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Revista SÍNTESE Direito Administrativo ANO XI – Nº 126 – JUNHO 2016 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Denise Lopes dos Santos CONSELHO EDITORIAL Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi, Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Bruno Fialho Ribeiro, Hélio Rios Ferreira, Ives Gandra da Silva Martins, Joyce Michelle de Melo Rocha, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Thiago Cássio D’Ávila Araújo ISSN 2179-1651

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Revista SÍNTESEDireito Administrativo

Ano XI – nº 126 – Junho 2016

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07

dIRetoR eXecutIvo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Denise Lopes dos Santos

conselho edItoRIAl

Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves,Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia,

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi,Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai

comItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz

colAboRAdoRes destA edIção

Bruno Fialho Ribeiro, Hélio Rios Ferreira, Ives Gandra da Silva Martins, Joyce Michelle de Melo Rocha, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson,

Thiago Cássio D’Ávila Araújo

ISSN 2179-1651

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2006 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação mensal de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Administrativo.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec‑tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Administrativo – v. 1, nº 1 (jan. 2006) Nota: Continuação da REVISTA IOB de DIREITO ADMINISTRATIVO

São Paulo: IOB, 2006‑.

v. 11, nº 126; 16 x 23 cm

Mensal ISSN 2179‑1651

1. Direito administrativo.

CDU 342.9 CDD 341.3

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Administrativo abordamos, no Assunto Especial, o tema “Sigilo e a Lei de Transparência”.

A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) garante a seguran-ça jurídica das relações travadas entre a Administração Pública e os interes-sados em geral pelos dados que aquela possui, salvo quando as normas de direito impossibilitarem, temporariamente, seu acesso.

O sigilo das informações recai sobre informações sigilosas ou pes- soais, podendo o mesmo ser questionado administrativa e judicialmente caso o interessado formule requerimento fundamentado e não viole a direi-tos de intimidade, vida privada, honra e imagem ou violação à segurança da sociedade e do Estado.

Para compor o Assunto Especial selecionamos um artigo, qual seja: “As Exceções ao Direito Fundamental de Acesso à Informação”, elaborado pelo Procurador do Estado do Pará e Membro do nosso Comitê Técnico Hélio Rios Ferreira.

Na Parte Geral publicamos três artigos com temas vinculados ao Direito Administrativo, destacando o artigo intitulado “Jogo de Cronograma na Execução de Contratos Administrativos de Obras e Serviços de Engenha-ria”, elaborado pelo Procurador Federal da Advocacia-Geral da União em Brasília/DF, Mestre em Direito e Políticas Públicas, Thiago Cássio D’Ávila Araújo.

Ainda, na Parte Geral, publicamos oito Acórdãos na Íntegra (STJ, TRF 1ª R., TRF 2ª R., 3 TRF 3ª R., TRF 4ª R. , TRF 5ª R.) e o ementário com valores agregados.

Por fim, contamos com a Seção Especial “Parecer”, na qual publica-mos o artigo intitulado “ A Lei nº 12.830/2013 e Fundamentos de sua Cons-titucionalidade. Inteligência dos Artigos 144, § 4º e 129 da Constituição Federal. Funções Distintas do Parquet e da Polícia Judiciária Dirigida por Delegados. Investigação Criminal e a Competência Exclusiva dos Delega-dos para Dirigi-la”, elaborado pelo Advogado e Professor Ives Gandra da Silva Martins.

Tenham todos uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Sigilo e a lei de TranSparência

douTrina

1. As Exceções ao Direito Fundamental de Acesso à InformaçãoHélio Rios Ferreira ....................................................................................9

JuriSprudência

1. Acórdão na Íntegra (TRF 2ª R.) ................................................................20

2. Ementário ................................................................................................37

Parte Geral

douTrinaS

1. Jogo de Cronograma na Execução de Contratos Administrativos de Obras e Serviços de EngenhariaThiago Cássio D’Ávila Araújo .................................................................44

2. Controle da Administração Pública: Mandado de Injunção e Ativismo JudicialBruno Fialho Ribeiro ...............................................................................65

3. Das Agências Reguladoras e a Mitigação do Princípio da Tripartição dos PoderesRocco Antonio Rangel Rosso Nelson e Joyce Michelle de Melo Rocha ...75

JuriSprudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ....................................................................99

2. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .................................................127

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................131

4. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................136

5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................156

6. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................160

7. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .................................................173

8. Tribunal Regional Federal da 5ª Região .................................................183

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ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Administrativo .........................190

Seção Especial

parecer

1. A Lei nº 12.830/2013 e Fundamentos de sua Constitucionalidade. Inteligência dos Artigos 144, § 4º, e 129 da Constituição Federal. Funções Distintas do Parquet e da Polícia Judiciária Dirigida por Delegados. Investigação Criminal e a Competência Exclusiva dos Delegados para Dirigi-laIves Gandra da Silva Martins .................................................................219

Clipping Jurídico ..............................................................................................233

Resenha Legislativa ...........................................................................................242

Bibliografia Complementar ..................................................................................243

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................244

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.a

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Sigilo e a Lei de Transparência

As Exceções ao Direito Fundamental de Acesso à Informação

HéLIO RIOS FeRReIRAProcurador do Estado do Amapá, Advogado, Especialista em Direito Público, Membro do Comitê Técnico da Revista SínteSe Direito Administrativo e Revista SínteSe Responsabilidade Pública.

RESUMO: O foco deste artigo arrima‑se no estudo do direito fundamental ao acesso à informação, em especial das exceções a esse direito com a previsão legal de sigilo de alguns dados cujo conhecimento é de relevância à segurança nacional ou fazem parte da intimidade de uma pessoa. Seu objetivo é expor, à luz da doutrina e da jurisprudência, os pontos de vista no que concerne ao limite ao exercício do direito à informação. O enfoque metodológico dessa pesquisa pode ser caracterizado como qualitativo, biblio‑gráfico, exploratório e descritivo. Foi realizado um estudo sobre o sigilo das informações estabelecido na Lei Federal nº 12.527/2011, bem como por meio da legislação em vigor, da doutrina e da jurisprudência. Como resultado, constatou‑se que a jurisprudência dos Tribunais Superiores e a legislação em vigor autorizam a restrição, temporária, do acesso a informações sigilosas e pessoais.

PALAVRAS‑CHAVE: Acesso à informação; direito fundamental; informação sigilosa; classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.

ABSTRACT: The focus of this article stow the study of the fundamental right to access to informa‑tion, in particular the exceptions to this right with the legal provision of confidentiality of some data whose knowledge is relevant to national security or are part of the intimacy of a person. Your goal is to expose in the light of doctrine and jurisprudence, the views regarding the limit for exercising the right to information. The methodology of this research can be characterized as qualitative, literature, exploratory and descriptive. A study was conducted on the confidentiality of the information set forth in Federal Law nº 12.527/2011, as well as through legislation, doctrine and jurisprudence. As a result, it was found that the jurisprudence of the High Courts and the legislation authorizing the restriction, temporary access to confidential and personal information.

KEYWORDS: Access to information; a fundamental right; confidential information; classified as top‑‑secret, secret or reserved.

SUMÁRIO: Introdução; 1 As exceções ao direito fundamental de acesso à informação; 1.1 Da infor‑mação sigilosa; 1.2 Do sigilo das informações pessoais; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O direito fundamental de acesso à informação é oponível contra a Administração Pública, sendo o sigilo a exceção1. Esta exceção deve ser

1 Informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua im-prescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado.

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prevista em lei, assim como a possibilidade de acesso a dados sigilosos também deve ser respaldada em lei2. Nesse artigo doutrinário procuro tra-tar do sigilo à informação guardada pela Administração Pública, como é o caso das informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, com previsão expressa na Lei nº 12.527/2011.

Objetivas e claras são as considerações doutrinárias feitas pelo ilustre Professor Uadi Lammêgo Bulos3, estas de que me utilizo como forma de explicar o alcance e o conteúdo da Lei nº 12.527/2011:

Subordinam-se ao regime da Lei nº 12.527/2011: (i) os órgãos públicos inte-grantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; e (ii) as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Além de consagrar disposições gerais, a Lei nº 12.527/2011 prevê: (i) o aces-so a informações e sobre sua divulgação; (ii) o procedimento de acesso às informações; (iii) as restrições de acesso às informações; (iv) as responsabi-lidades pelas condutas ilícitas na seara das informações; (v) a existência de uma Comissão Mista de Reavaliação de Informações, dentre outras providên-cias gerais e transitórias.

A citada Lei Federal tratou de regulamentar o inciso XXXIII do art. 5º da CF/1988, princípio constitucional normativo com o seguinte enunciado:

todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Dessa forma, o direito fundamental à informação, muito embora com aplicabilidade imediata desde outubro de 1988, passou em 2011 a se ma-terializar por meio de norma infraconstitucional específica. Digo específica porque há outros diplomas normativos4 que tratam do direito à informação, bem como do sigilo de determinadas informações. Tanto isso é verdade que o art. 22 da Lei nº 12.527/2011 disciplina:

2 Art. 3º, inciso I, da Lei nº 12.527/2011.3 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Cons-

titucional nº 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 629.4 Anteriores e posteriores à vigência da Lei nº 12.527/2011.

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O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da ex-ploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o Poder Público.

1 AS EXCEÇÕES AO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À INFORMAÇÃO

1.1 Da informação sigilosa

A Lei de Acesso à Informações previu regras gerais de restrição à infor-mação por interesse público e de segurança nacional; desta forma, possível é que regulamentos infralegais, ao meu ver, fundamentados nessa lei pos-sam dispor sobre casos específicos em que a Administração Pública restrinja o acesso à informação. As cláusulas gerais de conceito indeterminado são:

Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:

I – pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;

II – prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;

III – pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;

IV – oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou mone-tária do País;

V – prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;

VI – prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

VII – pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacio-nais ou estrangeiras e seus familiares; ou

VIII – comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

Segundo o texto da regra legal citada, apenas o regulamento da Ad-ministração Pública ou decisão judicial podem fixar que tipo de informação

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é sigilosa5. O conceito indeterminado permite ao magistrado interpretar a aplicabilidade da norma ao caso concreto sem desobedecer seus limites, mas lhe garantindo aplicabilidade ao mundo dos fatos quando em primeira leitura for difícil de compatibilizar; apenas o uso da hermenêutica judicial, em alguns casos, pode atribuir determinação ao que foi dito pela lei.

A informação sigilosa pode ser classificada como ultrassecreta, secre-ta ou reservada, sendo o prazo máximo de guarda da informação, respec-tivamente, de 25, 15 e 5 anos. Esses prazos podem ser alterados por meio de declaração de um termo final, desde que antes do prazo máximo fixado pela Lei. Decorrido o período de um ou outro, o acesso será disponibilizado ao público.

Mas o que seria uma informação ultrassecreta, secreta ou reservada? Difícil definir. Ainda que a Lei nº 12.527/2011 traga parâmetros de classifi-cação, é a Administração Pública quem definirá segundo: “I – a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado; e II – o prazo máxi-mo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final”.

Há, segundo a Lei nº 12.527/2011, um critério subjetivo para graduar o sigilo das informações guardadas pela Administração Pública Federal:

Art. 27. A classificação do sigilo de informações no âmbito da administração pública federal é de competência:

I – no grau de ultrassecreto, das seguintes autoridades:

a) Presidente da República;

b) Vice-Presidente da República;

c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;

d) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e

e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior;

5 “Sem embargo da circunstância de que a publicidade dos atos constitui a regra, o sistema jurídico – repita--se - institui algumas exceções, tendo em vista a excepcionalidade da situação e os riscos que eventual divulgação poderia acarretar. O próprio art. 5º, XXXIII, da CF, resguarda o sigilo de informações quando se revela indispensável à segurança da sociedade e do Estado. O mesmo ocorre na esfera judicial: nos termos do art. 93, IX, da CF, com a redação dada pela EC nº 45/2004, apesar de serem públicos os julgamentos, poderá a lei limitar que, em certos atos, só estejam presentes as partes e seus advogados, ou, conforme a hipótese, apenas estes últimos. A Constituição pretendeu proteger o direito à intimidade do interessado diante de certos casos, considerando-o prevalente sobre o princípio do interesse público à informação. Vale dizer: a própria Carta admitiu o conflito entre tais princípios, indicando, na ponderação de valores a ser feita pelo intérprete, a preponderância do direito de sigilo e intimidade sobre o princípio geral de informação”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014. p. 29)

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II – no grau de secreto, das autoridades referidas no inciso I, dos titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista; e

III – no grau de reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade, observado o disposto nesta Lei.

Essa tarefa de classificação pode vir a ser questionada junto ao Poder Judiciário cuja análise, segundo meu entendimento, fica adstrita à Lei6, sal-vo quando os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade forem absurdamente violados7. Desta forma, tornar-se-á legítima a intervenção do Poder Judiciário no exercício de atividade típica do Poder Executivo. Con-firmando o que eu digo, trago passagem da ementa do julgado do TRF da 5ª Região8:

6 “PROCESSO ADMINISTRATIVO – CLASSIFICAÇÃO – CARÁTER RESERVADO – INFORMAÇÕES SENSÍVEIS COM SIGILO E PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL OU LEGAL – POSSIBILIDADE – “Constitucional. Administrati-vo. Processual civil. Lei de acesso à informação. Lei nº 12.527/2011. Autos classificados como ‘reservado’. Vista por parte do requerente que protocolou representação em prol da apuração de atos supostamente ímpro-bos. Cidadão interessado e legitimado nos termos do art. 9º, I e II da Lei nº 9.784/1999. Precedentes. Reser-va de informações sensíveis com sigilo e proteção constitucional ou legal. Possibilidade. Direito líquido e certo existente em parte. 1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado em prol do acesso ao conteúdo de pro-cesso administrativo classificado como ‘reservado’ nos termos do art. 23 e do art. 24 da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). O processo deriva de uma representação protocolada pelo impetrante na qual é alegada a existência de atos de improbidade de servidor público federal, que estão sendo sindicados pela Administração Publica Federal. 2. Com o recente advento da Lei nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informa-ção – foram fixados parâmetros legais para o Estado na complexa tarefa de equilibrar o direito à informação dos cidadãos e o direito da sociedade de que determinados dados sejam processadas sob sigilo. Ampliação controlada e apurada do acesso às informações é um elemento central ao desenvolvimento da democracia brasileira e ao avanço do Estado de Direito. 3. A classificação em caráter reservado de processo administrativo em questão não obsta a sua vista por parte do cidadão diretamente interessado, ou seja, daquele que protoco-lou a representação, por atenção ao art. 9º, incisos I e II da Lei nº 9.784/1999. Precedentes: MS 25.382/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, Julgado em 15.02.2006, publicado no DJ em 31.03.2006, p. 7, no Ementário v. 2227-02, p. 223 e na LEXSTF, v. 28, n. 328, 2006, p. 184-194; REsp 1.073.083/DF, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Publicado no DJe em 02.10.2009. 4. Está evidente que o direito de acesso ao conteúdo integral dos autos não é absoluto, uma vez que o feito pode conter informações que não possam ser compartilhadas com o impetrante em razão de serem afetas às atividades de inteligência ou, ainda, por esta-rem protegidas por vários tipos de sigilo de cunho constitucional ou legal. Segurança parcialmente concedida. Agravo regimental prejudicado.” (STJ, MS 20.196 (2013/0163198-2), 1ª S., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 10.04.2015)

7 A própria Lei nº 12.527/2011 afirma que a classificação decorre de decisão administrativa, motivação fun-damentada: “Art. 28. A classificação de informação em qualquer grau de sigilo deverá ser formalizada em decisão que conterá, no mínimo, os seguintes elementos: I – assunto sobre o qual versa a informação; II – fundamento da classificação, observados os critérios estabelecidos no art. 24; III – indicação do prazo de sigilo, contado em anos, meses ou dias, ou do evento que defina o seu termo final, conforme limites previstos no art. 24; e IV – identificação da autoridade que a classificou. Parágrafo único. A decisão referida no caput será mantida no mesmo grau de sigilo da informação classificada”.

8 TRF 5ª R., AC 0003513-83.2010.4.05.8201 (543431/PB), 1ª T., Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, DJe 06.09.2012.

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Ademais, o poder discricionário da Administração é limitado aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que são corolários do princípio da legalidade, ou seja, a autoridade administrativa não pode exceder os limites estabelecidos em lei, devendo o Poder Judiciário intervir para assegurar a observância da proteção legal aos direitos à informação, reconhecidos em favor dos deficientes físicos.

A classificação administrativa pode ser questionada por meio de re-curso ou reavaliada de ofício pela autoridade classificadora ou por autorida-de hierarquicamente superior (art. 29). Mesmo assim, a depender do resul-tado da reavaliação, em caso de lesão a terceiros, pode o Poder Judiciário, caso instigado, decidir intervir na classificação de determinada informação considerada sigilosa. Essa intervenção de um Poder sobre o outro é excep-cional e deixo consignado que a atividade de classificar informação sigilosa pode ser atividade do Poder Executivo, assim como dos Poderes Legisla-tivo e Judiciário, ambos no exercício de suas atividades atípicas e interna corporis.

A Administração Pública tem o dever de controlar o acesso à informa-ção. Qualquer dano causado por mau uso desse poder é capaz de gerar res-ponsabilização do ente público. Ademais, o acesso à informação classifica-da como sigilosa cria a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo (art. 25, § 2º, da Lei nº 12.527/2011). A primeira vista, pode-se enten-der existir uma responsabilidade pessoal do agente público, segundo a teo-ria subjetiva, de reparar o dano causado a outrem por guarda de informação sigilosa. Mas não é assim que se interpreta uma norma infraconstitucional cuja sua base emana diretamente da Constituição Republicana, ora, além de regulamentar um direito fundamental (de acesso à informação), lembro aos leitores que o art. 37, § 6º, da CF/1988 é a regra matriz da responsabiliza-ção da Administração Pública e de seus agentes por atos que causem danos a terceiros: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agen-tes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Dessa forma, a responsa-bilidade da Administração Pública por vazamento de informação protegida por sigilo é direta e regida pela teoria do risco administrativo (independe de culpa). Outra não é disciplina da própria Lei de Acesso à Informação:

Art. 34. Os órgãos e entidades públicas respondem diretamente pelos danos causados em decorrência da divulgação não autorizada ou utilização inde-vida de informações sigilosas ou informações pessoais, cabendo a apuração de responsabilidade funcional nos casos de dolo ou culpa, assegurado o res-pectivo direito de regresso.

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Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se à pessoa física ou enti-dade privada que, em virtude de vínculo de qualquer natureza com órgãos ou entidades, tenha acesso a informação sigilosa ou pessoal e a submeta a tratamento indevido.

Ressalto que o art. 34 referido nas linhas anteriores deve ser com-patibilizado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que, se o guardião da informação sigilosa for agente público, só cabe ação direta contra o ente federativo ao qual possui vínculo, assegurando-se o direito de regresso a este em caso de existência de prova de culpa ou dolo daquele9. A Fazenda Pública em juízo não precisa denunciar da lide para garantir seu direito ao ressarcimento, basta contra si um título executivo judicial condenando-a a ressarcir um dano causado a terceiro por culpa ou dolo do seu agente público. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro10:

Contrários à denunciação à lide, merecem menção os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008: 1019), Lúcia Valle Figueiredo (1994: 177), Vicente Greco Filho (Justitia, v. 94, p. 9-17), Weida Zancaner (1981: 64-65). Os principais argumentos contra a denunciação são os seguintes: (a) são diversos os fundamentos da responsabilidade do Estado e do servidor; (b) essa diversidade de fundamento retardaria injustificadamente a solução do conflito, pois se estaria, com a denunciação à lide, introduzindo outra lide no bojo da lide entre vítima e Estado; (c) o inciso III do artigo 70 do CPC refere-se ao garante, o que não inclui o servidor, no caso da ação regressiva prevista no dispositivo constitucional.

À pessoa física ou jurídica de direito privado colaboradora do Poder Público também se submete à teoria objetiva de responsabilidade por danos causados a terceiros, conforme segunda parte do § 6º do art. 37 da CF/1988: “As pessoas jurídicas [...] de direito privado prestadoras de serviços públicos [...]”. A depender da profissão, pode a informação ser acessada pelo públi-co, mas a fonte de origem deve ser resguardada sob sigilo como forma de garantia ao exercício da profissão (art. 5º, inciso XIV, da CF/1988).

1.2 Do sigilo Das informações pessoais

Os servidores públicos são alcançados pela Lei de Acesso à Infor-mação, tendo o Poder Judiciário autorizado a divulgação nominal de seus salários em sítios de Internet, alguns denominados de “site da transparên-

9 No RE 327.904/SP, Rel. Min. Carlos Ayres Britto (DJ 08.09.2006) e RE 344.133, em que foi relator o Min. Marco Aurélio.

10 Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 738.

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cia”, local em que qualquer interessado (ou curioso) pode consultar a remu-neração de um servidor para saber se está em conformidade com as regras constitucionais. Eis o teor do entendimento esposado pelo Supremo Tribu-nal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça autorizando a publicidade salarial dos servidores públicos de todos os Poderes:

ACESSO À INFORMAÇÃO – DADOS DE SERVIDORES PÚBLICOS – DIVUL-GAÇÃO NOS SÍTIOS ELETRÔNICOS – Suspensão de segurança. Acórdãos que impediam a divulgação, em sítio eletrônico oficial, de informações fun-cionais de servidores públicos, inclusive a respectiva remuneração. Deferi-mento da medida de suspensão pelo presidente do STF. Agravo regimental. Conflito aparente de normas constitucionais. Direito à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos e entidades públi-cas. Princípio da publicidade administrativa. Não reconhecimento de vio-lação à privacidade, intimidade e segurança de servidor público. Agravos desprovidos. 1. Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remu-neração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo “nessa qualidade” (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o ende-reço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O “como” se administra a coisa pública a preponderar sobre o “quem” administra – falaria Norberto Bobbio –, e o fato é que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana. 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos regimentais desprovi-

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dos. (STF, AgRg-SS 3902, Segundo Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, J. 09.06.2011, DJe-189, Divulg. 30.09.2011, Public. 03.10.2011)

ADMINISTRATIVO – CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – DIVULGAÇÃO DA REMUNERAÇÃO EM SÍTIO ELETRÔNICO GOVERNAMENTAL – POSSIBILIDADE – 1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pelos ora recorrentes contra ato alegadamente ilegal atribuído ao Secretário de Estado de Planejamento e Gestão e ao Controlador-Geral do Estado de Minas Gerais, consistente na “disponibilização pública, através do portal da transparência (DOC.07), do site do governo do Estado de Minas Gerais, da remuneração individualizada e identificada nominalmente dos Impetrantes, enquanto servidores públicos da administração direta do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais, con-forme determinado pela Resolução Conjunta nº 8.676, de 30 de julho de 2012 (DOC.Q2), emanada das autoridades coatoras” (fl. 2, e-STJ). 2. A juris-prudência desta Corte firmou-se no sentido de que a divulgação nominal da remuneração de servidores públicos em sítio eletrônico governamental na rede mundial de computadores Internet, não configura lesão aos princípios constitucionais do direito à intimidade ou à vida privada, inexistindo direito líquido e certo à não divulgação da referida informação. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg-Rec.-MS 47.414 (2015/0013449-4), 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.11.2015, p. 2403)

Não posso deixar de me manifestar acerca do parcial sigilo dessas informações, tendo em vista que ao público só pode ser autorizado o acesso do que é de interesse público, por conseguinte, detalhes do contracheque não podem constar de publicação em sítios eletrônicos da Internet, uma vez que ao público não interessa se o agente público possui empréstimo ban-cário, descontos de pensão alimentícia, entre outros dados que fazem parte da intimidade daquele. O limite à informação de dados de terceiros esbarra em outro direito fundamental que é o da intimidade e dignidade da pessoa humana. Não se pode denegrir um ser humano simplesmente para se dar publicidade a algo cujo interesse público é inexistente. A ponderação de interesses é o melhor meio de se aplicar esses princípios quando iluminarem um caso concreto.

A interpretação sistemática utilizada no artigo anterior é observada da leitura do próprio texto da Lei nº 12.527/2011, ao tratar de informações pessoais11 (Seção V):

11 Informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável.

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Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma trans-parente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pes-soas, bem como às liberdades e garantias individuais.

§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimida-de, vida privada, honra e imagem:

I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e

II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

§ 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.

§ 3º O consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias:

I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legal-mente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;

II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

III – ao cumprimento de ordem judicial;

IV – à defesa de direitos humanos; ou

V – à proteção do interesse público e geral preponderante.

