROTEGIDAS NA
AMAZÔNIA
CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANÇO
ANÁLISE DO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS COLETORES
TRADICIONAIS DE CASTANHA-DO-BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA H. B. K)
DA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ, PARÁ, BRASIL
Manaus - AM
2019
CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANÇO
ANÁLISE DO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS COLETORES
TRADICIONAIS DE CASTANHA-DO-BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA H.
B. K) DA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ, PARÁ,
BRASIL
Manaus - AM
2019
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Gestão de Áreas Protegidas da
Amazônia - MPGAP, na área de concentração
Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia,
como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Gestão de Áreas Protegidas da
Amazônia.
Orientador: Dr. Reinaldo Corrêa Costa, PhD.
SEDAB/INPA © 2019 - Ficha Catalográfica Automática gerada com dados fornecidos pelo(a) autor(a) Bibliotecário responsável: Jorge Luiz Cativo Alauzo - CRB11/908
P585a Picanço, Carlos Adriano Siqueira Análise do modo de vida dos quilombolascoletores tradicionais de castanha-do-brasil(Bertholletia excelsa H. B. K) da Reserva Biológicado Rio Trombetas, Oriximiná, Pará, Brasil / CarlosAdriano Siqueira Picanço; orientador Reinaldo CorrêaCosta. -- Manaus:[s.l], 2019. 265 f.
Dissertação (Mestrado - Programa de Pós Graduaçãoem Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia) --Coordenação do Programa de Pós-Graduação, INPA, 2019.
1. Coletores tradicionais de castanha-do-brasil. 2. Microrregião Alto Trombetas . 3. Modo devida. 4. Quilombolas. 5. Reserva Biológica do RioTrombetas. I. Costa, Reinaldo Corrêa, orient. II.Título. CDD: 333.72
Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus pais Sérgio e
Cleana, às minhas tias queridas Alba e
Albelina Picanço e à minha esposa Maria
Francisca.
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AGRADECIMENTOS
À minha família, especialmente, aos meus pais Sérgio e Cleana, e à minha esposa
Maria Francisca. Às minhas tias queridas Alba e Albelina Picanço, pois sem elas, talvez, não
tivesse conhecido o poder transformador que a educação é capaz de proporcionar. À minha
cunhada Simone e seu esposo Lenilton pelo apoio logístico em Porto Trombetas.
Ao professor Reinaldo Corrêa Costa, por suas valiosas orientações, sempre me
norteando para os caminhos que proporcionassem a uma aprendizagem do processo de
construção da produção do conhecimento científico.
Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Áreas Protegidas da
Amazônia, do Instituto Nacional de pesquisas da Amazônia (INPA), pela ética e compromisso
nos ensinamentos das disciplinas ministradas, que muito contribuíram para a minha formação
profissional.
Às professoras Ana Carla dos Santos Bruno, Vilma Terezinha Lima e Elisabete Brocki
pelas valiosas contribuições na banca de qualificação, que muito me ajudaram no decorrer da
pesquisa.
Ao Laboratório de Estudos Sociais (LAES) do INPA, pelo espaço para as discussões e
por ter proporcionado a convivência com colegas de outros cursos que participam de
programas de estágios/pesquisas no LAES: Bárbara Evelyn, Ana Cláudia, Sanae Ferreira.
Ao Instituto Federal de Rondônia pelo incentivo financeiro durante os 24 meses de
pesquisa. Ao ICMBio pelo apoio documental e pelo alojamento cedido durante a pesquisa
documental no NGI/Porto Trombetas.
À Carminha Arruda, Secretária do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Áreas
Protegidas da Amazônia (MPGAP), por sua dedicação à organização do curso e competência
extraordinária à frente da Secretaria do MPGAP.
Especialmente aos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil da
microrregião Alto Trombetas, os quais nos forneceram conhecimentos acerca da realidade do
seu modo de vida. Ao guia de campo Rélijshon Rocha por sua paciência e ensinamentos e à
Dona Dulce e Raimundo Dias Barbosa pela estadia na sua casa. E a família do seu Edílson
Mendes de Almeida.
Ao apoio da Arqmo: Claudinete Colé, Rogério Pereira, Carlos Printes. Ao apoio da
ACRQAT, Manoel Lucivaldo e da Associação Mãe Domingas, Ari Printes. Ao coordenador e
presidente da Associação de Moradores da Comunidade Último Quilombo, Rozinaldo
Barbosa, e aos demais coordenadores das comunidades quilombolas pesquisadas.
4
“Como temos açaí, pensamos um dia sermos
produtores de açaí. Pensamos em beneficiar
castanha... vender castanha já beneficiada. Então,
temos vários sonhos aí que estão rondando nossas
mentes, nossas ideias aí. Sim, nós temos cipó, por
exemplo, que faz a confecção de tapete, de cestas.
Vários itens, que são feitos através da matéria prima
do cipó. E nós pensamos sim em exportar essas
coisas feitas na comunidade. E temos também aí a
questão do extrativismo da castanha, é o nosso ponto
forte aqui. Pensamos em beneficiar como já falei,
vender ela também em casca, mas de uma forma
lavada, ensacolada e tudo mais, bem higienizada.
Temos também copaíba, pensamos também abrir um
mercado bom pra venda de copaíba. E aí vai, tem
outros, tem breu. Tem uma série de coisas na
floresta que estão aí prontos pra nos ajudar na
sobrevivência e no nosso desenvolvimento como ser
humano”.
Entrevistado 16, 2018.
Coordenador de comunidade.
5
PICANÇO, Carlos Adriano Siqueira. Análise do modo de vida dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H. B. K) da Reserva Biológica do
Rio Trombetas, Oriximiná, Pará, Brasil. 2019. 266 f. Dissertação (Mestrado Profissional em
Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia) – Programa de Pós-graduação em Gestão de Áreas
Protegidas da Amazônia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, 2019.
Orientador: Reinaldo Corrêa Costa.
RESUMO
A construção do modo de vida é intrínseca a construção do território. Assim, neste trabalho,
utilizou-se ambos os conceitos/categorias, de forma indissociável, uma vez que há a
necessidade de um território para a existência de um modo de vida e vice-versa. Nesse
sentido, objetivou-se analisar o modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H. B. K) que firmaram termos de compromisso com o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a coleta desse
produto na Reserva Biológica do Rio Trombetas, localizado na microrregião Alto Trombetas,
Oriximiná, Pará, Brasil, como subsídio para a gestão dessa unidade de conservação. Trata-se
de pesquisa qualitativa. A investigação foi realizada nos anos de 2018 e 2019, utilizando-se
como método procedimental para a coleta de dados o Estudo de Caso, com a utilização da
triangulação das fontes de dados (YIN, 2005). Os dados primários foram coletados por meio
de técnicas de observação de campo, entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental. As
entrevistas semiestruturadas foram aplicadas junto a 32 coletores tradicionais de castanha-do-
brasil que residem no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade Último
Quilombo, ambos localizados na microrregião Alto Trombetas, 02 regatões locais, gestora
chefe da Reserva Biológica do Rio Trombetas, 06 coordenadores de comunidades e 01
coordenador da Associação Mãe Domingas. As observações semiestruturadas foram
realizadas ao mesmo tempo e nos mesmos locais nos quais foram realizadas as entrevistas. A
pesquisa documental foi realizada nos arquivos do Núcleo de Gestão Integrada – Porto
Trombetas, do ICMBio, e na Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do
Município de Oriximiná (Arqmo). Os dados secundários foram obtidos por meio de pesquisa
bibliográfica e documental. Após a coleta e tratamento dos dados, utilizou-se a técnica de
análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Por meio da pesquisa se constatou que a implantação
da Mineração Rio do Norte (MRN), a criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas e da
Floresta Nacional Saracá-Taquera na microrregião Alto Trombetas tem relação direta com as
mudanças observadas no modo de vida e no uso do território pelos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil, dentre as quais se destaca a quase extinção de práticas
coletivas e de ajuda mútua, como o “puxirum”. Atualmente, as regras de moradia existentes
nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo limitaram os
deslocamentos frequentes pelo território de uso comum dos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil.
Palavras-chave: Coletores tradicionais de castanha-do-brasil. Microrregião Alto Trombetas.
Modo de vida. Quilombolas. Reserva Biológica do Rio Trombetas.
6
PICANÇO, Carlos Adriano Siqueira. Analysis of the way of life of traditional Brazil nut
collecting quilombolas (Bertholletia excelsa H. B. K) from the Trombetas River
Biological Reserve, Oriximiná, Pará, Brazil. 2019. 266 f. Dissertation (Professional
Master's Degree in Amazon Protected Areas Management) - Postgraduate Program in
Amazon Protected Areas Management, National Amazon Research Institute, Manaus, 2019.
Advisor: Reinaldo Corrêa Costa.
ABSTRACT
The construction of the way of life is intrinsic to the construction of the territory. So in this
both concepts / categories were used inseparably, once that there is a need for a territory for
the existence of a way of life and vice versa. versa. In this sense, the objective was to analyze
the way of life of the collecting quilombolas Brazil nuts (Bertholletia excelsa H. B. K) that
have signed terms of commitment to the Chico Mendes Institute for Biodiversity
Conservation(ICMBio) for the collection of this product in the Trombetas River Biological
Reserve, located in the Alto Trombetas microregion, Oriximiná, Pará, Brazil, as a subsidy
forthe management of this conservation unit. It is qualitative research. The investigation was
carried out in 2018 and 2019, using as the procedural method for the data collection the Case
Study, using the triangulation of data sources (YIN, 2005). Primary data were collected using
observation techniques. Field interviews, semi-structured interviews and documentary
research. The interviews were applied to 32 traditional Brazil nut collectors residing in the
Quilombola Alto Trumpets 1 Territory and the Ultimate community Quilombo, both located
in the Alto Trombetas microregion, 02 local regattas, chief manager of the Trombetas River
Biological Reserve,06 community coordinators and 01 coordinator of Associação Mãe
Domingas. The semi-structured observations were performed at the same time and in the
same places where the interviews were performed. The documentary research was carried out
in the archives of ICMBio's Integrated Management Center - Porto Trombetas, and at the
Quilombo Remnant Communities Association of Oriximiná (Arqmo). Secondary data were
obtained through bibliographic and documentary research. After data collection and
treatment, the content analysis technique was used (BARDIN, 2011). The research found that
the implementation of the Rio do Norte Mining (MRN), the creation of the Trombetas River
Biological Reserve and the Saracá-Taquera National Forest in the Alto Trombetas
microregion is directly related to the changes observed in lifestyle and the use of the territory
by traditional Brazil nut gatherers, among which stands out the almost extinction of collective
practices and mutual aid, such as the “pullirum”. Currently, the existing housing rules in the
communities of TQ Alto Trombetas 1 and the Ultima Quilombo community have limited
frequent displacements through the common use territory of traditional Brazil nut collecting
quilombolas.
Keywords: Traditional Brazil nut collectors. Microregion High Trumpets. Lifestyle.
Quilombolas. Trombetas River Biological Reserve.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Organograma dos níveis de organização social e territorial da microrregião Alto
Trombetas. ................................................................................................................................ 67
Figura 02 – Casas de um grupo familiar na comunidade do Abuí, no lago do Abuí, Território
Quilombola Alto Trombetas 1, microrregião Alto Trombetas, Oriximiná – PA......... ............ 68
Figura 03 – Linha histórica dos domínios territoriais na microrregião Alto Trombetas .......... 95
Figura 04 – Área de extração do minério de bauxita na Floresta Nacional Saracá-
Taquera..................................................................................................................................114
Figura 05 – Barragens de rejeitos de bauxita da Mineração Rio do Norte na Floresta Nacional
Saracá-Taquera. ...................................................................................................................... 115
Figura 06 – Centro comunitário da comunidade do Abuí ...................................................... 119
Figura 07 – Organograma da estrutura organizacional da Arqmo ......................................... 121
Figura 08 – Organograma das Associações de Territórios Quilombolas filiadas a Arqmo.........
123
Figura 09 – Casas na microrregião Alto Trombetas. .............................................................. 127
Figura 10 – Casa construída próxima a floresta no TQ Alto Trombetas 1 ............................. 127
Figura 11 – Quintais de casas na comunidade Último Quilombo, lago Erepecu, na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, no TQ Alto Trombetas 2, Oriximiná, Pará .............................. 128
Figura 12 – Roças na microrregião Alto Trombetas. À esquerda roça na comunidade Último
Quilombo, no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas ............................................ 134
Figura 13 – Trabalho de um grupo familiar na produção de farinha na comunidade
Abuí............ ............................................................................................................................ 147
Figura 14 – Início das atividades do Círio. ............................................................................. 150
Figura 15 – Círio realizado na comunidade Último Quilombo .............................................. 151
Figura 16 – Sanitário tipo “casinha” ...................................................................................... 155
Figura 17 – “Pontes” construídas nos chamados “portos”. .................................................... 169
Figura 18 – Principais meios de transporte utilizado pelos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas ......................................................... 171
Figura 19 – Árvore da castanheira-do-brasil e no canto superior, à direita, ouriços e sementes
da castanheira. ........................................................................................................................ 173
Figura 20 – Densidade da castanheira-do-brasil, que deve ser levada em consideração para
fazer os manejos e o trabalho de coleta. ................................................................................. 174
Figura 21 – Ecologia da castanheira-do-brasil, que pode variar em cada região. .................. 174
8
Figura 22 – Fluxograma que representa os espaços: da produção, institucional e do comércio,
nos quais ocorrem as diversas etapas da cadeia produtiva da castanha-do-brasil........ .......... 186
Figura 23 – Família do Sr. E. M. A., coletor tradicional de castanha .................................... 192
Figura 24 – Crachá do Coletor tradicional de castanha-do-brasil .......................................... 193
Figura 25 – Barraco do castanheiro construído ...................................................................... 194
Figura 26 – Etapas do beneficiamento da castanha-do-brasil realizado nas usinas de
beneficiamento........................................................................................................................ 196
Figura 27 – Papeleta de controle de transporte de castanha-do-brasil entregue aos
regatões.................. ................................................................................................................. 200
Figura 28 – Mulheres realizam trabalhos de lavagem, secagem, seleção da castanha-do-brasil
comercializada pela Associação Mãe Cecília, comunidade Último Quilombo, localizada no
interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. .................................................................. 204
Figura 29 – Diagrama da escala de economicidade da cadeia produtiva da castanha-do-brasil
coletada na Reserva Biológica do Rio Trombetas .................................................................. 209
9
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Localização da microrregião Alto Trombetas no município de Oriximiná. ........... 58
Mapa 02 – Áreas protegidas no entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas .................. 60
Mapa 03 – Comunidades da microrregião Alto Trombetas. .................................................... 61
Mapa 04 – Zona de Mineração na Flona Saracá-Taquera - Pará............................................ 113
Mapa 05 - Unidades de Manejo Florestal (UMFs) no interior da Floresta Nacional Saracá-
Taquera. .................................................................................................................................. 116
Mapa 06 – Terras Quilombolas e comunidades quilombolas no município de
Oriximiná..................... ........................................................................................................... 122
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Atividades produtivas praticadas para o sustento.............................................. 130
Gráfico 02 – Principais produtos provenientes do trabalho de coleta do TQ Alto Trombetas
1............ .................................................................................................................................. 137
Gráfico 03 – Principal fonte de renda ..................................................................................... 144
Gráfico 04 – Benefícios do Governo Federal ......................................................................... 144
Gráfico 05 – Local de captação da
água......................................................................................................................................169
Gráfico 06 – Formas de tratamento da água...... ..................................................................... 153
Gráfico 07 – Descarte do lixo ................................................................................................. 154
Gráfico 08 – Destinação dos excrementos ............................................................................. 155
Gráfico 09 – Fontes de energia utilizadas na microrregião Alto Trombetas .......................... 156
Gráfico 10 – O professor da comunidade é quilombola? ....................................................... 160
Gráfico 11 – Você conhece a história da formação dos quilombos?...................................... 160
Gráfico 12 – Famílias atendidas por agentes de saúde ........................................................... 161
Gráfico 13 – Famílias atendidas em postos de saúde ............................................................. 161
Gráfico 14 – Como e onde os quilombolas da microrregião Alto Trombetas tratam as
doenças... ................................................................................................................................ 163
Gráfico 15 – Doenças mais comuns entre os quilombolas da microrregião Alto Trombetas 163
Gráfico 16 – Meios de comunicação utilizados pelos quilombolas ....................................... 167
Gráfico 17 – Quantidade produzida (mil toneladas) e valor de produção (milhões de reais) na
extração vegetal de produtos não madeireiros ........................................................................ 178
Gráfico 18 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida no Brasil, em toneladas,
entre 1994 e 2017 ................................................................................................................... 179
Gráfico 19 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida nos estados brasileiros da
Amazônia, em toneladas, entre os períodos de 1994 a 2017 .................................................. 180
Gráfico 20 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida em Oriximiná e na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, em toneladas, entre os períodos de 1990 a 2005 e 2012 a
2018....... ................................................................................................................................. 183
Gráfico 21 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida no Brasil, na Região Norte,
no estado do Pará e no município de Oriximiná, em toneladas, entre 1994 e
2017.............................. .......................................................................................................... 184
Gráfico 22 – Associados, por Associação que firmou termo de compromisso com o ICMBio
11
para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas ........................ 188
Gráfico 23 – Homens e mulheres que firmaram termo de compromisso com o ICMBio para a
coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas. ................................. 188
Gráfico 25– Produção brasileira, exportação e consumo interno de castanha-do-brasil (1997-
2017).......................................................................................................................................208
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Áreas protegidas com incidência territorial no município de
Oriximiná/PA............... ............................................................................................................ 59
Tabela 02 – Número de Entrevistados coletores tradicionais de castanha-do-brasil,
comunidade, sexo, idade, profissão e tempo de residência na comunidade. ............................ 82
Tabela 03 - Quantidade produzida e participação na produção nacional de castanha-do-brasil
dos 08 principais estados brasileiros produtores, em ordem decrescente – ano 2017............ 180
Tabela 04 - Quantidade produzida e participação na produção nacional de castanha-do-brasil
dos 20 principais municípios produtores e respectivas Unidades da Federação, em ordem
decrescente – ano 2017 ........................................................................................................... 181
13
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Elementos do modo de vida e suas funções ........................................................ 29
Quadro 02 - Diversidade de áreas protegidas. .......................................................................... 32
Quadro 03 – Evolução da categorização de áreas protegidas - UICN ...................................... 36
Quadro 04 – Lista com as seis categorias resultantes do Congresso da UICN de 1994 .......... 37
Quadro 05 – Categorias de Unidades de Conservação no Brasil com base na Lei Federal nº
9.985 de 18 de julho 2000 (Capítulo III, art. 7º.)...................................................................... 40
Quadro 06 – Instrumentos de gestão da Reserva Biológica do Rio Trombetas ....................... 49
Quadro 07 – Áreas quilombolas da microrregião Alto Trombetas, com suas respectivas
comunidades e localização na microrregião Alto Trombetas ................................................... 75
Quadro 08 – Organização do material ou dados da pesquisa ................................................... 87
Quadro 09 – Quadro matricial da categoria “Atividades Produtivas Primárias – Agricultura e
extrativismo” ............................................................................................................................ 88
Quadro 10 - Cronologia da ocupação da microrregião Alto Trombetas, com destaque para a
fundação oficial das comunidades a partir da década de 1970. ................................................ 93
Quadro 11 – Usos gerais da castanha-do-brasil...................................................................... 175
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
ABA – Associação Brasileira de Antropologia
ACORQA – Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo Ariramba
ACORQAT – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos da Área
Trombetas
ACORQE – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Erepecuru
ACRQAF – Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo Água Fria
ACRQAT – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Alto Trombetas
ACRQBV – Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo Boa Vista
ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AETMO – Associação dos Extrativistas Tradicionais do Município De Oriximiná
AMOCREC-CPT – Associação dos Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo
de Cachoeira Porteira
ANA – Agência Nacional de Águas
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APP – Áreas de Proteção Permanente
APPCC – Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle
ARQMO – Associação dos Moradores da Comunidade de Remanescentes de Quilombo da
Cachoeira Porteira
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
BPF – Boas Práticas de Fabricação
CCDRU – Contrato de Concessão de Direito Real de Uso
CDB – Convenção da Diversidade Biológica
CEQMO – Cooperativa Mista Extrativista dos Quilombolas do Município de Oriximiná
15
CNPPA – Comissão Nacional de Parques e Áreas Protegidas
CONAE – Conferência Nacional de Educação
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
CPI-SP – Comissão Pro-Índio de São Paulo
CVRD – Companhia Vale do Rio Doce
DAP – Diâmetro a Altura do Peito
DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral
DOU – Diário Oficial da União
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
EJA – Educação Jovens e Adultos
Emater/Pará – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMEIFs – Escolas Municipais de Educação Infantil e de Ensino Fundamental
EPE – Empresa de Pesquisa Energética
EVTE – Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica
FLONA – Floresta Nacional
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
GEF – Global Environment Facility
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ICCO – International Cocoa Organization
IDEFLOR-BIO – Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do
Pará
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
ITERPA – Instituto de Terras do Pará
IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza
LP – Licença Prévia
16
MAB – Movimento Atigindos por Barragem
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCP – Modo Capitalista de Produção
MEB – Movimento Católico de Educação de Base
MRN – Mineração Rio do Norte
MS – Ministério da Saúde
NGI – Núcleo de Gestão Integrada
ONU – Organizações da Nações Unidas
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PFNM - Produtos Florestais Não-Madeireiros
PIN – Programa de Integração Nacional
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente
RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável
REBIO – Reserva Biológica
RESEX - Reserva Extrativista
SEI – Sistema Educacional Interativo
SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente
SEMA-PA – Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará
SEMED – Secretaria Municipal de Educação de Oriximiná
SFB – Serviço Florestal Brasileiro
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SOPREN – Sociedade de Preservação dos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
TC – Termo de Compromisso
TQ – Território Quilombola
17
UBS – Unidade Básica de Saúde
UC – Unidade de Conservação
UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza
UIPN – União Internacional para a Proteção da Natureza
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura
URGE – Unidades Regionais de Gestão Escolar
18
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 21
2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 25
2.1 TERRITÓRIO E MODO DE VIDA: BREVES CONSIDERAÇÕES ......................... 25
2.1.1 Território ..................................................................................................................... 26
2.1.2 Modo de Vida .............................................................................................................. 27
2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ÁREAS PROTEGIDAS ............................... 30
2.2.1 Breves considerações sobre áreas protegidas no contexto mundial ....................... 32
2.2.2 Breves considerações sobre áreas protegidas no contexto do SNUC: as unidades
de conservação ........................................................................................................................ 37
2.3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE COMUNIDADES REMANESCENTES DE
QUILOMBOS E O RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO
VALE DO RIO TROMBETAS ................................................................................................ 42
2.4 INSTRUMENTOS DE GESTÃO DA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO
TROMBETAS .......................................................................................................................... 49
3 OBJETIVOS ............................................................................................................... 57
3.1 OBJETIVO GERAL ..................................................................................................... 57
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................... 57
4 MATERIAL E MÉTODOS ....................................................................................... 58
4.1 CARACTERÍSTICAS DA ÁREA DE ESTUDO ........................................................ 58
4.1.1 O Território Quilombola Alto Trombetas 1 (Território Mãe Domingas) ............. 63
4.1.2 A comunidade Último Quilombo .............................................................................. 65
4.1.3 Organização social e territorial dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas .............................................. 66
4.2 COLETA DOS DADOS ............................................................................................... 75
4.3 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................................. 85
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................... 90
5.1 FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA MICRORREGIÃO ALTO
TROMBETAS: DOS QUILOMBOS A CRIAÇÃO DE TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS . 90
5.1.1 Os domínios dos quilombos e os “castanhais livres” na Microrregião Alto
Trombetas ............................................................................................................................... 96
5.1.2 O domínio dos patrões: os “donos dos castanhais” na microrregião Alto
Trombetas ............................................................................................................................. 100
19
5.1.3 O domínio dos grandes projetos e das unidades de conservação na Microrregião
Alto Trombetas ..................................................................................................................... 105
5.1.4 O papel da Arqmo, das associações de territórios quilombolas no Alto Trombetas
119
5.2 ASPECTOS ATUAIS DO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS COLETORES
TRADICIONAIS DE CASTANHA-DO-BRASIL DA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO
TROMBETAS ........................................................................................................................ 125
5.2.1 Elementos Fixadores do Modo de Vida dos Quilombolas Coletores Tradicionais
de Castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas ...................................... 125
5.2.2 Elementos criadores e organizadores do modo de vida dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas. ................ 146
5.2.3 Elementos limitadores do modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas ............................................ 148
5.2.4 Elementos transformadores do modo de vida dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas ................. 152
5.3 O TERMO DE COMPROMISSO E AS IMPLICAÇÕES NA cadeia produtiva DA
CASTANHA-DO-BRASIL COLETADA NA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO
TROMBETAS ........................................................................................................................ 171
5.3.1 Aspectos bioecológicos da castanha-do-brasil ........................................................ 172
5.3.2 A cadeia produtiva da castanha-do-brasil coletada na Reserva Biológica do Rio
Trombetas ............................................................................................................................. 175
5.3.3 Produção e espacialidade da castanha-do-brasil ................................................... 177
5.3.4 Organização e o uso do território das diversas etapas da produção da castanha-
do-brasil ................................................................................................................................. 184
5.3.5 Distribuição e circulação da castanha-do-brasil .................................................... 197
5.3.6 Comercialização e consumo da castanha-do-brasil ............................................... 205
6 CONCLUSÕES ......................................................................................................... 210
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 216
GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 233
APÊNDICES ......................................................................................................................... 240
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................ 241
APÊNDICE B – Roteiro (Instrumento de pesquisa utilizado na coleta de dados) ................. 244
APÊNDICE C – Autorizações da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos
do Município de Oriximiná (Arqmo); da Associação Mãe Domingas; da Associação das
20
Comunidades Remanescentes de Quilombo do Alto Trombetas 2 (ACRQAT); Autorização de
coordenações de comunidades. .............................................................................................. 249
ANEXOS ............................................................................................................................... 251
Anexo A – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa ................................. 252
Anexo B – Autorização do ICMBio para a realização da pesquisa de campo na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, Pará ....................................... 258Erro! Indicador não definido.
21
1 INTRODUÇÃO
A partir da década de 1960, a Amazônia tornou-se alvo de grandes investimentos do
Governo Federal, como o Programa de Integração Nacional (PIN), responsável pela abertura
de estradas e rodovias. A partir de então, o Governo Federal passou a agir com uma
verdadeira política de intervenção regional, com clara inspiração geopolítica do segmento
militar, deslocando os seus interesses para o subsolo, para as riquezas minerais da Amazônia.
O objetivo dessa política era integrar, pela via de grandes projetos econômicos empresariais, o
espaço amazônico a outros espaços de economicidades mais amplas do Brasil e do exterior.
Foram implantados os chamados grandes projetos econômicos na Amazônia (agropecuários,
madeireiros, minerais), que aliados a abertura de estradas e grandes rodovias e à construção
de hidrelétricas, provocou a aceleração do fluxo migratório para a Amazônia (GONÇALVES,
2012).
As ações do Estado brasileiro para a região Amazônica, combinadas com a ação de
grandes empresas nacionais e multinacionais que se estabeleceram nessa região, legitimaram
a devastação dos ambientes e a expropriação dos povos tradicionais locais de seus territórios.
Esses fatores despertaram a atenção dos movimentos ambientalistas, nacionais e
internacionais, que começaram a pressionar o Estado brasileiro a adotar medidas com o
objetivo de frear tal devastação. Dessa maneira, entende-se que o início da criação de
unidades de conservação (unidades de conservação) no Brasil visava atender uma demanda
das pressões dos movimentos ambientalistas. Esses movimentos ganharam proporções
mundiais na segunda metade do século XX, sendo tratados no âmbito das Organizações das
Nações Unidas (ONU), pressionando os governos dos países associados a adotar medidas que
atendessem a agenda ambiental mundial (FARIAS, 2017).
Na escala local, ou seja, na microrregião Alto Trombetas, no município de Oriximiná,
estado do Pará, não foi diferente. Na década de 1970, houve a instalação da Mineração Rio
Norte (MRN), empresa que extrai bauxita nos platôs da bacia do rio Trombetas, ocupando
parte das terras dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil. Junto ao projeto
minerador também chegaram as unidades de conservação ao vale do rio Trombetas. Em 1979,
seguindo o modelo preservacionista norte-americano, foi criada a Reserva Biológica do Rio
Trombetas, com uma área de 385.000 hectares (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
A Reserva Biológica do Rio Trombetas é uma categoria de unidade de conservação
que pertence ao grupo de unidades de conservação de proteção integral. As reservas
biológicas, assim como as demais categorias de unidades de conservação do grupo de
22
proteção integral, não admitem a permanência de pessoas residindo no seu interior e nem o
uso direto dos recursos naturais. As pessoas são consideradas como ameaças a integridade da
natureza (BRASIL, 2000).
Contudo, a Reserva Biológica do Rio Trombetas foi delimitada e instituída sobreposta
a territórios centenários de comunidades1 remanescentes de quilombo que ali haviam se
estabelecido desde meados do início do século XIX. A sobreposição da Reserva Biológica do
Rio Trombetas com os territórios de comunidades remanescentes de quilombo restringiu o
acesso desse povo tradicional aos recursos naturais do território da Reserva Biológica do Rio
Trombetas e de áreas do entorno dessa unidade de conservação, necessários a reprodução de
seu modo de vida. A sobreposição de territórios gerou conflitos territoriais, uma vez que essa
unidade de conservação está localizada sobre um território extremamente rico em recursos
naturais, onde se encontram grandes “lagos” e densa floresta, além dos principais e mais
densos platôs cobertos por castanhais, áreas com as quais os quilombolas criaram forte
vínculos de territorialidade (ICMBIO, 2004; CASTRO; ACEVEDO, 1998).
Para minimizar os conflitos pelo acesso e uso dos recursos naturais em unidade de
conservação de proteção integraal, demandados por povos tradicionais residentes no interior e
entorno dessas áreas, surgiu o instrumento de gestão Termo de Compromisso, que possui
previsão legal no Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). O Termo de Compromisso foi
instituído pela Instrução Normativa nº 26, de 04 de julho de 2012, que estabelece as diretrizes
e regulamenta os procedimentos para elaboração, implementação e monitoramento de termos
de compromisso entre o ICMBio e populações tradicionais residentes em unidades de
conservação onde a sua presença não seja admitida ou esteja em desacordo com os
instrumentos de gestão (TALBOT, 2016).
No âmbito da Reserva Biológica do Rio Trombetas, em 20 de dezembro de 2011,
foram firmados os Termos de Compromisso 119, 120 e 121, celebrados entre o ICMBio e as
associações representativas dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem no
interior e entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas: Associação das Comunidades
Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná (Arqmo), Associação dos
1 Nesta pesquisa o termo “comunidade” se refere ao termo utilizado pela Igreja Católica local para identificar as
formas de organização territorial e administrativa de grupos de família que, nessa região, localizam-se ao longo e
às margens dos rios Trombetas e Cuminá. Instituições públicas, como a Prefeitura Municipal de Oriximiná,
baseiam seus levantamentos de dados nessa configuração espacial. Frequentemente o grupo referenda essa
terminologia na linguagem cotidiana atribuindo igual caráter organizativo para as ações políticas como se
observa nos documentos convocatórios de reuniões. Admitimos esse termo, descritivamente, dentro dessas
significações (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
23
Moradores da Comunidade de Remanescentes de Quilombo da Cachoeira Porteira (Amocreq-
CPT) e a Associação dos Extrativistas Tradicionais do Município de Oriximiná (Aetmo),
respectivamente. O objetivo desses Termos de Compromisso é estabelecer regras para a coleta
e a comercialização da castanha-do-brasil dentro dos limites da Reserva Biológica do Rio
Trombetas e das áreas a montante desta unidade de conservação (ICMBIO, 2011 a; ICMBIO,
2011 b; ICMBIO, 2011 c).
Contudo, mesmo com esses instrumentos de gestão implantados na Reserva Biológica
do Rio Trombetas, há muitos conflitos pelo uso dos recursos naturais nessa unidade de
conservação, uma vez que o trabalho de coleta da castanha é sazonal, ocorrendo apenas no
período de fevereiro a maio. Assim, os quilombolas também reivindicam o uso de outros
produtos florestais não madeiros como copaíba, andiroba, cipós, palhas, breu, os quais
também podem ser incluídos nos termos de compromisso para fins de coleta e
comercialização, conforme informado pelo Entrevistado 16:
“Como temos açaí, pensamos um dia sermos produtores de açaí. Pensamos em
beneficiar castanha, sermos... vender castanha já beneficiada. Então, temos vários
sonhos aí que estão rondando nossas mentes, nossas ideias aí. Sim, nós temos cipó,
por exemplo, que faz a confecção de tapete, né. De cestas. Vários itens, que são
feitos através da matéria prima do cipó. E nós pensamos sim em exportar essas
coisas feitas na comunidade. E temos também aí a questão do extrativismo da
castanha, é o nosso ponto forte aqui. Pensamos em beneficiar como já falei, vender
ela também em casca, mas de uma forma lavada, ensacolada e tudo mais, bem
higienizada. Temos também copaíba, pensamos também abrir um mercado bom pra
venda de copaíba. E aí vai, tem outros, tem breu. Tem uma série de coisas na
floresta que estão aí prontos pra nos ajudar na sobrevivência e no nosso
desenvolvimento como ser humano” (E 16, 2018).
O desafio da gestão das unidades de conservação de proteção integral que possuem
sobreposições com territórios de povos tradicionais é garantir tanto a conservação da
biodiversidade, quanto os direitos básicos de povos e comunidades tradicionais, ambos
garantidos constitucionalmente. Mas, isso perpassa em considerar os modos de vida dos
povos tradicionais, que muitas vezes, são criminalizados por praticarem atividades basais de
sustento e obtenção de proteína animal, como por exemplo, a caça e a pesca para o próprio
alimento (GRABNER, 2014).
As sobreposições dos territórios das unidades de conservação com territórios de povos
tradicionais foram, por muito tempo, e ainda são, um grande desafio para a implementação e
gestão territorial das unidades de conservação de proteção integral. Também são fontes de
conflitos, pois a gestão dessas unidades de conservação, geralmente, não considera os modos
de vida dos povos tradicionais que residem nesses territórios especialmente protegidos por lei
24
(BRASIL, 2004). Daí a importância acerca do estudo sobre o modo de vida dos quilombolas
coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem nas comunidades localizadas no
interior e no entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas, de forma a subsidiar a
construção e efetividade do plano de gestão territorial dessa unidade de conservação.
O estudo do modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
brasil que residem nas comunidades localizadas no interior e no entorno da Reserva Biológica
do Rio Trombetas, no município de Oriximiná, é de suma importância para a construção e
efetividade do plano de gestão territorial dessa unidade de conservação de bases
socioespaciais justas, caso contrário, a gestão desse território estará fadada ao fracasso, visto
que pode culminar em formação de pobreza, pois não há gestão territorial sem considerar os
modos de vida dos povos tradicionais que residem nesses territórios especialmente protegidos,
isto é, com restrições no uso do território (GRABNER, 2014).
Assim, a pesquisa contribuiu para a análise do modo de vida dos quilombolas que
firmaram termo de compromisso com o ICMBio para a coleta da castanha-do-brasil no
interior e no entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas. A maioria dos estudos
existentes sobre TC em unidades de conservação de proteção integral enfatizam mais o
instrumento legal em si, ou ainda, o problema da conveniência ou não da permanência dos
povos tradicionais nessas unidades de conservação e também à participação desses povos na
gestão das unidades de conservação e no manejo de seus recursos (SIMON; MADEIRA
FILHO; ALCÂNTARA, 2015; TALBOT, 2016). Embora reconheçamos a importância desses
estudos, esta pesquisa fará uma análise das transformações ocorridas no modo de vida dos
quilombolas a partir da implementação dos termos de compromisso sobre o modo de vida dos
quilombolas residentes no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Além da importância da investigação do tema, a pesquisa propõe subsídios à gestão
dos termos de compromisso celebrados entre o ICMBio e as associações representativas de
comunidades quilombolas residentes no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, bem como propõe mecanismos para o aperfeiçoamento desse instrumento de
gestão nessa unidade de conservação.
25
2 REVISÃO DE LITERATURA
O referencial teórico que norteou a pesquisa se embasou nas categorias de análise:
modo de vida, território, territorialidade e a relação entre eles.
2.1 TERRITÓRIO E MODO DE VIDA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Território e modo de vida são elementos importantes para a compreensão, o
entendimento da construção das relações sociais, culturais e econômicas de grupos (sociais,
econômicos, políticos, culturais e outros). O modo de vida se caracteriza pelo modo como
produzem e o que produzem, assim o modo de vida reproduzido e o “que eles são coincide,
portanto, com sua produção, tanto com o que produzem como o modo como produzem, o que
os indivíduos são, por conseguinte, depende das condições materiais de sua produção”
(MARX; ENGELS, 2006 [1932] apud COSTA; FERREIRA, 2015).
Estudar o modo de vida de povos tradicionais requer considerar que o modo de vida é
construído concomitante e intrinsecamente à construção do território, uma vez que esses
povos necessitam de uma base territorial – que no caso dos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas é a mesma base territorial da Reserva
Biológica do Rio Trombetas – para garantir sua existência e a reprodução dos seus modos de
vida. Para Farias (2017), por outro lado, o modo de vida torna-se para esses grupos um
instrumento de resistência e luta frente aos sujeitos sociais hegemônicos, com a finalidade de
manter o domínio sobre seus territórios, que lhes fornecem os meios de reprodução do modo
de vida. Assim, esses dois elementos devem ser analisados de forma indissociável, de modo a
enfatizar a necessidade de um território para a existência de um modo de vida e vice-versa
(FARIAS, 2017).
O modo de vida é construído conforme a organização social de determinado povo no
território. Agrega valores, simbologias, crenças e misticismos no desenvolvimento de suas
atividades políticas, econômicas e culturais, formando uma identidade coletiva. Pode-se dizer,
então, que o processo de construção do modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas remete a forma como reconhecem o
seu território e interagem com ele por meio das ações vivenciadas, sendo que para estes, o
território é uma porção da natureza e espaço que lhes fornece os meios de reprodução do
modo de vida e sobre o qual reivindicam e garantem a todos, ou a uma parte de seus
26
membros, direitos estáveis de acesso, controle ou uso sobre a totalidade ou parte dos recursos
naturais existentes nesses espaços (DIEGUES, 2001).
Dessa forma, ao se construir determinado modo de vida, cria-se forte vínculo de
territorialidade, o qual se efetiva nas relações sociais do cotidiano (SAQUET; SPOSITO,
2009), assim como nas formas como os indivíduos se relacionam com o seu território, que é o
espaço da construção da identidade de um determinado grupo social por meio de suas
representações culturais.
2.1.1 Território
Para Raffestin (1993), o território tem sua formação a partir do espaço e “é o resultado
de uma ação conduzida por um sujeito sintagmático (que realiza um programa) em qualquer
nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o sujeito ‘territorializa’ o
espaço” (RAFFESTIN, 1993, p. 143). Nessa abordagem, o autor dá ênfase político-
administrativa ao território, isto é, o território é entendido como o espaço físico onde se
localiza uma nação; um espaço onde se delimita uma ordem jurídica e política; um espaço
medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras
(RAFFESTIN, 1993). Raffestin (1993) enfatiza que a construção do território revela relações
marcadas pelo poder exercido por pessoas ou grupos, condição presente em todas as relações
sociais.
O conceito de território faz referência às tentativas de indivíduos ou de grupos sociais
criarem estratégias com o intuito de influenciar pessoas e de defender acessos de grupos
sociais localizados aos recursos naturais (o território como noção de sobrevivência humana).
A territorialidade humana seria, portanto, uma poderosa manifestação dos sujeitos sociais e
grupos sociais organizados que condiciona o exercício de poder, construindo territorialidades
e definindo e redefinindo territórios. A territorialidade para os seres humanos é uma estratégia
geográfica para restringir [assegurar] acesso de grupos e limitar o uso de coisas por área
controlada. E ainda, “territorialidade é antes de tudo uma expressão geográfica do poder
social”, é normativa, normas e regras associativas (SACK, 1986, apud COELHO; CUNHA;
MONTEIRO, 2009).
Segundo Coelho et al. (2009), o território é uma porção da superfície terrestre, rica em
recursos naturais (condição de sustento dos povos tradicionais), apropriada e controlada por
um grupo humano. O território é antes de tudo a porção da superfície terrestre correspondente
ao espaço das experiências vividas por um povo cuja capacidade de resistência às tentativas
27
de domínio por outros pode ter sido várias vezes testada. As lutas não são apenas contra um
inimigo externo. Os confrontos (banais ou motivados pela repartição desigual do poder
político) entre indivíduos membros dos grupos sociais podem ocorrer até mesmo sem que
tenham tido motivações tangíveis (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009).
Santos (2000) corrobora essa abordagem ao afirmar que o território é, antes de
qualquer coisa, relação social, é conflito, resultante de uma ação conduzida por um sujeito
geográfico que é sujeitante e sujeitado de formas de relações sociais territorializadas de
diferentes modos com interesses e visões diferenciadas (SANTOS, 2000).
Para Santos (2000) o território é o espaço de interações dos subsistemas natural,
construído e social, subsistemas que compõem o meio ambiente nacional, regional e local. O
território não se compreende apenas como entorno físico onde se desenrola a vida, animal e
vegetal e onde estão contidos os recursos materiais, mas compreende também a atividade do
homem que modifica esse espaço, ou seja, “é a base do trabalho, da residência, das trocas
materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi”. É o chão e mais a população, ou
seja, uma identidade, o fato de sentir que pertencermos àquilo que nos pertence (SANTOS,
2000, p. 96).
2.1.2 Modo de Vida
O modo de vida, segundo SORRE (1984, p. 90 apud FARIAS et al., 2015) é o:
[...] conjunto mais ou menos coordenado das atividades espirituais e materiais
consolidadas pela tradição, graças às quais um grupo humano assegura sua
permanência em determinado meio. Descrevemos, assim, os gêneros de vida
baseados na pesca, na criação nômade, na agricultura e em seus diversos modos
(SORRE, 1984, p. 90 apud FARIAS et al., 2015).
Na atualidade, modo de vida continua sendo utilizado no campo científico, tanto por
geógrafos, quanto por sociólogos e antropólogos. Na geografia destaca-se o trabalho de
Marques (1994) que se refere ao modo de vida como um conjunto de práticas cotidianas
desenvolvidas por um determinado grupo social, correspondendo, assim, à forma como um
determinado grupo social manifesta sua vida. Essas práticas cotidianas decorrem da história e
da posição que o grupo ocupa na sociedade e da forma específica que assegura a sua
reprodução social. A autora assegura ainda que os hábitos e as preferências de um grupo são
expressos por intermédio de um conjunto de objetos constituído pelos meios de sustento,
28
vestimenta, habitação, instrumentos e armas, onde seus hábitos se tornam ritos, reforçados por
crenças e superstições (MARQUES, 1994, p. 17).
Segundo Guerra (1993), ao se analisar os modos de vida deve-se levar em
consideração três dimensões: o sistema e os atores sociais; a história e o cotidiano; e o
objetivo e o subjetivo na percepção do real. A análise dessas dimensões deve ser realizada de
forma articulada de modo que se combine a força da estrutura com a possibilidade de ação
dos indivíduos, o nível da vida cotidiana articulado com o econômico, o político, o cultural,
bem como as redes de poder estabelecidas nas articulações entre as diferentes esferas do
social (GUERRA, 1993).
Guerra (1993) orienta que as análises dos modos de vida centram-se em dois aspectos
fundamentais: um voltado à análise da relação entre as diferentes práticas quotidianas (de
trabalho, de vida familiar, de consumo, de lazer, etc.) e outro, centrado nas relações que o
conjunto destas práticas quotidianas estabelecem com as relações sociais mais gerais. Assim,
para a autora, os estudos ligados aos aspectos da vida cotidiana deveriam preocupar-se com o
grau de consciência dos atores sobre a condução dos seus destinos, individuais ou coletivos.
Deveriam, ainda, buscar a compreensão do nível de racionalidade e irracionalidade presente
nas práticas sociais, seguindo tendências imersas na história da sociedade em questão
(GUERRA, 1993). Tais sentidos imersos na história, não captáveis conscientemente pelos
indivíduos, são destacados por Gomes (2015) em seus estudos sobre a sociabilidade do
homem comum, que vive à margem da sociedade. Guerra (1993) também contribui para os
estudos dos modos de vida, ao apontar que a cultura popular, no Brasil, incorpora a
modernidade, mas não a partir da tradição, além disso, discorre sobre as influências da força
expansiva da cultura urbana difundida em escala global, a qual exerceria forte influência nos
modos de vida em escalas locais.
Para Farias (2017), Derruau (1977 [1961]) entende que os modos de vida são
formados pela integração de determinado número de elementos, que são tanto materiais
(instrumentos de caçar, pescar, rede de dormir, utensílios domésticos, tipo de transporte, etc.)
quanto espirituais (rituais utilizados nas formas de plantar, atribuição a deuses e espíritos a
determinados fenômenos e outras crendices), mas também sociais (organização do trabalho,
distribuição espacial das moradias, etc.). No entanto, segundo Silva (2006), Sorre (1984)
afirma que os elementos têm papeis diferenciados, pois uns são criadores ou organizadores e
outros são fixadores e acrescenta-se ainda outro, os transformadores (QUADRO 01). Este
tem, portanto, o papel de desestruturador ou homogeneizador. Porém, percebe-se que tais
elementos ocorrem de forma interligada e a análise de um modo de vida que leve em
29
consideração apenas um tipo de elemento apresentará fundamentos muito limitados na
caracterização do grupo social estudado (SILVA, 2006).
Quadro 01 – Elementos do modo de vida e suas funções
Função dos
elementos do
modo de vida
Descrição Origem
Criadores e
Organizadores
Formas de escolher o que se planta, a maneira de plantar, de
colher, o jeito de preparar os instrumentos de trabalho, o modo
de produção, etc.
Materiais e espirituais
Fixadores Formas de povoação, tipos de casa, tipo da propriedade, divisão
social do trabalho, a economia, etc. Estruturação social
Limitadores O não consumo de carne de porco por alguns grupos, não
participar de programações que não sejam da sua religião. Proibições religiosas
Transformadores O acesso a tecnologias globais, intervenção estatal, a influência
de culturas externa, a circulação, o nível de vida, etc. Política e Economia
Fonte: Elaborado por Farias (2017) com base em Derruau (1997 [1961]), Sorre (1984), Silva (2006), Marques
(1994).
Para Farias (2017), Sorre (1984) considera que um modo de vida é criado a partir de
um conjunto de técnicas, que são usadas e desenvolvidas de acordo com as oportunidades que
a natureza proporciona às sociedades. Dessa forma, os elementos do modo de vida devem ser
entendidos como técnicas. Assim, segundo Farias (2017), verifica-se que Sorre (1984) deu
mais centralidade nas suas análises à técnica como sendo o principal instrumento de criação
dos modos de vida. Nesse sentido, Sorre (1984) acrescenta que esse conjunto de técnicas se
desdobra em técnicas de obtenção de energia, de produção de matérias-primas e de utensílios
para uso no trabalho. Acrescenta também, que o modo de vida pode ser aplicado para analisar
tanto as atividades mais complexas como as industriais, assim como as formas mais
elementares de vida, como aquelas baseadas em atividades tradicionais como a pesca, a caça,
a agricultura familiar, etc (SORRE, 1984).
Dessa forma, segundo Farias (2017), pode-se afirmar que o modo de vida é construído
a partir do desenvolvimento e combinação de técnicas que permitirão não apenas a
apropriação dos recursos naturais, mas também possibilita sua particularização através da
interação direta da sociedade com seus territórios material e imaterial (FARIAS, 2017).
Finalmente, por modo de vida Marx (1996, p. 27-28) esclarece que:
“Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atitude dos indivíduos,
determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos mesmos.
(...) O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que
produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto,
depende das condições materiais de sua produção”.
30
A dimensão econômica das expressões territoriais tem um papel fundamental na
superestrutura do capitalismo, tanto que existem até políticas públicas para o aproveitamento
de tais mercadorias no balizamento dos processos de mercado. É neste contato e conjuntura
espaço-temporal que se estruturam e são produzidas as relações sociais, econômicas,
políticas, institucionais, culturais na própria gênese geoeconômica no qual está inserido seu
trabalho, sua existência (COSTA, 2014). Ainda conforme em Costa (2014), o que há é uma
combinação de tempos: tempo de trabalho na roça, na pesca e no preparo do peixe, na casa e
na coleta. Essa conjugação dos tempos determina que ao fim do processo, o trabalho saia em
forma de mercadoria, e fica a territorialidade para a reprodução do modo de vida, daí a luta
pelo reconhecimento legal de suas terras. E é o que fazem os grupos, quererem a
oficialização de suas terras (COSTA, 2014).
2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ÁREAS PROTEGIDAS
Antes de qualquer discussão acerca de conservação/preservação de áreas naturais, é
interessante destacar que no Brasil há muita confusão entre os conceitos de áreas protegidas e
unidades de conservação, sendo, muitas vezes, erroneamente tratados como sinônimos.
Contudo, é importante ressaltar que a terminologia “áreas protegidas” é utilizada
internacionalmente como sendo uma porção de ambiente terrestre, aquático ou marinho,
localmente delimitadas, de domínio público ou privadas, onde medidas legais e outros
instrumentos estabelecem o seu manejo com o objetivo de proteger e manter a diversidade
biológica, recursos naturais e culturais associados e, administradas através de medidas legais
ou outras medidas efetivas (UICN, 1998). Já o termo “unidades de conservação” é utilizado
apenas no Brasil para designar as áreas protegidas que compõem o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, as quais são definidas por meio da Lei 9.985 de 18 de julho 2000,
no seu art. 2º, inciso I, como o:
“espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com
características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,
ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (BRASIL, 2000).
No Brasil, as unidades de conservação são criadas por lei ou decreto específico para
existirem, assim como somente podem ser alteradas ou suprimidas por meio de lei, sendo
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua
proteção, conforme determina o Art. 225 da Constituição Federal de 1988. Por outro lado,
31
com a criação do Código Florestal, as Áreas de Preservação Permanente (APPs), por
exemplo, que são áreas protegidas, passaram a existir em qualquer lugar onde haja a situação
de margens de rios, nascentes, topos de morros, declividade de 45º (BRASIL, 2012a). Deste
modo, as APPs já existem por si só, sendo sua proteção obrigatória em todo território
nacional. As propostas de criação de unidades de conservação, por sua vez, surgem da
necessidade e/ou relevância ambiental de determinado espaço, e, a partir disso, suas situações
são avaliadas, analisadas, consultadas, suas áreas delimitadas para, então, sua criação ocorrer
ou não (THOMAS, 2016).
Assim, embora as chamadas unidades de conservação sejam uma espécie de espaço
territorial especialmente protegido, nem toda área definida como tal será uma unidade de
conservação, como, por exemplo, as áreas de preservação permanente e as reservas legais.
Neste sentido, a unidade de conservação é uma particularidade do espaço protegido, sendo
possível afirmar, então, que toda unidade de conservação é uma área protegida, mas nem toda
área protegida é uma unidade de conservação, já que pode se tratar de alguma outra tipologia.
No Brasil, além das unidades de conservação, estabelecidas pela Lei Federal nº 9.985
de 18 de julho 2000 (SNUC), também são áreas protegidas: as áreas de preservação
permanente (APPs) e as reservas legais, instituídas pelo Código Florestal Brasileiro, Lei
Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012; as reservas da biosfera, instituídas pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO); as terras
indígenas e quilombolas; os sítios Ramsar2; os sítios do patrimônio da humanidade
3, entre
outros (MEDEIROS; YOUNG, 2011). (QUADRO 02).
2 Zonas úmidas de importância internacional reconhecidas com base nos critérios adotados pela Convenção de
Ramsar (1971). Essas áreas se beneficiam de prioridade no acesso à cooperação técnica internacional e apoio
financeiro para promover projetos que visem a sua proteção e a utilização sustentável dos seus recursos naturais,
favorecendo a implantação, em tais áreas, de um modelo de desenvolvimento que proporcione qualidade de vida
aos seus habitantes. 3 Áreas que possuem elementos naturais e/ou culturais que, com base nos critérios adotados pela Convenção do
Patrimônio Mundial (1977), justificaram a inscrição do bem na Lista do Patrimônio Mundial. Para ser
considerada de Valor Universal Excepcional, um bem deve também cumprir as condições de integridade e/ou
autenticidade e deve ter um sistema adequado de proteção e gestão para garantir sua salvaguarda.
32
Quadro 02 - Diversidade de áreas protegidas.
Áreas Protegidas
Reserva Legal Área de Preservação Permanente
Cavidades Naturais Subterrâneas (cavernas)
Sítios Arqueológicos
Áreas de Reconhecimento Internacional
Reservas da Biosfera
Sítios Ramsar
Sítios do Patrimônio Mundial Natural
Territórios Quilombolas
Terras Indígenas
Unidades de Conservação Proteção Integral
Uso Sustentável
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em JOHN (2018).
2.2.1 Breves considerações sobre áreas protegidas no contexto mundial
A delimitação de territórios como áreas naturais especialmente protegidas não é
precisamente um fenômeno moderno que surgiu como consequência do agravamento da crise
ambiental, mas é uma iniciativa das sociedades humanas. A instituição de áreas protegidas
evoluiu ao longo da história das sociedades humanas, sendo condicionada pelas diferentes
concepções de sociedade e natureza que prevaleceram em cada período e região (TALBOT,
2016, p. 22).
Medeiros (2003) identifica que a delimitação e criação de áreas protegidas no mundo
foram influenciadas por três ideias básicas de proteção da natureza: até o século XIX a ideia
de controle do espaço tinha conotação gerencial, com a finalidade de preservar lugares
sagrados, nos quais o uso e mesmo a presença humana eram proibidos, como as florestas
sagradas na Rússia, e a manutenção de estoques de recursos estratégicos. Do final do século
XIX até a segunda metade do século XX a ideologia central era a de preservação da paisagem
como patrimônio coletivo e testemunho de uma natureza selvagem pelo caráter contemplativo
e de recreação, pela completa separação entre a natureza e o homem; a partir da segunda
metade do século XX a ideia central passa a ser a de proteger para resguardar para as gerações
futuras, com base no uso sustentável dos recursos ambientais e pela integração do homem à
conservação da natureza, sobrepondo-se a essa ideia a questão da biodiversidade no século
XXI (MEDEIROS, 2003).
As medidas tomadas para a proteção de áreas naturais nas mais diversas partes do
mundo, até meados da segunda metade do século XIX, se basearam na necessidade de se
preservarem áreas naturais ou sítios culturais valiosos, por questões religiosas ou históricas,
33
por causa das espécies silvestres que habitavam tais locais, ou por sua beleza e características
naturais próprias, ou aos recursos de alto valor, como mananciais de água, de caça e de
plantas medicinais ou madeira, ou ainda com a finalidade de regular o acesso e uso dessas
áreas. Mas, a delimitação dessas áreas protegidas não tinha como finalidade o uso público,
uma vez que sempre se fundamentou na utilização dos recursos naturais por uma parcela dos
grupos sociais aos quais pertencia, por exemplo, como a nobreza (MEDEIROS, 2007;
CASTRO JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009; PUREZA, 2014; MACIEL, 2011).
Apenas com o advento da Revolução Industrial, diante do papel transformador do
homem e da evidente diminuição de áreas em condições prístinas, ou “virgens”, surgiram
movimentos populares no sentido da preservação de áreas naturais com a finalidade de uso
público, como o Parque Nacional de Yellowstone, criado nos Estados Unidos da América
(EUA), em 1872, como área legalmente constituída de proteção da natureza destinado a
preservação de paisagens naturais sublimes a serem protegidas como patrimônio coletivo e
testemunho de uma natureza selvagem pelo caráter contemplativo e de recreação e acesso
público (MEDEIROS, 2007; CASTRO JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009; PUREZA,
2014; MACIEL, 2011).
O modelo de preservação de áreas naturais instituído nos EUA se fundamentou no
preservacionismo, paradigma de proteção da natureza que objetiva manter remanescentes da
natureza intocados, sendo apenas admitido o uso público desses espaços para a contemplação
e também para a preservação das populações como testemunhos para as gerações futuras,
estabelecendo a separação entre o homem e a natureza (MEDEIROS, 2003; CASTRO
JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009). Segundo Santos (2009), os espaços naturais
protegidos constituídos nesse modelo são um recorte espacial misantropo onde tem-se o ser
humano excluído da natureza, ou uma natureza excluída e excludente do ser social (SANTOS,
2009).
O modelo preservacionista de proteção da natureza implantado nos EUA, com a
instituição do Parque Nacional de Yellowstone, tornou-se inspiração para a criação de parques
e outras áreas protegidas em diversos países, dentre eles: Canadá, em 1885; Nova Zelândia,
em 1894, Austrália, África do Sul e México em 1898, Argentina em 1903, Chile em 1926,
Equador em 1934, Brasil e Venezuela em 1937 (MILANO, 2002; MEDEIROS, 2003;
VALLEJO, 2008). Na Europa, embora o primeiro parque europeu tenha sido criado somente
em 1909, na Suécia, a maioria dos países europeus só os regulamentou a partir da década de
1960, pois nesse continente, as áreas protegidas têm uma característica de utilização
sustentável, uma vez que se encontra atrelada a uma cultura milenarmente arraigada à terra,
34
sendo que a proteção da natureza estava relacionada a leis específicas de uso do solo
(MEDEIROS, 2003).
Contudo, o preservacionismo tem recebido críticas ao longo do processo de
implantação (ou importação) nos países em desenvolvimento, principalmente a partir da
década de 1960, pois, esses países entendem que esse modelo de preservação da natureza lhes
impediria o desenvolvimento, uma vez que restringe a não exploração dos recursos naturais.
Tais críticas promoveram reflexões nos países em desenvolvimento sobre as práticas de
proteção da natureza a serem adotadas e sobre o desenvolvimento de modelos mais adequados
à situação cultural e econômica dessas sociedades, uma vez que os parques nacionais, nos
países em desenvolvimento (criados principalmente na segunda metade do século XX), não
têm sido instrumentos suficientes para a proteção da natureza. É comum, por exemplo, os
gestores dos parques enfrentarem conflitos fundiários e relacionados ao uso dos recursos
naturais, quase sempre sem uma estrutura adequada à gestão e sem apoio efetivo da sociedade
a favor da conservação da natureza (CASTRO JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009, p.
34).
A partir daí, ganham força a visão moderna de proteção da natureza e a discussão
sobre as ideias de conservação e preservação da natureza. Preservar seria defender a
wilderness, por seu valor próprio, contra qualquer intrusão, objetivando a manutenção de
recortes espaciais nos quais se tenha um ambiente isolado, intocado, para garantir a
perenidade, a perpetuidade de um bem ambiental, onde a presença humana não é permitida.
Conservar seria praticar o bom uso dos recursos naturais, priorizando também a proteção
integral dos ecossistemas, mas admitindo seu uso eventual, de forma controlada e racional,
pois seu objetivo primordial é garantir a preservação da espécie humana. Mas o que seria
isso? Na maior parte dos casos em políticas públicas, isso se refere ao uso por empresas, mas
na prática, na realidade empiricamente observada quem faz isso são formas de campesinato e
indígenas, que já fazem o bom uso e com isso preservam para a espécie humana (CASTRO
JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009, p. 32).
Assim como as áreas naturais protegidas vem evoluindo ao longo da história das
sociedades humanas, o conceito moderno de área protegida também evoluiu com o tempo,
não tendo surgido como uma ideia pronta. No âmbito mundial, a União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN) 4
, fundada em outubro de 1948, tendo como principal
4 Organização importante, fundada em outubro de 1948, cuja principal missão é a conservação da biodiversidade
em escala mundial. Atualmente, os programas globais desenvolvidos pela UICN envolvem os seguintes eixos
temáticos: negócio, economia, gestão de ecossistemas, direito ambiental, conservação florestal, equidade e
35
missão a conservação da biodiversidade em escala mundial, tem desempenhado um
importante papel no processo de definição e atualização conceitual de tais áreas. Atualmente,
a UICN desenvolve programas globais que envolvem os seguintes eixos temáticos: negócio,
economia, gestão de ecossistemas, direito ambiental, conservação florestal, equidade e
igualdade de sexos, política global, áreas marinhas e polares, áreas protegidas, ciência e
conhecimento, política social, espécies, água e patrimônio mundial (PUREZA, PELLIN,
PADUA, 2015).
A partir da década de 1960 houve o interesse pelas comunidades tradicionais, em
decorrência da percepção da dificuldade em se promover a conservação da biodiversidade
sem a anuência e a participação dessas comunidades, principalmente daquelas que já viviam
no interior das unidades de conservação implantadas. Assim, em 1992, durante o IV
Congresso Mundial de Parques em Caracas (Parks of Life, 1992), discutiu-se sobre a
necessidade – ou não – de uma sexta categoria, baseada nas Reservas Extrativistas propostas
pelo movimento dos seringueiros no Brasil (PUREZA, PELLIN, PADUA, 2015).
Nesse mesmo Congresso foi ratificado o sistema de classificação das unidades de
conservação, com as seguintes categorias: a) reserva científica ou área natural silvestre; b)
parque nacional; c) monumento natural; d) área de manejo hábitats/espécies; e e) paisagem
terrestre/marinha protegida (QUADRO 03) (DAVENPORT, 2002; CABRAL; SOUZA, 2002;
MEDEIROS; IRVING; GARAY, 2004; DEAN, 2002).
igualdade de sexos, política global, áreas marinhas e polares, áreas protegidas, ciência e conhecimento, política
social, espécies, água e patrimônio mundial (PUREZA, PELLIN, PADUA, 2015).
36
Quadro 03 – Evolução da categorização de áreas protegidas - UICN
REFERÊNCIA CATEGORIAS
Conferência Internacional para a Proteção da Flora
e da Fauna, Londres, 1933.
Parque Nacional
Reservas de Regiões Virgens
Reserva de Fauna e Flora
Reserva com proibição para caça e coleta
Convenção para Proteção da Flora e Fauna, das
Belezas cênicas Naturais dos Países da América,
Washington, 1940, ratificada em 1942.
Parque Nacional
Reservas de Regiões Virgens
Reserva de Fauna e Flora
Monumento Natural
Primeira Lista de Áreas Protegidas, 1966, fruto de
documento apresentado no Primeiro Congresso
Mundial de Parques Nacionais, 1962, Seattle.
Parque Nacional
Reserva Científica
Monumento Natural
Grupo de Trabalho da Comissão Nacional de
Parques e Áreas Protegidas (CNPPA), 1978.
Grupo A – Categorias em que CNPPA terá
responsabilidades especiais:
I - Reserva Científica
II - Parque Nacional
III - Monumento Natural/National Landmark
IV - Reserva de Conservação da Natureza
V - Paisagens protegidas
Grupo B – outras categorias importantes para IUCN,
mas fora do escopo da CNPPA:
VI - Reserva de Recursos
VII - Reserva Antropológica
VIII - Área de gestão de múltiplo uso
Grupo C: categorias integrantes de programas
internacionais
IX - Reserva da Biosfera
X - Sítios do Patrimônio Mundial (natural)
I - Proteção Estrita
O Congresso Mundial de Parques, realizado em
1992, em Caracas, iniciou as discussões que
contribuíram para a aprovação do novo sistema de
categorias aprovado em 1994 na Assembleia Geral
da IUCN, em Buenos Aires.
I - Reserva Natural Estrita;
Área Natural Silvestre;
II - Conservação e Proteção dos Ecossistemas;
Parque Nacional;
III - Conservação das características naturais;
Monumento Natural;
IV - Conservação Mediante Manejo Ativo;
Área de manejo hábitats/espécies;
V - Conservação de paisagens terrestres e marinhas
e recreacionais;
Paisagem terrestre e marinha protegida;
VI - Uso sustentável dos recursos naturais;
Área Protegida Manejada
Fonte: Elaborado por Pureza, Pellin e Pádua (2015) com base em Dudley (2008).
No entanto, o debate sobre a necessidade (ou não) de uma sexta categoria, baseada nas
Reservas Extrativistas só avançou e se consolidou no Congresso da UICN de 1994, em
Buenos Aires, quando o relatório denominado Talking the same language: na international
rewiew system for protected areas foi aprovado e publicado como Guidelines for Protected
Area Managemente Categories (Diretrizes para Manejo de Categorias de Áreas Protegidas).
Foi então incorporada a essa lista a categoria VI: Utilização Sustentável dos Ecossistemas
Naturais – Área Protegida com Recursos Manejados (QUADRO 04). A consolidação desta
37
categoria sofreu influência brasileira, principalmente relacionada ao “histórico das Reservas
Extrativistas” que foi decisivo na criação dessa categoria (PUREZA, PELLIN, PADUA,
2015).
Quadro 04 – Lista com as seis categorias resultantes do Congresso da UICN de 1994
Categoria Ia
Reserva natural estrita: área natural protegida, que possui algum ecossistema excepcional ou
representativo, característica geológicas ou fisiológicas e/ou espécies disponíveis para
pesquisa científica e/ou monitoramento ambiental.
Categoria Ib
Área de vida selvagem: área com suas características naturais pouco ou nada modificadas,
sem habitações permanentes ou significativas, que é protegida e manejada para preservar sua
condição natural.
Categoria II
Parque nacional: área designada para proteger a integridade ecológica de um ou mais
ecossistemas para os presentes e as futuras gerações e para fornecer oportunidades
recreativas, educacionais, científicas e espirituais aos visitantes desde que compatíveis com os
objetivos do parque.
Categoria III
Monumento natural: área contendo elementos naturais – eventualmente associados com
componentes culturais – específicos, de valor excepcional ou único dado sua raridade,
representatividade, qualidades estéticas ou significância cultural.
Categoria IV
Área de manejo de habitat e espécies: área sujeita a ativa intervenção para o manejo com
finalidade de assegurar a manutenção de habitats que garantam as necessidades de
determinadas espécies.
Categoria V
Paisagem protegida: área onde a interação entre as pessoas e a natureza ao longo do tempo
produziu uma paisagem de características distintas com valores estéticos, ecológicos e/ou
culturais significativos e, em geral, com alta diversidade biológica.
Categoria VI
Área protegida para manejo dos recursos naturais: área abrangendo
prEntrevistadominantemente sistemas naturais não modificados, manejados para assegurar
proteção e manutenção da biodiversidade, fornecendo, concomitantemente, um fluxo
sustentável de produtos naturais e serviços que atenda as necessidades das comunidades.
Fonte: PUREZA, PELLIN, PADUA (2015).
2.2.2 Breves considerações sobre áreas protegidas no contexto do SNUC: as unidades de
conservação
No Brasil, o processo evolutivo das categorias das unidades de conservação
acompanhou, de certa forma, o internacional, isto é, até a década de 1990, as unidades de
conservação eram criadas tendo como base o modelo preservacionista norte-americano. Além
disso, com a ditadura militar houve o aparelhamento do Estado brasileiro, por meio da
burocratização totalizante, que buscava controlar diversos cenários do país. Na política
ambiental, um reflexo dessa visão foi a revisão de diversos instrumentos jurídicos, que
passaram a ter roupagens mais adequadas ao discurso dominante da época. Também houve a
ampliação das categorias existentes de unidades de conservação: surgiram decretos para a
criação de reservas biológicas, estações e reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental,
ampliando a possibilidade de criação e manejo de áreas protegidas, o que veio atender a
38
demandas específicas de conservação, pois anteriormente a isso o Código Florestal de 1934
estabelecia apenas os parques e florestas nacionais (MEDEIROS, 2003).