§ 4º A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e ima-gem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver en-volvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.

§ 5º Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de infor-mação pessoal.

A divulgação de informações pessoais relativas à intimidade, vida pri-vada, honra e imagem poderão ser autorizadas somente por expressa pre-visão legal ou consentimento, também expresso, da pessoa a que elas se referirem (inciso II do § 1º do art. 31). Essas formas de divulgação de infor-mações pessoais necessitam de regulamentação (§ 5º), sob pena de estar o agente público incorrendo em infração administrativa, penal e civil, pois a Lei nº 12.527/2011 é clara ao dispor:

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Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agen-te público ou militar:

[...]

IV – divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal;

O pedido de informações pessoais deve ser fundamentado, seja na lei ou com juntada de declaração da pessoa cujos dados serão expostos, no sentido de autorizar a vista pelo requerente, sob pena de incorrer na infração anteriormente descrita12. A fundamentação do requerimento é ba-seada em legislação federal, estadual ou municipal, a depender do ente que regulamentou o acesso às informações, sempre observando as regras gerais estabelecidas pela Lei nº 12.527/201113.

CONCLUSÃO

Essa Lei de Acesso à Informação garante a segurança jurídica das re-lações travadas entre a Administração Pública e os interessados em geral pelos dados que aquela possui, salvo quando as normas de direito impos-sibilitarem, temporariamente, seu acesso. Esses interessados são nacionais e estrangeiros, tanto que o representante da República Federativa do Brasil deve sempre ter em mente que “o tratamento de informação sigilosa re-sultante de tratados, acordos ou atos internacionais atenderá às normas e recomendações constantes desses instrumentos” (art. 36).

O sigilo das informações, tema central do artigo doutrinário, é tempo-rário e recai sobre informações sigilosas ou pessoais. Porém, o sigilo pode ser questionado administrativa e judicialmente, caso o interessado formule requerimento fundamentado e não importe em violação a direitos de inti-midade, vida privada, honra e imagem (caso das informações pessoais) ou

12 “A lei de acesso à informação, que dispõe sobre os procedimentos a serem observados por União, Estados, Distrito Federal e Municípios com o fim de assegurar o exercício desse direito (Lei nº 12.527/2011), acabou por conferir maior efetividade ao próprio direito de petição, ao prever, entre outras disposições: a) o dever do órgão ou entidade pública de autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível (art. 11), ou no prazo não superior a 20 dias quando se tratar de casos em que não seja possível o acesso imediato (art. 11, § 1º); b) oferecimento, pelo Poder Público, de meios para que o próprio requerente possa pesquisar a informa-ção de que necessitar; c) a responsabilidade do agente público que recusar a fornecer a informação requerida, retardar deliberadamente o seu fornecimento, ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa, com a previsão de sanções como advertência, multa, rescisão de vínculo com o Poder Público.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 586)

13 “Cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em legislação própria, obedecidas as normas gerais estabelecidas nesta Lei, definir regras específicas, especialmente quanto ao disposto no art. 9º e na Seção II do Capítulo III”. (Art. 45)

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violação à segurança da sociedade e do Estado. O acesso proporciona o controle da atividade administrativa pela sociedade e o sigilo, na forma da legislação de acesso à informação, garante a segurança de dados que não dizem respeito à coletividade em geral cujo seu conhecimento mais pode gerar uma lesão do que uma informação útil.

REFERÊNCIASBULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional nº 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2013. São Paulo: Atlas, 2014.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Sigilo e a Lei de Transparência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação/Reexame Necessário nº 2011.51.01.020225‑7Nº CNJ: 0020225‑86.2011.4.02.5101Relatora: Juíza Federal Convocada Carmen Silvia lima de ArrudaApelante: Empresa Folha da Manhã S/A e outroAdvogado: Alexandre Fidalgo e outrosApelante: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDESAdvogado: Mara Rocha Aguilar e outrosApelado: os mesmosRemetente: Juízo Federal da 5ª Vara – RJOrigem: Quinta Vara Federal do Rio de Janeiro (201151010202257)

emenTaMANDADO DE SEGURANÇA – ACESSO À IMPRENSA DE RELATÓRIOS DE ANÁLISE ELABORADOS PELO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES) – INEXISTÊN-CIA DE SIGILO BANCÁRIO – PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA

É legítima a pretensão da imprensa de ter acesso a relatórios de aná-lise, elaborados pelo BNDES, contendo a justificativa técnica para as operações de empréstimo e financiamentos milionários, concedidos com o emprego de verbas públicas (em última análise). Matéria de interesse público indiscutível. Inexistem em tais relatórios dados ban-cários sigilosos ou que comprometam a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, incisos XIV e XXXIII, da Lei Maior). Observância dos princípios da publicidade (art. 37, caput, da CF) e da transparência, nos termos da Lei nº 12.527/2011. A própria essência da ideia repu-blicana e a lógica da liberdade de imprensa são respaldo suficiente a autorizar o acesso, aos canais noticiosos, de dados importantes à ciência, pela população, do uso de vultosas quantias de empresa pú-blica de financiamento. Evita-se que se diga que favores foram con-cedidos a amigos do rei. Apelação do BNDES e remessa necessária desprovidas. Apelação dos Impetrantes provida.

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aCÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, negar provimento à apelação do BNDES e à remessa necessária, e dar provimento à apelação dos Impetrantes, vencida, em parte, a relatora.

Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2013.

Guilherme Couto de Castro Desembargador Federal – Relator p/ Acórdão

relaTÓrio

1. Trata-se de remessa necessária e de apelações cíveis interpostas pela Empresa Folha da Manhã S/A e Outro e pelo Banco Nacional do De-senvolvimento Econômico e Social – BNDES de sentença proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro nos au-tos do Mandado de Segurança movido pelos primeiros apelantes contra ato praticado pelo Presidente do BNDES, que teria violado direito líquido e cer-to dos impetrantes ao negar-lhes o fornecimento de informação – por eles considerada de interesse público – constante de acesso e extração de cópias dos Relatórios de Análise de Operações de Financiamento com aporte igual ou superior a cem milhões de reais realizado pelo Banco.

2. A Empresa Folha da Manhã S/A e Ricardo Balthazar, a primeira, empresa jornalística e o segundo, jornalista, narram, na inicial, que, no exercício regular de suas atividades, apresentaram requerimento dirigido ao Presidente do BNDES para que lhes fossem fornecidos o acesso e a extra-ção de cópias dos Relatórios de Análise de determinadas operações finan-ceiras realizadas pela Empresa Pública, especialmente as operações com valor igual ou superior a cem milhões de reais aprovadas pela Diretoria do Banco, no período compreendido entre janeiro de 2008 e março de 2011. Afirmam que a autoridade impetrada não disponibilizou o acesso às infor-mações desejadas ao argumento de que estariam resguardadas pelo sigilo bancário de que trata a Lei Complementar nº 105/2001. Entendem que tal ato afronta o disposto no art. 5º, XXXIII c/c XIV e no art. 220 da Constituição da República.

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3. Em sua sentença, o MM. Juízo monocrático afastou as preliminares suscitadas pela autoridade impetrada e, no mérito, concedeu parcialmente a segurança para determinar que fosse autorizado aos impetrantes, no pra-zo de trinta dias, o acesso e a extração de cópias dos relatórios de análise relativos às operações com valor igual ou superior a cem milhões de reais aprovadas pela Diretoria do Banco, no período compreendido entre janeiro de 2008 a março de 2011, unicamente quando o requerente da operação for pessoa jurídica de direito público, ressalvada a hipótese de o projeto referir-se à segurança da sociedade e do Estado. Fundamentou seu decisum no fato de que, a princípio, as informações abrangidas pelo sigilo bancário não podem ser objeto de divulgação pelas instituições financeiras que a elas tiveram acesso, sob pena de violação de garantia constitucional. Enten-deu, ainda, o magistrado, que embora não se olvide que o BNDES é uma empresa pública, entidade de direito privado, não há como equiparar de forma plena sua atuação a de uma instituição financeira que não integra a Administração Pública, já que o Banco é o “principal instrumento de exe-cução da política de investimentos do Governo Federal e tem por objetivo primordial apoiar programas, projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do País”, o que significa dizer que as dotações utilizadas pelo BNDES provém, em grande parte, de recur-sos públicos oriundos do orçamento da União e de programas como o PIS/Pasep. Consignou, ainda, o sentenciante, que, por essa razão, o tratamento dado ao sigilo bancário das operações perpetradas pelo BNDES deve ser di-ferente do atribuído às demais instituições financeiras, ou seja, sendo o BN-DES integrante da Administração Pública Federal, e sendo públicos os re-cursos que utiliza, é certo haver sua submissão ao Princípio da Publicidade (art. 37 da Constituição da República), que permeia sua atuação e deve ser levado em consideração quando da interpretação das normas a ele aplicá-veis. Assim, havendo tensão entre o direito à privacidade das entidades que prestaram informações ao BNDES e o princípio da publicidade a que está este obrigado, deve prevalecer, a seu ver, a proteção ao sigilo bancário das empresas tomadoras dos empréstimos, já que não se aventa a ocorrência de qualquer irregularidade nos ditos empréstimos. Entendeu, ainda, distinguir as tomadoras de empréstimo que eventualmente também façam parte da Administração Pública, também submetidas ao princípio da publicidade, às quais não se aplicaria o direito ao sigilo bancário.

4. Inconformados, apelam os impetrantes, pugnando pela reforma da sentença e consequente concessão integral do mandamus, argumentan-do que a exclusão das operações relativas às pessoas jurídicas de direito

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privado não deve prevalecer já que a sentença (i) inovou indevidamente na ordem constitucional, estabelecendo a proteção do sigilo dos Relatórios de Análise como ressalva ao direito de informação; (ii) estabeleceu critério inexistente para a prevalência do princípio da publicidade, qual seja, a ne-cessidade de desconfiança sobre a legalidade das operações; e (iii) inverteu a ordem constitucional, impondo a obediência ao princípio da publicidade às pessoas jurídicas de direito público que contratem com o BNDES e não a este ente por si mesmo, apesar de lidar, este último, com dinheiro público.

5. O BNDES, por sua vez, igualmente inconformado com a sentença, apresenta suas razões de apelo pugnando pela denegação da ordem argu-mentando, em apertada síntese, que os impetrantes não detêm legitimidade ativa para obter informações protegidas por sigilo bancário, nos termos da Lei Complementar nº 105/2001; que é descabido mandado de segurança contra ato de gestão de empresa pública; que há litisconsórcio passivo ne-cessário com as empresas beneficiárias dos empréstimos a cujo relatório se deseja ter acesso; que inexiste direito líquido e certo a ser protegido por mandado de segurança; que há impossibilidade jurídica do pedido já que os relatórios de análise são elaborados no exercício da atividade econômica fim do BNDES e não no exercício de suas funções administrativas, além de versarem sobre informações de terceiros, aplicando-se o disposto na Lei Complementar nº 105/2001, protegendo-se o sigilo de dados bancários. Quanto ao mérito do mandado de segurança propriamente dito, sustenta que as atividades do BNDES são submetidas a controle interno e externo permanente por diversos órgãos e entidades do âmbito dos três poderes da República, não sendo cabível, como justificativa para concessão da ordem, o argumento de que a imprensa exerceria o papel fiscalizador dos atos da Administração Pública; a par disso, aduz que tem disponibilizado diversas informações institucionais no site BNDES Transparente, de forma a com-plementar a prestação de contas à sociedade; o dever de sigilo dos dados financeiros aplica-se indistintamente às pessoas jurídicas de direito privado e público, nos termos da Lei Complementar nº 105/2001 e jurisprudência do STF; que a regra é o sigilo e sua quebra, a exceção, observado o devido processo legal; que o BNDES é dotado de personalidade jurídica de direi-to privado, não devendo, sobretudo quando explora atividade econômica, ser entendido como órgão público; que não há justa causa para quebra do sigilo bancário das operações financeiras constantes dos relatórios objeto do mandamus; e, finalmente, que para que o BNDES realize a análise da viabilidade econômica de um projeto que lhe é apresentado, é preciso que o candidato ao crédito franqueie acesso a informações pelas quais possa a

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equipe técnica projetar a capacidade de geração de receitas e de pagamento do tomador e/ou projeto, havendo uma relação de confiança recíproca que seria quebrada com a publicização de tais dados.

6. Recebidos os apelos no duplo efeito, vieram contrarrazões do BNDES às fls. 1196 e ss. e dos impetrantes às fl. 1251 e ss.

7. Vieram os autos a este Tribunal onde o Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem nos termos do pedido inicial.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Carmen Silvia Lima de Arruda Juíza Federal Convocada Relatora

VoTo-VisTa

Com a devida vênia, inviável aderir à íntegra do voto de mérito da relatora, que profere julgado condicional, e isto quando os fatos são certos e debatidos. Até mesmo quando a relação jurídica é condicional, o juiz deve proferir sentença certa (art. 460, parágrafo, do CPC) e, no caso, os fatos são certos e passados.

Portanto, adere-se parcialmente ao voto da relatora, cujos fundamen-tos são também aqui adotados e incorporados, afastando-se apenas a res-salva condicional, que remete a novo futuro exame, relativo a eventual e suposta situação de sigilo. Isso, data vênia, inverte a lógica da lei, e cria dificuldade no cumprimento e entendimento do resultado da lide.

O caso é simples, embora sua projeção o faça parecer complexo. Deve ser concedida a ordem no presente mandado de segurança, impetrado pela Empresa Folha da Manhã S/A (Folha de São Paulo e Agora São Paulo) e pelo jornalista Ricardo de Oliveira Balthazar.

Eles visam a obter acesso e cópias dos relatórios de análise elabo-rados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que envolviam operações em valor igual ou superior a 100 milhões de reais, aprovadas pelo Banco no período compreendido entre janeiro de 2008 a março de 2011, os quais foram recusados ao pretexto de sigilo ban-cário (Lei Complementar nº 105/2001).

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Ressaltam os Impetrantes, na petição inicial, que o objetivo deste mandamus restringe-se ao relatório de análise emitido pelo BNDES, ou seja, ao documento técnico que justificou as operações indicadas, de modo que ele não se confunde com o acesso a informação bancária sigilosa, aspecto, aliás, aceito pela Ilustre Relatora, ao afastar a tese de litisconsórcio passivo necessário das pessoas jurídicas titulares de tais informações (fl. 375).

É claro que o relatório terá analisado situação de solvabilidade de quem obteve milionários empréstimos, mas isto é a própria prova da neces-sidade de transparência, vale dizer, vultosas quantias não podem ser libera-das por ente integrante da administração pública quando não há respaldo técnico.

Diante desse quadro, deve ser concedida a ordem, sem ressalva, em atenção aos comandos da publicidade e da transparência, de forma a as-segurar o acesso a informações essenciais e de indiscutível interesse pú-blico, pertinentes a empréstimos e financiamentos concedidos em valores altíssimos, que envolvem, como acertadamente destacado pelo Parquet (fls. 09/10 e 22/23 dos autos nesta Corte), verbas públicas.

Pouco importa que, em outras lides, tenha havido mais dificuldade em obtenção de algo pelo que clamam os setores interessados na limpidez e honestidade do país. Nada envolveu as partes que ora contendem, em torno do pedido formulado, de modo que o mérito é enfrentado e os impetrantes têm razão.

Em muitos países, apenas a ideia de liberdade de imprensa já é sufi-ciente a autorizar o acesso, aos canais noticiosos, de dados importantes à ciência, pela população, do uso de vultosas quantias que são aportadas a alguns por quem representa o público interesse. No caso, trata-se de empre-sa pública de fomento, e acresce que boa parte dos seus aportes tem origem pública, e não de operações próprias.

A necessidade de conceder a ordem advém, também, da própria es-sência da ideia republicana, de modo a evitar que se diga que favores foram concedidos a amigos do rei.

Dessa forma, deve ser assegurado à população, através da imprensa, como é o caso, e também, evidentemente, nos termos da Lei nº 12.527/2011, o acesso às informações de interesse público, pertinentes à aplicação e in-vestimento de verbas públicas, tal como disposto no art. 5º, incisos XIV e XXXIII, da Lei Maior, não sendo o caso de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

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Trata-se, importa repisar, de informações pertinentes ao acesso a cré-dito cento milionário obtido da administração pública, que apenas o con-cede a alguns, e para o qual tem que ser apresentada a justificativa técnica, exposta nos relatórios de análise elaborados pelo BNDES (como se verifica do modelo de fls. 54/74), cujo acesso deve ser franqueado à população.

Além disso, os relatórios pedidos na inicial são restritos ao período de 2008 a 2011, ou seja, envolvem operações já realizadas há muito, não existindo motivo razoável para mantê-las em sigilo indefinidamente.

Do exposto, nega-se provimento à apelação do BNDES e à remessa necessária, e dá-se provimento à apelação dos Impetrantes, para reformar a sentença recorrida e julgar procedente o pedido, determinando ao Impe-trado que assegure e permita, sob as penas da lei, o acesso e a extração de cópias dos relatórios de análise especificados às fls. 37/49, de que constam as operações com valor igual ou superior a cem milhões de reais, aprovadas pela Diretoria do Banco no período compreendido entre janeiro de 2008 a março de 2011. Sem condenação em honorários.

É o voto.

Guilherme Couto de Castro Desembargador Federal

VoTo

“Uma época não pode se aliar e conspirar para tornar a seguinte incapaz de entender seus conhecimentos (sobretudo tão urgentes), de libertar-se de seus erros e finalmente fazer progredir o esclarecimento. Seria um crime contra a natureza humana, cuja vocação original reside nesse progresso; e os des-cendentes terão pleno direito de rejeitar essas decisões tomadas de maneira ilegítima e criminosa.

[...]

Um homem pode, a rigor, pessoalmente e, mesmo então, somente por algum tempo, retardar o Esclarecimento em relação ao que ele tem a obrigação de saber; mas renunciar a ele, seja em caráter pessoal, seja ainda mais para a posteridade, significa lesar os direitos sagrados da humanidade, e pisar-lhe em cima1.” (sem grifos no original)

1 Trecho extraído do texto de 1783 de Immanuel Kant, in “Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento?”, disponível em http://ensinarfilosofia.com.br/__pdfs/e_livors/47.pdf.

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1. De início, assinale-se que o presente feito foi incluído em pauta para julgamento no dia 17.06.2013, onde proferi voto, dando provimento ao apelo do BNDES, para reformar a sentença, acolhendo a preliminar de inadequação da via eleita, por entender tratar-se de ato de gestão.

No entanto, vencida esta Relatora pela D. maioria dos membros da Turma, que entendeu por afastar a preliminar aventada, e suspender o julga-mento para oportunizar a apresentação do voto de mérito do recurso formu-lado pela Folha da Manhã S/A e do BNDES. Sendo assim, passo a proferir o voto pelas razões a seguir expostas.

2. O cerne da controvérsia cinge-se ao alegado direito dos impetran-tes – empresa jornalística e seu editor – ao acesso e extração de fotocópias de relatórios de análise de operações de financiamento, com aporte de va-lores iguais ou superiores a cem milhões de reais, realizadas por empresa pública.

3. A sentença merece reforma. Vejamos.

4. Em primeiro lugar, entendo ser de suma importância deslindar o que é efetivamente o objeto do presente mandado de segurança, para es-tabelecer os contornos da controvérsia, já que parece haver certa confusão sobre a natureza das informações objeto do requerimento administrativo formulado pelos impetrantes. Vejamos.

Os impetrantes, em sua petição inicial, narram que atuam no ramo da comunicação social, como jornal de grande circulação e editor de jornal, respectivamente, e que, nessa qualidade, requereram, administrativamente, ao Presidente do BNDES, acesso e cópia aos/dos Relatórios de Análise de Operações de Financiamento com aporte igual ou superior a cem milhões de reais realizados por aquela Instituição, com base no art. 5º, XIV e XXXIII e no art. 220 da Constituição Federal.

A autoridade coatora, por entender que os dados solicitados são si-gilosos, em razão do determinado na Lei Complementar nº 105/2001, já que os relatórios de análise de operações de financiamento conteriam da-dos bancários de terceiros, indeferiu o fornecimento das informações solici-tadas.

A sentença de Primeiro Grau concedeu, parcialmente, a segurança para determinar o fornecimento dos indigitados relatórios apenas em rela-ção aos contratantes pessoas jurídicas de direito público, por entender que,

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em relação a estas, não se aplica a regra de sigilo bancário, mas, ao contrá-rio, o princípio da publicidade de seus atos e negócios.

Eis o panorama que se descortina à apreciação da Turma: os relató-rios de análise seriam ou não sigilosos à luz dos dados ali contidos já que, supostamente, estariam em jogo informações bancárias das empresas to-madoras dos empréstimos ou, por serem de interesse coletivo em razão da origem pública dos recursos liberados pelo Banco, deveriam ter seu acesso franqueado a qualquer cidadão que demonstrasse interesse.

5. Aparentemente, o que se vê é um conflito entre normas e princípios constitucionais. De um lado, estaria a proteção à privacidade e intimidade dos contratantes e, de outro, o dever de publicidade e transparência que devem nortear a Administração Pública como um todo. Entretanto, antes de adentrar na questão de fundo, alguns argumentos deduzidos pelo BNDES devem ser enfrentados. Vejamos.

6. Da ilegitimidade ativa dos impetrantes.

Cumpre afastar a alegação de ilegitimidade ad causam dos impetran-tes feita pelo BNDES, na medida em que o ato coator foi a eles direcionado, indeferindo requerimento formulado no sentido de obter informações, que por sua própria natureza podem, em tese, ser consideradas de interesse pú-blico.

Em nosso sistema, ressalvada a hipótese de legitimação extraordi-nária do substituto processual (que depende de autorização de lei – CPC, art. 6º), a legitimação para a causa, nos demais casos se estabelece a partir da relação de direito material objeto do litígio. “Parte legítima para a causa”, ensina Athos Gusmão Carneiro, “é quem figura na relação de direito proces-sual como titular, em tese, da relação de direito material nela deduzida, ou, vistas as coisas sob outro ângulo, como titular dos interesses em lide, ou, ainda, como substituto processual” (CARNEIRO, Athos Gusmão. Interven-ção de terceiros. 14. ed. São Paulo, Saraiva, p. 41).

No mesmo sentido:

“Partes legítimas são as pessoas a quem a lei outorga a qualidade para es-tar em juízo na defesa de direitos e interesses, seja propondo a demanda, seja para que em relação a elas a demanda seja proposta (legitimidade ativa ou passiva). Ordinariamente, têm essa qualidade apenas os sujeitos da re-lação material em litígio (os cônjuges para a ação de separação judicial, os contratantes para a de anulação do contrato, etc.)” (DINAMARCO, Cândido

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Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, v. II, 2003, p. 247).

Merece destaque, ainda, o fato de que os impetrantes são empresa jornalística e editor de jornal cuja função essencial é bem informar à popu-lação, “sendo razoável, jurídico, legítimo mesmo”, que busquem perante os órgãos que compõem a Administração Pública Direta e Indireta dados que entendam ser de interesse público, especialmente se considerado o disposto no art. 5º, XXXIII, da Constituição da República (MS 16.903, STJ, 1ª S., Rel. Min. Arnaldo Lima).

Nunca é demais ressaltar que a Constituição Federal reservou à imprensa o Capítulo V do Título VIII, tratando-a, no dizer do Min. Ayres Britto no voto proferido na ADPF 130/DF, como instituição-ideia, já que tem papel fundamental na formação daquilo que se convencionou chamar de “opinião pública”.

A Corte Suprema, aliás, quando do julgamento da citada ADPF, ao expurgar do ordenamento jurídico nacional a famigerada Lei de Imprensa, consagrou o entendimento de que “a plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evo-lução político-cultural de todo um povo” pois tem com a democracia, de quem é verdadeira “irmã siamesa”, “a mais estranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação”. Imprensa livre é condição sine qua non à formação do pensamento crítico e do acesso à informação plena, especial-mente nos assuntos relacionados à forma com que a Administração Pública gasta os recursos do Erário ou exerce seu poder, já que, parafraseando Louis Brandies, “nas coisas do poder, o melhor desinfetante é a luz do sol” ou, mais precisamente, o conhecimento pelo público.

Dessa forma, vê-se que os impetrantes estão mais do que legitimados a propor o presente mandado de segurança, na busca de informações de in-teresse coletivo para dar à sociedade conhecimento acerca dos fundamen-tos técnicos que avalizaram a concessão dos empréstimos concedidos pela empresa pública, com recursos oriundos de fundos públicos ou do próprio Tesouro Nacional.