Segundo Medeiros (2003), nesse período foi criado o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), em 1967, como autarquia do Ministério da Agricultura
responsável por parte da execução da política ambiental, incluindo a gestão de todas as
unidades de conservação federais existentes. Em 1973, foi criada a Secretaria Especial de
Meio Ambiente (SEMA), órgão responsável pela elaboração e execução de parte da política
ambiental e que seria base para a criação do Ministério do Meio Ambiente, duas décadas mais
tarde (MEDEIROS, 2003).
Nesse período, também foi lançada a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA),
por meio da Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, instrumento significativo para a
gestão ambiental brasileira, pois sistematiza a discussão ambiental e as diretrizes políticas da
gestão do meio ambiente no país. Outro instrumento relevante da política ambiental brasileira
criado nesse período é o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que veio se tornar
a partir do período democrático, o órgão máximo do Sistema Nacional de Meio Ambiente
(Sisnama) e condutor da PNMA, exercendo papel fundamental na discussão das políticas
públicas afins. Atualmente, o Conama é o órgão colegiado brasileiro responsável pela adoção
de medidas de natureza consultiva e deliberativa acerca do Sisnama. A PNMA previa a
implantação do Sisnama, que pretende transformar o processo de gestão ambiental em um
grande sistema formado pelas três esferas de governo e a sociedade civil, possibilitando a
gestão integrada das ações ambientais e maior eficiência na conservação (MEDEIROS, 2003).
As unidades de conservação criadas nesse período se basearam no modelo
preservacionista norte-americano de paisagens intocadas, apresentando, entretanto,
particularidades em relação a esse modelo, que podem ser aferidas pelo desenrolar de nossa
história (DRUMMOND; FRANCO; NINIS, 2006). A primeira diferença se refere ao local de
estabelecimento, pois nos Estados Unidos, os parques nacionais foram instituídos,
preferencialmente, em locais não ocupados pelos colonizadores, sendo, portanto paisagens
relativamente naturais (apesar da presença de indígenas em muitas das áreas) (CASTRO
JÚNIOR; COUTINHO E FREITAS, 2009).
Desse modo, enquanto os parques americanos buscavam proteger as paisagens de um
impacto futuro, os parques brasileiros buscaram proteger áreas de interesse ambiental de
impactos imediatos, de conflitos já existentes. Os parques brasileiros e outras unidades de
conservação já nasceram, em sua maioria, em meio a importantes conflitos territoriais e de
39
acesso a recursos, sendo sua gestão bastante dificultada e particularizada (CASTRO JÚNIOR;
COUTINHO; FREITAS, 2009).
Somente a partir da década de 1970, em virtude das injustiças geradas pelo sistema de
aviamento e das mudanças que ocorriam na Amazônia – acarretando, em função da crise da
borracha, a venda de seringais a empresários sulistas e sua transformação em áreas de
pastagem – surgem mobilizações sociais e políticas que se iniciam no Acre, sob a liderança de
Chico Mendes, que mais tarde culminariam na concepção de reservas extrativistas. Estas, por
sua vez, serviram de base para a consolidação e instituição da sexta categoria de áreas
protegidas da IUCN, “Utilização Sustentável dos Ecossistemas Naturais” (Área Protegida
com recursos Manejados), aprovada no Congresso da UICN de 1994, em Buenos Aires
(PUREZA, PELLIN, PADUA, 2015).
Um marco importantíssimo para a organização das unidades de conservação é a Lei nº.
9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
O SNUC é uma política ambiental brasileira com o objetivo de unificar, organizar, planejar e
manejar, de forma adequada, algumas categorias de áreas protegidas brasileira. Tal política
estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de
conservação no âmbito nacional, estadual e municipal a fim de contribuir para o alcance dos
objetivos nacionais de conservação (PELLIN et al., 2007). Dessa forma, como produzem
espaços de dinâmicas específicas e com uma administração diferenciada, a criação de
unidades de conservação é considerada importante estratégia de ordenamento territorial pelo
Estado (MEDEIROS, 2006; MEDEIROS; YOUNG, 2011). Essa administração e gestão das
unidades de conservação dependem de qual grupo e, por conseguinte, de qual categoria de
espaço de proteção está se tratando.
No Brasil, as categorias de unidades de conservação que integram o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação, instituído pela Lei nº 9.985 de 18 de julho 2000, dividem-se em
dois grupos distintos, de acordo com seus objetivos e características de manejo: Unidades de
Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável (art. 7º). O primeiro grupo tem como
objetivo básico preservar a natureza, admitindo-se o uso indireto dos recursos naturais em
algumas categorias, estando protegidas de grandes interferências humanas, com exceção dos
casos previstos em lei (§ 1º). Constituem o grupo das Unidades de Conservação de Proteção
Integral (art. 8º): as estações ecológicas, as reservas biológicas, os parques nacionais, os
monumentos naturais e os refúgios da vida silvestre. O segundo grupo, por sua vez, possui
como objetivo primordial compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de
parte dos seus recursos naturais da área (§ 2º), permitindo-se sua exploração de forma
40
equilibrada, a fim de garantir sua manutenção a longo prazo e minimizando-se os impactos
negativos da atuação antrópica. Constituem o grupo das Unidades de conservação de Uso
Sustentável (art. 14): as áreas de proteção ambiental; as áreas de relevante interesse ecológico;
as florestas nacionais; as reservas extrativistas; as reservas de fauna; as reservas de
desenvolvimento sustentável e as reservas particulares do patrimônio natural (BRASIL,
2000). No Quadro 05 são apresentadas as diversas categorias de Unidades de Conservação e
suas respectivas finalidades:
Quadro 05 – Categorias de Unidades de Conservação no Brasil com base na Lei Federal nº
9.985 de 18 de julho 2000 (Capítulo III, art. 7º.)
Unidades de Conservação de Proteção Integral
Estação Ecológica
(ESEC)
Área criada com o objetivo de promover a preservação da natureza e a realização de
pesquisas científicas. É proibida a visitação pública, exceto com objetivo educacional e
a pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável.
Reserva Biológica
(REBIO)
Área criada com o objetivo de promover a preservação integral da biota e demais
atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou
modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus
ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o
equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos.
Parque Nacional
(PARNA)
Área criada com o objetivo básico de promover a preservação de ecossistemas naturais
de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas
científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Monumentos
Naturais
Área criada com o objetivo de preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande
beleza cênica. Pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível
compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais
do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as
atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário às condições propostas
pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência do
Monumento Natural com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo
com o que dispõe a lei.
Refúgios de Vida
Silvestre
Área criada com os objetivos de proteger ambientes naturais onde se asseguram
condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e
da fauna residente ou migratória. Pode ser constituído por áreas particulares, desde que
seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos
recursos naturais do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os
objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário
às condições propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a
coexistência do Refúgio de Vida Silvestre com o uso da propriedade, a área deve ser
desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei.
Unidades de Conservação de Uso Sustentável
Área de Proteção
Ambiental (APA)
Área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos
abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de
vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a
diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade
do uso dos recursos naturais. É constituída por terras públicas ou privadas. As condições
para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio
público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade e nas áreas sob propriedade
privada, pelo seu proprietário. A Área de Proteção Ambiental deve ter um Conselho
presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes
dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente.
Área de Relevante Áreas em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com
41
Interesse
Ecológico (ARIE)
características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional,
e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e
regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de
conservação da natureza. A Área de Relevante Interesse Ecológico é constituída por
terras públicas ou privadas, sendo que se respeitados os limites constitucionais, podem
ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada
localizada em uma Área de Relevante Interesse Ecológico.
Floresta
Nacional (FLONA)
Áreas com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas, tendo como
objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica,
com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. São de posse e
domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser
desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. Nas FLONAs é admitida a
permanência de populações tradicionais que ali residiam quando da criação, em
conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade. A
visitação pública é permitida, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da
unidade pelo órgão responsável por sua administração e a pesquisa é permitida e
incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração
da unidade, às condições e restrições por este estabelecidas e àquelas previstas em
regulamento. A unidade desta categoria, quando criada pelo Estado ou Município, será
denominada, respectivamente, Floresta Estadual e Floresta Municipal.
Reserva
Extrativista (RESEX)
Áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no
extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de
animais de pequeno porte, tendo como objetivos básicos proteger os meios de vida e a
cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da
unidade. São de domínio público, com uso concedido às populações extrativistas
tradicionais, sendo que, segundo a lei, as áreas particulares incluídas em seus limites
devem ser desapropriadas. A visitação pública é permitida, desde que compatível com
os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área e a pesquisa
científica é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão
responsável pela administração da unidade. Nessas Reservas são proibidas a exploração
de recursos minerais e a caça amadora ou profissional, e a exploração comercial de
recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e
complementares às demais atividades desenvolvidas na RESEX.
Reservas de
Fauna (RFAU)
Áreas naturais com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas,
residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo
econômico sustentável de recursos faunísticos. São de posse e domínio públicos e as
áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, conforme
disposto na lei. A visitação pública pode ser permitida e a caça amadora ou profissional
é proibida.
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável (RDS)
Áreas naturais que abrigam populações tradicionais, cuja existência baseia-se em
sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de
gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel
fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. Têm
como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e
os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e
exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar,
conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente,
desenvolvido por estas populações. São de domínio público, sendo que as áreas
particulares incluídas em seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas,
segundo dispõe a lei. A visitação pública e a pesquisa científica são permitidas e
incentivadas, embora sujeitas aos interesses e normas locais. A exploração de
componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável e a
substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis são permitidas quando de
acordo com o Plano de Manejo.
Reserva Particular do
Patrimônio
Natural (RPPN)
Área privada, criada por iniciativa do proprietário, gravada com perpetuidade, com o
objetivo de conservar a diversidade biológica. Só poderão ser permitidas, na RPPN,
conforme se dispuser em regulamento, a pesquisa científica e a visitação com objetivos
turísticos, recreativos e educacionais são permitidas. São de domínios privados.
Fonte: Adaptado pelo autor com base na Lei Federal 9.985 de 18 de julho de 2000.
42
É importante observar que a administração e a gestão de unidades de conservação
dependem de qual grupo e, por conseguinte, de qual categoria de espaço de proteção está se
tratando, pois embora determinadas unidades de conservação pertençam ao mesmo grupo,
elas apresentam diferenças entre si (QUADRO 05). As unidades de conservação do grupo de
proteção integral são mais restritivas ao uso e situam-se, principalmente, como áreas de
domínio público e controle estatal. Esse controle, incluindo as práticas de gestão, pode ocorrer
nas esferas dos governos federal, estadual ou municipal. O que vai definir essa participação é
a própria extensão da área, sua importância quanto aos recursos ambientais para o país e,
portanto, o exercício do controle político territorial.
2.3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE COMUNIDADES REMANESCENTES DE
QUILOMBOS E O RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO
VALE DO RIO TROMBETAS
Segundo Gomes (2015), a formação dos quilombos no Brasil tem seu início em
meados do século XVI, quando os negros africanos foram, violentamente, desterritorializados
da África e trazidos à força ao Brasil para trabalhar como escravos nas monoculturas de
exportação – a exemplo da cana-de-açúcar – e perdurou até o século XIX, mesmo após a
abolição oficial da escravidão. No Brasil, o primeiro quilombo que se tem registro data de
1575, formado na Bahia (GOMES, 2015).
Gomes (2015) afirma que os negros escravizados aproveitavam ocasiões propícias
para empreenderem as fugas, como por exemplo, as diversas revoltas rurais que ocorreram,
principalmente, no período da Regência, em Pernambuco (Cabanada), no Maranhão
(Balaiada), no Rio Grande (Farroupilha) e no Grão-Pará (Cabanagem). Os negros
escravizados identificaram que os senhores estavam divididos e as tropas desmobilizadas para
a repressão, o que proporcionava maior possibilidade de sucesso nas fugas e acarretava o
recrudescimento das deserções. No período Imperial as autoridades coloniais denominaram os
quilombos de “contagioso mal”, pois havia muitos quilombos dispersos no território brasileiro
e, estes atraíam cada vez mais fugitivos (GOMES, 2015).
Após a fuga, os negros se organizavam e se estabeleciam em locais que lhes
proporcionassem proteção, o que dificultava as expedições de captura e repressão. Assim, os
recursos naturais (relevo, hidrografia, fauna, flora) eram aliados dos quilombolas na formação
dos quilombos, pois áreas de planaltos, montanhas, pântanos, manguezais, planícies, cavernas,
43
morros, serras, florestas, rios etc., eram transformados em refúgios. Depreende-se, então, que
a forte relação que os quilombolas mantêm, atualmente, com a natureza em seus territórios
têm suas origens na noção, inicialmente, de proteção, mas também de abrigo e sustento que
esta lhe proporcionava (GOMES, 2015).
Com o término do regime escravista em 1888, o Estado deixou de reconhecer o direito
de propriedade de uma pessoa sobre outra. Contudo, as terras figuravam juridicamente como
“terras devolutas”, uma vez que após a abolição formal da escravidão negra no Brasil não
houve políticas fundiárias que proporcionassem e garantissem o domínio das terras para os
ex-escravos, ou para aqueles que há tempos garantiam seus modos de vida e reprodução social
nos chamados “quilombos”. Isso ocorreu devido a medidas adotadas pelo governo do Brasil
após a proibição do tráfico transatlântico de negros africanos para escravização, em 1845, pela
Inglaterra e, em 1850, pelo Brasil. O governo brasileiro, prevendo que com o fim do regime
escravocrata centenas de milhares de pessoas estariam livres para ocupar terras virgens e
produzir para si próprios em um sistema, possivelmente, de campesinato – e que isto, se
mantida a estrutura fundiária do país, poderia representar um colapso aos grandes produtores
rurais daquela época – criou meios para garantir que poucos mantivessem acesso aos meios de
produção (SAKAMOTO, 2008).
O principal mecanismo criado pelo governo brasileiro foi a Lei nº 601, de 18 de
setembro de 1850, chamada de Lei de Terras, aprovada poucas semanas após a extinção do
tráfico de escravos, em 1850. Esta lei estabelecia a compra como a única forma de acesso à
terra e abolia, em definitivo, o regime de sesmarias. Assim, as terras devolutas passaram para
as mãos do Estado, que passaria a vendê-las e não doá-las como era feito até então. A partir
dessa Lei, a terra começou a ter um custo, mas não era significativo para os então fazendeiros,
que dispunham de capital para a ampliação de seus domínios – ainda mais com os excedentes
que deixaram de ser investidos com o fim do tráfico. Porém, era o suficiente para deixar ex-
escravos e pobres de fora do processo legal. Da mesma forma, a lei proibia que imigrantes
que tiveram suas passagens financiadas para vir ao Brasil (ato comum na política de
imigração) comprassem terras até três anos após a sua chegada. Ou seja, mantinha a força de
trabalho à disposição do serviço do capital (SAKAMOTO, 2008).
Além disso, os preceitos dessa lei não foram, necessariamente, respeitados,
principalmente por quem possuía recursos para isso. Afinal, tal lei não havia sido criada para
impor ao capitalismo brasileiro um problema, mas sim garantir o seu florescimento. De
acordo com Costa (2010), os ocupantes de terras e os possuidores de títulos de sesmarias
ficaram sujeitos à legitimação de seus direitos, o que foi feito em 1854 através do "registro
44
paroquial". O documento validava a ocupação da terra até essa data. Com isso nasceu uma
indústria da falsificação de títulos de propriedades, com a participação de cartórios. Por outro
lado, os procedimentos para isso eram inatingíveis aos ex-escravos ou aos imigrantes, por
desconhecimento ou falta de recursos financeiros para subornar alguém (SAKAMOTO,
2008).
Somente com a Constituição Federal de 1988, após 100 anos do término da escravidão
no Brasil, os remanescentes das comunidades de quilombos tiveram assegurados os direitos
de propriedade das terras que estivessem ocupando quando de sua promulgação, conforme
dispõe o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que afirma:
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado lhes emitir os títulos respectivos”
(BRASIL, 1988). A garantia do direito de domínio dos territórios pelos remanescentes das
comunidades de quilombos é fruto, a partir da década de 1970, da sinergia entre os
movimentos sociais negros. As lutas localizadas das comunidades remanescentes de
quilombos já eram bastante significativas nesse momento no Pará e Maranhão, o que
contribui para mudanças político-institucionais e administrativas estabelecidas, sobretudo,
pela Constituição Federal de 1988 (MARQUES; GOMES, 2013, p. 137).
Contudo, é importante ressaltar que os procedimentos administrativos para
“Identificação, Reconhecimento, Delimitação, Demarcação e Titulação das terras ocupadas
por remanescentes das comunidades de quilombos” somente foi regulamentado pelo
Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 (BRASIL, 2003). Entretanto, isso não impediu
as comunidades remanescentes de quilombos de iniciarem os processos de solicitação de
titulação de seus territórios, tanto que o primeiro território quilombola titulado no Brasil, o
TQ Boa Vista, em Oriximiná, Pará, foi titulado em 1995 (ARQMO, 2018).
As práticas coletivas de uso dos territórios quilombolas foram alvo de intenso debate
em encontros, reuniões e conversas informais nas comunidades e demais instâncias
organizativas do movimento quilombola. Na tentativa de dissipar as incompreensões sobre o
artigo 68 do ADCT, o governo federal instituiu, em 1994, um Grupo de Trabalho sobre as
Comunidades Negras Rurais, para elaborar um conceito de remanescentes de quilombo, esse
conceito foi divulgado pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA):
Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere os resíduos ou resquícios
arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se
trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma
forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou
rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de
45
resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num
determinado lugar (ALMEIDA, 2002, p. 18).
Assim, as comunidades remanescentes de quilombos não se constituem como um
passado imóvel, como aquilo que sobrou de um passado remoto, pois tais povos produziram
histórias complexas de ocupação agrária, constituição de territórios, cultura material e
imaterial próprias baseadas no parentesco e no uso e manejo coletivo da terra e dos recursos
do território (GOMES, 2015). Compreender as comunidades quilombolas contemporâneas
pressupõe analisá-las sob várias representações que a conformam e, dentre elas, talvez a mais
significativa, seja aquela que remete ao seu entendimento como território étnico que organiza
socialmente indivíduos e grupos marcados por laços simbólicos de parentesco ou vizinhança,
cuja crença em uma história comum credita força política para constituir uma identidade
“quilombola” (SANTOS, 2014).
O Decreto nº 4.887, de 2003, define as comunidades remanescentes de quilombos
como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com a presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
Os remanescentes de quilombo são definidos como grupos étnico-raciais dotado de
relações históricas e territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra e sua
caracterização é dada segundo critérios de autoatribuição certificada pelas próprias
comunidades como adotado pela Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais
(MOURA, 2006; VELÁSQUES, 2006). Assim, a chamada comunidade remanescente de
quilombo é uma categoria social relativamente recente e representa uma força social
relevante no meio rural brasileiro, lutando pelo direito de propriedade de suas terras
consagrado pela Constituição Federal desde 1988.
O Território Remanescente de Comunidade Quilombola é uma consolidação das
conquistas da comunidade afrodescendente no Brasil, fruto da resistência ao modelo
escravagista instaurado no Brasil Colônia e do reconhecimento dessa grave injustiça
histórica. Além de provenientes dos antigos quilombos de escravos refugiados é importante
lembrar que muitas das comunidades foram estabelecidas em terras oriundas de heranças,
doações, pagamento em troca de serviços prestados ou compra de terras, tanto durante a
vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição (MOURA, 2006). Quilombos
contemporâneos no Brasil in Brasil/África: como se o mar fosse mentira. CHAVES, R.,
SECCO, C., MACENTREVISTADO, T.. São Paulo: Ed. Unesp. Luanda/Angola: Chá de
Caninde). Apartadas, portanto, de suas origens, essas comunidades fixaram-se ou
46
permaneceram de forma quase invisível, e resgataram ou reconstruíram sistemas de
subsistência e de compreensão do mundo que se traduzem em inúmeros conhecimentos
tradicionais, manifestações culturais, música e culinária (MOURA, 2006; VELÁSQUES,
2007).
Segundo Arruti (2006, p. 67), “a categoria ‘remanescentes de quilombos’ foi criada
pelo mesmo ato que a instituiu como sujeito de direitos (fundiários e, de forma mais geral,
‘culturais’) e, nesse ato, o objeto da lei não é anterior a ela ou, de um outro ângulo, nele o
direito cria o seu próprio sujeito”. Por outro lado, Almeida (2008) considera que o artigo é,
em si, uma resultante de mobilizações surgidas no âmbito de acirrados conflitos, sobretudo
fundiários. No entanto, parece claro, tanto para um como para outro autor, que não era
corrente a expressão “comunidades remanescentes de quilombos”, mas antes terras de preto,
mocambos, lugar de preto (ALMEIDA, 2008).
Como decorrência, a aplicação prática deste dispositivo constitucional ensejou toda
uma discussão e mobilização dos movimentos negros, bem como da comunidade acadêmica,
no sentido de uma ressignificação da ideia de remanescentes de quilombos, na medida em que
a categoria apresenta vários problemas. O principal deles é o próprio desconhecimento
histórico sobre a real dimensão do fenômeno dos quilombos no país, o que dificultaria e até
mesmo impediria um reconhecimento baseado em informações científicas sobre a localização
exata dos referidos quilombos, bem como “as relativas às condições que estimulavam a fuga e
a constituição de quilombos, as táticas de defesa e repressão aos quilombos, sua demografia e
economia e suas relações com a sociedade envolvente” (ARRUTI, 2006, p. 72).
Arruti (2006) enfatiza dois elementos principais que permearam a historiografia dos
quilombos: a resistência cultural, em que os quilombos são retratados como a busca da
reconstituição de culturas africanas em solo brasileiro, e a resistência política, em que os
quilombos são apresentados como expressão das classes excluídas no confronto com a ordem
dominante.
Os quilombolas da microrregião Alto Trombetas consideram como comunidades
remanescentes de quilombos as certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Os territórios
quilombolas, por sua vez, são conceituados pelo § 2º do Decreto nº 4.887, como as áreas
ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, que sejam “utilizadas para a garantia
de sua reprodução física, social, econômica e cultural” (BRASIL, 2003). Os quilombolas da
microrregião Alto Trombetas consideram como territórios quilombolas os estejam
identificadas, delimitadas e tituladas, ou em processo de identificação, delimitação e titulação
por órgão competente (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018; 2019).
47
Por essa razão, o art. 11 do ato normativo em questão estabelece que, quando as terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às
unidades de conservação já constituídas, o Ibama – e atualmente o ICMBio – tomará as
medidas cabíveis, visando garantir a sustentabilidade dessas comunidades, conciliando o
interesse do Estado. Isto significa que não é possível sua remoção, tendo que se
compatibilizar a preservação do ambiente e das culturas quilombolas. Nesses casos, o ideal é
que se reclassifique a unidade de conservação quando a categoria de manejo não comportar a
presença de populações tradicionais residentes, pois prevalece a condição de território
quilombola, conforme previsto pela Constituição Federal de 1988. Não havendo a
reclassificação para uma categoria de uso sustentável que permita à comunidade quilombola
permanecer na área que a ela será atribuída, não será convalidado o ato ilegal de instituição da
unidade de conservação (SOARES; CUREAU, 2015).
Segundo Souza (2010), nos últimos 30 anos as comunidades remanescentes de
quilombos vieram se organizando em associações locais, estaduais e nacionais, para alcançar
a realidade organizacional atual. O desenvolvimento das comunidades negras contemporâneas
é bastante diversificado, com seus processos de identidade e luta por cidadania, o que inclui a
titulação de seus territórios. Na microrregião Alto Trombetas, a organização socioespacial dos
grupos familiares quilombolas em comunidades proporcionou a estes que se organizassem
politicamente para proteger seus territórios e garantir a manutenção do seu modo de vida
frente aos sujeitos que, historicamente, se apropriaram ou cercearam o acesso aos recursos
naturais no vale do rio Trombetas, pois antes da organização em comunidades, os quilombolas
não possuíam uma organização que os integrasse politicamente com a finalidade de lutar pela
permanência no território e garantir a reprodução do seu modo de vida. Também foram
utilizadas as categorias “quilombola” e “coletor tradicional de castanha” para designar o povo
tradicional de matriz africana que reside na microrregião Alto Trombetas. Estes se auto
reconhecem, simultaneamente, enquanto “quilombolas ou remanescentes de quilombos” e
“coletores tradicionais de castanha ou castanheiros tradicionais”. Embora estas categorias não
sejam de uso cotidiano, recentemente, passaram a ser utilizadas tanto pelos pesquisadores
quanto pelos quilombolas como atribuições representativas dos vínculos étnicos existentes
entre os diversos grupos negros do vale do rio Trombetas. Os quilombolas se reconhecem
como remanescentes de quilombos porque são descendentes dos negros que formaram os
antigos quilombos, inicialmente, acima das cachoeiras dos rios Trombetas e Erepecuru, onde
os obstáculos naturais lhes proporcionavam abrigo e proteção, e posteriormente, à jusante das
48
cachoeiras, às margens desses rios (FUNES, 1995; CASTRO; ACEVEDO, 1998; FARIAS
JÚNIOR, 2016; SCARAMUZZI, 2016).
Contudo, segundo Farias Júnior (2016), não é possível afirmar que “castanheiro
tradicional” ou que “coletor tradicional de castanha” seja uma categoria social de distinção
dentro do grupo, mas é uma designação agregadora, pois “embora se trate de uma
‘comunidade’ que reivindica a identidade enquanto quilombola, ou a designação formal
enquanto ‘remanescentes de quilombos’, o grupo aciona ainda a identidade enquanto
castanheiro” (FARIAS JÚNIOR, 2016).
O ICMBio utiliza o termo “Coletor Tradicional de Castanha” (CTC) nos crachás de
identificação confeccionados por esse órgão ambiental para serem utilizados pelos
quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil para adentrar na Reserva Biológica
do Rio Trombetas. Esse termo também é utilizado nas papeletas de controle de produção e
transporte de castanha-do-brasil e demais documentações encontradas nos arquivos desse
órgão ambiental (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
O termo “tradicional” foi inserido no quotidiano dos quilombolas devido à
“tradicionalidade” exigida pela legislação ambiental brasileira para a permanência dos povos
em unidades de conservação. Segundo o art. 42 do SNUC (2000), “As populações tradicionais
residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja admitida serão
indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo
Poder Público, em local e condições acordados entre as partes”. E enquanto não for possível
efetivar o reassentamento, se estabelecem normas e ações para compatibilizar sua presença
com os objetivos da unidade de conservação. A partir desse entendimento, ser ou não
tradicional tornou-se um critério para a celebração ou não de um Termo de Compromisso
(TALBOT, 2016).
No entanto, é importante frisar que em nenhum momento o SNUC obriga os povos
tradicionais a adicionar o termo “tradicional” como adjetivo das suas diferentes
autodenominações. Assim, não é possível afirmar que coletor tradicional de castanha é uma
categoria social de distinção dentro do grupo, mas é uma designação agregadora, uma
necessidade de adequação ao art. 42 do SNUC, corroborando com Farias Júnior (2016).
49
2.4 INSTRUMENTOS DE GESTÃO DA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS
Os instrumentos de gestão são documentos norteadores das atividades que subsidiam o
órgão gestor da unidade de conservação no delineamento das ações a serem desenvolvidas em
cada categoria de unidade de conservação (GALANTE, 2002). Na Reserva Biológica do Rio
Trombetas há os seguintes instrumentos de gestão: o plano de manejo e o termo de
compromisso.
Quadro 06 – Instrumentos de gestão da Reserva Biológica do Rio Trombetas
Instrumento de Gestão Tipo de documento Número Data de Publicação
Plano de manejo Portaria 80 13/09/2004
Termo de Compromisso Termo de Compromisso 119 a 121 20/12/2011
Fonte: Instituto Socioambiental. Unidades de Conservação no Brasil. Disponível em
https://uc.socioambiental.org e data de acesso. https://uc.socioambiental.org/arp/623.
Segundo Miller (1980) o primeiro instrumento de gestão de unidade de conservação
elaborado foi o plano de manejo do parque Nacional de Canaima, na Venezuela, em 1962. No
Brasil, o instrumento de gestão de unidades de conservação utilizado é o plano de manejo, que
algumas vezes, no âmbito estadual, é denominado de plano de gestão (GALANTE, 2002).
Segundo o SNUC (2000), o Plano de Manejo é o
“documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma
Unidade de Conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem
presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das
estruturas físicas necessárias ä gestão da Unidade” (SNUC, 2000).
O plano de manejo da Reserva Biológica do Rio Trombetas
O plano de manejo é, portanto, instrumento essencial na administração efetiva de uma
unidade de conservação, ao dar as instruções necessárias ao cumprimento de seus objetivos. É
um instrumento de gestão de unidades de conservação obrigatório por lei e deve ser elaborado
em até cinco anos a partir da criação da unidade. Até que seja elaborado o Plano de Manejo,
todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral
devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade
objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as
condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e
50
culturais (SNUC, 2000). No entanto o desafio para elaborá-los e implementá-los nas unidades
de conservação no Brasil é tamanho que algumas ficam por mais de uma década sem qualquer
documento planejado.
O plano de manejo deve ser elaborado considerando-se todos os possíveis fatores que
afetam a unidade de conservação e por ela são afetados, indicando ações necessárias para a
plena realização dos objetivos de sua criação. Naturalmente, os planos de manejo das
unidades de conservação de proteção integral são distintos daqueles das unidades de uso
sustentável. O Ibama, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação até 2007,
quando essa tarefa passou ao ICMBio, produziu, em 2002, um roteiro metodológico de
planejamento para as categorias Parque Nacional, Reserva Biológica e Estação Ecológica,
visando orientar a confecção dos planos de manejo de unidades de conservação de proteção
integral e de algumas categorias de uso sustentável (GALANTE; MENEZES; BESERRA,
2002).
Em 2007, já no âmbito do ICMBio, foi publicada a Instrução Normativa nº 01, de 18
de setembro de 2007, que disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a elaboração
de Plano de Manejo Participativo de Unidade de Conservação Federal das categorias Reserva
Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Esta Instrução Normativa formalizou
o Plano de Utilização como parte integrante do plano de manejo participativo, o qual
consistiria em:
“regras internas construídas, definidas e compactuadas pela população do território
quanto às suas atividades tradicionalmente praticadas, o manejo dos recursos
naturais, o uso e ocupação da área e a conservação ambiental, considerando-se a
legislação vigente. É o documento base para que seja firmado o Termo de
Compromisso entre a população tradicional beneficiária da Unidade, que receberá a
concessão do direito real de uso, e o Instituto Chico Mendes” (ICMBIO, 2007).
Em 2017, ainda em âmbito federal, a Instrução Normativa nº 07, de 21 de dezembro
de 2017, estabeleceu diretrizes e procedimentos para elaboração e revisão de planos de
manejo. Entretanto, a última normativa a respeito é a Portaria ICMBio nº 1163, de dezembro
de 2018, que aprova novo roteiro metodológico para elaboração e revisão de planos de
manejo de unidades de conservação federais, revogando todos os anteriores com exceção do
roteiro metodológico de RPPNs de 2015, o qual segue válido (ICMBIO, 2017).
Os planos de manejo devem conter uma caracterização ambiental, social, econômica e
institucional da unidade, bem como programas importantes para sua implementação e
sustentabilidade, monitoramento e proteção. Por outro lado, também é inerente a esse
processo a necessidade de um planejamento a médio prazo combinado com uma flexibilidade
51
que permita adaptação a circunstâncias que se modificam continuamente. Ainda, é um
pressuposto básico que ele inclua a participação, interesses e o bem-estar dos habitantes da
região, atores chaves na gestão da unidade (ICMBIO, 2018).
Assim, para a formulação de um plano de manejo, de forma democrática e
participativa, um dos primeiros passos é a identificação dos atores sociais interessados que
fortalecem o propósito da unidade de conservação. No caso das unidades de conservação que
reconhecem comunidades tradicionais beneficiárias, como as Resex, RDS e algumas
Florestas, evidentemente, essas são as primeiras interessadas. Essas categorias de unidades de
conservação, geralmente, possuem formas de representação, organizando-se em grupos ou
associações, porém, muitos atores sociais relevantes não contam com uma estrutura
institucional para conduzir seus interesses. Além disso, a equitatividade das representações
dos interessados é também fundamental. Paralelamente, surgem outras questões, como a
possibilidade de participação efetiva dos diversos atores, dadas as diferenças culturais e
sociais dos envolvidos. Infelizmente apesar das normativas que disciplinam essas
representatividades, sempre podem surgir mais desafios, assim, além de seguir os protocolos,
faz-se necessária a contínua transparência, respeito e a sensibilidade dos gestores.
No caso das categorias reserva extrativista e reserva de desenvolvimento sustentável,
além dos planos de manejo, há também a necessidade da elaboração de um plano de utilização
ou acordo de uso. As regras contidas nesse plano devem ser elaboradas de forma participativa,
por meio de discussões com os moradores, e aprovadas em Assembleia Geral da Associação,
trazendo de forma clara as atividades permitidas e proibidas nas unidades de conservação,
bem como a especificação de algumas práticas tradicionais. O respeito a essas regras de uso
comprova o compromisso das comunidades tradicionais em zelar por seu território e recursos
de forma sustentável, patrimônio socioambiental nacional. O Acordo de Gestão, oficializado a
partir de 2012, por meio da Instrução Normativa nº 29, de 05 de setembro de 2012, do
ICMBio, regulamenta o uso dos recursos naturais e a ocupação do solo em Reserva
Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável e em áreas utilizadas por populações
tradicionais em Floresta Nacional, Área de Proteção Ambiental e Área de Relevante Interesse
Ecológico. O Acordo pressupõe a sustentabilidade ambiental da UC, o reconhecimento dos
territórios tradicionais como espaços de reprodução social, cultural e econômica das
populações tradicionais e o reconhecimento, valorização e respeito à diversidade
socioambiental e cultural das populações tradicionais e seus sistemas de organização e de
representação social.
52
O plano de manejo da Reserva Biológica do Rio Trombetas foi publicado por meio da
Portaria nº 80, de 13 de setembro de 2004. O plano de manejo da Reserva Biológica é um
documento onde utilizando-se técnicas de planejamento ecológico, é determinado o
Zoneamento da Reserva Biológica, caracterizando cada uma de suas finalidade (ICMBIO,
2004).
O SNUC também preconiza que cada unidade de conservação do grupo de Proteção
Integral disporá de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua
administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil, por proprietários de terras localizadas em Refúgio de Vida Silvestre ou
Monumento Natural, quando for o caso, e, na hipótese prevista no § 2º do art. 42, das
populações tradicionais residentes, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação
da unidade (SNUC).
O tipo de Conselho da Reserva Biológica do Rio Trombetas é o consultivo, criado em
2006, pelo IBAMA, por meio da Portaria nº. 27, de 10 de março de 2006. Este Conselho foi
renovado por meio da Portaria 155 de 25 de fevereiro de 2013 e teve a composição
modificada por meio da Portaria nº 2, de 13 de outubro de 2016. O Conselho Consultivo da
Reserva Biológica do Rio Trombetas possui a finalidade de contribuir para a implantação e
implementação de ações destinadas à consecução dos objetivos de criação da Reserva
Biológica do Rio Trombetas (IBAMA, 2006; IBAMA, 2013; IBAMA, 2016).
Os Termos de Compromisso da Castanha na Reserva Biológica do Rio Trombetas
O SNUC também trouxe avanços no que diz respeito a participação da sociedade na
criação e na gestão das áreas protegidas, principalmente, devido a participação de sujeitos
sociais do chamado socioambientalismo na criação dessa Lei, o que permitiu modificações
importantes na política das unidades de conservação, assim como a criação de instrumentos
de minimização de conflitos territoriais nessas áreas (SIMON, 2014; SIMON; MADEIRA
FILHO; ALCÁNTARA, 2015).
Apesar dos avanços alcançados com a Lei Federal nº 9.985, ainda são muitos os
problemas existentes em decorrência da permanência ou não dos povos tradicionais que
residem em unidades de conservação de proteção integral já que, nas disposições gerais e
transitórias do SNUC, este traz uma visão de que sua permanência não seria permitida nessas
UCs. Nesse contexto, até que seja possível efetuar o reassentamento, o § 2º do Artigo 42 do
SNUC diz que
53
seriam estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a
presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem
prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia
destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas
normas e ações (BRASIL, 2000).
Conforme estabelece o Art. 42 do SNUC, os povos tradicionais residentes em UCs de
proteção integral deverão ser indenizados ou compensados pelas benfeitorias existentes e
devidamente realocados pelo Poder Público, por meio do órgão competente, que priorizará o
reassentamento desses povos a serem realocados em local e condições acordados entre as
partes. O Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta artigos da Lei nº 9.985,
diz que o processo indenizatório deve respeitar o modo de vida e as fontes de sustento das
populações e, ainda, estipulam que “as condições de permanência das populações em
unidades de conservação de proteção integral serão reguladas por termo de compromisso
negociado entre o órgão executor e as populações, ouvido o conselho da unidade de
conservação” (BRASIL, 2002).
Apesar de não oferecer alternativas às comunidades tradicionais, senão o seu
reassentamento, muitos consideraram que este capítulo trouxe significativo avanço a essa
questão na lei, pois, anteriormente, a despeito de inúmeras unidades de conservação de
proteção integral possuir povos tradicionais residindo em seus territórios, esse assunto não era
sequer tratado pelos documentos oficiais, nem os povos tradicionais eram mencionados nos
planos de manejo. A partir de então, as populações tradicionais passaram a ter que ser
indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e realocadas em local e condições
acordadas com o poder público (TALBOT, 2016).
No entanto, reassentar famílias não é trivial e demanda, além de recursos financeiros e
local adequado, a concordância das famílias acerca das condições e do local escolhido,
conforme o próprio Artigo 42 do SNUC pressupõe, e conforme a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre povos indígenas e tribais, ratificado no
Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, em vigor desde 2003.
Assim, reassentar povos tradicionais residentes em unidades de conservação constitui um
desafio que envolve princípios constitucionais de alta hierarquia: os princípios fundamentais
da dignidade da pessoa humana e a defesa do meio ambiente como bem comum a todos e
essencial à sadia qualidade de vida (TALBOT, 2016).
54
Contudo, enquanto aguardam por uma solução definitiva do ICMBio, os povos
tradicionais residentes em unidades de conservação de proteção integral necessitam produzir
para obter renda e com isso as condições necessárias para a manutenção das suas
representações materiais e simbólicas, ou seja, para a reprodução do seu modo de vida. Logo,
um dos desafios da gestão das UCs de proteção integral é compatibilizar a conservação da
biodiversidade e o atendimento às necessidades e direitos dos povos tradicionais que nelas
residem.
O Decreto Federal 4.340, de 22, em seu Capítulo IX, que trata do Reassentamento das
Populações Tradicionais, no art. 39, vincula a permanência das populações tradicionais em
Unidade de Conservação de Proteção Integral a um Termo de Compromisso a ser firmado
entre o órgão ambiental executor competente e o representante de cada família, assistido,
quando couber, pela comunidade rural ou associação legalmente constituída até que a
população tradicional seja reassentada. O inciso 4º do referido artigo, impõe a necessidade de
que o Termo de Compromisso estabeleça prazos e condições para o reassentamento futuro da
população tradicional (SIMON, 2014; SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÁNTARA, 2015).
O Termo de Compromisso, instituído pela Instrução Normativa nº 26 de, de 04 de
julho de 2012 do ICMBio, tem previsão legal no Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de
2002, que regulamenta o SNUC. O Termo de Compromisso é um instrumento de gestão de
conflitos territoriais existentes entre a gestão das unidades de conservação de proteção
integral e os povos tradicionais residentes no interior e entorno dessas áreas. Os termos de
compromisso constituem-se em acordos de utilização dos recursos naturais, de uso do
território e outros aspectos, de modo a regulamentar a presença dos povos tradicionais nas
unidades de conservação de proteção integral, até solução definitiva (ICMBIO, 2012).
O Termo de Compromisso tem como finalidade, mesmo que provisória, assegurar as
condições de gestão das unidades de conservação enquanto o processo de regularização
fundiária não ocorre. Além disso, tem como fim proporcionar a permanência e a manutenção
dos modos de vida dos povos tradicionais residentes nas unidades de conservação de proteção
integral, ainda que com rigorosas restrições de uso, e desde que esses povos sejam
reconhecidos como residentes ou usuários dessas áreas antes da criação da unidade de
conservação (PUREZA; PELLIN; PÁDUA, 2015).
A Instrução Normativa nº 26, de 04 de julho de 2012 estabelece as diretrizes e
regulamenta os procedimentos para a elaboração, implementação e monitoramento de termos
de compromisso a serem firmados entre o ICMBio e as populações tradicionais residentes em
unidades de conservação onde não se permite a presença humana ou que esta esteja em
55
desacordo com os instrumentos de gestão, visando garantir a conservação da biodiversidade e
as características socioeconômicas e culturais dos grupos sociais envolvidos (ICMBio, 2012).
Tem como finalidade romper com o paradigma da expulsão compulsória de povos
tradicionais em unidades de conservação de proteção integral, sendo que para isso, traz em
seu arcabouço marcos legais que possibilitaram a construção desse instrumento de gestão e
mediação de conflitos. Essa instrução normativa, além de mencionar os artigos previstos no
SNUC que consideram as populações tradicionais em unidades de conservação, evoca o
respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania, do respeito à pluralidade,
aos distintos modos de criar, fazer e viver, da proteção ao meio ambiente e do direito à
qualidade de vida, inerentes a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988
(SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÁNTARA, 2015).
Na Reserva Biológica do Rio Trombetas os termos de compromisso firmados entre o
ICMBio e as associações representativas dos quilombolas residentes no interior e entorno
dessa unidade de conservação têm a finalidade de gerir os conflitos pelo acesso e uso dos
recursos naturais – como os de pesca, pela andiroba, pela copaíba, pela castanha e outros –
demandados pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil residentes no
interior e entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Tais conflitos surgiram devido a
sobreposição do território dessa unidade de conservação com os territórios tradicionalmente
ocupados pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil, os quais já
utilizavam os recursos demandados para a manutenção do seu modo de vida antes mesmo da
criação dessa unidade de conservação
Os quilombolas residentes no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, após reivindicações para o acesso e uso dos recursos naturais, conquistaram, em
2003, ainda que por meio de acordo informal, a permissão para a coleta dos ouriços da
castanheira-do-brasil nos castanhais dessa unidade de conservação. No entanto, somente em
2010, após anos de construção, o termo de compromisso foi submetido para a análise e
parecer da Procuradoria Federal Especializada do ICMBio, que em 2011 manifestou parecer
favorável, tendo sua publicação no Diário Oficial da União (DOU) realizada no dia 27 de
dezembro de 2011.
Nesse contexto, foram firmados os Termos de Compromisso nº: 119, 120 e 121, de 20
de dezembro de 2011, celebrados, entre o ICMBio e as associações: Associação das
Comunidades Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná (Arqmo), Amocreq-
CPT) e a Aetmo, respectivamente. Os TC firmados na Reserva Biológica do Rio Trombetas
têm por objetivo estabelecer as regras para a coleta e a comercialização da castanha-do-brasil
56
dentro dos limites dessa unidade de conservação e das áreas a montante desta unidade de
conservação.
Esse instrumento de gestão de conflitos territoriais poderá contribuir para a
manutenção do modo de vida dos quilombolas coletores de castanha, visto que estes povos
têm o seu modo de vida estruturado na coleta desse produto, além dessa atividade ter
influenciado na organização do território que esses povos habitam, criando forte vínculo de
territorialidade.
57
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Analisar o modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
da Reserva Biológica do Rio Trombetas, no município de Oriximiná, Pará, como subsídios
para a gestão dessa unidade de conservação.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Descrever a formação do modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas.
- Descrever e analisar o modo de vida atual dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que firmaram termo de compromisso para a coleta da castanha-do-brasil na
Reserva Biológica do Rio Trombetas.
- Descrever e analisar a cadeia produtiva da castanha-do-brasil coletada pelos
quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que firmaram termos de
compromisso com o ICMBio para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio
Trombetas.
58
4 MATERIAL E MÉTODOS
Este capítulo tem como objetivo apresentar o método para realizar o estudo. Serão
apresentadas as características da área de estudo, o tipo de pesquisa, o método da pesquisa, a
justificativa para escolha do estudo de caso, os métodos de coleta e tratamento dos dados e as
limitações do método.
4.1 CARACTERÍSTICAS DA ÁREA DE ESTUDO
A pesquisa foi realizada no TQ Alto Trombetas 1 (também denominado Mãe
Domingas) e na comunidade Último Quilombo, ambos localizados na microrregião Alto
Trombetas, situada no município de Oriximiná, no estado do Pará, Brasil (MAPA 01). O
município de Oriximiná localiza-se na microrregião de Óbidos, na mesorregião do Baixo
Amazonas, na porção noroeste do estado do Pará. A cidade de Oriximiná se encontra distante,
aproximadamente, 820 quilômetros, em linha reta, da capital do estado, Belém. Seus limites
são: ao norte, Guiana Francesa e Suriname; a leste, o município de Óbidos; ao sul, os
municípios de Juruti e Terra Santa; a oeste, o município de Faro e o estado de Roraima.
Mapa 01 – Localização da microrregião Alto Trombetas no município de Oriximiná.
Fonte: IBGE, IDEFLOR-BIO, INCRA. Elaboração do autor.
59
Com uma população estimada de 71.160 habitantes (IBGE, 2018), o município possui
uma área territorial de 107.603,39 km², dos quais 96,97%, aproximadamente, 104.177,6 km²
(TABELA 01) são constituídos por áreas protegidas: Terras Indígenas, Unidades de
Conservação e Territórios Quilombolas (MAPA 02). (ORIXIMINÁ, 2017).
Tabela 01 – Áreas protegidas com incidência territorial no município de Oriximiná/PA
Unidades de Conservação,
Territórios Quilombolas (TQ)
titulados e Terras Indígenas
(TI)
Ano de
criação Administração
Área
Total
(Km²)
Área no
território
do
município
(km²)
% de incidência
sobre o
município de
Oriximiná
Rebio do Rio Trombetas 1979 Federal 4.077,00 4.077,00 3,79
Flona Saracá-Taquera 1989 Federal 4.412,82 2.737,00 2,54
Floresta Estadual de Faro 2006 Estadual 2.455,46 200,00 0,19
Floresta Estadual Trombetas 2006 Estadual 27.922,20 10.744,00 9,98
Estação Ecológica Grão-Pará 2006 Estadual 42.458,19 32.226,00 29,95
TQ Boa Vista 1995 Privado 11,00 11,00 0,01
TQ Água Fria 1996 Privado 5,60 5,60 0,01
TQ Trombetas 1997 Privado 809,00 809,00 0,75
TQ Erepecuru 1998 Privado 2.180,44 1.212,00 1,13
TQ Alto Trombetas I 2003 Privado 791,00 791,00 0,74
TQ Cachoeira Porteira 2018 Privado 2.072,00 2.072,00 1,90
TI Nhamundá-Mapuera 1989 Federal 10.495,20 4.512,00 4,19
TI Parque do Tumucumaque 1997 Federal 42.668,53 8.495,00 7,89
TI Trombetas-Mapuera 2009 Federal 39.708,98 19.271,00 17,71
TI Kaxuyana-Tunayana5 2018 Federal 2.1841,20 17.015,00 16,19
Total 161.706,1 104.177,6 96,97
Fonte: Planos de Manejo das Unidades de conservação; Portarias de reconhecimento das TQs e Decretos de
homologação das TIs.
5 Possui áreas sobrepostas: à Flota de Faro (3,92 km²); à Flota do Trombetas (15.946,91 km²); à Esec do Grão-
Pará (255,78 Km²).
60
Mapa 02 – Áreas protegidas no entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas
Fonte: IBGE, IDEFLOR-BIO, INCRA, MMA. Elaboração do autor.
Contudo, é importante ressaltar que há condições de se evitar a pobreza e a carência
alimentar nessas áreas protegidas, pois são áreas onde há condições de reprodução dos modos
de vida dos povos tradicionais que nelas residem. Essas áreas protegidas são bases territoriais
para elos iniciais de cadeias produtivas, como da castanha-do-brasil, copaíba, andiroba, açaí e
outras, atividades produtivas desenvolvidas pelos povos tradicionais sem destruir os sistemas
naturais que lhe dão matéria-prima.
A microrregião Alto Trombetas localiza-se na margem esquerda e direita do rio
Trombetas, que é afluente da margem esquerda do rio Amazonas (ORIXIMINÁ, 2017). Essa
microrregião abrange as áreas de florestas e castanhais, os lagos e igarapés adjacentes que
ficam a montante da companytown Porto Trombetas (MAPA 01). É uma das 14 microrregiões
municipais que compõem a zona rural do município de Oriximiná (TAVARES 2006, p. 15). É
constituída por 16 comunidades remanescentes de quilombos: Boa Vista (Trombetas), Moura,
Palhal, Curucá Mirim, Último Quilombo, Nova Esperança, Jamari, Juquiri, Juquirizinho, Mãe
Cué, Sagrado Coração de Jesus, Tapagem, Paraná do Abuí, Abuí, Santo Antônio do
Abuizinho e Cachoeira Porteira; e a tribo indígena Mapuera (MAPA 03).
61
Mapa 03 – Comunidades da microrregião Alto Trombetas.
Fonte: IBGE, IDEFLOR-BIO, INCRA. Elaboração do autor.
A microrregião Alto Trombetas, onde estão inseridos o TQ Alto Trombetas 1 e a
comunidade Último Quilombo, situa-se, sobretudo nas margens de rios, lagos e igarapés da
bacia hidrográfica formada pelo rio Trombetas e seus tributários. O rio Trombetas é um rio de
águas claras que possui muitos trechos de corredeiras e cachoeiras, apresentando água mais
cristalina, pois não banham tantos terrenos ricos em nutrientes como os de água barrenta
(IBAMA, 2004). No início do século XIX, os mocambeiros construíram os quilombos às
margens dos rios Trombetas e Erepecuru, nos trechos encachoeirados, à jusante das linhas de
quedas das cachoeiras, obstáculos naturais que proporcionavam proteção aos quilombolas
ante as expedições punitivas.
O rio Trombetas e seus tributários influenciam diversos ambientes alagáveis, tais
como as florestas inundáveis de igapó dos lagos, as florestas inundáveis de várzeas; e, em
menor extensão, manchas de campinas sobre solo arenoso. Além dessa variedade de
ecossistemas terrestres presentes na microrregião Alto Trombetas, também há: ambientes
lóticos de pequenas, médias e altas vazões, inter-relacionados com baixa, média e alta energia
(desde remansos até cachoeiras vigorosas; ambientes lênticos, representados tanto pelos
exuberantes lagos presentes na região, com o fluxo de água controlado pelos pulsos de
62
vazante e cheia do rio Trombetas, como eles ocupados por uma rica e variada fauna.
(RADAMBRASIL, 1976 apud SALOMÃO, 2012).
O clima da região na qual está inserida a microrregião Alto Trombetas, onde situam-
se o TQ Alto Trombetas 1 e a comunidade Último Quilombo, é classificado como do tipo
“AF1” de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger (KÖPPEN; GEIGER,
1928), sendo classificado como tropical chuvoso de floresta que apresenta precipitação
pluviométrica média anual variando entre 2.200 mm e 2.500 mm (RADAMBRASIL, 1976
apud SALOMÃO, 2012), sendo que a temperatura média, a precipitação pluviométrica, a
umidade relativa e a insolação anual para região são de respectivamente: 26ºC, 2.197 mm,
81% e 2.026 horas (INEMET 2010 apud SALOMÃO, 2012). Como regra geral, na Amazônia
há dois períodos climáticos distintos: o “inverno” e o “verão”.
O “inverno” amazônico ocorre de dezembro a maio, quando incidem as maiores
precipitações pluviométricas, e consequentemente, o aumento dos níveis dos rios, lagos e
igarapés, ocasionando as chamadas “cheias”. No “inverno” amazônico, os coletores
tradicionais de castanha-do-brasil se dedicam a coleta da castanha-do-brasil – mais
precisamente de janeiro a maio –, pois é nesse período que os ouriços, frutos da castanheira,
se desprendem dos galhos dessa árvore e caem no chão. As “cheias”, por sua vez, facilitam o
transporte do produto, pois na “seca” muitos igarapés e furos ficam intrafegáveis devido se
tornarem muito rasos. O “verão” amazônico ocorre de junho a novembro, quando a estiagem
é bem acentuada, ocasionando as chamadas “secas” (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018).
Geomorfologicamente, a área de estudo encontra-se na unidade morfoestrutural do
Planalto Dissecado Rio Trombetas – Rio Negro, onde nas proximidades da margem direita do
rio Trombetas há relevos tabulares onde ocorre a exploração de bauxita. Na Geologia da bacia
amazônica os depósitos de bauxita presentes na microrregião Alto Trombetas são associados à
série Barreiras do Terciário, constituídos de arenitos, siltitos e, ocasionalmente,
conglomerados. As lateritas, assim como a bauxita comercial, são encontradas no topo dos
platôs, fortemente dissecados pela erosão, remanescentes do peneplano Terciário, e que se
estendem ao longo do lado nordeste do rio Amazonas, desde as vizinhanças de Oriximiná até
Jardilândias, no rio Jari. Estes platôs são bem definidos, têm os topos planos, achatados, cuja
elevação varia de 70-120 m, com altitude de 150-200 m em relação ao nível do mar
(RADAMBRASIL, 1976 apud SALOMÃO, 2012).
Fitogeograficamente, a microrregião Alto Trombetas, onde estão inseridos o TQ Alto
Trombetas 1 e a comunidade Último Quilombo, situa-se no Domínio das Terras Baixas
63
Florestadas da Amazônia (Ab'Saber, 1971) e, segundo a classificação fitogeográfica do IBGE
(1992), a sua cobertura vegetal está inserida na Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas ou
Floresta Pluvial Tropical de Terras Baixas mista, sempre-verde, raramente estacional,
intercalada por manchas de floresta densa. Esta tipologia florestal é dependente de alto índice
pluviométrico e conta com uma densa biomassa vegetal. Das subtipologias existentes nesta
região fitogeográfica, apenas as florestas de terra firme, as florestas inundáveis de igapó, as
florestas de várzea e a campina de areia branca se fazem presentes na Reserva Biológica do
Rio Trombetas. Dentre as principais espécies encontradas destacam-se: Dinizia excelsa
(angelim-pedra), Bertholletia excelsa (castanheira) e Cedrelinga catanaeformis
(cedrorana). O estrato uniforme é caracterizado por Manilkara spp (maçarandubas), Protium
spp. (breus) e Pouteria spp (abius). Trata-se de florestas com alto volume de madeira de
grande valor comercial, com sub-bosque limpo, boa regeneração natural e fácil locomoção
(IBAMA, 2004).
4.1.1 O Território Quilombola Alto Trombetas 1 (Território Mãe Domingas)
O Território Quilombola Alto Trombetas 1, também conhecido como Mãe Domingas,
nome da associação que o representa, está localizado a jusante do TQ de Cachoeira Porteira,
no entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas (MAPA 02). Parcialmente titulado pelo
Iterpa em 2003, o TQ Alto Trombetas 1 teve o título definitivo de seu território retificado em
2012. Atualmente, a parte titulada do TQ Alto Trombetas 1 possui uma área de 61.211,96
hectares, correspondentes às comunidades Abuí, Paraná do Abuí e Santo Antônio do
Abuizinho. A parte não titulada do TQ Alto Trombetas 1 compreende uma porção territorial
de 151.923 hectares, correspondente às comunidades: Tapagem, Sagrado Coração de Jesus e
Mãe Cué, conforme informado pelo E 11:
“A Associação Mãe Domingas da qual faço parte, ela é composta com seis
comunidades: começa no Abuí, o Paraná do Abuí, o Santo Antônio que era uma
comunidade junta com o Paraná que era só o Paraná e foi dividido e agora tem o
Santo Antônio. Aí tapagem, Sagrado Coração de Jesus e o Mãe-Cué. Então essas
comunidades a qual faz parte da Associação Mãe Domingas, que graças a Deus nós
não tem nenhuma comunidade que more, que seja implantada dentro da Reserva
Biológica. Tudo é na Floresta Nacional, mas a maior parte da extraição que a gente
faz é dentro da Reserva Biológica. Quando não coleta a castanha direcionada, mas
coleta a copaíba, coleta outra coisa. Tem três comunidades dentro do território
titulado que é o Abuí, o Paraná do Abuí e o Santo Antônio. E já a Tapagem, o
Sagrado Coração de Jesus e Mãe-Cué, a gente tá lutando pra conseguir a titulação
dessas três. A gente já, em fevereiro de 2017, foi publicado o RTID. Quando foi esse
ano a gente tinha uma data judicial que era pra ser titulada até maio de 2018, mas
não foi titulada, mas graças a Deus, foi publicada a portaria de reconhecimento pelo
64
Diário Oficial da União no dia 19 de julho, o qual vai ser entregue no dia 20, lá na
comunidade da Tapagem. É um avanço enorme pra titulação porque daí não tem
mais como o governo dizer eu não titulo porque ela não é reconhecida, né. E
passando do Diário, da Portaria de reconhecimento, só é a titulação. Possa que venha
umas outras coisas, que hoje a gente tá brigando com... ainda não é caminho
diretamente pra titulação por causa de que pra fazer titulação dentro dessa área que a
gente tá tem que fazer um projeto de lei pra fazer a desafetação da Flona pra
diretamente pra titulação e isso depende de passar pelo Congresso. E a gente sabe
que o Congresso hoje, a briga do Congresso é por dinheiro, não é por ajudar
ninguém” (E 11, 2018).
De acordo com o Entrevistado 11, dentre as peculiaridades do grupo de comunidades
do TQ Alto Trombetas 1, está a ocupação da Reserva Biológica do Rio Trombetas com usos –
não há moradias. As sedes e as áreas de moradias das comunidades quilombolas da parte não
titulada do TQ Alto Trombetas 1 estão localizadas em áreas sobrepostas ao território da
Floresta Nacional Saracá-Taquera. Além das áreas sobrepostas à Floresta Nacional Saracá-
Taquera, as comunidades do TQ Alto Trombetas 1 também reivindicam áreas de uso
sobrepostas a Reserva Biológica do Rio Trombetas.
A Portaria que o Entrevistado 11 se refere é a Portaria de Reconhecimento nº 1.171,
publicada no Diário Oficial da União, no dia 17 de julho de 2018 foi publicada. Essa Portaria
é resultado de acordo entre o INCRA, o ICMBio e a Associação Mãe Domingas, entidade
representativa do Território Quilombola Alto Trombetas 1. Por meio dessa Portaria, o Incra
reconheceu e declarou como terras do Território Quilombola Alto Trombetas 1 a área de
161.719,42 hectares, situada no município de Oriximiná, no estado do Pará. A regularização
fundiária desse território será realizada via Contrato de Concessão de Direito Real de Uso
(CCDRU), a ser emitido pelo ICMBio, sendo o Incra e a Fundação Cultural Palmares
intervenientes da área de 57.938,14 hectares, que corresponde à porção do Território
Quilombola sobreposto à Floresta Nacional de Saracá-Taquera (INCRA, 2018a).
No mesmo dia também foi publicada a Portaria de Reconhecimento nº 1.172, resultado
de acordo entre o INCRA, o ICMBio e a Associação das Comunidades Remanescentes de
Quilombo do Alto Trombetas (ACRQAT), entidade representativa do Território Quilombola
Alto Trombetas 2. Por meio Portaria de Reconhecimento nº 1.172, o Incra reconheceu e
declarou como terras do Território Quilombola Alto Trombetas 2 a área de 189.657,81
hectares, situado no Município Oriximiná, no estado do Pará. A regularização fundiária será
realizada via contrato de concessão de direito real de uso a ser emitido pelo ICMBio, sendo
INCRA e Fundação Cultural Palmares intervenientes, da área de 93.794,19 hectares, que
corresponde à porção do Território Quilombola sobreposto à Floresta Nacional de Saracá-
Taquera (INCRA, 2018b).
65
Apesar da publicação das Portarias de Reconhecimento, estas não encerram as
tratativas referentes à definição final das áreas dos Territórios Quilombolas Alto Trombetas 1
e Alto Trombetas 2 que se encontram sobrepostas à Reserva Biológica do Rio Trombetas,
considerando-se a sobreposição de interesses da União. A publicação da Portaria também não
implica renúncia, pelos quilombolas dos Territórios Quilombolas Alto Trombetas 1 e Alto
Trombetas 2, ao direito de futura emissão de título de domínio sobre as sobrepostas à Reserva
Biológica do Rio Trombetas (INCRA, 2018a; INCRA, 2018b).
Segundo Fonseca (2015), a titulação da área reivindicada pelo TQ Alto Trombetas 1,
sobreposta a unidades de conservação federais, atualmente geridas pelo ICMBio, impõe o
enfretamento de uma questão delicada: a necessidade de revisão dos limites das unidades de
conservação federais criadas sobre territórios secularmente ocupados por comunidades
remanescentes de quilombos. Por tal razão, a regularização fundiária do TQ Alto Trombetas 1
tem sido postergada, devido à dificuldade de consenso entre o Incra e o ICMBio quanto às
sobreposições do TQ com as unidades de conservação.
4.1.2 A comunidade Último Quilombo
A comunidade Último Quilombo recebe essa denominação por ter sido a última
comunidade quilombola a aderir, no ano de 1993, ao movimento organizado pela Arqmo. A
comunidade Último Quilombo localiza-se no Território Quilombola Alto Trombetas 2, mais
precisamente nas margens do lago do Erepecu, abrangendo o rio Trombetas e o igarapé do
Candeeiro, até o Igarapé da Água Branca. O território da comunidade Último Quilombo está
totalmente sobreposto ao território da Reserva Biológica do Rio Trombetas, ocupando a
porção sul da Reserva Biológica do Rio Trombetas, estando a noroeste da Base de Apoio do
Erepecu – posto de fiscalização do ICMBio, que está instalado na boca do lago – e fazendo
fronteira, a oeste, com a comunidade Nova Esperança (CUMBUCA NORTE, 2017).
A comunidade Último Quilombo está vinculada a Associação das Comunidades
Remanescentes de Quilombo do Alto Trombetas 2 (ACRQAT), a qual é responsável pela
solicitação de titulação do TQ Alto Trombetas 2. O processo administrativo foi formalizado
junto ao Incra desde 2004, sendo que o RTID desse TQ somente foi publicado em 14 de
fevereiro de 2017, em obediência à sentença que, em 2015, condenou a União, o Incra e o
ICMBio a concluírem em até dois anos o procedimento administrativo de identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelas comunidades
de remanescentes de quilombo Alto Trombetas 1 e 2. A solução do procedimento, contudo,
66
tem sido postergada (assim como foi postergada a publicação do RTID, concluído em 2014)
devido à dificuldade de se chegar a consenso, entre os órgãos federais, quanto às
sobreposições do TQ Alto Trombetas 2 com a Floresta Nacional Saracá-Taquera e a Reserva
Biológica do Trombetas.
A população da comunidade Último Quilombo é de 40 famílias, de acordo com os
moradores. Segundo o Departamento de Relações Comunitárias da MRN, naquele mesmo
ano, 30 famílias estariam residindo na comunidade (MRN, 2016). Já o Relatório
Antropológico do TQ Alto Trombetas 2 indicou que, em 2013, havia 27 famílias no local, das
quais 20 teriam sido cadastradas pelo Incra e outras sete não cadastradas, totalizando uma
população de 122 moradores (Ecodimensão, 2014). Por sua vez, o levantamento
socioeconômico realizado pela STCP em 2014 considerou em conjunto a população das
comunidades Nova Esperança e Último Quilombo, referindo-se a ambas como se fossem uma
só localidade, então chamada Lago Erepecu, de modo que não se procedeu à discriminação do
número de famílias referentes a cada comunidade. Enfim, diante das imprecisões e possíveis
mudanças próprias dos fluxos populacionais, adotou-se nesta pesquisa as informações das
últimas pesquisas dos relatórios antropológicos.
4.1.3 Organização social e territorial dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas
No que se refere a organização social e territorial, os resultados indicaram que os
quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que coletam na Reserva Biológica do
Rio Trombetas, tanto os que residem no TQ Alto Trombetas 1, quanto os que residem na
comunidade Último Quilombo, estão organizados em núcleos familiares, conviventes ou não
em uma mesma unidade doméstica. As unidades domésticas, por sua vez, formam os grupos
familiares, que formam as comunidades. As comunidades se organizam em torno de
associações que representam o Território Quilombola e estas estão organizadas em torno da
Arqmo, Associação-Mãe (FIGURA 01) (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
67
Associação Mãe (ARQMO)
Microrregião
Associação de Área/Território
Quilombola
Comunidade
Grupo Familiar
Unidade Familiar
Figura 01 – Organograma dos níveis de organização social e territorial da microrregião Alto
Trombetas.
Os núcleos familiares no TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
Os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem no TQ Alto
Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo se organizam em núcleos familiares,
conviventes ou não em uma mesma unidade doméstica (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018). No TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
as unidades domésticas são compostas, em média, por 03 a 06 pessoas, mas esse número pode
variar a até 10 pessoas morando na mesma casa, sendo que cerca de 88% das casas abriga
apenas uma única família6 (ARQMO, 2018).
A quantidade de famílias residindo na mesma casa tem relação direta com o
desmatamento nas áreas do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo, uma
vez que quanto mais famílias constroem casas, mais áreas do interior e entrono da Reserva
Biológica do Rio Trombetas são desmatadas (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA,
2018/2019).
6 Considerou-se como família o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou
normas de convivência, que residissem na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que morasse só em
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Os grupos familiares no TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
As unidades familiares, geralmente, se organizam em grupos familiares. Os grupos
familiares do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo são formados por
aglomerações de casas construídas próximas umas das outras, em sítios elevados localizados
ao longo dos rios, lagos, igarapés e paranás (FIGURA 02). As pessoas que compõem o grupo
familiar auxiliam-se na produção e comercialização dos produtos oriundos da pequena
agricultura familiar e do extrativismo, mas há um distanciamento espacial entre esses grupos.
Contudo, apesar desse distanciamento, há uma teia de relações, trocas e ajuda mútua entre
esses grupos que integram uma unidade maior, a comunidade, que lhes dá sentido social e
cultural (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
Figura 02 – Casas de um grupo familiar na comunidade do Abuí, no lago do Abuí, Território
Quilombola Alto Trombetas 1, microrregião Alto Trombetas, Oriximiná – PA. O grupo
familiar geralmente é constituído por filhos e filhas que contraíram matrimônio, mas também
podem ser constituído por outros familiares. Fonte: PICANÇO (2018).
uma unidade domiciliar (IBGE, 1999).