7. Do litisconsórcio ativo das empresas tomadoras dos empréstimos.

Deve ser afastada, ainda, a preliminar levantada pelo BNDES acerca da necessidade de citar as empresas beneficiadas pelos empréstimos sob o argumento de que seriam prejudicadas pela quebra de seu sigilo bancário,

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eis que o objeto do mandamus é o acesso aos relatórios elaborados ela equipe técnica da instituição financeira, sem que seja necessário ter acesso a movimentações bancárias das mutuárias, como bem esclarecido pelos im-petrantes na petição inicial.

Na verdade, examinando-se o modelo de “Relatório de Análise” juntado pelos impetrantes à guisa de exemplo, é possível verificar que as informações ali contidas não são, de forma alguma, cobertas pelo sigilo bancário, já que não dizem respeito à movimentação bancária das empresas de forma a expô-las indevidamente de molde a justificar seu interesse em ingressar no feito. De fato, o que se pode observar da leitura do documento é que, além de observações sobre a saúde financeira da futura mutuária, a maioria das informações constantes do documento versa sobre o projeto apresentado como justificativa para concessão do empréstimo e os impactos que poderiam advir à economia nacional, como geração de empregos, por exemplo. Ou seja, o relatório é, na verdade, uma análise realizada pelos técnicos do BNDES para embasar a decisão política da Direção do Banco quanto à concessão ou não dos empréstimos.

Dessa forma, penso que não é caso para citar as empresas menciona-das como litisconsortes no presente mandamus.

8. Da natureza jurídica do BNDES e de suas operações.

Afastadas as preliminares suscitadas pelo BNDES, deve-se inicial-mente lembrar que o BNDES, é uma empresa pública, vinculada ao Minis-tério de Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior, e personalidade jurídica de direito privado, com a missão constitucional de financiar o de-senvolvimento econômico do Brasil, utilizando-se, para tanto, de diversos fundos de arrecadação, em especial o PIS/Pasep, nos termos do art. 239 da CF/1988, in verbis:

“Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.

§ 1º Dos recursos mencionados no caput deste artigo, pelo menos quarenta por cento serão destinados a financiar programas de desenvolvimento eco-nômico, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor.”

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Com efeito, o BNDES é um dos principais instrumentos de finan-ciamento de longo prazo para a realização de investimentos em todos os segmentos da economia nacional, gerindo recursos públicos na ordem de bilhões de reais anualmente.

Segundo o próprio sítio da Instituição na rede mundial de computa-dores, desde a sua fundação, em 1952, o BNDES atua no apoio à agricultu-ra, indústria, infraestrutura e comércio e serviços, oferecendo crédito para micro, pequenas e médias empresas, implementando linhas de investimen-tos sociais, direcionados para educação e saúde, agricultura familiar, sane-amento básico e transporte urbano, em atividades de fomento. O BNDES é, sabidamente, forte instrumento de implementação das políticas governa-mentais e de intervenção na economia nacional, não se podendo considerar suas atividades meramente como atividade econômica “de mercado”.

Para alcançar seus desideratos, o Banco conta, conforme acima já mencionado, com recursos PIS/Pasep, alem de recursos oriundos do e de créditos oriundos do Tesouro Nacional, materializados em títulos do tesou-ro nacional o que evidencia a natureza pública das verbas administradas e, consequentemente, o interesse de toda sociedade em fiscalizar e conhecer sua aplicação.

Não há como acolher a tese de que o BNDES exerceria suas ativida-des de maneira idêntica às instituições financeiras privadas, sob o regime de direito privado, de modo a isentá-lo da fiscalização por toda a sociedade brasileira. Neste aspecto, assiste razão a Celso Antonio Bandeira de Melo que, sobre o tema afirma:

“É preciso, pois, aturado precato para não incorrer no equívoco de assumir fetichisticamente a personalidade de Direito Privado (como costumava ocor-rer no Brasil) das estatais e imaginar que, por força dela, seu regime pode ensejar-lhes uma desenvoltura equivalente à dos sujeitos cujo modelo tipo-lógico inspirou-lhes a criação. Deveras, a personalidade de Direito Privado que as reveste não passa de expediente técnico cujo préstimo adscreve-se, inevitavelmente, a certos limites, já que não poderia ter o condão de em-bargar a positividade de certos princípios e normas de direito Público cujo arredamento comprometeria objetivos celulares do Estado de Direito.

O traço nuclear das empresas estatais [...] reside no fato de serem coadjuvan-tes de misteres estatais. [...]

Como os objetivos estatais são profundamente distintos dos escopos priva-dos, próprios dos particulares, já que não almejam o bem-estar coletivo e não o proveito individual, singular (que é perseguido pelos particulares),

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compreende-se que exista um abismo profundo entre as entidades que o Es-tado criou para secundá-lo e as demais pessoas de Direito Privado, das quais se tomou por empréstimo a forma jurídica.”

(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 178, sem grifos no original)

Desta forma, considerando a natureza das operações realizadas pelo BNDES, estas devem ser devidamente fundamentadas e motivadas, a exem-plo das decisões administrativas, de sorte a dar fiel cumprimento aos dis-positivos constitucionais previstos nos arts. 5º, LV e 93, X, aplicáveis ao procedimento administrativo em geral, bem como na Lei nº 9.784/1999 que regula o processo administrativo.

Tanto isto é verdade que a Lei nº 11.948/2009, alterada pela Lei nº 12.096/1996, e posteriormente pela Lei nº 12.249/2010, nos arts. 1º e 3º, disciplina que o BNDES tem o dever legal de prestar informações sobre suas operações, divulgando os dados pertinentes, in verbis:

Art. 1º O art. 1º da Lei nº 12.096, de 24 de novembro de 2009, passa a vigo-rar com a seguinte redação:

Art. 1º Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, no montante de até R$ 180.000.000.000,00 (cento e oitenta bilhões de reais), em condições fi-nanceiras e contratuais a serem definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda.

6º O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES deverá encaminhar ao Congresso Nacional, até o último dia útil do mês subsequente de cada trimestre, relatório pormenorizado sobre as operações realizadas, indicando, entre outras informações, quantidade e valor das ope-rações de financiamento realizadas, detalhadas por modalidade do investi-mento, setor produtivo beneficiado e localização dos empreendimentos; e estimativa dos impactos econômicos gerados pelos projetos, principalmente em termos de geração de emprego e renda, resguardado o sigilo bancário.

9. Do dever de observância ao princípio da publicidade.

Quanto ao aparente conflito entre os princípios constitucionais da publicidade e da proteção à intimidade. Como se sabe, o princípio da pu-blicidade, insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal descreve o dever estatal de divulgação dos atos públicos. Este dever, no dizer do Min. Ayres Brito por ocasião do julgamento de Agravo Regimental nos autos da Suspensão de Segurança nº 3.902, é um “dever eminentemente republica-no, porque a gestão da ‘coisa pública’ (República é isso) é de vir a lume com

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o máximo de transparência”, à exceção daquelas cujo sigilo seja imprescin-dível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º XXXIII, da Carta Política).

Assim, o caráter republicano do governo pressupõe que haja publici-dade nos atos estatais, mediante a mais ampla transparência, vertente mais específica daquele princípio e que a ele dá concretude, possibilitando-se a todos os cidadãos que deles tomem conhecimento e, desse modo, os legiti-mem. Segundo Gilmar Ferreira Mendes, em obra doutrinária:

“O princípio da transparência ou clareza foi estabelecido pela Constituição de 1988 como pedra de toque do Direito Financeiro. Poderia ser conside-rado mesmo um princípio constitucional vinculado à ideia de segurança orçamentária. Nesse sentido, a ideia de transparência possui a importante função de fornecer subsídios para o debate acerca das finanças públicas, o que permite uma maior fiscalização das contas públicas por parte dos ór-gãos competentes e, mas amplamente, da própria sociedade. A busca pela transparência é também a busca pela legitimidade.” (NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Gandra (Org.). Comentários à Lei de Responsabi-lidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 334-335.)

Dessa forma, vê-se que, resguardadas as informações que possam tra-zer risco à segurança do Estado e da sociedade, e aquelas acobertadas pelo sigilo fiscal ou bancário, todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse ou de interesse coletivo ou geral, especialmen-te as que toquem aos dinheiros públicos, de forma a dar integral cumpri-mento ao comando do art. 5º, XIV, da CRFB2.

Relativamente à noção de interesse coletivo ou geral, aliás, o Su-premo Tribunal Federal, no julgamento da Suspensão de Segurança nº 3.902/SP, ao apreciar a questão da publicização dos salários dos servido-res públicos, caso clássico de conflito aparente entre o princípio da publi-cidade e da proteção à intimidade, entendeu que as informações relativas aos valores dos vencimentos e vantagens percebidos pelos servidores são de interesse público e, portanto, sujeitos ao princípio da publicidade, eis que tais dados não comprometem nem a segurança do Estado nem o conjunto da sociedade. Entendeu, ainda, que o “Estado somente com explícita enun-ciação legal rimada com a Constituição é que deixa de atuar no espaço da transparência ou visibilidade dos seus atos, mormente os respeitantes àque-las rubricas necessariamente enfeixadas na lei orçamentária anual, como é o caso das receitas e despesas públicas”.

2 Art. 5º [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando neces-sário ao exercício profissional;

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Vale transcrever:

“Em suma, esta encarecida prevalência do princípio da publicidade adminis-trativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessá-rio modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O ‘como’ se administra a coisa pública a preponderar sobre o ‘quem’ administra – falaria Norberto Bobbio –, e o fato é que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana.”

(SS 3.902 AgR-segundo/SP, STF, Plenário, 09.06.2011, Rel. Min. Ayres Britto)

Assim, considerada a origem pública dos recursos administrados pelo BNDES, não há como negar que as informações pretendidas pelos impetran-tes são de nítido interesse coletivo, o que, ausentes as exceções que visam resguardar a segurança da sociedade e do Estado previstas na Constituição da República, autoriza a prevalência do princípio da publicidade no caso concreto.

Em julgamento recente em caso análogo, mutatis mutantis, vale citar ementa de acórdão proferido pelo Eg. STJ, nos autos do Mandado de Segu-rança nº 16.903/DF, relatado pelo Min. Arnaldo Lima, in verbis:

“ADMINISTRATIVO – CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA – FORNECIMENTO DE DADOS RELATIVOS AOS VALORES GASTOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM PUBLICIDADE E PROPAGANDA – DI-REITO À INFORMAÇÃO – PUBLICIDADE – DADOS NÃO SUBMETIDOS AO SIGILO PREVISTO NO ART. 5º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SEGURANÇA CONCEDIDA

1. Mandado de segurança impetrado contra ato que negou o fornecimento de dados relativos aos valores gastos pelos órgãos da Administração Federal, direta e indireta, nos anos 2000 a 2010, e no atual, com publicidade e pro-paganda, discriminando-os por veículo de comunicação.

2. Nos termos do art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segu-rança da sociedade e do Estado.

3. O art. 220, § 1º, da Constituição Federal, por sua vez, determina que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liber-dade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XVI.

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4. A regra da publicidade que deve permear a ação pública não só recomen-da, mas determina, que a autoridade competente disponibilize à imprensa e a seus profissionais, sem discriminação, informações e documentos não protegidos pelo sigilo.

5. Os motivos aventados pela autoridade coatora, para não atender a preten-são feita administrativamente – ‘preservar estratégia de negociação de mídia’ e que ‘Desnudar esses valores contraria o interesse público’ (fl. 26e) –, não têm respaldo jurídico. Ao contrário, sabendo-se que milita em favor dos atos administrativos a presunção de legitimidade e que a regra é dar-lhes a mais irrestrita transparência – sendo, ainda, as contratações precedidas das exi-gências legais, incluindo-se licitações –, nada mais lídimo e consentâneo com o interesse público divulgá-los, ou disponibilizá-los, para a sociedade, cumprindo, fidedignamente, a Constituição Federal.

6. Segurança concedida.”

(1ª S., J. 14.11.2012, DJe de 19.12.2012)

Vale citar trecho do excelente voto proferido no acórdão acima citado:

“Em síntese, pelo inciso X, art. 5º, são invioláveis a intimidade, a vida pri-vada, a honra e a imagem das pessoas; pelo XXXIII, também há proteção às informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Afora tais exceções, a regra é a publicidade irrestrita, tal como vimos dos dispositivos transcritos e, ainda, do art. 93, IX e X, da mesma Carta Magna, aqui, especificamente quanto às decisões do Judiciário, inclusive no campo administrativo.

Há de prevalecer, portanto, no caso, a regra geral da publicidade e acessibi-lidade às informações, legitimamente pretendidas pelos Impetrantes, o que se sintoniza com a norma do art. 5º, da LICC (atual LINDB), segundo a qual ‘na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’.

Ora, a observância do princípio da publicidade pela administração, insere-se no seu fim social e atende ao bem comum, pois ‘todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’ – parágrafo único do seu art. 1º.

Logo, visando a pretensão a obter elementos de fato que permitam fazer re-portagem a respeito, a qual se destina ao povo, pois se trata de jornal, nada mais coerente que se atenda a tal pleito, em face das franquias constitucio-nais arroladas.” (grifos no original)

10. Lei da Transparência.

A por verdadeira pá de cal sobre o assunto, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Transparência Pública, veio de-

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finitivamente elucidar a questão acerca do acesso do cidadão à informação, submetendo as empresas públicas ao seu regime e determinando que a pu-blicidade a que estão submetidas “refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas”. E mais, determina que os procedimentos de acesso à informação destinam-se a assegurar direito fundamental com observância dos princípios básicos da administração pública e importantes diretrizes: observância da publicidade como regra geral e do sigilo como ex-ceção; divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; fomento da cultura de transparência na administração pú-blica; e desenvolvimento do controle social da administração pública.

Descendo a detalhes, o art. 7º da Lei de Transparência Pública esta-belece que:

“Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:

[...]

II – informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumu-lados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;

[...]

V – informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusi-ve as relativas à sua política, organização e serviços;

VI – informação pertinente à administração do patrimônio público, utiliza-ção de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e

VII – informação relativa:

a) à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos;

b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo presta-ções de contas relativas a exercícios anteriores.

§ 1º O acesso à informação previsto no caput não compreende as infor-mações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

§ 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.

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§ 3º O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.”

É possível concluir a partir da singela leitura do artigo acima que os “Relatórios de Análise” objeto do presente mandamus são documentos pro-duzidos por Órgão da Administração Indireta e que versam sobre utilização de recursos públicos, enquadrando-se, portanto, perfeitamente nas disposi-ções da Lei de Transparência.

Por outro lado, apenas por amor ao debate, ainda que houvesse infor-mações relativas a atividades bancárias das empresas mutuárias – o que não se observa dos drafts juntados aos autos – elas poderiam e deveriam ser, à luz do disposto no § 2º acima citado, omitidas pontualmente, fornecendo--se acesso aos demais dados contidos, o que resguardaria eventual direito à privacidade das contratante e atenderia ao interesse coletivo de conhecer as razões que justificaram o aporte de verbas públicas neste ou naquele empreendimento.

Afinal, “considerando-se que a Democracia que se põe à prática con-temporânea conta com a participação direta dos cidadãos, especialmente para efeito de fiscalização e controle da juridicidade e da moralidade admi-nistrativa, há que se concluir que o princípio da publicidade adquire [e da transparência], então, valor superior ao quanto antes constatado na história, pois não se pode cuidar de exercerem direitos políticos sem o conhecimen-to do que se passa no Estado” (STF, Min. Carmen Lúcia, MS 26.920/DF, DJ 02.10.2007).

11. Do Portal de Transparência do BNDES.

Por fim, não se pode deixar de mencionar a existência do “Portal de Transparência” no site do BNDES, que teria por finalidade fornecer à socie-dade os dados referentes a operações por ele contratadas3.

No entanto, pela atenta análise dos dados disponibilizados, percebe--se tratar-se de dados absolutamente genéricos, apenas informando o nome do cliente-contratante, CNPJ, descrição do projeto, unidade federativa, va-lidade e porte da empresa, longe de ser um “relatório pormenorizado” de que trata a Lei nº 12.249/2010, acima mencionada. Vê-se que, na verdade, o BNDES não torna público qualquer dado relativo à análise feita pelos departamentos técnicos acerca da oportunidade e conveniência das contra-tações efetuadas.

3 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Consulta_as_opera-coes_do_BNDES/operacoes_diretas.html

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A sociedade civil clama pela transparência, em especial quanto à gestão do dinheiro público. A exemplificar, mencione-se o movimento “Plataforma BNDES”4 que, desde 2007, tenta obter informações relativas aos “relatórios de análises”, afirmando que a “falta de transparência que caracteriza o banco não pode ser atribuída exclusivamente a uma cultura de encapsulamento que orienta o seu corpo funcional. Para muito além dessa visão corporativa do problema, a ausência de publicidade quanto aos critérios e as operações do BNDES evidencia a existência de um sistema de obscuridade planejada. Este envolve o Banco e muitos tomadores de em-préstimos, principalmente entidades privadas, para viabilizar uma lógica de captura do Banco por parte de interesses privados.

12. Isto posto, dou parcial provimento ao apelo dos impetrantes, à remessa necessária, e ao recurso do BNDES para, reformando a sentença em parte a sentença, conceder parcialmente a segurança e determinar se-jam permitido o acesso e extração de cópias dos “Relatórios de Análise”, relacionados às operações de valores igual ou superiores a R$ 100 milhões aprovadas pela Diretoria do Banco no período de 2008 a 2011, preservando apenas as informações bancárias e fiscais das empresas contratantes, que estejam protegidas pela Lei Complementar nº 105/2001.

É como voto.

Carmen Silvia Lima de Arruda Juíza Federal Convocada Relatora

4 http://www.plataformabndes.org.br/site/

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Assunto Especial – Ementário

Sigilo e a Lei de Transparência

7821 – Ação civil pública – lei de acesso à informação – publicidade de remuneração de servidores do BNDES – empresa pública – transparência – observância

“Ação civil pública. Lei de acesso à informação. Publicidade da remuneração ou subsí-dios. Imposição legal. Direito constitucional. Apelação e remessa necessária providas. 1. O cerne da discussão trazida no presente feito reside na verificação se o Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES encontra-se submetido aos ditames legais trazidos pela Lei nº 12.527/2011, para fins de publicação da tabela de remuneração de seus funcionários e diretores. 2. A Lei de Acesso à Informação represen-ta um relevante marco propulsor da cultura da transparência na Administração Pública brasileira, tendo regulamentado o acesso à informação para a coletividade, constitu-cionalmente garantido (art. 5º, XXXIII; art. 37, § 3º, II e art. 216, § 2º, da CF/1988), pro-porcionando maior controle da sociedade sobre os atos e gastos estatais. O Decreto nº 7.724/2012 expressamente dispôs que as remunerações e subsídios recebidos por todos os servidores públicos deverão ser disponibilizados, de forma individualizada, pelos ór-gãos e entidades públicas em seus sítios eletrônicos. 3. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já assentado entendimento de que a publicação da remu-neração dos servidores apresenta-se como meio de concretizar a publicidade adminis-trativa, devendo todos os gastos públicos necessários ao controle e fiscalização pela so-ciedade serem obrigatoriamente lançados nos meios de comunicação. 4. A publicidade da remuneração de funcionários e diretores do BNDES, não se amolda às hipóteses de exceção trazidas pela Lei nº 12.527/2011 e pelo Decreto nº 7.724/2012, uma vez que a divulgação de tais dados não é capaz de acarretar prejuízos à competitividade ou à governança corporativa, não se caracterizando como informação estratégica. 6. Por se tratar de uma empresa pública federal, cujas atribuições estão vinculadas à atividade de fomento, o BNDES submete-se ao regime jurídico administrativo e às regras de direito público, portanto, aos Princípios regentes da administração pública, dentre estes, o da Transparência. 7. Apelação e Remessa Necessária providas.” (TRF 2ª R. – AC 0018726-96.2013.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Rel. Guilherme Diefenthaeler – DJe 25.05.2015 – p. 246)

7822 – Mandado de segurança – acesso à informação – portadores de passaporte di-plomático – sigilo – excesso

“Administrativo. Passaporte diplomático. Transparência na administração pública. 1. ‘Todos’ – está dito no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal – ‘têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’. Esse direi-to individual tem sua contrapartida no dever da Administração Pública de obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput), dela fazendo parte o cidadão mediante o acesso ‘a registros administrativos e a informações sobre atos de governo’ (art. 37, § 3º, inc. II). A ideia subjacente é a de que a transparência dos atos administrativos constitui o modo republicano de governo; sujeita a res publica à visibilidade de todos, o poder se autolimita ou é limitado pelo controle social, este uma das diretrizes que informaram a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de

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2011 (editada posteriormente à impetração), a saber: ‘Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: V – desenvolvimento do controle social da administração pública.’ A Lei só regulamentou o que já decorria diretamente da norma constitucional, cuja eficácia é plena desde a data da promulgação da Constituição Federal. 2. O nome de quem recebe um passaporte diplomático emitido por interesse público não pode ficar escondido do público. O interesse público pertence à esfera pública e o que se faz em seu nome está sujeito ao controle social, não podendo o ato discricionário de emissão daquele documento ficar restrito ao domínio do círculo do poder. A noção de interesse público não pode ser linearmente confundida com ‘razões de Estado’, e, no caso con-creto, é incompatível com o segredo da informação. Segurança concedida.” (STJ – MS 16.179 – (2011/0039334-8) – 1ª S. – Rel. Min. Ari Pargendler – DJe 25.04.2014 – p. 80)

Comentário editorial SÍNTeSeCuida-se o presente de Mandado de Segurança impetrado contra ato omissivo do Ministro das Relações Exteriores, para que seja determinado o fornecimento dos “nomes daqueles que foram concedidos passaportes diplomáticos durante o período compreendido entre janeiro de 2006 a dezembro de 2010”.

Em apartada síntese, os impetrantes aduziram que a regra constitucional é a da publicidade, sendo ressalvadas as informações em que o sigilo seja ou permaneça imprescindível à seguran-ça do Estado ou da sociedade, ou ainda, que digam respeito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; que o fornecimento dos nomes das pessoas que possuem passaporte diplomático não viola a intimidade, a honra ou a imagem dos portadores; que tais documentos não estão sob sigilo, devendo ao Executivo divulgar cada passaporte diplomático emitido.

Ao conceder a segurança ao pedido, assim manifestou-se o Ministro Relator:

“[...] 1. ‘Todos’ – está dito no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal – ‘tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’.

Esse direito individual tem sua contrapartida no dever da Administração Pública de obedecer aos princípios da legalidade, impossibilidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput), dela fazendo parte o cidadão mediante o acesso ‘a registros administrativos e a infor-mações sobre atos de governo’ (art. 37, § 3º, inc.II).

A ideia subjacente é a de que a transparência dos atos administrativos constitui o modo re-publicano de governo; sujeito a res publica a visibilidade de todos, o poder se autolimita ou é limitado pelo controle social, este uma das diretrizes que informaram a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (editada posteriormente à impetração), a saber:

‘Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:

V– desenvolvimento do controle social da administração pública.’

[...]

Não está em causa o acerto desacerto da autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores para a emissão de passaportes diplomáticos nos termos do aludido § 3º, resumindo--se a lide à possibilidade de acesso público aos nomes das pessoas beneficiadas por este ato.

São por isso desfocadas as considerações que a esse respeito fez a autoridade impetrada para concluir que ‘não houve desvio de finalidade na concessão de passaportes diplomáticos com base em no art. 6º, § 3º do Decreto nº 5.978, de 2006’.

3. As informações que ela prestou, no que aqui interessa, suscitam, ‘preliminarmente dúvidas, por um lado, sobre se o Itamaraty pode, por decisão própria, divulgar livremente dados que possua sobre terceiros e, de outro, se a impetrante tem título legal para fazer tal exigência’.

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O primeiro ponto está relacionado com o art. 5º, X da Constituição Federal, a seguir transcrito:

‘Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito à indenização pelo dano material decorrente de sua violação.’

Ora, quem obtém um documento de Estado não sofre, com a divulgação desse fato, violação alguma de sua intimidade, privacidade, honra ou imagem; trata-se de um ato positivo, que confere ao beneficiário uma prerrogativa que o destaca de seus concidadãos.

O segundo ponto está respondido no art. 5º XXXIII, da Constituição Federal: ‘Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral...’. A Lei nº 12.527, de 2011 só regulamentou o que já decorria diretamente da norma constitucional, cuja eficácia é pleno desde a data da promulgação da Constituição Federal. [...]”