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A organização em comunidades
Os grupos familiares de quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que
coletam na Reserva Biológica do Rio Trombetas se organizam socioespacialmente em
comunidades, unidades políticas e administrativas no contexto local (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Segundo Acevedo e Castro (1998), as comunidades do TQ Alto Trombetas 1, da
forma como estão organizadas atualmente, foram instituídas e reconhecidas pelos
quilombolas, no âmbito da organização da Arqmo, a partir da década de 1990. A organização
se deu em meio a lutas pela garantia de direitos territoriais das populações negras locais,
invisibilizadas nos processos de criação das unidades de conservação e afetadas por impactos
socioambientais decorrentes da implantação da mineração na região, conforme informado
pelos Entrevistados 01, 12 e 24:
“Esse negócio de comunidade foi de uns certos tempos pra cá que foi afundada e na
época que jogaram o pessoal de lá do Jacar... Daí da Reserva não tinha ainda o
negócio das comunidades. Dispois disso muitas coisas melhorou, mas foi já devido a
comunidade, depois de fundar a comunidade que melhorou mais algumas coisas”
(E01, 2018).
(...)
“A comunidade aqui é o seguinte, as comunidades aqui vizinhas, as seis
comunidades, se fazer uma E com uma, tá fazendo com todas. Tem aquela coisa
que, às vezes, a pessoa não tá mais inteirada que a outra. A gente sempre tá, graças a
Deus, uma parceria boa aí com eles da Mãe-Domingas, né, sai a gente vai junto”
(E12, 2018).
(...)
“Foi depois da morte, em 94 [1994], que um policial do Ibama matou um irmão
meu, aí já existia a Arqmo nessa época, tava próxima ainda que a Arqmo foi
fundada, aí devido a força que a Arqmo foi fundada, as comunidades de fora, aí
meio que o Ibama relaxou, aí foi que montaram essa comunidade. Foi a Igreja
Católica que organizou, foi o padre Patrício. Todas as comunidades são organizadas
pela Igreja Católica. Quando o Ibama chegou pra cá, eles vinham com o propósito
de... Até hoje eles ainda usam essa mesma situação. Eles vieram aqui porque o
governador decretou como reserva, né. Só que antes de ser Reserva existia muitos
moradores, existia na verdade. Existia moradores já, o avô dele, bisavô dele, por
exemplo, o papai, o pai do papai morou por aqui. Só que não era comunidade, mas
existia essas pessoas. Aqui sempre foi lago Erepecu. Inclusive essa data de criação
dessa comunidade aqui, houve um equívoco que tem muitas pessoas que falam que
não foi devido a morte do meu irmão que fundada essa comunidade, mas na verdade
foi. Aí tem umas pessoas da comunidade que acabam dizendo que foi antes, antes da
morte, mas na verdade foi depois da morte dele que nós... Foi de conflito nosso com
o Ibama” (E24, 2019).
Analisando as falas dos Entrevistados 01, 12 e 24, pode-se afirmar que outro uso
importante do termo/categoria “comunidade” é como marcador temporal. Segundo
Scaramuzzi (2016), a fundação das comunidades remete ao tempo da chegada da Igreja, ao
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início da luta pelos direitos territoriais, à fundação da Arqmo e a organização política das
pessoas diante dos embates políticos com aqueles que tinham interesses por suas terras. O
tempo em que não existia comunidade está interligado ao tempo dos patrões, ao regime das
colocações e a expropriação e perda do direito de uso de parte do território pela implantação
das unidades de conservação (SCARAMUZZI, 2016).
O termo/categoria “comunidade” é usado principalmente para circunscrever aquilo
que concerne ao âmbito das relações com o Estado e alguns segmentos da sociedade civil.
Inclui-se nesse espectro de relações: aquelas com as pessoas de fora que moravam ou
frequentavam o território quilombola; aquelas relativas à gestão dos bens materiais e objetos
coletivos como o barco comunitário e o motor de luz movido a óleo diesel ou gasolina; a
estrutura física dos centros comunitários como o posto de saúde, escola e igreja e os empregos
ligados a educação, transporte e saúde (SCARAMUZZI, 2016).
Segundo Scaramuzzi (2016), a organização política e o aparato burocrático e material
que acompanham a existência das comunidades na microrregião Alto Trombetas interferiram
no modo de vida e no modo de ocupação territorial dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que coletam na Reserva Biológica do Rio Trombetas. Scaramuzzi (2016)
afirma que isso ocorre devido aos mecanismos da comunidade que auxiliam na gestão dos
espaços, das pessoas e daquilo que já existia antes da chegada da Igreja Católica. Um exemplo
é a gestão sobre o estabelecimento de moradias, pois nas comunidades do TQ Alto Trombetas
1 e na comunidade Último Quilombo é comum os quilombolas deslocarem suas moradias de
forma temporária ou permanente, pelo território pelos mais variados motivos: em busca de
solos mais férteis para cultivar a roça, coletar produtos florestais, e também devido à escassez
de caça e pesca em determinados locais. Sempre que os recursos necessários para a
sobrevivência ficam escassos em algum local, os quilombolas migram para áreas onde havia
mais abundância de recursos naturais, fazendo, assim, manejo e preservação desses recursos.
Segundo Castro e Acevedo (1998) essa mobilidade territorial dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas estão associados a um
padrão de reprodução social. Segundo as autoras,
Em tempos não estritamente regulares, o grupo doméstico procura se mobilizar em
direção a lugares onde os alimentos desejáveis ou suas fontes estejam o mais
próximo possível de seu lugar de residência. Sua permanência no mesmo lugar
encontra limites nas condições do próprio meio natural. O ponto central dessa
estratégia é o aumento do tempo de trabalho e o gasto de energia necessários para
alcançar a distância entre o local de habitação e o local de trabalho. Há uma
racionalidade que busca compensar, pela economia de tempo e esforço, as
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dificuldades impostas pelo uso de tecnologias rudimentares (CASTRO; ACEVEDO,
1998).
Atualmente, no TQ Alto Trombetas 1, assim como na comunidade Último Quilombo,
a possibilidade de migrar de uma comunidade para outra, assim como o ingresso de novos
moradores não quilombolas, é discutida e avaliada nas assembleias comunitárias. No caso de
migração intercomunitária a probabilidade do requerente ter sua solicitação aceita é maior
caso possua parentes residindo próximos ao lugar onde pretende morar, sendo que estes se
responsabilizam por condutas não compatíveis com as regras do território ao qual estão
inseridos, conforme informado pelos Entrevistados 16, 17, 21, 24, 25 e 26:
“Isso é muito interessante, interessante, porque ao mesmo tempo, interessante,
esclarecedor pras pessoas que fazem algumas especulações. Então, funciona assim,
é... Eu nasci aqui, me criei aqui, mas sempre tem um momento que e gente precisa
estudar. A gente precisa conhecer as pessoas, conhecer o mundo. Conhecer a mídia,
conhecer o desenvolvimento, a tecnologia. E aqui no Erepecu, na nossa comunidade,
isso ainda não é possível, né. Nós somos um pouco aquém das realidades que
existem lá fora. Então, a minha tendo essa visão como várias outras mães e pais, nos
levaram pra estudar lá em Porto Trombetas. E nós fixamos, então residência lá na
Boa Vista, em outro território, mas com a permissão dos coordenadores da
Associação de lá do Boa Vista. Fixamos residência lá, estudamos. Depois eu me
casei e tomei conta da minha própria família. E agora, estou retornando depois de
casado, depois de filhos. Retornei pra lá, foi em 2007. Retornei pra minha
comunidade e estou aí atuando na comunidade do Último Quilombo. E por enquanto
como ainda tenho filhos que estudam aí, um último filho que estuda no colégio
Pitágoras, ainda tô com a residência lá, mas estou fazendo uma outra aqui, que eu
pretendo me mudar o quanto antes” (E 16, 2018).
(...)
“As pessoas que sai pra morar em outro local, pode sair. Até hoje pode, mas a
pessoa vai reencontrar hoje uma burocracia, todo mundo tá se organizando. Tem um
caso aí, mas graças a Deus já foi resolvido. Porque assim, Carlos tu mora na cidade
não precisa dar satisfação para ninguém, põe a mochila na costa e vai embora. Na
comunidade já é diferente, porque a pessoa vai sair da comunidade, se ele bem
pensar, ele chega com a comunidade com a coordenação ele não vai dar satisfação
da sua vida, mas ele vai comunicar que ele vai sair que vai dar um tempo, mas
depois ele volta. Quando ele sai, alguém pode ocupar o terreno quando ele sair. Ele
vai ter problema quando ele chegar. Não vai ter o terreno né, embora o estatuto diz
que ninguém pode entrar na capoeira de ninguém e ninguém pode chegar e ocupar o
terreno de alguém, então tem esse cuidado. Hoje: – Ah! Eu vou sair, vou levar meu
filho para estudar em Oriximiná. Não tem nenhum problema! Vou sair, vou
trabalhar. Não tem nenhum problema, mas o que a comunidade quer como respaldo,
assim: – Cadê o Fulano? A comunidade saber dizer o que o Fulano está fazendo lá.
Hoje, nós temos um levantamento das pessoas que moram, que estão e aqueles que
são, mas que estão lá fora. Para quê, quando essa pessoa que está lá fora chegar,
ainda tem o processo. Ele vai na comunidade, vai dizer a comunidade que ele voltou
para ficar, entendeu? Ele não pode chegar na comunidade, chegar e ficar. Porque
tem pessoas que chega afinca o seu barraco e não tá nem aí com a comunidade. E aí
o que acontece: nós temos dois tipos de pessoas na comunidade, nós temos o
comunitário e nós temos o morador. Então, o morador que que vai acontecer? A
comunidade não tem responsabilidade com aquela pessoa, porque simplesmente foi
embora e não faz parte do rol da comunidade, ai o comunitário, é diferente, por quê?
Porque ele está ali na ativa, então se for para defender quem mora e o comunitário,
com certeza o comunitário. Ele vai ter mais defesa que o morador. Porque, assim, a
72
pessoa mora mas não tá nem aí, a pessoa novata que chega pra morar aí, ele vai ter
problema. Vai ter problema com a comunidade, ICMBio e com a associação. Vamos
dizer, assim, se você resolveu vir morar aqui no último quilombo, vamos dizer: –
Olha, o Carlos, aquele rapaz tá querendo vir morar na comunidade, aí vai ser feito
uma reunião. Aí ele vai vir a comunidade para escutar o que ele tem a dizer, o que a
comunidade tem a dizer. Aí ele vai dizer se aceita ou não. Porque se não for assim,
Carlos, vai ter pessoas, casas na comunidade toda” (E 17, 2018).
(...)
“Então, cada comunidade é assim, quando o comunitário quer sair, o certo, por
estatuto nosso, a pessoa sai vai na comunidade e diz eu vou passar um tempo, eu vou
mudar pra tal comunidade, mas a capoeira eles não podem vender e nem pode doar.
Até um dia nós tivemos conflito sobre isso porque teve uns que venderam, teve uns
que doaram, depois quiseram voltar, só traz problema pra gente. Então, a gente não
aceita dessa maneira, o nosso estatuto reza assim que quando a pessoa vai a
comunidade toma conta da capoeira e não deixa que ninguém entre lá. Na hora que
ele voltar, ele tem o acesso dele livre. Ele veio do Abuí, né, aí ele se apresentou.
Agora, nós temos uma situação aqui que a gente tá meio parando: o cara que veio no
tempo dos patrões, lá de outra cidade, passou uns dias, ou veio na época da castanha,
mas quando ele soube que ele nasceu aqui hoje, ele quer voltar. Então, uma pessoa
dessa não tem como a gente... – Ah, mas eu nasci aqui..., mas não é quilombola. Pra
isso aí nós estamos fechando as portas. E outra: a pessoa tá lá no Moura, agora por
besteira, a mulher tá aqui no Erepecu. Poxa, não são marido e mulher? Então
decidam onde querem ficar. Então, é para esses caras aí que a gente senta com a
pessoa e fizemos um acordo com o ICMBio para esses casos bem sérios. Agora no
caso do menino, não, o pai dele tava aqui, ele queria mudar pra cá” (E 21).
(...)
“Essas regras assim, elas funcionam de acordo com o Estatuto lá da Associação, da
Arqmo. Quem tá fora que é remanescente, é daqui, filho daqui, o direito que ele tem
é quem tá aqui, é chegar aqui, o dia que ele quiser fazer uma casa e morar. Aí a
partir daí vai conquistando seus direitos. Aí alguém de fora só pode vir se for trazido
por alguém, tipo assim casou. Se minha filha casou com o camarada lá de fora, se
quiser vir morar aqui, pode trazer. Aquele meu filho lá, ele nasceu lá no fartura,
então ele filho é natural aqui de dentro. Então, tinha pessoas, quando ele chegou, ele
falou com a tia..., que é nosso parente aqui. Aí: não meu filho, tu é filho do Edílson,
não tem problema. Ela reconheceu sozinha, sem... mas tinha alguém que tava
fuxicando... Mas porque que o Edílson chegou e disse que ia ficar aqui de novo e o
filho dele chegou e já tem casa e não falou isso. Algumas pessoas, mas ela sem
problema. Ah, meu filho, atravessa lá pro rumo do teu pai e vai fazer tua casa. É
algumas pessoas, é por isso que tava tendo aquilo. Pelo estatuto, ele tem direito sim”
(E 24).
(...)
“Eu era lá do rumo da Serrinha eu fui pro Abuí, que meu pai era de lá, aí o rapaz que
mora aqui foi para lá com meu cunhado ai agente se conheceu (E 26)”.
Analisando as falas dos Entrevistados 16, 17, 21, 24, 25 e 26, é possível afirmar que as
solicitações de pessoas que não são quilombolas, assim como as solicitações de migração
intercomunitária, também são discutidas e avaliadas em assembleia comunitária. Mas, neste
caso, para pleitear residência nas comunidades quilombolas do TQ Alto Trombetas 1, assim
como na comunidade Último Quilombo, é necessário se tornar cônjuge (e seus dependentes
legais) de remanescente de quilombo e adotar o modo de vida desse povo tradicional.
Segundo um dos coordenadores da Associação Mãe Domingas, ser quilombola não se
restringe apenas em ser “remanescente de quilombo”, os quais são descendentes e possuem a
mesma identidade étnica dos quilombolas que viveram nos quilombos no vale do rio
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Trombetas, mas tal categoria é definida pelo modo de vida peculiar construído por esse povo
tradicional ao longo de sua territorialização no vale do rio Trombetas. Assim, para ser
considerado quilombola nem sempre é necessário compartilhar da mesma identidade étnica.
Temos como exemplo os cônjuges (pessoas não quilombolas e seus dependentes legais) dos
remanescentes de quilombo, que também são considerados quilombolas, desde que adotem o
modo de vida desse povo tradicional (E16, 2018; E17; E21; E24; E25, 2019).
As coordenações das comunidades do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último
Quilombo organizam missas, atividades e festas religiosas, eventos de esporte e lazer e
trabalhos coletivos (mutirões), conforme informado pelos Entrevistados 08, 10, 12, 15, 16.
“Em relação a coordenação da comunidade, a gente como coordenação a gente tem
um trabalho que é mais voltado a questão da... do... pastoral, sabe? Assim,
organização da igreja, a organização da própria comunidade, dos comunitários pra
qualquer um outro evento que tenha ligado a associação [Mãe-Domingas]. Então a
gente como coordenador a gente tem essa função de organizar aqui os comunitários.
A gente tá sempre preparado pra ajudar nas discussão, nas luta pela titulação e lutar
pra melhoria da própria comunidade. Essa é uma das função. Porque na verdade a
comunidade ela é a base da associação. Então, se nós comunitários, ou seja, nós
coordenador, a gente não se organizar pra que a comunidade esteja preparada pra
hora que a associação precisar, aí é muito difícil, não tem como seguir” (E08, 2018).
(...)
“Eu sou duas vezes Coordenador. Antes, nós estava com três anos (período na
coordenação da Comunidade), mas sempre a Paróquia vem trocando. Nós ficava três
anos, agora cada vez vai diminuindo mais. Depois passou pra dois. Agora este ano
foi eu fui no mês de maio num curso lá na paróquia e me falaram que esse próximo
ano vai ser um ano” (E10, 2018).
(...)
“O nosso papel de coordenação na comunidade é, sempre procurar as coisas
principais pra dentro da comunidade, né, alguma melhoria pra cá pra comunidade,
pro nosso povo. Então, nosso objeto principal da comunidade é essa. Associação
(apoio a associação) a gente tá trabalhando, graças a Deus, junto aí com o
Coordenador da Associação. Sobre a titulação, a gente trabalha aqui diretamente
mesmo com a nossa associação. É ela que traz esse. A gente acompanha eles, mas
eles que trazem a liberdade pra gente sobre a Associação. A comunidade só faz
acompanhar o coordenador da comunidade, e deixa um pouco por conta deles pra
não complicar, né? Um puxar prum lado, puxar pro outro. A gente sempre ficar a par
porque a gente viaja com eles. Tá sempre junto. Olha, enquanto coordenador, as
dificuldades têm meias grandes as dificuldades aqui. O problema de recurso que a
gente. Não, eu não acho que é por tá dentro da Flona, que a Flona ela é sempre mais
liberta. Eu cismo que é por ser muito distante, por isso que eu cismo que a
dificuldades...” (E12, 2018).
(...)
“É complicado mesmo. Esse negócio de coordenação é complicado. Qualquer coisa
que dá corre em cima do coordenador, o coordenador tem que se virar. Tem vez que
as Associação me dão ajuda, agora também, tem vez que sou eu que luto mais.Uma
força grande pra manter a associação né. Até aqui, graças a Deus, tá boa a
Associação” (E15, 2018).
(...)
“Então, quando eu recebi o Convite pra assumir a coordenação da comunidade, eu
aceitei com muito amor, coragem e determinação mesmo. E eu sou aquela pessoa
envolvia, né, com qualquer assunto que me proponho a assumir, né. Então, eu vi
algumas dificuldades e vi também nas dificuldades, a oportunidade pra gente
melhorar. Melhorar a comunidade como um todo. Foi mesmo uma questão de bem
74
estar, vida financeira da comunidade [...] O meu propósito como coordenador é estar
buscando incentivo e melhorias de vida pra todos, todos na comunidade. Não só pra
um ou dois, mas que todos possam melhorar de vida, que possam ter a sua liberdade
mais assistida, né? [...] É essa a minha proposta pra comunidade. É o meu
pensamento, o meu desejo. Desenvolver de uma outra forma, onde as pessoas
tenham dignidade mesmo, tenham dinheiro no bolso. É esse daí meu objetivo. [...]
Olha, além de morador, além de comunitário e além de coordenador, eu me intitulo,
me proponho na comunidade como facilitador, entendeu. Porque as pessoas, elas
ficam nas comunidades e elas precisavam de um facilitador lá fora, escutar alguma
coisa, ver alguma coisa boa e implantar na comunidade, entendeu. Como eu te falei,
eu sou coordenador, eu sou comunitário, eu coleto às vezes castanha, mas eu quero,
eu gosto de ser um facilitador pro crescimento da comunidade como um todo. A
minha preocupação é o desenvolvimento geral da comunidade” (E 16, 2018).
Analisando as falas dos Entrevistados 08, 10, 12, 15 e 16, pode-se afirmar que as
comunidades possuem um coordenador local responsável pela representação dos interesses
dos moradores perante associações locais, órgãos públicos, organizações privadas e diferentes
sujeitos que recorrem à comunidade. O coordenador também é responsável pelas negociações
e recebimento de verbas da prefeitura, pela manutenção e pelas viagens mensais do barco
comunitário à cidade de Oriximiná, como também pela organização e realização de festas
religiosas, festas dançantes e eventos esportivos. Cabe também ao coordenador representar a
comunidade em algumas reuniões com órgãos federais, estatais e municipais e conduzir as
relações com as pessoas de fora que desejam fazer pesquisa, realizar projetos ou visitar a
comunidade. A vigência de seu mandato é geralmente de dois anos e ele é escolhido em
assembleias gerais pelos próprios moradores (E08; E12; E15; E16, 2018; OBSERVAÇÕES
ESTRUTURADAS, 2018/2019).
Os Territórios Quilombolas (TQs)
As comunidades quilombolas, enquanto organização social estão inseridas nos
Territórios Quilombolas (TQs) (titulados ou em processos de titulação), espacialmente mais
amplos. O território da microrregião Alto Trombetas possui quatro territórios quilombolas:
Boa Vista, Alto Trombetas 1 (Mãe Domingas), Alto Trombetas 2 (Moura, Jamari/Último
Quilombo) e Cachoeira Porteira (QUADRO 07). A organização das comunidades
quilombolas em territórios quilombolas possui como objetivo facilitar o processo de titulação
das terras ocupadas pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
(OBSERVAÇAO ESTRUTURADA, 2018/2019; ARQMO, 2018).
75
Quadro 07 – Áreas quilombolas da microrregião Alto Trombetas, com suas respectivas
comunidades e localização na microrregião Alto Trombetas
Áreas/TQs Comunidade Localização
Cachoeira Porteira Cachoeira Porteira
Território Quilombola de
Cachoeira Porteira e Reserva
Biológica do Rio Trombetas
Alto Trombetas 1 (Mãe
Domingas)
Abuí
TQ Alto Trombetas (Titulada) Paraná do Abuí
Santo Antônio do Abuizinho
Tapagem Floresta Nacional Saracá-
Taquera Sagrado Coração de Jesus
Mãe Cué
Alto Trombetas 2
Último Quilombo
Reserva Biológica do Rio
Trombetas
Nova Esperança
Juquirizinho
Juquiri Grande
Jamari
Reserva Biológica do Rio
Trombetas e Floresta
Nacional Saracá-Taquera
Curuçá Mirim Floresta Nacional Saracá-
Taquera Palhal
Moura
Boa Vista Boa Vista TQ Boa Vista (Titulado)
Fonte: IBAMA (2006); INCRA (2013); CPI-SP (2014) (modificado) apud FONSECA
(2015).
4.2 COLETA DOS DADOS
De acordo com as características do presente estudo, utilizou-se como abordagem a
pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, envolvendo questões e procedimentos que
emergem do grupo estudado, os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que
residem nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo, os
quais firmaram Termo de Compromisso com o ICMBio para a coleta da castanha-do-brasil na
Reserva Biológica do Rio Trombetas. A pesquisa descritiva objetiva-se em registrar os fatos
como são observados, devendo ser interpretados e analisados sem nenhuma interferência do
pesquisados, ou seja, apenas descritos como ocorrem.
A fundamentação para abordagem qualitativa dessa pesquisa centra-se nos autores
Gerhardt e Silveira (2009, p. 32), no qual afirmam que “A pesquisa qualitativa preocupa-se,
portanto, com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na
compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais”. Sendo esta pesquisa altamente
descritiva, está sujeita à capacidade perceptiva do pesquisador.
Desse modo, como estratégia de pesquisa utilizou-se o estudo de caso, conforme Yin
(2005). Segundo Yin (2005), não se pode confundir a estratégia de pesquisa estudo de caso
com o método específico de coleta de dados, como a etnografia ou observação participante. A
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etnografia, em geral, exige longos períodos de tempo no “campo” e enfatiza evidências
observacionais detalhadas. A observação participante pode não exigir a mesma quantidade de
tempo, mas ainda presume um investimento pesado de esforços no campo. Em contraste, os
estudos de caso são uma forma de inquirição que não depende exclusivamente dos dados
etnográficos ou de observadores participantes YIN (2005). Por isso, a escolha do estudo de
caso como método de coleta de dados.
Segundo Yin (2005) é possível “realizar um estudo de caso válido e de alta qualidade
“sem se deixar a biblioteca e sem largar o telefone, dependendo do tópico que está sendo
utilizado”. Pode-se basear o estudo de caso em qualquer mescla de provas quantitativas e
qualitativas. Ademais, nem sempre os estudos de caso precisam incluir observações diretas e
detalhadas como fonte de provas (YIN, 2005).
Para Goode e Hatt (1979), identificar o estudo de caso como uma técnica particular de
obter dados é um modo de organizar os dados em termos de uma determinada unidade
escolhida, como a história de vida de um indivíduo, a história de um grupo, ou um processo
social determinado. Dentre as vantagens do método, de acordo com Gil (2009), em
comparação a outros delineamentos de pesquisa, pode se destacar a possibilidade de estudar
um caso em profundidade, considerando suas inúmeras dimensões e a ênfase no contexto em
que ocorrem os fenômenos, não sendo possível separar o contexto do fenômeno, e porque
nem sempre os limites estão claramente definidos. Favorecem a construções de hipóteses,
estimulam o desenvolvimento de outras pesquisas, permitem investigar o caso sob a
perspectiva dos grupos ou das organizações, podem ser aplicados sob diferentes enfoques
teóricos e metodológicos e são flexíveis. Embora as técnicas mais adotadas sejam a
observação, a entrevista e a análise documental, os estudos de caso podem valer-se do uso
concomitante de múltiplas técnicas, cuja aplicação pode dar-se de forma diferenciada ao
longo do desenvolvimento da pesquisa.
De acordo com as posições dos autores apresentados, o estudo de caso pode ser
entendido como uma metodologia ou como a escolha de um objeto definido pelo interesse em
casos individuais. O objetivo primordial é a investigação de um caso específico, muito bem
delimitado, contextualizado, em lugar e tempo, visando à busca circunstanciada de
informações.
Quando se considera a quantidade de estudos de caso, pode se classificar em estudos
de caso único ou estudos de casos múltiplos. O estudo de caso único refere-se a um indivíduo,
um grupo, um fenômeno, uma organização. Yin (2009) considera algumas situações que
justifiquem a escolha do estudo de caso único. A escolha da modalidade de estudo de caso
77
único no presente estudo é justificada pelo estudo de caso típico ou representativo; o objetivo
é captar as circunstâncias e as condições de uma situação comum. Representa um grupo
típico, os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem no interior e
entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas e que firmaram termo de compromisso com
o ICMBio para realizar o trabalho de coleta desse produto nessa unidade de conservação. O
propósito do estudo de caso único, segundo Gil (2009), é explorar ou descrever um projeto,
uma técnica ou um fenômeno que em função de informação prévia, pareça ser a melhor
expressão do tipo ideal da categoria.
Conforme Gil (2008), em sua concepção clássica, a “unidade caso” refere-se a um
indivíduo em um contexto definido. Entretanto, ao longo do tempo, o conceito de “unidade
caso” ampliou-se de forma a incluir um grupo de objetos a serem estudados, seja o de uma
família, de um conjunto de relações, de uma comunidade, de uma nação ou de uma
organização. Assim, o objeto do estudo de caso desta pesquisa é o grupo de coletores
tradicionais de castanha-do-brasil que coletam na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Contudo, devido ao grande contingente populacional da microrregião Alto Trombetas, ao
grande número de comunidades e às grandes distâncias que separam os aglomerados
populacionais nessa microrregião, e ainda, às dificuldades de obtenção de autorização junto
aos coordenadores das comunidades, optou-se por restringir a coleta de dados aos coletores
tradicionais de castanha-do-brasil que residem nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1 e na
comunidade Último Quilombo, e que firmaram Termo de Compromisso com o ICMBio para
a coleta desse produto Reserva Biológica do Rio Trombetas. Nestas condições, foram
Entrevistados 32 coletores tradicionais de castanha-do-brasil de um universo de 377 coletores
tradicionais de castanha-do-brasil que possuem cadastro no ICMBio, por meio do Termo de
Compromisso 119, de 20 de dezembro de 2011, firmado entre o ICMBio e a Arqmo para a
coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Grande parte dos tipos de pesquisa prevê a utilização de uma técnica básica para a
coleta de dados. Os estudos de caso, por sua vez, requerem a utilização de múltiplas técnicas
de coleta de dados. Isto garante o aprofundamento necessário ao estudo e a inserção do caso
em seu contexto, bem como confere maior credibilidade aos resultados. De acordo com Yin
(2009), a existência de dados obtidos mediante procedimentos diversos torna possível a
triangulação, que constitui um dos procedimentos mais indicados para obter a corroboração
do fato ou fenômeno (YIN, 2009).
A triangulação consiste em confrontar a informação obtida por uma fonte com outras,
com vistas a corroborar os resultados da pesquisa. A triangulação está na essência dos estudos
78
de caso. Yin (2005) define este tipo de pesquisa como uma investigação que “baseia-se em
várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir em um formato de triângulo”..
Quando numa pesquisa são obtidas informações de três diferentes fontes e pelo menos duas
delas mostram convergência, o pesquisador percebe que os resultados podem ser
corroborados (YIN, 2009).
No presente estudo utilizou-se a triangulação das fontes de dados (triangulação dos
dados), conforme Yin (2009), pois os dados foram coletados em diferentes fontes, tais como
entrevistas abertas semiestruturadas, documentos e observações diretas semiestruturadas.
As entrevistas abertas semiestruturadas – em profundidade – visam explorar mais as
razões em relação a certo tema. A realização de entrevistas em profundidade permite
perguntar aos respondentes-chave sobre os fatos de um assunto, assim como suas opiniões
sobre os eventos. Segundo Marconi e Lakatos (1991), a entrevista é um instrumento
importante para extrair informações de um indivíduo acerca de um determinado assunto ou
problema que tenha relação com o fato. Boni e Quaresma (2005) complementam que as
entrevistas denominadas semiestruturadas consistem na combinação de perguntas tanto
abertas quanto fechadas, sendo uma técnica amplamente utilizada em averiguações sociais e
que permite limitar a quantidade de informações que se pretende coletar.
O pesquisador deve conduzir a entrevista similar a uma conversa informal, deixando o
entrevistado falar livremente, sem esquecer, porém, apenas de não deixar o Entrevistado
desviar-se do tema. Optou-se por essa técnica por se compreender que seria a melhor
alternativa para entender a ótica dos povos tradicionais envolvidos, de como é viver na
Reserva Biológica do Rio Trombetas e de quais principais mudanças foram ocasionadas nesse
espaço a partir da criação dessa unidade e de quais desafios a serem enfrentados. É importante
destacar que todas as entrevistas foram gravadas e as falas utilizadas neste trabalho transcritas
na íntegra.
Quanto ao número de entrevistas necessárias em uma pesquisa, Fraser e Gondim
(2004) defendem que “o que importa não são quantos foram entrevistados, mas se os
entrevistados foram capazes de trazer conteúdos significativos para a compreensão do tema
em questão”. Para saber se o número de entrevistas realizadas já é suficiente, pode-se adotar o
conceito de “saturação teórica” (EISENHARDT, 1989). A saturação teórica ocorre quando o
aprendizado incremental obtido com as novas entrevistas for mínimo, ou seja, quando as
novas entrevistas não mais agregarem nada de novo na pesquisa, é hora de parar (VOSS,
TSIKRIKTSIS; FROHLICH, 2002).
O roteiro elaborado para a entrevista da pesquisa foi baseado na fundamentação
79
teórica, de acordo com os objetivos propostos, visando coletar as percepções dos coletores
tradicionais de castanha-do-brasil que coletam esse produto na Reserva Biológica do Rio
Trombetas. Foi utilizado o mesmo roteiro para os entrevistados, a fim de obter diferentes
percepções sobre os pontos abordados. O roteiro utilizado para as entrevistas subdividiram-se
em questões conforme apresentado no Apêndice B.
Outro instrumento utilizado, a informação documental, é relevante para todos os
tópicos do estudo de caso. Este tipo de informação pode tomar várias formas e deve ser o
objeto de planos explícitos de coleta de dados. Para a coleta foram considerados documentos
tais como: atas de reuniões, termos de compromisso e relatórios referentes a construção,
avaliação e monitoramento dos termos de compromisso firmados para a coleta da castanha-
do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, entre outros. Para o estudo de caso, o uso
dos documentos serve para corroborar e aumentar a evidência de outras fontes, proporcionar
detalhes e poder fazer inferências a partir da análise destes documentos. Os registros em
arquivos também são relevantes no presente estudo.
Com relação aos dados quantitativos que constam nesta pesquisa, foi realizada
pesquisa documental nos arquivos da sede da Arqmo, a qual possui uma base de dados que é
resultado de uma pesquisa realizada nos anos de 2017 e 2018. A pesquisa faz parte do projeto
“Jovens Quilombolas de Oriximiná”, que conta com o apoio do Programa Novas Tecnologias
e Povos Tradicionais (Compartilhando Mundos), da Equipe de Conservação da Amazônia
(Ecam), que conta com o apoio financeiro da USAID. Tal programa possui como objetivo
identificar as características do modo de vida dos quilombolas e a visão que eles possuem de
seus territórios. Para tanto o programa promove capacitações dos povos tradicionais
(quilombolas e indígenas) para o uso das ferramentas tecnológicas Open Data Kit, o ODK, e
também a ferramenta Google Terra. Utilizando-se dessas ferramentas tecnológicas, os jovens
quilombolas realizaram entrevistas com os quilombolas do município de Oriximiná, com
aplicação de questionário contendo 82 perguntas aplicadas a 3306 indivíduos em 708
residências, nas 35 comunidades quilombolas do município de Oriximiná. As perguntas
abordaram temas como infraestrutura, residência, saúde, educação, cultura, religião,
associativismo e compreensão de reconhecimento estatal e documentação específica. A
ferramenta de coleta de dados Open Data Kit (ODK) permite que os dados sejam obtidos por
comunidades ou por Território Quilombola. Os dados sobre os quais nos ativemos foram os
dados dos quilombolas das comunidades nas quais realizamos as entrevistas.
Como o presente estudo foi realizado no ambiente natural do “caso”, houve a
oportunidade para observações diretas. Como os fenômenos de interesse não são puramente
80
históricos, comportamentos relevantes e condições ambientais estavam disponíveis para
observação. Essas observações servem como outra fonte disponível de evidência no estudo de
caso. A observação neste caso foi participante, proporcionando algumas oportunidades
incomuns para a coleta de dados do estudo. A oportunidade mais importante está relacionada
com a capacidade de obter acesso aos eventos ou grupos que, de outro modo, seriam
inacessíveis ao caso. Outra oportunidade é a capacidade de captar a realidade do ponto de
vista de alguém “interno” ao estudo. Esta perspectiva é valiosa na produção de um “retrato”
preciso do fenômeno do estudo de caso.
Também foram produzidos mapas com o objetivo de especializar as diversas
territorialidades que há na microrregião Alto Trombetas. Os mapas foram feitos no QGIS, que
é um software livre com código fonte aberto, multiplataforma de informação geográfica (SIG)
que permite a visualização, edição e análise de dados georreferenciados. Nas confecções dos
mapas e edição dos dados geográficos foram utilizadas técnicas de geoprocessamento. As
fontes dos dados foram coletadas nos sites do DNIT, DNPM, MMA, Iterpa, Funai, CPI e
MME. Em todos os mapas foram utilizados dados do IBGE (2018): limite do estado,
localidades e limite do país. O DATUM utilizado na confecção dos mapas foi SIRGAS 2000,
base cartográfica do IBGE.
Quanto ao trabalho de campo, cabe destacar que se fez necessária a solicitação de uma
autorização do ICMBio para que a pesquisa fosse realizada. Tal procedimento referente às
Florestas Nacionais está previsto no Artigo 17, parágrafo 4º do SNUC (2000). Essa
solicitação foi feita por meio do Sistema de Autorização e Informação e Biodiversidade
(SISBIO). A autorização para o início da pesquisa foi concedida pelo ICMBio por meio da
Autorização de Pesquisa nº 62814-1 (ANEXO B), de 25 de junho de 2018, expedida por meio
do SISBio/ICMBio, uma vez que as comunidades a serem pesquisadas estão no interior da
Reserva Biológica do Rio Trombetas e da Floresta Nacional Saracá-Taquera, ou então, a
montante dessas unidades de conservação. Dessa forma, é necessário transitar por trechos da
Reserva Biológica do Rio Trombetas.
A pesquisa também respeitou todos os trâmites internos do INPA, passando pela
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do INPA (CEP-INPA) para
que a pesquisa de campo fosse autorizada. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP-
INPA no dia 11 de maio de 2018, por meio do Certificado de Apresentação para
Apreciação Ética (CAAE) número 88961318.2.0000.0006 e do parecer consubstanciado do
CEP número 2.649.978 (ANEXO A). O CEP-INPA tem por objetivo proteger a integridade, a
dignidade e os conhecimentos dos indivíduos amostrais das pesquisas, visando tornar o estudo
81
científico eticamente correto.
Também foi necessário obter autorizações (Apêndice C): da Associação das
Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (Arqmo); da
Associação Mãe Domingas, a qual é detentora do título de propriedade do TQ Alto Trombetas
1; da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Alto Trombetas 2
(ACRQAT), que é a associação que representa as comunidades do TQ Alto Trombetas 2,
onde está localizada a comunidade Último Quilombo. Também foi necessário obter
autorização de sete coordenadores de comunidades onde residem os coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que firmaram termos de compromisso para a coleta desse produto na
Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Ressalta-se que todos os entrevistados participantes desta pesquisa assinaram o Termo
de Consentimento e Livre Esclarecido (TCLE) (Apêndice A), concordando com a realização
dela. Optou-se também por não os identificar nominalmente.
O trabalho de campo foi realizado em três fases, no período entre julho de 2018 a
fevereiro de 2019. A primeira viagem a campo foi realizada no período de 16 a 20 de julho de
2018, na qual foi realizada a pesquisa documental no NGI Trombetas/ICMBIO – Porto
Trombetas, com o objetivo de obter dados em documentos tais como: atas de reuniões, termos
de compromisso e relatórios referentes a construção, avaliação e monitoramento dos termos
de compromisso firmados para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio
Trombetas, entre outros. Além da pesquisa documental também se realizou uma entrevista
semiestruturada com a chefa da Reserva Biológica do Rio Trombetas, mas não houve
assinatura do TCLE, pois a gestora havia assumido a chefia da Reserva Biológica do Rio
Trombetas há menos de 30 dias do dia da entrevista. Além do mais, optou-se por entrevistar a
gestora da Reserva Biológica do Rio Trombetas apenas para se obter a visão da gestora, como
algo complementar ao que foi proposto, pois o objetivo do trabalho é dar ênfase na percepção
dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem no interior e no
entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas e que firmaram termo de compromisso com
o ICMBio para a coleta da castanha-do-brasil nessa unidade de conservação.
A segunda viagem a campo foi realizada no período de 09 a 17 de agosto de 2018.
Nesse período foram realizadas dezesseis entrevistas semiestruturadas gravadas: quinze com
coletores tradicionais de castanha-do-brasil; uma com regatão local; seis com coordenadores
de comunidades do TQ Alto Trombetas 1 (Mãe Domingas); uma com coordenador da
comunidade Último Quilombo (TQ Alto Trombetas 2); uma com o coordenador
82
administrativo do TQ Alto Trombetas 1 (Mãe Domingas). Além das entrevistas também
foram realizadas as observações semiestruturadas, registradas em diário de campo.
A terceira viagem a campo ocorreu no período de 18 a 24 de fevereiro de 2019. Nesta,
foram realizadas 16 (dezesseis) entrevsitas semiestruturadas gravadas com coletores
tradicionais de castanha-do-brasil residentes na comunidade Último Quilombo, localizada no
interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Nessa etapa, além das entrevistas, foi
realizada observação in loco e acompanhou-se uma família de coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que se desloca para a Reserva Biológica do Rio Trombetas no período da
coleta da castanha. Além das entrevistas também foram realizadas as observações
semiestruturadas, registradas em diário de campo.
Diante disso, no total foram realizadas trinta e duas entrevistas: vinte e três com
coletores tradicionais de castanha-do-brasil; uma com regatão local; seis com coordenadores
de comunidades do TQ Alto Trombetas 1 (Mãe Domingas); uma com coordenador da
comunidade Último Quilombo (TQ Alto Trombetas 2); uma com o coordenador
administrativo do TQ Alto Trombetas 1 (Mãe Domingas). É importante ressaltar que todos os
entrevistados são coletores tradicionais de castanha-do-brasil que firmaram termos de
compromisso com o ICMBio para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do rio
Trombetas. Desse modo, tanto os coordenadores de territórios quilombolas quanto
coordenadores de comunidade e regatões, são cadastrados no ICMBio para a coleta da
castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Tabela 02 – Número de Entrevistados coletores tradicionais de castanha-do-brasil,
comunidade, sexo, idade, profissão e tempo de residência na comunidade.
ENTREVISTADO COMUNIDADE SEXO IDADE PROFISSAO
TEMPO DE
RESIDENCIA
NA
COMUNIDADE
01 Abuí F 49 Agricultora/Coletora Desde que
nasceu
02 Abuí M Não
informada Agricultor/Coletor Desde os 12 anos
03 Abuí F Agricultora/Coletora Desde que
nasceu
04 Paraná do Abuí F 48 Agricultora/Coletora Desde que
nasceu
05 Abuí F 47 Funcionária Pública/
Agricultora/Coletora
Desde que
nasceu
06 Abuí M 69 Agricultor/Coletor
Aposentado Desde 1959
07 Abuí M Agricultor/Coletor
08 Abuí M 47
Funcionário Público/
Agricultor/Coletor/
Coordenador de
Desde que
nasceu
83
Comunidade
09 Paraná do Abuí M Há 28 anos
10 Paraná do Abuí M 33
Agricultor/Coletor/
Coordenador de
Comunidade
Desde que
nasceu
11 Abuí M
Agricultor/Coletor/
Coordenador de
Território Quilombola
Desde que
nasceu
ENTREVISTADO COMUNIDADE SEXO IDADE PROFISSAO
TEMPO DE
RESIDENCIA
NA
COMUNIDADE
12 Sagrado Coração
de Jesus M 48
Agricultor/Coletor/
Coordenador de
Comunidade
Desde que
nasceu
13 Sagrado Coração
de Jesus M 53 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
14 Sagrado Coração
de Jesus M 46 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
15 Mãe Cué M Não
informada Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
16 Último
Quilombo M 46
Agricultor/Coletor/
Coordenador de
Comunidade
Desde que
nasceu
17 Último
Quilombo F 59
Agricultora/Coletora/
Aposentada
Desde que
nasceu
18 Último
Quilombo M 34 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
19 Último
Quilombo M 34 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
20 Último
Quilombo M 26 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
21 Último
Quilombo F Não
informada
Agricultora/Coletora/
Aposentada
Desde que
nasceu
22 Último
Quilombo F Não
informada
Agricultora/Coletora/
Aposentada
Desde que
nasceu
23 Último
Quilombo M 30 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
24 Último
Quilombo M 79
Agricultor/Coletor/
Aposentado
Desde que
nasceu
25 Último
Quilombo F 38
Agricultora/Coletora/
Servidora pública
Desde que
nasceu
26 Último
Quilombo F 30
Agricultora/Coletora/
Servidora pública
Desde que
nasceu
27 Último
Quilombo F Não
informada
Agricultora/Coletora/
Aposentada Há 23 anos
28 Último
Quilombo M 59 Agricultor/Coletor
Nasceu na
comunidade
29 Último
Quilombo F Não
informada Agricultora/Coletora
Desde que
nasceu
30 Último
Quilombo M Não
informada Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
31 Último
Quilombo M 63 Agricultor/Coletor
Desde que
nasceu
32 Último
Quilombo M Não
informada
Agricultor/Coletor/
Aposentado
Desde que
nasceu
Fonte: Dados da Pesquisa de Campo, 2018/2019. Elaborado pelo autor.
84
Como dito anteriormente, são 930 coletores tradicionais de castanha-do-brasil
cadastrados pelo ICMBio, por meio dos Termos de Compromisso 119, 120, 121, para coletar
castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, sendo que destes, 663 são
associados a Arqmo, 167 são associados a Aetmo e 100 são associados a Amocreq-CPT. Do
total de coletores tradicionais de castanha-do-brasil, 684 são do sexo masculino e 246 do sexo
feminino. Assim, devido ao grande contingente populacional da microrregião Alto Trombetas,
ao grande número de comunidades e às grandes distâncias que separam os aglomerados
populacionais nessa microrregião, e ainda, às dificuldades de obtenção de autorização junto
aos coordenadores das comunidades, foi necessário definir alguns critérios para selecionar os
entrevistados. São eles:
1) Utilização dos recursos naturais da unidade por meio de termo de
compromisso: esse critério teve por objetivo entrevistar aquele indivíduo cadastrados no
ICMBio por meio do Termo de Compromisso 119, de 20 de dezembro de 2011, firmado entre
o ICMBio e a Arqmo para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio
Trombetas.
2) Lideranças comunitárias: em razão de apresentarem-se como importantes
sujeitos sociais dentro das comunidades e de estarem a frente como interlocutores das
populações que possuem relação com a Reserva Biológica do Rio Trombetas.
3) Acesso até a comunidade: Em se tratando de logística na Região Amazônica, esse
critério é muito importante, pois algumas comunidades demandam risco e alto custo
(JOHN, 2018). Nesse sentido, devido às grandes distâncias que separam os aglomerados
populacionais localizados no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas, e
ainda, às dificuldades de obtenção de autorização junto aos coordenadores das comunidades,
optou-se por restringir a coleta dos dados aos coletores tradicionais de castanha-do-brasil que
residem nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1 (entorno da Reserva Biológica do Rio
Trombetas) e na comunidade Último Quilombo (interior da Reserva Biológica do Rio
Trombetas).
As entrevistas obedeceram a um roteiro para servir de orientação sobre o tema da
pesquisa. Conforme o decorrer da entrevista, esse roteiro foi mudando, uma vez que outras
questões relevantes foram surgindo.
Ao longo do trabalho de campo, foi possível participar de espaços que foram ricos na
observação da dinâmica de vida das populações locais, entre eles o XII Encontro da
Consciência Negra, realizado no Território Quilombola Alto Trombetas II, comunidade do
Moura, no período de 18 a 21 de novembro de 2018. O evento contou com a participação da
85
chefe da Reserva Biológica do Rio Trombetas e representantes de diversas instituições
governamentais e não-governamentais envolvidas nas discussões de titulação de territórios
quilombolas que estão sobrepostos à Floresta Nacional Saracá-Taquera e à Reserva Biológica
do Rio Trombetas. Observaram-se as falas e as discussões entre os diversos sujeitos sociais
envolvidos nos conflitos territoriais na microrregião Alto Trombetas, assim como as
apresentações culturais realizadas pelos quilombolas durante as noites do evento. Também
participamos do Círio da Comunidade Último Quilombo no dia 17 de novembro de 2018,
umas das representações culturais mais importantes no calendário cultural dos quilombolas
coletores tradicionais de castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Vale mencionar que, inicialmente, houve desconfiança por parte de alguns
quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil, devido ao fato de estarem sendo
assediados por empresas madeireiras para a exploração dos recursos florestais que existem
nas suas terras já tituladas. Por esse motivo, durante algumas entrevistas, foi possível perceber
que os entrevistados não se sentiam completamente à vontade, talvez pelo fato de fazerem
ligação do pesquisador com o órgão gestor da Reserva Biológica do Rio Trombetas, já que há
conflitos de territorialidades entre o ICMBio e os quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que coletam esse produto na Reserva Biológica do Rio Trombetas. Mas, é
importante ressaltar que no período de estadia nas comunidades, a recepção foi bastante
cordial, permitindo conhecer de perto a rotina das famílias.
Mas não foi somente a desconfiança uma das dificuldades encontradas durante a
pesquisa de campo, outros fatores também foram constatados, como: a Logística: Para chegar
à maioria das comunidades, o deslocamento é por via fluvial, através de barco, canoa, lancha
ou voadeira. Nesse sentido, o acesso foi dificultado pela necessidade de fretamento de
embarcação, contratação de um barqueiro, o que elevava o custo. Outro entrave em relação à
logística foi o tempo gasto para chegar até os locais pretendidos. O tempo em média feito na
viagem até a comunidade mais distante visitada foi de doze horas.
4.3 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS
O tratamento dos dados, para posterior análise, foi realizado por meio da técnica de
análise de conteúdo que compreende um conjunto de técnicas de análise de comunicação, que
utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens
86
(BARDIN, 2011). Essa técnica visa constatar o que está sendo dito a respeito de determinado
tema, admitindo tanto abordagens qualitativas quanto quantitativas ou, ainda, ambas.
A análise de conteúdo foi realizada em três etapas: (a) pré-análise do material coletado
nas entrevistas, na observação e na pesquisa documental; (b) análise e exploração do material
propriamente dito; e, (c) tratamento dos resultados para constituição da análise reflexiva.
(BARDIN, 2011).
Na pré-análise, a pesquisa na literatura, as notas de campo, os dados primários e
secundários foram organizados para facilitar a análise. Desse modo, realizou-se um
desmembramento do texto em unidades, a partir dos diferentes núcleos de sentido, e, em
seguida, o reagrupamento dessas unidades em categorias. As categorias são classes que
agrupam elementos, em razão de seus caracteres comuns. Normalmente, segundo Bardin
(2011), envolve a leitura “flutuante”, ou seja, um primeiro contato com os documentos que
serão submetidos à análise, a escolha deles, a formulação das hipóteses e objetivos, a
elaboração dos indicadores que orientarão a interpretação e a preparação formal do material.
Inicia-se o trabalho escolhendo os documentos a serem analisados.
Após a transcrição dos dados, inicia-se a leitura flutuante. Em seguida, passa-se a
escolha de índices ou categorias, que surgirão das questões norteadoras ou das hipóteses, e a
organização destes em indicadores ou temas. Os temas que se repetem com muita frequência
são recortados “do texto em unidades comparáveis de categorização para análise temática e de
modalidades de codificação para o registro dos dados” (BARDIN, 2011, p.100).
Na segunda etapa foi realizada a análise e exploração do material propriamente dito.
Foi realizada sobre os dados coletados nas entrevistas, na pesquisa documental, na observação
direta. Nesta etapa ocorreu a categorização, que permite reunir maior número de informações
à custa de uma esquematização e assim correlacionar classes de acontecimentos para ordená-
los. Com a unidade de codificação escolhida, fez-se a classificação em blocos que expressem
determinadas categorias (no exemplo dado, foram retiradas das entrevistas apenas as falas que
se referiam às atividades produtivas primárias – agricultura), que confirmam ou modificam
aquelas nos referenciais teóricos inicialmente propostos. A organização do material ou dados
da pesquisa se realiza em colunas, como o exemplo do Entrevistado 16 (QUADRO 08).
87
Quadro 08 – Organização do material ou dados da pesquisa
Semelhanças Verbalizações do Entrevistado 16
Agricultura
“Tem pessoas que produz banana, macaxeira, farinha. Olha, houve mudança porque o salário
subiu. Olha, tu faz uma roça, primeiro ano deu, outro ano ela apodrece. Aí, a pessoa faz a
banana, só que nem todos tem banana hoje, e nem todos tem roça hoje. O que acontece... os
que têm roça, mas é pouca. Acredito, assim: quando o Ibama, ele limita pra gente. Podia
fazer só uma quadra de roça, aí hoje você só pode fazer se tiver a capoeira. Quem não tem
capoeira, tá difícil fazer um roçado. Aí, esse ano poucas pessoas fizeram, porque a gestora
mudou, e ela tive que buscar com o chefe dela. Segundo ela para poder liberar... E quando a
liberação chegou, foi novembro. E novembro já começou a chover e aqui nós não sabemos
trabalhar naquela roça sem queimar. Aqui a gente trabalha com a roça queimada. Aqui a roça
começa em julho por causa da chuva”.
Extrativismo
Como temos açaí, pensamos um dia sermos produtores de açaí. Pensamos em beneficiar
castanha, sermos... vender castanha já beneficiada. Então, temos vários sonhos aí que estão
rondando nossas mentes, nossas ideias aí. Sim, nós temos cipó, por exemplo, que faz a
confecção de tapete, né. De cestas. Vários itens, que são feitos através da matéria prima do
cipó. E nós pensamos sim em exportar essas coisas feitas na comunidade. E temos também
aí a questão do extrativismo da castanha, é o nosso ponto forte aqui. Pensamos em beneficiar
como já falei, vender ela também em casca, mas de uma forma lavada, ensacolada e tudo
mais, bem higienizada. Temos também copaíba, pensamos também abrir um mercado bom
pra venda de copaíba. E aí vai, tem outros, tem breu. Tem uma série de coisas na floresta que
estão aí prontos pra nos ajudar na sobrevivência e no nosso desenvolvimento como ser
humano.
Fonte: Elaborado pelo autor. Adaptado de Hoffman-Câmara (2007).
A seguir, agruparam-se os temas nas categorias definidas, em quadros matriciais, pelos
pressupostos utilizados por Bardin (2011). Tendo sido elaboradas as categorias sínteses,
passa-se à construção da definição de cada categoria. A definição pode obedecer o conceito
definido no referencial teórico ou ser fundamentada nas verbalizações relativas aos temas,
ambos, título e definição, devem ser registrados nos quadros matriciais. Ainda de acordo com
Bardin (2011), as categorias podem ser criadas a priori ou a posteriori, isto é, a partir apenas
da teoria ou após a coleta de dados. No exemplo dado, o título e a definição da categoria,
foram estabelecidos tomando-se por base as falas dos Entrevistados, seguindo sugestão de
Mendes (2007, p.46) que propõe que “o nome e a definição devem ser sempre criados com
base nos conteúdos verbalizados e com um certo refinamento gramatical de forma. Às vezes,
o nome da categoria é uma fala do sujeito”. Em todo o processo de construção de categorias,
procurou-se preservar na íntegra a fala do Entrevistado (QUADRO 09).
88
Quadro 09 – Quadro matricial da categoria “Atividades Produtivas Primárias – Agricultura e
extrativismo”
Categoria: Atividades produtivas primárias
Definição: As atividades produtivas são agricultura e extrativismo de produtos florestais não-madeireiros, caça,
pesca, estas duas últimas apenas para o sustento. Os roçados são feitos nas comunidades (Abuí, Território
Quilombola Mãe Domingas. Na roça planta-se banana, macaxeira para fazer farinha, mandioca para fazer
farinha e beijus, maxixe, abacaxi, cana-de-açúcar, cupuaçu, melancia, laranjeiras, coqueiros. Os produtos
cultivados são para o consumo. No mês de agosto cultiva-se mandioca para fazer a farinha. Os servidores
públicos municipais também cultivam a roça e fazem farinha, sendo que geralmente pagam outras pessoas para
fazerem suas funções no local de trabalho. As comunidades têm perfis parecidos, sendo que todas vivem da
agricultura e do extrativismo. Algumas pessoas produzem farinha para vender na cidade e na própria
comunidade. Tanto na Floresta Nacional Saracá-Taquera quanto na Reserva Biológica do Rio Trombetas, há
regras acordadas entre o ICMBio e as comunidades para fazem os roçados apenas nas capoeiras. A terra não é
propícia para o cultivo da mandioca, sendo que no primeiro ano a roça produz, mas no segundo ano a
macaxeira apodrece. Produzem em pequenas quantidades, tanto a produção das roças quanto a produção do
extrativismo. Os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil também cultivam macaxeira, banana,
abacaxi próximo das casas. Apenas alguns possuem casa de farinha, mas não existe casa de farinha
comunitária. Não existe casa comunitária de farinha mas as outras famílias tipo se precisar pode usar a casa de
farinha vai lá agente conversa com o dono ele libera a gente faz, e dar um pouco pra ele, como recompensa. As
roças são pequenas. Há pessoas que trabalham na MRN, mas que possuem roças. O trabalho de coleta de
castanha é uma das principais atividades produtivas desenvolvidas pelos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que coletam na reserva Biológica do Rio Trombetas. Mas também se coletam outros
produtos florestais não-madeireiros, como açaí, andiroba, copaíba, palha. Contudo, esses produtos somente
podem ser coletados para o consumo, sendo proibida a sua comercialização.
Temas Unidades de Contexto
Agricultura
E1: "São assim esses trabalhos, agricultura”.
E2: Roçado é aqui na comunidade (Abuí, Território Quilombola Mãe Domingas)".
E3: "Nós faz a roça, faz a farinha, planta banana, macaxeira. Só pro consumo próprio, é.
Somente pra isso”.
E4:” Uma época dessa (mês de agosto) é mandioca, farinha [...]”
E5: "negócio de roça" "Pra mim é todos dois juntos (risos) [...] porque as vez quando eu tenho
que ir pra roça eu tenho que pedir pra alguém ficar no meu lugar pra mim poder trabalhar né?
Às vezes plantar, ou fazer a farinha. Aí mas lá na escola tem que ter um”
E6: “Olha, é a farinha... eu faço roçado”.
E8: “Cara, ela não foge quase nada dos outros. Nós aqui, posso até dizer assim, nós, que a
maioria da comunidade, eles vivem da questão da agricultura”.
E9: “Agricultura o ano todo”.
E9: A gente trabalha com cultura, com negócio de roça, mas é mais pra consumo. Assim, no
período logo que a gente chega é mais difícil. Só que eu vim pra cá com a minha tia que, como
dizer, que agora eu considero como mãe. E aí nesse período eu não ainda não tinha essa parte
do consumo”.
E11: [Roças] “Trabalhar, trabalhar, aqui tem umas capoeiras por aí, a gente vai... [...] Aqui
mais próximo tem uma comunidade que eles já façam assim roçado pra comercializar, mas
assim, comercializar não. Eles vendem uma farinha, eles vendem até aqui pra nós. E, às vezes,
eles levam pra cidade alguns sacozinhos. É, ali no Mãe-Cué, onde vocês vão, eles já façam
uma farinha pra..., assim, não é comercializar, é pra desenrascar algumas pessoas (Não há
proibição na Flona, se a pessoa quiser fazer, ela faz). Tem o limite de tipo de roçado, dá pra
fazer, não tem... (eles permitem) aquilo que é tradicional”.
E12: “É roçado [...] O principal mesmo é a castanha e o roçado [...]”
E13: “Aqui a gente veve de mandioca [...] É roçado...”.
E14: “Mais agricultura né. É mais distante (as áreas de roçado) um pouco”.
E15: “[...] não somos acostumados em fazer roçado grande como eu falei aqui anteriormente, e
coletar grandes produtos e levar pra vender na feirinha”.
E16: Tem pessoas que produz banana, macaxeira, farinha [...] Olha, tu faz uma roça, primeiro
ano deu, outro ano ela apodrece. Aí, a pessoa faz a banana, só que nem todos tem banana hoje,
e nem todos tem roça hoje. O que acontece... os que tem roça, mas é pouca. [...] Quando a
gente planta na roça, a gente planta maxixe, banana macaxeira mandioca mesmo tudo isso, a
gente planta também aqui perto da casa se for ver tem a macaxeira tem um banana mas não é
roca, só alguns tem casa de farinha não existe casa comunitária de farinha mas as outras
89
famílias tipo se precisar pode usar a casa de farinha vai lá agente conversa com o dono ele
libera a gente faz, e dar um pouco pra ele, como recompensa. [...] Sobre a agricultura só a
castanha e a farinha que pode ser comercializado.
E17: “A gente também mexe com roças. Muitos dos moradores aqui tem seu bananal, tem sua
mandioca. Outro mexe seu roçado só com a banana e assim a gente também, eu também tenho
até fica aqui no canto dessa cabeceira, aqui que ele sabe. Então, eu tô mexendo hoje em dia, já
mexi e vou continuar agora se Deus quiser a partir de dezembro como eu tô lhe falando se eu
tiver aqui, né? Mas agente mexe com roça, com mandioca, abacaxi também. É cana, outro tipo
de plantação, cupu. Tudo isso a gente planta aqui também no nosso trabalho”.
E18: “Sobre a questão de roça a gente planta aqui é a maniva pra fazer a farinha mesmo né?
Farinha, banana, macaxeira”.
E20: “Só mesmo um beiju, farinha de macaxeira... [...] mandioca, macaxeira, melancia,
abacaxi, banana”.
E25: “A gente tem uma rocinha no nosso terreno. A gente planta mandioca, macaxeira,
abacaxi, laranjeira, coqueiro, coco tem lá [...] Nascemos e se criamo trabalhando em roça [...]
Olha, no Moura ainda tem bastante gente que trabalha em agricultura ainda. Tenho um
sobrinho que ele trabalha na empresa, mas quando é na época do verão, de botar roçado, ele
não pode, mas ele paga pra fazer. Quando é no tempo da planta..”..
Extrativismo
E1: “Negócio da castanha que nós colhe, é isso [...] quando chegar o tempo da castanha, a
gente tem que tirar castanha”.
E2: “Tirar castanha”.
E4: Coleta da castanha (No período da coleta).
E5: Eu fui [pra coleta da castanha] [...] eu gosto de trabalhar com castanha.
E6: “Na época da castanha”.
E8: “[...] do extrativismo que tá ligado a castanha, a castanha..”
E9: “Exatamente, a castanha... só que a castanha é assim, ano em ano, né”.
E10: “Cara, aqui como se diz, a principal mesmo são na época é a castanha”.
E12: “O nosso recurso mais mesmo é a castanha [...] Aqui não tem outra coisa pra dizer, não,
eu vou fazer isso aqui que... Só a castanha. Aí a gente tem um tempo determinado pra tirar,
ainda tudo isso tem”.
E14: “Olha, aqui o nosso trabalho é mais a agricultura mesmo”.
E16: “Então o nosso forte aqui é a castanha mesmo, né, a castanha”.
E17: “A nossa renda, o tempo da castanha, a gente tira a renda da castanha”.
E19: “No ano passado [2018] deu muita castanha [...] A renda aqui varia aqui para falar a
verdade aqui trabalho com agricultura é pouco é mais sustento mesmo. Alguns trabalham
empregados também em trombetas, aí tem as outras coisas também tem um açaí. Agora vende
açaí em Trombetas, em Oriximiná”.
E23: “Às vezes a gente vende uma banana, quando não agente vende um peixe, falar a verdade
logo. E assim a gente vai vivendo, a gente não tem um ganho, assim, um benefício. Se a gente
tivesse um projeto pro cumaru, açaí...”.
Fonte: Elaborado pelo autor. Adaptado de Hoffman-Câmara (2007).
Na terceira etapa foi realizado o tratamento dos resultados, a descrição analítica. O
tratamento e a sistematização dos dados coletados na pesquisa de campo estão expostos no
corpo do texto desta dissertação em forma de gráficos, quadros, figuras, mapas e citação.
Nesta última identificamos os autores como Entrevistado 01, 02, 03 e assim por diante, pois
como é uma área de conflitos territoriais, os Entrevistados não autorizaram que seus nomes
fossem divulgados.
90
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA MICRORREGIÃO ALTO
TROMBETAS: DOS QUILOMBOS A CRIAÇÃO DE TERRITÓRIOS
QUILOMBOLAS
Neste capítulo fez-se uma abordagem do processo de formação e organização
socioespacial da microrregião Alto Trombetas, enfocando o contexto histórico de formação
dessa microrregião e identificando os sujeitos e ações que impulsionaram as territorialidades e
a formação territorial dessa microrregião. Nesse sentido, identificou-se as transformações
socioespaciais ocorridas no processo histórico de formação da microrregião Alto Trombetas e
suas influências na formação do modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil.
Segundo Ferreira e Costa (2015, p. 27) a formação socioespacial produz
especificidades que não estão separadas de um contexto maior. Desse modo, as
especificidades da formação socioespacial da microrregião Alto Trombetas, assim como as
especificidades do modo de vida dos quilombolas que nela residem, fazem parte do processo
espaço temporal mais amplo, sendo resultados de suas relações e interações com esse
contexto histórico-social mais amplo. Desse modo, é necessário compreender os fatores
internos e externos que influenciaram em suas territorialidades, assim como as escalas das
ações e processos.
No período Pré-Cabralino passado, a área atualmente ocupada pelos quilombolas no
vale do rio Trombetas, conforme Wanderley (2008), fora ocupada por povos indígenas que se
organizavam em inúmeros povoamentos situados, frequentemente, às margens de rios, lagos e
igarapés, deixando as principais marcas da sua cultura no modo de vida dos povos que os
sucederam, principalmente, no que se refere na utilização das redes fluviais com a finalidade
de locomoção e de aquisição de alimentos. Segundo Wanderley (2008), esse padrão de
povoamento também foi internalizado no processo de colonização portuguesa, o qual
descreve que:
O processo de ocupação dos terrenos de várzea e de terra firme às margens dos rios
pode ser considerado o primeiro padrão de povoamento da Amazônia. Tendo esse se
intensificado no período de colonização portuguesa, sobretudo no rio Amazonas. Tal
predomínio condizia com a possibilidade de navegar por dentre rios, lagos e
igarapés, e com a dificuldade de adentrar no interior da floresta tropical densa. Os
91
rios representavam a única rede de ligação e circulação existente no território
amazônico que permitia conectá-la a outras regiões e ao mundo (WANDERLEY,
2008, p. 2).
Os povoamentos indígenas do vale do rio Trombetas foram identificados, em 1727,
por meio de inspeções realizadas nessa região por enviados da Coroa Portuguesa e religiosos
da Igreja Católica. O objetivo da Coroa Portuguesa e da Igreja Católica era reduzir os povos
indígenas dessa região a aldeamentos e/ou escraviza-los, o que estava relacionado à
necessidade de ocupação dessa região pelos colonizadores europeus, para efetivar a posse da
terra e a exploração dos recursos naturais, principalmente, as denominadas drogas do sertão.
Pressionados pela ocupação e perseguição dos colonizadores europeus, os povos indígenas do
baixo vale do rio Amazonas se reterritorializaram nas regiões mais afastadas, nas terras firmes
e protegidas dos rios tributários do rio Trombetas. Atualmente, os povos indígenas da bacia
do rio Trombetas estão localizados a montante do TQ Cachoeira Porteira, que é a fronteira de
ocupação entre os povos indígenas e os povos quilombolas do vale do rio Trombetas
(WANDERLEY, 2008).
O vale do rio Trombetas não foi um espaço geográfico vazio, nem de relações
socioeconômicas e nem de conflitos. Sempre se configurou como um espaço de relações
socioeconômicas históricas entre sociedades e destas com a natureza, resultando na
construção de modos de vida e territórios singulares pelos diversos sujeitos sociais –
quilombolas, regatões, patrões, donos de usinas de beneficiamento de castanha, Estado
(IBDF, Ibama, ICMBio, município, Iterpa) MRN, ONGs, madeireiras – que, de alguma
forma, se apropriaram dos recursos desse território (CASTRO; ACEVEDO, 1998; FARIAS
JÚNIOR, 2016; SCARAMUZZI, 2016).
Contudo, nestas relações, quase sempre conflituosas, cada um mantém distintas
relações com a natureza. Para os quilombolas, assim como para os povos indígenas, o
território é tanto proteção (cachoeiras, rios, florestas, após a fuga da condição de escravos) –
quanto recurso para a manutenção de seus modos de vida, por isso lutam para permanecer e
usufruírem de seus territórios. A MRN, as madeireiras, os donos de usinas de beneficiamento
de castanha, por sua vez, veem esses mesmos territórios como recurso para suas produções,
diferente do ICMBio, que o vê como detentor de ecossistemas a serem preservados, o que
inviabiliza seus usos pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
(CASTRO; ACEVEDO, 1998; FARIAS JÚNIOR, 2016; SCARAMUZZI, 2016).