7823 – Mandado de segurança – direito ao acesso de informações – dados relativos a gastos com cartão corporativo – interesse público e social – justificativa de sigilo – inexistência

“Mandado de segurança. Administrativo. Direito de acesso a informações. Art. 5º, XXXIII da Constituição Federal. Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso às Informações). Dados re-lativos a gastos com cartão corporativo do Governo Federal. Interesse público e social. Princípios da publicidade e transparência. Parecer ministerial pela concessão da ordem. Ordem concedida. 1. O não fornecimento dos documentos e informações a respeito dos gastos efetuados com cartão corporativo do Governo Federal, com os detalhamentos solicitados, constitui ilegal violação ao direito líquido e certo do impetrante, de acesso à informação de interesse coletivo, assegurando pelo art. 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). 2. Ine-xiste justificativa para manter em sigilo as informações solicitadas, pois não se evidencia que a publicidade de tais questões atente contra à segurança do Presidente e Vice-Presi-dente da República ou de suas famílias e nem isso restou evidenciado nas informações da digna Autoridade. 3. A transparência das ações e das condutas governamentais não deve ser apenas um flatus vocis, mas sim um comportamento constante e uniforme; de outro lado, a divulgação dessas informações seguramente contribui para evitar episó-dios lesivos e prejudicantes; também nessa matéria tem aplicação a parêmia consagrada pela secular sabedoria do povo, segundo a qual é melhor prevenir, do que remediar. 4. Ordem concedida para determinar a prestação das informações, relativas aos gastos efetuados com o cartão corporativo do Governo Federal, utilizado por Rosemary Nóvoa de Noronha, com as discriminações de tipo, data, valor das transações e CNPJ/Razão social dos fornecedores”. (STJ – MS 20.895 – (2014/0063842-2) – 1ª S. – Rel. Min. Na-poleão Nunes Maia Filho – DJe 25.11.2014 – p. 1803)

7824 – Mandado de segurança – negativa de acesso a informações públicas relevantes – irregularidade

“Mandado de segurança. Negativa de acesso a informações públicas relevantes. Preten-são de obtenção de listagem completa contendo nomes e valor dos vencimentos dos servidores municipais, a fim de se verificar eventual irregularidade nas exonerações dos impetrantes. Possibilidade. Inteligência do art. 5º, incisos XXXIII, XXXIV e LV, da CF. Arts. 7º e 10º da Lei nº 12.527/2011 (Lei da Transparência) que possibilitam aos im-petrantes o acesso às informações pretendidas. Inocorrência de situação que justifique

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o sigilo dos dados. Precedentes. Sentença mantida. Recurso improvido.” (TJSP – RN 0010881-33.2013.8.26.0664 – Votuporanga – 2ª CDPúb. – Rel. Claudio Augusto Pe-drassi – DJe 24.09.2014 – p. 2154)

7825 – Servidor público – divulgação de informações pessoais – princípios da publici-dade e da transparência – observância

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Princípios da publicidade e da transparência. Ausência de violação à intimidade e à privacidade. Distinção entre a divulgação de dados referentes a cargos públicos e informações de natureza pessoal. Os dados públicos se submetem, em regra, ao direito fundamental de acesso à infor-mação. Disciplina da forma de divulgação, nos termos da lei. Poder regulamentar da administração. Agravo regimental a que se nega provimento. I – O interesse público deve prevalecer na aplicação dos Princípios da Publicidade e Transparência, ressalvadas as hipóteses legais. II – A divulgação de dados referentes aos cargos públicos não viola a intimidade e a privacidade, que devem ser observadas na proteção de dados de natureza pessoal. III – Não extrapola o poder regulamentar da Administração a edição de portaria ou resolução que apenas discipline a forma de divulgação de informação que interes-sa à coletividade, com base em princípios constitucionais e na legislação de regência. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AgRg-RE 766.390 – Distrito Federal – 2ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 24.06.2014)

7826 – Servidor público – divulgação de remuneração na internet – autorização cons-titucional implícita – danos morais – descabimento

“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Indenização por danos morais. Divulgação da remuneração de servidor público na internet. autorização constitucional implícita (art. 37, caput) e expressa (art. 39, § 6º, CF). Aplicação ainda da lei da transparência. Decisão denegatória. Manutenção. O Supremo Tribunal Federal e o TST já consolidaram o entendimento de que a divulgação nominal da remuneração dos servidores públicos na internet não viola o direito à intimidade, à privacidade e à segurança do empregado público, prevalecendo, na hipótese, o princípio da publicidade administrativa (art. 37, caput, CF), em conformidade, inclusive, com preceito constitucional expresso (art. 39, § 6º, CF) e a Lei da Transparência (nº 12.527/2011). Dessa forma, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os termos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamen-tos. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 0003083-42.2013.5.02.0372 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DJe 11.12.2015 – p. 1581)

7827 – Servidor público – divulgação de vencimentos – site da municipalidade – lei da transparência – observância – dano moral – descabimento

“Servidor público. Vencimentos divulgados no site da municipalidade. Lei da transpa-rência. Observância. Indenização por danos morais. Não cabimento. ‘Apelação cível. Servidores públicos municipais. Município de São Paulo. Nome e vencimentos divulga-dos no site institucional da Prefeitura de São Paulo. Ato administrativo que configuraria, em tese, violação à intimidade, à privacidade e ao sigilo de dados superveniência da Lei Federal nº 12.527/2011, conferindo licitude à conduta da municipalidade. Altera-ção de entendimento, conforme orientação do col. Supremo Tribunal Federal. Sentença mantida. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0038908-50.2012.8.26.0053 – São Paulo – 5ª CDPúb. – Relª Maria Laura Tavares – DJe 05.03.2014 – p. 2210)

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Parte Geral – Doutrina

Jogo de Cronograma na Execução de Contratos Administrativos de Obras e Serviços de Engenharia

THIAgO CáSSIO D’ávILA ARAúJOProfessor em Cursos de Pós‑Graduação Lato Sensu, Procurador Federal da Advocacia‑Geral da União em Brasília/DF, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

RESUMO: Este artigo tem por objetivos identificar os elementos centrais do jogo de cronograma – com apresentação de seu conceito e demonstração dos riscos potenciais que sua prática nociva gera para ocorrência de dano ao Erário ou de prejuízos outros ao bom andamento de obras e serviços de engenharia – e apresentar medidas práticas a serem tomadas pela Administração Pública para concretização dos princípios constitucionais da eficiência e economicidade.

PALAVRAS‑CHAVE: Contrato administrativo; obras públicas; engenharia; planilha; cronograma; proje‑to executivo; projeto básico; licitação; dano ao Erário; medidas preventivas; licenciamento ambiental; licença de instalação.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Elementos do jogo de cronograma; 2 Jogo de cronograma não é pagamento antecipado; 3 Os cuidados da Administração Pública; 3.1 Evitar aquisição antecipada de bens, mate‑rial ou insumos; 3.2 Atendimento ao Projeto Executivo; 3.3 Cláusulas de proteção da administração; 3.4 Verificação da licença de instalação; Considerações finais; Casos analisados.

INTRODUÇÃO

Prejuízos ao Erário são causados por meio de condutas dos contra-tados perpetradas nas propostas apresentadas em licitação ou durante a execução contratual, com ou sem participação de servidores ímprobos da Administração Pública. São condutas ilícitas, que se caracterizam por sobre-preço, superfaturamento, jogo de planilha, entre outras.

Um desses mecanismos de fraude ao Erário, evidentemente para en-riquecimento ilícito do contratado – e que é o objeto de estudo no presente trabalho – é conhecido como “jogo de cronograma”.

1 ELEMENTOS DO JOGO DE CRONOGRAMA

Em especial, dois acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU), a nosso sentir, trazem fundamentos que permitem a identificação de elemen-

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tos que podem ser apontados como significativos para a formulação de um entendimento jurídico a respeito do “jogo de cronograma”. Vejamos:

PRIMEIRO JULGADO SELECIONADO

[…] o jogo de cronograma acontece quando a contratada, de forma malicio-sa, prioriza a execução da parcela mais vantajosa do ponto de vista econô-mico-financeiro na fase inicial do cronograma, de modo que as etapas poste-riores, que não apresentam a mesma atratividade, sejam relegadas a segundo plano e, por vezes, sequer executadas. (Acórdão nº 1514/2015-TCU-Plenário – trecho do voto do Ministro Bruno Dantas) (grifo nosso)

SEGUNDO JULGADO SELECIONADO

O jogo de cronograma ocorre quando a parcela mais vantajosa de um con-trato, do ponto de vista econômico-financeiro, é concentrada na fase ini-cial da obra, sem justificativa técnica, de maneira que as etapas posteriores não apresentam a mesma atratividade. Como consequência, causa dano ao Erário se a contratada abandona as obras após a fase inicial, deixando-as inconclusas. (Ementa do Acórdão nº 2257/2015-TCU-Plenário – Rel. Vital do Rêgo) (grifo nosso)

Assim, atenhamo-nos aos elementos que reputamos essenciais, para, a partir da jurisprudência da Corte Federal de Contas, compreendermos ju-ridicamente o jogo de cronograma:

a) o jogo de cronograma caracteriza-se por uma modificação tem-poral, exercida pelas atividades materiais do contratado, sobre as etapas de execução da obra ou serviço previstas no contrato administrativo, com antecipação indevida de tais etapas;

b) no jogo de cronograma, a parcela mais lucrativa (para o con-tratado) do objeto contratual, seja pela lícita maior margem de lucro para o item, seja por sobrepreço em relação ao mesmo, tem sua execução antecipada – geralmente ainda nas etapas ini-ciais do cronograma físico-financeiro do contrato – e, portanto, concentrada numa fase anterior àquela que seria normal no cur-so da obra, tornando o restante da obra desinteressante para o contratado, na perspectiva econômico-financeira;

c) no jogo de cronograma, a antecipação de etapa posterior da execução do objeto contratual ocorre sem justificativa técnica aceitável;

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d) o jogo de cronograma desestimula a continuidade da execução do objeto do contrato pelo contratado, favorecendo a ocorrência de situação em que este abandonará a obra ou serviços após a fase antecipada e realização do lucro extraordinário, sem con-cluir e entregar o objeto do contrato, ou passará a executar os serviços remanescentes intempestivamente ou sem a eficiência e zelo esperados, em violação aos princípios constitucionais da eficiência e economicidade, albergados no caput dos arts. 37 e 70 da Constituição Federal vigente.

Em geral, como afirmamos anteriormente, quando há jogo de cro-nograma, o contratado concentra logo no início da execução do contrato as etapas posteriores, mais lucrativas, do objeto contratual. Entretanto, esse não é um requisito fundamental.Ou seja, a antecipação de parte do obje-to contratual que seria executada em momento mais próximo à etapa de conclusão da obra, para a metade do cronograma, por exemplo, também poderá vir a caracterizar o jogo de cronograma. Importa, para tanto, é que haja antecipação de etapa da obra, indevidamente, isto é, sem justificativa técnica, para fins de capitalização da empreiteira.

Enfatizemos: para dizermos que houve jogo de cronograma, importa é que haja uma antecipação indevida de execução de parcela do objeto contratual, não necessariamente para o início da obra, com realização de ganhos injustificáveis e a maior, pelo contratado, seguindo-se, ou não, o abandono da obra ou serviço de engenharia.

Evidentemente, a antecipação indevida da execução de uma etapa da obra ou serviço de engenharia pode vir a gerar prejuízo ao Erário, mesmo que a obra seja concluída ou o serviço completamente executado.

No caso de sobrepreço no valor total da obra, é perceptível o jogo de cronograma, por exemplo, quando um só serviço concentra 80% ou 90% de todo o sobrepreço identificável, e a contratada busca executar itens exatamente deste serviço com indevida antecipação da respectiva etapa da obra, concentrando-se nestes, em detrimento da execução de itens com pre-ços mais próximos aos referenciais de mercado, gerando lentidão e atrasos na execução destes últimos.

Por vezes, o jogo de cronograma surge até mesmo após a celebração de um termo aditivo ao contrato original, ou seja, após a fase inicial da exe-cução do objeto do contrato, recalculando-se valor de determinado item, por vezes até com sobrepreço. Em seguida, a execução do serviço a que se

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refere o termo aditivo é antecipada indevidamente, com a caracterização do jogo de cronograma. Aí está uma das razões pelas quais o Decreto Pre-sidencial nº 7.983, de 8 de abril de 2013, dispõe, em seu art. 15, que a for-mação do preço dos aditivos contratuais contará com orçamento específico detalhado em planilhas elaboradas pelo órgão ou entidade responsável pela licitação, observado o disposto nos arts. 3º a 12 e 14 do mesmo ato normati-vo e mantidos os limites do previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993. Mas essas medidas do art. 15 do Decreto nº 7.983/2013, embora sejam de alta relevância e devam ser observadas, por si só não evitarão o jogo de cronograma.

Ainda sobre os aditivos, o inciso II do art. 13 do Decreto nº 7.983/2013 dispõe que deverá constar do edital e do contrato cláusula expressa de con-cordância do contratado com a adequação do projeto que integrar o edital de licitação e as alterações contratuais sob alegação de falhas ou omissões em qualquer das peças, orçamentos, plantas, especificações, memoriais e estudos técnicos preliminares do projeto não poderão ultrapassar, no seu conjunto, dez por cento do valor total do contrato, inclusive computando-se esse percentual para verificação do limite previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

Observe-se que o jogo de cronograma pode ocorrer também se a remuneração das empresas supervisoras da execução de contratos de obras e serviços de engenharia for prevista para ocorrer na mesma proporção e momento em que é paga à construtora. Este modelo de pagamento, além de, ao menos em tese, ter potencial para comprometer a isenção da empre-sa supervisora, cuja remuneração então dependerá diretamente do sucesso da empreiteira, tem potencial também para ocasionar distorção no fluxo de pagamentos da supervisora, porque esta não será remunerada em con-formidade à complexidade e custo pertinentes aos serviços de supervisão efetivamente prestados, mas em conformidade à proporção de pagamento recebido pela empreiteira para aquela parte da obra supervisionada.

Em hipótese tal, se a empreiteira receber pagamento decorrente de jogo de cronograma, o mesmo ocorrerá com a empresa supervisora, porque seu pagamento, neste modelo, vincula-se ao percentual do valor total da obra que está sendo executada pela empreiteira1. Tem-se aí uma curiosa

1 A contratação de empresas de supervisão, exceto se demonstrada excepcionalidade dos serviços a serem pres-tadas, deve dar-se, em regra, por pregão, por caracterizar serviço comum, nos termos do caput e parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/2002. Neste sentido firmou-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, como se vê no subitem 9.2.3 do Acórdão nº 1.947/2008-Plenário (“…quando for licitar a contratação de serviços de supervisão/consultoria, realize a licitação na modalidade pregão, haja vista serem classificados

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situação de jogo de cronograma paralelo, que pode ser evitada pela Admi-nistração se o modelo de pagamento da empresa supervisora observar os serviços por ela efetivamente prestados.

2 JOGO DE CRONOGRAMA NÃO É PAGAMENTO ANTECIPADO

Com a ressalva de que há exceções aceitas pela jurisprudência dos Tribunais de Contas, a antecipação de pagamentos em geral é irregular.

Conforme art. 62 da Lei nº 4.320/1964, “o pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”. O art. 63 reza que “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do res-pectivo crédito”. Como sabido, essa verificação tem por fim apurar a origem e o objeto do que se deve pagar, a importância exata a pagar e a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação (art. 63, § 1º, incisos I a III).

Entretanto, a liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou ser-viços prestados terá por base o contrato, ajuste ou acordo respectivo e os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço (art. 63, § 2º, incisos I e III).

Assim, o pagamento por material, sem que este tenha ainda dado en-trada na obra, configura, em regra, pagamento adiantado, irregular, em des-conformidade com os arts. 62 e 63, § 2º, incisos I e III, da Lei nº 4.320/1964.

O jogo de cronograma é diferente da situação descrita anteriormente. Nesta, tem-se fraude descarada, de pagamento por material ou serviço não entregue, e essa fraude consuma-se até mesmo se o pagamento se dá por etapa da obra que esteja prevista para aquele momento, no cronograma.

como serviços comuns por terem padrões de qualidade e desempenho objetivamente definidos nas normas técnicas, especificando detalhadamente os serviços que a empresa de supervisão/consultoria deverá realizar) modificado pelo Acórdão nº 2.932/2011-Plenário: “9.2.3. para contratação de serviços de supervisão e con-sultoria, realize a licitação na modalidade pregão, especificando detalhadamente os serviços que a empresa de supervisão ou de consultoria deverá prestar, ressalvando as situações excepcionais em que tais serviços não se caracterizam como ‘serviços comuns’, caso em que deverá ser justificada, dos pontos de vista técnico e jurídico, nos autos do processo de licitação, a utilização extraordinária de outra modalidade licitatória que não o pregão”. Para o TCU, o serviço de supervisão de obras deve ser, em regra, licitado na modalidade pregão, pois, na maioria dos casos, os padrões de desempenho e qualidade podem ser definidos objetivamente, já que, ainda que as atividades de supervisão de obras e serviços de engenharia sejam complexas para leigos, não o são para as empresas do ramo, de modo que as especificações para tais serviços seguem parâmetros do mercado. Mais recentemente, este entendimento do TCU foi mantido no Acórdão nº 3341/2012-TCU- Plená-rio, Ata n° 50/2012 – Data da Sessão: 05.12.2012. Rel. Min. José Múcio Monteiro.

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Nesta situação anteriormente descrita, a causa do locupletamento in-devido do contratado não é uma alteração do cronograma físico-financeiro da obra, mas o mero descumprimento do contrato, pela não entrega do objeto, precedida de irregular pagamento antecipado efetuado pela admi-nistração.

No jogo de cronograma, não se está a falar de pagamento antecipa-do irregular por material ou serviço não entregue pelo contratado, mas de pagamento por material ou serviço – mesmo que este tenha sido entregue, total ou parcialmente –, referente a uma etapa posterior da execução do contrato, etapa esta que é irregularmente antecipada pelo contratado, já que não se relaciona adequada e diretamente com o avanço físico das obras.

No jogo de cronograma, o pagamento pode ter ocorrido por servi-ço de engenharia realizado, por material efetivamente utilizado, tendo até mesmo havido a medição apropriada à fiscalização da obra. O problema é outro. É que tal dá-se em parcelas da obra mais lucrativas para o contratado, que normalmente só seriam executadas mais adiante e são antecipadas pelo contratado sem qualquer justificativa válida, havendo, portanto, alteração do cronograma da obra, e, após a execução de tais parcelas da obra, o con-tratado a abandona, levando consigo soma financeira que caracteriza lucro exorbitante, ou passa a executar os serviços sem a qualidade e eficiência esperados.

Veja-se, então, que, mesmo que não haja pagamento antecipado, mas apenas pagamento posterior à efetiva execução do serviço de enge-nharia, isto é, com atendimento aos arts. 62 e 63, § 2º, incisos I e III, da Lei nº 4.320/1964, o pagamento ilícito restará configurado, mas não por infra-ção a estes dispositivos da Lei nº 4.320/1964, e sim por inobservância da alínea e do inciso IX do art. 6º e inciso III do art. 12 da Lei nº 8.666/1993, entre outros fundamentos legais.

No jogo de cronograma, a fraude não é descarada, como no caso de irregular pagamento antecipado por serviço ou material não entregue; é uma fraude dissimulada, que ocorre enquanto o objeto do contrato é cum-prido e, durante esta execução, após apurar o lucro exorbitante pela ante-cipação injustificada de parcela mais vantajosa do contrato, o contratado abandona a execução do objeto contratual ou diminui a eficiência, o ritmo ou a qualidade dos serviços prestados.

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3 OS CUIDADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Administração Pública pode e deve (poder-dever) tomar cuidados necessários para evitar a ocorrência do jogo de cronograma, com base na própria Lei nº 8.666/1993.

Em geral, a Administração Pública deve ter preocupações de evitar danos ao Erário pelo prejuízo em si, obviamente. Mas há outra preocupa-ção, específica, que é a de evitar também a paralisação da obra, por deter-minação do controle externo, isto é, por bloqueio da execução de obras e serviços por deliberação do Poder Legislativo, como previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esta previsão sempre se tem repetido ano após ano. Vejam-se, por exemplo, no âmbito federal, art. 94, § 1º, inciso IV, e art. 95 da Lei nº 12.309, de agosto de 2010, e, mais recentemente, § 1º dos arts. 112 e 113 da Lei nº 13.080, de 02.01.2015. Igualmente, tais previsões constam de LDOs dos demais entes federados.

Mesmo que caracterizado no caso concreto o jogo de cronograma, inclusive com abandono da obra pelo contratado, tal não faz desaparecer, para a Administração, a preocupação com a continuidade da obra, pois esta poderá vir a ser finalizada por outra empresa licitamente contratada. Assim, a ocorrência do jogo de cronograma gera para a Administração Pública a preocupação, de governança, de ver pronta a obra, o que sofrerá atrasos caso o Poder Legislativo venha a aplicar o bloqueio previsto na legislação, notadamente na LDO, sem que se olvide, ainda, dos poderes cautelares das Cortes de Contas.

Então, a Administração Pública deve ocupar-se de prever e adotar medidas contrárias à prática do jogo de cronograma pelo contratado, para três objetivos centrais:

a) concretizar os princípios constitucionais da moralidade e eficiência (CF/1988, art. 37, caput);

b) evitar o estímulo econômico-financeiro ao abandono da obra pelo contratado, ou à execução dos serviços com qualidade e eficiên-cia abaixo do esperado e, por consequência, prevenir o dano ao Erário;

c) evitar o bloqueio da obra, ainda que esta venha a ser finalizada por outro contratado.

Quanto ao prejuízo ao Erário, pode decorrer já da má execução dos serviços subsequentes à realização do jogo de cronograma, por desinteresse

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econômico do contratado, mesmo que a obra e/ou serviços de engenharia venham a ser concluídos, mas em geral ele ocorre de forma mais grave quando o contratado abandona a execução da obra, porque até a retomada dos trabalhos de engenharia, há desgaste de material já utilizado, desloca-mento de servidores para procedimentos diversos para retomada da obra, entre outros prejuízos diretos para a obra, além das perdas indiretas das mais variadas origens, pelo atraso em si da obra – por exemplo, a não circu-lação prevista de riquezas, em razão da não conclusão da obra, gera a não arrecadação de tributos que se esperava para o orçamento público.

Veja-se, a propósito, que na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, a dis-pensa de licitação prevista no inciso XI do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 só é possível desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido. Limitações à administração que também se aplicam no Regime Diferenciado de Contratação (RDC), nos termos do art. 41 da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 20112.

Assim, no jogo de cronograma o prejuízo ao Erário é ainda maior do que quando há mero abandono da obra pelo contratado, já que, no jogo de cronograma, o contratado recebeu pagamentos, antes do abandono, pelas parcelas mais vantajosas da execução da obra, com margem de lucro mais elevada, pontualmente, de modo que o jogo de cronograma concretizado tornará a execução do restante da obra menos atraente para a nova empresa que venha a ser contratada para tanto, podendo, caso a caso, dificultar so-bremaneira que se encontre empresa disposta à própria finalização da obra.

O jogo de cronograma é, basicamente:

a) um problema relacionado à fase de execução do contrato;

b) um ilícito cometido necessariamente pelo contratado, embora pos-sa vir a ser identificado conluio com servidores ou autoridades da Administração Pública;

c) um ilícito sobre o qual a administração pode tomar medidas para diminuição de riscos.

2 De seguinte redação: “Art. 41. Na hipótese do inciso XI do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento de bens em consequência de rescisão con-tratual observará a ordem de classificação dos licitantes remanescentes e as condições por estes ofertadas, desde que não seja ultrapassado o orçamento estimado para a contratação”.

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Vale salientar que o gestor público que der causa ao jogo de crono-grama, ou tenha contribuído para o prejuízo ao Erário por meio do jogo de cronograma, será citado na Tomada de Contas Especial (TCE) para reposi-ção de dinheiro ao Erário, além de sofrer outras sanções, exceto se não tiver conhecimentos básicos de engenharia que lhe permitiriam identificar o jogo de cronograma ou o risco potencial de sua ocorrência ou, ainda, não agiu com malícia.

Evidentemente, não temos a pretensão de esgotar todas as medidas que devam ser tomadas pela Administração Pública para evitar o jogo de cronograma. Mas, podemos elencar algumas.

3.1 eViTar aquisição anTeCipaDa De bens, maTerial ou insumos

Anteriormente, no item 2 deste artigo, intitulado “Jogo de cronograma não é pagamento antecipado”, expusemos as diferenças entre, de um lado, a fraude por pagamento antecipado sem execução de serviços ou entrega de bens ou materiais necessários à execução do objeto contratual e, de outro lado, o jogo de cronograma.