Essa relação sociedade-natureza é tão importante para a compreensão da realidade que
Castro e Acevedo (1998), Farias Júnior (2016) e Scaramuzzi (2016) periodizam o processo
92
histórico de territorialização dos quilombolas no vale do rio Trombetas em função dos
diferentes tipos de apropriação e uso dos castanhais pelos diversos sujeitos envolvidos nessas
relações: o domínio da coleta “livre”, realizada nos denominados castanhais “livres”, que
compreende desde o início da coleta da castanha-do-brasil para fins comerciais na
microrregião Alto Trombetas, em meados do século XIX até o surgimento dos denominados
“patrões” ou “donos dos castanhais” no final do século XIX; o domínio dos “donos dos
castanhais” ou “patrões”, que vai do final da última década do século XIX até a década de
1970, com a implantação de grandes projetos econômicos e ambientais no vale do rio
Trombetas; o domínio das “intrusões” que vai do final da década de 1970, com a implantação
da empresa mineradora de bauxita Mineração Rio do Norte (MRN), atrelada a implantação de
políticas ambientais restritivas ao povo tradicional do vale do rio Trombetas, por meio da
criação de unidades de conservação – a Reserva Biológica do Rio Trombetas e a Floresta
Nacional Saracá-Taquera – sobrepostas a territórios de uso comum e coletivo de quilombolas
que ali residem desde meados do início do século XIX (QUADRO 10 e FIGURA 03).
93
Quadro 10 - Cronologia da ocupação da microrregião Alto Trombetas, com destaque para a
fundação oficial das comunidades a partir da década de 1970. Domínios Períodos Evento
Dos povos
Pré-Cabralino
Período Pré-
Cabralino Povos indígenas
O domínio da
coleta “livre” Século XIX
Formação dos mocambos no Alto Trombetas, seguida da dispersão dos
negros pelas áreas mais baixas do rio (descenso) no final do século XIX,
após a abolição da escravidão no Brasil.
O domínio
dos patrões
Início do
século XX
Formação da comunidade de Mãe Cué pelos negros que vinham das
áreas mais altas do rio.
Meados de 1960 Início das pesquisas minerárias na microrregião Ato Trombetas.
Meados de 1970
Fundação oficial da comunidade da Tapagem. Deslocamento
compulsório dos habitantes de Mãe Cué, da margem direita para a
margem esquerda do rio Trombetas, em função da implantação da
mineradora do grupo Ludwig/Jari.
1976 Implantação da MRN; Construção do núcleo Urbano de Porto
Trombetas (MRN, 2017).
O domínio
das intrusões
1979
Saída dos patrões da microrregião Alto Trombetas; Criação da Reserva
Biológica do Rio Trombetas, atingindo territórios quilombolas
tradicionalmente ocupados, principalmente, os grupos familiares dos
lagos Erepecu e Jacaré, atingindo áreas ocupadas atualmente pelas
comunidades: Jamari, Juquiri, Juquirizinho, Último Quilombo e Nova
Esperança. Expulsão dos moradores da comunidade Mãe Cué de volta
para a margem direita do rio Trombetas, de onde haviam saído.
1980 Formação da comunidade do Abuí
1985
Instalação de postos de fiscalização do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal na entrada do território Alto Trombetas,
limitando o acesso ao lago do Erepecu e restringindo acesso ao lago
Jacaré.
1986 Fundação da comunidade Paraná do Abuí.
1981 Venda da concessão de lavra do grupo Ludwig/Jari para a Alcoa.
1985 Fundação oficial da comunidade Sagrado Coração de Jesus.
1989
Criação da Floresta Nacional Saracá-Taquera, atingindo áreas ocupadas
atualmente pelas comunidades: Moura, Palhal, Curuça-Mirim, Mãe Cué,
Tapagem, Sagrado Coração de Jesus.
1985 Instalação de postos de fiscalização do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal na entrada do território Alto Trombetas.
1989 Criação da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo
de Oriximiná.
Década de
1980/1990
Formalização da comunidade Mãe Cué com apoio da Igreja Católica e
da Arqmo.
1991 Retirada da Alcoa da área.
1993 Fundação da comunidade Último Quilombo na localidade Recreio com
posterior transferência para a localidade Santa Maria.
2003 Titulação de parte do TQ Alto Trombetas 1 pelo Iterpa. Início do projeto
de preservação dos quelônios com o ICMBio.
2004
Abertura do processo nº 54100.002185/2004-20, visando à regularização
fundiária do território Jamary-Último Quilombo junto ao Incra.
Abertura do processo nº 54100.002189/2004-16 junto ao Incra para
regularização fundiária do TQ Alto Trombetas 1.
2012 Retificação do título do território Alto Trombetas pelo Iterpa.
2014 Finalização do Relatório Antropológico que integra o RTID ensejado
pelo processo nº 54100.002185/2004-20.
2014 Abertura do processo nº 54501.001765/2014-59 solicitando a
demarcação e a titulação do TQ Alto Trombetas II
14/10/2015 Fundação da comunidade Santo Antônio do Abuizinho.
2017 Publicação de edital referente ao RTID do TQ Alto Trombetas II no
Diário Oficial da União.
14/02/2017 Publicação do RTID do TQ Alto Trombetas I no Diário Oficial.
94
Fonte: FUNES (1995); CASTRO; ACEVEDO (1998); FARIAS JÚNIOR (2016); SCARAMUZZI (2016);
CUMBUCA NORTE (2017).
Cabe ressaltar, no entanto, que antes da organização social e política em comunidades,
os quilombolas já residiam no vale do rio Trombetas, em localidades que, geralmente, eram
denominadas de acordo com os atributos naturais como rios, lagos, paranás.
95
1750 1760 1770 1780 1790 1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Domínio dos Povos indígenas
Drogas do sertão e as fazendas de cacau
Quilombolas e os Domínio dos "Castanhais livres"
Domínio da Patronagem
Domínio das "intrusões"
Regatão
Comércio de diversos produtos
Comércio somen-te da castanha
Proibição da cole-ta da castanha
Criaçãoda RBRT
Início das apropriaçõesdos castanhais pelos patrões
Saída dos patrões da mi-crorregião Alto Trombetas
Formação de quilombos
Os coletores tradicionais de castanha foraminseridos nas relações de patronagem
Fugas das fazendas de cacau,e de criação de gado
Coleta, caça, pesca, peque-na agricultura tabaco, cacau
Chegada dos empreen-dimentos de mineração
da bauxita Criaçãoda FNST
Criação da ARQMO
TQ Boa Vista
TQ AltoTrombetas 1
Os patrões proibiram os coletores tradicio-nais de castanha de vender para o regatão
Expulsão de famílias de territórios da RBRT
Figura 03 – Linha histórica dos domínios territoriais na microrregião Alto Trombetas. As setas representam as trajetórias de sujeitos sociais
que, de alguma forma, se apropriaram dos recursos naturais dos territórios quilombolas da microrregião Alto Trombetas. As espessuras das
setas representam o grau de domínio exercido pelos diversos sujeitos sobre o território na microrregião Alto Trombetas. Fonte: CASTRO;
ACEVEDO, 1998; FARIAS JÚNIOR, 2016; SCARAMUZZI, 2016; FUNES, 1995; CUMBUCA NORTE, 2017).
96
5.1.1 Os domínios dos quilombos e os “castanhais livres” na Microrregião Alto
Trombetas
No vale do rio Trombetas, os quilombolas são oriundos de grupos negros que
resistiram, por meio das fugas, ao trabalho escravo das grandes fazendas de cultivo de cacau e
de criação de gado instaladas, a partir de meados de 1780, na região de Santarém e de Óbidos.
Nesse período a região do baixo Amazonas obteve crescimento econômico e se tornou uma
das mais importantes no cenário regional. No entanto, essas grandes propriedades foram
enfraquecidas por crises, estagnação ou fenômenos ambientais, o que contribuiu para as
condições de fuga dos negros escravizados (CASTRO; ACEVEDO, 1991, p. 10). Após a
fuga, os negros, inicialmente, se instalaram nas cabeceiras do rio Curuá, afluente da margem
esquerda do Amazonas, formando os “mocambos” do Inferno e Cipóteua, os quais, segundo
Barbosa Rodrigues (1875 apud Farias Júnior, 2016), foram destroçados por uma expedição
punitiva em 1812. Com a destruição dos quilombos no rio Curuá, os mocambistas se
deslocaram para os rios Trombetas e Erepecuru onde constituíram novos mocambos
(CASTRO; ACEVEDO, 1998; FUNES, 1995; RODRIGUES, 1875, p. 25 apud FARIAS
JÚNIOR, 2016). Segundo Rodrigues (1875), o “mocambo” formado no rio Trombetas foi
destruído por nova expedição em 1822 ou 1823.
A destruição dos quilombos pelas elites escravocratas locais, apoiadas pelo governo
brasileiro, era uma maneira de combater os quilombos, uma vez que a formação de um
determinado quilombo em uma dada região causava preocupação às elites locais, pois
escravos desertores diminuíam a força de trabalho disponível, além dos quilombos serem
vistos como polo de atração para mais fugas para esses locais. Além disso, não era incomum
que habitantes de quilombos de recente formação se agrupassem para atacar fazendas e
engenhos, arregimentando mais escravos, pois quanto maior fosse o grupo, maiores eram as
chances de se criar estruturas para moradia e uma base agrícola. Dessa forma, os quilombos
eram sinônimos de transgressão à ordem escravista, atraindo, assim a repressão dessas elites
locais (Gomes, 2015). Isso também ocorreu na região do Baixo Amazonas, conforme
Rodrigues (1875, p. 25 apud Farias júnior, 2016, p. 45-46), ao narrar que
... os “mocambos” na região de Óbidos provocavam “medo” e alarme nos
proprietários locais e governo provincial. As primeiras notícias são dos “mocambos”
do Inferno e Cipóteua nas cabeceiras do rio Curuá. Segundo relatava Barbosa
Rodrigues, “era o terror dos povos da circunvizinhança, e o refugio de todos os
escravos” [sic] (RODRIGUES, 1875, p. 24 apud FARIAS JÚNIOR, 2016, p. 45).
97
(...)
Segundo Barbosa Rodrigues, esses “mocambos” foram destruídos em 1812.
Participaram milícias de Monte Alegre, Santarém, Alenquer, Óbidos e indígenas do
povo Munduruku. A expedição foi comandada pelo capitão de milícias Bernardo
Marinho de Vasconcelos. A expedição destruiu os “mocambos”, fazendo 100
prisioneiros. Segundo o autor “os mocambistas do Curuá, vieram-se estabelecer no
Trombetas” [sic] (RODRIGUES, 1875, p. 25) apud (FARIAS JÚNIOR, 2016, p. 45-
46).
Após a destruição, em 1822 ou 1823, do quilombo que havia se formado no vale do
rio Trombetas, os quilombolas internaram-se cada vez mais a montante desse rio, buscando
abrigo a montante das cachoeiras, obstáculos naturais que lhes proporcionavam proteção ante
as expedições punitivas. Logo, tanto as zonas encachoeiradas do rio Trombetas quanto as
adjacências do lago Erepecu – chamado, no passado, de Aripecu ou Arapicu –, onde,
atualmente, se localiza a comunidade Último Quilombo, começaram a ser ocupados pelos
grupos de negros que fugiram da escravidão, ainda no século XIX (ECODIMENSÃO, 2014),
principalmente, devido a abundância de recursos naturais (produtos florestais madeireiros e
não madeireiros, caças, peixes e quelônios) e localização estratégica para a prevenção de
eventuais ataques aos mocambos instalados ao longo do rio.
Atividades produtivas nos antigos quilombos
Na produção do novo lugar os quilombolas do vale do rio Trombetas passaram a
desenvolver diversas atividades produtivas, dentre as quais, destacaram-se e ainda se
destacam o extrativismo (vegetal e animal) e a agricultura familiar, ambas utilizadas tanto
para o próprio sustento (valor de uso da matéria prima) quanto para comercialização (valor de
troca do recurso natural) de parte da produção. Dentre os produtos extrativistas
predominavam: o óleo de copaíba, o látex da balata7, a salsaparrilha (Smilax spp.)
8, o cumaru,
a castanha-do-brasil, além da extração do pau rosa e outras madeiras. Também praticavam a
pesca de pirarucu e a caça da tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e de outros
animais silvestres, principalmente, para o comércio de carnes e peles. Dentre os principais
produtos agrícolas produzidos pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
destacaram-se o tabaco e o cacau, produtos agrícolas com maior importância econômica, além
da mandioca para a produção de farinha de mandioca (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
7 Balata: Árvore que produz um látex conduzido como seiva da Família das Sapotáceas.
8 Salsaparrilha é uma ... MEDEIROS, F. T.; DE SENNA-VALLE, L.; ANDREATA, R. H. P. Histórico e o uso
da “salsa parrilha” (Smilax spp.) pelos boticários no Mosteiro de São Bento. Revista Brasileira de Biociências,
Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 27-29, jul. 2007
98
Os quilombos, portanto, não estavam isolados da sociedade escravocrata dominante,
pelo contrário, mantinham relações socioeconômicas com setores dessa sociedade. No
Erepecu, por exemplo, as relações de troca de mercadorias entre os quilombolas e
comerciantes brancos sediados nas cidades de Oriximiná e Óbidos eram regulares, mesmo
durante a escravidão. Os quilombolas do vale do rio Trombetas desciam o rio Trombetas para
vender a sua produção aos pequenos comerciantes (brasileiros, portugueses e italianos),
inclusive no porto da cidade de Óbidos, tal como observou Tavares Bastos (1866): “As vezes
descem em canôas e vêm ao proprio porto de Obidos, á noite, commerciar ás escondidas; com
os regatões que sobem o Trombetas, elles o fazem habitualmente” [sic] (TAVARES
BASTOS, 1866, p. 152 apud FARIAS JÚNIOR, 2016, p. 261). Os regatões subiam o rio
Trombetas comprando o que os quilombolas produziam. Também vendiam os mais variados
gêneros (alimentícios, querosene, instrumentos de trabalho) para os quilombolas. Nessas
relações também havia trocas de informações (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
O regatão é um comerciante ambulante que viaja entre centros regionais e
comunidades rio acima, comercializando mercadorias para pequenos produtores caboclos e
comerciantes do interior em troca de “produtos regionais”, agrícolas e extrativistas. Segundo
McGrath (1999), o regatão tem uma história controversa: por um lado é visto como um
pioneiro heróico, trazendo a civilização para produtores isolados na floresta (GOULART,
1968 apud MCGRATH, 1999); por outro, é tido como um atravessador sem escrúpulos,
explorando os pobres da zona rural e roubando comerciantes locais em seus negócios
(PENNA, 1973 apud MCGRATH, 1999). Contudo, apesar das diferenças de opinião, não há
dúvidas quanto a importância do regatão para a sociedade e a economia de alguns setores na
Amazônia, o qual desempenhou e ainda desempenha no escoamento da produção, criando
uma logística que atendeu e atende as necessidades de transporte, além de ser responsável
pelo financiamento aos trabalhadores com o fornecimento de gêneros alimentícios e utensílios
em geral.
Segundo McGrath (1999), o regatão, juntamente ao caboclo e ao patrão, formava a
base do sistema de aviamento e era muito importante no controle do excedente que o sistema
produzia. Atendendo tanto produtores quanto patrões, o regatão tem sido uma força decisiva
em vários períodos da história econômica e social da Amazônia, ajudando a construir, manter
e, mais tarde, desmantelar o sistema mercantil que dominou a região até os meados do século
XX.
99
Nesse período, a castanha-do-brasil apresentou grande importância econômica dentre
os produtos coletados na microrregião Alto Trombetas, cuja produção nos castanhais do lago
Erepecu já era notável desde meados do século XIX, conforme registros de Derby (1898):
“Actualmente a população do Trombetas está muito espalhada. Até ao lago Arapicú
há alguns sítios dispersos de brancos e tapuios, sendo aquelles principalmente
negociantes que commerciam em castanhas. Entre este ponto e as cachoeiras vivem
alguns negros em diversos pontos ao longo do rio até o aldeamento principal que
está situado a uma distância de alguns dias de viagem acima da primeira cachoeira.
Nos mezes de outubro e novembro muita gente da parte baixa do rio e mesmo do
Amazonas, dirige-se as praias de arêa, que ficam immediatamente abaixo das
cachoeiras com o fim de apanhar tartarugas e ovos de tartarugas, ao passo que pouco
tempo depois, esta mesma região fica cheia de colledores de castanhas. O
castanheiro brasileiro é excessivamente abundante no rio e nos lagos desde as
cachoeiras rio abaixo até o lago Arapicú, e exporta-se todos os annos grande
quantidade de castanhas” [sic] (DERBY, 1898 apud ECODIMENSÃO, 2014, p.
61).
Conforme Castro e Acevedo (1998), no período de 1875 a 1900, com a inserção dos
quilombolas no circuito espacial produtivo da castanha-do-brasil, como coletores, estes
passaram a se dedicar a coleta da castanha-do-brasil, diminuindo o cultivo do tabaco para a
venda. Outras práticas econômicas, como a viração da tartaruga-da-amazônia ou o corte de
madeira, também foram desestimuladas comercialmente, pois a economia incentivava as
atividades produtivas mais importantes para o seu funcionamento via gêneros exportáveis.
No final do século XIX, período pós-abolição, grupos familiares de quilombolas
migraram no sentido a jusante das cachoeiras do rio Trombetas, formando novos
nucleamentos. O primeiro grupo seguiu a foz do rio Cachorro e Mapuera; o segundo orientou-
se para uma área que tem como referência Cachoeira Porteira e o terceiro, para as terras
localizadas no médio rio Trombetas, mais próximo de Oriximiná (CASTRO; ACEVEDO,
1998).
Coudreau (1901, apud Castro e Acevedo, 1998) registrou que surgiram várias
localidades: nas proximidades de Cachoeira Porteira ergueram-se Nova Amizade e Arrozal e,
descendo o rio, Tapagem, Tabuleiro, Conceição, Jarananum, Lago do Abuí, Sagrado Coração
de Jesus de Jesus, Sapo das Águas9, Boa Vista, Água Fria, Sacuri, Palhal e Moura. O lago da
Tapagem é mencionado no livro de Derby (1898:370 apud Castro e Acevedo, 1998), no qual
um morador dessa localidade serviu-lhe como guia. A reconstrução realizada por Castro e
Acevedo (1998) em sua pesquisa, feita a partir das lembranças dos moradores mais antigos, se
aproxima da territorialização do início do século XX e da que temos atualmente.
9 Leia-se Saco das Almas. Segundo o Edo 17, atualmente essa localidade se denomina Saco das Almas.
100
Segundo Castro e Acevedo (1998), os moradores da Tapagem faziam um percurso até
os lagos do Macaco e do Jacaré – que atualmente pertencem a Reserva Biológica do Rio
Trombetas – para coletar castanha e, devido às longas viagens durante o período de safra da
castanha, os moradores fixavam residências temporárias na floresta para dar conta da
produção. Diversas localidades mantiveram ao longo do tempo uma importância maior para o
grupo: na Tapagem e Erepecuru foram construídos cemitérios; em Cachoeira Porteira e
Tapagem havia pajés e curandeiros, por isso eram referência especial; em Conceição e Santo
Antônio construíram rústicas capelas para a realização das festas religiosa e dançante e onde
esperavam a visita dos religiosos para a realização de cultos (ACEVEDO; CASTRO, 1998).
Com o fim do regime escravista, em 1888, também se intensificaram os contatos e
fluxos comerciais, valendo-se dos regatões (embarcações que faziam comércio nas zonas
ribeirinhas da região) que intermediavam as trocas de gêneros florestais, couro e carnes de
animais silvestres por sal, cachaça, pólvora e outros bens que os mocambeiros não produziam.
Deste modo, desde a formação dos quilombos no vale do rio Trombetas, o regatão foi e
continua sendo de grande importância para a circulação da produção, mercadorias e
informações, pois se internavam em rios, lagos e igarapés, e comercializavam produtos sendo
fiéis aos denominados mocambeiros e rebelando-se contra as proibições de ordem escravistas.
5.1.2 O domínio dos patrões: os “donos dos castanhais” na microrregião Alto
Trombetas
Até o final do século XIX, no trecho do rio Trombetas compreendido entre Oriximiná
e Cachoeira Porteira a economia estava alicerçada na pequena agricultura familiar,
principalmente voltada ao cultivo de cacau, e também nas pequenas criações de gado, que
coexistiam com o extrativismo, mais notadamente a coleta de castanha-do-brasil. Em relação
aos grupos situados no centro da Cachoeira Porteira e as margens mais próximas do rio,
Coudreau (1900) aponta um conjunto de atividades agrícolas e extrativas:
"Cada mocambeiro tem uma pequena plantação de cacau oh! bem pequena e uma
derrubada onde ele produz farinha suficiente para ele e sua família, ele vive da caça
e da pesca. Antigamente ele colhia o tabaco que era bem apreciado, mas desde que
ele começou a coletar a castanha, ele abandonou tudo. A castanha lhe permite
comprar uma calça e uma camisa e fazer festas" (COUDREAU, 1900, p. 131 apud
CASTRO; ACEVEDO, 1998).
Com a alta valorização da castanha-do-brasil, segundo Castro e Acevedo (1998,
p.136), a partir de 1894, teve início, no vale do rio Trombetas, a transição da exploração dos
101
chamados “castanhais livres” para os que se diziam “donos dos castanhais” ou “patrões”.
Dessa forma, as terras de castanhais da microrregião Alto Trombetas, antes
consideradas como devolutas, foram indevidamente apropriadas por supostos donos. Tais
apropriações ocorreram por meio das chamadas “explorações”, que eram organizadas por
empresários locais para descobrir novos seringais e castanhais. A partir dessas “explorações”,
as “novas áreas” foram incorporadas por meio do título definitivo de posse escriturado em
cartório ou adquiridas de posseiros, criando uma nova elite local formada por um grupo de
não trabalhadores diretos sobre a terra, denominados “donos dos castanhais” ou “patrões”. A
partir de 1894, em quase 60 anos, foram registrados 173 títulos definitivos, porém, essas
titulações ganharam mais importância no período de 1920 a 1940, com a expansão das
atividades de coleta, beneficiamento e exportação da castanha (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
Na foz do lago Jacaré – atualmente localizado no interior da Reserva Biológica do Rio
Trombetas –, por exemplo, se estabeleceu Raimundo da Costa Lima, com extenso controle de
áreas de castanhais, agrimensor, que ficou conhecido ao longo de todo o rio Trombetas como
coronel Costa Lima e chegou a possuir uma área exorbitante de 100.000 hectares (CASTRO;
ACEVEDO, 1998, p.137), o que corresponde, a título de comparação, a um quarto do
território da Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Com a apropriação dos castanhais, que teve seu início por volta do final do século
XIX, os “patrões” ou “donos dos castanhais” passaram a controlar a entrada dos extrativistas
nos castanhais para trabalharem em limites determinados, as chamadas colocações. O
monopólio da compra da castanha era exercido por alguns comerciantes de Oriximiná e
Óbidos que chegaram a ter seus encarregados na área, conforme o Entrevistado 18:
Naquele tempo, aí cada patrão tinha seus trabalhadores, aí você não podia coletar no
castanhal de outro patrão e hoje não, nós que moramos aqui. A gente pode coletar
em qualquer lugar. Tinha vários donos dos castanhais, tinha aqui o Mourinha, tinha
ali o Galção, era dono... Aí tinha ali o Belo, tinha no Fartura, então cada um que
vinha os representantes dos patrões, cada um tinha os seus funcionários, não era eles
que vinham, os patrões tinha os seus funcionários [...] os patrões ficavam em
Oriximiná eles pegavam pessoas daqui mesmo, mas tinha pessoas também de fora
para coletar. No caso do Careca, ele tomava conta era ele mesmo do Fartura (E 18,
2019).
No entanto, o monopólio da comercialização, ou o controle de parte crucial da cadeia
produtiva, da coleta da castanha-do-brasil que as novas elites locais estruturaram no vale do
rio Trombetas somente se efetivou pelo controle e concentração de produtos alicerçados em
relações de patronagem, também denominado de aviamento em outros lugares. Nesse sistema
os supostos donos dos castanhais, chamados patrões, aviavam os extrativistas, isto é,
102
adiantavam-lhes, em sistema de crédito e a preços normalmente mais altos que os de mercado,
os mantimentos, instrumentos de trabalho e demais itens necessários ao período de
permanência nos castanhais. Depois, compravam-lhes a produção de castanhas a preços
preestabelecidos e, em geral, abaixo do valor de mercado. Após quitarem as dívidas
assumidas com o patrão, os extrativistas terminavam o negócio em prejuízo, obrigando-se a
trabalhar para o mesmo patrão na safra de castanha-do-brasil do ano seguinte.
Nesse contexto, a coleta livre, antes praticada pelos quilombolas, foi substituída pelo
sistema de aviamento, denominado de “patronagem” no vale do rio Trombetas, conforme
explica o Entrevistado 16, morador da comunidade Último Quilombo:
“Os patrões vinham com seus barcos. Primeiro, que ele vinha logo no início da safra
e fazia um tipo de... chama-se de abono. Ele abonava os trabalhadores, coletores,
castanheiros. Ele dava, por exemplo, açúcar, café, tipo assim como se fosse uma
cesta básica. E deixava ali e ia embora e passava uns 20, 30 dias ele já vinha pra
receber a castanha E ia embora, aí passava 30 dias e voltava para buscar a castanha
daqueles coletores...” (E 16, 2019).
No sistema de aviamento implantado no vale do rio Trombetas, os patrões
estabeleciam as casas comerciais, local onde recebiam toda a castanha coletada pelos
coletores tradicionais e lhes disponibilizavam as mercadorias necessárias como ferramentas,
sacos de sal, querosene, tecidos e remédios. Nesse sistema, o dinheiro praticamente não era
utilizado. É o caso dos Guerreiros que se instalaram no alto rio Trombetas, com casa
comercial situada em Cachoeira Porteira (CASTRO; ACEVEDO, 1998, p.137).
O patrão também inovou na medida da castanha, substituindo o hectolitro pela
“caixa”, considerando que duas caixas e meia equivaleria a um hectolitro, entretanto, na
realidade, a medida de duas caixas equivalia a um hectolitro. Assim, o patrão obtinha o lucro
na medida da caixa. Os patrões podiam assegurar esse sistema de exploração visível aos olhos
dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil porque proibiram qualquer comercialização,
sendo que toda a castanha coletada pelo castanheiro era destinada a abastecer o paiol do
patrão (CASTRO; ACEVEDO, 1998, p. 142). No vale do rio Trombetas, esse sistema
inserido pelos patrões interferiu na maneira dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil
organizarem a produção, uma vez que eram os patrões que indicavam os lugares e a
intensidade de trabalho, quantificada em caixas do produto a serem vendidas para o patrão,
em conformidade com as regras estipuladas unilateralmente.
Nos lagos Cuminá, Jacaré e Arapecu (lago Erepecu) a castanha é abundante e seu
transporte mais acessível. Segundo Castro e Acevedo (1998) a produção de Oriximiná em
103
1899 tinha 36.0000 arrobas (aproximadamente 414 toneladas) de castanha-do-brasil. Em
meados de 1930, quando a castanha atingiu lugar proeminente na economia regional, alguns
donos de castanhais aproveitaram-se do papel da produção do vale do rio Trombetas, que se
elevava gradativamente, para ingressar na carreira política. Nesse período figuraram à frente
das Câmaras e dos governos municipais (Óbidos) e da subprefeitura (Oriximiná): José Gabriel
Guerreiro, João Guerreiro, José Antônio Picanço Diniz, José Clementino de Figueiredo,
Raimundo José de Almeida, Manoel Costa e Carlos Maria Teixeira. Os Guerreiro, Picanço
Diniz, Figueiredo, Teixeira e Manoel Costa, por sua vez, entraram nos governos
revolucionários de 1930, tendo continuação na vida pública, e, graças a seu empenho,
conseguiram a elevação de Oriximiná à categoria de município (CASTRO; ACEVEDO, 1998,
p. 142).
O aumento da produção de castanha no vale do rio Trombetas também impulsionou o
estabelecimento das casas comerciais e a organização de pontos de recepção controlados por
compradores da castanha, sendo que eram os próprios donos dos castanhais que articulavam a
comercialização e o transporte desse produto. Acerca do transporte, é possível conferir que até
no lago Jacaré foi estabelecido um serviço de "chaloupe à vapeur", provavelmente, bastante
imprevisível, o que pouco ajudava na comercialização direta dos coletores tradicionais de
castanha-do-brasil (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
Assim, os pequenos comerciantes e regatões, sujeitos econômicos importantes na
organização da produção no vale do rio Trombetas, foram desarticulados pelos donos dos
castanhais que monopolizaram a produção da castanha na microrregião Alto Trombetas,
associando-a a propriedade da terra e passaram a assumir também o financiamento e o
transporte da produção. A tendência à desarticulação dessas estruturas com o desinteresse de
financiamento por parte dos patrões/donos de castanhais colocou parcela dos antigos e
pequenos regatões que operavam no vale do rio Trombetas à margem dessa nova
configuração social, sendo substituídos na circulação pelos donos de embarcações movidas a
vapor. Em 1962 um desses grandes patrões era proprietário de 40 canoas grandes e levava
para suas colocações mais de 400 homens (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
Os coletores tradicionais de castanha-do-brasil e regatões eram vigiados pelos donos
de castanhais para que não houvesse a comercialização de produtos em seus domínios
territoriais, o que acarretava custos para produção desse produto. Para sanar esses custos, os
donos dos castanhais inseriram, então, uma relação que implicava a confiança e a fidelidade
por parte do quilombola coletor tradicional de castanha, que se tornou afilhado do patrão e
portador de obrigações morais, como por exemplo, não vender a castanha para outro
104
comerciante. O patrão era o padrinho, o prefeito, o amigo do padre, uma presença
sobrepujante aos coletores tradicionais de castanha-do-brasil. As relações familiares eram
sacramentadas pela religião através do compadrio, pois dessa forma o patrão obtinha a
lealdade dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil que eram seus afilhados ou
compadres. Esses vínculos desenvolveram elos entre moradores da cidade e os moradores
locais, produtores e comerciantes, o que modificou a relação do compadrio que antes era
intrafamiliar e intercomunitário para afirmar sua identidade étnica e territorialização
(ACEVEDO; CASTRO, 1995). Castro e Azevedo (1998) identificaram uma diversidade de
lugares e troncos familiares na bacia do Trombetas, mesmo que esses fossem precisos apenas
nos espaços onde o poder econômico e político contornavam limites precisos. No Lago
Jacaré, por exemplo, o patrão Raimundo da Costa Lima emprestava o nome aos seus
protegidos como padrinho e protetor, como forma de obter a fidelidade dos coletores
tradicionais, isto é, demarcando território.
Apesar de todos os artifícios criados, os arrendatários, proprietários de castanhais e a
sociedade regional não conseguiram ou não tiveram capacidade de subjugar esses antigos
ocupantes do Trombetas, mesmo utilizando habilidosamente os artifícios do direito agrário da
República (ACEVEDO; CASTRO, 1998). Os quilombolas da bacia hidrográfica do rio
Trombetas resistiram a essas formas de dominação impostas, seja pelas maneiras “inacabadas
de se manifestar nas linguagens multifacetadas expressas através de palavras, zombarias e
gestos ou nas crenças, orações, festas e cantorias e mesmo na clandestinidade da venda da
coleta a outro patrão” (CASTRO; ACEVEDO, 1998, p. 145-146).
Os coletores tradicionais de castanha-do-brasil da bacia hidrográfica do rio Trombetas
mantiveram, compulsoriamente, a tradição familiar do patrão nos limites das safras
comprometidas e na presença do encarregado ou do proprietário da terra, mas, burlavam esse
sistema para extrair da floresta os frutos, as madeiras e para realizar as pescarias, as caças
para extrair as peles, e assim, garantir a reprodução do seu modo de vida peculiar (CASTRO;
ACEVEDO, 1998, p. 146).
A intensidade da exploração da castanha e as formas de gestão patronal da terra e de
famílias trabalhadoras, em especial dos negros, assim como a exacerbação da procura de
pirarucu, peles e tartaruga-da-amazônia, colocaram esses extrativistas do vale do rio
Trombetas nos circuitos produtivos da economia regional, mas não conseguiram os dispersar
espacialmente. Pelo contrário, no transcorrer deste século aprofundaram sua identidade étnica,
referida de forma concreta e significativa a territórios dos rios Trombetas e Erepecuru, nos
quais têm permanecido sem maior fragmentação de relações sociais e intercomunitárias.
105
Preservam, conscientemente, o sistema complexo de vida econômica e cultural que faz dos
negros do Trombetas um grupo de especificidade inegável na sociedade regional por
representar as formas camponesas mais antigas da região Amazônica (ACEVEDO; CASTRO,
p. 148).
Segundo Castro e Acevedo (1998), diferentemente dos processos migratórios de
camponeses da região Bragantina para Belém, e das margens do rio Tapajós para a cidade de
Santarém, os quilombolas da região do vale do rio Trombetas não alteraram sua localização e
distribuição no espaço. Frequentemente denominados e confundidos como caboclos e
ribeirinhos do Baixo Amazonas, os quilombolas do vale do rio Trombetas demonstram níveis
de permanência e capacidade de reprodução sobre as bases de sua identidade étnica e domínio
territorial. Somente nos anos de 1990, esse processo migratório se iniciou na região do vale do
rio Trombetas como resultado do cercamento de suas terras por empresas de mineração e das
sobreposições com os territórios da Reserva Biológica do Rio Trombetas e da Floresta
Nacional Saracá-Taquera (CASTRO; ACEVEDO, 1998, p. 148-149).
O período da patronagem no vale do rio Trombetas entra em declínio na década de
1970 quando o Estado, por meio de uma política desenvolvimentista, incentivou a instalação
de empreendimentos de extração industrial de minério de bauxita nos tabuleiros terciários da
microrregião Alto Trombetas. A decisão de explorar as jazidas de bauxita deu-se nos
delineamentos do Polo Mineral do rio Trombetas que se efetivou com a instalação da empresa
MRN. Para garantir o controle territorial das áreas de mineração de bauxita, Estado e
empresas se associaram para a criação de unidades de conservação no entorno do projeto
minerador (FARIAS JÚNIOR, 2016; SCARAMUZZI, 2016).
5.1.3 O domínio dos grandes projetos e das unidades de conservação na Microrregião
Alto Trombetas
As décadas de 1960 e 1970 trouxeram transformações importantes para o cenário
regional, em especial, a implantação da MRN em Porto Trombetas, a intensificação da
exploração de recursos e a criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Apesar de livres
dos patrões, os habitantes do Erepecu passaram a lidar com outras restrições de uso do
território, agora imputadas pela empresa privada de mineração, a MRN, que adquiriu domínio
(por meio de concessão pela União) sobre terras no vale do rio Trombetas. Além disso, a
Reserva Biológica do Rio Trombetas, unidade de conservação que não admite a presença de
pessoas residindo no seu interior, teve um histórico de criação particularmente dramático e
106
violento, segundo os Entrevistados 06 e 24:
“Eu queria que essa reserva fosse dentro da Cachoeira. O pessoal do IBAMA
quando chegaram aí, como diz o coisa, até gente eles mataram (...) Aí nessa época
eles queriam ser valente, eles queriam tá indo pelas casa, tomá a comida dos outros.
Até comida da panela tiraram dos outros lá. Da minha não. Agora o Beto até tirar a
galinha de cima do ovo pra ver se diz que não tinha ovo de tracajá, tartaruga, ele
tirou. Só que ele ia se dando mal comigo, mas Deus é bom que não deixou eu acertar
nele” (E 06, 2018).
(...).
“Eu também nasci aqui, mas me criei mais aí no Boa Vista. Foi depois da morte, em
94, que um policial do Ibama matou um irmão meu, aí já existia a Arqmo nessa
época, tava próxima ainda que a Arqmo foi fundada, aí devido a força que a Arqmo
foi fundada, as comunidades de fora, aí meio que o Ibama relaxou, aí foi que
montaram essa comunidade” (E 24, 2019).
A MRN e a Reserva Biológica do Rio Trombetas são produtos da implantação de
políticas públicas pelo Estado brasileiro, a partir da década de 1960. O Governo Federal, por
uma decisão política de integrar o espaço amazônico ao restante do país, passou a agir com
uma verdadeira política de intervenção regional, com clara inspiração geopolítica do
segmento militar, deslocando os seus interesses para o subsolo, para as riquezas minerais da
Amazônia, que se tornou alvo de grandes investimentos do Governo Federal, como o
Programa de Integração Nacional (PIN), responsável pela abertura de estradas e rodovias que
tinha por objetivo integrar fisicamente a Região Amazônica ao restante do território nacional
(GONÇALVES, 2012).
A região do rio Trombetas, assim como Carajás e Amapá, era um dos polos que
integravam o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia).
Criado pelo Governo Federal, em 1974, no contexto desenvolvimentista do PIN, o
Polamazônia objetivava a “ocupação e o desenvolvimento integrados de, incialmente, 15
áreas da Amazônia Legal. Essas áreas foram selecionadas em função de suas potencialidades
agropecuárias, agrominerais e agroindustriais” (BRASIL, 1974, p. 11020).
A implantação do projeto de mineração de bauxita na microrregião Alto Trombetas
O Polo Trombetas possuía uma área de abrangência de mais de 85.000 Km², em sua
área de abrangência, compreendendo parte dos municípios de Monte Alegre, Alenquer,
Óbidos e Oriximiná. Essa região compunha, conforme o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (1975-1979), a área do “Complexo Mínero-Metalúrgico da Amazônia
Oriental”, principalmente, devido à descoberta, em 1966 – pela empresa canadense Alcan
107
Alumínio da América Latina – das reservas de bauxita na região da bacia do rio Trombetas,
sendo o volume estimado das reservas em torno de 800 milhões de toneladas, distribuído em
diversos platôs, dentre os quais o maior e mais importante, o de Saracá, a 30 km do rio
Trombetas (ICMBIO, 2013).
Nesse contexto, onde a política regional estava tutelada ao Governo Federal brasileiro,
controlado por militares, na década de 1970 foram emitidos 36 decretos executivos federais
assinados, que juntos somavam 89.440,59 hectares destinados à concessão de direito de lavra
de bauxita na região da bacia hidrográfica do rio Trombetas. Tais decretos concediam direito
de lavra para várias empresas mineradoras: Companhia de Mineração Santarém-COMISA;
Mineração Rio do Norte S.A.; Mineração Santa Patrícia Ltda.; Mineração Santa Mônica
Ltda.; Bauxita Santa Rita Ltda.; Alumínio Minas Gerais Sociedade Anônima; e a Alumínio
Poços de Caldas S.A. Muitas equipes de pesquisas ligadas a essas empresas multinacionais e
nacionais de exploração de recursos minerais internaram-se no vale do rio Trombetas
objetivando realizar pesquisas de prospecção, principalmente, na microrregião Alto
Trombetas (FARIAS JÚNIOR, 2016, p. 280).
Após obter a concessão de direito de lavra de bauxita na microrregião Alto Trombetas,
a Alcan iniciou em 1971 a construção do porto para o embarque da bauxita no rio Trombetas
e a construção de uma estrada de ferro ligando a mina ao porto. A construção da obra foi
interrompida devido a uma retração no mercado de alumínio, sendo retomada no ano de 1972,
quando a Alcan iniciou estudos em conjunto com a CVRD objetivando a reativação do
projeto. A partir desse momento a CVRD passou a ter uma participação nacional mínima de
51% no projeto minerador, sendo que em 1974 foi constituída a Mineração Rio do Norte S.A
(MRN), um consórcio do qual participavam duas companhias nacionais, detentoras de 56%
das ações e sete estrangeiras, detentoras de 44% das ações (ICMBIO, 2014). Nesse mesmo
ano, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM):
aprovou o projeto e o declarou interessante ao desenvolvimento socioeconômico da
Amazônia, concedendo à MRN, entre outros incentivos concedidos pelo governo,
isenção de imposto de renda pelo prazo de 10 anos, prorrogáveis por mais cinco
anos. Em 1976 foi iniciada a construção definitiva do projeto, que ficou a cargo da
Construtora Andrade Gutierrez e teve um custo aproximado de US$ 430 milhões,
sendo financiado por várias fontes nacionais e estrangeiras. Na amortização dos
empréstimos a empresa operou no vermelho até 1983, quando começou a obter
lucros, que cinco anos depois já chegavam a US$ 287,5 milhões (ICMBio, 2014).
No ano de 1976, após os incentivos concedidos pelo governo brasileiro, foi concluída
a construção da infraestrutura do projeto minerador no distrito de Porto Trombetas,
108
Oriximiná, cujo início da lavra da bauxita ocorreu em abril de 1979, sendo que no dia 13 de
agosto daquele ano ocorreu o primeiro embarque de minério para o Canadá. Para a
implantação do projeto de mineração de bauxita na microrregião Alto Trombetas, criou-se
uma escala local (company town, estradas, ferrovias, porto) para receber o empreendimento da
MRN. E o Estado possui um papel fundamental, pois o mesmo é detentor da competência do
ordenamento territorial necessário para a instalação da MRN, além de conceder incentivos
para a construção da infraestrutura no distrito de Porto Trombetas, município de Oriximiná
(ICMBIO, 2014).
A implantação do projeto minerador no vale do rio Trombetas surtiu efeitos sobre o
modo de vida dos quilombolas da microrregião Ato Trombetas, os quais passaram a conviver
com distintos processos de “deslocamentos compulsórios” ao longo da faixa de concessões
minerárias de bauxita, devido à implantação de sua infraestrutura, pois esta necessita de vias
de escoamento, energia e água para a produção mineral. Wanderley (2008), ao tratar da
mineração no Trombetas afirma que
A primeira desterritorialização efetiva sofrida pelos stakeholders locais aconteceu
em 1970, quando noventa famílias quilombolas foram induzidas a travar um
“acordo” com a mineradora, concordando em deixar suas áreas – onde, atualmente,
se situa Porto Trombetas - mediante pagamento de indenização irrisória
(WANDERLEY, 2008, p. 19).
Para Farias Júnior (2016), a concessão de direito de lavra de bauxita no vale do rio
Trombetas consolidou o processo de “intrusão” dos territórios tradicionais quilombolas, os
quais eram considerados “vazios demográficos” pelo Estado brasileiro. Conforme os decretos
de concessão de lavra, as terras tradicionalmente ocupadas foram disponibilizadas no mercado
de terras para fins da extração mineral da bauxita, tendo em vista que estas figuravam
juridicamente como “terras devolutas”, uma vez que após a abolição formal da escravidão
negra no Brasil não houve políticas fundiárias que proporcionassem e garantissem o domínio
das terras para os ex-escravos, ou para aqueles que há tempos garantiam seus modos de vida e
reprodução social nos chamados “quilombos” (FARIAS JÚNIOR, 2016, p. 271-273).
A criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas
Com a consolidação dos interesses minerários no rio Trombetas, o Programa de Polos
Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), a mesma política pública que
109
incentivou a implantação do projeto de mineração de bauxita pela MRN na microrregião Alto
Trombetas, também financiou os estudos e aprovação do projeto de “Criação e Implantação
da Reserva Biológico do Rio Trombetas”, executado pelo IBDF (IBAMA, 2004).
Nesse contexto, em 21 de setembro de 1979, um mês após o primeiro embarque de
bauxita, foi criada, no entorno do projeto minerador, a Reserva Biológica do Rio Trombetas
por meio do Decreto Federal nº 84.018, de 21 de setembro de 1979, a Reserva Biológica do
Rio Trombetas, unidade de conservação de proteção integral10
, com 385.000 ha (trezentos e
oitenta e cinco mil hectares). Segundo Acevedo e Castro (1998), isso demonstra que a MRN
atuou como coadjuvante para a criação dessa unidade de conservação (ACEVEDO MARIN;
CASTRO, 1998, p. 206).
Contudo, é importante ressaltar que no vale do rio Trombetas, segundo Simon,
Madeira Filho e Alcântara (2015), a governança ambiental têm seu início em 1963. Nesse ano
foi criada uma lei pela Câmara Municipal de Oriximiná, seguida de um decreto do então
Prefeito, assinado em 1964, que criou, no âmbito do município, o “Serviço de Proteção à
Tartaruga”. Esse serviço tinha como finalidade fazer o manejo das matrizes e dos ovos da
tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e a fiscalização de dez tabuleiros no rio
Trombetas – área onde atualmente se localiza a Reserva Biológica do Rio Trombetas. Até
1967, esse serviço era mantido pela Diretoria do Ministério da Agricultura no estado do Pará,
por meio de convênio firmado com o município de Oriximiná. Posteriormente, em 1967, o
serviço ficou sob a responsabilidade da Delegacia do IBDF, com a colaboração da Sociedade
de Preservação dos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (Sopren) (MINISTÉRIO DAS
MINAS E ENERGIA/RADAMBRASIL, 1976, p. 432). O Entrevistado 04 afirma:
“Eu morava dentro da Reserva Biológica. É minha terra natal, a Reserva Biológica.
Foi lá que eu nasci. Ela já foi criada muito em antes de 79 [1979]. Porque eu sou de
71 e eu já nasci na Reserva. Ela foi fundada com 17 famílias. Aí, depois chegou
mais umas famílias de fora. Aí que foi concluída. 25 famílias que ela foi fundada,
mas ela já existia. Eu já morava, porque os meus avós, os meus bisavós eram
descendentes de lá. Meu pai nasceu e se criou lá. O IBDF chegou... retirou [as
pessoas]. A gente foi pra Tapagem. Da Tapagem a gente foi pra Oriximiná. Aí de lá
que a gente veio pra cá pro Paraná [Comunidade Paraná do Abauí]. Nós não
chegamos passar ano [tempo que ficaram em Oriximiná]. [Aqui] é melhor de
sobreviver, mais calmo, mais tranquilo” (E 04, 2018).
10
A partir da promulgação da Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza (SNUC), regulamenta e rege o conjunto de Unidades de Conservação no Brasil,
esse tipo de área protegida passou a ser denominada unidade de conservação de proteção integral, a qual não
prevê ocupação humana ou uso dos recursos, excetuando-se, em algumas categorias, ocupações e usos
associados a pesquisa, manejo e turismo.
110
O Entrevistado 04 afirma que nasceu em 1971, dentro da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, mas essa unidade de conservação foi criada somente em 1979. O Entrevistado 04
se refere às ações preservacionistas na microrregião Alto Trombetas, que são anteriores a
criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas, corroborando com Simon, Madeira Filho e
Alcântara (2015).
Segundo Simon, Madeira Filho e Alcântara (2015), as atividades conservacionistas
que antecederam a implantação de unidades de conservação na microrregião Alto Trombetas
foram o embrião para a criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Para Acevedo e
Castro (1998), a criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas no entorno do projeto
minerador da MRN constitui-se como o primeiro passo para o “cercamento” dos territórios
tradicionalmente ocupados pelos quilombolas desde meados do início do século XIX. Para as
autoras, o Estado brasileiro e a MRN estão associados na polêmica e conflituosa implantação
e permanência da Reserva Biológica do Rio Trombetas, sendo que utilizam-se do discurso
preservacionista, onde a defesa da tartaruga-da-amazônia e das madeiras de lei foi utilizada
para sensibilizar a sociedade e justificar tal medida governamental (ACEVEDO; CASTRO,
1998, p. 208-209).
Wanderley (2008), também corrobora com a ideia de que as unidades de conservação
criadas no entorno do projeto minerador, no vale do rio Trombetas, são estratégias usadas pela
MRN, constituindo-se em territórios-tampões, ou seja, territórios como reserva de valor e
faixa isolante que protege a área da mineração de eventuais disputas territoriais
(WANDERLEY, 2008, p. 19). Coelho e Cunha (2007), também corroboram com a ideia de
Wanderley (2008) de que a criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas faz parte de uma
estratégia ambientalmente protecionista adotada pela MRN no vale do rio Trombetas, por
meio da qual se criou um cinturão de proteção no entorno das áreas de direito minerário
concedidas a esse consórcio pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Segundo Wanderley (2008), as unidades de conservação criadas no entorno do projeto
minerador no vale do rio Trombetas fazem parte de um processo planejado de reordenamento
territorial promovido pelo Estado e por grandes corporações de mineração na região dos
megaprojetos de desenvolvimento. Assim, pode-se entender que a criação da Reserva
Biológica do Rio Trombetas e, posteriormente, da Floresta Nacional Saracá-Taquera, em
1989 – a qual garantia, justamente, as áreas pretendidas pela ALCOA – possuem como
objetivos impossibilitar a exploração mineral por novas empresas mineradoras e controlar as
dinâmicas populacionais no entorno do projeto minerador. Neste processo os gestores das
unidades de conservação encontraram-se dependentes das mineradoras, no que se refere aos
111
apoios financeiros, de infraestrutura e de logística operacional, comprovando o forte poder de
influência exercido pela empresa na gestão e no controle destes territórios (WANDERLEY,
2008, p. 45).
Contudo, independente de qual tenha sido a motivação para a criação de unidades de
conservação no entorno dos grandes projetos econômicos instalados na Amazônia, é certo que
na microrregião Alto Trombetas tal conjuntura está atrelada a atividade mineradora. Além do
mais, tanto os grandes empreendimentos incentivados pelo Estado brasileiro quanto as
políticas ambientais restritivas impostas por meio da Reserva Biológica do Rio Trombetas
desconsideraram os modos de vida dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
brasil, que já residiam anteriormente nas áreas onde tais empreendimentos foram implantados,
causando mudanças no modo de vida dos quilombolas da microrregião Alto Trombetas.
A Reserva Biológica do Rio Trombetas foi delineada sobre territórios tradicionalmente
ocupados por quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil e coletores tradicionais
de castanha-do-brasil não quilombolas, que já utilizavam os recursos ambientais desses
territórios para a manutenção de seus modos de vida desde meados do início do século XIX.
No processo de implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas houve a expulsão de
grupos familiares de quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residiam no
território onde atualmente se encontra essa unidade de conservação (E 11). Entretanto, muitos
grupos resistiram e permaneceram residindo no interior da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, como as cinco comunidades remanescentes de quilombos localizadas no interior
dessa unidade de conservação: Jamari, Juquiri, Juquiri Grande, Juquirizinho, Útimo Quilombo
e Nova Esperança, como afirma o Entrevistado 11:
“E hoje, as vez, tem pessoas dentro, que não mora dentro da Reserva Biológica por
causa da tirada do pessoal, que na década de 79 foi criada a Reserva Biológica, com
as 23 famílias, se não tô enganado, se não me passa a memória, que morava dentro
da Reserva biológica, foi criado em cima, na década de 80 jogaram com eles de lá.
Aí quando foi em 89 foi criado a Arqmo que começou lutar mais pelos direitos dos
remanescentes foi que foi melhorando um pouco mais. Isso é bom colocar aí porque
hoje, se a gente [TQ Alto Trombetas I] não tem famílias, comunidades dentro da
Reserva Biológica, tudo por isso, por causa desse medo que foi tirado a força o
pessoal de lá e também foram enganados, mandando assinar algum documento que
era pra melhoria ainda acaba era pra jogar com todo mundo de dentro da Reserva
Biológica. Então, pra gente é uma coisa que é triste, quando era na época da lei
disso, eles andavam dando porrada no pessoal aí nas suas próprias casas, tomavam
espingarda se topassem nas casas. Era com Polícia Federal, era tudo. Então, hoje a
gente entra em consenso com o ICMBio porque é um órgão que, às vez, foi
mudando as atitudes deles, mas que se a gente for botar na memória o que eles já
fizeram de errado pra gente, não era nem pra eles existirem mais aí. Mas, mesmo
assim a gente tá controlando e tentando se reconciliar num acordo mais ou menos.
Eles eram as pessoas que tinham o dinheiro e as comunidades não tem
112
baseadamente nada, as coisas só dá pro lado mais fraco, não é pro lado mais forte”
(E 11, 2018).
Desde a implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas, as sobreposições do
território dessa unidade de conservação com os territórios de comunidades quilombolas têm
ocasionado conflitos territoriais. E, diferentemente das unidades de conservação de uso
sustentável, tais como Reservas Extrativistas (Resex), Reservas de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) e as Florestas Nacionais (Flona), as unidades de conservação de proteção
integral não possuem como objetivos assegurar os modos de vida tradicionais e o acesso ao
uso de recursos naturais pelas famílias que nelas vivem (BRASIL, 2000).
A criação da Floresta Nacional Saracá-Taquera
Consolidando a estratégia ambientalmente protecionista no entorno das áreas de
direito minerário, foi criada em 1989, adjacente à Reserva Biológica do Rio Trombetas, a
Floresta Nacional Saracá-Taquera, com uma área de 441.152 hectares, situada no noroeste do
estado do Pará, abrangendo partes dos municípios de Terra Santa, Oriximiná e Faro, na
fronteira com o estado do Amazonas. O acesso principal a essa unidade de conservação é feito
pelo rio Trombetas, município de Oriximiná, e pelos municípios de Faro e Terra Santa, pelo
rio Nhamundá. A área onde foi implantada a Floresta Nacional Saracá-Taquera apresenta uma
grande diversidade de recursos naturais renováveis (madeiras, castanha-do-pará e outros
produtos não madeireiros) e minérios (bauxita).
Segundo Coelho e Cunha (2007) a Floresta Nacional Saracá-Taquera pertence ao
mesmo conjunto de unidades de conservação instituídas ao redor da área da Companhia Vale
do Rio Doce (CVRD), em Carajás, também no estado do Pará. Apesar de ser uma unidade de
conservação de uso sustentável, a Floresta Nacional Saracá-Taquera não foi criada de forma a
considerar os modos de vida dos quilombolas e ribeirinhos que residem nessa área, mas para
atender aos interesses minerários da MRN, tanto que no Decreto de criação da Floresta
Nacional Saracá-Taquera, a MRN adquiriu a concessão para extrair bauxita no território dessa
Flona (MAPA 04).
113
Mapa 04 – Zona de Mineração na Flona Saracá-Taquera - Pará
Fonte: DNPM, 2019.
A Floresta Nacional Saracá-Taquera possui como objetivos “promover o manejo
sustentado dos recursos naturais”, “garantir a proteção dos recursos hídricos, belezas cênicas e
dos sítios históricos e arqueológicos”; e, “fomentar o desenvolvimento da pesquisa científica”
(artigo 1º do Decreto Federal nº 1.298, de 27 de outubro de 1994). Além disso, também
possuem como objetivo assegurar o modo de vida e a sobrevivência dos povos tradicionais
que ali se encontravam muito antes da criação dessa unidade de conservação e da outorga das
concessões de lavra e licenças ambientais concedidas à Mineração Rio do Norte.
Contudo, há muita dificuldade em conciliar essa atividade mineradora com os
objetivos da Floresta Nacional Saracá-Taquera, a qual causa impactos negativos tanto na
biodiversidade quanto nos modos de vida dos quilombolas do Território Alto Trombetas 1. A
extração da bauxita implica na destruição de florestas que há muito garantem sustento e fonte
de renda às comunidades quilombolas (CPI, 2019).
Para a extração industrial da bauxita nos platôs terciários da Floresta Nacional Saracá-
Taquera é necessária a retirada da floresta e a remoção do solo (FIGURA 04). Essa atividade
também produz rejeitos que são armazenados em barragens, estruturas consideradas de risco e
que demandam um monitoramento permanente e rigoroso (FIGURA 05). Segundo a Agência
Nacional de Águas, a MRN é a quarta mineradora no Brasil em número de barragens. São 24
114
barragens de rejeito, 22 delas localizadas no interior da Floresta Nacional Saracá-Taquera, e
há previsão de implantação de outras 09 novas barragens, devido à ampliação das atividades
de mineração.
Figura 04 – Área de extração do minério de bauxita na Floresta Nacional Saracá-
Taquera. Fonte: Carlos Penteado/CPI-SP. Disponível em: http://cpisp.org.br/mais-
uma-unidade de conservação-na-amazonia-sob-risco-mineracao-ameaca-flona-
saraca-taquera-no-para/
115
Figura 05 – Barragens de rejeitos de bauxita da Mineração Rio do Norte na Floresta Nacional
Saracá-Taquera.
Fonte: CPI-SP/Carlos Penteado (s/d). Disponível em: http://cpisp.org.br/mais-uma-unidade de
conservação-na-amazonia-sob-risco-mineracao-ameaca-flona-saraca-taquera-no-para/
A extração da bauxita implica na destruição das florestas que há muito garantem
sustento e fonte de renda às comunidades quilombolas. Temos como exemplo a exploração
dos platôs Aviso, Bacaba e Almeida, iniciada nos anos 2000 pela MRN, em regiões que eram
historicamente utilizadas por populações ribeirinhas para fins extrativistas. A destruição dessa
área de coleta afetou as famílias residentes nas proximidades do platô e os coletores
tradicionais castanheiros de várias outras localidades, que migravam sazonalmente, atraídos
pelo alto grau de produtividade dos castanhais dessas áreas (WANDERLEY, 2008).
Assim sendo, o ordenamento territorial no vale do rio Trombetas está a serviço dos
interesses da MRN. Um exemplo disso é o TQ Boa Vista, o primeiro titulado do Brasil, em
1995, cujo processo de titulação teve a participação ativa da MRN junto à comunidade e ao
INCRA como forma de compensar a expulsão desta comunidade das áreas de interesse
minerário. Localizado nas proximidades de Porto Trombetas, o TQ Boa Vista possui uma área
de 1.113 ha, mas seus moradores não reivindicam novos títulos (CPI-SP, 2013).
116
Manejo florestal madeireiro na Floresta Nacional Saracá-Taquera
Outra atividade que tem causado impactos socioambientais negativos na Floresta
Nacional Saracá-Taquera é o manejo florestal madeireiro, autorizado pelo governo federal por
meio das concessões florestais conduzidas pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que em
2009 licitou uma área de 48,8 mil hectares na Floresta Nacional Saracá-Taquera (MAPA 05).
As vencedoras do leilão foram as empresas Ebata - Produtos Florestais Ltda, que possui
autorização para manejar uma área de 30 mil hectares, e a Golf Indústria e Comércio de
Madeiras Ltda, que manejará 18.794 hectares. Tais concessionárias poderão extrair, por 40
anos – com técnicas de manejo florestal – madeira, óleos, sementes, resinas e outros produtos
da Floresta Nacional Saracá-Taquera. Os contratos preveem pagamentos ao governo, geração
de empregos e investimentos anuais de cerca de R$ 500.000,00 nas comunidades locais.
Mapa 05 - Unidades de Manejo Florestal (UMFs) no interior da Floresta
Nacional Saracá-Taquera.
Fonte: Concessões Florestais. Disponível: http://www.florestal.gov.br.
No Mapa 05 é possível observar a Zona de Mineração e a Zona de Produção Florestal.
Observe que as UMFs se sobrepõem em parte a áreas que pertencem a Zona de Mineração,
117
mas que ainda não foram mineradas. Assim, as empresas madeireiras manejam áreas que,
posteriormente, serão exploradas pela Mineração Rio do Norte. As empresas madeireiras
extraem as madeiras com alto valor comercial e a MRN remove toda a vegetação dos platôs
da Floresta Nacional Saracá-Taquera para, assim, extrair a bauxita do subsolo.
O papel da Igreja Católica e o surgimento das comunidades na microrregião Alto
Trombetas
A ocupação das comunidades do TQ Alto Trombetas 1 remonta ao século XIX,
quando os negros que fugiram da escravidão das fazendas de plantações de cacau e criação de
gado do baixo Amazonas e arredores de Belém se refugiaram em núcleos de resistências
denominados “mocambos” no alto curso do rio Trombetas. Dessas aglomerações surgiram
inúmeras localidades (ACEVEDO; CASTRO, 1998; FUNES, 1995). Segundo Castro e
Acevedo (1998) as localidades eram identificadas por laços entre os grupos familiares e se
configuravam como o resultado da territorialização dos quilombolas nesse espaço geográfico.
As comunidades da microrregião Alto Trombetas se formaram a partir das inúmeras
localidades que já existiam no vale do rio Trombetas. Dentre as comunidades que constituem
o TQ Alto Trombetas 1, as maiores e mais antigas são as comunidade da Tapagem e do Abuí,
cuja população local, segundo Funes (2000), teria sido proveniente das dispersões de
quilombolas das localidades de Cachoeira Porteira, Arrozal e Nova Amizade. Há registros de
que a comunidade da Tapagem teria se originado nos anos 1800, com a chegada de uma
família de negros fugidos da escravidão que nesse lago se “amocambaram”.
Contudo, somente a partir da década de 1970, as comunidades foram fundadas
oficialmente, conforme informado pelo Entrevistado 01:
“Esse negócio de comunidade foi de uns certos tempos pra cá que foi
fundada. Na época que jogaram o pessoal de lá do Jacaré [década de
1980], daí da Reserva, não tinha ainda o negócio das comunidades.
Dispois disso muitas coisas melhorou, mas foi já devido a
comunidade, depois de fundar a comunidade que melhorou mais
algumas coisas”(E 01, 2018).
As comunidades tem sua origem no Movimento Católico de Educação de Base (MEB)
introduzido, na década de 1970, pelos padres da Sociedade do Verbo Divino, congregação
religiosa ligada a Igreja Católica, que exerceram sua atuação, principalmente, por meio de
projetos das Comunidades Eclesiais de Base (CEB) (CASTRO; ACEVEDO, 1998; FUNES,
2000; SCARAMUZZI, 2016). A partir de então houve a incorporação do termo/categoria
118
“comunidades” ao vocabulário político e sociológico dos quilombolas da microrregião Alto
Trombetas para designar e circunscrever núcleos populacionais e lugares.
Os projetos da CEB tinham como objetivos organizar as famílias quilombolas em
núcleos bases para a realização das obrigações religiosas e também para lutar pelos seus
direitos territoriais (SCARAMUZZI, 2016; ACEVEDO; CASTRO, 1998), conforme
informado pelo Entrevistado 01. Com a saída dos padres franciscanos da Paróquia de Santo
Antônio de Oriximiná e a chegada dos padres da congregação do Verbo Divino, em 1980, os
núcleos base cresceram e se transformaram em comunidades, com infraestrutura maior
constituída por capelas, barracão comunitário (CORRÊA, 2016).
Segundo Scaramuzzi (2016), a Igreja Católica é percebida pelos quilombolas da
microrregião Alto Trombetas como um marco de importância fundamental para a tomada de
consciência acerca dos direitos territoriais e para a organização política que precisou ser
desenvolvida para enfrentar e resistir às tentativas de domínios de seus territórios pelos
patrões ou donos dos castanhais, pela a mineradora de bauxita MRN, pelos órgãos gestores
das unidades de conservação, pelas madeireiras e pelas instituições ligadas à regularização
fundiária, como o Incra.
Desse modo, devido à origem das comunidades estar associada à luta pela autonomia
política e pelos direitos territoriais, “comunidade” acabou por se tornar, atualmente, uma
categoria que remete a unidades políticas que atuam principalmente nas relações externas,
mas, em alguns contextos de relações sociais internas, também designa atualmente unidades
sociológicas que atuam com certa autonomia entre si. Comunidade também é o termo usado
para designar o espaço, também chamado de centro comunitário (FIGURA 06), nem sempre
habitado, onde se encontram os espaços de uso coletivo, formado por um barracão para a
realização de reuniões comunitárias e as danças durante a festa dançante; uma cozinha
comunitária, utilizada como apoio logístico para as reuniões; uma escola de alvenaria; além
de uma capela ou igreja (católica e evangélica); o campo de futebol; a casa de gerador de
energia; as palhocinhas – pequenas construções de madeira e palha utilizadas para venda de
comidas típicas nas épocas de festa; e algumas residências. Apesar de contar com espaços de
uso coletivo, a situação do centro comunitário é precária em termos de serviços e condições
de moradia. A manutenção dessas estruturas é realizada pelos próprios moradores em
trabalhos coletivos previamente organizados (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA;
SCARAMUZZI, 2016).
119
Figura 06 – Centro comunitário da comunidade do Abuí. Fonte:
PICANÇO (2018)
Contudo, para Scaramuzzi (2016), além da constituição de um novo tipo de unidade
política no contexto local, o termo/categoria “comunidade” é usado principalmente para
circunscrever aquilo que concerne ao âmbito das relações com o estado e alguns segmentos da
sociedade civil. Inclui-se nesse espectro de relações aquelas com as pessoas de fora que
moravam ou frequentavam o território quilombola; aquelas relativas à gestão dos bens
materiais e objetos coletivos como o barco comunitário e o motor de luz movido a óleo diesel
ou gasolina; a estrutura física dos centros comunitários como o posto de saúde, escola e igreja
e os empregos ligados a educação, transporte e saúde.
5.1.4 O papel da Arqmo, das associações de territórios quilombolas no Alto Trombetas
As comunidades do TQ Alto Trombetas 1 estão articuladas, politicamente, à
Associação Quilombola Mãe Domingas. Enquanto a comunidade Último Quilombo –
juntamente com as comunidades Jamari, Juquiri, Juquirizinho, Moura, Palhal e Curuçá-Mirim
– está articulada, politicamente, à Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo
do Alto Trombetas (ACRQAT). Tanto a Associação Quilombola Mãe Domingas quanto a
Aeqmo são filiadas à Associação de Remanescentes Quilombolas do Município de Oriximiná
(Arqmo), que representa 37 comunidades quilombolas do município (ARQMO, 2018).
Auxiliados por diversas instituições, mais notadamente, a Pastoral da Terra e a
Comissão Pro-Índio de São Paulo (CPI-SP) – os quilombolas da microrregião Alto Trombetas
120
instituíram, em 1989, a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do
Município de Oriximiná (Arqmo), com o objetivo principal de representar e organizar a luta
das comunidades remanescentes de quilombos do município de Oriximiná na conquista do
direito de propriedade da terra, garantido no artigo 68 do ADCT da Constituição Federal de
1988, como afirma o Entrevistado 11:
“E hoje, às vez, tem pessoas dentro [da comunidade do Abuí], que não
mora dentro da Reserva Biológica por causa da tirada do pessoal, que
na década de 79 foi criada a Reserva Biológica, com as 23 famílias, se
não tô enganado, se não me passa a memória, que morava dentro da
Reserva Biológica, foi criado em cima, na década de 80 jogaram com
eles de lá. Aí quando foi em 89 foi criado a Arqmo que começou lutar
mais pelos direitos dos remanescentes. Foi que foi melhorando um
pouco mais” (E 11, 2018).
A Arqmo possui a seguinte estrutura organizacional: I – Assembleia Geral; II –
Presidência da Assembleia Geral; III – Conselho Diretor; IV – Coordenação Executiva. A
Assembleia Geral é o poder soberano da Arqmo cabendo-lhe a orientação geral da Instituição
e eleger os membros do Conselho Diretor e selecionar a Coordenação Executiva. A
Assembleia Geral é presidida por um dos membros do Conselho Diretor, designado pela
própria Assembleia, que se reúne ordinária e obrigatoriamente a cada três anos ou,
extraordinariamente, sempre que necessário, mediante convocação do Conselho Diretor ou de
um quinto dos associados (ARQMO, 2018).
A Coordenação Executiva é um coletivo democrático responsável pela gestão
administrativa da Arqmo, onde todos os seus membros têm igual poder e responsabilidade na
promoção dos objetivos da instituição, não havendo um cargo de coordenação superior aos
demais. A Coordenação Executiva é composta por nove associados, sendo sete selecionados
pelas áreas, e cada área propõe ainda mais um nome para a seleção, sendo que dois desses
serão indicados pelo Conselho Diretor para dois dos cargos da Coordenação Executiva que
composta por: um coordenador administrativo; um coordenador de secretaria; um
coordenador de projetos; um coordenador de finanças; um coordenador de patrimônio; um
coordenador de mulheres; um coordenador de jovens; um coordenador de educação; um
coordenador de cultura. Cada coordenador é responsável por coordenar atividades inerentes à
sua coordenação, mas de forma articulada com as demais coordenações, sendo que as
decisões da Coordenação Executiva são tomadas por maioria simples de seus integrantes, e
caso um coordenador não concorde com a decisão tomada pela maioria, pode recorrer ao
Conselho Diretor para novo exame da matéria (ARQMO, 2018) (FIGURA 07).
121
CONSELHO DIRETOR
UM REPRES ENTANTE
DO TQ BOA VISTA
UM REPRES ENTANTE
DO TQ ÁGUA FRIA
UM REPRES ENTANTE
DO TQ TROMBETAS
UM REPRES ENTANTE
DO TQ EREPECURÚ
COORDENAÇÃO EXECUTIVA
COORDENADOR
DE PROJETOS
COORDENADOR
DE SECRETARIA
COORDENADOR
DE PATRIMÔNIO
COORDENADOR
DE FINANÇAS
COORDENADORA
DE MULHERES
COORDENADOR
DE EDUCAÇÃOCOORDENADOR
DE JOVENS
COORDENADOR
DE CULTURA
ASSEMBLEIA GERAL
COORDENADOR
ADMINISTRATIVO
UM REPRES ENTANTE DO
TQ ALTO TROMBETAS I
UM REPRES ENTANTE DO
TQ ALTO TROMBETAS Ii
Figura 07 – Organograma da estrutura organizacional da Arqmo. Observe que na
estrutura organizacional da Arqmo não há uma coordenação que se sobreponha a outra.
Não há, por exemplo, a figura de um presidente. Geralmente, as decisões são resultado
de consenso, tanto ao nível do Conselho Diretor, quanto da Coordenação Executiva.
Fonte: ARQMO (2018). Elaborado pelo autor.
122
A Arqmo contribuiu para a titulação dos territórios quilombolas no município de
Oriximiná: Boa Vista (1995), Água Fria (1996), Trombetas (1997), Erepecuru (1998), Alto
Trombetas 1 (2003, parcialmente titulado) e Cachoeira Porteira (2018) (MAPA 06).
Mapa 06 – Terras Quilombolas e comunidades quilombolas no município de Oriximiná
Fonte: FUNAI. Disponível em http://www.funai.gov.br; CPI São Paulo. Elaborado pelo
Autor.
Atualmente, a Arqmo desempenha papel de associação-mãe e representa 37
comunidades remanescentes de quilombos (FIGURA 08), que congrega as seguintes
associações de áreas/territórios quilombolas: Associação da Comunidade Remanescente de
Quilombo Boa Vista (ACRQBV), Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo
Água Fria (ACRQAF), Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do
Erepecuru (Acorqe), Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos da Área
Trombetas (Acorqat), Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos Mãe
Domingas, ACRQAT, Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo Ariramba
(Acorqa), AMOCREC-CPT (ARQMO, 2018)
123
Figura 08 – Organograma das Associações de Territórios Quilombolas filiadas a Arqmo.
A Amocreq-CPT, por muito tempo, não atuava em ações conjuntas com a Arqmo,
entretanto, atualmente, devido aos projetos do Governo Federal de construção de
hidrelétricas em Cachoeira Porteira, a Amocreq-CPT tem realizado ações conjuntas com a
Arqmo, o que vem aproximando essas duas associações. Fonte: Pesquisa nos arquivos da
Arqmo (2018). Elaborado pelo autor.
Além de lutar pelo direito de propriedade da terra, a Arqmo surgiu também para lutar
contra as invasões e ameaças aos territórios e modo de vida quilombolas. Dentre essas lutas
pode-se destacar as lutas: contra a ocupação de terras quilombolas pela MRN; contra a criação
da Reserva Biológica do Rio Trombetas, que impediu o acesso dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil aos principais castanhais, que estão localizados nessa
unidade de conservação; as mobilizações para a saída dos patrões da castanha, os chamados
“donos dos castanhais”, do Lago Erepecu, atualmente localizado no interior da Reserva
Biológica do Rio Trombetas; e contra a edificação pela Eletronorte de uma vila em Cachoeira
Porteira e a abertura da BR 163, obras que antecediam a implantação da Hidroelétrica de
Cachoeira Porteira, no rio Trombetas (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO;
ARQMO, 2018).
124
O papel da Associação Mãe Domingas
As comunidades localizadas no Território Quilombola (TQ) Alto Trombetas 1 e na
Floresta Nacional Saracá-Taquera estão organizadas em torno da Associação Quilombola
Mãe Domingas, afiliada da Arqmo. Em 2003, o Incra iniciou procedimento para titulação do
TQ Alto Trombetas, que após levantamentos mostrou ter 242.000 hectares, dos quais 104 mil
incidiam sobre a Reserva Biológica do Rio Trombetas (25% da unidade de conservação) e
64.000 hectares sobre a Floresta Nacional Saracá-Taquera (14% da unidade de conservação).
Em função deste conflito territorial foram titulados somente 80.000 hectares no entorno das
unidades de conservação federais em processo paralelo no Iterpa, que tem procedimento mais
simples para titulação. Entre as peculiaridades deste grupo de comunidades está a ocupação
da Reserva Biológica do Rio Trombetas com usos (não há moradias) e a participação de
alguns moradores nos trabalhos de pesquisa e conservação via contratação formal na base
Tabuleiro, do ICMBio, localizada da área de reivindicação (FONSECA, 2015).
As comunidades do Território Quilombola Alto Trombetas 2, localizadas no interior
da Reserva Biológica do Rio Trombetas e da Floresta Nacional Saracá-Taquera são
representadas pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Alto
Trombetas II (ACRQAT), afiliada a Arqmo. A ACRQAT é a responsável pela reivindicação
da titulação do Território Quilombola Alto Trombetas II. Em 2007, encaminhou ao INCRA a
solicitação de reconhecimento e titulação, mas até 2014 a área não possuía relatório de
identificação e delimitação (RTID). Após algumas modificações de limite e na denominação
do território, que atualmente chama-se Moura/Jamari/Último Quilombo, verificou-se que a
área total pleiteada soma 187 mil hectares, sendo 85 mil sobreposto a Floresta Nacional
Saracá-Taquera (19% da unidade de conservação) e 102 mil sobreposto a Reserva Biológica
do Rio Trombetas (25% da unidade de conservação). Os títulos reivindicados no interior da
FLONA nas áreas Alto Trombetas I e Alto Trombetas 2 se sobrepõem em parte às jazidas de
bauxita concedidas à MRN, em lavra ou reserva (FONSECA, 20015).
125
5.2 ASPECTOS ATUAIS DO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS COLETORES
TRADICIONAIS DE CASTANHA-DO-BRASIL DA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO
TROMBETAS
5.2.1 Elementos Fixadores do Modo de Vida dos Quilombolas Coletores Tradicionais de
Castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas
Tipo de propriedade no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade
Último Quilombo
No que se refere ao tipo de propriedade exercida pelos quilombolas que coletam
castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, os resultados indicaram que os
territórios são de uso coletivo pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
que nele residem, conforme informado pelos Entrevistados 06, 09 e 10:
“Lá não têm esse negócio de dizer esse é meu. Não. Lá aonde você entrar, é mesmo
que ser aqui [no Território Mãe Domingas]. Aqui é, é..., como é... coletivo. Aqui
tem gente que já junta aqui atrás [apontando com as mãos para a ponta de castanha
atrás da sua casa]” (E 06, 2018).
(...)
“Eu sempre trabalho, assim, num lugar livre, assim, fora de onde o pessoal tá
trabalhando que tem as pontas pela beira na margem do lago e tem também as
pontas mais pro meio da terra. É pode tudo coletar, é coletivo mesmo isso aí” (E 09,
2018).
(...)
[...] “é tudo coletivo, cada um vai lá e tira [castanha-do-brasil] seu pouco e o que der
deu” (E 10, 2018).
Analisando-se as falas dos Entrevistados 06, 09 e 10, pode-se afirmar que o território
de uso coletivo é a base territorial da organização socioeconômica para a reprodução do modo
de vida dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que coletam na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, tanto dos que residem nas comunidades do TQ Alto Trombetas
1 quanto dos que residem na comunidade Último Quilombo. Nas comunidades do TQ Alto
Trombetas 1, assim como na comunidade Último Quilombo, é livre a circulação, pelos que
nelas residem, nas áreas de pesca, caça e coleta de produtos florestais não madeireiros
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Contudo, as famílias exercem, de forma particular, a posse sobre uma parte desse
território, geralmente, a casa, o quintal e as áreas de roça atual e antigas (capoeiras) e outras,
conforme o caso. O “direito privado” da unidade familiar sobre essas áreas e recursos se dá
126
pelo respeito às regras locais e não por nenhuma divisão legal ou cartorial dos mesmos. Desse
modo, o acesso a essas áreas restritas por outros membros do território ou por pessoas
externas ao território deve se dar com a exclusiva anuência da família, a qual deve ser
solicitada com respeito a certas regras locais (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA,
2018/2019; CUMBUCA NORTE, 2017; CASTRO; ACEVEDO, 1998).
No caso de povos tradicionais que residem em unidades de conservação de uso
sustentável de domínio público11
, como a Floresta Nacional Saracá-Taquera, estes podem
obter a Cessão de Direito Real de Uso (CDRU) por meio do Contrato de Concessão de Direito
Real de Uso (CCDRU) realizado entre o ICMBio e as famílias residentes nessas áreas. O
CCDRU regulariza o uso da terra e o direito de moradia de acordo com o plano de uso,
podendo estabelecer um limite de tempo para esta posse e não permite a venda, apenas a
transmissão hereditária. Além disso, permite a inserção de políticas públicas que contribuirão
para o fortalecimento socioeconômico das comunidades tradicionais (E 17, 2018).
Contudo, as unidades de conservação de proteção integral federais, como a Reserva
Biológica do Rio Trombetas – também de domínio público – não possuem dispositivos legais
para regularizar o uso da terra e o direito de moradia nessas áreas.
Tipos de casas construídas pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
brasil que residem no TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
No que se refere aos tipos de casa construídas pelos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil que residem no TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último
Quilombo os resultados indicaram que, atualmente, a maior parte das casas construídas no TQ
Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo é do tipo palafita (FIGURA 09).
11
Propriedade exercida pelo Estado, que tem o domínio da terra, ou seja, as faculdades de gozar, usar, dispor e
reaver a propriedade.
127
Figura 09 – Casas na microrregião Alto Trombetas. À esquerda, casa construída em paredes e
assoalho de madeira na Comunidade Último Quilombo. À direita, casa construída com palha
retirada da floresta na Comunidade Última Quilombo, localizada na Reserva Biológica do Rio
Trombetas. Fonte: PICANÇO (2019).
As casas são construídas próximo às margens de rios, lagos e igarapés, possuindo uma
relação com os sistemas ecológicos aos quais estão integrados que extrapola o espaço que
circunda a casa e invade o espaço da floresta e dos corpos hídricos (FIGURA 10)
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
Figura 10 – Casa construída próxima a floresta no TQ Alto Trombetas 1. A casa está
praticamente inserida na floresta que a circunda, com destaque para as castanheiras, as
árvores de maior porte. Fonte: PICANÇO (2018).
128
Em torno da casa, no chamado quintal, cultivam-se as plantas de usos medicinais
(FIGURA 11) e criam-se galinhas, patos e porcos. Num outro círculo mais amplo
desenvolvem o cultivo de tubérculos, plantas frutíferas e verduras, constroem casas de
farinha, galinheiros e paióis para depositar a castanha ou outros produtos. As casas
apresentam áreas de quintais e roçados relativamente próximos (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2019; STCP, 2014).
Figura 11 – Quintais de casas na comunidade Último Quilombo, lago Erepecu, na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, no TQ Alto Trombetas 2, Oriximiná, Pará. À esquerda roça
próxima ao quintal da casa e à direita quintal com plantas ornamentais e medicinais. Fonte:
PICANÇO (2018)
Antes da criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas, segundo Castro e Acevedo
(1998), as casas dos quilombolas do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo
eram construídas com material extraído da floresta, como madeira e palha, dando um caráter
de provisoriedade, podendo permanecer uma de suas paredes laterais abertas ao vento
(CASTRO; ACEVEDO, 1998). Atualmente, os quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que coletam na Reserva Biológica do Rio Trombetas encontram
dificuldades para extrair madeira e palha de seus territórios, tanto os localizados no interior da
Reserva Biológica do Rio Trombetas, quanto os localizados no entorno imediato dessa
unidade de conservação, conforme informado pelo Entrevistado 14.
Porque naquelas alturas a gente podia lavrar uma madeira, partir um pau pra uma
estaca pra vender, tirava um cipó, tirava uma coisa pra tá vendendo [...] Aqui o
pessoal vive muito pra fazer madeira. Fazer essas coisas, vender peça, trabalha com
peça, mas não pode levar. E aí pra mim, eu enxergo que falta melhorar. [...] Olha, as
129
peças, você pode levar pronto. No caso levar um remo, levar um casco pra vender
pra Oriximiná, você pode levar, tudo já pronto. Agora, se você pegar uma ripa dessa
aqui... Agora, eu pergunto: porque? Não é a mesma madeira? (E 14, 2018)
Atividades produtivas e renda dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
brasil do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo
Os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem nas
comunidades do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo vivem de
agricultura e extrativismo (pesca, caça e produtos florestais não madeireiros – principalmente
da castanha-do-brasil. Tais atividades são influenciadas pelos períodos de cheias e secas dos
rios. No período chuvoso, denominado localmente de “inverno”, que vai de dezembro a maio,
os coletores tradicionais de castanha-do-brasil dedicam-se a coleta da castanha-do-brasil,
sendo que muitas famílias passam, então, a residir temporariamente nos castanhais. No
período de junho a novembro, após a coleta da castanha, os quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil dedicam-se ao trabalho intensivo na roça, uma das principais atividades
produtivas, e a mais permanente do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo.
No entanto, essa atividade não é exclusiva desse período, pois, concomitantemente ao
trabalho na roça, extraem-se produtos florestais e pratica-se a caça e a pesca, sendo que estas
últimas são praticadas durante o ano todo (OBSERVAÇAO SEMIESTRUTURADA,
2018/2019).
Neste contexto, os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
trabalham na produção de produtos, sejam eles provenientes do extrativismo ou da pequena
agricultura familiar e, posteriormente, vendem esses produtos, e com o dinheiro da venda,
adquirem o que não produzem, como roupas, instrumentos de trabalhos e produtos
alimentícios (OBSERVAÇAO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Desse modo, dentre as atividades produtivas realizadas pelos quilombolas é necessário
diferenciar quais são praticadas para o sustento e quais são praticadas para a obtenção da
renda. Os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil da microrregião Alto
Trombetas praticam a agricultura tanto para o próprio sustento quanto para a comercialização
e obtenção de renda, enquanto o extrativismo é mais praticado para o sustento, a exemplo da
caça, pesca e extração de produtos florestais não madeireiros, com exceção da coleta da
castanha-do-brasil, açaí – permitidos pelo ICMBio em áreas da Reserva Biológica do Rio
Trombetas – que são destinados para a comercialização (OBSERVAÇAO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
130
Dentre as atividades praticadas para o próprio sustento, a maior parte das famílias
quilombolas Edas, 95%, pratica a pesca, 87% praticam a agricultura e 81% praticam o
extrativismo (GRÁFICO 01). Esses dados evidenciam a dependência dos quilombolas aos
recursos do território aos quais estão vinculados, para os quais este é uma porção da natureza
e espaço que lhes fornece os meios de reprodução do modo de vida. Por isso, reivindicam a
garantia a todos, ou a uma parte de seus membros, direitos estáveis de acesso, controle ou uso
sobre a totalidade ou parte dos recursos naturais existentes nesses espaços (DIEGUES, 2001).
Gráfico 01 – Atividades produtivas praticadas para o sustento
87%
13%
Família pratica a agricultura?
Sim
Não
95%
5%
Família pratica a pesca?
Sim
Não
81%
19%
Família pratica o extrativismo?
Sim
Não
Fonte: ARQMO (2018)
Atualmente, no TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo somente são
permitidas, pelo ICMBio, a caça e a pesca de “subsistência” para fins de sustento, pois são
práticas consideradas tradicionais por esse órgão gestor, se constituindo em fontes de
proteínas que compõem a dieta alimentar dos quilombolas desde que estes se estabeleceram
no vale do rio Trombetas em meados do início do século XIX.
A pesca no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
A pesca nem sempre esteve restrita apenas ao sustento dos quilombolas do Território
Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo. Segundo Castro e
Acevedo (1998), no período compreendido de meados do século XIX até a implantação da
Reserva Biológica do Rio Trombetas, a pesca comercial foi muito importante no vale do rio
131
Trombetas, principalmente a pesca do pirarucu, que submetido ao processo de salga e
secagem ao sol, era muito consumido pelos negros nas longas viagens empreendidas nas
florestas, na travessia de cachoeiras e lagos, durante o trabalho nos castanhais, constituindo
ainda forma de renda monetária. Até a implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas
as “mantas de pirarucu seco”, denominadas de “postas” pelos quilombolas, figuravam como
um dos produtos mais importantes na economia regional, sendo sua venda realizada em
Oriximiná e Óbidos, ou comercializada diretamente com os regatões (CASTRO; ACEVEDO,
1998).
Apesar da pesca, principalmente a pesca do pirarucu, ter sido importante
comercialmente no TQ Alto Trombetas 1, atualmente, esta atividade não é realizada com fins
comerciais no TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo, pois tal modalidade
de pesca é proibida pelo ICMBio, tanto na Reserva Biológica do Rio Trombetas quanto na
Floresta Nacional Saracá-Taquera, sendo permitida somente a pesca para o sustento das
famílias que residem nos territórios da microrregião Alto Trombetas. A pesca como meio de
sustento é praticada por 95% dos quilombolas (Gráfico 01), sendo realizada durante o ano
todo, embora seja mais intensiva no período do “verão” amazônico quando os rios, igarapés,
paranás, furos e lagos estão com os seus níveis volumétricos muito baixos, o que contribui
para uma maior concentração de peixes em seus leitos, facilitando, assim, a atividade de
pesca.
As técnicas mais utilizadas na pesca foram desenvolvidas acumulando-se
conhecimentos tradicionais por várias gerações, destacando-se a pesca de caniço, de linha
comprida, de arpão, de zagaia, de malhadeira (menos usada), cujos utensílios são referidos
nos relatórios de viajantes desde fins do século XIX (ACEVEDO; CASTRO, 1998). Os
equipamentos utilizados na pesca são confeccionados pelos quilombolas, conforme as
condições naturais e a espécie a ser pescada. Dentre os principais petrechos de pesca
confeccionados pelos quilombolas podemos destacar: a malhadeira, o caniço e a zagaia.
A caça no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
A caça de animais silvestres, apesar de ser proibida por lei, é fonte de alimento para os
quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil do TQ Alto Trombetas 1, assim
como da comunidade Último Quilombo. Em 2006, por exemplo, na comunidade Último
Quilombo, a média mensal de indivíduos abatidos por família era de 5,8. “No que se refere à
quantidade registrou-se um número de 104 indivíduos caçados por mês na área de utilização
132
da comunidade” (MMA, 2006, p. 210). Nesse contexto, a caça é permitida pelo ICMBio, pois
essa prática é considerada tradicional e compõe a dieta alimentar dos quilombolas desde que
estes se estabeleceram no vale do rio Trombetas em meados do início do século XIX. Dentre
os animais silvestres mais utilizados na alimentação quilombola se destacam: pacas, cutias,
veados, porcos do mato, macacos, jabutis, a tartaruga-da-amazônia e outros quelônios.
Segundo Acevedo e Castro (1998), nos discursos dos quilombolas da microrregião Alto
Trombetas:
“são constantes as referências sobre a tartaruga-da-amazônia e o papel que esta
ocupou como alimento preferencial do grupo. Povoa sua memória e remete ao modo
de vida construído pelos antigos, para os quais seu consumo representava elementos
simbólicos nos ritos e celebrações da vida social. Compondo o campo mítico e
político nas expressões sobre os animais do rio, o escavador das lembranças remete
às interações mantidas com a natureza, quando participavam das virações das
tartarugas-da-amazônia no tempo de desova. Consideram essa interferência dos
antigos na reprodução da espécie como uma forma equilibrada de manejo somente
possível pela observação permanente sobre o seu ciclo de vida. Essa prática corrente
na Amazônia, provavelmente, foi assimilada da cultura indígena. "De 1885 a 1894
entravam oficialmente em Belém 123 toneladas de manteiga oriunda de ovos de
tartaruga-da-amazônia" (Ciências Hoje, Vol. 9, nº. 46, 1989). Esse quelônio
abasteceu de proteínas várias gerações no vale do rio Trombetas, tendo sido
acumulado conhecimentos sobre seu hábitat e formas de manejo tradicional
(ACEVEDO; CASTRO, 1998).
Contudo, segundo o Cumbuca Norte (2017), a importância da caça como fonte de
alimento parece ter decaído diante das restrições de uso das áreas sob a gestão da Reserva
Biológica do Rio Trombetas e da Floresta Nacional Saracá-Taquera, devido, principalmente a
presença vigilante do ICMBio e das penalidades aplicadas a quem transgride as leis
ambientais.
É importante ressaltar que a denominada “caça de subsistência” não encontra amparo
na legislação vigente, sendo que a Lei nº 9.985 de 18 de julho 2000 (SNUC), por exemplo,
apenas prevê a realização de estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico
sustentável de recursos faunísticos nas Reservas de Fauna. No entanto, até o momento atual
nenhuma unidade de conservação desta categoria de manejo foi criada no Brasil (FONSECA
et al., 2017).
Além disso, o SNUC também estabelece que as unidades de conservação de uso
sustentável – tais como Resex, RDS e subsidiariamente as Flonas – têm como um dos
objetivos assegurar os modos de vida tradicionais e o acesso ao uso de recursos naturais pelas
famílias que nelas vivem. E não há como dissociar o uso dos recursos naturais e a manutenção
dos modos de vida tradicionais da atividade de caça, tendo em vista que a chegada do homem,
133
como no caso da Amazônia, se confunde às atividades mais basais de sustento e obtenção de
proteína animal, o que obviamente incluem a caça e a pesca (FONSECA et al., 2017).
Por não tratar especificamente destes temas em seu conteúdo, a Lei nº 9.985 de julho
de 2000 (SNUC) demanda naturalmente novos subsídios legais que a complementem,
tratando especificamente das atividades que impliquem no uso da fauna e promovam o seu
manejo adequado e em bases sustentáveis. Nas unidades de conservação de proteção integral,
nas quais a permanência dos povos tradicionais não é permitida, porém há povos tradicionais
residindo, como é o caso da Reserva Biológica do Rio Trombetas, é necessário oferecer as
mínimas condições para que esses povos mantenham os seus modos de vida tradicionais, o
que inclui a caça e a pesca, atividades mais basais de sustento e obtenção de proteína animal
para os quilombolas do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo (FONSECA
et al., 2017).
Práticas agrícolas no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade Último
Quilombo
No TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo, a agricultura familiar é
praticada nas roças (FIGURA 12), uma das principais atividades produtivas e a mais
permanente no calendário anual agroextrativo do TQ Alto Trombetas 1. Segundo Garcia Jr.
(1983, p. 111) a roça:
é o produto do trabalho coletivo da família, (...). É no roçado que a família se
materializa enquanto unidade de produção. É através dele que a família obtém os
meios necessários para se reproduzir. O produto do roçado serve para abastecer a
casa direta ou indiretamente (GARCIA JR., 1983, p. 111).
Assim, além de atender as necessidades familiares dos quilombolas, a roça também
produz para a comercialização intracomunitária e também na Feira Comunitária, em Porto
Trombetas e na cidade de Oriximiná, conforme informado pelos Entrevistados E 12, 2018:
“ [Roças] só faz pro consumo, não faz, assim, pra dizer, vai comerciar, é só pro
consumo. Pra comerciá, fica difícil já. Não tem mercado. A terra aqui, praticamente
desde a beira da casa é boa. Tudo que você planta tem, mas o mercado que é difícil.
Aqui não adianta uma dizer: a minha é diferente, que é difícil. Quase todas, as
comunidades mais complicadas é aquelas que moram lá dentro da REBio, da
Reserva mesmo, aí elas já tem mais complicação. Só pro sustento. Aqui não tem
outra coisa pra dizer, não, eu vou fazer isso aqui que... Só a castanha... Aqui mais
próximo tem uma comunidade que eles já façam, assim, roçado pra comercializar,
mas assim, comercializar não. Eles vendem uma farinha, eles vendem até aqui pra
nós. E, às vezes, eles levam pra cidade alguns sacozinhos. É, ali no Mãe-Cué, onde
134
vocês vão, eles já façam uma farinha pra..., assim, não é comercializar, é pra
desenrascar algumas pessoas. Tem o limite de tipo de roçado, dá pra fazer, não
tem... [...]. Pode plantar o que quiser, menos campo que não tá sendo liberado pra
plantar campo, pra gente passar com gado pra cá” (E 12, 2018).
Figura 12 – Roças na microrregião Alto Trombetas. À esquerda roça na comunidade Último
Quilombo, no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. À direita roça na
comunidade do Abuí, TQ Alto Trombetas 1, com destaque para as castanheiras no meio do
roça, única árvore que não é derrubada durante a fase do roçado. Nas duas figuras é possível
observar o cultivo de mandioca, que ocupa a maior parte da roça, assim como também
alguns pés de abacaxi. O trabalho na roça é realizado durante o ano todo, com exceção do
período da coleta da castanha, no qual os quilombolas se dedicam exclusivamente a coleta
desse produto. Fonte: PICANÇO (2018)
No TQ Alto Trombetas 1, os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
decidem, juntamente com a comunidade, os tamanhos das roças, de acordo com as
necessidades das famílias. Por outro lado, na comunidade Último Quilombo, que está
sobreposta a Reserva Biológica do Rio Trombetas, os quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil possuem autorização do ICMBio para cultivar até 01 hectare de roça, o que
equivale a uma quadra, medida agrária utilizada pelos quilombolas da microrregião Alto
Trombetas. A maior parte da quadra é destinada ao cultivo da mandioca, principal cultura
cultivada na roça, sendo utilizada, principalmente, na produção de farinha de mandioca ou
farinha d’água, farinha de tapioca e beijus. Além da mandioca, os principais produtos
cultivados pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil são: macaxeira,
banana, abacaxi, cará, batata-doce, jerimum e outros. Tais produtos são cultivados tanto para
o próprio consumo como para a comercialização, conforme informado pelos Entrevistados 03,
04, 05, 06, 08, 09, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 25, 26 e 27:
É uma fonte de renda, né? Antigamente, a gente tinha roça, o meu marido tinha roça.
Nós tinha muita roça, até bananal nós tinha, cana, Hoje, em dia, como tô lhe
dizendo, por causa de fatalidade da minha vista. A gente tem, a gente faz os roçados,
mas não é os roçados tão grandes, até mesmo por causa do ICMBio, né. De uma
135
quadra que eles liberam, mas no momento nos fizemos com o meu esposo um
roçado, a gente fez um bananal, plantou uma roça, só que essa terra do Erepecu,
aqui, ela não é uma terra muito boa, assim, pra mandioca, ela apodrece muito a terra.
E também pra você acertar assim, numa ponta, que não tenha castanhal é difícil,
porque aqui é castanhal. Pra todo lado tem castanheira aqui, pra você achar é meio.
Então pra você achar uma área limpa, que não tenha castanheira é meio difícil. Isso
aqui porque é uma capoeira. Aqui, ela é uma terra preta. É uma ponta aqui, ela não é
uma ilha, ela é uma ponta, é um bico de ponta. E aí isso aqui é uma capoeira. Isso
aqui todo ano a gente faz melancial aí. Olha, mas cerra desconforme aqui, terra
preta, que cê olha isso aqui parece que nunca foi roçado. A capoeira que taí. Aí todo
ano a gente roça. Desde quando eu morava com meu pai ele fazia roçado aqui pra
plantar melancia. Aí depois que eu casei, que eu arrumei marido, continuei aqui, não
saí, aí a gente faz com meu esposo, todo ano a gente faz melancia aí. Roçado pra
melancia. É, aqui, a gente planta só melancia aqui. Não, horta a gente nunca teve.
Este ano que a gente ta planejando, ele ate disse que de tudo certo, nós vamos fazer
uma horta. A gente tá planejando porque... Fazer, mesmo que só plantar, né, se é pra
gente tá só comprando. Eu tenho umas plantinhas por aí medicinais, de remédio.
Fazer chá caserio, eu tenho umas plantinhas aí. Eu tenho paregórico ali, eu tenho
anador pra li, bem perto daquela planta, que aquela flor, aquilo é anador” (E 25,
2018).
(...)
[...] “"Nós faz a roça, faz a farinha, planta banana, macaxeira. Só pro consumo
próprio. Somente pra isso” (E 03, 2018).
(...)
“Uma época dessa [mês de agosto] é mandioca, farinha” (E 04, 2018).
(...)
[...] “negócio de roça [...] Pra mim é todos dois juntos (risos). Porque as vez quando
eu tenho que ir pra roça, eu tenho que pedir pra alguém ficar no meu lugar pra mim
poder trabalhar, né? Às vezes, plantar, ou fazer a farinha. Aí, mas lá na escola tem
que ter um” (E 05, 2018).
(...)
“Olha, é a farinha... eu faço roçado” (E 06).
(...)
“Cara, ela não foge quase nada dos outros. Nós aqui, posso até dizer assim, nós, que
a maioria da comunidade, eles vivem da questão da agricultura” (E 08).
(...)
“Agricultura o ano todo” (E 09).
(...)
“A gente trabalha com cultura, com negócio de roça, mas é mais pra consumo.
Assim, no período logo que a gente chega é mais difícil. Só que eu vim pra cá com a
minha tia que, como dizer, que agora eu considero como mãe. E aí nesse período eu
não ainda não tinha essa parte do consumo” (E 10, 2018).
(...)
“Olha, na época é a castanha. É roçado, tirar a castanha... O principal mesmo é a
castanha e o roçado” (E 13, 2018)
(...)
“O melhor que a gente tira é a castanha [...] Aqui a gente veve de mandioca, de
madeira, de produ... desse negócio de produção de castanha, copaíba. Tudo isso, a
copaíba, porque o pessoal eles estão se utilizando muito e tenham precisão. Aí, eles
estão, até já um bocado param de tá se arriscando, pescando, como eles [ICMBio]
chamam de roubo. Se é roubar, muitos já deixaram pra tirar copaíba, mas,
infelizmente pra Reserva não pode entrar. Só liberam pra castanha” (E 14, 2018).
(...)
“Mais agricultura né” [...] (E 15, 2018).
(...)
“Porque eu volto a dizer a nossa tradição, ela nos segura, ela nos restringe, né. Aí
você diz: mas explica isso melhor. Nós moramos pra cá. Somos acostumados pescar,
a pegar algo pra se alimentar, mas não somos acostumados em fazer roçado grande
como eu falei aqui anteriormente, e coletar grandes produtos e levar pra vender na
Feirinha” (E 16, 2018).
136
(...)
“Tem pessoas que produz banana, macaxeira, farinha. [...] Olha, tu faz uma roça,
primeiro ano deu, outro ano ela apodrece. Aí, a pessoa faz a banana, só que nem
todos tem banana hoje, e nem todos tem roça hoje. O que acontece... os que tem
roça, mas é pouca. [...] Quando a gente planta na roça, a gente planta maxixe,
banana macaxeira mandioca mesmo tudo isso, a gente planta também aqui perto da
casa se for ver tem a macaxeira tem uma banana, mas não é roça. [...] Sobre a
agricultura só a castanha e a farinha que pode ser comercializado” (E 17, 2018)
(...)
“A gente tem essa cultura que a gente mantem aqui dentro da nossa comunidade
quilombola. A gente também mexe com roças. Muitos dos moradores aqui tem seu
bananal, tem sua mandioca. Outro mexe seu roçado só com a banana e assim a gente
também, eu também tenho até fica aqui no canto dessa cabeceira, aqui que ele sabe.
Então, eu tô mexendo hoje em dia, já mexi e vou continuar agora se Deus quiser a
partir de dezembro como eu tô lhe falando se eu tiver aqui, né?, mas agente mexe
com roça, com mandioca, abacaxi também. É cana, outro tipo de plantação, cupu.
Tudo isso a gente planta aqui também no nosso trabalho” (E 18, 2018).
(...)
“Sobre a questão de roça a gente planta aqui é a maniva pra fazer a farinha mesmo
né? Farinha, banana, macaxeira” (E 19, 2019).
(...)
“Só mesmo um beiju, farinha de macaxeira... [...] Castanha, mandioca, macaxeira,
melancia, abacaxi, banana. [...] O Marcelo liberou [a coleta do açaí], não sei se ela
vai liberar [nova gestora da RBRT]” (21, 2019).
(...)
“A gente tem uma rocinha no nosso terreno. A gente planta mandioca, macaxeira,
abacaxi, laranjeira, coqueiro, coco tem lá. As planta caseira medicinais já não tem
muito” (E 26, 2019).
(...)
“Nascemos e se criamo trabalhando em roça e tirando castanha. [...]” (E 27, 2019).
A roça é muito importante na produção dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil, tanto que há caso de quilombola que mantem a roça na comunidade de
onde é oriundo, mesmo trabalhando na MRN, conforme informado pelo Entrevistado 27,
2019:
“Olha, no Moura ainda tem bastante gente que trabalha em agricultura ainda. Tenho
um sobrinho que ele trabalha na empresa [MRN], mas quando é na época do verão,
de botar roçado, ele não pode, mas ele paga pra fazer. Quando é no tempo da
planta... “(E 27,2019).
Extrativismo de produtos florestais não-madeireiros no Território Quilombola Alto Trombetas
1 e na comunidade Último Quilombo
Dentre os principais produtos provenientes do trabalho de coleta nas florestas do TQ
Alto Trombetas 1, se destacam o açaí, a castanha-do-brasil, a bacaba e as chamadas plantas
medicinais bacaba, plantas medicinais, palhas, cipós, breu, cumaru, sementes, copaíba, mel,
andiroba, leite de amapá etc. (GRÁFICO 02).
137
Gráfico 02 – Principais produtos provenientes do trabalho de coleta do TQ Alto Trombetas 1
11%11%
22%25%
28%29%29%
31%34%
47%62%
67%73%74%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
Outros
Andiroba
Copaíba
Cumaru
Cipós
Plantas medicianis
Castanha
Quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
Pro
du
tos d
o t
rab
alh
o d
e c
ole
ta
Fonte: ARQMO (2018)
Contudo, dentre esses produtos coletados na Reserva Biológica do Rio Trombetas
somente é autorizada a coleta, para fins de comercialização, da castanha-do-brasil e do açaí. A
coleta da castanha-do-brasil pelos coletores tradicionais de castanha-do-brasil na Reserva
Biológica do Rio Trombetas e nas áreas a montante dessa unidade de conservação é
autorizada por meio de Termo de Compromisso firmado entre o ICMBio e as associações
representativas das comunidades remanescentes de quilombos, enquanto a coleta do açaí para
a comercialização é autorizada por meio de acordos informais. A coleta dos outros produtos
somente é autorizada pelo ICMBio para as finalidades de sustento dos quilombolas que
residem nessas comunidades, sendo autorizadas por meio de acordos informais realizados
entre as associações representativas dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
brasil e o ICMBio (INFORMAÇÕES VERBAIS, 2019).
Dentre as atividades extrativistas, a coleta de castanha-do-brasil foi indicada na
pesquisa de campo do ECQ (Cumbuca Norte, 2017) como a principal fonte de renda, além de
ser uma tradição local que envolve famílias inteiras que chegam a passar em torno de quatro
meses por ano nos castanhais.
Em relação ao extrativismo de produtos florestais (Gráfico 106), observou-se que
88% dos comunitários que responderam à questão, coletam castanha. Foi verificado
nessa comunidade um percentual de 28% para o óleo de copaíba e 28% para o Açaí.
A seguir observam-se os cipós com 4% e o Breu com 4% e o óleo de Andiroba
também com 6,7%. O açaí aparece com 4,4% da preferência e o Ubim com 2,2%.
(MMA, 2006, p. 209).
A extração do óleo de castanha é uma prática que tem resistido ao tempo na
138
comunidade. Além da castanha-do-pará, outros gêneros florestais são extraídos para uso
próprio e comercialização: madeiras, cascas, resinas, óleos, sementes, palhas, cipós, talas e
frutos diversos para alimentação.
A divisão social do trabalho no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade
Último Quilombo
No que se refere a divisão social do trabalho por sexo e idade, os resultados indicaram
que os homens da unidade familiar e do grupo familiar, geralmente, se dedicam as atividades
de caça, pesca, derrubada, plantio e limpeza dos roçados, confecção de instrumentos de
trabalho, mas observou-se que não há exclusividade masculina no desenvolvimento dessas
atividades. A atividade de caça é tarefa reservada aos homens, enquanto a pesca, apesar de ser
mais praticada pelos homens, na ausência destes, as mulheres também a praticam, ou ainda,
assim como as crianças, auxiliam na realização dessa atividade.
As atividades de extrativismo vegetal também estão perpassadas por uma divisão do
trabalho entre homens e mulheres. Os homens são responsáveis pela coleta dos produtos nas
florestas, mas esta não é uma atividade exclusiva destes. A extração de copaíba, por exemplo,
é realizada por homens, pois o coletor precisa percorrer extensas áreas na floresta, chegando a
se ausentar do local de moradia por até dois dias. Já a coleta da castanha-do-brasil é realizada
pela unidade familiar, onde homens, mulheres e crianças, estas, geralmente, a partir dos onze
anos de idade, coletam castanha. As mulheres jovens e adultas e as crianças, geralmente
coletam nos castanhais mais próximos do seu lugar de moradia, enquanto os homens jovens e
adultos coletam nos castanhais mais distantes, conforme informado pelos Entrevistados E19,
E20, E21, E25, E27:
“Aqui mulheres coleta também, homem e mulher coleta castanha. Tem mulher que
coleta mais do que homem ainda. Tem umas aí que são piores do que os homens
para tirar a castanha” (E 19, 2019).
“Aqui as mulheres também coleta Castanha. [...] As mulherada que vão lavar. Não, é
eu que vou limpar é eles lá que vão lavar. Gera emprego pra outras pessoas. Quando
não vêm uma sócia, aí entra outra sócia, né. Foi assim que minha irmã entrou nela, a
sócia não veio e ela entrou” (E 20, 2019).
“Tem, os homens montam, organizam, no caso, as mesas aí para a gente e eles vão
buscar para nós lá na floresta e as mulheres ficam lavando enquanto eles vão buscar
nós estamos arrumando beneficiando ela. Quando eles chegam, a gente toma conta,
lava, limpa, enxuga, ensaca. Então, a tarefa dos homens mais é no mato e na
organização da mesa de que a gente vai usar né? Algumas coletavam castanha,
coletoras né? Até hoje a gente coleta, mas a gente já fica mais em casa porque já fica
o trabalho dividido, mas a gente ainda vai lá” (E 21, 2019).
“[A senhora coleta castanha?] Olha, eu mesmo, algumas vezes que eu vou com meu
esposo, mas não coleto assim direto, mais é ele, meu filho mais velho. Mas eu vou
sempre, quando dá. Às vezes eu vou, não é todo dia que eu vou. O meu menino mais
139
velho, ele ajuda o pai dele trabalhar”(E 25, 2019).
“Mas, eu não parava. Pescar, então. Quando eu vinha da coleta da castanha, eu já
vinha com o peixe. [Aqui no Último Quilombo, as mulheres pescam?] Pescam,
coletam. Eu amontava castanha bem aqui, embaixo desse cajueiro. Teve uma vez
que o Badu quebrou onze caixas e meia. Aí depois eu ajuntei mais, ele carregava lá
da canoa pra mim. Eu disse, esse monte aqui é pra eu tirar óleo. Eu tirei doze litros
de óleo, mas era muito bonito. Eu vendi no barco indo pra Oriximiná e o resto eu
vendi em Oriximiná que era encomenda. Naquela época era 15 reais [vendeu nos
barcos de linha]. Um óleo muito lindo. É muito gostoso, natural. Não fazem mais. A
gente descasca, rala ela, coa ela, deixa pro outro dia, aí amanhece aquela nata por
cima assim. Aí, o óleo chega tá boiando, assim, aí a gente tira tudinho, botando na
panela que vai fritar. Quando terminar, bota pra fritar, quando ele tá apurando ele vai
ficando vermelho. [Muita gente fazia isso?] Todo mundo. Ninguém comprava óleo.
Eu vim comprar óleo depois que eu fiquei mesmo mau da coluna, que eu não pude
mais fazer, mas eu não comprava, lavava pras minhas filhas, mandava pra Manaus,
pra minha mãe, pra minha irmã. [Quanto a divisão do trabalho na roça, o que o
homem faz e o que a mulher faz?] Olha quando a gente tá plantando, o homem vai
cavando, a mulher vai semeando a maniva. Aí depois, ele terminar de cavar, ele veio
ajudar a mulher plantar. Na colheita ele arranca, como eu não posso mais arrancar
né? Aí eu vou decotando, tirando a mandioca da cepa. [A etapa de derrubada do
roçado é atividade exclusiva dos homens]”(E 27, 2019).
Mas é na organização do trabalho da roça que a divisão de tarefas entre homens e
mulheres é mais visível. Embora seja importante na maximização e na economia de esforços,
essa divisão traduz outro elemento funcional ao seu modo de vida: a integração de todos os
membros da família na sua auto reprodução. Uma vez que a preparação do roçado é
estritamente atividade masculina, o trabalho familiar se estende pelas fases de plantio, capina
e colheita. Esta última não corresponde a um período particular, mas alonga-se por todo o
ano, pois raízes, cereais e mesmo frutas são colhidos de acordo com as necessidades de
sustento, em pequenas quantidades.
Segundo Castro e Acevedo (1998), na década de 1990, a técnica do “puxirum” era
muito utilizada pelos quilombolas da microrregião Alto Trombetas, principalmente nos
trabalhos de preparação da roça. Contudo, com base em pesquisas realizadas mais
recentemente, como os estudos realizados por Scaramuzzi (2016) e Farias Júnior (2016), é
possível inferir que a prática do “puxirum”, atualmente, quase não é mais utilizada, pois esses
autores não tratam sobre o “puxirum” nas suas etnografias sobre os quilombolas castanheiros
tradicionais da microrregião Alto Trombetas.
Atualmente, apesar dos grupos familiares quilombolas ainda manterem o seu modo
de produção baseado na organização do trabalho familiar, as práticas coletivas e cooperativas
de ajuda mútua, a nível comunitário e intercomunitário, como o “puxirum”, por exemplo, são
pouco utilizadas.
Além disso, muitos estudos, como o Estudo do Componente Quilombola (Cumbuca
Norte, 2017) tratam “puxirum” e mutirão como sinônimos, mas na verdade são termos que
140
possuem significados diferentes, pelo menos para os quilombolas das áreas pesquisas neste
estudo de caso. O “puxirum” é uma técnica de organização do trabalho muito utilizada entre
os povos tradicionais amazônicos para as suas produções, onde se tem a divisão de tarefas
entre os membros da comunidade – no caso da Reserva Biológica do Rio Trombetas entre os
membros do grupo familiar, da comunidade ou de várias comunidades – buscando-se a
maximização e a economia de esforços na execução das tarefas, principalmente, na
preparação da roça que possui quatro fases principais: a derrubada, o plantio, a capina e a
colheita, ou em outros termos, acesso ao recurso natural, estratégia, domínio das técnicas,
trabalho territorializado, geralmente com penosidade devido aos instrumentos técnicos serem
rústicos e limitados e baixa capacidade de gerenciamento de capital e de agregar valor para
aumento de renda assim como, capacidade de gerar renda, mas baixa capacidade de
territorializar a renda em forma de melhorias socioeconômicas e técnicas entre outros. Já o
mutirão, termo inserido nas comunidades quilombolas pela Igreja Católica, é utilizado na
realização de trabalhos coletivos relacionados, principalmente, aos equipamentos públicos da
comunidade, como consertos e reparos da capela, do barracão de festas, além dos trabalhos
relacionados às festas de santo comunitárias, como podemos observar no trecho da E 25:
“Olha, sobre “puxirum”, agora chamam de mutirão. Antes, era “puxirum” mesmo,
agora chamam mais de mutirão. A gente faz o mutirão sim, faz no templo da
comunidade, faz na comunidade, todo mundo se reúne vai pra lá. Na Igreja também
tem o dia do mutirão, a gente se reúne” (E 25, 2019).
Confirmamos, por meio dos dados coletados em pesquisa de campo (Entrevistas e
observação), que, atualmente, os quilombolas castanheiros tradicionais, raramente, utilizam o
“puxirum”, conforme informado pelos Entrevistados 19, 20, 21, 23, 24, 25, 27, 27:
“A questão do puxirum para falar a verdade aqui, às vezes, tem um puxirumzinho.
Ainda existe de vez em quando existe, é mais pra roça, não acabou ainda” (E 19,
2019).
(...)
“Aqui o puxirum, né, aqui pra nós aqui, a gente aqui de casa não faz, mais é difícil
também os outros chamarem. Só assim quando é amigo né, a gente ajuda quando é
parente, mas não é como era antes” (E 20, 2019).
(...)
“[E sobre o puxirum?] Ainda tem, pouco, mas a gente faz. É nosso costume” (E 21,
2019).
(...)
“[A questão dos puxiruns?] Tudo isso acabou, né, mas se reunia muita gente. E hoje
vai um, dois. Vai acabando aquela união: (E 23, 2019).
(...)
“[Puxirum ainda existe?] Não. Hoje em dia é na diária, na empleita, tu faz teu
roçado. Deixa eu dizer uma coisa pro senhor, a maioria dos quais gostavam de
trabalhar já estão velho, a maioria já estão idoso. Olha, esse aqui não pode mais
141
trabalhar. O Pindoba ainda anda mas tem problema de coluna. O Raimundo Açúcar
também tem problema de coluna, uns já morreram, o avô dele [do guia de campo],
sempre a gente fazia, né. Seu Armando também já morreu, Civico. A turma nova,
uns trabalham na escola, os que não trabalham não fazem. É assim. O jovem não faz
mais a roça. Ele reclama do preço da farinha, mas não faz mais a roça. Porque
antigamente era o seguinte, no tempo do meu pai não tinha escola, eles tinham que
fazer aquilo, eram abrigados a fazer. Tinham que trabalhar. Moram aqui mesmo,
viver da agricultura porque é o jeito. Aí os filhos já tem outra visão, não querem
mais trabalhar na roça, não querem mais morar no interior, aí vai... Pai do seu
Edilson: No ano que eu abri esse terreno aqui, nós formemo esse grupo de puxirum,
aí nós era 14, aí o meu foi o de último, aí eu comecei ajudar o pessoal aí, comecei
ajudar, comecei ajudar. Quando foi no dia do meu, mandei a mulher molhar um
quilo de feijão aí pro almoço, aí amanheceu o dia cedo, só veio o avô dele
perguntando. Esperemo, deu sete hora, nada, oito hora, nada. Umbora só nós dois
mesmo. Até hoje estão me devendo esse dia. Ninguém, só o Fulano veio me ajudar”
(E 24, 2019).
(...)
“[Sobre puxirum, ainda fazem?] Olha, sobre puxirum, agora chamam de mutirão.
Antes, era puxirum mesmo, agora chamam mais de mutirão. A gente faz o mutirão
sim, faz no templo da comunidade, faz na comunidade, todo mundo se reúne vai pra
lá. Na Igreja também tem o dia do mutirão, a gente se reúne” (E 25, 2019).
(...)
“Os puxirum já não tem muito. Nós mesmo fizemos um ano passado. Nós, com meu
marido, fizemos lá. O pai dele... fizemos lá quando a gente convida se eles vão
ajudar a fazer um puxirum, mas não existe muito mais. Lá para onde eu morava
tinha muito esse negócio de puxirum“(E 26, 2019).
(...)
“ [Questão de puxirum?] Isso aí também já não existe. Que é uma coisa que quando
nós trabalhava era assim: marcava, quando era no dia, Virgem Maria, era muita
gente. Era panelada de manicuera, era beiju, era farinha tapioca, era beiju pé-de-
moleque. Três tipos de beiju, pé-de-moleque, beiju-cica, o beiju que a gente chama
beiju-seco. Todos com castanha, que a gente guardava castanha do inverno, o verão
todinho pra fazer beiju. Hoje, nada disso mais tem. E era todo mundo trabalhando na
maior alegria. Quer ver quando era da planta. A gente vinha do roçado todo de cara
preta de tisna, que às vez tava descuidado, os atentado passava bem na tisna do pau
queimado, a gente tava descuidado, vinha por lá por trás, ensaboava. Aquilo tudo era
maior alegria” (E 27, 2019).
Analisando as falas dos Entrevistados 19, 20, 21, 23, 24, 25, 27, 27, concluímos que,
atualmente, é mais utilizada a remuneração da força do trabalho por meio de “diárias”, onde
as pessoas “contratadas” recebem uma quantia em dinheiro de acordo com o que foi
combinado com o “contratante”. Esse sistema baseado na utilização do dinheiro como
remuneração da força de trabalho vem substituindo, aos poucos, a técnica do “puxirum”.
Depreende-se que essas novas relações de trabalho desestruturaram as antigas técnicas de
organização de trabalho que eram praticadas nas comunidades quilombolas (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2019).
Castro e Acevedo (1998), geralmente, o “puxirum” era mais realizado na fase da
derrubada do roçado porque essa etapa exige maior intensidade de trabalho. A derrubada (ou
roçado) é feita somente por homens, onde as práticas apoiam-se no trabalho familiar e na
participação dos vários grupos familiares acordados no contrato de colaboração, no qual não
142
há remuneração da força de trabalho ou parceria, mas é regido por um sistema que organiza a
troca de tempos de trabalho relativamente iguais para tarefas semelhantes e socialmente
necessárias. Somente por exceção e segundo acordos prévios deixaria de corresponder a
tarefas iguais, a exemplo de um trabalhador que trocaria o trabalho de derrubada da roça pela
busca de alimentos (pesca ou caça) para suprir o grupo durante a realização do “puxirum”.
Nessa perspectiva, as mulheres também participam do “puxirum”, encarregadas da
preparação de alimentos. Durante a pesquisa de campo os mais velhos relataram que nos
puxiruns havia, inclusive, o chamado “garçom”, pessoa responsável por servir o tarubá, uma
bebida fermentada produzida da raiz de mandioca, considerada por muitos como energética,
entretanto, não deve ser consumida em excesso, pois pode causar embriaguez, como uma
bebida alcoólica (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2019).
Na organização do “puxirum” cada família prepara sua roça com auxílio de
convidados (cerca de quinze homens realizam a derrubada e um número acordado de famílias
para a fase de plantio), comprometendo-se a retribuir o tempo de trabalho incorporado em seu
próprio roçado, participando da fase de derrubada dos demais. Os quilombolas explicam essa
relação como uma troca de dias. Um sistema de regras instituídas nos costumes desempenha a
função de controle dos compromissos assumidos na troca de tempo de trabalho, garantindo
eficiência na reprodução dessa modalidade de organização. Tal procedimento dá uma
mobilidade aos trabalhadores, deslocando-os pelos roçados das famílias na fase de execução
de tarefas mais demoradas e penosas (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2019).
As mulheres, além de realizarem basicamente os afazeres domésticos, que incluem o cuidado
com as crianças e a confecção de utensílios, também desempenham atividades importantes, como a
pesca e a coleta da castanha em castanhais próximos a residência ou próximos ao barraco do
castanheiro. Também auxiliam no plantio e limpeza das roças, limpeza do quintal que circunda a
residência, onde cultivam plantas frutíferas, plantas medicinais e hortaliças. Apesar dessas divisões
nas tarefas, observou-se que não há uma divisão rígida de papéis na produção entre trabalho masculino
e trabalho feminino, mas há complementações na realização das tarefas estabelecidas entre homens e
mulheres. As crianças também têm papel definido ao ajudar os pais em certas tarefas, participando de
momentos de aprendizagem da cultura do grupo, como, por exemplo, pescar, tratar o peixe, fazer
comida, sempre sob a supervisão do pai, da mãe ou de um adulto da família. Também acompanham os
pais em atividades da roça e de coleta da castanha, o que resulta em práticas que asseguram a
socialização e a aprendizagem dos processos produtivos pelas novas gerações (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2019).
143
A renda dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil do Território
Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo
Ao se tratar de “renda”, é preciso entender que no cotidiano dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade Último
Quilombo, a renda das famílias é um complemento do sustento. O sustento advém dos
produtos da pequena agricultura familiar e do extrativismo (caça, pesca e coleta de PFNMs),
conforme informado pelo Entrevistado 21.
“[Origem da renda?] Às vezes a gente vende uma banana, quando não agente vende
um *****, falar a verdade logo. E assim a gente vai vivendo, a gente não tem um
ganho, assim, um benefício. Se a gente tivesse um projeto pro cumaru, açaí...” (E 21,
2019).
A renda é o dinheiro adquirido pelo quilombola castanheiro tradicional – seja por meio
do trabalho, venda de seus produtos, seja por meio de programas sociais de transferências de
renda do governo federal, onde todo o dinheiro obtido pelos quilombolas é utilizado para
comprar o que não produzem, como gêneros alimentícios industrializados, roupas, utensílios
domésticos, gasolina, óleo diesel, gerador de energia elétrica movido a gasolina ou a diesel,
rabetas e pequenos barcos a motor, etc. Nesse sentido, na microrregião Alto Trombetas a
maioria das famílias, 88%, possui renda menor que 01 salário mínimo, com exceção de
aposentados e funcionários públicos municipais (11%) que possuem renda entre 01 e 02
salários, sendo que apenas 1% possuem renda maior que 02 salários mínimos (ARQMO,
2018). Nitidamente, uma renda territorial, visto que é na lógica do modo de vida
territorializado que é sua fonte. É a mesma lógica de uso, ou gasto, para satisfação das
necessidades materiais e simbólicas.
Com a implantação da MRN na microrregião Alto Trombetas, a renda das famílias
quilombolas do TQ Alto Trombetas 1, que antes dependia exclusivamente da venda dos
produtos do trabalho baseado em práticas agroextrativistas, também passou a depender de
serviços prestados para a MRN, seja como trabalhadores assalariados, seja por meio de
serviços terceirizados realizados por meio de cooperativas, como a Cooperboa, Cooperbarcos
e Coopermoura, seja como autônomos ou diaristas (faxineiras, arrumadeiras, lavadeiras,
passadeiras, jardineiros, etc.) na Vila de Porto Trombetas. Muitos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil, principalmente os moradores das comunidades mais
próximas de Porto Trombetas, como Moura e Boa Vista, possuem uma estreita relação de
144
trabalho com a companytown Porto Trombetas, principalmente, por meio das cooperativas
Cooperboa, Cooperbarcos e Coopermoura, o que tem desestruturado seus modos de vida
como agroextrativistas por meio de relações espoliadoras (ALCANTARA, 2014). Contudo,
essas novas relações de trabalho inseridas pela MRN não se limitam apenas as comunidades
Boa Vista e Moura, pois quilombolas de outras comunidades também foram inseridos nessa
nova configuração social como trabalhadores assalariados ou prestadores de serviços
terceirizados (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURA, 2018).
A criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas, em 1979, também influenciou na
renda das famílias quilombolas do TQ Alto Trombetas 1, uma vez que impediu as práticas
agroextrativistas (agricultura, pesca, caça, extração de produtos florestais madeireiros e não
madeireiros) que eram a principal fonte de renda dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil do TQ Alto Trombetas (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURA, 2018).
Nos dias atuais, 60% dos moradores do TQ Alto Trombetas 1 possui a renda
proveniente da pequena agricultura familiar, mas também de programas sociais do Governo
Federal (22%) (GRÁFICO 03), de aposentadorias e pensões (17%), do funcionalismo público
municipal (17%), do extrativismo (8%), da pesca (6%), de trabalhos autônomos (6%), além
dos que que trabalham com carteira assinada (9%), sendo que nestes estão inclusos os que
trabalham na MRN ou nas empresas terceirizadas, e outros que prestam serviços na vila de
Porto Trombetas, como empregadas domésticas, babás, cozinheiras. Além desses, há também
os que prestam serviços terceirizados (7%) para a MRN por meio de cooperativas, como a
Cooperboa, Cooperbarcos e Coopermoura e os que trabalham como diaristas (faxineiras,
arrumadeiras, lavadeiras, passadeiras, jardineiros, etc.) na vila de Porto Trombetas são 10%
(ARQMO, 2018).
Gráfico 03 – Principal fonte de renda Gráfico 04 – Benefícios do Governo Federal
1%
1%
1%
6%
6%
7%
8%
9%
10%
12%
17%
22%
60%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Turismo
Pecuária
Outros
Autônomos
Pesca
Cooperativas
Extrativismo
Carteira assinada
Diárias
Funcionlismo público municipal
Aposentadorias e pensões
Programas sociais
Agricultura
2%
4%
4%
17%
21%
59%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Auxílio Doença
Bolsa Verda
Cesta Fome Zero
Aposentadorias e pensões
Nenhum
Bolsa família
Fonte: ARQMO (2018)
145
A Cooperbarcos é uma cooperativa do ramo de transportes, que atua com transporte
fluvial de pessoas e que tem como principais clientes a empresa MRN. Já a Cooperboa e a
Coopermoura são cooperativas que prestam serviços de roçagem, jardinagem, limpeza urbana,
motoristas e serviços gerais na vila de Porto Trombetas. Estes não recebem salários e não
possuem carteira assinada, pois recebem os lucros da cooperativa, mas também não podem
sofrer qualquer controle pela empresa, no caso a MRN, sequer de horário (fichas e cartões)
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURA, 2018).
É importante ressaltar que apesar de gerar renda aos associados, os serviços prestados
por cooperativas, muitas vezes causam prejuízos aos mesmos, visto que estes ficam
desguarnecidos em termos previdenciários, pois muitas cooperativas sequer têm recolhido o
INSS do trabalhador. Além disso, muitas vezes, há casos de cooperativas, o que não pude
comprovar, em que muitos empregados têm sido enganados ao se associarem para poderem
trabalhar, que, por vezes, são apenas intermediadoras de mão-de-obra que buscam economizar
valores à custa dos trabalhadores, que deixam de receber vários direitos trabalhistas, como o
registro em sua carteira de trabalho, o recolhimento do FGTS, férias acrescidas de um terço,
décimo terceiro salário, seguro-desemprego, horas extras, adicional noturno, aviso-prévio, ou
seja, todos os direitos de um empregado comum, conforme informado pelos Entrevistados
E02 e E25:
“Só cinco anos [trabalhou em empresa terceirizada no Projeto Trombetas – MRN]
noutra empresa já contratada, né? [...] Na verdade, pra nós não [sobre o trabalho na
empresa terceirizada]. Logo não era de carteira assinada. Era um contrato de uma
cooperativa e outra coisa a gente não tinha passagem. Se viesse pra cá tinha que tirar
do bolso. Aí era só de mês em mês que era quando nós tinha dinheiro e aí tinha que
pagar o transporte de lá pra cá, então não trouxe assim um “lucro” que dê pra
compensar o tempo que eu fiquei lá. Aí eu prefiro mais antes ficar por aqui mesmo...
fazendo minhas roça” (E 02).
(...)
“O mesmo esposo trabalha, né. Ele trabalha lá em Porto Trombetas, na Coopbarcos.
Ele trabalha 14 dias e folga 14 dias. Ele trabalha numa cooperativa” (E 25, 2019).
No entanto, mesmo inseridos nessas novas relações de trabalho impostas pela MRN
(seja como trabalhadores assalariados com carteira assinada, seja como diaristas, autônomos
ou prestadores de serviços por meio de cooperativas), muitos quilombolas – inclusive os que
moram permanentemente na vila de Porto Trombetas – mantêm residência na sua comunidade
de origem. Com exceção dos quilombolas que trabalham na MRN e moram de forma
permanente na Vila de Porto Trombetas, muitos dos que trabalham como funcionários
públicos ou que trabalham como autônomos ou nas cooperativas que prestam serviços
terceirizados para a MRN, geralmente, também mantêm o cultivo da roça e praticam o
extrativismo, ainda que o ICMBio proíba a coleta da castanha-do-brasil, para fins de
146
comercialização por quilombolas que não têm nessa atividade importante fonte de renda e
subsistência.
A manutenção da residência na comunidade, mesmo que apenas nos finais de semana,
assim como a manutenção da roça ou o trabalho de coleta da castanha-do-brasil, é uma
maneira de manter o vínculo com o modo de vida quilombola. Também são associadas às
associações representativas dos TQs, tendo o mesmos direitos dos quilombolas.
5.2.2 Elementos criadores e organizadores do modo de vida dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas.
O modo de produção no Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade
Último Quilombo
O modo de produção dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil da
microrregião Alto Trombetas se baseia no trabalho familiar e está alicerçado na concepção de
posse e uso comum da terra e dos recursos do território, atrelados a práticas produtivas
coletivas baseadas na ajuda mútua e cooperação familiar. Na produção tem-se a divisão de
tarefas entre todos os membros da família, buscando a maximização e a economia de esforços
na execução das atividades. Todavia, essa organização não se restringe apenas ao nível da
unidade familiar ou dos grupos familiares, mas também se estende ao nível das relações intra
e intercomunitárias (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
Atualmente, as cooperações entre os quilombolas da microrregião Alto Trombetas
para o trabalho de preparação da roça ou na produção da farinha, por exemplo, estão cada vez
mais raras a nível intra e intercomunitárias, ficando restritas aos grupos familiares. É comum,
por exemplo, as pessoas de uma mesma unidade familiar ou de um mesmo grupo familiar se
auxiliarem mutuamente na produção da farinha, ainda que residam em comunidades
diferentes.
As casas de farinha (Figura 13) representam, claramente, a noção de "coletivo" na
perspectiva dos quilombolas TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo.
Atualmente, as casas de farinha que existem nas comunidades remanescentes de quilombos da
microrregião Alto Trombetas são todas de domínio privado. No entanto, 24% dos
Entrevistados pelo Projeto Jovens Quilombolas, consideram-nas como bens de uso coletivo
(ARQMO, 2018). O uso coletivo de bens pela comunidade ainda é um fator muito importante
para o modo de vida quilombola, e fica evidente quando o privado se confunde com o público
147
de forma tão direta que a sobrevivência da comunidade é encarada como uma
responsabilidade do todo (OBSERVAÇÕES SEMIESTRUTURADAS, 2018/2019; ARQMO,
2018).
Figura 13 – Trabalho de um grupo familiar na produção de farinha na comunidade Abuí. Na
casa de farinha, homens e mulheres trabalham na produção de farinha e seus derivados. Cada
um desempenha uma função específica, mas todos possuem domínio das técnicas de produção
desse produto. Fonte: PICANÇO (2018).
As escolhas das espécies para plantar
A escolha das espécies para cultivar nas roças e quintais localizados no interior da
Reserva Biológica do Rio Trombetas deve ser feita com a anuência do ICMBio para se evitar
a introdução de espécies exóticas, uma vez que o Artigo 31 do SNUC diz que:
Art. 31. É proibida a introdução nas unidades de conservação de espécies não
autóctones. § 1º Excetuam-se do disposto neste artigo as Áreas de Proteção
Ambiental, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas e as Reservas de
Desenvolvimento Sustentável, bem como os animais e plantas necessários à
administração e às atividades das demais categorias de unidades de conservação, de
acordo com o que se dispuser em regulamento e no Plano de Manejo da unidade
(BRASIL, 2000, p. 21).
No ano de 2018, por exemplo, os quilombolas da comunidade Último Quilombo,
localizada no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas, solicitaram ao ICMBio, de
maneira informal, a autorização para o cultivo de algumas espécies na roça, dentre as quais a
cana-de-açúcar, respeitando-se o tamanho máximo da quadra que é de 01 hectare por família.
148
No entanto, o ICMBio não concedeu autorização para o cultivo da cana-de-açúcar na Reserva
Biológica do Rio Trombetas por se tratar de uma espécie exótica, o que é proibido pelo SNUC
É importante ressaltar que os quilombolas da comunidade Último Quilombo não produzem
em grandes quantidades. Além de possuírem autorização do ICMBio para fazer roçado com
limites de áreas de até um hectare, também não é da cultura dos quilombolas, conforme
informado pelo Entrevistado 27:
Olha, o Marcelo autorizou pra fazer roça, duas hectares e meia. Aí, a Débora veio:
Pra não cortar um pau. Na coisa dela não é para cortar um pau, se cortar... Como ela
já foi apertada, o irmão Preto apertou, apertou mesmo ela. Fizeram um baixo
assinado, aí, agora, ela já está mais... Aí foi que falaram pra ela: olha, o Marcelo
autorizou pra gente fazer duas hectares e meia de roça. Cada pessoa, dono de família
que quisesse fazer roça, podia vir aqui com ele, que ele autorizava duas hectare e
meia de roça. Eu teve na reunião. Dizer como diz o Marcelo: como é que a pessoa
vai sobreviver aqui dentro. Não pode fazer uma roça. Agora, ela não quer que, eu
tava dizendo assim pro Deno. Deno, durante vocês não entenderem que nem todas as
coisas que a gente pensa em fazer tem que levar lá pra Débora no ICMBio, nunca
vai pra frente aqui. Porque se quiser criar uma galinha tem que ir lá, ela não apoiou
criação de galinha e nem plantio de cana. Eu tava dizendo assim: Olha, gente, quem
quiser trabalhar, trabalhe [...] Nós tem graças a Deus, duas roças, madura. Uma já
não muito porque a gente já deu bastante pra fazerem de sociedade e uma nova. Aí a
pessoa vai se curvar, vai ter que fazer meio litro de farinha por causa de ir na
conversa dela. Olha, o seu Edílson chegou, foi metendo o aço, tá com duas roças,
um bananal. Olha, foram lá, acharam bonito, bateram foto. Como eu disse pro Deno,
as pessoas tenham que tomar uma vergonha, tenham que deixar esse negócio de diz
que disse. Se o pessoal tá fazendo, corre, já vai denunciar lá. Que é o mal daqui. É o
mal daqui do povo (E 27, 2019).
Analisando a fala do Entrevistado 27, é possível afirmar que o acesso a produção da
roça pelos quilombolas castanheiros tradicionais depende do perfil do gestor da Reserva
Biológica do Rio Trombetas. Se o gestor tem a unidade de conservação como espaço que
possibilite a transformação das comunidades locais, e, ainda a conservação da biodiversidade
como parte dos modos de vida dos povos tradicionais, este estimula a participação dessas
comunidades do interior e entorno da unidade de conservação. Entretanto, se o gestor da
unidade de conservação não reconhece e não incorpora em suas ações de gestão, as
comunidades tradicionais do interior e entorno da unidade de conservação em que atua, a
gestão desses territórios especialmente protegidos se torna difícil.
5.2.3 Elementos limitadores do modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas
Até a década de 1990 não havia evangélicos na microrregião Alto Trombetas.
Atualmente, dos Entrevistados pelo Projeto Jovens Quilombolas, 15% se declararam como
149
evangélicos e 85% se declaram como católicos (ARQMO, 2018). Na comunidade Último
Quilombo há duas igrejas: a Católica e a Evangélica, conforme informado pelos Entrevistados
17, 19 e 25:
Em relação a religião existe dois povos: evangélicos e cristão. Sou evangélica.
Ainda fazem Ladainha fazem Círio, ainda continua (E 17, 2019).