Agora, neste item, abordaremos a antecipada de entrada na obra de bens ou materiais necessários à execução do objeto contratual (aquisição antecipada). Não ocorre, só por isso, nenhuma fraude, já que o pagamento ocorrerá por medição, em razão da efetiva entrada dos bens ou materiais na obra, para estoque. Também não se tem aí, só por isso, o jogo de crono-grama, pois, para que ocorra o jogo de cronograma, é preciso que serviços pertinentes a uma etapa posterior do cronograma sejam executados com antecipação indevida.

O problema com a antecipada de entrada na obra (aquisição anteci-pada) de bens ou materiais necessários à execução do objeto contratual é que tal não é recomendável, porque pode favorecer a ocorrência do jogo de cronograma. É que, já estando em estoque o material de etapa posterior da obra, a empreiteira poderá antecipar ilegalmente a sua execução, para au-ferir lucro exorbitante naquele momento, realizando o jogo de cronograma.

Não é recomendável a aquisição de bens de alto valor, que repre-sentem percentual significativo do contrato, sem que os mesmos sejam ne-cessários no estágio em que a obra se encontre, quando da aquisição de tais bens, ou para momento próximo, isto é, quando a aquisição revela-se tempestiva como demonstração de observância do planejamento da obra,

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para o correto cumprimento da etapa do cronograma físico-financeiro do contrato que está por vir logo a seguir.

Ademais, os pagamentos desses itens, antes do momento que seria próprio, capitaliza desnecessariamente o contratado, estimulando a prática do jogo de cronograma.

Vale lembrar que a autorização para a aquisição de materiais e/ou execução de serviços, sem observância do cronograma atualizado de exe-cução, prejudica a gestão da obra, com violação direta à alínea e do inciso IX do art. 6º da Lei nº 8.666/1993 e, concomitantemente, desatendimento ao Projeto Básico da licitação, já que neste – se foi elaborado em conformi-dade à legislação – apresentaram-se os subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estra-tégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários para o caso concreto.

Além disso, tal autorização, para aquisição de materiais e/ou execu-ção de serviços sem observância do cronograma atualizado de execução, também ofende o inciso III do art. 12 da Lei nº 8.666/1993 (redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994), favorecendo a prática nociva do jogo de cro-nograma, pois tal legislação determina que, nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços, serão considerados, entre outros requisitos, “economia na execução, conservação e operação”.

Assim, há de ser evitada a medição antecipada do fornecimento de bens, materiais ou insumos para obra ou serviço de engenharia, bem como de qualquer outro produto intermediário, sem que haja necessidade de sua aplicação na obra, conforme cronograma atualizado de execução do con-trato.

A aquisição antecipada de bens, material ou insumos para a obra não é, em si, jogo de cronograma. O problema é que tal prática gera um risco (efeito potencial) de que o contratado faça o jogo de cronograma, prejudi-cial ao interesse público, considerando-se que o maior risco dessa prática é o abandono da obra após a medição dos serviços iniciais com sobrepreço ou maior margem de lucro. Nesse sentido, esta ementa de acórdão do TCU é esclarecedora:

A aquisição de bens de alto valor, que representam percentual significativo do contrato, sem que sejam necessários no estágio em que a obra se encontra ou em momento próximo, expõe indevidamente a Administração à perda precoce da garantia do fabricante, à deterioração e ao jogo de cronograma,

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por meio do qual a empreiteira antecipa a medição de serviços mais ren-táveis e abandona o contrato sem executar os menos rentáveis. (Acórdão nº 2442/2014 – Plenário – Rel. Benjamin Zymler) (grifo nosso)

A respeito da culpa do gestor no injustificado recebimento antecipado de material para a obra, recentemente, em seu voto como Relator, que re-sultou no Acórdão nº 1514/2015, Ata nº 23/2015, em sessão de 17.06.2015 no Plenário do TCU, o Ministro Bruno Dantas assim expressou-se, em posi-cionamento acolhido por seus ilustres pares:

O fato de não haver norma que vedasse o recebimento antecipado [de ma-terial] não é álibi suficiente a desconfigurar a responsabilidade pela conduta impugnada, vez que não se mostra compatível com o cargo ocupado pelo gestor, de natureza técnico-gerencial, a inabilidade ou inexperiência para formatação de um cronograma que atenda às reais necessidades de um em-preendimento do porte do que ora está sendo examinado. Numa situação extrema, a justificativa do gestor permitiria o recebimento e pagamento de todos insumos antes do início da obra, desconsiderando a dinâmica constru-tiva de um empreendimento desse porte. (grifo nosso)

Independentemente do eventual favorecimento à ocorrência do jogo de cronograma, a aquisição antecipada de bens diminui a vida útil desses produtos, já que os mesmos podem desde logo eventualmente sofrer des-gastes que prejudiquem ou comprometam sua utilização futura, inclusive trazendo custos adicionais para manutenção, após a conclusão da obra, além de diminuir o tempo de garantia dos mesmos.

Note-se, contudo, que o que se recomenda evitar é a aquisição ante-cipada desnecessária ou exagerada de itens que só serão utilizados na obra futuramente, sem justificativa técnica adequada para tal antecipação, mas, evidentemente, a boa prática de evitar aquisições antecipadas não deve ini-bir a manutenção de estoque mínimo que permita a continuidade e o bom andamento dos serviços.

Como exemplo, em um caso concreto, o Tribunal de Contas da União determinou ao órgão público que “[…] 9.1.1. somente permita a medição de tubos quando forem efetivamente necessários à execução dos servi-ços a que se destinam, considerando a manutenção de estoque mínimo que permita a continuidade e o bom andamento dos serviços” (Acórdão nº 2442/2014-TCU-Plenário – Rel. Benjamin Zymler).

Ademais, em caso de importação de bens, materiais ou insumos, é mesmo recomendável alguma antecipação em sua aquisição, dentro da ra-

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zoabilidade, considerando-se o tempo necessário para o regular desempe-nho do frete e do desembaraço aduaneiro e outros fatores necessários à tem-pestiva execução do cronograma físico-financeiro do contrato. O mesmo raciocínio aplica-se se houver previsão, por notícias ou estudos confiáveis, de que determinado bem, material ou insumo necessário à obra ou serviço de engenharia terá sua oferta em breve diminuída no mercado, com possível aumento de seu preço em razão da demanda, pois, neste caso, a aquisição antecipada tem por propósito proteger o Erário, pela aquisição de tais bens dentro do preço previsto quando da elaboração do orçamento.

3.2 aTenDimenTo ao projeTo exeCuTiVo

O cronograma é elemento essencial do Projeto Executivo, dado que este é “o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução com-pleta da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasi-leira de Normas Técnicas – ABNT” (Lei nº 8.666/1993, art. 6º, X). Ademais, “a execução das obras e dos serviços deve programar-se, sempre, em sua totalidade, previstos seus custos atual e final e considerados os prazos de sua execução” (Lei nº 8.666/1993, art. 8º, caput).

Como o jogo de cronograma é a indevida alteração do cronograma físico-financeiro por antecipação injustificada da execução de parcela mais vantajosa, para o contratado, do objeto contratual, é evidente que o atendi-mento ao cronograma do contrato, conforme Projeto Executivo, é um meio eficaz de evitar-se o jogo de cronograma, desde que, é claro, o próprio Pro-jeto Executivo já não seja fraudulento, incompleto ou mal elaborado. É que o Projeto Executivo, em atenção aos princípios constitucionais da eficiência e economicidade, não deve antecipar a aquisição de bens ou a execução de etapas da obra ou serviço de engenharia que, conforme estudos que fun-damentem o planejamento de sua execução, possam ser enquadrados em momento posterior do cronograma, respeitando-se o avanço físico da obra.

Então, é de fundamental importância que se tenha um Projeto Execu-tivo confiável, de boa qualidade técnica, decorrente de estudo de viabili-dade adequado, com uso, sendo o caso, de gráfico de Gantt, Critical Path Method, histograma de mão de obra, Curva ABC de Insumos etc., para que não se tenha inadvertidamente um jogo de cronograma que, todavia, não parecerá,de imediato, ser um jogo de cronograma, por estar-se a cumprir rigidamente o cronograma do contrato na execução do seu objeto, todavia já elaborado em desarmonia com as melhores práticas.

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É pertinente observar que se o Projeto Executivo for elaborado como “encargo do contratado”, como previsto na hipótese do § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/1993, ele será confeccionado em atendimento ao Projeto Bá-sico e, portanto, há meios de ser verificado se o Projeto Executivo estiver sendo fraudado para mascarar eventual jogo de cronograma a ser realizado durante a execução da obra ou serviço de engenharia pelo contratado da Administração Pública.

Em sendo o Projeto Executivo, na hipótese do § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/1993, elaborado por terceiro, se for fraudulento, permitindo mas-carar o jogo de cronograma a ser realizado pelo contratado pela Admi-nistração Pública para execução da obra ou serviços de engenharia, deve ser responsabilizado solidariamente o terceiro, autor do Projeto Executivo, pelos danos ao Erário que decorram do jogo de cronograma.

Elaborado um Projeto Executivo confiável, deve a Administração Pú-blica, na fiscalização do contrato, ater-se ao mesmo, para evitar o jogo de cronograma ilícito, isto é, quando a antecipação de etapa da obra ou serviço de engenharia dá-se sem justificativa técnica.

O Projeto Executivo também deve associar a realização de uma ati-vidade ao cumprimento de seu pré-requisito, como determina o § 1º do art. 7º da Lei nº 8.666/1993.

Vale lembrar que a minuta de contrato deverá conter cronograma físico-financeiro com a especificação física completa das etapas necessárias à medição, ao monitoramento e ao controle das obras, conforme art. 12 do Decreto nº 7.983/2013.

A situação é um tanto mais complicada quando aplicável a exceção prevista no mesmo § 1º do art. 7º da Lei nº 8.666/1993. Vejamos sua re-dação:

Art. 7º […]

§ 1º A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da con-clusão e aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à exceção do projeto executivo, o qual poderá ser desen-volvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que também autorizado pela Administração. (grifo nosso)

Conforme § 1º do art. 7º da Lei nº 8.666/1993, a etapa subsequen-te da execução do objeto do contrato deve ser precedida de aprovação da etapa anterior. Regra geral, a execução das obras e serviços só é lícita

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após aprovação do projeto executivo, e o cronograma deve ser seguido (Lei nº 8.666/1993, art. 8º, caput).

Entretanto, como se vê pela leitura do dispositivo legal contido no § 1º do art. 7º da Lei nº 8.666/1993, há exceção, que é aquela na qual o pro-jeto executivo poderá ser desenvolvido concomitantemente à obra, o que se dá naqueles casos em que o empreendimento é fracionável, desenvolve--se por etapas, caso em que a autoridade competente aprovará os produtos parciais do projeto executivo, porém antes do início da etapa das obras a que os mesmos se referem. Como o projeto executivo é elaborado de etapa em etapa, torna-se um pouco mais difícil o controle do jogo de cronograma em relação à visão total da obra, embora este controle ainda deva ocorrer, ao menos, com relação ao cronograma previsto pelo Projeto Executivo para cada etapa.

3.3 Cláusulas De proTeção Da aDminisTração

A Administração Pública também pode mitigar as possibilidades de ocorrência de jogo de cronograma danoso ao Erário prevendo, no edital da licitação, critérios de aceitabilidade de preços unitários. É pressuposto básico desta medida a existência de adequado Projeto Básico e a correta elaboração do orçamento, nos termos do art. 7º, § 2º, incisos I e II, da Lei nº 8.666/1993.

A ausência de critérios de aceitabilidade de preços unitários máximos no edital permite à contratada prever e faturar itens com sobrepreço no início da obra, ainda que seja vencedora na licitação ofertando proposta com preço global abaixo do valor referencial, o que lhe será possível tendo atribuído preços unitários reduzidos nas etapas posteriores da obra. Por isso que a ausência de critérios de aceitabilidade de preços unitários máximos no edital favorece a ocorrência do jogo de cronograma.

Para evitar que a licitante saia vencedora da licitação apresentando descontos elevados para os serviços finais da obra com descontos menores para os serviços iniciais – pois aí os critérios de aceitabilidade de preços unitários seriam cumpridos, conforme previsão editalícia, contudo em si-tuação de favorecimento à ocorrência de jogo de cronograma prejudicial à continuidade da execução do objeto do contrato, pela maior atratividade econômica da fase inicial da execução da obra –, o edital da licitação deve prever, além dos critérios de aceitabilidade de preços unitários, também os percentuais máximos de pagamento por etapa, em referência ao cro-

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nograma da obra, como previsto na alínea b do inciso XIV do art. 40 da Lei nº 8.666/1993. Tal previsão editalícia adere-se facilmente às licitações de empreitada por preço unitário ou por preço global (Lei nº 8.666/1993, art. 10, II, a e b).

São pertinentes, para evitar o jogo de cronograma, os seguintes co-mandos da Lei nº 8.666/1993:

Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o se-guinte:

[…]

X – o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

[…]

XIV – condições de pagamento, prevendo:

b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros;

[…]

§ 2º Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:

I – o projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, es-pecificações e outros complementos;

II – orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

III – a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor;

IV – as especificações complementares e as normas de execução pertinentes à licitação.

[…]

Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contra-riar as normas e princípios estabelecidos por esta lei.

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[…]

§ 3º Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários sim-bólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio lici-tante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) (grifo nosso)

Ademais, deve ser observado o Decreto nº 7.983/2013, art. 11: “Os critérios de aceitabilidade de preços deverão constar do edital de licitação para contratação de obras e serviços de engenharia”. O parágrafo único do art. 13 do mesmo ato normativo estipula que, para o atendimento do art. 11, os critérios de aceitabilidade de preços serão definidos em relação ao preço global e de cada uma das etapas previstas no cronograma físico-financeiro do contrato, que deverão constar do edital de licitação.

É claro que, em benefício da eficiência na licitação e desde que ha-vendo justificativa técnica relevante, podem ser aceitas propostas dos lici-tantes com custos unitários superiores às referências do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) ou Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), nas situações e com as limitações pre-vistas no inciso I do art. 13 do Decreto Presidencial nº 7.983/2013:

Art. 13. Em caso de adoção dos regimes de empreitada por preço global e de empreitada integral, deverão ser observadas as seguintes disposições para formação e aceitabilidade dos preços:

I – na formação do preço que constará das propostas dos licitantes, pode-rão ser utilizados custos unitários diferentes daqueles obtidos a partir dos sistemas de custos de referência previstos neste Decreto, desde que o preço global orçado e o de cada uma das etapas previstas no cronograma físico--financeiro do contrato, observado o art. 9º, fiquem iguais ou abaixo dos preços de referência da administração pública obtidos na forma do Capítulo II, assegurado aos órgãos de controle o acesso irrestrito a essas informações; (grifo nosso)

Observe-se, contudo, que, mesmo nessas situações excepcionais do inciso I do art. 13 do Decreto nº 7.983/2013, a definição de critérios de aceitabilidade de preços unitários contribuirá para desestimular o jogo de cronograma, porque os preços a serem ofertados pelos licitantes para cada uma das etapas previstas no cronograma físico-financeiro do contrato deve-rá ficar igual ou abaixo dos preços de referência.

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A utilização do critério de julgamento da proposta do licitante pelo maior desconto, como ocorre no Regime Diferenciado de Contratação (RDC), em tese evita a possibilidade de prática do jogo de cronograma, porque a empresa terá dificuldades para desbalancear o orçamento da obra, ao longo da execução do contrato administrativo, em razão da obrigação, na licitação, de oferecer um desconto linear sobre todos os itens da planilha do orçamento referencial da Administração, conforme Lei nº 12.462/2011, art. 19, § 3º. Tal dispositivo realmente prevê, no âmbito do RDC, que no caso de obras ou serviços de engenharia, o percentual de desconto apresen-tado pelos licitantes deverá incidir linearmente sobre os preços de todos os itens do orçamento estimado constante do instrumento convocatório.

Entretanto, para que isto efetivamente funcione em favor da admi-nistração, é necessário que o orçamento referencial seja bem elaborado. Por exemplo, um determinado serviço de engenharia, cuja atividade a ser desenvolvida pelo contratado seja a mesma, porém em diferentes locais da obra, deve ter seu custo calculado conforme as dificuldades variarem em cada local em que a obra vier a ser executada ao longo de suas etapas, de modo que o desconto linear na proposta do licitante no RDC possa ser efi-caz como trava contra o jogo de cronograma. O mesmo raciocínio, se apli-cável ao caso concreto, deve ser utilizado para elaboração do orçamento de referência em relação a itens que possam apresentar variações de custos por razões climáticas no curso da obra (períodos de chuva ou seca etc.).

No pregão, a Lei nº 10.520/2000 determina (art. 3º, inciso I) que, na sua fase preparatória, a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento. Além disso, conforme seu art. 9º, aplicam-se subsidiariamente, para a mo-dalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666/1993. Assim, as sugestões aqui apresentadas com base na Lei nº 8.666/1993 também devem ser ado-tadas na licitação realizada pela modalidade de pregão, para contratação de obras e serviços comuns de engenharia.

Vale lembrar que, a despeito da vedação contida no art. 5º do De-creto Presidencial nº 3.555, de 2000, o TCU consolidou a interpretação de que a Lei nº 10.520/2002 não veda, em abstrato, a escolha do pregão como modalidade licitatória para contratação de serviços de engenharia, bastando que o objeto a ser licitado seja caracterizado como bem ou serviço comum, conforme inúmeros de seus precedentes e Súmula nº 257/TCU, de 28 de

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abril de 2010, de seguinte teor: “o uso do pregão nas contratações de servi-ços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.

3.4 VerifiCação Da liCença De insTalação

No âmbito do Licenciamento Ambiental, as licenças ambientais ge-ralmente dividem-se em “Licença Prévia” (LP), “Licença de Instalação” (LI) e “Licença de Operação” (LO).

O Decreto Presidencial nº 99.274, de 6 de junho de 1990, traz as seguintes definições:

Art. 19. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, ex-pedirá as seguintes licenças:

I – Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento de atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, ins-talação e operação, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;

II – Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acor-do com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado; e

III – Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessá-rias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamen-tos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação. (grifo nosso)

Com letras similares, a tipologia e definições das licenças ambientais mais básicas (LP, LI, LO) também vêm previstas no art. 8º da Resolução Co-nama nº 237, de 19 de dezembro de 1997.

O pagamento por bens, materiais ou insumos, que serão usados em determinada etapa da obra para a qual o órgão ambiental competente ainda não tenha expedido Licença de Instalação, com caracterização, na hipótese, de aquisição antecipada de bens, ou seja, com efetiva entrega dos objetos adquiridos, é um forte indício de que encaminha-se a execução do objeto do contrato para o favorecimento à concretização de um jogo de cronogra-ma, porque gera-se capitalização desnecessária da empreiteira.

Desse modo, é recomendável que no edital da licitação e na minu-ta de contrato existam cláusulas que prevejam a vedação de aquisição de bens, material ou insumos, ou a medição e pagamento pelos mesmos, quan-do a empreiteira não comprovar ter obtido a Licença de Instalação do ór-gão ambiental competente, ou quando não apresentar prova, quando assim

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exigido pelo fiscal do contrato, de que a LI esteja vigente e eficaz – isso porque existem previsões normativas, na legislação ambiental, de situações nas quais a LI pode ser suspensa, revogada ou cassada.

Evidentemente, esta cautela só precisa ser observada quando aplicá-vel, já que nem todas as obras públicas e serviços de engenharia estão sujei-tos a licenciamento ambiental, pois este só é exigível quando a utilização de recursos ambientais for (efetiva ou potencialmente) poluidora ou capaz, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, conforme art. 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, com redação dada pela Lei Complemen-tar nº 140, de 2011.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jogo de cronograma caracteriza-se por uma modificação temporal, sem justificativa técnica aceitável, exercida pelas atividades materiais do contratado, sobre as etapas de execução da obra ou serviço previstas no contrato administrativo, com antecipação indevida de tais etapas, para rea-lização da parcela mais lucrativa (para o contratado) do objeto contratual, seja pela lícita maior margem de lucro, seja por sobrepreço, geralmente, mas não necessariamente, ainda nas etapas iniciais do cronograma físico--financeiro do contrato, concentrada, portanto, em uma fase anterior àquela que seria normal no curso da obra, tornando o restante da obra desinte-ressante para o contratado, na perspectiva econômico-financeira, gerando risco potencial de abandono da obra ou de má prestação dos serviços de engenharia subsequentes, com prejuízo ao Erário, à finalização da obra no tempo previsto, à qualidade da obra e, de modo geral, em ofensa aos prin-cípios constitucionais da eficiência e economicidade, albergados no caput dos arts. 37 e 70 da Constituição Federal vigente.

Várias medidas podem ser tomadas pela Administração Pública para prevenir a ocorrência do jogo de cronograma, entre as quais, exemplificati-vamente, listamos:

1) elaboração de Projetos Básico e Executivo de qualidade, quando estiverem a seu cargo;

2) fixar critérios de aceitabilidade de preços unitários máximos no edital da licitação;

3) fixar percentuais máximos de pagamento por etapa, em referên-cia ao cronograma da obra;

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4) observar o cronograma físico-financeiro previsto no contrato, conforme Projeto Básico e Projeto Executivo;

5) evitar aquisição de bens de alto valor, que representem percen-tual significativo do contrato, sem que sejam necessários no es-tágio em que a obra se encontra ou em momento próximo;

6) evitar pagar por materiais que serão usados em determinada eta-pa da obra para a qual ainda não tenha sido expedida Licença de Instalação pelo órgão ambiental competente, ou se a LI tiver sido suspensa, revogada ou cassada;

7) no RDC, com julgamento das propostas pelo maior desconto, que o orçamento referencial seja bem elaborado, consideran-do variações de custos para um mesmo serviço de engenharia ao longo da obra, conforme forem (i) os graus de dificuldades quanto aos diversos locais de realização do mesmo serviço e (ii), se for possível tal mensuração para o caso concreto, também conforme forem as mudanças previsíveis das condições climáti-cas ao longo da obra, para o mesmo serviço, (iii) dentre outros fatores, de modo que o desconto linear na proposta do licitante no RDC possa ser eficaz como trava contra o jogo de cronogra-ma, sem olvidar-se, ainda, que eventuais ajustes na proposta do licitante podem ser feitos por invocação do art. 26, caput, da Lei nº 12.462/2011, por oportunidade da negociação.

CASOS ANALISADOSBRASIL. Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 2906/2015, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 2648/2015, Plenário, Rel. André de Carvalho.

______. Acórdão nº 2645/2015, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2644/2015, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2257/2015, Plenário, Rel. Vital do Rêgo.

______. Acórdão nº 2164/2015, Plenário, Rel. André de Carvalho.

______. Acórdão nº 2153/2015, Plenário, Rel. Vital do Rêgo.

______. Acórdão nº 1514/2015, Plenário, Rel. Bruno Dantas.

______. Acórdão nº 1175/2015, Plenário, Rel. André de Carvalho.

______. Acórdão nº 1011/2015, Plenário, Rel. José Múcio Monteiro.

______. Acórdão nº 0593/2015, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 0286/2015, Plenário, Rel. Benjamin Zymler.

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64 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 126 – Junho/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

______. Acórdão nº 3134/2014, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 3133/2014, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 3112/2014, Plenário, Rel. José Jorge.

______. Acórdão nº 2981/2014, Plenário, Rel. Bruno Dantas.

______. Acórdão nº 2442/2014, Plenário, Rel. Benjamin Zymler.

______. Acórdão nº 0936/2014, Plenário, Relª Ana Arraes.

______. Acórdão nº 0835/2014, Plenário, Relª Ana Arraes.

______. Acórdão nº 0563/2014, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2803/2013, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2388/2013, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2386/2013, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 1234/2013, Plenário, Rel. José Jorge.

______. Acórdão nº 3341/2012, Plenário, Rel. José Múcio Monteiro.

______. Acórdão nº 3337/2012, Plenário, Rel. José Múcio Monteiro.

______. Acórdão nº 2608/2012, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 2607/2012, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 2466/2012, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2253/2012, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 2179/2012, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 1978/2012, Plenário, Rel. Valmir Campelo.

______. Acórdão nº 1712/2012, Plenário, Rel. José Múcio Monteiro.

______. Acórdão nº 2932/2011, Plenário, Rel. Valmir Campelo.

______. Acórdão nº 2692/2011, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2691/2011, Plenário, Rel. Augusto Sherman.