[...]
Eu me declaro como evangélico. Sou da Assembleia de Deus (E 19, 2019).
[...]
[Questão da religião?] Nós somos evangélicos. Só a minha mãe que não, ela é
católica (E 25, 2019).
A religião tem influência direta na construção do modo de vida dos quilombolas
coletores tradicionais de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas, assim como
ocorreu com o modo de vida ribeirinho da comunidade de Caxiuanã, no município de
Melgaço, Pará (FARIAS, 2017). Geralmente, os membros de igrejas evangélicas não são
considerados como membros das comunidades pelas coordenações comunitárias – muitas
vezes não tendo direito a declarações que comprovam a moradia na comunidade – pois, na
maioria das vezes, tais coordenações se confundem com as coordenações comunitárias da
Igreja Católica, conforme informado pelo Entrevistado 04.
[...] aqui a maioria dos coordenador, eles tem preconceito com evangélicos. [...]
Agora, eles tem uma separação, inclusive a Mineração doou umas... uns geradores
[de energia elétrica] pra cá pra comunidade aí do Paraná e lá pra casa não deram (E
4, 2018).
Contudo, na comunidade Último Quilombo é frequente as pessoas (católicos e
evangélicos) se reunirem para mutirões com objetivos de realizarem trabalhos comunitários,
como construções e reparos dos equipamentos públicos. Também se reúnem para comemorar
datas importantes, como o ocorrido no dia 12 de agosto de 2018, quando católicos e
evangélicos se reuniram no centro comunitário da Igreja Católica para comemorar o dia dos
pais. Após o almoço comunitário, se reuniram para tratarem de assuntos referentes a
associação de moradores, que estava em sendo instituída nessa comunidade.
A Associação de Moradores da Comunidade Último Quilombo reúne tanto católicos
quanto evangélicos, com objetivos de captar recursos para investir em melhorias para os
comunitários, de forma geral. Apesar de estarem organizados em torno de uma associação de
moradores, as duas igrejas presentes na comunidade Último Quilombo mantêm suas
coordenações e lideranças religiosas.
Na reunião também estava em discussão o recebimento e repasse do dinheiro doado
pela MRN para a realização das festividades religiosas católicas (Círio e Festa) que
150
aconteceriam em novembro de 2018. O dinheiro, que antes era repassado diretamente a
coordenação da comunidade católica do Último Quilombo, agora será recebido pela
associação de moradores e repassado para a coordenação católica. Havia discussões sobre a
utilização do dinheiro somente pela comunidade católica, uma vez que os evangélicos
também são moradores dessa comunidade.
As representações culturais dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
da Reserva Biológica do Rio Trombetas
No que tange a representações culturais, a principal referência do calendário cultural
local são as festividades dos santos padroeiros das comunidades. Atualmente, na comunidade
Último Quilombo, as festividades de Nossa Senhora Aparecida são realizadas em um final de
semana. Iniciam no sábado, com o Círio fluvial, uma espécie de procissão de embarcações
que conduzem a Santa Padroeira por trechos de rios ou de lagos próximos ao centro
comunitário (FIGURA 14) (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
Figura 14 – Início das atividades do Círio. À esquerda, dois homens balançam duas
bandeiras, uma vermelha e uma branca, em frente a capela da santa padroeira da comunidade,
Nossa Senhora Aparecida. À direita, embarque da santa no barco que fez o percurso fluvial do
Círio. Fonte: Trabalho de campo, 2018.
As festividades dos santos padroeiros das comunidades, geralmente, são festas de
mastro. O mastro é um tronco de madeira enfeitado com frutos e outros produtos da
comunidade, fincado verticalmente no chão do centro comunitário próximo à frente da capela
(FIGURA 15 – A). O mastro é erguido e enfeitado na manhã do dia do Círio e quando o santo
retorna do itinerário fluvial, à tarde, as pessoas se dirigem até o local do mastro e cada pessoa
da comunidade é chamada para golpear a base do mastro com um machado até que este seja
151
derrubado (FIGURA 15 – B). As pessoas, então, carregam o mastro até o barracão da
comunidade, onde os produtos são repartidos às pessoas presentes (FIGURA 15 – C).
Figura 15 – Círio realizado na comunidade Último Quilombo. A) Mastro enfeitado com
produtos produzidos na comunidade Último Quilombo. B) Derrubada do mastro C)
Distribuição dos produtos aos membros da comunidade e visitantes. Fonte: PICANÇO
(2018).
No Em geral, a “festa religiosa” inicia com a celebração religiosa na capela do santo,
com as ladainhas cantadas pelos rezadores, e se estende pela tarde, com um torneio de futebol
que conta com a participação de times de futebol de outras comunidades. À noite ocorre outra
celebração, após a qual ocorre a festa “social”, com muita música e apresentações de danças
folclóricas e de bandas que vêm da cidade de Oriximiná (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018). Após a celebração religiosa acontece a chamada festa
cultural, com apresentação de músicas e danças consideradas pelos quilombolas como
tradicionais da comunidade.
No domingo são servidas refeições gratuitas para todos os presentes, sendo que todos
os alimentos e bebidas (beiju, macaxeira, garapa, carnes) servidos na festa são doados por
moradores que os ofertam ao santo, para serem partilhados entre os festeiros. Também é
A C
B
152
realizado torneio de futebol com a presença de times de outras comunidades, e à noite ocorre
a “chamada festa social”, que é acompanhada de baile dançante, onde são tocados ritmos
musicais atuais como brega, sertanejo, forró e outros (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA).
Contudo, anteriormente, as festividades religiosas da Igreja Católica nas comunidades
duravam, em média, 01 semana, as quais se iniciavam com o círio fluvial. Após o Círio,
seguiam-se os dias de festejos a noite, com a realização de cultos religiosos em cada noite sob
a responsabilidade de equipes (jovens, famílias, aposentados, etc.). Nos dias que se seguiam
ao Círio Fluvial até a realização da festa social havia esmolação (pedidos de contribuições
para o festejo) nas casas da comunidade sede ou de comunidades próximas. A coordenação da
comunidade é responsável pela organização geral das festividades religiosas, coordenando
outras equipes de trabalho: litúrgica, bar, cozinha, ornamentação do centro comunitário,
música, etc., além de articular com a PMO ou a MRN para o apoio a programação
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
Atualmente, há muitas dificuldades na realização das festividades. Já não há muitos
rezadores de ladainhas e a população assalariada não tem tempo para festejos longos e nem
produz alimentos que possam doar para a realização da partilha tradicional (IPHAN, 2014,
F11-04, p. 3; OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
5.2.4 Elementos transformadores do modo de vida dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da Reserva Biológica do Rio Trombetas
O nível de vida
Quanto ao abastecimento de água, a maior parte da água consumida é captada
diretamente do próprio rio Trombetas e tributários (GRÁFICO 05). O tratamento de água
mais recorrente é a base de hipoclorito, eficaz em combater micróbios, mas sem ação eficaz
em relação aos sedimentos de bauxita, por exemplo. Dentre os Entrevistados, 19% afirmou
que não utiliza qualquer forma de tratamento da água, 1% disse que filtra e 1% ferve a água.
Apesar da maioria das pessoas afirmarem que trata a água com cloro, percebemos uma
inconsistência entre a percepção de agentes de saúde (45%) e o alto índice de tratamento de
água por cloro (79%), sendo que, geralmente, o cloro é distribuído aos comunitários por esses
agentes (GRÁFICO 06). A água captada para o consumo, geralmente, é armazenada em
baldes, caixas d’água e “tambores”, recipientes nos quais ocorre o tratamento com cloro
153
(ARQMO, 2018; OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Gráfico 05 – Local de captação da água Gráfico 06 – Formas de tratamento da água
0%
1%
8%
96%
0% 20% 40% 60% 80% 100% 120%
Igarapé
Rede pública
Poço artesiano
Rio
% de famílias que captam água
Lo
cal
de
ca
pta
ção
da
ág
ua
1%
1%
19%
79%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Água fervida
Água filtrada
Nenhum
Utilizam cloro
% de famílias que tratam a água
Fo
rma
s d
e t
rata
me
nto
d
a á
gu
a
Fonte: ARQMO (2018). Elaborado pelo Autor.
Algumas residências possuem bombas d’água elétricas para a captação da água dos
rios ou dos poços artesianos, sendo esta transferida para recipientes até as residências por
meio de mangueiras hidráulicas. Apenas 1% dos Entrevistados pelo Projeto Jovens
Quilombolas utiliza água da rede pública. Entretanto, não há abastecimento público de água
nas comunidades visitadas. Semelhante ao que ocorre com a energia elétrica, o denominado
abastecimento público de água é disponibilizado pela prefeitura para as pessoas que residem
próximo aos centros comunitários, entretanto, essa água também é captada dos rios em baldes
ou poços semiartesianos por meio das bombas d’água elétricas (ARQMO, 2018;
OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Quanto a destinação do lixo, a maioria dos Entrevistados pelo Projeto Jovens
Quilombolas, 98%, afirmou que o lixo doméstico produzido é queimado (GRÁFICO 07).
Parcelas menores desse montante são enterradas (12%) ou descartadas nas bordas das
florestas, próximo ao quintal das casas, o que amplia as possibilidades de causas de doenças
nas comunidades e a poluição de recursos naturais (ARQMO, 2018; OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
154
Gráfico 07 – Descarte do lixo
1%
2%
12%
98%
0% 20% 40% 60% 80%100%120%
Armazenado em sacos paradescartar na cidade mais
próxima
Jogado direto no meio ambiente
Enterrado
Queimado
% de pessoas
De
sca
rte
do
lix
o
Fonte: ARQMO (2018)
O ICMBio desenvolve atividades com as famílias do Lago Erepecu (comunidades
Último Quilombo e Nova Esperança), por meio do Projeto Quelônios, visando a coleta e à
destinação do lixo por elas produzido. Os agentes ambientais do ICMBio distribuem sacos
para a coleta e depois retiram-nos, levando-os para o aterro sanitário em Porto Trombetas.
Além disso, alguns moradores entregam o lixo por conta própria na base de apoio do ICMBio,
situada na boca do lago do Erepecu, conhecida localmente como “flutuante”. Contudo, apenas
1% dos Entrevistados (GRÁFICO 07) pelo Projeto Jovens Quilombolas informou que
acondiciona o lixo produzido em sacos plásticos para descartar na cidade mais próxima. A
coleta realizada por esse órgão ambiental é seletiva, sendo que são os próprios agentes
ambientais que realizam a separação dos resíduos, conforme informado pelos Entrevistados
09 e 15:
“Também é a questão do cuidado lá, eles dão o negócio de saca pra a
gente colocar o lixo, pra não vir jogar... traz, quando às vezes antes de
vir embora, às vezes enche, leva lá na base. Aí eles dão outras sacolas
pra gente trazer” (E9, 2018).
(...)
“O lixo também, isso aí não pesou nada isso aí, acho que não. Isso aí
é um dever da pessoa né. Ela pegar a lixeira e colocando os lixos tudo
dentro e levar lá pra base e a base leva pra lá pra Trombetas” (E15,
2018).
Quanto a destinação dos excrementos humanos, o número de famílias que possui
sanitário dentro de casa é quase irrisório, 1% dos Entrevistados. Dos 99% que não possui
sanitário dentro de casa, 97% utiliza a denominada “casinha”, 1% utiliza o ambiente a céu
aberto e 2% utiliza as matas para descartar seus excrementos (GRÁFICO 08), o que pode
155
contribuir para a contaminação do solo e da água (ARQMO, 2018; OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Gráfico 08 – Destinação dos excrementos Figura 16 – Sanitário tipo “casinha”
1%
1%
97%
0% 20% 40% 60% 80% 100% 120%
Matas
Céu aberto
Tipo casinha
% de pessoas
Desti
nação dos e
xcrem
en
tos h
um
an
os
Fonte: ARQMO (2018) Fonte: PICANÇO (2018)
Na comunidade Último Quilombo também há os sanitários do tipo casinha para o
descarte dos dejetos humanos (FIGURA 16). A casinha é uma fossa seca, cercada por paredes
em madeira ou palha e assoalho em madeira ou concreto com um orifício por onde os
excrementos são lançados diretamente em um buraco escavado no solo (ARQMO, 2018;
OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Fontes de energia utilizadas pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil da
Reserva Biológica do Rio Trombetas
No TQ Alto Trombetas 1 e na comunidade Último Quilombo, 79% dos Entrevistados
ainda utilizam a lamparina como fonte de iluminação em casa, durante a noite. As
comunidades não possuem rede pública de distribuição de energia elétrica, sendo que a
principal fonte de energia elétrica utilizada pelos quilombolas Entrevistados é a produzida por
gerador de energia elétrica, 59%, movidos a óleo diesel, comumente chamado de “motor de
luz” pelos moradores locais (GRÁFICO 09). Algumas residências possuem o próprio gerador,
e há um localizado no centro comunitário, doado pela Prefeitura Municipal de Oriximiná ou
pela MRN, que pertence à comunidade e se destina ao uso durante as atividades comunitárias.
Também é utilizado pelos os moradores mais próximos do centro comunitário – quando há
combustível doado pela PMO – o que explica 4% das famílias Edas afirmarem ter acesso a
energia elétrica por "rede pública", contudo essa energia é apenas disponibilizada a noite,
156
principalmente para assistir programas de entretenimento como as novelas (ARQMO, 2018;
OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Gráfico 09 – Fontes de energia utilizadas na microrregião Alto Trombetas
Fonte: ARQMO (2018)
Os geradores de energia elétrica, assim como uma quota mensal de óleo diesel
necessário para o seu funcionamento, são disponibilizados pela Prefeitura Municipal de
Oriximiná aos centros comunitários. As unidades familiares mais distantes, como por
exemplo, as que estão localizadas do outro lado da margem do rio, geralmente, adquirem seu
próprio “motor de luz” e, muitas vezes, compartilham a energia elétrica com o grupo familiar
ao qual estão inseridas. Apenas 1% dos Entrevistados utiliza energia solar, sendo que esta
ainda apresenta um custo muito elevado para a realidade quilombola, tanto de aquisição dos
equipamentos como para a sua manutenção (GRÁFICO 09) (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018; ARQMO, 2018).
A energia elétrica é fornecida por geradores movidos a óleo diesel ou gasolina,
combustíveis transportados da cidade de Oriximiná até as comunidades quilombolas. Há
muitos “revendedores” de combustíveis nas comunidades visitadas, sendo que durante a
pesquisa de campo o litro da gasolina era vendido a R$ 7,00, enquanto nos postos localizados
na cidade de Oriximiná, o litro era vendido a R$ 4,95, o que indica um acréscimo de 36,71%
em relação ao litro da gasolina vendida nos postos em Oriximiná. O óleo diesel era vendido a
R$ 4,35. Os combustíveis são armazenados em recipientes dentro das casas, geralmente nas
varandas (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
157
A educação nas comunidades do Território Quilombola Alto Trombetas 1 e na comunidade
Último Quilombo
O TQ Alto Trombetas 1 possui Escolas Municipais de Educação Infantil e de Ensino
Fundamental (EMEIF’s) denominadas escolas-polos, geridas pela Secretaria Municipal de
Educação de Oriximiná (SEMED), nas quais há oferta dos Ensinos Infantil e Fundamental
públicos. As escolas encontram-se sediadas, estrategicamente, nas comunidades que possuem
maior contingente populacional: Tapagem e Abuí, atendendo as outras comunidades menores
que se encontram nas proximidades. A comunidade da Tapagem é a sede da Escola Municipal
de Educação Infantil e Ensino Fundamental Raimundo Vieira, que oferece turmas de ensino
infantil e nível fundamental, do 1º ao 9º ano, para crianças e adolescentes das comunidades
Sagrado Coração de Jesus, Mãe Cué e da própria Tapagem. A comunidade Abuí, por sua vez,
a sede da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Tancredo Neves, que
oferece turmas de ensinos infantil e fundamental, do 1º ao 9º ano, para crianças e adolescentes
das comunidades Paraná do Abuí, Santo Antônio do Abuízinho e do próprio Abuí
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018; ARQMO, 2018).
As escolas-polos sediadas nas comunidades da Tapagem e Abuí, por sua vez,
pertencem a Unidade Regional de Gestão Escolar (URGE) Quilombola 11 – Alto Rio
Trombetas (ORIXIMINÁ, 2014), que têm as atividades desenvolvidas na sede da Escola
Municipal de Educação Infantil e de Ensino Fundamental Raimundo Vieira dos Santos, na
comunidade Tapagem. Essa organização é resultado de um projeto de nucleação e
consolidação das escolas rurais desenvolvido, a partir do ano de 2004, pela Secretaria
Municipal de Educação de Oriximiná (SEMED). Antes desse projeto, cada comunidade da
zona rural do município de Oriximiná possuía sua própria escola, que eram escolas
multisseriadas, geralmente com a oferta somente das séries iniciais do Ensino Fundamental
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018; ARQMO, 2018).
As escolas-polos são construídas em alvenaria e possuem microssistema de
abastecimento de água encanada por meio de poço semiartesiano. Também possuem
sanitários na parte interna do prédio, mas não possuem tratamento de esgoto, nem local
apropriado para o descarte do lixo, que é queimado ou despejado em locais próximos às
bordas das florestas ou ribanceiras dos rios (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
O transporte escolar é feito por barqueiros contratados pela Semed, que transportam os
alunos das diversas comunidades até às escolas-polos. A Prefeitura Municipal de Oriximiná
também fornece a merenda escolar para as escolas-polos. Contudo, conforme observado nas
discussões durante o XII Encontro da Consciência Negra, realizado em 2018 na Comunidade
158
do Moura, no TQ Alto Trombetas 2, onde estavam presentes o prefeito municipal, vereadores
e a secretária de educação municipal, houveram muitas reclamações acerca do que vinha
acontecendo naquele município, que não estava efetuando o pagamento dos barqueiros, assim
como não estava disponibilizando as quotas mensais de diesel para esse transporte, o que
inviabilizava que o transporte dos alunos fosse realizado. Também estava com dificuldades na
distribuição da merenda escolar na região (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018;
ARQMO, 2018).
Até 2014, havia muita reclamação e insatisfação por parte das comunidades do TQ
Alto Trombetas 1 acerca do fato de não haver ensino de nível médio na região, fazendo com
que os jovens que desejassem continuar os estudos migrassem para Oriximiná. A evasão
escolar, após o término do Ensino Fundamental, era considerada alta pelos moradores das
comunidades do TQ Alto Trombetas 1, que contavam apenas com escolas que ofertavam o
Ensino Infantil e o Ensino Fundamental até o 9º ano. Ao concluírem o Ensino Fundamental,
muitos jovens das comunidades visitadas, quando não tinham condições financeiras para ir
estudar na cidade de Oriximiná, acabavam por reproduzir as atividades dos pais, a roça e o
extrativismo. Atualmente, com a implantação do Ensino Médio, mesmo que não seja regular,
os jovens das comunidades do TQ Alto Trombetas 1 podem dar prosseguimento aos seus
estudos, sem necessitar migrar para a cidade de Oriximiná, pois, muitas vezes, necessitam
morar na casa de parentes ou amigos e, geralmente, não se adaptam aos costumes estranhos ao
seu modo de vida, o que faz com que muitos que retornem as suas comunidades de origem
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018; ARQMO, 2018).
A partir de 2014 começaram a ser ofertadas turmas de Ensino Médio, sendo a primeira
destas na EMEIF Raimundo Vieira, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA),
mas não chegou a atender aos comunitários da comunidade Sagrado Coração de Jesus, por
exemplo (STCP, 2014). Atualmente, o estado do Pará é o responsável pela oferta do Ensino
Médio, mediado pelo uso de tecnologias e na modalidade EJA. O Sistema Educacional
Interativo (SEI) foi implantado nas escolas-polos do município de Oriximiná, a partir de
2015, pelo governo do estado do Pará, em parceria com o município de Oriximiná. Nesse
sistema, o aluno participa de uma modalidade de estudo EAD, onde as aulas são oferecidas à
distância por meio de vídeos e mediadas por um professor-tutor presencial. As turmas
implantadas por essa modalidade estão alocadas em escolas-polos municipais de ensino
fundamental. O Governo Estadual fornece os tutores e a merenda escolar, enquanto o
município de Oriximiná oferece o serviço de barqueiro e merendeira, contando ainda com o
159
apoio da MRN que auxiliará no que tange ao transporte dos alunos nas áreas quilombolas
(OBSERVAÇÃO ESTRUTURADA, 2018; ARQMO, 2018).
Atualmente, conforme observado nas discussões durante o XII Encontro da
Consciência Negra, realizado em 2018 na Comunidade do Moura, no TQ Alto Trombetas II,
há muitas discussões acerca da Educação Escolar Quilombola, principalmente, no que
concerne às especificidades da educação escolar quilombola, que muitas vezes, não é
considerada pelos municípios, como no caso de Oriximiná.
As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica consideram que:
A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscritas
em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade
étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente,
observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que
orientam a Educação Básica brasileira. Na estruturação e no funcionamento das
escolas quilombolas, deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade cultural
(DCN, 2012, p. 42).
Além disso, de acordo com o documento final da Conferência Nacional de Educação
(CONAE, 2010), a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão:
a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação quilombola,
com a participação do movimento negro quilombola, assegurando o direito à
preservação de suas manifestações culturais e à sustentabilidade de seu território
tradicional.
b) Assegurar que a alimentação e a infraestrutura escolar quilombola respeitem a
cultura alimentar do grupo, observando o cuidado com o meio ambiente e a
geografia local.
c) Promover a formação específica e diferenciada (inicial e continuada) aos/às
profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de materiais
didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnico-racial do grupo.
d) Garantir a participação de representantes quilombolas na composição dos
conselhos referentes à educação, nos três entes federados.
e) Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para garantir a
valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas.
f) Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e, quando for
o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.
g) Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização plena
das culturas das comunidades quilombolas, à afirmação e manutenção de sua
diversidade étnica.
h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida
preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades quilombolas
(CONAE, 2010, p. 131-132).
A maioria dos professores que estão atuando na educação das escolas das
160
comunidades do TQ Alto Trombetas 1 são quilombolas (GRÁFICO 10), o que está de acordo
com as deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010).
Gráfico 10 – O professor da comunidade é
quilombola?
Gráfico 11 – Você conhece a história da
formação dos quilombos?
92%
8%
Sim
Não56%
44%Não
Sim
Fonte: ARQMO (2018)
Analisando os Gráficos 10 e 11 é possível verificar que quando cruzamos os dados de
quantitativos de professores quilombolas com informações sobre o conhecimento da realidade
quilombola do território, como por exemplo, sobre o conhecimento dos quilombolas sobre
titulação territorial, esse dado traz à luz a necessidade por uma discussão da importância e o
papel dos professores, quando quilombola, para a educação cultural local.
A saúde dentre os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil da Reserva
Biológica do Rio Trombetas
No que concerne à saúde, 95% das famílias das comunidades quilombolas do TQ Alto
Trombetas 1 não atendidas em postos de saúde (GRÁFICO 12), mas possuem, em geral, um
Agente Comunitário de Saúde (ACS) para atender duas comunidades, os quais atuam em
orientações educativas e preventivas a doenças (ARQMO, 2018; OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019). Na comunidade Último Quilombo não há agente
comunitário de saúde e nem posto de saúde. Se considerarmos, por exemplo, que o tratamento
de água depende de fornecimento de cloro por agentes de saúde, pelo menos metade das
famílias do território não tem contato com esta lógica de política pública, pois 43% das
famílias entrevistadas declarou não ser atendida por ACS (GRÁFICO 13).
161
Gráfico 12 – Famílias atendidas por
agentes de saúde
Gráfico 13 – Famílias atendidas em postos
de saúde
5%
95%
A comunidade possui posto de saúde?
Sim
Não55%
43%
A família é atendida por agente de saúde?
Sim
Não
Fonte: ARQMO (2018)
Quanto ao tratamento da saúde constatou-se que os casos emergenciais são atendidos
na vila de Porto Trombetas, desde que o enfermo possua um cadastro junto a MRN. Tal
cadastro é um benefício que a MRN disponibiliza, em regra, para funcionários e seus
dependentes, e que se estende a quilombolas das comunidades do Boa Vista e Moura, mas não
àqueles que moam em outras comunidades. Somente pessoas que foram abrangidas pelo
cadastro realizado há algum tempo é que possuem direitos a consultas no hospital da MRN,
conforme informado pelos Entrevistados 21 e 25:
“Aqui na comunidade a gente não tem agente de saúde, a gente não tem. Eu e meu
esposo e meus filhos, agente é cadastrado lá em Trombetas, aí a gente se consulta lá
em Trombetas, mas nem todos os moradores daqui eles são cadastrados lá. Tem
gente que não é cadastrado. Já faz muitos anos que a Mineração fez esse cadastro.
Novos, assim, eles estão pelejando pra ver se conseguem o atendimento pra essas
pessoas. Eu e meus filhos a gente é cadastrado porque o meu esposo ele não era
daqui, ele morava lá no Batata. Tem a Vila Paraíso, o Brega que chamam. Por traz
tem um lago que é o Batata. Ele morava lá e por lá na época, quando ele era...
morava com o pai dele, por lá passou o cadastro da Mineração. Aí lá ele se
cadastrou, aí depois de eu casar com ele, aí eu entrei pelo dele, porque o marido tem
direito de cadastrar a esposa, os filhos. Aí por isso que a gente é cadastrado. Mas
nem todos aqui da comunidade são cadastrados. [Quando tem um problema grave de
saúde com as pessoas, eles atendem lá?] Eles atendem. É, só não é pra consulta,
assim, às vezes mandam pra Oriximiná. Se for uma coisa grave, eles atendem, às
vezes eles até... internado, que a pessoa fica internada. Mas ficar se consultando,
fazer consulta, isso aí a pessoa não tem direito. Tem que ir pra Oriximiná” (E 25,
2019).
(...)
“Primeiros socorros, quando a gente leva em Trombetas, às vezes eles fazem, por
aqui na Mineração ela tem um povo, que logo que ela chegou, que tava lá perto, no
Boa Vista, Batata e Moura, ela cadastrou. Uma sou eu que eu sai de lá, mas eu tenho
cadastro. Eu chego na mineração, eu me consulto, mas ele e outros, hoje não tem
cadastro. Mas, mesmo assim, a Mineração não deixa de receber, cadastrados ou não
cadastrados, agora os que não são cadastrados ela manda para Oriximiná e até
mesmo os cadastrados ela manda, mas a Mineração devido o Território, ela criou
também um projeto de médico que vem de Santarém, um grupo quilombola que vem
de Santarém que atende no moura, no Jamari, na Tapagem e aí as comunidades vai
pra lá, que querem ir pro Moura se consultar. Mas, diretamente em Oriximiná. Mas a
162
gente tem esse médico que vem, esse projeto quilombola que traz esses médicos e a
gente se consulta aí no Moura” (E 21, 2019).
Analisando as falas dos Entrevistados 21 e 25, nota-se que o atendimento no hospital
de Porto Trombetas, mesmo que seja apenas para os atendimentos emergenciais e parto, é
considerado muito importante para os moradores locais. Para os demais atendimentos e para a
prevenção a doenças, os moradores que necessitam de atendimento médico deslocam-se a
cidade de Oriximiná, uma vez que as pessoas que não são cadastradas não possuem acesso ao
hospital e ao ambulatório da MRN. Quanto aos casos graves, a MRN encaminha os pacientes
para a cidade de Santarém, sendo responsável por todas as despesas com deslocamento,
estadia e tratamento.
Outra referência de serviço de saúde relada nas entrevistas é o projeto Quilombo,
executado pela Fundação Esperança, em parceria com a MRN que atende aos quilombolas do
TQ Alto Trombetas I e da Cachoeira Porteira uma por vez por mês, na Tapagem. Esse projeto
propicia atendimentos mensais aos moradores locais, incluindo consultas médicas, exames
laboratoriais, mediante a obtenção de senhas previamente disponibilizadas, além de propiciar
a formação de agentes de saúde e ações de conscientização em saúde. A comunidade Último
Quilombo, também, eventualmente, é atendida, regularmente, por meio do projeto Quilombo,
o qual realiza suas ações em dois polos do TQ Alto Trombetas 2, na comunidade Curuçá-
Mirim e no Moura, sendo nesta comunidade que os moradores do Último Quilombo são
atendidos (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2019).
Contudo, durante as pesquisas de campo constatou-se que esse serviço não estava mais
sendo oferecido por falta de repasse de recursos financeiros por parte da MRN. Os moradores
também argumentam que o projeto Quilombo não é suficiente para suprir as demandas locais
e apenas reivindicam o franqueamento do acesso ao hospital de Porto Trombetas, e que a
empresa interceda junto ao poder público municipal para que haja mais investimentos em
saúde para a população quilombola (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2019).
Durante a pesquisa de campo muito se reclamou pela falta de profissionais
capacitados, como médicos e enfermeiros para o atendimento das pessoas na própria
comunidade, uma vez que essas comunidades estão muito distantes da cidade de Oriximiná, e
as pessoas vão a Oriximiná apenas uma vez por mês, o que dificulta o tratamento e a
prevenção de doenças. As pessoas precisam agendar as consultas nas Unidades Básicas de
Saúde (UBS) de Oriximiná para se consultar com um médico posteriormente. Se for
necessário fazer exames também é preciso permanecer mais um dia na cidade de Oriximiná.
Logo, essas burocracias não favorecem aos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
163
brasil do TQ Alto Trombetas 1 para um bom tratamento e acesso a medicina preventiva
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2019).
As doenças mais apontadas como recorrentes pelos Entrevistados no TQ Alto
Trombetas 1 são a gripe (95%) e a diarreia (52%), que está com índices mais sérios do que
em outros territórios de Oriximiná, reforçando ainda mais a necessidade de agentes de saúde
para distribuição de cloro tratamento de água (FIGURA 17). Dadas as condições gerais de
saúde nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1, aproximadamente 89% (GRÁFICO 14) dos
quilombolas utilizam “remédios caseiros” no tratamento de doenças (ARQMO 2018). Destes,
98% afirmaram que usam remédios caseiros como a principal forma de tratamento da saúde e
97% afirmou usar plantas medicinais no tratamento da saúde porque tem confiança nos
conhecimentos tradicionais familiares e, principalmente, pelas dificuldades de acesso e
formas de tratamento dispensadas aos quilombolas nos hospitais e postos de saúde (ARQMO,
2018).
Gráfico 14 – Como e onde os quilombolas
da microrregião Alto Trombetas tratam as
doenças
Gráfico 15 – Doenças mais comuns entre
os quilombolas da microrregião Alto
Trombetas
2%
5%
28%
63%
64%
89%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Posto de Saúde
Hospital de Santarém
Curandeiro
Hospital de PTR
Hospital de Oriximiná
Remédio caseiro
% de famílias
Co
mo
sã
o tra
tad
as
do
en
ça
s
9%2%5%6%6%8%9%
15%52%
95%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
OutrasFebre Amarela
DiabetesVerminosePnemonia
MaláriaPressão alta
AnemiaDiarreia
Gripe
% de famílias
Pri
ncip
ais
do
en
ça
s
Fonte: ARQMO (2018)
Depreende-se que a utilização de remédios caseiros para o tratamento das doenças tem
sua origem nos conhecimentos tradicionais familiares acumulados e transmitidos através das
gerações no âmbito das comunidades, o que confirma a afirmação constante no Inventário
Nacional de Referências Culturais dos Quilombos de Oriximiná realizado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de que os quilombolas acionam,
cotidianamente, outros recursos naturais aplicáveis à saúde física, mental e espiritual (IPHAN,
2014).
Os tratamentos caseiros são, regularmente, aplicados por pessoas locais chamados
benzedores e benzedeiras, puxadores e puxadeiras, ou pelos próprios moradores, já que
grande parte dos conhecimentos sobre os usos curativos de recursos naturais é disseminada
164
amplamente nas comunidades, sobretudo para o tratamento de “vômito, febre, quebranto,
desmentiduras (luxações), rasgaduras e dores de cabeça” (Iphan, 2014, F1- 1, A3, p. 149). São
frequentes as práticas baseadas no uso de chás, infusões, xaropes, garrafadas, pomadas e
outros itens preparados com ervas, cipós e seivas vegetais, como, por exemplo: leite do
amapá, anador, batatão, boldo, canaficha, carapanaúba, capim-cheiroso, capim-santo, cidreira,
estoraque, jambu, japana, manjericão, mangarataia, mastruz, mucuracaá, pau-de-angola, peão-
roxo, preciosa, folha de ananás, quina, quinarana, saratudo, sacaca (casca, folha), saracura,
sene e timbó (CUMBUCA NORTE, 2017).
Dos Entrevistados pelo Projeto Jovens Quilombolas, 28% dos Entrevistados
(GRÁFICO 14) afirmou ainda tratar algumas doenças com os chamados “curadores” ou
“feiticeiros”, que, segundo os quilombolas, são pessoas dotadas de conhecimentos que podem
tanto ser usados para curar pessoas, quanto para fazer adoecer e até matar. Também são
frequentemente responsabilizados por cosias ruins que acontecem nas comunidades, como por
exemplo, pela separação de casais, pelas traições conjugais, etc.. Durante o trabalho de campo
o guia que estava auxiliando nas pesquisas de campo não permitiu que sua companheira fosse
até a comunidade da Tapagem, pois nessa comunidade, segundo ele, havia um feiticeiro que
teria sido o responsável pela separação dele e de sua ex-companheira, de um relacionamento
anterior (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018).
Segundo Jesus (2001), a feitiçaria tem suas origens no universo dos colonos da
América portuguesa e estava ligada às necessidades do dia-a-dia, sendo usada nas resoluções
de problemas concretos: perdas de propriedades, questões amorosas, doenças e inimizades.
Ela se tornou uma necessidade na formação social escravista, pois dava armas aos escravos
para moverem uma luta surda contra a escravidão, como também legitimava a repressão e a
violência exercidas sobre o cativo. Os escravos podiam ser legitimamente castigados porque
eram feiticeiros e, por meio dos castigos e ameaças físicas, os senhores procuravam se
precaver do potencial mágico deles Jesus (2001).
Apesar do uso dos chamados remédios caseiros por 89% dos Entrevistados pelo
Projeto Jovens Quilombolas (GRÁFICO 14), 64% também declarou utilizar o sistema oficial
de saúde, mesmo os que tratam as doenças com as práticas tradicionais, seja da MRN ou da
PMO. Assim, o sistema municipal de saúde tende a ser procurado, primordialmente, quando
os cuidados locais tradicionais não surtem efeitos positivos ou quando se trata de casos
graves, que necessitam de avaliação e tratamento com médicos especializados. Assim, é
importante que políticas públicas de prevenção a doenças sejam destinadas aos quilombolas
das comunidades do TQ Alto Trombetas 1 e comunidade Último Quilombo, assim como
165
campanhas de conscientização. Contudo, como já visto anteriormente, é preciso considerar
que esse povo tradicional não tem acesso aos meios de comunicação mais utilizados
(televisão, internet, rádio), atualmente, para a propagação de campanhas de conscientização
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA).
Organizações Não Governamentais (ONGs)
Desde 2017 os TQs da microrregião Alto Trombetas participam do Programa
Territórios Sustentáveis (PTS), que é patrocinado pela Mineração Rio do Norte e
desenvolvido e realizado pela Agenda Pública, Ecam e Imazon, organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (Oscips) que atuam na área de meio ambiente, economia, gestão
pública e fortalecimento da sociedade. Atua na região amazônica do oeste do Pará, conhecida
como Calha Norte, nos municípios de Oriximiná, Terra Santa e Faro. Possui como objetivos
implementar estratégias integradas para o desenvolvimento local de forma sustentável,
incluindo as populações residentes e o poder público, contribuindo, assim, a médio prazo,
com a redução da dependência econômica que essa região possui em relação a mineração de
bauxita (PROGRAMA TERRITÓRIOS SUSTENTÁVEIS, 2019).
Os municípios de atuação do PTS enfrentam situações de desigualdade econômica e
social crescente e um cenário de interações complexas, pois apesar desses municípios
apresentarem PIBs elevados devido a alta arrecadação proveniente tanto da Compensação
Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) – os chamados royalties da
mineração – quanto de impostos como ICMS Verde e até ISS, os índices de desigualdade
social também se mostram elevados. Além disso, a área abrangida pelo Programa Territórios
Sustentáveis está inserida numa área que possui uma das maiores extensões de florestas
tropicais protegidas do mundo, com uma sociodiversidade que inclui ribeirinhos, quilombolas
e indígenas, inseridos em um contexto econômico que engloba atividades produtivas baseadas
no extrativismo, agricultura, pecuária e mineração. A chegada da MRN nessa região, por
exemplo, criou expectativas pelo aumento da arrecadação financeira pelos municípios e a
geração de empregos e renda para a população local, contudo, além de causar dependência
econômica nos municípios e alteração nas relações sociais locais estabelecidas anteriormente,
também vem ocasionando impactos sociais e ambientais, como desmatamento, poluição de
corpos hídricos e diminuição da biodiversidade local (PROGRAMA TERRITÓRIOS
SUSTENTÁVEIS, 2019).
O Programa Territórios Sustentáveis atua de forma integrada em cinco eixos: Gestão
166
Pública, Capital Social, Desenvolvimento Econômico, Gestão Ambiental e Quilombola que
foram levantados como prioridade, baseando-se nos diagnósticos dos territórios, os quais
norteiam o trabalho da Agenda Pública, Ecam e Imazon por 15 anos, a partir de 2017. O eixo
quilombola possui como objetivo: apoiar as comunidades quilombolas em sua organização,
com o objetivo de fortalecer as suas organizações, sua governança e gestão comunitárias,
promovendo oficinas de planejamento, capacitações, encontros e reuniões que potencializam
a atuação de suas organizações nos processos de relacionamento com os outros sujeitos da
região e nos seus planejamentos comunitários (PROGRAMA TERRITÓRIOS
SUSTENTÁVEIS, 2019).
É um canal aberto através mesmo da Constituição que vai nos ajudar a
receber ajudas de parceiros como ECAM e várias ouras instituições
que estão aí disponíveis pra ajudar as comunidades quilombolas. E, a
gente, uma vez organizados através da Associação de Moradores, nós
temos mais confiança, mais respaldo pra receber essas ajudas pro
desenvolvimento da nossa comunidade (E 16, 2018).
Na primeira etapa do Programa Territórios Sustentáveis, os TQs elaboraram os seus
planos de vida e criaram, em colaboração com a Funtec, o Fundo Quilombola, os quais fazem
parte das ações do Eixo quilombola. O Plano de Vida e o Fundo Quilombola são duas
ferramentas de gestão territorial. O Plano de Vida é um plano de gestão territorial,
instrumento que possibilita às comunidades quilombolas planejar seus objetivos de
desenvolvimento, para, a partir destes, buscar e implementar parcerias com o intuito de
concretizá-los por meio do Fundo Quilombola, um mecanismo financeiro construído,
colaborativamente, para que os territórios quilombolas possam receber e gerir recursos para
subsidiar as ações aprovadas no Plano de Vida (PROGRAMA TERRITÓRIOS
SUSTENTÁVEIS, 2019).
A gestão do Fundo Quilombola é realizada pela Fundação de Tecnologia Florestal e
Geoprocessamento (Funtec), instituição fundada em 1998, com sede em Brasília-DF, com o
objetivo de apoiar alguns projetos ambientais, bem como o laboratório de produtos ambientais
do Ibama. A escolha da Funtec foi realizada pelos representantes das associações dos
territórios quilombolas do Erepecuru (Acorqe), Ariramba (Acorqa), Água Fria (ACRQAF),
Boa Vista (ACRQBV), Alto Trombetas I (Mãe Domingas), Área Trombetas (Acorqat), além
da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Oriximiná (Arqmo). O
Plano de Vida possibilita que os recursos do Fundo Quilombola sejam utilizados da melhor
maneira possível, com o intuito de melhorar a qualidade de vida das pessoas, gerando
167
desenvolvimento e autonomia para as comunidades quilombolas (PROGRAMA
TERRITÓRIOS SUSTENTÁVEIS, 2019).
O acesso a tecnologias globais
Nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1 a comunicação é incipiente, já que não
possuem cobertura de sinal para serviços de telefonia móvel, assim como não há cobertura de
sinal de internet 3G ou 4G. O serviço de internet está disponível apenas nas escolas polo dessa
microrregião, onde as pessoas utilizam o serviço de WhatsApp para se comunicarem.
Aproximadamente 65% das famílias Entrevistadas (Gráfico 16), ainda utilizam recados como
principal meio de comunicação, o que demonstra uma dificuldade de implantação de
tecnologias mais modernas utilizadas atualmente na comunicação. Contudo, cerca de 37% dos
Entrevistados utiliza aparelho de telefone celular como meio de comunicação, que usam
quando vão a Porto Trombetas ou a Oriximiná. Atualmente, as bases de fiscalização do
ICMBio situada também são pontos importante de contato da comunidade com o externo,
pois o órgão ajuda a transmitir recados (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018;
ARQMO, 2018).
Gráfico 16 – Meios de comunicação utilizados pelos quilombolas
Fonte: ARQMO (2018)
Desde 2014, com o apoio da MRN, vem sendo implantados telefones rurais nos
territórios quilombolas que estão no entorno do projeto minerador, entretanto, não foi possível
a implantação desse serviço nas comunidades do TQ Alto Trombetas 1, conforme consta na
168
Ata de uma reunião realizada pela MRN com as associações: Mãe Domingas, ACRQAT,
Arqmo e coordenadores de comunidades da microrregião Alto Trombetas para tratar de
assuntos diversos:
Sobre a implantação de celulares rurais nas comunidades do Alto Trombetas, foi
feita visita técnica da empresa DG Sat de Oriximiná, e após as medições de sinal, foi
detectado que do Mãe Cué até o Abuí, não há sinal de celular. A MRN informou que
a compra desse serviço para as oito comunidades onde foi encontrado sinal de
celular, está em andamento. Manoel Siqueira esclareceu que as medições no Abuí,
Paraná, Tapagem, Sagrado e Mãe Cué foram acompanhadas pelos moradores de
cada comunidade e não houve sucesso. Ficou definido que durante instalação da
Área Trombetas II, será avaliada uma forma de solucionar o problema da Área
Trombetas I (ATA DE REUNIÃO REALIZADA NO DIA 07/07/2014 PELA
MRN).
Atualmente, está em fase de operação nas comunidades da microrregião Alto
Trombetas o projeto “Inclusão Digital Quilombola”, do Programa Territórios Sustentáveis,
que tem por objetivo a instalação de internet via satélite nas escolas das comunidades
quilombola. Os pontos de “Inclusão Digital” foram instalados nos territórios de Cachoeira
Porteira, Mãe Domingas, Alto Trombetas 2, Boa Vista Trombetas, Água Fria, Erepecuru,
Área Trombetas e Ariramba e também nas escolas quilombolas de Tapagem (Alto Trombetas
1), Jamari (Alto Trombetas 2), Aracuã de Baixo e Serrinha (Área Trombetas) e Boa Vista
Cuminã (Erepecuru). O TQ Alto Trombetas 1 não possui sinal de celular e nem de internet,
mas a comunidade Último Quilombo possui sinal de telefonia celular da operadora Vivo e
também sinal de internet pela mesma operadora, devido a proximidade com a company town
Porto Trombetas (ARQMO, 2018).
A circulação
O acesso ao TQ Alto Trombetas 1 e a comunidade Último Quilombo se dá
exclusivamente por via fluvial, através do rio Trombetas, e seus tributários navegáveis em
todos os períodos do ano. O acesso a comunidade Último Quilombo, devido estar localizada
no interior da Rebio do Rio Trombetas, deve ser previamente autorizado pelo ICMBio
(OBSERVAÇÃO DE CAMPO, 2018/2019).
O TQ Alto Trombetas 1 e a comunidade Último Quilombo não possuem rotas
regulares de “barcos de linha”, sendo que os moradores das comunidades do TQ Alto
Trombetas 1, geralmente, utilizam os “barcos de linha” que possuem rotas regulares entre a
cidade de Oriximiná e a comunidade Cachoeira Porteira. Em geral, os moradores possuem
169
embarcações próprias – canoas, rabetas, bajaras, barcos e lanchas – para uso individual e
familiar, sendo que alguns moradores que possuem barcos, eventualmente, também
transportam outras pessoas da comunidade. Além disso, em geral, cada uma das comunidades
do TQ Alto trombetas 1, assim como a comunidade Último Quilombo, possuem barco para o
transporte de comunitários – principalmente nos períodos de fim/início de mês – quando vão
até Oriximiná para acessar serviços e comércios na cidade e/ou uma lancha para transporte em
situações de emergência (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Há ainda os caminhos de acesso às residências, às roças e às áreas de uso coletivo,
como o centro comunitário. Para chegar a outras comunidades, a única opção é a navegação
pelos rios e lagos. Esta é feita em embarcações particulares, normalmente de pequeno porte,
ou na lancha da comunidade. No percurso pelo rio Trombetas, acima e abaixo da comunidade
Sagrado Coração de Jesus, há dois postos de fiscalização do ICMBio, aos quais os
quilombolas devem se apresentar, obrigatoriamente, por se tratar de trânsito em unidade de
conservação (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Os rios, lagos e igarapés, além se serem o espaço de pesca, também são vias de
circulação e de acesso às áreas de coleta de castanha e outros produtos. Nas margens destes,
são construídos pequenos “portos” (FIGURA 17), onde, geralmente, é construída a chamada
“ponte”, uma estrutura de tábuas construídas sobre estacas, que atende a diversas finalidades:
atracação de canoas, banho, lavagem de roupa, além de servir de ponto de acesso à rede
hidrográfica do Trombetas, principal via de circulação de pessoas e da produção, já que não
há acesso por estradas ou rodovias (OBSERVAÇÃO ESTRUTURADA, 2018/2019).
Figura 17 – “Pontes” construídas nos chamados “portos”. O “porto” é a conexão entre os
locais de moradia e os rios, lagos e igarapés, que, por sua vez são a via de acesso as áreas de
castanhais, de roçados, de caça e pesca (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA). Fonte:
PICANÇO (2018).
170
A circulação de pessoas e de produtos pelo território é feita nas chamadas “rabetas”,
em barcos movidos a motor a diesel, em canoas, a pé ou em lanchas rápidas, conforme
informado pelos Entrevistados 17, 19, 20, 23, 26, 27.
“O meio de transporte aqui é rabeta cada um tem o seu e o barco da Comunidade e a
lancha para ir para Cidade geralmente vai no barco da Comunidade ou vai com
alguém que tem o barco maior Agente vai á Oriximiná todo final de mês” (E 17).
[...]
“Aqui o meio de transporte é o mesmo para andar aqui para ir para cidade barco,
rabeta, rabeta é o que mais tem, na cidade a moto, no interior é rabeta”(E 19).
[...]
“O meio de transporte é rabeta, canoa, barco é para ir para cidade quando não é no
barco da gente, é no barco da linha né, lá de Trombetas, de rabetinha mesmo vai
também, a gente vai uma vez por mês lá para Cidade” (E 20).
[...]
“[meio de transporte?] Rabeta e barco, barco de linha” (E 23).
[...]
“Ainda tem isso, tem esses barcos de linha, mas quando a gente vai no barco de
linha, tem vez que a gente é até humilhado no barco da linha, porque é deles mesmo
né? E aí, em vez de melhorá fica atrapalhando e apiorando pra gente” (E 6, 2018).
[...]
“O meio de transporte é rabeta, a gente vai pra cidade no barco da linha, às vezes, no
nosso rabeta. A gente vai só no final do mês lá” (E 26).
[...]
“[Transporte?] Antes, era no remo, saia 2 horas da manhã, pra chegar lá na feria 5
horas da manhã. Aí, depois ele comprou um rabeta, aí foi melhorando, né? Até que
chegou nesse aí. Depois que ele se aposentou chegou nesse aí. A gente vai receber
nosso dinheirinho, faz compra, aí vem embora” (E 27).
Analisando-se as falas dos Entrevistados 17, 19, 20, 23, 26, 27, é possível inferir que
os dois principais meios de locomoção dos quilombolas do TQ Alto Trombetas 1 e da
comunidade Último Quilombo são a rabeta e o barco (FIGURA 18), sendo o primeiro mais
acessível que o segundo porque custa mais barato. A rabeta é mais utilizada em viagens
curtas, enquanto o barco é mais utilizado em viagens longas, devido, principalmente, a
segurança e estabilidade de navegação que os barcos oferecem. Os quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil utilizam o barco para se locomover até a cidade de
Oriximiná, onde, enquanto ancorados no porto da cidade, é comum se transformarem em
moradias para as pessoas que neles viajam e que não possuem casa na cidade. A locomoção a
pé ou em canoas, geralmente, é feita em curtas distâncias, entre casas de vizinhos, por
exemplo, ou para caçar, pescar, coletar produtos ou transportar produtos das roças.
171
Figura 18 – Principais meios de transporte utilizado pelos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas. À esquerda as chamadas
rabetas, muito utilizadas pelos coletores tradicionais de castanha-do-brasil do TQ Alto
Trombetas 1 e da comunidade Último Quilombo. À direita um barco de propriedade de um
regatão local, que também é utilizado para o transporte dos alunos da comunidade Último
Quilombo para a escola sediada na comunidade do Moura. O barco é o meio de transporte
mais utilizado para viagens a longas distâncias. O proprietário do barco também trabalha na
Coopbarcos, pelo regime de quinzena. Fonte: PICANÇO (2019).
5.3 O TERMO DE COMPROMISSO E AS IMPLICAÇÕES NA CADEIA PRODUTIVA
DA CASTANHA-DO-BRASIL COLETADA NA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO
TROMBETAS
Desde meados do século XIX, a castanha-do-brasil tem figurado como um produto de
grande importância econômica dentre os produtos extrativos florestais não madeiros extraídos
da microrregião Alto Trombetas. É importante para os quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil, que têm no trabalho de coleta desse produto importante fonte de renda
para a reprodução de seu modo de vida. Mas também é importante para os
regatões/atravessadores, donos de usinas de beneficiamento de castanha-do-brasil e empresas
atacadistas e varejistas. Estas veem nesse produto uma forma de obter lucro através da mais-
valia, seja por meio da agregação de valor nas etapas de distribuição e circulação, seja no
beneficiamento do produto. Além disso, essa atividade produtiva faz parte da tradição dos
quilombolas do vale do rio Trombetas, que coletam esse produto, para fins comerciais, desde
a segunda metade do século XIX (CASTRO; ACEVEDO, 1998). O trabalho de coleta desse
produto é um importante elemento caracterizador do modo de vida dos quilombolas do vale
do rio Trombetas, principalmente, nas lutas pelo reconhecimento e titulação de seus
territórios.
172
5.3.1 Aspectos bioecológicos da castanha-do-brasil
A castanha-do-brasil12
(FIGURA 19) é a semente encontrada no interior do ouriço,
fruto da castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa H.&K.), árvore pertencente à família
Lecythidaceae, gênero Bertholletia e espécie excelsa (PACHECO; SCUSSEL, 2006). A
castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa H. B. K.) representa a única espécie existente no
gênero Bertholletia e, embora exista uma considerável variação no tamanho, forma e número
de sementes por fruto, não se constitui justificativa plausível para reconhecer mais de uma
espécie (MORI; PRANCE, 1990). É uma espécie popularmente denominada de castanheira,
castanheira-do-brasil, castanheira-do-pará, castanheira-do-maranhão, castanheira-da-
amazônia, Brazil nuts ou Para nuts, para os anglo-americanos, e noix du Brésil ou noix de
Para, para os franceses (SALOMÃO, 2014).
A castanheira-do-brasil (FIGURA 19) é uma árvore que possui caule ou tronco em
formato cilíndrico, liso e desprovido de galhos ou troncos até a altura da copa. Pode atingir 50
metros de altura, tendo em geral entre 20 e 30 metros na idade adulta, e apresenta um
Diâmetro a Altura do Peito (DAP) superior a 02 (dois) metros. Uma das explicações para a
altura alcançada pela espécie, que a destaca na floresta, é a necessidade de luz, uma vez que a
castanheira é uma planta tipicamente heliófila. Sua casca possui cor acinzentada e a madeira é
tida como adequada para vários usos industriais, embora o corte da árvore seja proibido pelo
Decreto Federal nº 1.282, de 19 de 1994 (HOMMA, 1984).
12
Apesar de ser chamada de castanha-do-pará, comercialmente, a partir do Decreto-Lei nº 51.209, de 18 de
setembro de 1961, passou a ser denominada, para efeito de comércio exterior, como castanha-do-brasil
(BRASIL, 1961)
173
Figura 19 – Árvore da castanheira-do-brasil e no canto superior, à direita, ouriços e sementes
da castanheira. Fonte: http://www.oleodecastanha.com.br/home/;
http://www.celeiroprodutosnaturais.com.br/castanha-do-para-granel-100g
A castanheira ocorre em agrupamentos conhecidos como “castanhais” ou “bolas de
castanha”, como são conhecidos na microrregião Alto Trombetas, ou ainda “pontas de
castanhais”. Em áreas de ocorrência natural de castanheiras pode-se encontrar 1,3 e até 5,1
árvores adultas por hectare (PERES; BAIDER, 1997). Estudos revelam densidades entre 1,3 e
4,0 árvores por hectare na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. Na Floresta Nacional
de Caxuanã ocorre entre 10 a 12 árvores por hectare. No Trombetas, a densidade varia muito,
entre 0 a 15 árvores por hectare (FIGURA 20). A densidade média de castanheiras é de 01
(uma) árvore por hectare (CYMERYS et al., 2005, p. 62).
174
Figura 20 – Densidade da castanheira-do-brasil, que deve ser levada em consideração
para fazer os manejos e o trabalho de coleta.
Fonte: CYMERYS et. al. (2005, p. 62).
O crescimento da castanheira-do-brasil é demorado, frutificando a partir dos 8 ou 10
anos. Em alguns casos, a frutificação pode começar após os 20 anos. A floração da
castanheira-do-brasil ocorre, geralmente, nos meses de agosto, setembro e outubro e a coleta
nos meses de novembro a março. No Acre, as flores da castanheira começam a abrir no final
da estação seca, quando os frutos da floração anterior estão quase prontos para caírem. As
flores aparecem de outubro a dezembro, e os frutos amadurecem em 14 ou 15 meses, caindo
de dezembro a fevereiro. No Pará, as flores aparecem entre setembro e fevereiro e os frutos
caem entre janeiro e abril (FIGURA 21) (CYMERYS et. al., 2005).
Figura 21 – Ecologia da castanheira-do-brasil, que pode variar em cada região.
Fonte: Adaptado de CYMERYS et al. (2005, p. 62).
A castanha-do-brasil é rica em proteínas e calorias, sendo considerada por muitos
como “carne vegetal”, pois a semente da castanha-do-brasil possui, mais ou menos, metade da
proteína e duas vezes mais calorias que as contidas num bife, entre 12% a 17% de proteína e a
farinha sem gordura possui 46% de proteína, enquanto a carne de gado possui entre 26% a
31% de proteína. Além disso, a proteína da castanha-do-brasil é quase equivalente à do leite
de vaca, contendo aminoácidos completos. A castanha-do-brasil possui minerais como
fósforo, potássio e vitamina B. Em adição, 100 gramas de castanha-do-brasil contêm: 61
gramas de gordura; 2,8 miligramas de ferro; 180 miligramas de cálcio; 4,2 miligramas de
zinco. A castanha-do-brasil também contém grandes quantidades de metionina, que é um dos
175
elementos nutritivos mais limitados na dieta amazônica. Também contém selênio, um mineral
que possui papel importante como anti-oxidante, uma vez que a oxidadação influencia no
envelhecimento, Mal de Parkinson e Alzaimer. Logo, o selênio pode ser utilizado no
tratamento dessas doenças (BENTON, 2002).
A castanha-do-brasil é integralmente aproveitada, sendo consumida in natura, cozida e
cristalizada, em óleo, farinha ou farelo. Também é empregada em confeitarias e na indústria
farmacêutica e de cosméticos, entretanto, por uma questão de cultura e de oportunidades de
empreendimentos, apenas a parte comestível é que a maioria das empresas utiliza. É
importante ressaltar que de todas as formas de uso a que está gerando maior valor agregado é
a de insumo da indústria de cosméticos (QUADRO 11).
Quadro 11 – Usos gerais da castanha-do-brasil Partes da
castanha-do-
brasil
Usos gerais da castanha-do-brasil Onde são consumidos/por quem
Amêndoa
Descascada e comida fresca, bombom,
sorvete, doce, farinha e leite para temperar
comida.
Feiras, lanchonetes, supermercados, que
vendem ao consumidor final, pessoas que
consomem a castanha-do-brasil in natura ou
como ingredientes de outros alimentos;
Óleo Sabonete, creme, xampu, óleo trifásico. Indústrias de cosméticos que comercializam
com o consumidor final;
Ouriço
Artesanato, brinquedos (pés de ouriço),
remédio, carvão, pilãozinho, tigela para
coletar seringa
Comunidades tradicionais;
Casca Remédio (chá) para diarreia. Comunidades tradicionais;
Madeira
Historicamente muito utilizada para estacas e
construção, mas hoje é ilegal derrubar
castanheiras silvestres.
Sem utilização, pois é ilegal;
Fonte: Adaptado de CYMERYS et al. (2005, p. 63).
5.3.2 A cadeia produtiva da castanha-do-brasil coletada na Reserva Biológica do Rio
Trombetas
Segundo Costa e Nunes (2015), a cadeia produtiva “é o conjunto de relações
socioeconômicas de produção que são estruturadas para manter a produção e vender,
transportar e vender o produto”, até chegar ao consumidor final, cujas relações entre os
sujeitos que a compõem são de interdependência e determinadas por forças hierárquicas.
Sobre a cadeia castanha-do-brasil, Santos et al. (2004) relataram que a falta de conhecimento
de mecanismos de ação dos fatores que interferem no seu desempenho vêm impedindo a
definição de ações que possam favorecer a maior eficiência e competitividade da mesma
(KRAG, 2014).
176
Analisar a cadeia produtiva da castanha-do-brasil como um todo é importante porque o
processo de produção, que tem origem no segmento extrativista (quilombolas), elo inicial da
cadeia produtiva, sofre influência do mercado internacional, por exemplo, muitas vezes,
oscilações no mercado da castanha, interferem no preço pago aos coletores tradicionais de
castanha-do-brasil pelo produto, não compensando, muitas vezes, a coleta. Daí a importância
de se estudar a cadeia produtiva da castanha-do-brasil coletada na Reserva Biológica do Rio
Trombetas como uma totalidade.
Assim, a espacialidade e a espacialização do processo produtivo da castanha-do-brasil
se faz entender pela relação sociedade-natureza, episteme de um conjunto de conhecimentos
interdisciplinares que se tornam fundamentais para a análise e compreensão de um mercado
específico, assim como de sua cadeia produtiva, que com o advento das tecnologias de
transformação, estas fortaleceram e modificaram o uso da biodiversidade vegetal
(BILLACRÊS, 2018). A espacialidade é o movimento concreto das ações e sua reprodução no
espaço geográfico e no território. Já a espacialização como movimento é circunstancial, é o
presente (SANTOS, 1988). Ao contrário da territorialização, a espacialização não é expansão,
são fluxos e refluxos da multidimensionalidade dos espaços. Portanto, não existe
“desespacialização”, pois uma vez realizada em movimento, a espacialização torna-se fato
acontecido, impossível de ser destruído. Logo, a circulação da castanha-do-brasil é um
exemplo de espacialização. A espacialidade é o movimento contínuo de uma ação na
realidade ou o multidimensionamento de uma ação. A espacialidade carrega o significado da
ação. Na espacialidade a ação não se concretiza como é o caso da espacialização. A
espacialidade é subjetiva e a espacialização é objetiva (FERNANDES, 2006).
A espacialidade e a espacialização da castanha-do-brasil, neste processo produtivo,
ocorrem pela identificação e estruturação dos lugares que fazem desta semente uma obtenção
de lucro (para as usinas de beneficiamento) e renda (para os coletores tradicionais de
castanha-do-brasil), dependendo das forças sociais de apropriação e utilização dos recursos,
gerando novas relações de produção. A biodiversidade, por sua vez, é uma produção da
natureza, mas as formas de uso são produções sociais que envolvem a cultura, o capital, as
tecnologias, a infraestrutura, que por meio disto, geram conflitos (COSTA; FERREIRA,
2017). A cadeia produtiva de castanha-do-brasil se constitui/produz/constrói como uma das
especificidades, das diversidades do mercado da biodiversidade, que o objetivo é a produção
de bioprodutos para a obtenção de lucros e concomitantemente territorialização do capital e de
grupos econômicos (BILLACRÊS, 2018).
177
5.3.3 Produção e espacialidade da castanha-do-brasil
No que se refere a produção e espacialidade da castanha-do-brasil, os resultados
indicaram que é difícil estimar a produção de uma castanheira porque o número de ouriços
varia muito entre anos e entre árvores. De uma maneira geral, o tamanho da árvore está
relacionado com a sua produção. Entretanto, isso não é regra, pois existem árvores grandes
que não produzem nenhum ouriço. Uma castanheira produz em média vinte ouriços por ano.
Em média, em cada ouriço existem dezesseis castanhas, cada uma pesando sete gramas.
Normalmente, uma árvore produz quatrocentas e setenta castanhas (SALOMÃO, 1991).
A castanheira é encontrada em praticamente toda a região amazônica da América do
Sul, cobrindo uma superfície de aproximadamente 325 milhões de hectares, com a maior parte
distribuída entre o Brasil, com 300 milhões, a Bolívia com 10 milhões e o Peru com 2,5
milhões de hectares (PACHECO; SCUSSEL, 2006). No Brasil, a castanheira-do-brasil está
mais concentrada, principalmente, nos estados do Acre, Amazonas e Pará, e em menor
concentração nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Amapá e Roraima, sendo este último o
estado amazônico de menor produção.
Até 1990, o Brasil ocupava a posição de liderança no mercado mundial, com 80% do
comércio e uma produção de 51 mil toneladas (PENNACCHIO, 2006). Atualmente, a Bolívia
é responsável por 50% da produção mundial, o Brasil por 37% e o Peru por 13%. Segundo
Pennacchio (2006) e Tonini (2007), os principais fatores que justificam o declínio nos valores
absolutos da produção brasileira são: a redução das áreas de castanhais nativos produtivos,
não havendo uma política de reposição de novos castanhais; as deficiências na cadeia
produtiva, em especial nas logísticas de transporte e de armazenamento; ausência de políticas
e de programas de incentivo à produção, de apoio direto à comercialização e de sustentação
de renda ao extrativista; desvantagens competitivas em relação à Bolívia e o Peru, ao mesmo
tempo em que investimentos e incentivos fiscais na Bolívia tornaram este país líder no
mercado internacional; aliadas as dificuldades de atendimento às exigências fitossanitárias
para exportação, especialmente quanto aos limites de tolerância para presença de aflatoxinas –
substância tóxica produzida por muitas das espécies do fungo Aspergillus, que deixam as
amêndoas da castanha-do-brasil com uma qualidade ruim para a alimentação, saúde e
comercialização – até 30 ppb no Brasil, e até 4 ppb nos EUA e Europa. Além desses fatores,
as condições climáticas desfavoráveis, como escassez de chuvas em diversas localidades das
Regiões Norte, Nordeste e Sudeste – fenômeno que afetou a produtividade das espécies –
aliados à escassez de mão de obra para a coleta, também contribuem para a diminuição da
178
produção nacional de castanha-do-brasil (PENNACCHIO, 2006; TONINI, 2007).
Nos dados oficiais do IBGE a castanha-do-brasil ocupa o terceiro lugar entre os
produtos extrativos não madeireiros do grupo “Alimentícios”, ocupando a terceira posição em
valor de produção no ano de 2017 (R$ 104,1 milhões), ficando atrás apenas do açaí, produto
que apresentou a segunda maior quantidade produzida em 2017 (219,9 mil toneladas), mas
apresentou o maior valor de produção (R$ 596,8 milhões), seguido pela erva-mate, que apesar
de produzir a maior quantidade, apresentou o segundo maior valor de produção, com
R$ 423,9 milhões (IBGE, 2018).
Gráfico 17 – Quantidade produzida (mil toneladas) e valor de produção (milhões de reais) na
extração vegetal de produtos não madeireiros no Brasil
0,0
100,0
200,0
300,0
400,0
500,0
600,0
700,0
Mil
ton
ela
das
e M
ilh
ões d
e r
eais
Produtos extrativos não madeireiros do grupo “Alimentícios”
Quantidade produzida (mil
toneladas)
Valor de produção (milhões de
reais)
Fonte: IBGE (2018). Elaboração própria.
Em 2017, a castanha-do-brasil figurou entre os quatro produtos extrativos vegetais não
madeireiros com maior valor de produção, apesar de ter apresentado queda de 24,56% na
quantidade absoluta produzida em relação a produção de 2016, passando de 34,6 para 26,1
mil toneladas (GRÁFICO 17). Contudo, geralmente, a produção de castanha-do-brasil
apresenta um movimento cíclico que não mostra definitivamente uma tendência crescente.
(GRÁFICO 18).
179
Gráfico 18 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida no Brasil, em toneladas,
entre 1994 e 2017
Fonte: IBGE – Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, 2018. Elaboração própria.
No Brasil, a participação relativa da Região Norte no total da produção brasileira de
castanha-do-brasil entre os anos de 1994 a 2005 se manteve, em média, por volta dos 99%, o
que demonstra alta concentração da produção desse produto nessa região (GRÁFICO 19). A
partir do ano de 2006 até 2017, a participação relativa da Região Norte no total da produção
nacional passou a ser, em média, de 96%, destacando-se, fora da Região Norte, o estado do
Mato Grosso, que, em 2017, produziu 1706 toneladas e, atualmente ocupa a 5ª posição dentre
os estados produtores de castanha-do-brasil (IBGE, 2018).
180
Gráfico 19 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida nos estados brasileiros da
Amazônia, em toneladas, entre os períodos de 1994 a 2017
Fonte: IBGE – Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, 2018. Elaboração própria.
No Brasil, a produção da castanha-do-brasil está altamente concentrada nos estados do
Acre, Amazonas e Pará, que detêm, atualmente, 83% da produção, com os demais estados
(Rondônia, Mato Grosso, Amapá e Roraima) totalizando os 17% restantes, sendo que,
atualmente, o estado do Amazonas é o maior produtor de castanha-do-brasil, com um total de
12.786 toneladas, ou seja, 48,8% da produção do país, seguido pelo estado do Acre, que
responde por 18,3% da produção nacional, pelo estado do Pará, com 16%, e por Rondônia
com 7,1% do total nacional. Roraima é o estado da Amazônia que apresenta a menor
produção, com uma média histórica de 0,34% da produção nacional (IBGE, 2018).
Tabela 03 - Quantidade produzida e participação na produção nacional de
castanha-do-brasil dos 08 principais estados brasileiros produtores, em ordem
decrescente – ano 2017
Estado (UF) Produção (Ton)
Ano (2017)
Particiapção na
produção nacional
(% )
Amazonas 12.786 48,8
Acre 4.790 18,3
Pará 4.186 16,0
Rondônia 1.865 7,1
Mato Grosso 1.706 6,5
Amapá 476 1,8
Roraima 380 1,5
Tocantins 02 0,0
Total 26.191 100,0
Fonte: IBGE - Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, 2018.
181
O estado do Pará figura, nos últimos cinco anos, como o terceiro maior produtor de
castanha-do-brasil dentre os estados brasileiros produtores, contribuindo com 19,71% da
produção nacional (IBGE, 2018). Deste montante, o município de Oriximiná contribuiu, em
média, com 24,22% da produção estadual, sendo o maior produtor do estado. Atualmente, o
município de Oriximiná ocupa a 6ª posição dentre os 20 principais municípios brasileiros
produtores de castanha-do-brasil (Tabela 04), com uma produção, em 2017, de 885 toneladas,
o que responde por de 21% da produção do estado do Pará, e representa uma participação de
3,38% na produção nacional (IBGE, 2018).
Tabela 04 - Quantidade produzida e participação na produção nacional de
castanha-do-brasil dos 20 principais municípios produtores e respectivas
Unidades da Federação, em ordem decrescente – ano 2017
Municípios produtores e
respectivas Unidades da
Federação
Castanha-do-brasil
Quantidade
produzida (t)
Participação na
produção da Região
Norte (%)
Participação na produção
brasileira (%)
Brasil 26191 ---------- 100,00
Norte 24485 ---------- 93,48
Humaitá – AM 3280 13,40 12,52
Beruri – AM 3000 12,25 11,45
Lábrea – AM 1200 4,90 4,58
Porto Velho – RO 1080 4,41 4,12
Boca do Acre – AM 900 3,68 3,44
Oriximiná – PA 885 3,61 3,38
Sena Madureira – AC 867 3,54 3,31
Tefé – AM 700 2,86 2,67
Rio Branco – AC 673 2,75 2,57
Óbidos – PA 670 2,74 2,56
Brasiléia – AC 650 2,65 2,48
Codajás – AM 600 2,45 2,29
Guajará-Mirim – RO 600 2,45 2,29
Epitaciolândia – AC 551 2,25 2,10
Alenquer – PA 520 2,12 1,99
Xapuri – AC 503 2,05 1,92
Autazes – AM 465 1,90 1,78
Manicoré – AM 460 1,88 1,76
Capixaba – AC 382 1,56 1,46
Acrelândia – AC 323 1,32 1,23
Outros 7882 32,19 30,09
Fonte: IBGE - Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, 2018.
No município de Oriximiná, a microrregião Alto Trombetas é uma das áreas com
182
maior produção de castanha-do-brasil, principalmente as áreas de castanhais que se encontram
no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Nos últimos cinco anos, a microrregião
Alto Trombetas contribuiu, em média, com 6,24% na produção do município de Oriximiná.
Contudo, entre os anos de 1994 a 2005, a produção de castanha-do-brasil da microrregião
Alto Trombetas contribuiu, em média com 62,25% da produção do município (ICMBio,
2018)13
. Esse declínio na produção pode estar relacionado à criação e à implantação da
Reserva Biológica do Rio Trombetas, em 1979, com uma área de 385.000 hectare, sobreposta
a territórios centenários de quilombolas, restringindo, assim, o acesso desses grupos aos
recursos do território necessários a reprodução de seu modo de vida. A Reserva Biológica do
Rio Trombetas está localizada sobre um território extremamente rico em diversidade
biológica, onde se encontram grandes “lagos” e densa floresta, além dos principais e mais
densos platôs cobertos por castanhais, áreas com as quais os quilombolas criaram fortes
vínculos de territorialidade, visto que estes povos têm o seu modo de vida estruturado na
coleta da castanha-do-brasil (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
A partir de 2002, ano em que os acordos para a coleta de castanha-do-brasil
começaram a ser firmados com o IBAMA e posteriormente com o ICMBio, é possível
observar no Gráfico 20 uma queda na produção de castanha-do-brasil produzida na Reserva
Biológica do Rio Trombetas. No período de 1990/2001, a produção média anual oscilou em
torno de 1433,2 toneladas, volume que diminuiu no período de 2002/2018, quando a média
passou a ser de 318,7 toneladas. Para análise dessas informações, é preciso considerar as
limitações do ICMBio na coleta desses dados, afim de que não haja interpretação errônea. A
produção de castanha-do-brasil apresentou um movimento cíclico que não mostra
definitivamente uma tendência crescente, sendo que entre os anos 1990 a 2018 houve uma
queda de 82% na quantidade absoluta produzida, passando de 2.200 toneladas para 380,2
toneladas (GRÁFICO 20) (ICMBIO, 2018).
13
Dados coletados nos arquivos do Núcleo de Gestão Integrada – NGI/ICMBio Trombetas, durante pesquisa de
campo, 2018.
183
Gráfico 20 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida em Oriximiná e na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, em toneladas, entre os períodos de 1990 a 2005 e 2012 a 2018.
Fonte: ICMBio, 2018. Elaboração própria
A produção brasileira de castanha-do-brasil, a da Região Norte e a do estado do Pará,
assim como a produção do município de Oriximiná e da Reserva Biológica do Rio Trombetas,
possuem um mesmo padrão, apresentando grandes oscilações que não mostram
definitivamente uma tendência crescente, sendo que entre os anos 1994 a 2017, no município
de Oriximiná houve uma queda de 57,6% na quantidade absoluta produzida, passando de
2.090 para 885 toneladas (GRÁFICO 21). Todavia, o município já registrou um pico de
produção de 3000 toneladas, em 2012 (IBGE, 2018; ICMBIO; 2018).
184
Gráfico 21 – Produção extrativa de castanha-do-brasil produzida no Brasil, na Região Norte,
no estado do Pará e no município de Oriximiná, em toneladas, entre 1994 e 2017
Fonte: IBGE (2018); ICMBIO (2018). Elaboração própria.
5.3.4 Organização e o uso do território das diversas etapas da produção da castanha-
do-brasil
Segundo Castillo e Frederico (2010), a espacialidade da produção perpassa analisar a
organização e o uso do território das diversas etapas do circuito espacial produtivo da
castanha-do-brasil. De maneira geral, o uso e a organização territorial referem-se à
quantidade, à qualidade, à distribuição e ao arranjo espacial dos sistemas de objetos
envolvidos na circularidade da produção, e a maneira como são usados, possibilitando
verificar, a um só tempo, a organização interna dos subespaços, o uso coletivo dos sistemas
técnicos e a forma como são estabelecidas as relações com outros subespaços (CASTILLO;
FREDERICO, 2010). Cada lugar, de base territorial, portanto física e politica e
socioeconômica, abriga, ao mesmo tempo, diferentes etapas de diversos circuitos espaciais
produtivos, permitindo; 1) confrontar a configuração territorial pretérita com os novos
arranjos espaciais produtivos; 2) avaliar o papel das densidades normativas, inclusive as
solidariedades institucionais e as relações de conflito e cooperação entre as diversas escalas
do poder público; 3) identificar a hierarquia entre os lugares e as diversas temporalidades
coexistentes (CASTILLO; FREDERICO, 2010).
185
Segundo Castillo e Frederico (2010), a decisão a respeito da localização das atividades
produtivas dominantes é resultado, sobretudo, no atual período, de decisões corporativas
sobre atributos materiais (naturais e técnicos) e normativos presentes em cada lugar. No caso
do mercado da castanha-do-brasil, este necessita da matéria-prima in-natura, que é um
recurso natural encontrado em ecossistemas florestais amazônicos da América do Sul,
extraído por meio do trabalho de coleta pelos coletores tradicionais de castanha-do-brasil,
enquanto o beneficiamento dessa matéria-prima ocorre nas usinas de beneficiamento
localizadas no espaço urbano. Logo, a produção na cadeia produtiva da castanha-do-brasil
envolve dois espaços: o rural e o urbano. As diferentes etapas do circuito espacial produtivo
da castanha-do-brasil encontram-se representadas no fluxograma da Figura 22.
186
Usinas de beneficiamento de
castanhaRegatão -
Atravessador local
Atravessador
regional: Regatãode fora
Capacitaçoes para organizaçao dos
castanheirosFinanciamento para infraestrutura
Cooperativa Mista dos Quilombolas
Extrativistas do Município de Oriximina
(CEQMO)
Espaço da
Produção e
Circulação
Associação de Moradores da Comunidade
Último Quilombo Mãe Cecília
Bancos - Financiamento
Aporte financeiro
Disponibilidade de crédito
EMATER-PA
SAGRIAssistência técnica
para a produção
Poder Público Estadual
Espaço
Institucional CPI-SP;
União Europeia;Agência de cooperação
holandesa ICCO
Espaço do
Comércio
Exportaçao para o
mercado Internacional:Bloco Asiático, África e
Nafta
MAPAExigências
fitossanitárias
Exportaçao para diversos
estados do Brasil:
Atacadistas
Varejista: Supermercados, Padarias, Docerias,
Lanchonetes, Feiras
Ex: Grupo Pão de Açúcar; a empresa de alimentos
Seven Boys
Chocolates, barras de cereais, cookies,
doces, bolos, "mixed nuts, sorvetes
Consumidor Final
Poder Público Federal
Natureza
ICMBio
Normas técnicas para
a produção
NaturezaNatureza
Coletor
Tradicional de Castanha
Figura 22 – Fluxograma que representa os espaços: da produção, institucional e do comércio,
nos quais ocorrem as diversas etapas da cadeia produtiva da castanha-do-brasil.
O mercado da castanha-do-brasil abrange diferentes espaços. O espaço da “produção e
circulação” abrange o trabalho do coletor tradicional de castanha-do-brasil, o transporte
realizado pelos regatões e o beneficiamento pelas usinas de beneficiamento. O espaço
“institucional” tem a presença do poder público (federal, estadual e municipal) por meio das
187
instituições, que atuam tanto no espaço da “produção” quanto no espaço do “comércio”, com
uso das políticas públicas que normatizam. O espaço do “comércio” abrange tanto o mercado
nacional quanto o internacional. As usinas de beneficiamento vendem a sua produção para o
mercado atacadista nacional ou internacional. Estes, por sua vez vendem o produto para o
mercado varejista, que pode incluir desde grandes supermercados até padarias e lanchonetes.
Diferentemente da localização do trabalho de coleta da castanha-do-brasil, que é
ditada pela natureza e se caracteriza como lugares que produzem massa e abrigam o comando
técnico da produção (SANTOS, 1996), a decisão a respeito da localização das usinas de
beneficiamento em Óbidos e Oriximiná, por exemplo, é fruto, sobretudo do acúmulo, ao
longo do tempo, da infraestrutura e do conhecimento técnico (material e dos fluxos) acerca do
mercado da castanha-do-brasil, por sujeitos que se especializaram nesse mercado. No caso da
castanha-do-brasil, a escala que produz os fluxos e detém o comando político da produção
(SANTOS, 1996), geralmente, é a nacional e a internacional, uma vez que os governos dos
países importadores criam regras para importação dos produtos, o que reflete nas normas
editadas pelo governo brasileiro tanto para a produção, quanto para a exportação. Tais
normas, por sua vez refletem nas usinas beneficiadoras que precisam adequar suas produções
às exigências de controle sanitário internacionais.
As etapas do circuito espacial produtivo da castanha-do-brasil estão geograficamente
dispersas, assim como os sujeitos que as animam também se encontram em localizações
diferenciadas, possuindo maior ou menor poder de colocar a produção em movimento. Os
diversos sujeitos, com objetivos e perspectivas próprios, se inter-relacionam dentro de
círculos de cooperação cada vez mais intensos e extensos. Dentro dos circuitos espaciais
produtivos são estabelecidos diversos círculos de cooperação: entre as empresas e poderes
públicos locais, regionais e nacionais; entre empresas, associações e instituições etc. É
necessário, portanto, analisar as especificidades dos círculos de cooperação estabelecidos e as
respectivas escalas de poder dos diferentes sujeitos (CASTILLO; FREDERICO, 2010).
O trabalho de coleta da castanha-do-brasil nos castanhais da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, Oriximiná, Pará
O trabalho de coleta é a primeira etapa da cadeia produtiva da castanha-do-brasil. Na
Reserva Biológica do Rio Trombetas, a coleta da castanha-do-brasil é realizada pelos
coletores tradicionais de castanha-do-brasil, homens e mulheres extrativistas, quilombolas ou
não quilombolas, que trabalham com a extração desse produto nos castanhais localizados nas
188
florestas da Reserva Biológica Rio Trombetas (FIGURA 22). Atualmente, são 930 coletores
tradicionais de castanha-do-brasil cadastrados pelo ICMBio, por meio dos TC, para coletar
castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, sendo que destes 663 são
associados a Arqmo, 167 são associados a Aetmo e 100 são associados a Amocreq-CPT
(GRÁFICO 22). Do total de coletores tradicionais de castanha-do-brasil, 684 são do sexo
masculino e 246 do sexo feminino (GRÁFICO 23). A Aetmo é uma associação que representa
os extrativistas do município de Oriximiná, não necessariamente somente coletores
tradicionais de castanha-do-brasil, os quais podem ser quilombolas e não quilombolas.
Gráfico 22 – Associados, por Associação
que firmou termo de compromisso com o
ICMBio para a coleta da castanha-do-
brasil na Reserva Biológica do Rio
Trombetas
Gráfico 23 – Homens e mulheres que
firmaram termo de compromisso com o
ICMBio para a coleta da castanha-do-
brasil na Reserva Biológica do Rio
Trombetas.
246
684
Mulheres
Homens
167
663
100
AETMO
ARQMO
AMOCREQ-CPT
Fonte: ARQMO (2018)
Como já vimos, a cadeia produtiva da castanha-do-brasil sofre interferência da
sazonalidade, devido a sazonalidade e irregularidade da frutificação das castanheiras, que está
ligada a autoecologia da espécie, associada a fatores abióticos do meio, sendo, portanto, a
frutificação induzida por eventos como teor e umidade do solo, temperatura ou outros que
estariam associados, por exemplo, a quantidade de castanha-do-brasil produzida por árvore
em determinado ano (ALMEIDA, 2015).
A queda dos ouriços se inicia em meados do mês de novembro e se estende até
meados do mês de maio, mas o período do trabalho de coleta da castanha-do-brasil difere de
um lugar para o outro, por exemplo, na Reserva Biológica do Rio Trombetas, o período do
trabalho de coleta e comercialização desse produto, acordado em TC com o ICMBio, se inicia
no dia 15 de janeiro e se estende até o dia 31 de maio data que marca o encerramento dessa
atividade no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Nos castanhais localizados no
TQ Alto Trombetas 1, por sua vez, assim como em castanhais localizados em outros
189
territórios quilombolas localizados no vale do rio Trombetas, não há regras que delimitem um
período para o trabalho de coleta da castanha-do-brasil, podendo esta ocorrer desde o início da
safra, que se inicia com a queda dos ouriços, em meados do mês de novembro, e termina com
o basculho14
, que pode variar até meados do mês de junho. O período no qual ocorre o
trabalho de coleta da castanha-do-brasil, seja o período regido pelo ICMBio para a coleta na
Reserva Biológica do Rio Trombetas e Floresta Nacional Saracá-Taquera, seja o período da
coleta no TQ Alto Trombetas 1, é denominado de “safra da castanha. O período de início e
término do trabalho de coleta, assim como o período para o transporte da castanha-do-brasil
coletada na Reserva Biológica do Rio Trombetas é definido pelo ICMBio, conforme
informado pelo Entrevistado 10:
Até mesmo essa parte da coleta com o ICMBio, pra nós que somos acostumados
colher castanha até mês de junho, que a gente chama pra cá..., o cara diz que já tá
catando a castanha... Já fica só já o basculho como a gente chama. O basculho já não
dá de fazer porque eles dão até 31 de maio. O basculho ficava pro mês de junho. O
basculho é a castanha, às vezes, ela não cai tudo. [...] É o restante que fica lá no
finalzinho [...] porque tem castanheira que joga bem atrasado. (E 10, 2018).
Desse modo, a castanha-do-brasil coletada nos TQs localizados no entorno à montante
da Reserva Biológica do Rio Trombetas somente pode ser transportada para fora dessas áreas
até a data limite de 31 de maio, seguindo a mesma regra para a castanha-do-brasil coletada em
castanhais localizados na Reserva Biológica do Rio Trombetas e Floresta Nacional Saracá-
Taquera, podendo esta ser apreendida ao passar pelas bases de fiscalização do ICMBio
localizadas nas bocas15
dos lagos Jacaré e Erepecu, uma vez que os coletores tradicionais de
castanha-do-brasil do TQ Alto Trombetas 1 e das comunidades da Floresta Nacional Saracá-
Taquera não conseguem comprovar que a castanha-do-brasil é oriunda dessas áreas
localizadas no entorno à montante da Reserva Biológica do Rio Trombetas. A regra prejudica
os coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem e coletam nos TQs Alto
Trombetas 1, Cachoeira Porteira e nas comunidades quilombolas localizadas na Floresta
Nacional Saracá-Taquera, pois não há outra via de acesso para escoar os produtos, a não ser
por esses trechos do rio Trombetas que estão localizados no interior da Reserva Biológica do
Rio Trombetas, conforme informado pelo Entrevistado 10:
“E aí esse negócio [regra do termo de compromisso], [...] fica ruim que eles fecham
com um termo de compromisso lá no IBAMA. E aí é que depois que para de coletar
14
Trabalho de coleta da castanha-do-brasil realizado no final da safra, é a catação da castanha que caiu atrasada,
ocorre, geralmente, no mês de junho. 15
Neste caso, o mesmo que furo. Estes interligam o rio Trombetas aos lagos Jacaré e Erepecu.
190
da Reserva até aqui fica também quase parado porque eles cismam se levar o
basculho daqui pra lá, tá coletando na Reserva também. E aí tem até uma folha dum
cadastro que eles dão lá que se chama papeleta. Essa papeleta tem que entregar nesse
final de maio. E aí quando entrega essa papeleta castanha pra aí já está proibido, não
pode passar” (E10, 2108).
[...]
“Até a castanha que a gente tinha pra cá [Território Quilombola Alto Trombetas 1].
Podia até ser do Abuí, mas já não podia mais passar pra levar pra Oriximiná porque
eles [ICMBio] queriam prender. Aí parece que de novo se reuniram. Aí é que tá que
era até trinta de junho já. Aí de lá pronto, não pode mais entrar e tem castanheira que
começa a jogar em junho [depois do término do período de coleta acordado com o
ICMBio]. Olha, eu acho que sim que isso daí o [***] disse que eles iam tentar
resolver isso porque eles nem sabem. Se eles conhecessem de onde é a castanha,
tudo bem, mas eles não conhecem. Tem vezes que aqui tem família que ele vai
tirando e vai guardando a castanha só. Aí pra vender já no final. E só que esse ano
eu não sei se aconteceu isso de alguém levar castanha já depois” (E5, 2018).
A forma como os quilombolas organizam e realizam o trabalho de coleta da castanha-
do-brasil, assim como a gestão e o uso do espaço no âmbito dessa atividade, é
multi/transterritorial, condição cada vez mais presente no mundo contemporâneo que envolve
o trânsito entre múltiplos territórios (HAESBAERT; MONDARDO, 2010; HAESBAERT,
2014). Considera o movimento de, ao mesmo tempo, definir (ou afirmar) e de transgredir
fronteiras, estratégias que visam contornar limites ou, simplesmente, “viver no limite”, já que,
para muitos grupos subalternos, a “vida no limite” (entre o legal e o ilegal, a ordem e a
desordem, entre a barreira e o contornamento) é sua condição de sobre-vivência
(MONDARDO, 2015).
No caso dos quilombolas coletores tradicionais, entendemos que a
multi/transterritorialidade da coleta de castanha-do-brasil se expressa no fato desses coletores
não estarem circunscritos, necessariamente, a territórios específicos e de usufruto exclusivo de
acordo com famílias, comunidades ou territórios quilombolas. Para os coletores tradicionais
de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas todas as castanheiras que estão no
espaço considerado como território quilombola são de usufruto coletivo. Assim, as pessoas
que vivem no TQ podem trabalhar na coleta da castanha-do-brasil em qualquer local do
território por eles considerado de uso coletivo. Assim, pessoas de diversas famílias ou
comunidades que conformam um TQ podem trabalhar não somente nos lugares dentro dos
limites desse território, mas também em lugares localizados em diferentes TQs da
microrregião Alto Trombetas. Por exemplo, os coletores tradicionais de castanha-do-brasil
associados a Aetmo – os quais, em sua maioria, residem em territórios quilombolas que não
estão localizados na microrregião Alto Trombetas, ou ainda, em comunidades que não são
consideradas quilombolas – coletam esse produto nos castanhais da Reserva Biológica do Rio
Trombetas. Contudo, essa organização territorial da coleta não é isenta de conflitos,
191
principalmente entre as Associações, pois os quilombolas que moram na microrregião Alto
Trombetas entendem que a coleta deve ser realizada pelos moradores dos TQs
(OBSERVAÇÕES SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Uma das características dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil
da microrregião Alto Trombetas é a grande mobilidade territorial do trabalho. Os coletores
tradicionais de castanha-do-brasil não possuem locais fixos para a coleta no decorrer do
tempo, assim como, a escolha de coletar em determinado castanhal não está, exclusivamente,
relacionada aos locais de nascimento ou moradia, embora possam ser influenciados por esses
fatores (OBSERVAÇÕES SEMIESTRUTURADA, 2018/2019). Segundo Scaramuzzi (2016),
as relações entre os coletores tradicionais de castanha-do-brasil e seus lugares de trabalho
podem ser permeadas por diversos fatores, tais como a origem dos antepassados, a mobilidade
territorial regida pelos casamentos, o estabelecimento de parcerias de trabalho, a ousadia e o
caráter exploratório de cada extrativista Scaramuzzi (2016).
Conforme Scaramuzzi (2016), as formas de uso dos castanhais, embora sejam
influenciadas pelos diversos fatores supracitados, são ordenadas, em grande medida, aos
conhecimentos adquiridos pela trajetória de vida e pela experiência prática de cada
extrativista nessa atividade produtiva. Quando se acompanha um extrativista, um grupo
doméstico ou um grupo de parceiros de trabalho em determinado castanhal distante do local
atual de moradia dessas pessoas, é possível perceber que o uso dos castanhais é compartilhado
por pessoas de variadas famílias e comunidades que o utilizam devido a critérios e motivos
diversos (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Do mesmo modo, quando se acompanha a coleta de castanha-do-brasil no entorno dos
locais de moradia, nos castanhais próximos a determinadas comunidades, percebe-se que
algumas das pessoas que moram na comunidade próxima não coletam castanha-do-brasil
nesses locais e se deslocam para lugares muito distantes para a realização dessa atividade. No
TQ Mãe Domingas e na comunidade Último Quilombo não há o trabalho de parceria,
diferente das observações feitas por Scaramuzzi (2016) no TQ Cachoeira Porteira.
Durante a “safra da castanha” muitas famílias de coletores tradicionais de castanha-do-
brasil deslocam-se com a família para os castanhais da Reserva Biológica do Rio Trombetas,
onde passam a residir temporariamente, o que diminui o tempo e os custos com
deslocamentos entre a casa do castanheiro e o local de coleta (FIGURA 23)
(OBSERVAÇÕES SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
192
Figura 23 – Família do Sr. E. M. A., coletor tradicional de castanha que no período do
trabalho de coleta desse produto passa a residir, temporariamente, no castanhal Santa Rosa,
localizado no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Fonte: PICANÇO (2019).
Para controlar a coleta da castanha-do-brasil na microrregião Alto Trombetas, o
ICMBio entrega ao coletor tradicional de castanha-do-brasil um formulário, a papeleta de
controle, para o preenchimento de informações sobre a safra da castanha-do-brasil, tais como:
local de coleta (dentro da Flona ou da Reserva Biológica do Rio Trombetas); quem coletou a
castanha-do-brasil, o ano das atividades, a quantidade de caixas coletadas. A papeleta é
distribuída por casal/família, mas se alguém da família optar por coletar em local diferente ou
quiser sua própria papeleta, também poderá obtê-la. No final da safra da castanha-do-brasil o
coletor tradicional deverá entregar a papeleta com as informações nas bases do ICMBio ou
para os coordenadores de comunidade (Floresta Nacional Saracá-Taquera e Reserva Biológica
do Rio Trombetas) e das associações (no caso do entorno, TQ Alto Trombetas 1 e AETMO,
que auxiliarão o coletor tradicional no preenchimento da papeleta. Antes da entrada na
Reserva Biológica do Rio Trombetas os coletores tradicionais de castanha-do-brasil também
devem retirar no NGI/Porto Trombetas um crachá (Figura 24) de identificação que deverá ser
apresentado nas Bases de fiscalização do ICMBio no momento da entrada e saída da Reserva
Biológica do Rio Trombetas e das áreas a montante dessa unidade de conservação
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
193
Figura 24 – Crachá do Coletor tradicional de castanha-do-brasil, um dos documentos de
identificação exigidos pelo ICMBio para a coleta nos castanhais da Reserva Biológica do Rio
Trombetas e de áreas a jusante dessa unidade de conservação. Fonte: ICMBio (2018).
Os coletores tradicionais de castanha-do-brasil que habitam no entorno dos locais de
coleta constroem acampamentos temporários, improvisados com madeiras da própria floresta,
geralmente sem paredes laterais e utilizando para cobertura lonas de plástico ou palha de ubim
(FIGURA 25). A residência temporária dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil na
Reserva Biológica do Rio Trombetas, permitida pelo ICMBIO, por meio de TC, possui como
objetivo otimizar o tempo de trabalho e diminuir os custos com deslocamentos entre o local
de moradia e o local de trabalho na coleta. Os quilombolas coletores tradicionais de castanha-
do-brasil estão proibidos pelo ICMBio de utilizarem os furos, atalhos naturais que encurtam
as distâncias entre os lugares. Assim, as grandes distâncias inviabilizam os deslocamentos
diários entre o castanhal e a casa do coletor, conforme informado pelo Entrevistado 04:
“[...] a gente, praticamente, a gente é escravo do ICMBIO, tá entendo? Porque a base
é lá embaixo, a gente mora aqui pra cima. Aí você sai lá daquele... do final da
Reserva. Aí você vai ter que ir lá pra ele pegar sua papeleta e marcou saída. Aí você
vem aqui na sua casa. Aí na entrada você vai lá pra ele marcar a entrada. Então se
você for analisar a castanha que você coleta você tem um pouco lucro porque aqui
custa sete reais um litro de gasolina e são seis litros pra você vir de lá aqui pra fazer
esse percurso. Então, é isso que eles não colaboram com a gente. Porque se a
pessoa... Eu penso assim se for pra passar quinze dias fora da reserva tudo bem.
Vamos passar lá, olha, saída, eu vou passar tantos dias fora da reserva. Como eu crio
porco ali [no Território Quilombola Alto Trombetas 1], de dois em dois dias eu
tenho que colocar comida. Aí eu tenho que ir lá fazer esse percurso. Aí é um
desperdício de gasolina. Então, pra mim, eu gostaria que eles colaborassem nessa
área. Uma maneira de melhorar pra gente. Eles aqui moram quase aqui de fronte,
dentro da reserva. Agora eles vão lá embaixo, de lá eles sobem. Aí daqui eles voltam
lá embaixo, aí eles vem pra cá pra de frente. Tá difícil [E04, 2018].
194
Figura 25 – Barraco do castanheiro construído pela família do Sr. Edílson Mendes de
Almeida no castanhal Santa Rosa, localizado no interior da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, para abrigar sua família durante a safra da castanha-do-brasil. Fonte: PICANÇO
(2019).
O castanheiro tradicional interna-se nas florestas, a pé, a procura dos ouriços, que são
coletados diretamente do chão, debaixo das castanheiras, com o auxílio de um terçado (facão),
com o qual o castanheiro o atinge com a lâmina e, ainda utilizando-se deste, coloca o ouriço
no paneiro, acoplado em suas costas. Os coletores tradicionais de castanha-do-brasil do Alto
Trombetas possuem como característica principal o trabalho familiar e colaborativo, o qual
potencializa as energias individuais por meio do exercício do trabalho coletivo sob a forma de
ajuda mútua, onde os membros das famílias, homens e mulheres (adultos, jovens e crianças),
muitas vezes, assumem com intensidade tarefas idênticas ou não (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Após a coleta, os ouriços são transportados em paneiros até a margem de rios, lagos e
igarapés para o transporte da floresta para o tapiri, local, geralmente, de mais fácil acesso ao
regatão, ou ainda, transportam a castanha-do-brasil até os pontos de compra estabelecidos
pelo regatão. O regatão é um elo importante do circuito espacial produtivo da castanha-do-
brasil que comercializa e transporta esse produto dos castanhais até a cidade de Oriximiná ou
Óbidos, onde o produto é vendido às usinas de beneficiamento. É o regatão que viabiliza a
circulação da mercadoria (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
A castanha-do-brasil armazenada nos tapiris pelos coletores tradicionais de castanha-
do-brasil é vendida ao regatão, elo importante do circuito espacial produtivo da castanha-do-
brasil que comercializa e transporta as sementes dos castanhais até a cidade de Oriximiná ou
Óbidos, onde o produto é vendido aos armazéns para estocagem e posterior comercialização
195
com as usinas de beneficiamento (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
A partir do dia 31 de maio é proibido o transporte da castanha-do-brasil para fora das
áreas da Reserva Biológica do Rio Trombetas, Floresta Nacional Saracá-Taquera e Território
Quilombola Alto Trombetas 1, podendo ser apreendida ao passar pelas bases de fiscalização
do ICMBio localizadas nas bocas dos lagos Jacaré e Erepecu. A regra prejudica os coletores
que residem e coletam nos TQs Alto Trombetas 1, Cachoeira Porteira e nas comunidades
quilombolas localizadas na Floresta Nacional Saracá-Taquera, pois não há outra via de acesso
para escoar os produtos, a não ser por esses trechos do rio Trombetas que estão localizados no
interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA,
2018/2019).
Os coletores tradicionais de castanha-do-brasil que coletam na Reserva Biológica do
Rio Trombetas não possuem apoio de financiamentos para o trabalho de coleta desse produto,
assim como não possuem acesso a empréstimos. Mas, essa falta de financiamento não se
restringe apenas a produção de castanha-do-brasil, sendo uma realidade que se estende às
demais produções praticadas pelos coletores tradicionais de castanha-do-brasil, tanto na
Floresta Nacional Saracá-Taquera quanto na Reserva Biológica do Rio Trombetas. Mas, é
importante ressaltar que os coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem na
Reserva Biológica do Rio Trombetas sofrem mais restrições para a produção, pois estão em
uma unidade de conservação de proteção integral. No entanto, vale ressaltar que os moradores
da Floresta Nacional Saracá-Taquera, unidade de conservação de uso sustentável, mesmo não
possuindo restrições severas para a produção, também não contam com empréstimos e
financiamentos para a coleta da castanha-do-brasil (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURA,
2018/2019).
O beneficiamento da castanha-do-brasil
No espaço urbano ocorre o processamento industrial da castanha-do-brasil realizado
pelos trabalhadores das usinas de beneficiamento. Segundo Feiteiro (2016), nessa etapa a
castanha-do-brasil passa por diversas fases de processamento industrial até chegar ao produto
final para comercialização com atacadistas e varejistas. Na indústria de beneficiamento ocorre
a lavagem, a secagem e a embalagem a vácuo (FIGURA 26).
196
N
S
Recebimento das amêndoas in natura na
usina de beneficiamento
Peneira vibratória
Tulha da esteira de seleção
Esteira de seleção
Tulha dos classificadores
Classificação das castanhas por tamanho
Armazenamento das castanhas
classificadas emtulhas de acordo com o tamanho
Embalagem das castanhas classificadas
Transporte das castanhas classificadas para
a usina de beneficiamento
Recebimento das castanhas classificadas na
usina de beneficiamento
Secagem das castanhas classificadas
Peneira vibratória
Descanso em tulha
Castanha com
casca (Dryed)
Esteira Classificatória
Castanha não
conforme?
Embalagem e estoque do produto acabado
Expedição para o cliente
Fim
2Retrabalho
N
Autoclave
Lavagem e arrefecimento
Quegragem automática
Seleção manual das amêndoas por
características de qualidade
Peneira classificatória - por tamanhos das
amêndoas
Estufagem das amêndoas
Classificação final das amêndoas
Embalagem e estoque do produto acabado
2
Castanha não
conforme?
SRetrabalho
Castanha não
conforme?
S
Retrabalho
Expedição para o cliente
Fim
Figura 26 – Etapas do beneficiamento da castanha-do-brasil realizado nas usinas de
beneficiamento. Fonte: Mundial/Pribel - Plano de Manejo Tradicional e Orgânico
(2013) apud KRAG (2014).
Existem armazéns para a castanha-do-brasil in natura, para estocagem de produto
acabado e para estocagem de embalagens. Quanto à produção convencional, são adquiridas
castanha-do-brasil de diversos extrativistas/coletores dos municípios da região, tendo como
principais fornecedores da Indústria Mundial: os extrativistas, a população indígena, a
população quilombola e comerciantes regionais (atravessadores) (KRAG, 2014).
197
A indústria destaca como sendo os principais desafios para o desenvolvimento da
atividade na região:
- Incentivos fiscais; redução de impostos;
- Parceria com entidades de pesquisa para a melhoria dos processos e do produto;
- Segurança do produto;
- Aflatoxinas (Laboratórios locais para realizar análises);
- Padrão de qualidade do produto;
- Matéria-prima de qualidade;
- Mão-de-obra qualificada;
- Tecnologia;
- Melhoria dos processos: Certificações (KRAG, 2014).
As usinas de beneficiamento de castanha-do-brasil, geralmente, operam dependendo
de aporte financeiro, pois não trabalham com capital próprio. Se houver disponibilidade
financeira, a empresa faz aquisição de matéria prima, se não houver, é necessário fazer
redução no consumo de operação de fábrica. Historicamente, esse consumo de operação de
fábrica se dá em torno de quatro a seis meses, pois não há disponibilidade de matéria prima
suficiente para possibilitar que a fábrica opere durante o ano todo (KRAG, 2014).
Nesta etapa técnicos engenheiros agrônomos, florestal e ambiental, da EMBRAPA,
IDEFLOR e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS),
respectivamente, que desenvolvem pesquisas sobre a cadeia produtiva da castanha-do-brasil
na região norte, centradas na Região Baixo Amazonas. Segundo a Associação de
Exportadores de Castanha, entidade controlada pela família Mutran, que detém o domínio da
produção de castanha-do-brasil no estado do Pará, aproximadamente 35 mil pessoas
sobrevivem da extração desse produto. Em se tratando de toda a cadeia produtiva, a
Associação estima que há, aproximadamente, 100 mil pessoas envolvidas direta ou
indiretamente nessa atividade econômica, desde a coleta, pós-coleta e beneficamente da
amêndoa (KRAG, 2014).
5.3.5 Distribuição e circulação da castanha-do-brasil
A logística, compreendida como a expressão geográfica da circulação corporativa
(Castillo, 2008), permite analisar as condições materiais e o ordenamento dos fluxos que
perpassam os circuitos espaciais produtivos. No atual período da globalização, a ideia de
logística passou a ser fundamental para o entendimento de como os diversos momentos do
processo produtivo são articulados pelas grandes corporações, da escala local à mundial
(CASTILLO, 2008).
198
A dimensão infraestrutural da logística (redes técnicas e outros equipamentos) merece
especial atenção, uma vez que, através delas, se estabelece a conexão entre as diversas
instâncias separadas da produção. Em sua dimensão material, as redes podem ser classificadas
em linhas, cada vez mais extensas, e pontos, considerados como “nós” das redes, cada vez
mais seletivos e dispersos (CASTILLO; FREDERICO, 2010).
As linhas podem ser subdivididas em materiais e imateriais; extravertidas (vinculadas
ao mercado externo) e intravertidas (voltadas para a integração territorial interna). Os pontos
devem ser observados quanto às suas densidades técnicas e normativas, das quais decorrem
sua maior ou menor funcionalidade ao circuito espacial. Como a rede é uma realidade não
apenas material, mas também social (SANTOS, 1996; DIAS, 2005), em alguns casos a
regulação política que define a propriedade (pública, privada, concedida) e o acesso às redes
deve ser levada em consideração na análise (CASTILLO; FREDERICO, 2010).
Quando se trata de distribuição e circulação de mercadorias, o transporte é
fundamental, pois é um dos principais entraves, visto que quando se trata de transporte fluvial
há questões como a cheia ou a seca dos rios, ou mesmo a falta de barco para os produtores
levarem sua mercadoria para a cidade, sendo estes auxiliados por cooperativas ou associações.
Quando se trata de via terrestre, as dificuldades perpassam pela falta de qualidade de estradas
e ramais e falta de transporte (FERREIRA; COSTA, 2015).
A principal via de circulação da produção de castanha-do-brasil na microrregião do
Alto Trombetas até os locais de distribuição é a fluvial, o que muitas vezes é um problema aos
extrativistas quilombolas, visto que algumas áreas de florestas com castanhais estão em áreas
de trechos encachoeirados de rios. Por outro lado, a coleta da castanha-do-brasil é realizada
durante o período denominado de “inverno amazônico”, quando a precipitação pluviométrica
aumenta na região, fazendo com que os níveis das águas dos rios, lagos e igarapés também
aumentem, num fenômeno chamado de “cheias” (ALMEIDA, 2015), o que facilita o
transporte do produto pelos igarapés.
É na circulação que o recurso natural agrega maior valor, conforme Martins (2000) “é
a circulação da mercadoria que diz quanto ela vale e não apenas nem fundamentalmente a sua
produção, porque é na circulação que o valor nela contido se revela, (MARTINS, 2000, p.
30)”, é nesta etapa que é acrescentada a mais valia, ou seja, o lucro, pois a circulação é o
“momento do processo econômico onde se dá a circulação efetiva das mercadorias e das
pessoas; trata-se no capitalismo da etapa onde se dá a circulação efetiva das mercadorias e das
pessoas; trata-se no capitalismo da etapa onde se dá a conversão da mercadoria em dinheiro
aumentado (M – D’)” (Oliveira, 1990, p.84), ou dinheiro-mercadoria-dinheiro (D-M-D’), é a
199
etapa onde a mercadoria chega ao mercado, e há a extração da mais-valia.
No caso da castanha-do-brasil, a agregação de valor ao produto ocorre desde o
planejamento da coleta nos castanhais até a comercialização pelo consumidor final. Perpassa
por esse processo a distribuição e a circulação do produto, onde ocorre maior agregação de
valor desde o transporte primário da castanha-do-brasil coletada que é realizada pelos
coletores tradicionais de castanha-do-brasil que a transportam dos locais de coleta,
inicialmente, em paneiros acoplados em suas costas, para o igarapé mais próximo, onde se
encontra a canoa que, por sua vez, é o meio de transporte desse produto para um local de fácil
acesso ao atravessador, que na microrregião Alto Trombetas é denominado de regatão
(OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
O regatão é um comerciante atravessador, sujeito socioeconômico de fundamental
importância para que haja a distribuição e circulação de mercadorias e produtos na Amazônia.
É um comerciante que se desloca de barco movido a motor a diesel por rios e igarapés, entre
centros regionais e comunidades, comercializando mercadorias para pequenos produtores
caboclos e comerciantes do interior em troca de “produtos regionais”, agrícolas e extrativistas
Geralmente, o regatão adotava a prática da troca ou escambo nas transações comerciais que
realizava, sendo raro o uso de moeda circulante (MCGRATH, 1999). O regatão se torna mais
importante ainda quando se trata da comercialização da castanha-do-brasil, pois este é o
sujeito social que se desloca até os castanhais que, geralmente são de difícil acesso,
comprando parte da produção (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Na microrregião Alto Trombetas há três tipos de atravessadores: os pequenos
atravessadores, que moram nas comunidades e são denominados de “regatões locais”, e
compram diretamente dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil nos castanhais ou nas
comunidades produtoras, mantendo contato direto com o coletor; o atravessador regional,
oriundos das cidades de Óbidos e Oriximiná, denominados pelos coletores tradicionais de
castanha-do-brasil como “regatão de fora”, que também compram diretamente dos coletores
tradicionais de castanha-do-brasil nas áreas de coleta ou estabelecem pontos de compra nas
comunidades, sob a responsabilidade de compradores locais, podendo manter contato direto
ou não com o coletor; e o “atravessador”, geralmente dono do armazém, mantido pelas
indústrias, estrategicamente, em regiões produtoras, que compram dos regatões locais e dos
regatões “de fora” (KRAG, 2014. p. 37).
Atualmente, o regatão que circula na microrregião do Alto Trombetas perdeu algumas
de suas características elementares, sendo que possui autorização do ICMBio apenas para
comprar a castanha-do-brasil, sendo vedada a comercialização de quaisquer outros produtos.
200
Para adentrar na área da Reserva Biológica do Rio Trombetas, é necessário o regatão possuir
autorização do ICMBio, que deve ser solicitada pela associação de área quilombola ou
associação de moradores, contando com 10 assinaturas de coletores tradicionais de castanha-
do-brasil que estejam cadastrados no ICMBio. O regatão deve respeitar as regras dispostas
nos TC e os combinados acordados, dos quais está ciente, sob pena de ser responsabilizado
pessoalmente pelo seu descumprimento, submetendo-se às penalidades estabelecidas no
referido TC e na legislação competente (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA,
2018/2019).
Para controlar o transporte de castanha-do-brasil na microrregião Alto Trombetas, o
ICMBio entrega ao regatão um formulário de Controle de Transporte de Castanha (FIGURA
27) para o preenchimento de informações sobre a safra da castanha-do-brasil, tais como: o ano
das atividades, além de informações sobre a embarcação, o nome do coletor de quem foi
comprada a castanha-do-brasil, a data, a quantidade, o valor da caixa e o local onde foi
comprada. Ao passar pelas bases do ICMBio, o regatão deve solicitar o visto de entrada na
Reserva Biológica do Rio Trombetas e ao sair, solicitar o visto de saída (OBSERVAÇÃO
SEMIESTRUTURADA, 2018/2019).
Figura 27 – Papeleta de controle de transporte de castanha-do-brasil entregue aos
regatões. Nela, o regatão preenche o nome do coletor tradicional de castanha-do-brasil
de quem comprou, a quantidade.
Atualmente, os chamados “regatões de fora”, atravessadores oriundos das cidades de
Oriximiná e Óbidos, que comercializaram por muito tempo na microrregião Alto Trombetas
201
estão proibidos de comprar castanha-do-brasil no interior da Reserva Biológica do Rio
Trombetas, devido a uma decisão das associações de áreas e da Arqmo que objetiva favorecer
e incentivar os regatões locais a desenvolverem a atividade de comercialização da castanha-
do-brasil nas áreas de coleta e o transporte desse produto das áreas de coleta para as usinas de
beneficiamento ou para o atravessador dono de armazéns. Os atuais regatões que atuam na
microrregião Alto Trombetas são pessoas das próprias comunidades, o que, segundo alguns
coletores tradicionais de castanha-do-brasil, inibiu a concorrência, o que acarretou na fixação
de preços para a caixa da castanha-do-brasil, muitas vezes, abaixo das expectativas dos
coletores tradicionais de castanha-do-brasil, conforme informado pelo Entrevistado 09:
No tempo dos regatão que tinha muitos regatão de Óbidos e Oriximiná, todos
vinham pra cá comprar castanha. E às vezes se subia um com preço, atrás já vinha
outro com outro preço, às vez, além daquele que já tinha passado. E sempre ia assim,
né, um dava um preço, outro já vinha com um preço mais alto, outro já vinha mais
alto. Era bom pra nós nessa parte. E, às vezes, até terminar a castanha, tinha preço
alto mesmo. Hoje em dia, já querem fazer acordo, os comprador já querem entrar em
acordo pra fazer só um preço. E aí, o preço fica naquela tabela, mas o preço da
mercadoria continua sempre crescendo. E antes, não. Subia a mercadoria, mas subia
o produto que a gente tirava. Aí numa parte pra nós era melhor assim (E 09, 2018).
Outro fator importante na distribuição da produção são as associações e cooperativas,
que muitas vezes são responsáveis por coletar matéria-prima e comercializar com as
empresas, ou seja, distribuem o produto existente entre as empresas que necessitam (COSTA;
FERREIRA, 2015). Nesse sentido, com a finalidade de organizar a coleta e comercialização
da castanha-do-brasil de forma coletiva, já que até então cada castanheiro vendia a sua
produção individualmente, foi desenvolvido no Alto Trombetas, no período de 2000 a 2006, o
Projeto Manejo dos Territórios Quilombolas (PMTQ), chamado de “Projeto Castanha”, em
parceria com a Comissão Pró-Índio de São Paulo e com o apoio da União Europeia e da
agência de cooperação holandesa ICCO (CPI-SÃO PAULO; ARQMO, 2005).
O “Projeto Castanha”, que antecedeu a criação da Cooperativa Mista Extrativista dos
Quilombolas do Município de Oriximiná (CEQMO), criou uma estrutura que possibilitou que
a produção chegasse ao armazém obedecendo as exigências das BPFs e sem a necessidade do
castanheiro tradicional interromper seu trabalho de coleta para transportar o produto. O
projeto dispunha de dois barcos e oito canoas do tipo rabeta, conduzidos por um grupo de
comboieiros da própria comunidade que recolhiam a produção nos acampamentos dos
coletores tradicionais de castanha-do-brasil e a transportava até os armazéns. Foram
construídos dez armazéns com capacidade para até 200 hectolitros para armazenar a castanha-
do-brasil até a entrega ao comprador. Esses armazéns possuíam e dispunham de um
202
“paioleiro” que era responsável por sua administração, além de serem equipados com
aparelhos de radiocomunicação conectados com o escritório da ARQMO, na cidade de
Oriximiná, para facilitar a comercialização (CPI-SÃO PAULO; ARQMO, 2005).
O projeto contou com a adesão de 200 a 300 coletores tradicionais de castanha-do-
brasil, principalmente, com a finalidade de melhorar os preços da castanha-do-brasil vendida
pelos produtores por meio da eliminação da contaminação por aflatoxina, substância tóxica
produzida por muitas das espécies do fungo Aspergillus, que deixam as castanhas-do-brasil
com uma qualidade ruim para a alimentação, saúde e comercialização. Para alcançar tal
objetivo era necessário garantir a qualidade da produção por meio das Boas Práticas de
Fabricação (BPF) durante as etapas de coleta e quebra dos ouriços nos castanhais, lavagem,
secagem, armazenamento e transporte da castanha-do-brasil até as usinas de beneficiamento
(KRAG, 2014. p. 37; CPI-SÃO PAULO; ARQMO, 2005). As BPFs são um conjunto de
procedimentos higiênico-sanitários necessários para garantir a qualidade dos alimentos,
instituídos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde
(MS), pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pelos órgãos
fiscalizadores e reguladores das atividades realizadas nos estabelecimentos produtores e/ou
manipuladores de alimentos (RAMOS; BENEVIDES; PEREZ, 2010).
Ao se trabalhar as BPFs, o Projeto Castanha tinha por objetivo vender a produção para
as indústrias por um preço maior do que a castanha-do-brasil sem as BPFs. Entretanto, apesar
da utilização das BPFs na produção da castanha-do-brasil, os coletores tradicionais de
castanha-do-brasil do Alto Trombetas não conseguiram vender essa castanha-do-brasil por um
preço maior em relação à castanha-do-brasil que não possui as boas práticas. Isso decorre da
falta de demanda por parte das usinas de beneficiamento para pagar um preço diferenciado
pela castanha-do-brasil produzida com as BPFs. Logo, a utilização das BPFs na produção de
castanha-do-brasil pelos quilombolas do Alto Trombetas não representaram, na realidade,
agregação de valor ao produto, uma vez que as usinas de beneficiamento compravam essa
castanha-do-brasil pelo mesmo preço que era pago aos coletores tradicionais de castanha-do-
brasil que não utilizavam as BPFs (KRAG, 2014. p. 37; CPI-SÃO PAULO; ARQMO, 2005).
Então, para agregar valor a castanha-do-brasil, os quilombolas criaram, em 2005, a
Cooperativa Mista Extrativista dos Quilombolas do Município de Oriximiná (Ceqmo),
também conhecida como Cooperativa do Quilombo, com o objetivo de construir uma usina de
beneficiamento para beneficiar e vender a castanha-do-brasil sem casca, a quilo, pois,
atualmente, vendem a castanha-do-brasil com casca em hectolitro para as indústrias. Mas,
para tanto, um dos principais desafios a serem enfrentados pela cooperativa, tanto na compra
203
da castanha-do-brasil, quanto no funcionamento da usina de beneficiamento é a organização
da gestão da usina, tanto na parte prática da indústria para beneficiar, quanto na gestão (CPI-
SÃO PAULO; ARQMO, 2005).
Atualmente, a Ceqmo é constituída por mais de 234 cooperados e cooperadas das
diversas comunidades quilombolas do município de Oriximiná e conta com parcerias da
Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-São Paulo) e da Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Estado do Pará (Emater/Pará). Esta última vem garantindo aos seus
cooperados a emissão da declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf), documento que garante acesso a políticas públicas como
crédito rural e mercados diferenciados do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), mas estes não podem ser
acessados pelos moradores da Reserva Biológica do Rio Trombetas e da FLONA, uma vez
que não há regularização dessas pessoas nessas áreas (CPI-SÃO PAULO; ARQMO, 2005).
Apesar dos esforços da Ceqmo em reposicionar os quilombolas na cadeia produtiva da
castanha-do-brasil, a cooperativa teve problemas e, durante a pesquisa de campo não estava
atuando na compra do produto, conforme informado pelo Entrevistado 14 a seguir:
“Até formaram uma cooperativa, que essa cooperativa se acabou em cinza [a
CEQMO?] [...] E aí essa associação, essa cooperativa, eu acho que esses acordos
proibiram de entrar os regatões estranhos, que era quem trazia preço para dentro da
unidade [...] E ela ainda estragava um bocado que era lavado, tinha que fazer tudo
isso, e os regatão chegava era só mede [apenas mediam a castanha e compravam,
sem a necessidade desta estar lavada]. [...] Proibiram o regatão entrar. Não entrou
regatão e agora não tem a concorrência dos preços de castanha. Os cara aqui [da
comunidade] dão o que querem “(E 14, 2018).
Segundo Costa e Ferreira (2015), as dificuldades enfrentadas pelas associações para
sua consolidação decorrem da falta de participação dos moradores dos lugares que as
associações representam, que na sua maioria é cadastrada, mas não participam de reuniões,
assembleias, muitas vezes, só se associam para terem maior facilidade em obter documentos,
aposentadorias e pensões, que também é função destas. Sem essa participação, as associações
não se consolidam e não há o fortalecimento da comercialização (COSTA; FERREIRA 2015,
p. 51). Outra dificuldade enfrentada pelas associações está relacionada ao fato das pessoas
desconhecerem a função das associações e cooperativas, ressaltando que associação,
cooperativa e sindicato de produtores rurais são coisas diferentes, mas que muitos pensam ser
a mesma coisa com as mesmas funções (COSTA; FERREIRA, 2015, p. 52). Assim, a falta de
participação é uma das grandes dificuldades, visto que estas instituições são “a forma jurídica
204
de legalizar a união de pessoas em torno de seus interesses” (SEBRAE, 2009), ressaltando
que a associação, cooperativa e sindicato de produtores rurais são coisas diferentes, mas que
muitos pensam ser a mesma coisa com as mesmas funções.
Atualmente, na microrregião Alto Trombetas, a comunidade Último Quilombo
instituiu, em 2018, uma associação de moradores denominada Mãe Cecília, com a finalidade
de comprar a castanha-do-brasil coletada por coletores tradicionais de castanha-do-brasil
associados a esta, e agregar valor por meio da lavagem, secagem, seleção e embalagem das
castanhas-do-brasil em sacos de fibra sintética. Para a realização dessas etapas da produção de
castanha-do-brasil, a Associação criou uma estrutura com a utilização de materiais da própria
floresta, pois não há financiamento para a produção, uma vez que, a comunidade está
localizada no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. A Associação paga R$ 40,00
(quarenta reais) por dia de trabalho (diárias) para as mulheres associadas da comunidade pelo
trabalho realizado (lavagem, secagem, seleção e acondicionamento da castanha-do-brasil em
sacos de fibra), se constituindo em mais uma forma de renda para as famílias da comunidade
(FIGURA, 28).
Figura 28 – Mulheres realizam trabalhos de lavagem, secagem, seleção da castanha-do-brasil
comercializada pela Associação Mãe Cecília, comunidade Último Quilombo, localizada no
interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas. Á esquerda utilizam o paneiro para lavar a
castanha-do-brasil nas águas do lago Erepecu na mesma comunidade. À direita, estrutura
utilizada para a secagem da castanha-do-brasil, construída com madeira de uma palmeira
extraída das florestas da Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Uma das dificuldades enfrentadas pela Associação de Moradores Mãe Cecília se refere
ao conflito territorial com a associação de área Associação das Comunidades Remanescentes
de Quilombo da Área Trombetas 2 (ACRQAT) que considera a associação de moradores
ilegal, por ter sido criada num território onde já existia uma associação, no caso a ACRQAT.
Contudo, as finalidades e as áreas de atuação das duas associações não se sobrepõem,
205
conforme informado pelo Entrevistado 16:
Nós temos uma associação, a ACRQAT, que ela é uma associação de território. [...]
Então ela foi criada com o intuito de nos representar nas questões legais, nas
demandas externas. [...] A Associação de Moradores nós visamos a organização
mais interna, as demandas mais internas da comunidade. Como temos açaí,
pensamos um dia sermos produtores de açaí. Pensamos em beneficiar castanha...,
vender castanha já beneficiada. Então, temos vários sonhos aí que estão rondando
nossas mentes, nossas ideias aí. [...] Tem uma série de coisas na floresta que estão aí
prontos pra nos ajudar na sobrevivência e no nosso desenvolvimento como ser
humano (E 16, 2018).
Então, é possível identificar que as associações e cooperativas enfrentam muitos
problemas, principalmente, devido possuírem uma estrutura organizacional e política fraca
que interfere em diversos aspectos, como na intervenção para o escoamento da produção e até
mesmo para se manter em funcionamento.
5.3.6 Comercialização e consumo da castanha-do-brasil
Segundo Krag (2014), nessa etapa final da cadeia produtiva, parte da produção de
castanha-do-brasil é comercializada no mercado interno, principalmente para o sudeste do
país e a outra parte é destinada à exportação. Nessa etapa consideram-se inseridas as
transações comerciais de venda: organização da produção, formas de comercialização como a
intermediação, por exemplo, e mercado que se refere aos principais mercados alcançados e à
qualidade comercial adequada da castanha-do-brasil a todas as leis que estão em vigor.
Segundo Enríquez (2008, p. 218), o mercado da castanha-do-brasil está razoavelmente
sedimentado, sendo esse produto exportado há mais de dois séculos para o mercado
americano e europeu, principais mercados importadores de castanha-do-brasil. As usinas de
beneficiamento da castanha-do-brasil atuam nos comércios varejista e atacadista, exportando
castanha-do-brasil com casca e descascada e embalada a vácuo, a partir de portos e aeroportos
brasileiros para os E.U.A, Canadá, México, Israel, Alemanha, França, Holanda, Itália, África
do Sul, Países Árabes, China, Hong-Kong, Austrália, Nova Zelândia e Tunísia.
Atualmente, as usinas de beneficiamento de castanha-do-brasil também atuam no
mercado nacional brasileiro desse produto, tanto no comércio varejista quanto no comércio
atacadista, tendo como principal mercado interno a região sudeste do país. A Mundial
Exportação, empresa que possui usina de beneficiamento de castanha-do-brasil sediada em
Óbidos, por exemplo, comercializa a maior parte de sua produção com a empresa Pribel
Comércio Importação e Exportação Ltda., que atua no comércio como intermediadora na
venda do produto. Também possui como clientes a rede Makro atacadista; o grupo Pão de
206
Açúcar e a empresa de alimentos Seven Boys. A Caiba Indústria e Comércio S/A, empresa
que possui indústria de beneficiamento sediada em Óbidos, também atua no mercado
brasileiro, com atacadistas e indústrias, incluindo as multinacionais do setor de cosmético e
perfumaria instaladas no Brasil (KRAG, 2014).
Atualmente, o mercado nacional tem, em termos mundiais, um grande concorrente na
compra das castanhas-do-brasil, que é o mercado boliviano, que inclusive compram uma boa
parte da castanha-do-brasil produzida no estado do Acre, no Brasil. Coslovsky (2005 apud
Enríquez, 2008, p. 219), ao discutir o fato de a Bolívia dominar o mercado, afirma que não se
trata apenas da quantidade exportada, mas da tecnologia, dos níveis sanitários e do valor
agregado do produto boliviano. Entretanto, esses indicadores têm a ver também com as
exigências dos órgãos brasileiros para a comercialização do produto. A Bolívia não conta com
as normas sanitárias que o Brasil exige para seus produtos, daí o deslocamento da produção
para a Bolívia, de onde a castanha-do-brasil é exportada com menores exigências do que no
Brasil.
O comércio internacional faz com que a cadeia produtiva da castanha-do-brasil sofra
interferências ou influências internacionais, como embargos, uma vez que para a exportação e
importação existem diversas exigências, tais como normas de qualidade, regulamentos
fitossanitários, licenças, impostos, entre outros, que são cumpridas e determinadas a nível
nacional, mas sempre surgem a nível internacional, por exigências dos países importadores.
Essas exigências têm efeitos sobre a produção que precisa se adequar aos requisitos exigidos
pelo país importador (armazenamento, processamento e transporte adequado, dependendo do
tipo de produto). Além disso, os preços da castanha-do-brasil e suas variações nas safras
variam de acordo com o mercado, principalmente com o mercado externo, que regula o preço
da indústria. Nos últimos anos, os preços para os produtores têm sido razoavelmente bons e
com perspectivas de se manterem, devido ao fato de se acrescer nesse item que parte das
florestas de castanha-do-brasil foi desmatada (KRAG, 2014).
A partir de 1998, as barreiras fitossanitárias impostas pela Comunidade Europeia se
tornaram mais exigentes quanto a qualidade da castanha-do-brasil importada, sendo tolerada
uma quantidade limite máxima de 4 ppb (partes por bilhão) de aflatoxina, que antes era de 20
ppb, cinco vezes maior. Uma outra perda de mercado aconteceu a partir de 1998, quando uma
regulação na Europa reduziu o nível aceitável de substâncias tóxicas (aflatoxinas) produzidas
por fungos que contaminam a castanha-do-brasil. Essa mudança dificultou o comércio
mundial da castanha-do-brasil. Em 2003, a Comunidade Europeia, por meio da Decisão
2003/493/CE, embargou a castanha-do-brasil com casca proveniente do Brasil, não havendo
207
mais exportação desse produto para a Europa. Estima-se que a indústria internacional de
exportação da castanha-do-brasil movimenta entre 18 e 65 milhões de dólares por ano. No
entanto, mais importante do que isso é a coleta, o beneficiamento e a venda das castanhas-do-
brasil localmente, pois o comércio doméstico gera dinheiro e emprego para milhares de
famílias na Amazônia. A partir de 2010, o teor máximo de aflatoxina tolerado pela
Comunidade Europeia foi reduzido, mas, àquela altura, a regulamentação internacional já
havia gerado impactos negativos nas exportações da castanha-do-brasil brasileira. No ano de
2013, a Europa também suspendeu a importação de castanha-do-brasil descascada
proveniente do Brasil, até que fossem definidas novas normas (KRAG, 2014).
Tais exigências refletiram na produção brasileira de castanha-do-brasil, que teve que
se adequar às exigências dos países importadores, por meio de normas implementadas pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para a regulação e fiscalização
desse produto quanto ao armazenamento, processamento e transporte adequados. Dentre essas
normas, atualmente, o principal desafio ao acesso a outros mercados, nacional e internacional,
é a aplicação da Instrução Normativa nº. 11, de 22 de março de 2010, do MAPA (IN nº.
11/2010). Essa instrução normativa estabeleceu os critérios e procedimentos para o controle
higiênico-sanitário da castanha-do-brasil e seus subprodutos, destinados ao consumo humano
no mercado interno, na importação e na exportação, ao longo da cadeia produtiva,
especialmente quanto aos limites de tolerância para presença de aflatoxinas B1, B2, G1 e G2
– até 30 ppb no Brasil, e até 4 ppb nos EUA e Europa (BRASIL, 2010).
Nesse contexto, para que haja a comercialização, a castanha-do-brasil deve se adequar
a normas e legislações do MAPA, que objetivam a segurança alimentar, para que as pessoas
não tenham problemas, visto que a aflatoxina é prejudicial à saúde. Uma das principais
normas estabelecidas pelo MAPA é a IN nº. 11/2010 que implementou os autocontroles, que
são:
por Aflatoxinas e Medidas de Higiene e Manejo (MPRCA/MHM), implementação
de sistema de rastreabilidade, comprovação de aplicação dos autocontroles ou
certificação de controle higiênico-sanitário, conforme o caso, amostragem e análise
laboratorial, Procedimentos Padrão de Higiene Operacional (PPHO) e Análise de
Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), que são normas internacionais,
reconhecidas e exigidas pela Comunidade Europeia (BRASIL, 2010).
Atualmente, as indústrias beneficiadoras de castanha-do-brasil que não possuem o
APPCC implementado e auditado por uma certificadora externa, têm o produto fiscalizado no
momento da entrada nos portos dos países importadores. Além das APPCCs também é
208
necessário implementar as BPFs nas etapas de coleta, armazenamento, transporte e
beneficiamento da castanha-do-brasil, principalmente, com a finalidade de melhorar a
qualidade do produto por meio da eliminação da contaminação por aflatoxina (KRAG, 2014).
Os empresários reclamam que o bloqueio comercial e sanitário da União Europeia
para a castanha-do-brasil brasileira teve enorme impacto na orientação comercial das
indústrias, considerando o mercado em que se trabalhava, mas esse impacto foi reduzido com
a entrada da China no mercado da castanha-do-brasil, que em alguns momentos importa
quantidades consideráveis do Brasil. Além disso, outro fator que ajudou a diminuir o impacto
do bloqueio comercial e sanitário da União Europeia para a castanha-do-brasil brasileira foi o
aumento do mercado interno brasileiro que era quase “irrisório”, e atualmente possui uma
capacidade de compra e de consumo bem maior, tendo como principal mercado interno a
região sudeste do país. Esse aumento no consumo interno da castanha-do-brasil pode estar
ligado à divulgação em diversas reportagens de programas de televisão em rede nacional, a
partir de 2013, acerca das propriedades nutricionais e dos benefícios diretos e indiretos que a
amêndoa proporciona (KRAG, 2014).
As indústrias brasileiras estão se adequando às exigências do mercado, pois a
qualidade torna-se um fator de competitividade primordial no cenário internacional. Não
apenas no processo de industrialização da castanha-do-brasil, mas também no sentido de
pesquisar e descobrir novos usos e aplicações para o produto. Desta maneira, aumenta-se o
valor de venda e consequentemente o valor obtido na comercialização interna e externa da
produção, também (ENRIQUEZ, 2009).
Gráfico 24– Produção brasileira, exportação e consumo interno de castanha-do-brasil (1997-
2017).
Fonte: MDIC (2018).
209
O consumo de castanha-do-brasil está se consolidando no Brasil (Gráfico 24), o que
vem mantendo o setor de produção, tendo em vista que a produção boliviana e peruana
dependem da exportação e o Brasil, atualmente, não teria mais produtividade para atender na
exportação com pequenos volumes. Seria necessário possuir grandes volumes como é operado
na Bolívia e no Peru. Assim, pequenas fábricas não teriam competitividade para atender
(KRAG, 2014).
Além da amêndoa inteira, principal forma consumida, a castanha-do-brasil pode ser
utilizada como ingrediente na culinária, barras de cereais, biscoitos, bombons e na formulação
de cosméticos, principalmente em linhas baseadas na biodiversidade brasileira, por ser rica
em proteínas e minerais, com destaque para o selênio, um importante elemento antioxidante.
Existe também a indústria de chocolate, a exemplo da Nestlé, que ainda hoje opera com os
tabletes de chocolate que contém castanha-do-brasil. Além dessa grande indústria, há outras
menores que adicionaram a castanha-do-brasil ao pão, às barras de cereais, a granola além do
produto ser consumido a granel e em latas de 25 a 100 gramas (KRAG, 2014).
Em análise da cadeia produtiva do castanha-do-brasil chegou-se ao seguinte diagrama
da escala de economicidade (FIGURA 29):
Usinas de beneficiamento de
castanha
Regatão de fora
(Atravessador regional)
Espaço da
Coleta
Associação de Moradores da
Comunidade Último Quilombo
Espaço da Mais-
Valia
Espaço do
Comércio
Comércio
Atacadista(Nacional e Internacional)
Consumidor Final
Coletor Tradicional
de Castanha
Comércio Varejista: Supermercados,
Padarias, Docerias, Lanchonetes
(Nacional e internacional
Pontos de compra
de castanha
(Comunidades)
Feiras e mercados
municipais
Regatão
(Atravessador local)
Donos de Armazéns
Figura 29 – Diagrama da escala de economicidade da cadeia produtiva da castanha-do-
brasil coletada na Reserva Biológica do Rio Trombetas. Fonte: Adaptado de SILVA
(2009).
210
6 CONCLUSÕES
As unidades de conservação, enquanto políticas ambientais territoriais possuem muitos
problemas, principalmente no que se refere à gestão das unidades de conservação onde há
pessoas residindo (tanto unidades de conservação de proteção integral quanto unidades de
conservação de uso sustentável), pois há conflitos no que as instituições responsáveis querem
para essas unidades de conservação – principalmente o ICMBio – e o que os moradores
almejam. Os moradores da Reserva Biológica do Rio Trombetas enfrentam muitos problemas,
principalmente, em relação ao acesso a políticas públicas, à infraestruturas e acesso a mercado
para seus produtos, pois o único produto extrativo da Reserva Biológica do Rio Trombetas
autorizado para comercialização que o ICMBio é a castanha-do-brasil, mas há outros produtos
que poderiam ser extraídos como: copaíba, breu, andiroba, cipós. Mas esses produtos devem
ser explorados de forma sustentável pelas comunidades locais e em conformidade com a
legislação ambiental atual.
Os planos de gestão territorial da Reserva Biológica do Rio Trombetas, de uma
maneira geral, não consideram o modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que residem nas comunidades quilombolas localizadas no interior e no
entorno dessa unidade de conservação, de modo que as sobreposições territoriais têm sido um
grande desafio para a implementação e gestão da Reserva Biológica do Rio Trombetas,
desafio esse que perpassa em resolver os conflitos gerados por tais sobreposições, de forma a
garantir tanto a conservação da biodiversidade, quanto os direitos dos quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil que residem nessas áreas.
Assim, na construção de um plano de gestão territorial de uma unidade de conservação
de proteção integral na qual há povos tradicionais residindo, como é o caso da Reserva
Biológica do Rio Trombetas, é necessário considerar os modos de vida desses povos. Nesse
sentido, a participação social é de suma importância quando se trata da gestão de unidades de
conservação, visto que interferem na vida das pessoas que, geralmente já estão nas áreas onde
são instaladas. Assim, é necessário compreender o modo de vida desses sujeitos sociais para
que as políticas sejam eficientes, ou seja, os sujeitos sociais devem se sentir parte da política
pública e devem ter os mesmos objetivos/interesses para que haja parceria entre Estado e a
sociedade envolvida.