______. Acórdão nº 2371/2011, Plenário, Rel. Weder de Oliveira.

______. Acórdão nº 1947/2008, Plenário, Rel. Benjamin Zymler.

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Parte Geral – Doutrina

Controle da Administração Pública: Mandado de Injunção e Ativismo Judicial

BRUNO FIALHO RIBeIROAdvogado, MBA em Gestão Pública pela Universidade Estácio de Sá/RJ.

INTRODUÇÃO

O mandado de injunção é uma garantia processual prevista na Cons-tituição de 1988, conforme dispõe no art. 5º, inciso LXXI:

CF/1988, art. 5º, inciso LXXI: conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; [...]

Sua finalidade é corrigir a ocorrência de omissão do Poder Legislativo que impeça o exercício de diretos e liberdades assegurados na constituição ou paralise a efetivação das prerrogativas inerentes ao gozo da nacionalida-de, soberania e cidadania assegurados na legislação, mesmo que infracons-titucional.

Este novo instrumento ficou adormecido durante aproximadamente 20 anos desde sua criação, tornando-se efetivo a partir de uma posição de protagonismo assumida pelo Poder Judiciário no cenário brasileiro denomi-na por muitos estudiosos de “ativismo judicial”.

Dessa forma, analisaremos de forma sucinta a parte teórica do man-dado de injunção e a legitimidade democrática da nova postura do Poder Judiciário na aplicação deste remédio constitucional.

O MANDADO DE INJUNÇÃO

Conforme José Afonso da Silva, o Mandado de Injunção – MI “cons-titui um remédio constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou pela Constituição”1.

1 AFONSO DA SILVA, José. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 165.

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Este instrumento é baseado no fundamento no princípio de que as normas constitucionais são feitas para produzirem efeito e aplicação.

REqUISITOS E PROCEDIMENTOS DO INSTRUMENTO

De plano, verifica-se que, para a fundamentação do MI, é necessário que seja demonstrada a presença dos seguintes requisitos cumulativamente: (i) omissão legislativa, ou seja, falta de regulamentação para o exercício de diretos e liberdades garantidos na Constituição ou efetivação das prerro-gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania já afirmadas em legislação mesmo infraconstitucional e (ii) carecimento de norma re-gulamentadora que impeça o exercício de prerrogativas constitucionais no art. 5º, inciso LXXI.

Não há norma específica sobre o rito processual do MI, apenas a previsão de observar a legislação do mandado de segurança no que couber, conforme art. 24 da Lei nº 8.038/19902. Há identificação do mandado de segurança com o MI, exceto o deferimento de tutela de urgência, conforme interpreto o entendimento do Supremo Tribunal Federal3.

A competência é delimitada na Constituição4, sendo possível que os Estados disciplinem a competência para decidir mandado de injunção na Constituição Estadual.

2 Lei nº 8.038/1990, art. 24: “Na ação rescisória, nos conflitos de competência, de jurisdição e de atribuições, na revisão criminal e no mandado de segurança, será aplicada a legislação processual em vigor.

Parágrafo único. No mandado de injunção e no habeas data, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica”.

3 MANDADO DE INJUNÇÃO – LIMINAR – Os pronunciamentos da Corte são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção – Mandados de Injunção nºs 283, 542, 631, 636, 652 e 694, relatados pelos ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e por mim, respectivamente. AÇÃO CAUTELAR – LIMINAR – Descabe o ajuizamento de ação cautelar para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a concessão de medida acauteladora. (AC 124 AgRg/PR – Paraná, DJ 12.11.2004)

4 CF/1988, art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, caben-do-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

[...]

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

[...]

II – julgar, em recurso ordinário:

a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

[...]

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Sob o aspecto processual, aplicando-se a lei do mandado de segu-rança, verifica-se a ocorrência de procedimento sumário com a agilidade, conforme contempla também o Regimento Interno do STJ5.

Conforme peculiaridades do mandado de segurança, evita-se no mandado de injunção dilações probatórias. Logo, deve a prova documenta-da ser anexada à peça inicial, tendo em vista a natureza célere da demanda.

O MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

A primeira vez que o STF apreciou um mandado de injunção6, enten-deu que deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e determinar que o legislador empreendesse as providências necessárias.

Após esse mandado de injunção, o Supremo promoveu mudanças significativas no seu entendimento sobre a matéria, estipulando, pela pri-meira vez, prazo para sanar a omissão, sob pena de assegurar ao prejudica-do a satisfação dos direitos negligenciados:

Ementa – Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite –não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 – QO) – que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitu-cionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

[...]

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

[...]

Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.

[...]

§ 4º Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:

[...]

V – denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção”.5 RI, STJ, art. 173: “Terão prioridade no julgamento da Corte Especial: [...] II – o mandado de segurança, o

mandado de injunção e o habeas data; [...]”.6 MI 107.

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que a supra (cf. Mandados de Injunção nºs 168, 107 e 232). 2. A norma cons-titucional invocada (ADCT, art. 8º, § 3º – “Aos cidadãos que foram impedi-dos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrên-cia das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” – vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legis-lativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satis-fação provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, ADCT, comunican-do-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de conde-nação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbi-trem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável.

(MI 283/DF – Distrito Federal, DJ 14.11.1991)

Já no Mandado de Injunção nº 232, o STF reconheceu que, após 6 (seis) meses, caso o Congresso Nacional não tenha editado a lei referida no art. 195, § 7º, da CF/1988, o requerente gozaria a imunidade requerida, conforme ementa do julgado:

Mandado de injunção. Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 7º do art. 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encon-tra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, venci-

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do esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida. (MI 232/RJ – Rio de Janeiro, DJ 27.03.1992)

Percebe-se, a partir desses dois julgados, a mudança de entendimento do STF, se aproximando da corrente doutrinária concretista. Essas decisões demonstram que o STF concorda com uma regulamentação provisória da matéria pelo próprio Poder Judiciário.

O caso mais emblemático decidido pelo STF em mandado de injun-ção foi o direito de greve do servidor público, tendo em vista a omissão legislativa.

Neste caso, o STF fixou os parâmetros institucionais e constitucionais de definição da competência e no plano procedimental admitiu a aplicação analógica da Lei nº 7.701/1988 que dispõe sobre a especialização de Tur-mas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos.

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO – GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI) – DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLI-COS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII) – EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURIS-PRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) – DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIA-ÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF – EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA – MANDA-DO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS NºS 7.701/1988 E 7.783/1989 – 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GA-RANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRU-DÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) – 1.1 No julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.09.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguin-tes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satis-feitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é

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dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contempla-do por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impe-trante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. 1.2 Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções “normativas” para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.03.1992; MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/o Acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.06.1992; MI 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.05.2002; MI 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI 562/DF, Relª Min. Ellen Gracie, DJ 20.06.2003. 2. O MANDADO DE INJUNÇÃO E O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF (MI 670/ES – Espírito Santo, DJe-206, Divulg. 30.10.2008, Public. 31.10.2008).

ATIVISMO JUDICIAL

Essa tendência de participação ativa do Poder Judiciário, principal-mente na tutela dos direitos fundamentais e, consequentemente, no julga-mento do mandado de injunção tem levantado diversos questionamentos sobre a legitimidade democrática desse Poder no exercício de atividade tí-pica do Poder Legislativo.

Percebe-se que matérias de cunho social e político estão sendo deci-didas por órgãos do Poder Judiciário, sendo certo que estas matérias estão afetadas ao Congresso Nacional (Poder Legislativo) e ao Poder Executivo.

Alice Voronof, Procuradora do Estado do Rio de Janeiro, destaca as seguintes causas para essa nova postura: “(i) a redemocratização do país, marcada pela promulgação da Constituição de 1988, que fortaleceu e ex-pandiu o Poder Judiciário, além de aumentar a demanda por justiça na so-ciedade brasileira; (ii) a constitucionalização abrangente, que levou para a Carta Maior diversas matérias outrora relegadas ao processo político majori-tário e à legislação ordinária; e (iii) o sistema brasileiro de controle de cons-

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titucionalidade que é híbrido e abrangente, caracterizado pela combinação dos controles difuso e concentrado”7.

Podemos observar também um enfraquecimento da classe política, fenômeno esse que não se restringe ao Brasil e, como consequência, uma retração do Poder Legislativo e Executivo. Com isso, o Poder Judiciário tem preenchido esse espaço e devemos refletir sobre quais os efeitos no equilí-brio e convivência harmônica dos Poderes da República.

O Judiciário tem decidido as demandas sociais com fundamentos nos princípios e direitos fundamentais que se aproximam de um caráter abso-luto, em detrimento de outros princípios, como a reserva do possível equi-líbrio orçamentário, responsabilidade fiscal, sendo certo que estes são tão importantes quanto aqueles.

Um exemplo típico são as liminares concedidas nas demandas de medicamentos e tratamentos médicos, sendo certo que muitos desses tra-tamentos complexos ou experimentais obrigam a administração pública a custeá-los, inclusive no exterior.

O parágrafo único do art. 1º da Constituição esclarece que “o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou direta-mente”. Os representantes do povo são eleitos formando os Poderes Legis-lativo e Executivo.

Logo, considerando que os representantes do Poder Judiciário, além de não exercerem a função típica de legislar e executar as políticas públicas, não possuem legitimidade democrática para decidir sobre políticas públicas e alocação de despesas e receitas orçamentárias.

No entanto, considerando que nenhum princípio deve ser aplicado de forma absoluta, devemos olhar com temperamento para esse comporta-mento progressista do Poder Judiciário.

ASPECTOS FAVORÁVEIS AO ATIVISMO E A NECESSIDADE DE TEMPERAMENTO

A favor do ativismo, argumenta-se que o Poder Judiciário, ao decla-rar a inconstitucionalidade de atos ou suprir omissões, estaria cumprindo a Constituição, seria a vontade qualificada expressada pelo povo por meio de seus representantes na constituinte.

7 Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, (66), p. 29, 2011.

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Este argumento fundamenta também a postura concretista do STF, conferindo força normativa à Constituição e consequentemente aos direitos sociais e liberdades constitucionais, assim como prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

No entanto, devemos ver essa ação com lentes críticas, visto que a aplicação do direito não é uma atividade simples e mecânica.

As normas constitucionais são passíveis de diversas interpretações pelo ser humano e pode ocorrer a prevalência de pontos de vista particu-lares e parciais em detrimento da vontade soberana do povo. Não estamos aqui tratando de uma experiência de laboratório com todas as perfeitas leis físicas e químicas, mas sim de uma experiência humana e complexa.

Citando a Procuradora do Estado do Rio de Janeiro Alice Voronof so-bre as consequências do novo entendimento do STF, assevera-se que:

Se o Superior Tribunal Federal errar e concretizar um direito que não fora conferido pela Constituição, estará, sim, implicando gravíssima ofensa ao princípio democrático. E essa, sem dúvida, é uma preocupação que deve ser considerada. Acrescente-se: não para inibir o ativismo, mas para racionalizá--lo, evitando uma ditadura de juízes-filósofos.8

Por outro lado, no campo filosófico, a defesa do ativismo judicial se inclina para o pensamento de reforma da ideia clássica da democracia como vontade da maioria, sendo que esta seria incompatível com o sistema democrático constitucional em que são apresentados os direitos e garantias fundamentais, sociais, dignidade da pessoa humana e direito das minorias.

Os argumentos anteriores também fundamentam a postura concre-tista do STF em relação ao mandado de injunção. No entanto, conforme já foi dito neste artigo é preciso uma maior reflexão sobre a aplicação do concretismo, visto que não se pode, no sistema jurídico, aplicar a regra do tudo ou nada.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, verifica-se que o caminho da democracia no sistema constitucional é um processo de amadurecimento da sociedade. Em uma jovem democracia como a brasileira, em que ainda não foi supera-do o déficit educacional e a desigualdade social, é grande a tensão entre o

8 Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, (66), p. 40, 2011.

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ativismo judicial e a legitimidade democrática. Esta tensão se manterá muito forte até que os representantes do povo tenham uma postura pró-ativa na condução de seus deveres institucionais.

A Procuradora do Estado do Rio de Janeiro Alice Voronof ressalta a importância da postura concretista para a democracia, visto que “(i) permite a concretização da vontade qualificada expressa pelos representantes elei-tos na Constituição (argumento normativo); viabiliza o gozo de direitos e li-berdades fundamentais que são pré-requisitos para a democracia (argumen-to filosófico); (iii) canaliza demandas e anseios populares negligenciados pelos poderes eleitos, os quais passam por forte crise de representatividade, além de propiciar estímulos para a atuação do Legislativo e do Executivo”9.

A procuradora ainda acrescenta as seguintes diretrizes para o tem-peramento do ativismo judicial: “(i) quanto maior o grau de tecnicidade da matéria, mais contida, ou cautelosa, deve ser a atuação do Tribunal; e (ii) a existência de leis vigentes passíveis de suprir a lacuna normativa, mediante aplicação por analogia, possibilita um maior grau de ativismo pelo Judi-ciário”.

Por último, esclarecemos que o presente artigo não tem a intenção de inibir o ativismo judicial, sendo este importante para provocar uma postura mais sensível aos Poderes Executivo e Legislativo aos anseios da sociedade e amadurecimento da democracia. No entanto, deve o Poder Judiciário pro-mover debates e fundamentos pormenorizados sobre o tema.

Compartilhando o pensamento de Norberto Bobbio no seu livro O fu-turo da Democracia, o cenário atual comporta o pensamento de que “[...] a luz está avançando com dificuldade para começar a clarear ao menos uma parte da área escura [...]”.

REFERÊNCIASAFONSO DA SILVA, José. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2007.

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DIDIER JÚNIOR, Fredie. Ações constitucionais. 3. ed. Salvador, 2008.

9 Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, (66), p. 47, 2011.

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MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Parte Geral – Doutrina

Das Agências Reguladoras e a Mitigação do Princípio da Tripartição dos Poderes

The Regulatory Agencies and Mitigation of the Principle of Separate Powers

ROCCO ANTONIO RANgeL ROSSO NeLSONEspecialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Pú‑blico do Rio Grande do Norte, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Mestre em Direito Constitucional pela UFRN, Ex‑Professor do Curso de Direito e de Outros Cursos de Graduação e Pós‑Graduação do Centro Universitário Facex, Professor Efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus João Câmara.

JOyCe MICHeLLe De MeLO ROCHAAdvogada com Atuação no Rio Grande do Norte.

RESUMO: O artigo procura colher posicionamentos para defender a legitimidade da atuação das agências reguladoras, atendendo aos preceitos da Constituição Federal de 1988. Verifica‑se a im‑portância de tomadas de decisões dentro dos aspectos da especificidade técnica e, principalmente, dentro de um tempo razoável, avocando, dessa forma, o princípio da eficiência que deve permear a Administração Pública, e que se encontra encartado na Carta Magna de 1988, como um dos pilares da atividade pública. A natureza constitucional de certas garantias não é afastada, nem se presume uma usurpação nos poderes legislativos e jurisdicionais pelas agências reguladoras. A atividade das agências reguladoras visa atender ao que foge da alçada dos poderes legislativos e judiciais, como um preenchimento de lacuna de cunho administrativo, respaldadas pelos ditames constitucionais.

PALAVRAS‑CHAVE: Administração Pública; agências reguladoras; conflito; tripartição dos poderes; legitimidade.

ABSTRACT: The article triesto scoop placements defend the legitimacy of the actions of regulatory agencies, given the precepts of the Constitution of 1988. There is the importance of making deci‑sions with in the technical aspects of specificity and, especially, with in a reasonable time, climbing thus the principle of efficiency that should permeate the Government, and which is chartered in the Constitution of 1988, as one of the pillars of public activity. The nature of certain constitutional guarantees is remote and not presumed an encroachment on the legislative and judicial powers by regulatory agencies. The activity aims to meet the regulatory agencies that escapes the purview of the legislative and judicial powers, as agap fill of the administration, backed by constitutional dictates.

KEYWORDS: Public administration; regulatory agencies; conflict; separate powers; legitimacy.

SUMÁRIO: Das considerações iniciais; 1 Do princípio da tripartição dos poderes; 1.1 Necessidade de mitigação da teoria da tripartição dos poderes; 2 Escopo histórico das agências reguladoras; 3 As agências reguladoras e sua adequação ao princípio da separação dos poderes; Das considerações finais; Referências.

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DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao analisar a questão a despeito do ferimento do princípio da tripar-tição dos poderes pelas agências reguladoras, traz-se à baila a essência da concepção kantiana, no que se refere à ideia de que o Estado não tem fins próprios, e que os mesmos devem coincidir com aqueles dos indivíduos da sociedade.

É a concepção moderna de que o essencial é o aspecto legal, deven-do, para isso, que o poder seja tripartite.

O papel do Estado liberal deve ser protetor, não impondo qual dire-ção a ser seguida, como condensa Bobbio:

[...] através de uma metáfora, esta concepção de Estado foi chamada de Es-tado-protetor, para significar que sua tarefa não é dirigir os súditos para este ou aquele fim, mas unicamente vigiá-los para impedir que, na sua busca dos seus próprios fins, cheguem a conflitos [...].1

Desde seus primórdios, os institutos administrativos vêm sofrendo re-visões pelo Judiciário, no que concerne a seus excessos e deficiências.

Verificando-se os rudimentos de um direito administrativo inglês, percebeu-se que novas soluções judiciárias eram necessárias para as novas exigências que surgiam. Adotou-se, então, o writ of certiorari para controlar atos praticados pelos órgãos administrativos coletivos, com fulcro no abuso de competências, já no século XVII. A common law responsabilizava aque-les que promovessem atos irregulares.

Uma das grandes discussões acerca das agências reguladoras se con-figura no âmbito de alcance de seus poderes, principalmente sobre aspectos normativos.

A tripartição dos poderes é abstrata e se comunica, simultânea e har-monicamente, com momentos em que um faz o papel do outro sem que seja ferido o campo de atuação desse outro.

Isto é bem caracterizado sob o olhar de Aragão2: “[...] o poder de po-lícia é do legislador (art. 5º, II, c/c 37, caput, CF), que, através de conceitos jurídicos mais ou menos indeterminados, atribui o respectivo exercício e, geralmente, também a regulamentação, à Administração Pública”.

1 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. São Paulo: Mandarim, 2000. p. 7.2 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. p. 33.

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Na mesma linha de pensamento, corrobora Sundfeld:

Nos novos tempos, o Poder Legislativo faz o que sempre fez: edita leis, fre-qüentemente com alto grau de abstração e generalidade. Só que, segundo os novos padrões da sociedade, agora essas normas não bastam, sendo preciso normas mais diretas para tratar das especificidades, realizar o planejamento dos setores, viabilizar a intervenção do Estado em garantia do cumprimento ou a realização daqueles valores [...].3

Em uma análise dentro da perspectiva do direito positivo, Aragão aduz que:

[...] o princípio da Separação dos Poderes e a legalidade a ele inerente, [...], além de nunca terem sido expressamente acolhidos em todos os seus traços em nenhum direito positivo, se distanciaram muito da realidade verificada nos próprios Estados burgueses.4

Há receios no que se refere à inovação, como aqui verificado por Joaquín Tornos Mas, respaldado na obra de Alexandre Aragão5, ao defender que “[...] a introdução na linguagem jurídica do conceito de regulação é problemática. A utilização de um novo termo dotado de diversos conteúdos choca-se com a necessária segurança que deve reger o mundo do Direito”. Segurança que, se levada em sua forma literal, afastará toda e qualquer forma de mudança necessária para acompanhar a dinâmica do mundo eco-nômico.

Moncada é taxativo e afirma que “da imperfeição da lei resulta que ela não pode prever tudo”6. Nesse sentido, permite-se a possibilidade de que novos institutos jurídicos possam atender àquelas situações até então não definidas pela lei. E é exatamente aí que entram as agências regula-doras.

A lacuna para solucionar problemas de ordem técnicas não pode ser suprida pelo Legislativo ou por meios jurídicos se estes não dispõem de ar-cabouço de cunho técnico e específico, de modo a resolver conflitos com economicidade de tempo e, sendo assim, com eficiência.

3 SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 27.4 Idem, p. 47.5 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 22.6 MONCADA, Luís S. Cabral de. Ensaio sobre a lei. Coimbra Editora, 2002. p. 15.

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O conceito de eficiência pode ser definido, nas palavras de Costodio Filho, por meio de dois sentidos, por ser esta tida como uma palavra am-bígua:

[...] optando-se pelo sentido comum, o princípio da eficiência significaria ao agente administrativo a obrigação de satisfazer as necessidades dos cida-dãos (consecução dos fins), com presteza e da maneira menos dispendiosa possível para a Administração (otimização dos meios). Aqui, eficiente seria a Administração que obtivesse os resultados que dela se esperam, pelo menor custo e no melhor tempo. Por outro lado, preferindo-se o sentido científico, o princípio da eficiência imporia ao agente administrativo somente o de-ver de se preocupar com o ótimo cumprimento de metas. Nessa hipótese, Administração eficiente seria aquela que utilizasse os recursos disponíveis racionalmente, com economicidade, mas descomprometida com a questão de metas e resultados, pois metas e resultados não se incluem na acepção científica de eficiência.7

A Emenda Constitucional nº 19/98, que trata de importantes modifi-cações na seara administrativa, segundo Lehfeld, parece ter adotado o sen-tido comum e explica que:

Parece que o princípio da eficiência proposta pela emenda constitucional aproxima-se ao sentido comum, pois não faz distinção entre eficiência (ava-liação quanto aos meios e procedimentos) e eficácia (avaliação dos resulta-dos obtidos). Hely Lopes Meirelles ratifica esse posicionamento ao afirmar que a eficiência como critério a ser avaliado na atuação da Administração Pública, exige presteza, perfeição e rendimento funcional.8

Inserindo-se o aspecto constitucional, os princípios que blindam to-das as ações da Administração Pública devem ser obrigatoriamente obser-vados, por serem tidos como norma constitucional e, assim sendo, de apli-cação imediata e eficácia plena.

Isso significa que todas as medidas sejam respaldadas por tais prin-cípios, mesmo em detrimento dos dogmas estabelecidos para o que venha a se chamar coisa pública. Aqui se coaduna com perfeição os dizeres de Gomes Canotilho:

Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.

7 COSTODIO FILHO, Ubirajara. A Emenda Constitucional nº 19/98 e o princípio da eficiência na administração pública. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27, p. 212, abr./jul. 1999.

8 LEHFELD, Lucas de Souza. Controle das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p. 211-212.

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É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucio-nais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje, sobretudo, invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reco-nheça maior eficácia aos direitos fundamentais).9

A teoria da tripartição dos poderes nasce com o intuito de reter o po-der absolutista10. E cumpriu essa necessidade naquele momento.

O impasse é revelado sobre o fato de que as agências reguladoras pa-recem extrapolar o seu campo de atuação, pela elaboração de normas que, à primeira vista, presumem perpassar as prerrogativas do Poder Legislativo. Sob essa ótica, também parece incitar o princípio da tripartição dos poderes. Configura-se, então, a temática a ser abordada neste trabalho.

É nesta perspectiva que se tenta desvelar a legalidade das atividades das agências reguladoras. O método empregado neste trabalho foi embasa-do pela metodologia de análise qualitativa, o qual é bastante utilizado no campo das ciências sociais, com métodos de abordagem hipotético-deduti-vos de caráter descritivo e analítico.

1 DO PRINCÍPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

Torna-se imprescindível a linha de pensamento de Nelson Saldanha quando se refere à mudança de concepções que promovem o desencade-ar de uma nova estrutura no ordenamento político, de modo que estas se amoldam e evoluem com os acontecimentos sociais e preconiza que:

O advento de um Estado que, sem perder os caracteres já dados pelo ab-solutismo ao “Estado moderno” reforçou em sua estrutura o lado jurídico, adotando com forma jurídica imposta através de uma lei fundamental forma-da de limitações e garantias, pôs as condições para a eclosão de um novo pensamento constitucional.11

9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. p. 1224.