As mudanças que ocorreram no modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil que residem no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio
Trombetas foram influenciadas pelos regatões, pelos chamados “patrões” que se diziam
211
“donos dos castanhais”, pela implantação da MRN e pelas unidades de conservação, estas
últimas implantadas a partir da década de 1970 no vale do rio Trombetas, sobrepostas a
territórios de uso comum e coletivo de quilombolas que ali residem desde meados do século
XIX.
A implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas impulsionou mudanças no
modo de vida dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil do vale do rio
Trombetas, sendo que a coleta da castanha-do-brasil, uma das principais atividades produtivas
realizadas pelos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil do vale do
Trombetas, foi totalmente proibida pelo IBDF, assim como pelo órgão fiscalizador que o
sucedeu, o IBAMA, os quais consideraram o trabalho de coleta da castanha-do-brasil como
“roubo”. Essas proibições impostas pelos órgãos federais gestores e fiscalizadores de
unidades de conservação fizeram com que os quilombolas coletores tradicionais de castanha-
do-brasil da microrregião Alto Trombetas adentrassem “clandestinamente” na Reserva
Biológica do Rio Trombetas para a coleta da castanha-do-brasil nos castanhais existentes
nessa unidade de conservação, uma vez que esse povo tradicional tem essa atividade
produtiva como importante fonte, desde que se estabeleceram na microrregião Alto
Trombetas em meados do início do século XIX.
A implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas também restringiu a prática
dos grupos familiares de deslocar a sua moradia pelo território de uso comum, uma vez que
foram inseridas regras de residência pelo ICMBio, sendo necessária a aquiescência desse
órgão gestor e fiscalizador das unidades de conservação para a abertura de novos locais para a
construção de casas.
Com a implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas os quilombolas coletores
tradicionais de castanha-do-brasil da microrregião Alto Trombetas também foram proibidos
de utilizar os furos, atalhos naturais que encurtam as distâncias entre os lugares, o que
economiza tempo e gastos com combustível. Além disso, no período das cheias dos rios, a
circulação somente é permitida durante o dia, até às 18 horas. Após esse horário os
quilombolas devem parar nas bases de fiscalização do ICMBio para pernoitar e somente ao
amanhecer seguir viagem.
A criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas também interferiu na escolha das
espécies a serem cultivadas nas roças e nos quintais pelos quilombolas coletores tradicionais
de castanha-do-brasil, pois espécies exóticas – como mangueiras, abacateiros, cujo cultivo é
muito comum entre os quilombolas da microrregião Alto Trombetas – são proibidas de serem
cultivadas na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
212
A forma de organização política e o aparato burocrático e material que acompanha a
formação das comunidades na microrregião Alto Trombetas interferiram no modo de vida e
no modo de ocupação territorial dos quilombolas da microrregião Alto Trombetas,
principalmente, pois são os mecanismos da comunidade que auxiliam na gestão dos espaços,
das pessoas e da estrutura comunitária de uso coletivo construída em decorrência da
organização social em comunidade e também do que já existia antes da chegada da Igreja
Católica.
Os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que residem no interior e
entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas têm o seu modo de vida alicerçado na
produção extrativista e na pequena agricultura familiar, complementares entre si.
A caça e a pesca, principalmente da tartaruga-da-amazônia da Amazônia, também
passou a ser proibida na Reserva Biológica do Rio Trombetas. Atualmente, são proibidas a
caça e a pesca no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas, exceto para o
sustento das famílias que residem no interior e entorno dessa unidade de conservação. Antes
da implantação da Reserva Biológica do Rio Trombetas os quilombolas comercializavam.
Atualmente, os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que coletam
esse produto na Reserva Biológica do Rio Trombetas também possuem acesso a tecnologias
modernas como celulares, televisão por antenas parabólicas, mas em algumas comunidades da
microrregião Alto Trombetas não há acesso a sinal de celular e a energia elétrica para o
funcionamento dos eletrodomésticos só é disponibilizada à noite por gerador de energia
elétrica movido a diesel.
Quanto a produção da castanha-do-brasil a infraestrutura para a produção é precária,
principalmente, no que concerne às práticas de coleta, armazenamento primário nos
castanhais e ao transporte dos castanhais até as usinas de beneficiamento, o que pode
ocasionar a contaminação por aflatoxina.
Os coletores tradicionais de castanha-do-brasil que coletam castanha-do-brasil na
Reserva Biológica do Rio Trombetas não possuem apoio de financiamentos nas etapas de
coleta, armazenamento primário e transporte desse produto, uma vez que moram dentro do
território da Reserva Biológica do Rio Trombetas ou no entorno, mas realizam trabalho de
coleta da castanha-do-brasil na área da Reserva Biológica do Rio Trombetas, o que inviabiliza
aquisição de empréstimos e a destinação de políticas públicas para melhorias nessas etapas da
produção da castanha-do-brasil coletada na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
A falta de uma visão sistêmica e a falta de cooperação entre os elos da cadeia
produtiva da castanha-do-brasil, cujas relações são de interdependência, associadas a falta de
213
conhecimento de mecanismos de ação dos fatores que interferem no desempenho dessa cadeia
produtiva, vêm impedindo a definição de ações que possam favorecer a maior eficiência e
competitividade da mesma.
As dificuldades impostas pela infraestrutura produtiva, aliadas à falta de cooperação
entre os sujeitos econômicos configuram-se como os principais gargalos da cadeia produtiva
da castanha-do-brasil coletada na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
Quanto à comercialização, tem-se o regatão (atravessador) como o principal
comprador da castanha-do-brasil produzida, conferindo-o alto poder de barganha na relação
comercial. A dependência ao regatão deve-se, sobretudo, à dificuldade de escoamento do
produto, visto que a microrregião Alto Trombetas está localizada distante dos centros
urbanos, e a limitada infraestrutura para o transporte da produção local.
As fragilidades produtivas e comerciais identificadas na cadeia produtiva da castanha-
do-brasil coletada na Reserva Biológica do Rio Trombetas podem ser explicadas em
decorrência dos problemas estruturais e socioeconômicos enfrentados pelos sujeitos locais
envolvidos. A busca por interesses coletivos articulados ao ambiente institucional e
organizacional permite uma maior sustentação e viabilidade política a determinadas
iniciativas e ações capazes de impulsionar a dinamização e transformação da realidade
econômica e social.
A legislação ambiental específica das reservas biológicas, o controle e a fiscalização
excessivos praticados pelo ICMBio, são fatores que desestimulam o coletor tradicional a
coletar a castanha-do-brasil. Os Termos de Compromisso possuem inúmeras regras, as quais,
praticamente, inviabilizam a atividade extrativista da castanha-do-brasil.
Nas comunidades visitadas há ausência dos serviços públicos de abastecimento de
água, saneamento básico, energia, transporte e comunicação, entre outros serviços associados
à qualidade de vida de uma população (OBSERVAÇÃO SEMIESTRUTURADA,
2018/2019).
Recomendações
Ao ICMBio:
A gestão nessas unidades de conservação deve ser participativa e integrada, o que
inclui as comunidades locais na tomada de decisões e administração desse território,
pois não há como dissociar o uso dos recursos naturais e a manutenção do modo de
vida dos quilombolas das atividades extrativistas, tendo em vista que estes, assim
214
como os outros povos tradicionais que habitam a Amazônia, desde suas origens, têm
as atividades de caça e pesca, por exemplo, como as atividades mais basais de sustento
e obtenção de proteína animal.
Inclusão nos Termos de Compromisso, pelo ICMBio, de outros produtos não
madeireiros (além da castanha-do-brasil e açaí) para fins de comercialização
Criação de projetos pelo ICMBio para o fortalecimento do monitoramento da caça, da
pesca e da coleta de produtos florestais não-madeireiros realizadas para fins de
sustento na RBRT
O ICMBio, juntamente às associações quilombolas, deve buscar parcerias para o
melhoramento das práticas agrícolas na RBRT, evitando, assim, a abertura de novos
roçados, principalmente no que se refere ao cultivo da mandioca, pois a terra não é
propícia para essa cultura, apodrece muito rápido em relação à terra de outras
localidades
A mobilização dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil em explorar as
capacidades e potencialidades dos recursos de forma sustentável, a gestão profissional
do negócio, cooperação e compartilhamento das informações entre os sujeitos que
constituem a cadeia e intervenções públicas integradas podem contribuir para a
competitividade da cadeia, maior integração entre os elos e, assim, melhores
resultados para os sujeitos que a constituem.
Rever as regras que impõem horários para os quilombolas moradores da RBRT
transitarem por essa UC, uma vez que os furos são atalhos naturais que encurtam as
distâncias entre os lugares, o que economiza tempo e gastos com combustível;
Buscar parcerias para a criação e fortalecimento de cooperativas;
Desenvolver uma política de apoio às comunidades extrativistas da microrregião Alto
Trombetas, apoio este que envolve investimentos na infraestrutura de escoamento,
organizações associativistas e o estudo da dinâmica dos circuitos e escalas do
mercado. Estes podem nortear as ações a serem desempenhadas pelos coletores
tradicionais de castanha-do-brasil para atender às indústrias locais, regionais ou aos
consumidores finais e assim, minimizar a relação de dependência ao regatão.
Aos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil:
Instituir cooperativas que resultam em incremento na renda para os coletores
tradicionais de castanha-do-brasil;
215
Participar das associações e cooperativas, pois estas enfrentam muitos problemas,
principalmente, devido a falta de participação dos associados/cooperados e por
possuírem uma estrutura organizacional e política fraca que interfere em diversos
aspectos, como na intervenção para o escoamento da produção e até mesmo para se
manter em funcionamento;
Podem contribuir para a competitividade da cadeia da castanha-do-brasil, maior
integração entre os elos e, assim, melhores resultados para os sujeitos que a
constituem: a mobilização dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil em explorar
as capacidades e potencialidades dos recursos de forma sustentável, a gestão
profissional do negócio, cooperação e compartilhamento das informações entre os
sujeitos que constituem a cadeia e intervenções públicas integradas.
Para futuros trabalhos:
Utilizar metodologias participativas na obtenção dos dados.
Desdobramentos do Projeto
Serão elaborados folders para apresentação dos resultados da pesquisa às comunidades
quilombolas coletoras tradicionais de castanha-do-brasil que participaram da presente
pesquisa. Será desenvolvido um curso de elaboração de projetos e captação de recursos
financeiros a ser ministrado junto aos coordenadores de associações dos Territórios
Quilombolas e coordenadores das comunidades pesquisadas.
Limites do Estudo
Apesar de todo o esforço empreendido para demonstrar a realidade complexa na qual
estão inseridos os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil, a compreensão
dessas realidades envolvidas é extremamente difícil, uma vez que estão essas comunidades
estão inseridas num mosaico de territorialidades que muitas vezes se sobrepõe, ocasionando
conflitos, cabendo ao pesquisador perceber as mínimas nuances que podem estar submersas
nesses conflitos territoriais.
216
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Trombetas, 2013.
ICMBio celebra termo de compromisso com comunidades quilombolas da Rebio do Rio
Trombetas, 2012. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-
geral/2485-icmbio-celebra-termo-de-compromisso-com-comunidades-quilombolas-da-rebio-
do-rio-trombetas>. Acesso em: 07 de dez: 2017.
ICMBio. Termo de Compromisso nº 119, de 20 de dezembro de 2011a. Termo de
Compromisso celebrado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade –
ICMBio e a Associação dos Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná -
ARQMO. Estabelece regras para a coleta e a comercialização da castanha-do-pará dentro dos
limites da Reserva Biológica do Rio Trombetas e das áreas a montante desta unidade de
conservação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 248, 27 dezembro 2011. Seção 3,
p.167.
230
ICMBio. Termo de Compromisso nº 120, de 20 de dezembro de 2011b. Termo de
Compromisso celebrado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade -
ICMBio e a Associação dos Moradores da Comunidade de Remanescentes de Quilombo da
Cachoeira Porteira - AMOCREQ - CPT. Estabelece regras para a coleta e a comercialização
da castanha-do-pará dentro dos limites da Reserva Biológica do Rio Trombetas e das áreas a
montante desta unidade de conservação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 248, 27
dezembro 2011. Seção 3, p.167.
ICMBIO. Termo de Compromisso nº 121, de 20 de dezembro de 2011c. Termo de
Compromisso celebrado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade -
ICMBio e a Associação dos Extrativistas Tradicionais do Município de Oriximiná - AETMO.
Estabelece regras para a coleta e a comercialização da castanha-do-pará dentro dos limites da
Reserva Biológica do Rio Trombetas e das áreas a montante desta unidade de conservação.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 248, 27 dezembro 2011. Seção 3, p.167.
ICMBIO. Instrução Normativa nº 01, de 18 de setembro de 2007. Disciplina as diretrizes,
normas e procedimentos para a elaboração de Plano de Manejo Participativo de Unidade de
Conservação Federal das categorias Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento
Sustentável. Diário Oficial da União n. 182, de 20 de setembro de 2007. Seção I, páginas 101
e 102.
ICMBIO. Instrução Normativa n. 26, de 04 de julho de 2012. Estabelece diretrizes e
regulamenta os procedimentos para a elaboração, implementação e monitoramento de termos
de compromisso entre o Instituto Chico Mendes e populações tradicionais residentes em
unidades de conservação onde a sua presença não seja admitida ou esteja em desacordo com
os instrumentos de gestão. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 23 dez. 2003.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 06 jul. 2012. Seção 1, p. 84-85.
ICMBIO. Portaria nº 1.163, de 27 de dezembro de 2018. Aprova roteiro metodológico para
elaboração e revisão de planos de manejo de unidades de conservação federais. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, n. 250, 31 dez. 2018. Seção 1, p. 162.
INCRA. Portaria de Reconhecimento nº 1.171, de 17 de julho de 2018. Reconhece e
declarar como terras do Território Quilombola Alto Trombetas 1 a área de 161.719,4276 ha
(cento e sessenta e um mil, setecentos e dezenove hectares, quarenta e dois ares e setenta e
seis centiares), situada no Município Oriximiná, no Estado do Pará. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, n. 138, 19 julho 2011a. Seção 1, p.1.
INCRA. Portaria de Reconhecimento nº 1.172, de 17 de julho de 2018a. Reconhece e
declarar como terras do Território Quilombola Alto Trombetas 2 a área de 189.657,8147 ha
(cento e oitenta e nove mil, seiscentos e cinquenta e sete hectares, oitenta e um ares e quarenta
e sete centiares), situado no Município Oriximiná, no Estado do Pará. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, n. 138, 19 julho 2011. Seção 1, p.1.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Cadastro de comunidades quilombolas e
ribeirinhas localizadas no interior e entorno da Reserva Biológica do Rio Trombetas -
Pará - Brasil. (Relatório final). Porto Trombetas, 2006.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº. 11, de 22 de
março de 2010. Estabelece os critérios e procedimentos para o controle higiênico-sanitário da
231
castanha-do-brasil e seus subprodutos, destinados ao consumo humano no mercado interno,
na importação e na exportação, ao longo da cadeia produtiva. Diário Oficial da União:
Brasília, DF, 23 mar. 2010. Disponível em:
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/normativos-
dipov/IN11.pdf. Acesso em 20 out. 2018.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Recomendação. 3º ofício/PRM/STM nº 4. Santarém,
18 de agosto de 2014, p. 6: “Que, em razão dos fatos e argumentos apresentados determine,
em razão da urgência e do relevante interesse público, a SUSPENSÃO DAS LICENÇAS OU
AUTORIZAÇÕES EXPEDIDAS NA REGIÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
TROMBETAS, especialmente a AUTORIZAÇO 2329/2013, expedida pela Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Abstenha-se, ainda, de RENOVAR OU CONCEDER
QUALQUER TIPO DE LICENÇA OU DE AUTORIZAÇÂO NESTA REGIÃO à Empresa
de Pesquisa Energética (EPE) e qualquer outra empresa, subcontratada ou não, que almeje
pesquisar ou realizar estudos para inventário hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio
Trombetas, até que haja a realização de consulta prévia, livre e informada da Convenção 169
da OIT, às populações tradicionais existentes na área, tais como indígenas, ribeirinhos,
quilombolas, povos extrativistas, bem como consulta aos Conselhos Gestores e Consultivos
das unidades de conservação federais e estaduais da aludida região”.
ORIXIMINÁ. Lei nº 8.432, de 06 de maio de 2014. Cria a Unidade Regional de Gestão
Escolar – URGE Quilombola 11 – Alto Rio Trombetas. Oriximiná, 2014.
ORIXIMINÁ. Anexo I: Diagnóstico municipal. In: Lei municipal nº 9.161, de 29 de
dezembro de 2017. Institui o Plano Plurianual do município de Oriximiná para o quadriênio
2018 – 2021, e dá outras providências.
http://www.governotransparente.com.br/transparencia/documentos/4496490/download/23/AN
EXO%20I.pdf.
RADAMBRASIL. Projeto. Folha SA. 21 - Santarém. DNPM. Projeto RADAMBRASIL.
Levantamento de Recursos naturais. V.10. p. 310 - 414. 1976.
SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. SFB. Edital de licitação para concessão florestal:
Concorrência nº 02/2012 – Floresta Nacional Saracá-Taquera/PA – Lote Sul, Brasília, 2012.
SILVA, M. F. F.; SILVA, J. B. F. 2003. Avaliação Ecológica Rápida para a Revisão do
Plano de Manejo da Estação Ecológica do Rio Trombetas, Estado do Pará - Relatório
Técnico Final do Componente Vegetação. Mineração Rio do Norte / STCP - Engenharia de
Projetos Ltda (Relatório Técnico Não Publicado).
STCP ENGENHARIA DE PROJETOS. Levantamento Socioeconômico e Ocupacional dos
Municípios do Entorno da MRN. Paraná, 2009.452p.
STCP ENGENHARIA DE PROJETOS. Atualização do Levantamento Socioeconômico e
Avaliação da Dinâmica Demográfica nas Comunidades do Entorno da Mineração Rio
do Norte. Paraná, 2011. 154p.
STCP ENGENHARIA DE PROJETOS. Levantamento Socioeconômico e Avaliação da
Percepção Sobre a MRN nas Comunidades do Entorno da Mineração Rio do Norte. Paraná, 2014.
232
UNIÃO INTERNACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA. Guidelines for
Protected Areas Management Categories. Cambridge, United Kingdon and Gland,
Switzerland: IUCN, 1994. 29p.
UNIÃO INTERNACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA. Economic
values of protected areas: guidelines for protected área managers. Switzerland: IUCN,
1998.
VOSS, C.; TSIKRIKTSIS, N.; FROHLICH, M. Case research in operations management.
International Journal Of Operations & Production Management, v. 22, n. 2, p. 195-219,
2002.
233
GLOSSÁRIO
Acondicionamento: Etapa no processo de trabalho na cadeia produtiva, em que consiste na
embalagem da castanha-do-brasil com material adequado a fim de garantir sua qualidade. No
paiol é realizada em sacos de polipropileno e na etapa final ocorre em embalagens de
alumínio (descascadas à vácuo) ou de fibra de juta (com cascas).
Aflatoxinas B1, B2, G1 e G2: substâncias tóxicas produzidas por muitas das espécies do
fungo Aspergillus (Aspergillus flavus, A. parasiticus, A. nomius), que deixam as castanhas-do-
brasil com uma qualidade ruim para a alimentação, saúde e comercialização.
Amontoa: fase de juntar os ouriços coletados em um só lugar na floresta ou próximo do
tapiri.
Áreas protegidas: terminologia utilizada internacionalmente para designar a porção de
ambiente terrestre, aquático ou marinho, geograficamente delimitados, de domínio público ou
privados, onde medidas legais e outros instrumentos estabelecem o seu manejo com o
objetivo de proteger e manter a diversidade biológica, recursos naturais e culturais associados
e, administradas através de medidas legais ou outras medidas efetivas (UICN, 1998).
Armazenamento da castanha-do-brasil: etapa de trabalho na cadeia produtiva, estocagem
dos ouriços na floresta ou na área do extrativista (primário); estocagem das castanhas-do-
brasil na área do extrativista (secundário); armazenamento realizado pelo extrativista ou
intermediário, visando à comercialização (terciário).
Armazenamento: estocagem das castanha-do-brasil antes do processamento.
Atravessador: comerciante que faz intermediação de compra e venda da castanha-do-brasil
entre extrativistas e comerciantes, donos de usina e exportadores. Elemento que incide na
capilaridade da circulação da mercadoria e do capital.
Bauxita: minério que contém alumina, matéria-prima da qual se extrai o alumínio, um dos
metais mais leves mais importantes e também o metal mais abundante na crosta terrestre.
234
Beiju (Massa e Goma): substantivo masculino Rubrica: culinária 1 Regionalismo: Brasil.
espécie de bolo de goma ('polvilho') ou de massa de mandioca assada, de que há diversas
variedades (HOUAISS, 2014).
Beneficiamento/processamento: etapa da cadeia produtiva, em que processos realizados nas
usinas, que se referem ao preparo das castanha-do-brasil para consumo direto, para uso
industrial ou comercialização.
Cadeia Produtiva: envolve produção, distribuição, circulação e consumo, conjunto de
processos relativos à castanha-do-brasil constituído pelas etapas de catação, transporte,
armazenamento, beneficiamento-processamento e comercialização.
Castanheiros tradicionais ou coletores tradicionais de castanha-do-brasil:
autodenominação utilizada pelos quilombolas da microrregião Alto Trombetas que coletam
castanha-do-brasil como designação agregadora à categoria social quilombola, não sendo
possível afirmar que coletor tradicional de castanha-do-brasil ou castanheiro tradicional é uma
categoria social de distinção dentro do grupo (FARIAS JÚNIOR, 2016). O termo
“tradicional” foi inserido no quotidiano dos quilombolas devido a “tradicionalidade” exigida
para a permanência dos povos tradicionais em unidades de conservação.
Cheia: período do ano da enchente do rio, demarcador de trabalho territorial em determinadas
áreas, preços diferenciados mais caros ou mais baratos, incidindo conforme a distância do
comprado e do produto.
Comunidade: nesta pesquisa, se refere ao termo utilizado pela Igreja Católica local para
identificar as formas de organização territorial, que nucleia uma identidade de grupo e
administrativa de grupos de família que, nessa região, localizam-se ao longo e às margens dos
rios Trombetas e Cuminá. Instituições públicas, como a Prefeitura Municipal de Oriximiná,
baseiam seus levantamentos de dados nessa configuração espacial. Frequentemente o grupo
referenda essa terminologia na linguagem cotidiana atribuindo igual caráter organizativo para
as ações políticas como se observa nos documentos convocatórios de reuniões. Admitimos
esse termo, descritivamente, dentro dessas significações (CASTRO; ACEVEDO, 1998).
235
Conflito: divergência entre aqueles que discordam das formas de propriedade, uso da terra
sob diferentes formas e interesses de classe e de uso da natureza. Aqui como conflitos pelo
uso do território como meio de produção e base de reprodução do modo de vida.
Dono do armazém: atravessador regional, geralmente, mantido pelas indústrias,
estrategicamente, em regiões produtoras, que compram dos regatões locais e dos regatões “de
fora” (KRAG, 2014. p. 37).
Etapas da cadeia: elos ou segmentos do circuito espacial produtivo.
Família: nesta pesquisa, considerou-se como família o conjunto de pessoas ligadas por laços
de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residissem na mesma
unidade domiciliar e, também, a pessoa que mora só em uma unidade domiciliar (IBGE,
1999).
Farinha de Mandioca: produto extraído pelo trabalho de torrar a mandioca moída.
Fases da cadeia: partes definidas em cada etapa do circuito espacial produtivo.
Furo: um canal fluvial sem correnteza própria, que secciona uma ilha fluvial ou interliga
componentes internos de uma mesma planície (AB’SABER, 2003).
Igarapé: canal natural estreito e navegável por pequenas embarcações, que nasce na mata e
deságua em rio.
Inverno: período que ocorre de dezembro a maio, quando ocorrem as maiores precipitações
pluviométricas, com o aumento dos níveis dos rios, lagos e igarapés, ocasionando as
chamadas “cheias”, o que facilita o transporte da castanha-do-brasil.
Lagos: denominação dada aos braços de rios que tem seu fluxo isolado no período da seca,
mas que continuam com essa nomenclatura durante todo o ano.
Manicuera: bebida de origem indígena, feita com a fermentação do suco (tucupi) da
mandiocaba (mandioca maior e doce), era muito utilizada no “puxirum” e nos festejos locais.
236
Mutirão: termo inserido nas comunidades quilombolas pela Igreja Católica. Utilizado na
realização de trabalhos coletivos relacionados, principalmente, aos equipamentos públicos da
comunidade, como consertos e reparos da capela, do barracão de festas, além dos trabalhos
relacionados às festas de santo comunitárias.
Ouriço: fruto da castanheira.
Paiol: armazéns rústicos, utilizados para armazenagem primária das castanhas-do-brasil.
Paneiro: cesto construído com cipó ou tala de caule palmeira, utilizado para transporte dos
ouriços ou castanha-do-brasil.
Platôs: os planaltos reconhecidos, regionalmente, na Amazônia, como terras firmes, podendo
atingir altitudes de até 350m, assim, livre das inundações (RUDDIMAN, 2015).
Pontos de compra de castanha-do-brasil: locais estabelecidos pelos regatões locais ou
regatões de fora para compra da castanha-do-brasil nas comunidades, geralmente, a casa de
moradores da própria comunidade.
Povos tradicionais e comunidades tradicionais: “grupos culturalmente diferenciados e que
se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição” (BRASIL, 2007). São considerados povos ou comunidades
tradicionais os Povos Indígenas, Quilombolas, Seringueiros, Castanheiros, Quebradeiras de
coco-de-babaçu, Comunidades de Fundo de Pasto, Catadoras de mangaba, Faxinalenses,
Pescadores Artesanais, Marisqueiras, Ribeirinhos, Varjeiros, Caiçaras, Povos de terreiro,
Praieiros, Sertanejos, Jangadeiros, Ciganos, Pomeranos, Açorianos, Campeiros, Varzanteiros,
Pantaneiros, Geraizeiros, Veredeiros, Caatingueiros, Retireiros do Araguaia, entre outros.
Primeira seleção: retirada das castanhas-do-brasil, visivelmente danificadas, podres, chochas,
e outros defeitos, após sua remoção dos ouriços.
Produto in natura: produto que tenha mantido suas características físico-químicas, sensoriais
e de composição, originais e que não tenha sido submetido a processos que resultem em
alterações de suas características naturais.
237
“Puxirum”: é uma técnica de organização do trabalho muito utilizada entre os povos
tradicionais amazônicos para as suas produções, onde se tem a divisão de tarefas entre os
membros da comunidade – no caso da Reserva Biológica do Rio Trombetas entre os membros
do grupo familiar, da comunidade ou de várias comunidades – buscando-se a maximização e a
economia de esforços na execução das tarefas, principalmente, na preparação da roça.
Quilombo: locais onde os negros que fugiam da escravidão se estabeleciam e se
organizavam. Geralmente, eram locais que lhes proporcionavam proteção, abrigo e sustento
(planaltos, montanhas, pântanos, manguezais, planícies, cavernas, morros, serras, florestas,
rios etc.,), o que dificultava as expedições de captura e repressão.
Quilombola: terminologia que não era de uso cotidiano nas comunidades descendentes do rio
Trombetas, mas, recentemente, por influência dos movimentos sociais negros, passou a ser
utilizada pelos quilombolas como auto definição de atribuições representativas dos vínculos
étnicos existentes entre os diversos grupos negros do vale do rio Trombetas.
Rabeta: pequena embarcação construída em madeira, movida a motor de popa do tipo rabeta,
também chamada de bote de rabeta.
Regatão de fora: atravessador regional, oriundos das cidades de Óbidos e Oriximiná, que
também compram diretamente dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil nas áreas de
coleta ou estabelecem pontos de compra nas comunidades, sob a responsabilidade de
compradores locais, podendo manter contato direto ou não com o coletor.
Regatão local: pequenos atravessadores, que moram nas comunidades e compram
diretamente dos coletores tradicionais de castanha-do-brasil nos castanha-do-brasil ou nas
comunidades produtoras, mantendo contato direto com o coletor.
Regatão: comerciante ambulante, atravessador, elo importante do circuito espacial produtivo
da castanha-do-brasil que comercializa e transporta esse produto dos castanhais até a cidade
de Oriximiná ou Óbidos, onde o produto é vendido às usinas de beneficiamento. É o regatão
que viabiliza a circulação da mercadoria.
238
Remanescentes de quilombos: denominação com a qual se auto definem e se auto
reconhecem os descendentes dos negros que formaram os antigos quilombos, inicialmente,
acima das cachoeiras dos rios Trombetas e Erepecuru.
Roça: área de cultivo de que possui quatro fases principais: a derrubada, o plantio, a capina e
a colheita. Na microrregião Alto Trombetas a maior parte da roça é destinada ao cultivo da
mandioca, principal cultura cultivada na roça, mas também cultiva-se: macaxeira, banana,
abacaxi, cará, batata-doce, jerimum e outros. Os quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil possuem autorização do ICMBio para cultivar até 01 hectare de roça, o que
equivale a uma quadra, medida agrária utilizada pelos quilombolas da microrregião Alto
Trombetas. Base de muitas cadeias produtivas e também demarcador territorial de trabalho,
isto é, da terra de trabalho e não da terra de negócio.
Roçado: fase de preparação da roça em que se realiza a derrubada ou retirada da vegetação
para depois fazer a queimada e realizar o plantio.
Safra da castanha-do-brasil: período de trabalho de coleta da castanha-do-brasil, que, na
microrregião Alto Trombetas, se inicia em janeiro e termina em junho.
Seca: período de descida do nível do rio, no caso do rio Trombetas, o período de julho a
dezembro. Envolve também mudanças em preços e acessibilidade em alguns lugares que são
dificultados/faciliatados.
Secagem da castanha-do-brasil: processo de redução da umidade das castanhas-do-brasil
por meio de recursos naturais (sol e vento). Também é realizado na fase do beneficiamento-
processamento que consiste na redução controlada da umidade das castanhas-do-brasil por
meio de secador mecânico.
Tapiri: elemento acessório ao processo produtivo, armação de madeira, coberta de palha ou
lona plástica, feita no acampamento para servir como moradia temporária e abrigo, durante a
coleta da castanha-do-brasil, também chamada de barraco do castanheiro.
Transporte primário: transporte das castanhas-do-brasil do local de quebra dos ouriços para
a moradia do extrativista ou outro local para ser conduzido ao transporte secundário.
239
Unidades de conservação: termo utilizado apenas no Brasil para designar as áreas protegidas
que compõem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Verão: período de junho a novembro, quando a estiagem é bem acentuada, ocasionando as
chamadas “secas”. Durante o verão os quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-
brasil dedicam-se ao trabalho intensivo na roça, uma das principais atividades produtivas, e a
mais permanente no calendário anual agroextrativo do TQ Alto Trombetas 1 e da comunidade
Último Quilombo. Além do trabalho na roça, também se extraem produtos florestais e pratica-
se a caça e a pesca, sendo que estas últimas são praticadas durante o ano todo e apenas para o
próprio sustento das famílias.
Manicuera: bebida de origem indígena, feita com a fermentação do suco (tucupi) da
mandiocaba (mandioca maior e doce), era muito utilizada no “puxirum” e nos festejos locais.
240
APÊNDICES
241
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
242
Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO
Nós, os pesquisadores Dr. Reinaldo Corrêa Costa, PhD. - Pesquisador-Orientador e, Carlos
Adriano Siqueira Picanço - Aluno, vimos nos apresentar aos senhores, como responsáveis pelo
desenvolvimento de um projeto de pesquisa que tem como título “ANÁLISE DAS
TRANSFORMAÇÕES NO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS DO VALE DO
TROMBETAS: O CASO DOS COLETORES DE CASTANHA-DO-BRASIL NA RESERVA
BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ-PA” e pedir a sua participação no referido
projeto. Vamos lhe apresentar a pesquisa.
Esta pesquisa se faz necessária em função da necessidade de se identificar e analisar as
transformações ocorridas no modo de vida dos quilombolas residentes no interior e entorno da Reserva
Biológica do Rio Trombetas - Oriximiná/PA, e que firmaram termo de compromisso para a coleta da
castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H. B. K) nessa UC.
O objetivo desta pesquisa é analisar as transformações que ocorreram no modo de vida dos
quilombolas a partir da criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas e da implementação dos
termos de compromisso firmados entre o ICMBio e os quilombolas para a coleta da castanha-do-brasil
na RBRT, no município de Oriximiná, estado do Pará, a partir de seu cotidiano e o uso do território e
propor subsídios para o aperfeiçoamento do termo de compromisso.
Pretende-se realizar quantas entrevistas forem necessárias até se conseguir a saturação teórica,
sendo que serão aplicadas aos coletores cadastrados no ICMBio para a coleta da castanha-do-Brasil na
RBRT. Também serão realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores da Reserva Biológica
do Rio Trombetas. As entrevistas serão feitas levando-se em consideração pessoas interessadas em
participar da pesquisa, objetivando coletar diagnóstico e discursos referentes à temática abordada.
As perguntas serão formuladas para buscar emersões de falas referentes a efetividade dos
termos de compromisso, respeitando-se os costumes e tradições locais. As questões tratadas não
representam tabus ou assuntos que sejam tratados como desconfiança, tendo em vista que são dados
que fazem parte da rotina do monitoramento dos termos de compromisso. Deste modo, a pesquisa não
envolve discussões sobre as dimensões moral, intelectual ou espiritual do ser humano.
Todos os documentos de autorização e consentimento tais como: Termo de Consentimento
Livre Esclarecido (TCLE) e Autorização Comunitária serão assinados durante as visitas de campo e
posteriormente anexados ao projeto. Caso o entrevistado não se sinta confortável com algum tipo de
pergunta durante a entrevista, será dada a opção de não continuar.
A partir da metodologia proposta para o desenvolvimento dessa pesquisa, espera-se alcançar
resultados capazes de produzir análise sobre a situação dos termos de compromisso firmados entre o
ICMBio e as comunidades tradicionais para o acesso e uso dos recursos naturais na Reserva Biológica
do Rio Trombetas, no município de Oriximiná/PA. Através dos resultados obtidos com a pesquisa
espera-se oferecer subsídios para a manutenção e melhorias dos termos de compromisso, auxiliando
no monitoramento e na tomada de decisões na gestão desses instrumentos de gestão.
Os participantes da pesquisa receberão informações sobre a viabilidade dos serviços analisados
e poderão a qualquer tempo, entrar em contato com o pesquisador pelos telefones (93) 99199-5328 e
99200-8658. Todos os participantes têm liberdade absoluta para recusar-se ou retirar seu
243
consentimento da pesquisa em qualquer fase, sem penalização alguma. É garantida a manutenção do
sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa durante todas as suas fases. Todos os
participantes da pesquisa receberão uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
garantir seus direitos.
Qualquer ônus de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa será de
responsabilidade do pesquisador e deverá ser encaminhado ao mesmo para que se faça o
ressarcimento.
Eventuais despesas dos participantes da pesquisa, que não esteja contemplada em seu orçamento
serão ressarcidas através de cobrança para o endereço Rua Rosa Vermelha, 723 – Aeroporto Velho,
Santarém – PA, CEP: 68010-200.
Os resultados da pesquisa serão analisados e divulgados no âmbito acadêmico e nas
comunidades envolvidas, porém sua identidade será mantida em sigilo para sempre. Se você quiser
saber mais detalhes e os resultados da pesquisa, faça contato com o pesquisador pelo telefone (92)
99199-5328 ou pelo e-mail: [email protected].
O Sr. (a) participante da pesquisa também pode entrar em contato, caso tenha interesse como o
Comitê de Ética do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, situado na sede Av. André Araújo,
2936, Prédio da Diretoria, térreo, Sala-CEP, telefone (92)3643-3287 ou pelo e-mail:
Consentimento Após–Informação
Eu,___________________________________________________________, por me
considerar devidamente informado e esclarecido sobre o conteúdo deste documento e da pesquisa a ser
desenvolvida, livremente dou meu consentimento para inclusão como participante da pesquisa e atesto
que me foi entregue uma cópia desse documento.
_________________________________ ou ____-______-_____
Assinatura do participante Data
__________________________________ ____-______-_____
Pesquisador Responsável Data
Impressão do dedo polegar
Caso não saiba assinar
244
APÊNDICE B – Roteiro (Instrumento de pesquisa utilizado na coleta de dados)
245
ROTEIRO DE ENTREVISTAS: COLETORES DE CASTANHAS
PARTE 1 – PERFIL DOS SUJEITOS
LOCAL: MUNICIPIO DE ORIXIMINÁ Data: / /
1.1 Nome: ___________________________________________________________________________
1.2 Idade: _____________________ 1.3 Gênero: _____________________________
1.4 Escolaridade: __________________ 1.5 Telefone para contato: _________________
2 Qual o nome da comunidade onde o(a) Sr.(a) reside?
___________________________________________________________________________
3 O local onde o(a) Sr.(a) reside fica localizado dentro de Unidade de Conservação, Terra Quilombola ou no entorno dessas áreas protegidas?
___________________________________________________________________________
4 - Desde quando o(a) Sr.(a) reside nessa localidade?
___________________________________________________________________________
PARTE 2 – QUESTÕES ESPECÍFICAS
Para realizar o objetivo 3, “Descrever e analisar a cadeia produtiva da castanha-do-brasil coletada pelos quilombolas coletores tradicionais de
castanha-do-brasil que firmaram termos de compromisso com o ICMBio para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio
Trombetas;
5 - Desde quando o(a) Sr.(a) coleta castanha? Por que o(a) Sr.(a) coleta
castanha?
7 - E antes da criação da RBRT, como era feita a coleta nos tempos do
patrão? (Como se organizavam para a coleta? Quais as técnicas
utilizadas para a coleta?) As mulheres coletavam castanha? 6 - Como é feita a coleta da castanha? (Como se organizam para a
coleta? Quais as técnicas utilizadas para a coleta?) As mulheres coletam
castanha?
8 - Para quem o(a) Sr.(a) vende a castanha que coleta? O(a) Sr.(a) pode
vender castanha para quem quiser?
9 - O que os regatões podem comprar e o que os regatões podem vender
aqui na RBRT?
10 - E antes da criação da RBRT para quem (o) Sr.(a) vendia a
castanha?
Como os patrões transportavam a castanha para a cidade?
De quem eram as embarcações?
11 – Aqui na RBRT tem data para iniciar e terminar a coleta da
castanha?
12 - E antes da criação da RBRT tem data para iniciar e terminar a
coleta da castanha? Em qual período é feita a coleta da castanha-do-
brasil?
13 – Onde o(a) Sr.(a) mora durante a coleta da castanha? (Perguntar
sobre os tapiris? De que são construídos?)
14 - Antes da criação da RBRT, também construíam tapiris? De que
eram construídos os tapiris?
15 – Quais alimentos são consumidos pelo(a) Sr.(a) durante o período
de coleta da castanha?
16 – Quais alimentos eram consumidos pelo(a) Sr.(a) durante o período
de coleta da castanha?
246
Quais alimentos são consumidos pelo(a) Sr.(a) durante o período em
que não está coletando castanha?
Para realizar o objetivo 2, “Descrever e analisar o modo de vida atual
dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil que
firmaram termo de compromisso para a coleta da castanha-do-brasil na
Reserva Biológica do Rio Trombetas”
Para realizar o objetivo 1, “Descrever a formação do modo de vida
dos quilombolas coletores tradicionais de castanha-do-brasil da
Reserva Biológica do Rio Trombetas”
17 - O senhor se autodeclara/auto define como: remanescente de
quilombola, quilombola, castanheiro, coletor tradicional de castanha?
18 – Como o(a) Sr(a) se autodeclarava/auto definia como:
remanescente de quilombola, quilombola, castanheiro, coletor
tradicional de castanha? Como as pessoas se autodeclaravam/auto
definiam (remanescente de quilombola, quilombola, castanheiro,
coletor tradicional de castanha)?
19 – Quantas pessoas moram em sua casa? Quantas famílias moram
em sua casa?
7 - De que material é feita a casa onde a sua família mora? Como eram
feitas as casas onde o senhor mora. Quantos cômodos têm na sua casa?
A sua casa possui sanitário? Dentro de casa ou no quintal (terreiro)?
Como o(a) Sr(a) chama a área ao redor da sua casa (terreiro ou quintal)?
O que o(a) Sr(a) planta ao redor da sua casa?
20 - De que material era feita a casa onde a sua família morava antes da
criação da RBRT? Como eram feitas as casas onde o(a) Sr(a) morava
nessa época? As casas possuíam sanitário? Dentro de casa ou no
quintal (terreiro)?
21 – Qual a renda da família?
22 - Qual a origem da renda da família? Como o(a) senhor(a) ganha o
dinheiro para o seu sustento e de sua família?
23 - Qual era origem da renda da família antes da criação da RBRT?
Como o(a) senhor(a) ganhava o dinheiro para o seu sustento e de sua
família?
24 - Quais eletrodomésticos o(a) senhor(a) tem na sua casa? Televisão,
antena parabólica, máquina de lavar, celular (funciona onde o(a)
senhor(a) mora)?
25 – Antes da criação da RBRT quais eletrodomésticos o(a) senhor(a)
tinha na sua casa? Televisão, antena parabólica, máquina de lavar?
13 – O(a) senhor(a) tem energia elétrica na sua casa? É gerador de
energia? É próprio ou da comunidade? A comunidade comprou, foi
doado pela mineração ou pela prefeitura?
13 – Antes da criação da RBRT tinha energia elétrica? O que era
utilizado para iluminar a noite?
26 – Quais os meios de transporte o(a) senhor(a) utiliza como meio de
locomoção (para ir de um lugar ao outro)? Aqui na comunidade? Para
pescar, visitar os amigos? E para ir para a cidade?
27 – Quais os meios de transporte o(a) senhor(a) utilizava como meio
de locomoção (para ir de um lugar ao outro)? Aqui na comunidade?
Para pescar, visitar os amigos? E para ir para a cidade?
28 – Há escola na comunidade? Quais os níveis de escolaridade são
oferecidos na escola? Quais os níveis de escolaridade? Quantos alunos
29 – Havia escola na comunidade? Quais os níveis de escolaridade
eram oferecidos na escola? Quais os níveis de escolaridade?
247
há na escola (por série)? O que acontece com os alunos quando não há
mais estudos para eles na escola da comunidade?
30 - Quais tipos de tratamento para a saúde o(a) Sr(a) busca quando fica
doente? Na comunidade há agentes de saúde? E quanto a prevenção de
doenças, o(a) Sr(a) vai ao médico com frequência? Em Oriximiná ou
Porto Trombetas? Campanhas de vacinação ou equipes médicas
atendem na comunidade?
31 - Como costumavam tratar da saúde? E quanto a prevenção de
doenças? Costumavam utilizar plantas e ervas medicinais
(fitoterápicos)?
32 - Há pessoas consideradas curadoras (curandeiros) na comunidade?
O(a) Sr(a) recorre aos serviços oferecidos por essas pessoas?
33 - Havia pessoas consideradas curadoras (curandeiros) na
comunidade? O(a) Sr(a) recorria aos serviços oferecidos por essas
pessoas?
34 - Qual a sua religião? Sobre as festas, círios? Danças, cultura,
ladainhas.
35 - Antes da criação da RBRT como eram as festas aqui no Erepecu?
36 - Como é feito o tratamento da água? 37 - Como era feito o tratamento da água?
38 - O que o(a) Sr(a) faz com o lixo que produz em casa? 39 - O que o(a) Sr(a) fazia com o lixo que era produzido em casa?
40 – As pessoas que saem da comunidade para ir morar em outro local e
depois se arrependem podem voltar a morar a viver na comunidade?
Como é esse processo?
41 – As pessoas que saiam da comunidade para ir morar em outro local
e depois se arrependiam podiam voltar a morar a viver na comunidade?
Como era esse processo?
42 - E para pessoas que nunca moraram no Último Quilombo, quais são
as regras para que novas pessoas queiram morar na comunidade Último
Quilombo? Isso é permitido? A comunidade possui alguma regra para
banir (expulsar) alguma pessoa da comunidade? Essas regras estão
escritas ou são regras de convivência da comunidade? Como essas
regras são repassadas para as pessoas (reuniões)? Como as pessoas
tomam conhecimento dessas regras?
43 – A comunidade possuía alguma regra para banir (expulsar) alguma
pessoa da comunidade? Essas regras estavam escritas ou eram regras de
convivência da comunidade? Como essas regras eram repassadas para
as pessoas (reuniões)? Como as pessoas tomavam conhecimento dessas
regras?
44 - Quais as principais atividades produtivas? Qual a sua principal
atividade produtiva (Em que trabalha como faz para se sustentar)? Para
o próprio sustento ou para comercializar?
45 - Quais as suas principais atividades produtivas (Em que trabalhava)
antes da criação da RBRT? Para o próprio sustento ou para
comercializar?
46 - O que o senhor planta na roça? Quais os meses o(a) Sr.(a) faz o
roçado? Quais os meses melhores para o plantio? Quais meses se
dedicam a roça? Quais atividades são desempenhadas pelos homens e
quais as atividades são desempenhadas pela mulher? Quanto mede a
47 - O que o senhor plantava na roça? Quais os meses o(a) Sr.(a) fazia
o roçado? Quais os meses eram melhores para o plantio? Quais meses
se dedicavam a roça? Quais atividades são desempenhadas pelos
homens e quais as atividades são desempenhadas pela mulher? Quanto
248
roça? Vocês podem aumentar esse tamanho do roçado. Qual a regra
para aumentar ou fazer novos roçados na RBRT?
mede a roça? Vocês podem aumentar esse tamanho do roçado. Qual a
regra para aumentar ou fazer novos roçados na RBRT ?
48 - Na comunidade do(a) Sr.(a) ocorre o puxirum? O(a) Sr.(a) participa
de puxirum? Como é o puxirum? Só pode participar do puxirum pessoas
da comunidade onde o senhor mora ou de outra comunidade?
49 – Antes da criação da RBRT havia puxirum com frequência na
comunidade do(a) Sr.(a)?
50 - O(a) Sr.(a) possui casa de farinha? Própria ou comunitária? Como é
o uso?
51 - Antes da criação da RBRT o(a) Sr.(a) possuía casa de farinha?
Própria ou comunitária? Como é o uso?
52 - O(a) senhor(a) pesca, caça? Que tipos de peixe ou caça o(a)
senhor(a) costuma se alimentar?
53 – O(a) senhor(a) pescava, caçava? Que tipos de peixe ou caça o(a)
senhor(a) costumava se alimentar?
54 – Quais os instrumentos o(a) senhor(a) utiliza para caçar ou pescar?
O senhor faz esses instrumentos ou senhor compra?
55 – Quais os instrumentos o(a) senhor(a) utilizava para caçar ou
pescar? O senhor fazia esses instrumentos ou senhor comprava?
56 – Quais os principais tipos de alimentos que o(a) senhor(a) costuma
se alimentar que é produzido na própria comunidade?
57 – Quais os principais tipos de alimentos que o(a) senhor(a)
costumava se alimentar que era produzido na própria comunidade?
58 - Quais os principais tipos de alimentos que o(a) senhor(a) costuma
se alimentar que são comprados na cidade?
59 - Quais os principais tipos de alimentos que o(a) senhor(a)
costumava se alimentar que eram comprados na cidade?
60 - O(a) senhor(a) coleta outros produtos da floresta? Quais? Para
comercializar ou para o próprio consumo?
61 - Antes da criação da RBRT, o(a) senhor(a) coletava outros
produtos da floresta? Quais? Para comercializar ou para o próprio
consumo?
62 - O(a) Sr.(a) participou do processo de construção do termo de compromisso firmado entre o ICMBIO e as comunidades tradicionais para a
coleta da castanha na REBIO do ? Conte como foi o processo de construção do termo de compromisso?
63 - Quais as dificuldades enfrentadas pelos coletores de castanha durante o processo de construção do termo de compromisso?
64 - Quais as principais regras para a coleta da castanha na RBRT? 65 - O que o(a) Sr.(a) acha dessas regras para a coleta da castanha na
Rebio?
66 - Atualmente, como o(a) Sr.(a) percebe a relação das comunidades tradicionais com o ICMBIO?
67 - O(a) Sr.(a) avalia que o TC atende às necessidades atuais dos
quilombolas residentes no interior e entorno da RBRT?
68 - O que o(a) Sr.(a) acha que deveria constar no monitoramento,
prioritariamente?
249
APÊNDICE C – Autorizações da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos
do Município de Oriximiná (Arqmo); da Associação Mãe Domingas; da Associação das
Comunidades Remanescentes de Quilombo do Alto Trombetas 2 (ACRQAT); Autorização de
coordenações de comunidades.
250
CARTA DE ANUÊNCIA PARA AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA
Ilmo Sr. ___________________________________________________________
Solicitamos autorização institucional para realização da pesquisa intitulada “Análise das
transformações no modo de vida dos quilombolas do vale do Trombetas: o caso dos coletores de
castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, Oriximiná-PA” a ser realizada nas
comunidades localizadas nos Territórios Quilombolas do interior e entorno da Reserva Biológica do
Rio Trombetas, pelo aluno de pós-graduação Carlos Adriano Siqueira Picanço, sob orientação do Prof.
Dr. Reinaldo Corrêa Costa, com o(s) seguinte(s) objetivo(s): analisar o modo de vida dos quilombolas
que firmaram termos de compromisso com o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas,
no município de Oriximiná, estado do Pará, a partir de seu cotidiano e o uso do território e propor
subsídios para o aperfeiçoamento do termo de compromisso, necessitando portanto, ter acesso aos
dados a serem colhidos nos arquivos da instituição ora solicitada.
Além da pesquisa documental, os procedimentos de coleta de dados serão realizados da
seguinte forma: por meio de observação direta participante e entrevista semiestruturada a ser aplicada
aos castanheiros que firmaram o termo de compromisso com o ICMBio para a coleta da castanha-do-
brasil na Rebio do Rio Trombetas. As observações serão realizadas no período da coleta da castanha-
do-brasil nos castanhais da RBRT e nos períodos em que os coletores estão nas comunidades. As
entrevistas serão feitas levando-se em consideração pessoas interessadas em participar da pesquisa,
objetivando coletar dados e discursos que permitam o diagnóstico referente ao modo de vida dos
quilombolas, cujas anotações serão feitas em diário de campo e, quando autorizado, gravado em áudio.
Ressaltamos que os dados coletados serão mantidos em absoluto sigilo de acordo com a
Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS), que trata da pesquisa envolvendo
Seres Humanos. Salientamos ainda que tais dados serão utilizados somente para a realização deste
estudo OU serão mantidos permanentemente em um banco de dados de pesquisa, com acesso restrito,
para utilização em pesquisas futuras.
Na certeza de contarmos com a colaboração e empenho desta Associação, agradecemos
antecipadamente a atenção, ficando à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se
fizerem necessários.
Oriximiná, _______ de ____________________ de _________.
__________________________________________
Pesquisador responsável pelo projeto
( ) Concordamos com a solicitação ( ) Não concordamos com a solicitação
__________________________________________
Assinatura
251
ANEXOS
252
Anexo A – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa
INSTITUTO NACIONAL DEPESQUISAS DA AMAZÔNIA -
INPA/MCT
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
Pesquisador:
Título da Pesquisa:
Instituição Proponente:
Versão:
CAAE:
MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS DOVALE DO TROMBETAS: UM ESTUDO DE CASO COM OS ¿CASTANHEIROS¿ NARESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ/PA
CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANCO
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA/MCT/PR
1
88961318.2.0000.0006
Área Temática:
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Número do Parecer: 2.649.978
DADOS DO PARECER
A investigação na pesquisa proposta será realizada tendo como referência um grupo social dentre os
diversos que habitam na região Amazônica, os quilombolas coletores de castanha-do-brasil (Bertholletia
excelsa) que firmaram os termos de compromisso com o ICMBio para a coleta e comercialização desse
produto na Reserva Biológica do Rio Trombetas, no município de Oriximiná, estado do Pará. O modo de
vida desses povos, construído e repassado pelas gerações, está relacionado à atividades produtivas
baseadas no extrativismo de produtos florestais, na caça, na pesca e na agricultura para o sustento familiar
e comercialização. Dentre essas atividades, destaca-se a coleta da castanha-do-brasil, visto que estes
povos têm o seu modo de vida estruturado na coleta desse produto, além dessa atividade ter influenciado
na organização do território que esses povos habitam, criando forte vínculo de territorialidade. A partir da
década de 1970, é possível identificar impactos no modo de vida dos quilombola, principalmente, devido a
criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas, que impediu e ou criou regras para o acesso aos principais
castanhais.
O objetivo da pesquisa é analisar os impactos no modo de vida dos quilombolas que firmaram termos de
compromisso com o ICMBio
para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, no município de Oriximiná –
Pará, a partir de seu cotidiano e o uso do território e propor subsídios para o
Apresentação do Projeto:
Financiamento PróprioPatrocinador Principal:
69.080-971
(92)3643-3287 E-mail: [email protected]
Endereço:Bairro: CEP:
Telefone:
Av. André Araújo, nº 2936 - sala CEP - Prédio DiretoriaAleixo
UF: Município:AM MANAUSFax: (92)3643-3287
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INSTITUTO NACIONAL DEPESQUISAS DA AMAZÔNIA -
INPA/MCT
Continuação do Parecer: 2.649.978
aperfeiçoamento do termo de compromisso. A investigação será realizada por meio da pesquisa qualitativa.
Os dados serão coletados em campo pela técnica observação participante, a coleta de documentos e por
formulários com perguntas semiestruturadas
Objetivo Primário:
Analisar os impactos no modo de vida dos quilombolas que firmaram termos de compromisso com o ICMBio
para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica do Rio Trombetas, no município de Oriximiná –
Pará, a partir de seu cotidiano e o uso do território e propor subsídios para o aperfeiçoamento do termo de
compromisso.
Objetivo Secundário:
Analisar a importância do circuito espacial produtivo dos produtos da biodiversidade como elemento
importante do modo de vida e da territoriricosalidade dos quilombolas da bacia do rio Trombetas.
Analisar as mudanças e permanências no modo de vida dos quilombolas que
firmaram termos de compromisso com o ICMBIO para a coleta da castanha-do-brasil na Reserva Biológica
do Rio Trombetas.Analisar os impactos dos termos de compromisso no modo de vida dos quilombolas
residentes no interior e entorno da Rebio do Rio Trombetas, na gestão da Rebio, e na manutenção das
estruturas sociais e naturais no interior e entorno da Rebio do Rio Trombetas.
Objetivo da Pesquisa:
Foram devidamente avaliados
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
O trabalho tem relevância científica e social. E Está bem fundamentado teórico metodologicamente.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
Os termos e documentação foram devidamente apresentados: Folha de Rosto, Projeto de pesquisa,
declarações, TCLE, Roteiro de entrevista, no entanto alguns termos necessitam ser revisados e/ou incluídos
( por exemplo anuência das comunidades, anuência da REBIO se for acompanhar os quilombolas nas
atividaddes de coleta de castanha); Sugiro também que ajuste o cronograma tendo e vista que o tempo
entre a resposta do CEP/INPA e o início das atividades de coleta de
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
69.080-971
(92)3643-3287 E-mail: [email protected]
Endereço:Bairro: CEP:
Telefone:
Av. André Araújo, nº 2936 - sala CEP - Prédio DiretoriaAleixo
UF: Município:AM MANAUSFax: (92)3643-3287
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INSTITUTO NACIONAL DEPESQUISAS DA AMAZÔNIA -
INPA/MCT
Continuação do Parecer: 2.649.978
dados está muito apertado (lembre-se que as entrevistas só devem ser iniciadas após aprovação do CEP);
Recomendo também que na declaração de compromisso do pesquisador, o termo patente industriais seja
retirado, tendo em vista que não se aplica ao projeto de pesquisa.
O presente projeto,indubitavelmente, tem relevância Científica e social. A documentação necessária foi
devidamente apresentada. No entanto, é importante observar algumas questões:
- A anuência das comunidades, anuência da REBIO (se for acompanhar os quilombolas nas atividaddes de
coleta de castanha) Não foram incluídas;
- Ajustar o cronograma tendo e vista que o tempo entre a resposta do CEP/INPA e o início das atividades de
coleta de dados está muito apertado (lembre-se que as entrevistas só devem ser iniciadas após aprovação
do CEP);
- Recomendo também que na declaração de compromisso do pesquisador, o termo patente industriais seja
retirado, tendo em vista que não se aplica ao projeto de pesquisa.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Acatamos na íntegra o parecer do relator. Incentivamos a interação com a plataforma Brasil para dirimir
dúvidas. A aprovação terá validade durante a vigência do projeto, conforme cronograma apresentado. Ao
final da execução do projeto, o pesquisador DEVERÁ encaminhar, via Plataforma Brasil, o Relatório final da
pesquisa.
Considerações Finais a critério do CEP:
Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:
Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação
Informações Básicasdo Projeto
PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_1108268.pdf
16/04/201814:39:21
Aceito
Outros Declaracao_de_sigilo_patentes.pdf 16/04/201814:38:09
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Folha de Rosto Folha_de_rosto.pdf 16/04/201814:26:22
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Projeto Detalhado /BrochuraInvestigador
Projeto_Detalhado_Brochura_do_Investigador.pdf
11/04/201816:25:02
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
TCLE / Termos deAssentimento /Justificativa deAusência
_TCLE_.pdf 11/04/201816:08:14
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Declaração deInstituição e
Declaracao_de_Infraestrutura.pdf 11/04/201816:05:44
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
69.080-971
(92)3643-3287 E-mail: [email protected]
Endereço:Bairro: CEP:
Telefone:
Av. André Araújo, nº 2936 - sala CEP - Prédio DiretoriaAleixo
UF: Município:AM MANAUSFax: (92)3643-3287
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INSTITUTO NACIONAL DEPESQUISAS DA AMAZÔNIA -
INPA/MCT
Continuação do Parecer: 2.649.978
MANAUS, 11 de Maio de 2018
Cristóvão Costa(Coordenador)
Assinado por:
Infraestrutura Declaracao_de_Infraestrutura.pdf 11/04/201816:05:44
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Outros Garantia_de_Retorno_aos_participantes.pdf
11/04/201815:47:57
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Declaração dePesquisadores
Declaracao_de_Compromisso_do_Pesquisador.pdf
11/04/201815:45:13
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Cronograma cronograma_detalhado.pdf 11/04/201815:40:31
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Orçamento orcamento_detalhado.pdf 11/04/201815:39:39
CARLOS ADRIANOSIQUEIRA PICANCO
Aceito
Situação do Parecer:Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:Não
69.080-971
(92)3643-3287 E-mail: [email protected]
Endereço:Bairro: CEP:
Telefone:
Av. André Araújo, nº 2936 - sala CEP - Prédio DiretoriaAleixo
UF: Município:AM MANAUSFax: (92)3643-3287
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278
Anexo B – Autorização do ICMBio para a realização da pesquisa de campo na Reserva
Biológica do Rio Trombetas, Pará
Ministério do Meio Ambiente - MMAInstituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBioSistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO
Autorização para atividades com finalidade científicaNúmero: 62814-1 Data da Emissão: 25/06/2018 11:55 Data para Revalidação*: 25/07/2019
* De acordo com o art. 28 da IN 03/2014, esta autorização tem prazo de validade equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto,mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 diasa contar da data do aniversário de sua emissão.
SISBIODados do titular
Nome: CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANÇO CPF: 830.362.102-53
Título do Projeto: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS DO VALE DO TROMBETAS: UM ESTUDO DE CASO
COM OS CASTANHEIROS NA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ/PA
Nome da Instituição : Instituto Federal de Rondônia - Câmpus Colorado do Oeste CNPJ: 10.817.343/0001-05
Cronograma de atividades# Descrição da atividade Início (mês/ano) Fim (mês/ano)
1 Aplicação de questionários 05/2018 06/20182 reuniões com as associações de comunidades quilombolas para apresentação do projeto. 06/2018 06/20193 Sistematização de resultados 07/2018 09/20194 Análise dos Resultados 08/2018 10/20185 Elaboração da dissertação 01/2019 03/20196 Apresentação dos resultados aos participantes da pesquisa 03/2019 03/2019
Observações e ressalvas
1As atividades de campo exercidas por pessoa natural ou jurídica estrangeira, em todo o território nacional, que impliquem o deslocamento de recursos humanos emateriais, tendo por objeto coletar dados, materiais, espécimes biológicos e minerais, peças integrantes da cultura nativa e cultura popular, presente e passada,obtidos por meio de recursos e técnicas que se destinem ao estudo, à difusão ou à pesquisa, estão sujeitas a autorização do Ministério de Ciência e Tecnologia.
2
Esta autorização NÃO exime o pesquisador titular e os membros de sua equipe da necessidade de obter as anuências previstas em outros instrumentos legais, bemcomo do consentimento do responsável pela área, pública ou privada, onde será realizada a atividade, inclusive do órgão gestor de terra indígena (FUNAI), daunidade de conservação estadual, distrital ou municipal, ou do proprietário, arrendatário, posseiro ou morador de área dentro dos limites de unidade de conservaçãofederal cujo processo de regularização fundiária encontra-se em curso.
3Este documento somente poderá ser utilizado para os fins previstos na Instrução Normativa ICMBio n° 03/2014 ou na Instrução Normativa ICMBio n° 10/2010, no queespecifica esta Autorização, não podendo ser utilizado para fins comerciais, industriais ou esportivos. O material biológico coletado deverá ser utilizado para atividadescientíficas ou didáticas no âmbito do ensino superior.
4O titular de licença ou autorização e os membros da sua equipe deverão optar por métodos de coleta e instrumentos de captura direcionados, sempre que possível,ao grupo taxonômico de interesse, evitando a morte ou dano significativo a outros grupos; e empregar esforço de coleta ou captura que não comprometa a viabilidadede populações do grupo taxonômico de interesse em condição in situ.
5O titular de autorização ou de licença permanente, assim como os membros de sua equipe, quando da violação da legislação vigente, ou quando da inadequação,omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição do ato, poderá, mediante decisão motivada, ter a autorização ou licençasuspensa ou revogada pelo ICMBio, nos termos da legislação brasileira em vigor.
6Este documento não dispensa o cumprimento da legislação que dispõe sobre acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, naplataforma continental e na zona econômica exclusiva, ou ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, para fins de pesquisa científica,bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. Veja maiores informações em www.mma.gov.br/cgen.
7Em caso de pesquisa em UNIDADE DE CONSERVAÇÃO, o pesquisador titular desta autorização deverá contactar a administração da unidade a fim de CONFIRMARAS DATAS das expedições, as condições para realização das coletas e de uso da infra-estrutura da unidade.
Outras ressalvas
1
1.Os pesquisadores deverão informar com antecedência à chefia da UC sobre os locais onde serão realizadas as pesquisas de campo. 2. Estaautorização não substitui e não dispensa a necessidade de licença ambiental junto aos órgãos licenciadores. 3. Recomenda-se que opesquisador entre em contato com as associações dos moradores da área pesquisada antes de ir ao local. 4. Condicionantes da legislação,ambiental e/ou de povos e populações tradicionais, brasileira relacionada ao tema da pesquisa, embora não transcritas nesta ressalva, são parteintegrantes desta autorização. 5. Esta autorização não substitui e não dispensa a necessidade de licença ambiental junto aos órgãoslicenciadores. 6. Esta autorização não substitui demais autorizações pertinentes de responsabilidade de outros órgãos.
Equipe# Nome Função CPF Doc. Identidade Nacionalidade1 Reinaldo Corrêa Costa Orientador 458.722.282-87 210589-6 seseg-PA Brasileira
SISBIOEste documento (Autorização para atividades com finalidade científica) foi expedido com base na Instrução Normativa nº 03/2014. Através do código
de autenticação abaixo, qualquer cidadão poderá verificar a autenticidade ou regularidade deste documento, por meio da página do Sisbio/ICMBio na
Internet (www.icmbio.gov.br/sisbio).
Código de autenticação: 58211128Página 1/4
Ministério do Meio Ambiente - MMAInstituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBioSistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO
Autorização para atividades com finalidade científicaNúmero: 62814-1 Data da Emissão: 25/06/2018 11:55 Data para Revalidação*: 25/07/2019
* De acordo com o art. 28 da IN 03/2014, esta autorização tem prazo de validade equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto,mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 diasa contar da data do aniversário de sua emissão.
SISBIODados do titular
Nome: CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANÇO CPF: 830.362.102-53
Título do Projeto: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS DO VALE DO TROMBETAS: UM ESTUDO DE CASO
COM OS CASTANHEIROS NA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ/PA
Nome da Instituição : Instituto Federal de Rondônia - Câmpus Colorado do Oeste CNPJ: 10.817.343/0001-05
Locais onde as atividades de campo serão executadas# Município UF Descrição do local Tipo
1 PA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS UC Federal
SISBIOEste documento (Autorização para atividades com finalidade científica) foi expedido com base na Instrução Normativa nº 03/2014. Através do código
de autenticação abaixo, qualquer cidadão poderá verificar a autenticidade ou regularidade deste documento, por meio da página do Sisbio/ICMBio na
Internet (www.icmbio.gov.br/sisbio).
Código de autenticação: 58211128Página 2/4
Ministério do Meio Ambiente - MMAInstituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBioSistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO
Autorização para atividades com finalidade científicaNúmero: 62814-1 Data da Emissão: 25/06/2018 11:55 Data para Revalidação*: 25/07/2019
* De acordo com o art. 28 da IN 03/2014, esta autorização tem prazo de validade equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto,mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 diasa contar da data do aniversário de sua emissão.
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Nome: CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANÇO CPF: 830.362.102-53
Título do Projeto: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS DO VALE DO TROMBETAS: UM ESTUDO DE CASO
COM OS CASTANHEIROS NA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ/PA
Nome da Instituição : Instituto Federal de Rondônia - Câmpus Colorado do Oeste CNPJ: 10.817.343/0001-05
Registro de coleta imprevista de material biológicoDe acordo com a Instrução Normativa nº 03/2014, a coleta imprevista de material biológico ou de substrato nãocontemplado na autorização ou na licença permanente deverá ser anotada na mesma, em campo específico, porocasião da coleta, devendo esta coleta imprevista ser comunicada por meio do relatório de atividades. O transporte domaterial biológico ou do substrato deverá ser acompanhado da autorização ou da licença permanente com a devidaanotação. O material biológico coletado de forma imprevista, deverá ser destinado à instituição científica e, depositado,preferencialmente, em coleção biológica científica registrada no Cadastro Nacional de Coleções Biológicas (CCBIO).
Táxon* Qtde. Tipo de amostra Qtde. Data
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Autorização para atividades com finalidade científicaNúmero: 62814-1 Data da Emissão: 25/06/2018 11:55 Data para Revalidação*: 25/07/2019
* De acordo com o art. 28 da IN 03/2014, esta autorização tem prazo de validade equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto,mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 diasa contar da data do aniversário de sua emissão.
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Nome: CARLOS ADRIANO SIQUEIRA PICANÇO CPF: 830.362.102-53
Título do Projeto: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO MODO DE VIDA DOS QUILOMBOLAS DO VALE DO TROMBETAS: UM ESTUDO DE CASO
COM OS CASTANHEIROS NA RESERVA BIOLÓGICA DO RIO TROMBETAS, ORIXIMINÁ/PA
Nome da Instituição : Instituto Federal de Rondônia - Câmpus Colorado do Oeste CNPJ: 10.817.343/0001-05
* Identificar o espécime no nível taxonômico possível.
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