10 “A separação e interdependência não é um esquema constitucional rígido mas apenas um princípio organiza-tório fundamental. Como tal, não há que perguntar pela sua realização estrita nem há que considerá-lo como um dogma de valor intemporal. Devemos perspectivá-lo como princípio histórico (K. Hesse) ‘em contacto’ com uma ordem constitucional concreta. Como princípio constitucional concreto, o princípio da separação articula-se e combina-se com outros princípios constitucionais positivos (princípio de governo semipresiden-cialista ou de regime misto parlamentar-presidencial, princípio da conformidade dos actos estaduais com a Constituição, princípio da participação).” (Cf. idem, p. 556-557)

11 SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 3.

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Inicia-se um incremento dos princípios no ordenamento jurídico, com a finalidade de resguardar os direitos sacralizados e inerentes à digni-dade da pessoa humana. Com isso, o mesmo autor prossegue e desvela a questão de que:

Uma série de princípios, dentro da tendência especulativa que dominou o setecentos, ocupou desde então o mundo jurídico, a começar do significati-vo “princípio da legalidade”, bastante ligado à justiça penal por causa inclu-sive da influência de Beccaria, mas em verdade presente em todos os ramos dos ordenamentos.12

Inserindo neste contexto o princípio da tripartição dos poderes, tem--se o mesmo como componente basilar da Constituição juntamente com a ideia de garantias de direitos, segundo informa Nelson Saldanha13.

Os primeiros passos do princípio da tripartição dos poderes estão in-trinsecamente ligados aos principais acontecimentos envolvendo as ideias liberais, e está caracterizado nas palavras de Paulo Bonavides14: “Estado constitucional da separação de poderes aquele que surgiu imediatamente após as duas grandes revoluções da segunda metade do século XVIII: a Revolução da Independência Americana e a Revolução Francesa”.

O pensamento do autor se desenvolve partindo da perspectiva de que:

A filosofia política, expendida em livros do quilate do Contrato Social de Rousseau ou do Espírito das Leis de Montesquieu, teve na época sentido sub-versivo, porquanto, inspirando a ação revolucionária, traçou a linha-mestra das mutações profundas da sociedade. Foi, sobretudo, o breviário do novo credo, a cartilha por onde rezaram os constituintes de 1791 e 1793, depois de escreverem, iluminados das lições de tão sábios preceptores, a célebre Declaração dos Direitos do Homem.15

E declara que:

Ali, no nº 16 do texto imortal, o gênio dos teoristas da liberdade elabo-rou a fórmula da divisão de Poderes, decretando em todas as Constitui-ções que a consagravam o termo dos regimes absolutos de competên-cias ilimitadas.16

12 Idem, p. 23. 13 Idem, p. 76.14 BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 41.15 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 42.16 Idem, ibidem.

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Nasce, assim, o princípio que será alvo de muitas controvérsias desde a sua real efetividade como desencadeador de uma separação perfeitamente delineada de poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou sepa-ração de funções dentro de tais poderes.

Dalmo de Abreu Dallari expôs a discussão acerca da polêmica so-bre os liames entre poder e função do Estado. O autor enriquece o tema e dispõe:

Embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns autores desvirtuaram para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível. É normal que haja muitos órgãos exercendo o poder sobe-rano do Estado, mas a unidade do poder não se quebra por tal circunstância. Outro aspecto a considerar é que existe uma relação muito estreita entre as ideias de poder e de função do Estado, havendo mesmo quem sustente que é totalmente inadequado falar-se numa separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções. Assim, por exemplo, Le-roy-Beaulieu adota esta última posição, indo até mais longe, procurando de-monstrar que as diferentes funções do Estado, atribuídas a diferentes órgãos, resultaram do princípio da divisão do trabalho. Diz ele que foi esse princípio, inconscientemente aplicado, que fez passarem ao Estado certas funções que a sociedade exercia instintivamente e que o Estado organiza com reflexão.17

A liberdade pautou o pensamento de Montesquieu18 em sua re-flexão no que concerne a tripartição dos poderes. Este aspecto foi ob-servado por Eros Grau que aduz que “a ‘separação dos poderes’ é, em Montesquieu19, um mecanismo imediatamente voltado à promoção da li-berdade do indivíduo”20. Afirma ainda que:

17 DALLARI, Dalmo, de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 214-215.18 “É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste em se

fazer o que se quer. Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer. [...] Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam este poder.” (MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. Trad. Antonio Lázaro de Almeida Prado. Coleção Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 74)

19 “O princípio da separação de poderes, de tanta influência sobre o moderno Estado de direito, embora tenha tido sua sistematização na obra de Montesquieu, que o empregou claramente como técnica de salvaguarda da liberdade, conheceu todavia precursores, já na Antiguidade, já na Idade Média e tempos modernos. [...]. Distinguira Aristóteles a assembléia-geral, o corpo de magistrados; e o corpo judiciário; [...].” (BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 146) “Toda Cidade tem três elementos, cabendo ao bom legislador examinar o que é mais conveniente para cada constituição. Quando essas partes forem bem ordenadas, a constituição será bem ordenada, e conforme diferem umas das outras, as constitui-ções também diferem. A primeira dessas partes concerne à deliberação sobre assuntos públicos; a segunda, às magistraturas: qual deve ser instituída, qual deve ter sua autoridade específica e como os magistrados devem ser escolhidos; por último, relaciona-se a como deve poder judiciário.” (ARISTÓTELES. Política. Trad. Pedro Constantin. 5. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. p. 170).

20 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 226.

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O que importa verificar, inicialmente, na construção de Montesquieu, é o fato de que não cogita de uma efetiva separação de poderes, mas sim de uma distinção entre eles, que, não obstante, devem atuar em cima de equilíbrio. Isso fica bastante nítido na análise de outro trecho de sua obra: “Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. O corpo Legislativo sendo composto de duas partes, uma paralisará a outra por sua mútua facul-dade de impedir. Todas as duas serão paralisadas pelo Poder Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes três poderes deveriam for-mar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a caminhar, serão forçados a caminhar de acordo” (1973/161).21

Destarte, em uma visão ampla, se deduz que nem mesmo aquele tido como o mais famoso pensador da teoria da separação dos poderes almejou afastar a convivência harmônica dos poderes do Estado.

1.1 neCessiDaDe De miTigação Da Teoria Da TriparTição Dos poDeres

A teoria da tripartição dos poderes foi um dos elementos chaves do Estado Liberal. A questão que nos apresenta, hoje, é saber como o presente princípio, elegido a condição de pressuposto de existência de uma Consti-tuição, segundo a Declaração dos Direitos do Homem, se redimensiona na estrutura estatal presente.

Vale ressaltar, de antemão, que não se questiona a importância do presente princípio, pois isso é inegável, sendo descoberto em seu tempo (século XVIII) como forma de protesto ideológico do liberalismo político contra o absolutismo monárquico22. Sem dúvida, a teoria da tripartição dos poderes foi uma das alavancas da liberdade contemporânea, o paradigma das constituições contra os arbítrios estatais, sendo um marco para o cons-titucionalismo democrático23.

Entretanto, a obediência a esse princípio em tela, segundo os moldes nos quais foi constituído, nos dias atuais, constitui uma verdadeira contra-

21 Idem, p. 230.22 Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Legalidade e regulamentos no direito contemporâneo. Uma análise doutri-

nária e jurisprudencial. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, p. 287, out./dez. 2002.

23 “A separação foi historicamente necessária quando o poder pendia entre governantes que buscavam recobrar suas prerrogativas absolutas e pessoais e o povo que, representado nos parlamentos, intentava dilatar sua esfera de mando e participação na gerência dos negócios públicos.” (BONAVIDES, Paulo. Ciência política, p. 157)

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dição na busca da efetividade24 dos direitos de cunho social, tolhendo o desenvolvimento de instituições sócio-democráticas25.

Corrobora com a afirmação retro o pensamento de José Afonso da Silva:

Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A amplidão das atividades do estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da se-paração de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos Legis-lativo e Executivo e destes com o Judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é a característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos De-putados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes.26

A separação dos poderes é técnica em declínio, em face da necessi-dade de novos requisitos para o equilíbrio político e da acomodação de es-quemas políticos que não mais se coadunam com o formalismo na proteção dos direitos individuais, conforme a finalidade do Estado Liberal27.

Atente para o fato de que a teoria da divisão dos poderes é uma ideia, e, como tanto, sua concretização varia de ordenamento jurídico para or-denamento jurídico, variando sua estrutura em face do momento histórico, aferindo que não há uma separação de poderes, mas sim várias separações de poderes.

Em verdade, retirando feição sacramental desse princípio em questão, sua essência material resume-se em uma “divisão das atribuições do Estado

24 Gustavo Binenbojm fala sobre o apogeu das agências reguladoras no EUA, em momento subsequente a grande depressão: “além disso, os reformadores acreditavam que o sistema de tripartição dos poderes e de freios e contrapesos gerava disputas políticas entre facções que impediam os servidores públicos de servir ao interesse público de médio e longo prazo” (BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. In: ______ (Coord.). Agências reguladoras e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 91-92).

25 “Desde porém que se desfez a ameaça de volver o estado ao absolutismo da realeza e a valoração política passou do plano individualista ao plano social, cessaram as razões de sustentar, em termos absolutos, um princípio que logicamente paralisava a ação do poder estatal e criara consideráveis contra-sensos na vida de instituições que se renovam e não podem conter-se, senão contrafeitas, nos estreitíssimos lindes de uma técnica já obsoleta e ultrapassada.” (BONAVIDES, Paulo. Ciência política, p. 157) “Em geral, pode-se afirmar que o princípio constitucional da separação dos Poderes, consagrado como cláusula pétrea no art. 60, 4º, III, da Carta de 1988, deve assumir uma ‘noção menos mitificadora e mais pragmática’, pois convive com outros princípios com os quais pode colidir.” (KRELL, Andreas J. Leis de normas gerais, regulamentação do Poder Executivo e cooperação intergovernamental em tempos de Reforma Federativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 71-72)

26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 109.27 “É necessário ter em mente que a teoria da tripartição de poderes nunca chegou a ser aplicada de modo homo-

gêneo nem em termos radicais.” (JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 344)

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entre órgãos distintos, ensejando uma salutar divisão de trabalho e um em-pecilho à historicamente perigosa concentração de poderes”28.

Nesses termos, fica impossível concluir que os três órgãos-poderes só possam exercer uma das três funções e mais, de que todas as funções do Estado devam subsumir a apenas uma destas três funções estatais esculpidos na teoria da separação dos poderes29.

Paulo Bonavides assim se posiciona:

O princípio perdeu pois autoridade, decaiu de vigor e prestígio. Vemo-lo presente na doutrina e nas Constituições, mas amparada com raro proseli-tismo, constituindo um desses pontos mortos do pensamento político, in-compatíveis com as formas mais adiantadas de progresso democrático con-temporâneo, quando, erroneamente interpretado, conduz a uma separação extrema, rigorosa e absurda.30

Constata o início do processo de desvalor desse princípio quando houve a necessidade do Estado em intervir na economia e no meio social, no intuito de corrigir as contradições do capitalismo.

Essa nova realidade social e econômica, na qual exige a criação de novos direitos (sociais e metaindividuais), entram em choque com o mode-lo político do século XVIII, vindo a impedir a concretização desses novos direitos, o que vem por ensejar um processo adaptativo do princípio da separação dos poderes em face da nova conjuntura fática.

Veja que os objetivos dos Estados são constantemente revistos, ree-laborados, harmonizados entre si, o que enseja projeções de modelos de ordenações e planejamentos referente às ações políticas internas e externas, o que permite constatar que as diretrizes estatais vão muito além da mera execução de leis pelo governo, extrapolando o esquema de legislação, ju-risdição e execução31.

Salienta Paulo Bonavides32:

28 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Legalidade e regulamentos no direito contemporâneo. Uma análise doutrinária e jurisprudencial. Op. cit., p. 286.

29 Idem, ibidem.30 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, p. 157-158.31 Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Legalidade e regulamentos no direito contemporâneo. Uma análise doutri-

nária e jurisprudencial. Op. cit., p. 287.32 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1983. p. 65.

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Será em vão todo esforço que buscar outra diretriz para elucidar os rumos presentes do constitucionalismo moderno, respeitante ao sistema em que se apoia a técnica de distribuição de poderes.

No entanto, essa oscilação política para a igualdade, que em nosso século é sobretudo oscilação de cunho social e econômico, revela-se como antino-mia perante a liberdade clássica, que o século XVIII conheceu.

Complementa tal ilação de Paulo Bonavides, a afirmação de Eros Grau33: “A separação dos poderes constitui um dos mitos mais eficazes do Estado Liberal, coroado na afirmação, inscrita no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem34 [...]”.

De tal maneira, a vitória da teoria da tripartição dos poderes, seduto-ra, decorrente da opressão política do absolutismo, não vislumbrada pelos teóricos da época, visto que a contradição da divisão de poder expunha a fragilidade do princípio básico da soberania, onde uma das duas caracterís-ticas, prelecionadas por Jean-Jacques Rousseau, era a sua indivisibilidade.

Atente que, apesar da sua importância como meio de quebrar as bar-reiras do antigo regime, a divisão dos poderes consubstanciou os ideais do liberalismo de limitação máxima dos fins do Estado. Fins estes alargados pelo Estado Social e, posteriormente, em sua evolução, pelo Welfare State, onde se começou a teorizar sobre os meios de correção da fragilidade em que vivia a soberania.

Nos dias atuais, se busca abandonar expressões como separação e divisão do poder para fazer uso, a saber, de distinção, coordenação e cola-boração.

Há teóricos constitucionalistas que não utilizam mais a expressão po-der, e sim função. Sem dúvida, denota maior adequação aos fins, atuais, do Estado, estendidas a um maior número de responsabilidades econômicas e sócias, o que vem por desconfigurar sua base formalista e meramente tu-telar, convertendo em elementos de cunho material consubstanciando um novo conceito de Estado.

Assevera Miguel Reale:

33 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 225.34 “Art. 16. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação

dos poderes não tem Constituição. (Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 26 de setembro de 1789)”

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[...] hoje em dia poucos se mantêm apegados ao dogma da divisão dos po-deres, e a nossa história constitucional nos dá um exemplo característico das modificações sofridas pela doutrina, desde a sua primeira formulação clássi-ca até a Constituição Federal vigente, na qual a divisão de poderes soberanos não tem mais o valor de um princípio essencialmente destinado à garantia das liberdades individuais, mas antes um valor pragmático de uma distribui-ção de funções, de uma simples aplicação da lei da divisão do trabalho no setor das atividades políticas.35 (grifos nossos e do autor)

Ao examinarmos atentamente os mecanismos constitucionais atuais, sem dúvida, muitas técnicas foram utilizadas para atenuar as insofismáveis desmedidas da teoria da tripartição dos poderes.

Indubitavelmente o sistema de freios e contrapesos constitui uma dessas técnicas, o qual tem por fito proporcionar instrumentos para que os poderes possam realizar controles recíprocos no intuito de evitar abusos36.

Seria exemplo dessa técnica de equilíbrio os vetos e mensagens exis-tentes na relação do Executivo com o Legislativo; hipóteses de iniciativa de lei exclusiva do Executivo; o instituto do indulto, do qual faz uso o Executi-vo interferindo nas medidas de cunho penal do Poder Judiciário; a nomea-ção de certos cargos públicos feitas pelo Executivo, a qual necessita da sa-batina do Poder Legislativo; o Legislativo, que, em função de certos crimes, perpetrado por certas autoridades, faz-se de tribunal; entre outras situações.

Constata-se que, com esse sistema, muitas portas foram abertas nas relações entre os poderes, quebrando aquela ideia de atuação estanque de cada poder, como preconizado na realidade do Estado Liberal.

Georg Jellinek37, citado na obra de Paulo Bonavides, aponta que a te-oria da tripartição dos poderes tinha cunho meramente político, sendo uma contradição frontal a unidade e indivisibilidade do poder estatal38.

35 REALE, Miguel. Teoria geral do direito e do estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 352.36 “A teoria da separação dos poderes, entretanto, não resolve de forma absoluta – nem sequer poderia – o

delicado problema do equilíbrio, entre os ‘poderes’ do Estado. Deveras, como é sabido, cada Poder exerce sua função própria, não com exclusividade. Cada Estado, por intermédio de sua Constituição e de seu sistema de governo deve encontrar a solução que melhor implemente o princípio e a teoria dos checks and controls. Sabemos também, que a produção normativa, em sentido amplo, hoje é compartilhada. Não é só afeta ao Po-der Legislativo. Já a Administração cabe ao Executivo apenas quando encarada em sentido estrito.” (MAZZA, Alexandre. Agências reguladoras. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 53).

37 Apud BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p. 65.38 “[...] a organização de Poderes do constitucionalismo clássico, fundada na supremacia da lei e do órgão

legislativo, apresenta um defeito irremediável, qual seja, a ausência de um órgão de impulsionamento da ação estatal. Rompendo com o esquema constitucional consagrado, o Poder Executivo assumiu, em todos os países, essa função natural de liderança, tornando-se, de fato, o principal Poder.” (Cf. COMPARATO, Fábio Konder. A organização da função planejadora. In: CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas (coord.). Desenvolvi-

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Tal divisão do poder teve por consequência a fundação do Estado Constitucional e a organização do Estado Federal. Atente como preleciona-da Heidelberg39 a confusão que se faz entre soberania e poder estatal, isso fruto de interpretações equivocadas da obra de John Locke e Montesquieu40.

No Estado Constitucional, vislumbra-se a corporificação da soberania como órgão de Estado. Na perspectiva moderna da organização federal do Estado não se confere soberania a determinado órgão, prevalecendo a uni-dade do poder estatal.

George Jellinek41, ao analisar o Estado Jurídico, afirma que a unidade do poder é preservada na obra de Jean-Jacques Rousseau, pois a soberania, que antes pertencia ao rei, passou a se apoiar na vontade geral, ou seja, fora transferido ao povo, tendo, assim, o fito da democracia.

Conclui, assim, o filósofo genebrês42 que o constituinte francês na Declaração dos Direito dos Homens absteve-se em levar às últimas con-sequências a divisão dos poderes, resolvendo instituir o Poder Legislativo como órgão capaz de concentrar todos os poderes.

De tal forma, o princípio da soberania é preservado, tendo em seu cerne o povo, conferindo à divisão dos poderes uma importância secundá-ria e relativa.

Portanto, temos, assim, a unidade política do poder intacto, tendo por fonte primária o povo. Não se pode falar em divisão de poderes, pois esse não se subdivide, seja subjetivamente ou na atividade, o que se divide é o objeto do poder, se muito, há divisão é de competência43.

Diversos autores aferem que a principal consequência da desmistifi-cação inexpurgável do princípio da tripartição dos poderes é o surgimento de órgãos auxiliares aos ditos poderes supremos, onde muitos possuem pre-visão até mesmo constitucional. Avalia-se que a outorga de funções norma-

mento econômico e intervenção do estado na ordem constitucional – Estudos jurídicos em homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. p. 81)

39 Apud BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p. 65.40 “[...] há de ser ressaltado que a chamada divisão de poderes não se confunde, sobretudo no Estado de Direito

democrático, com uma divisão do poder do Estado. Uma fragmentação do poder estatal, ou seja, uma orga-nização jurídica baseada em princípios diferenciados, afigura-se inimaginável. Já para Locke e Montesquieu não se cuidava de uma divisão do poder estatal, mas de uma distribuição do seu exercício entre diferentes órgãos, independentes entre si.” (Cf. KIMMINICH, Otto. Jurisdição constitucional e princípio da divisão de poderes. Material da 3ª aula da disciplina Direito Constitucional: noções fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – Unisul/IDP/REDE LFG. p. 7)

41 Apud BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p. 66.42 Idem, ibidem.43 Idem, p. 67.

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tivas a órgãos além da administração central, no Estado Moderno do século XX, tornou-se um fenômeno universal, no qual sua prática vai avolumando--se cada vez mais44.

Conceber a divisão dos poderes em um sistema ideal de distribuição de poderes entre entidades e órgãos mascara o fato de que o mesmo é per-meado por um valor de meios e não de dogma, o que, todavia, permite a concepção de exceções ao princípio em questão45. Ou seja, sempre que o interesse geral, a priori, justifique a necessidade de outorga de funções a órgãos auxiliares e independentes, em nada comprometerá esse princípio46.

Alexandre Aragão47 conclui em definitivo:

[...] se relativizada a ideia “clássica” e absoluta de separação dos poderes, o amplo poder regulamentar dos órgãos e entidades da Administração Públi-ca em nada contraria a divisão de funções estabelecida pelas constituições contemporâneas e os valores do Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da admissibilidade não do exercício de distintas funções estatais pelo mesmo órgão-Poder [...] Em outras palavras, não serão as acu-mulações de poderes sempre constitucionais, mas, certamente o serão, se privilegiarem os valores do estado de Direito.

Concordamos com Paulo Bonavides48 quando afirma que, na conjec-tura atual, não se necessita mais lutar pela liberdade contra a ação do Esta-do, mas sim encontrar a liberdade no Estado, apresentando-se, de tal forma, obsoleta a teoria da divisão dos poderes, bem como a hipertrofia dos fins es-tatais, como já demonstra a história, isso nos levará a regimes totalitaristas.

O autor, retro, nos brinda com a sua opinião de como obter a liberda-de no Estado, tendo por base um sistema de governo parlamentarista:

44 Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, p. 375.

45 “E certo também, corno mencionado, que tais funções não são, no Estado contemporâneo, exercidas com exclusividade por cada um dos chamados ‘Poderes’. Assim, apresentam-se como ‘exceções’ ao princípio, exemplificativamente, no caso brasileiro: (i) o Legislativo julga (em caso de impeachment, o Senado Federal exerce a função de processar e julgar o Presidente da República em crimes de responsabilidade, bem corno Ministros de Estado e comandantes das forças armadas em crimes de mesma natureza conexos com o do Presidente, cfr. art. 52, I da Constituição); (ii) o Judiciário (corno todos os outros Poderes) exerce funções administrativas (art. 96, I, da Constituição); (iii) e - o que é mais relevante para este estudo – o Executivo legisla (através de Medida Provisória – MP, cfr. art. 62, da Constituição, e regulamentos, art. 84, IV e VI, da Constituição).” (CYRINO, André Rodrigues. O poder regulamentar autônomo do presidente da República. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 36)

46 Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Legalidade e regulamentos no direito contemporâneo. Uma análise doutri-nária e jurisprudencial. Op. cit., p. 288.

47 Idem, ibidem.48 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p. 74.

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Em nossa humilde opinião, o sistema parlamentarista contemporâneo, que remove a pretensa incomunicabilidade dos poderes, que impõe a suprema-cia do Legislativo e constitui ordem qualitativamente superior de organiza-ção política do Estado, é o sistema que mais se compadece com a moderna proteção constitucional da liberdade, proteção que deixa de ser preponde-rantemente jurídica (democracia presidencialista) para se tomar política, dis-solvendo, contudo, a antinomia Estado-indivíduo.

O presidencialismo, mais afeiçoado ao liberalismo e amparado em técnica rígida de separação de poderes, afigura-se-nos método que retarda dificulta aquela passagem do humano ao social, que já se opera irreversivelmente no Estado contemporâneo [...]

Desconhecer essa realidade e ater-se a formas obsoletas e ineptas, amor da tradição, como no caso da clássica teoria da separação de poderes, significa cerrar os olhos às novas perspectivas que o constitucionalismo deste século, com a propagação do sistema parlamentarista (no aspecto vertente igual à vinculação de poderes e hegemonia do Legislativo) oferece aos povos empe-nhados em transpor democraticamente a crise do Estado moderno, transição do individualismo ao socialismo.49 (grifos nossos)

Esse excerto da obra de Paulo Bonavides demonstra como a teoria da tripartição dos poderes se configura de forma diversa, em face da orga-nização política. Em decorrência da apropriação pela função administrativa em reputar as escolhas do que seria o interesse público, passou ao Poder Executivo a competência de eleger as políticas e os fins concretos50.

Tendo em vista essa apropriação é que Paulo Bonavides afirma que o sistema Parlamentarista é o mais adequado, pois a atividade do chefe de governo encontra-se constantemente fiscalizada pelo Poder Legislativo, onde aspirações incompatíveis com o interesse na Nação vêm gerar a des-tituição do primeiro-ministro. Já no sistema Presidencialista, o processo de destituição do presidente é extremamente complexo e burocrático, o que dá margem a uma alta autonomia ao presidente em relação às escolhas para Nação, não havendo instrumentos para o devido controle, o que gera a per-sonificação do poder na figura do mesmo51.

49 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social, p. 75.50 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 351.51 Idem, p. 352.

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2 ESCOPO HISTÓRICO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

A tendência para uma regulação de um poder sobre outro começou a se difundir desde o século XVII, como já previa “o regime da common law inglês comportava instrumentos para fiscalização e repressão de atos indevidos praticados tanto por particulares como por servidores da Coroa”, relata Justin Filho52.

A agência reguladora tem como origem a Inglaterra da Primeira Revo-lução Industrial do século XIX, criada pelo Parlamento inglês, e tinha como finalidade concretizar medidas previstas em lei ou decidir eventuais contro-vérsias resultantes dessa lei, mas tem o seu completo desenvolvimento nos EUA. Traz consigo resquícios do regime britânico, quanto aos aspectos do direito administrativo, porque os EUA foram colônia inglesa e, como tal, muito herdou.

Os fins são o escopo da delegação de poderes para as agências regu-ladoras. O new Deal e a “primeira onda”53 das agências provocaram uma alteração da common law, nos EUA, dentro do contexto da crise de 1929.

Verificou-se que a common law era omissa no que se referia aos direi-tos sociais e uma pluralidade de interesses privados (identificados como os direitos difusos e coletivos). Na “segunda onda”54, nos anos de 1960 e 1970, reconheceu-se que o mercado era insuficiente para produzir aqueles resul-tados tidos como desejados e necessários à realização axiológica. A inter-venção veio, desse modo, a eliminar os efeitos indesejados do livre jogo das forças de mercado. A partir de então, surgirão inúmeras agências, para as mais variadas atividades, de acordo com o aparecimento das necessidades.

Lehfeld55 relata o ensinamento de Heich, que assevera que o Estado brasileiro passa por três diferentes fases no decorrer do século XX.

A primeira, denominada de pré-modernidade, caracteriza-se por ter um Estado com reduzida funcionalidade, pautado na segurança, nos servi-ços públicos essenciais e na prestação jurisdicional.

52 É importante acrescentarmos que “a experiência acerca da regulação foi intensamente desenvolvida após a independência dos EUA, mas isso se deu a partir de uma tradição largamente conhecida no período anterior, durante a dominação inglesa” (idem, p. 70).

53 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 78.54 Idem, p. 79. 55 De acordo com Lehfeld, há, nesse período, diversas rupturas com estruturas jurídicas e políticas oriundas

do Estado liberal e do Welfare State, devido a intensificação do processo de globalização, da revolução das comunicações e da tecnologia, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo (LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 226).

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Na segunda, modernidade, o Estado avoca determinadas funções econômicas, incorporando o fomento do desenvolvimento econômico, ati-vidades sociais de cunho distributivo. Essa fase promove o fortalecimento dos direitos sociais, no que se refere a emprego, condições mínimas de trabalho e suas garantias trabalhistas.

Na última fase, pós-modernidade ou contemporânea, verifica-se a ineficiência generalizada do Estado, marcada pela obsolescência industrial, morosidade nas respostas às necessidades sociais, desperdício de recursos públicos, excesso de burocracia e corrupção na coisa pública.

É neste contexto que surgem, no Brasil, as agências reguladoras, a partir da década de 1990, iniciando-se com a privatização de áreas estraté-gicas, de monopólio do Estado, bem colocado por José Bonifácio de Souza Filho56:

A evolução mundial ocorrido principalmente nos anos 1980 e 1990 levou países, a começar pela Inglaterra e os estados Unidos, a delegar à iniciati-va privada as tarefas relativas aos serviços públicos [...] O Estado prestador de serviços públicos deve ser substituído pelo Estado regulador. A iniciativa privada deve assumir o papel do estado prestador de serviços públicos, mas deve haver uma regulação eficiente por parte do Estado.

A grande problemática se estabelece quando se circunscreve o âmbi-to de atuação das agências reguladoras.

3 AS AGÊNCIAS REGULADORAS E SUA ADEqUAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Celso Antônio Bandeira de Melo defende que “se interdita ao Executi-vo expedir decretos e regulamentos senão para executar fielmente a lei”57 e dentro do contexto da Constituição de 1988 afirma que “de nada adiantaria os arts. 5º, II, e 84, III, se, ulteriormente, o legislador pudesse entregar de mão beijada, a esfera da liberdade e da propriedade dos administrados para ser disciplinada por via de regulamento”58.

Sem menosprezar a defesa do eminente jurista, o presente trabalho defende posição contrária à sua, pois, conforme Sundfeld, “no Brasil o de-

56 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (Org.). O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 62.

57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “Poder” regulamentar ante o princípio da legalidade. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, n. 72-78, p. 72, 1993.

58 O autor é peremptório e em outros trabalhos já defendia que “a legalidade na administração não se resume à ausência de oposição à lei, mas pressupões autorização dela, como condição de sua ação” (idem p. 76).

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bate é, em essência, o mesmo, embora se deva observar que para mui-tas medidas a Carta de 1988 estabeleceu uma reserva legal, que há de ser observada”59.

Moncada observa uma questão intrigante, no que diz respeito à lei em si, elaborada pelo Legislativo, em sua análise, e afirma que há razões para desconfiarmos da lei do ponto de vista do Direito:

É que a qualidade da lei é cada vez menor. Preocupada com a eficiência das medidas que corporiza, inserida em estratégias políticas partidárias e cada vez mais elaborada fora do quadro do contraditório parlamentar, à mercê, portanto, dos grupos de interesses e dos arrivistas, a lei é amiúde um texto que deixa a desejar do ponto de vista da sua qualidade normativa.60

Ainda, o mesmo autor afirma que “tudo se conjuga hoje, efectiva-mente, para que a lei parlamentar deixe de ser o centro da ordem jurídica”61. É a transferência para o Poder Executivo de capacidades normativas, so-frendo estas apenas intervenções parlamentares no que se refere a acertos e acrescentamentos a propostas de lei de autoria estranha. E acrescenta que isto se refere a um “pluralismo legislativo, característico do actual estado de coisas, não beneficiou, como não podia deixar de ser, o parlamento”62.

Após essas colocações do posicionamento de Moncada, insere-se uma problemática acerca das agências reguladoras como um ente que, a partir de suas atividades, é, por alguns, tida como entidades que ferem a tripartição dos poderes, e que julgam que estas seriam um quarto poder, ferindo assim os preceitos constitucionais.

Lehfeld sai em defesa das agências reguladoras e constata em sua análise que “o fundamento das competências legislativa e jurisdicional des-sas entidades reguladoras somente se concebe a partir de uma evolução interpretativa da Teoria da Separação dos Poderes”63. E acrescenta corro-borando com a ideia de que as complexidades sociais e o incremento das atividades do Estado em prol do bem-estar fazem com que:

[...] a concepção clássica consagrada na obra de Montesquieu não mais se mostra suficiente para compreender sua dimensão neoliberal, especialmente

59 SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Op. cit., p. 28.60 MONCADA, Luís S. Cabral de. Op. cit., p. 6.61 Idem, p. 95.62 Idem, p. 96.63 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 164.

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no que diz respeito à sua presença reguladora em setores privados por meio de suas agências.64

A tentativa de se manter uma inflexível teoria da tripartição dos pode-res, assim como foi pensada em Aristóteles65, revisada por Locke66 e desen-volvida por Montesquieu67, nos moldes atuais, não atende às necessidades da sociedade em seus aspectos político-econômicos, o que se reflete no olhar perspicaz de Alexandre Aragão:

Se o princípio da separação dos poderes sempre foi um preceito meramente ideal, nunca aplicado integralmente na letra e muito menos na prática das constituições, a democratização do Estado, com a sua crescente participação nas relações sociais e econômicas, acarretou uma considerável mudança do polo do poder do Legislativo para o “Executivo”.68

Na mesma linha, encontra a percepção de Gomes Canotilho, quando assevera no que diz respeito à instrumentalidade e flexibilidade no sistema jurídico do Estado Democrático de Direito, o qual é:

[...] um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess), traduzi-da na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitu-cionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concep-ções cambiantes da “verdade” e da “justiça”.

Prosseguindo ainda com Aragão, que ilustra seu posicionamento com relação à separação dos poderes:

A separação dos poderes foi concebida num momento histórico em que se pretendia limitar o poder do Estado e reduzir ao mínimo a sua atuação. Mas a evolução da sociedade criou exigências novas, que atingiram profunda-mente o Estado. Este passou a ser cada vez mais solicitado a agir, ampliando sua esfera de ação e intensificando a sua participação nas áreas tradicionais. Tudo isso impôs a necessidade com os modelos da separação de poderes. O Legislativo não tem condição para fixar regras sem ter conhecimento do que já foi ou está sendo feito pelo Executivo e sem saber de que meios este dispõe para atuar. O Executivo, por seu lado, não pode ficar à mercê de um lento processo de elaboração legislativa, nem sempre adequadamente con-

64 Idem, p.165.65 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 226.66 Idem, p. 227.67 Idem, p. 229.68 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico,

p. 64-65.

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cluído, para só então responder às exigências sociais, muitas vezes graves e urgentes.69

Incute a esse respeito a abordagem sobre a leitura da norma envolta do contexto ao qual se insere em um determinado momento. Assim, Garcia--Pelayo afirma que “cualquier norma está inserta y condicionada por una situación histórica, que no sólo da lugar a la creación de nuevas normas, sino que también otorga nuevo sentido a las existentes, penetrando de este modo en su contenido”70.

Com relação aos aspectos jurisdicionais, a análise é feita na possibi-lidade das agências reguladoras apaziguarem conflitos. Exalta-se a reflexão encartada em Conrado Mendes quando acolhe que:

Não é falsa a afirmação da existência de um poder de dirimir conflitos no universo de competências das agências. Isto, porém, de maneira alguma afasta o princípio básico determinante em nosso sistema político democráti-co, albergado pelo art. 5º, XXXV.71

Sundfeld apregoa que a repulsão se dá pelo fato de ser difícil para nós compreendermos e aceitarmos que o Judiciário não seja o único órgão para dirimir e solucionar os conflitos, e afirma:

O Judiciário, com a estrutura que lhe foi dada no século passado, não é capaz de conhecer de todos os conflitos decorrentes da vida moderna e das normas editadas para transformar em valores jurídicos os novos valores que foram sendo incorporados pela sociedade.72

As agências reguladoras atuam nos aspectos normativos e jurisdicio-nais, mas dentro de um certo limite, naquilo que é intangível ao Legislativo e ao Judiciário, por estes não possuírem conhecimentos específicos, de modo que promovem uma solução, ao caso concreto, de modo eficiente e célere.

A discussão acerca do tema é, há muito tempo, já debatida, nos as-pectos que envolvem a fidelidade à tripartição dos poderes, e, da mesma forma, já se defendia que essa teoria não é absoluta, como explicita Krell:

69 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, p. 102.

70 GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. Madrid: Manuales de la Revista de Occidente Bárbara de Braganza 12, 1957. p. 64.

71 MENDES, Conrado Hubner. Reforma do estado e agências reguladoras: estabelecendo os parâmetros de dis-cussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 131.

72 SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Op. cit., p. 31.

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Também entre os constitucionalistas da República de Weimar era forte a ideia de que a conquista da soberania popular no novo regime democrático era inconciliável com a vetusta teoria da divisão dos Poderes e teria levado a um “monismo parlamentar unificador de Poderes”.73

E acrescenta:

Já nos anos 1950 do século passado, Loewenstein afirmava que “nada mostra com mais clareza a superação da tradicional tripartite ‘separação dos pode-res’ do que a posição do governo no processo legislativo” ao qual o Execu-tivo estaria “ligado de forma inseparável”, sendo “quase obrigado a assumir a liderança na tomada de decisão política” e de “aceitar a responsabilidade pela execução das decisões tomadas, a qual, via de regra, também veste a roupagem da legislação”.74

O autor tem o cuidado para expurgar a velha concepção com o esco-po de se manter o mais puro atendimento ao princípio da tripartição dos po-deres a qualquer custo, o que é inviável em qualquer tempo, e assevera que:

A visão clássica de supremacia absoluta do Legislativo, muitas vezes, “torna dogma (ou até mesmo ideologia), o que faz com que alguns autores tentem vislumbrar questões atuais com as lentes do passado”, já que, em virtude do aumento da legitimidade democrática do Executivo pelo voto popular não pode ser mais tratado como se fosse “um grande mal para a humanidade”; no entanto, sempre devem ser respeitados os seus limites e efetivadas as formas de seu controle, para que “a liberdade dos particulares não seja cerceada pela tirania do administrador público”.

O argumento usado por Eros Grau, deduzido do pensamento de Montesquieu, é:

[...] de modo bastante nítido na exposição de Montesquieu – o que está implícito na postulação de Locke – visualizamos a necessidade de distin-guir entre poderes e funções. Para que o equilíbrio a perseguir seja logrado, impõe-se que o Poder Executivo exercite parcelas de função não executiva – mas legislativa.75

Encerram-se, assim, as discussões sobre o tema.

73 KRELL, Andreas J. Op. cit., p. 73.74 Idem, p. 72.75 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 233.

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DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

As agências reguladoras são uma necessidade para o modelo econô-mico-social estampado no mundo globalizado. As críticas são bem-vindas e sempre presentes no que é novo, na mudança, e contribuem para o alicer-çamento das entidades reguladoras.

As relações econômicas reclamam a instituição de normas regula-mentares mais céleres, específicas e concretas, o que vai de encontro ao primado do Poder Legislativo, em que sua produção é caracterizada pela dilação no tempo; são abstratas de forma a se moldar ao maior número de casos possíveis; e genéricas, contrariando a necessidade peculiar do mo-mento.

É prescindível pronunciar que as agências reguladoras se submetem ao devido processo legal.

Há um consenso no que diz respeito à ineficiência do Estado, no que concerne aos aspectos de atendimento eficiente à sociedade. É uníssono que o Estado é um mau prestador e gestor de serviços públicos e que foi incompetente, dentro de seus limites de recursos, de atender aos preceitos da nossa Carta Magna.

É a era do Estado Regulador, que põe fim ao Estado que realiza suas funções apenas por seus entes, ainda com a mente encravada no velho con-ceito de funcionalismo público, em que, sendo do Estado ou fornecido pelo Estado, qualquer coisa serve, e quem perde, como sempre, é o cidadão, a sociedade de modo geral.

Nesta perspectiva, se traduz a importância das agências reguladoras e sua convivência harmoniosa com a famigerada teoria da tripartição dos poderes, secularmente pensada e tão debatida nos tempos hodiernos.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaMandado de Segurança nº 17.536 – DF (2011/0215536‑7) Relator: Ministro Mauro Campbell MarquesImpetrante: Armando Mestre FilhoAdvogado: Ricardo Lasmar Sodré e outro(s)Impetrado: Ministro de Estado da JustiçaInteres.: União

emenTaPROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCI-PLINAR – PENA DE DEMISSÃO – ARTS. 117, XI E 132, IV E XI, DA LEI Nº 8.112/1990 – “OPE-RAÇÃO POEIRA NO ASFALTO” – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR – INO-CORRÊNCIA – INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 142, § 2º, DA LEI Nº 8.112/1990 – NULIDADE DA PORTARIA INSTAURADORA DO PAD – INOCORRÊNCIA – DESNECESSIDADE DA DESCRIÇÃO MINUCIOSA DOS FATOS – PRECEDENTES – USO DE PROVA EMPRESTADA – INTERCEPÇÃO TELEFÔNICA – POSSIBILIDADE – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓ-RIO E DA AMPLA DEFESA – JUNTADA DE SENTENÇA PENAL NA FASE DE PRONUNCIAMENTO DA CONSULTORIA JURÍDICA – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE – MERO REFORÇO ARGUMENTA-TIVO – EXISTÊNCIA DE PROVAS CONTUNDENTES DA INFRAÇÃO FUNCIONAL – SEGURANÇA DENEGADA

1. Pretende o impetrante, ex-Policial Rodoviário Federal, a concessão da segurança para anular a Portaria nº 759, de 03 de maio de 2011, do Ministro de Estado da Justiça, que lhe impôs pena de demissão do cargo público anteriormente ocupado, pelo enquadramento nas infrações disciplinares previstas nos arts. 117, XI e 132, IV e XI, da Lei nº 8.112/1990, sob o pretexto de que a pretensão punitiva está fulmi-nada pela prescrição, a portaria inaugural do PAD seria nula por não indicar o teor da acusação, a intercepção telefônica foi utilizada sem prova técnica, a ilicitude das interceptações telefônicas, a ocorrência de cerceamento de direito de defesa diante da juntada aos autos da sentença penal condenatória, sem que fosse oportunizado o direito ao contraditório e a inexistência de provas do ilícito.

2. É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que, nos termos do art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112/1990, o termo inicial do pra-zo prescricional da pretensão punitiva disciplinar do Estado inicia-se

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na data do conhecimento do fato pela autoridade competente para a instauração do PAD, ou seja, o prazo prescricional não se inicia com a mera ciência da irregularidade por qualquer servidor público, mas sim pela regular ciência da infração pela autoridade competente para a instauração do PAD. No caso de irregularidades funcionais cometidas por Policiais Rodoviários Federais o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva disciplinar é a data da ciência das irregularidades pelo Sr. Corregedor-Geral de Polícia Rodoviária Federal, na forma do que dispõe o art. 10, IV e VI, da Portaria MJ nº 3.741, de 15.12.2004.

3. O prazo prescricional iniciou-se em 20.03.2005, quando a auto-ridade competente para a instauração do PAD teve ciência do ilícito funcional em razão do recebimento pela Corregedoria-Geral da RFB do Ofício do Juízo Criminal, acompanhado da cópia da denúncia penal oferecida pela Procuradoria da República contra o impetrante e outros polícias rodoviários federais, vindo este prazo a ser inter-rompido com a publicação do primeiro ato instauratório válido, seja a abertura de Sindicância contraditória ou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, que in casu foi em 08.06.2005, median-te a Portaria nº 98, de 07 de junho de 2005, voltando a correr após 140 dias (art. 152 c/c art. 167, da Lei nº 8.112/1990), ou seja, em 26.10.2005.

4. Em regra é de 05 (cinco) anos o prazo prescricional em relação às infrações puníveis com demissão, a teor do disposto no art. 142, I, da Lei nº 8.112/1990, a pretensão punitiva estatal findar-se-ia, em tese, em 26.10.2010. Contudo, no caso dos autos, incide a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990, segundo a qual “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”, isto porque o impetrante também foi denunciado no âmbito penal, mais precisamente nos autos das Ações Penais nºs 2004.51.01.537117-0 e 2004.51.01.537118-1, em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, pela prática dos crimes de corrupção passiva qua-lificada (art. 317, § 1º, do Código Penal), advocacia administrativa (art. 321, parágrafo único, do Código Penal) e de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal), em concurso material (art. 69 do Código Penal), vindo a ser condenado à pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos e 01 (um) mês de reclusão/detenção e 49 (quarenta e nove) dias-multa, em regime semi-aberto, bem como à perda do cargo pú-blico, na forma do art. 92, I, do Código Penal.

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5. Considerando a existência de sentença penal condenatória ainda pendente de trânsito em julgado, aplica-se o prazo prescricional com base na pena em concreto fixada pelo juízo criminal, nos moldes da-quele entendimento firmado pela 5ª Turma do STJ no RMS 21.214/PR, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 29.10.2007, de modo que o prazo pres-cricional da pretensão punitiva disciplinar no presente casu é de 12 (doze) anos, na forma do inciso III do art. 109 do Código Penal, fin-dando-se apenas em 26 de outubro de 2017, de modo que a sanção foi aplicada em 04.05.2011, ou seja, antes de findo o prazo prescri-cional.

6. É firme o entendimento jurisprudencial no âmbito do STJ no senti-do de que inexiste nulidade no ato de instauração do PAD em razão da ausência de individualização dos atos praticados pelo investigado, já que a descrição minuciosa dos fatos se faz necessária apenas quan-do do indiciamento do servidor, após a fase instrutória, na forma do art. 161 da Lei nº 8.112/1990, e não na portaria de instauração ou na citação inicial. Precedentes.

7. É firme o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é admitida a utilização no processo administrativo disciplinar de “prova emprestada” devidamente autorizada na esfera criminal, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa, dis-pensada a realização de prova pericial.

8. Inexiste nulidade do PAD em razão da juntada de sentença penal condenatória apenas na fase de pronunciamento da Consultoria Jurí-dica, sem que fosse dado ciência ao impetrante, porquanto a senten-ça penal fora utilizada apenas como reforço de argumentação, como consideração extravagante para a capitulação das infrações discipli-nares já reconhecidas com base no relatório final do PAD. Prece-dentes.

9. Encontra-se devidamente comprovada a autoria e a materialidade delitiva diante do farto conjunto probatório, em especial das escalas de serviço, interrogatório pessoal, interceptações telefônicas, depoi-mentos de testemunhas, sentença penal condenatória, relatório final do PAD e do Parecer da Consultoria do Ministério da Justiça, lastrean-do com extrema legalidade a aplicação da pena demissória consubs-tanciada no ato coator, consoante bem destacou a autoridade coatora em suas informações.

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10. Precedentes análogos: MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 10.09.2014, DJe 15.09.2014; MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 20.03.2014.

11. Segurança denegada.

aCÓrDão

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:

“A Seção, por unanimidade, denegou a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

A Sra. Ministra Assusete Magalhães e os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Diva Malerbi (Desembargadora con-vocada do TRF da 3ª Região), Humberto Martins e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.

Brasília (DF), 13 de abril de 2016.

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

relaTÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator):

Trata-se de Mandado de Segurança Individual, com pedido de limi-nar, impetrado por Armando Mestre Filho contra ato comissivo do Exmo. Senhor Ministro de Estado da Justiça, consubstanciado na Portaria nº 759, de 03 de maio de 2011 (DOU de 04.05.201), que lhe aplicou pena de de-missão do cargo público de Policial Rodoviário Federal do Quadro de Pes-soal do Departamento da Polícia Rodoviária Federal, em razão da prática de infrações disciplinares tipificadas no art. 117, XI (“atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de be-

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nefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro”) e 132, inc. IV (“improbidade administrativa”) e XI (“corrupção”) da Lei nº 8.112/1990, com base nos fatos apurados no PAD 08650.002676/2005-16.

Narra o impetrante que: a) foi instaurado o PAD 08650.002676/2005-16, por força da Portaria nº 98, de 07.06.2005, oriundo da Operação “Poeira no Asfalto”, para apurar condutas irregulares de Policiais Rodovi-ários Federais, por suposto envolvimento em esquema de sonegação fiscal decorrente de comercialização ilícita de combustível, liberação irregular de veículos, omissão na fiscalização de veículos irregulares e repasse de informações sigilosas sobre operações de fiscalização; b) que foi indicia-do por ter infringido o disposto nos arts. 116, IX e 117, IX e XI, da Lei nº 8.112/1990; c) que a Comissão processante opinou pela aplicabilidade da pena demissória, no que foi acompanhada pela Consultoria Jurídica, e acolhido pela autoridade coatora.

Sustenta, em síntese: a) a prescrição da pretensão punitiva disciplinar; b) a nulidade da Portaria instauradora do PAD, diante do seu caráter genéri-co e imotivado; c) que a Comissão processante teria adotado a intercepção telefônica como prova isolada, ignorando e menosprezando outras provas, além de que não foram juntados aos autos a integralidade dos áudios da in-terceptação telefônica; d) a ilicitude da utilização das gravações telefônicas; f) a ocorrência de cerceamento do direito de defesa, porquanto a sentença penal foi trazida aos autos após o seu indiciamento, momento em que o Processo Administrativo se encontrava sob análise da Consultoria Jurídica, sem que lhe fosse oportunizado o direito ao contraditório e a ampla defesa; g) a inexistência de provas contundentes capazes de comprovar, inequivo-camente, a prática das infrações supostamente perpetradas.

Requer a concessão da liminar, “determinando a suspensão do ato da lavra do Exmo Senhor Ministro da Justiça que demitiu o impetrante com o retorno do impetrante aos quadros do Departamento de Polícia Rodoviária Federal até prolação da matéria posta nesta impetração” (e-STJ, fl. 48), na medida que estariam presentes os pressupostos autorizadores do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Pugna, por fim, pela concessão da segurança, “declarando nulo de pleno direito o ato impugnado, pelos seguintes motivos, em resumo: 1) a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública; 2) que a portaria inaugural do processo administrativo não indicou o teor da acusação, o que cercou o direito de defesa do impetrante; 3) a intercepção

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telefônica foi utilizada como prova base para o indiciamento dos servidores indiciados, mesmo não tendo sido submetido à perícia técnica apta a definir todas as edições feitas pela Polícia Federal; 4) foram utilizadas gravações ilícitas feitas pela Polícia Rodoviária Federal; 5) a sentença penal condena-tória foi juntada ao processo sem que fosse oportunizado ao impetrante o direito à ampla defesa e ao contraditório; 6) não existem provas nos autos de que o impetrante tenha cometido algum ilícito administrativo a ensejar sua demissão”.

A liminar restou indeferida, ante à inexistência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, nos moldes do decisum de fls. 17.200/17.202-e.

A União manifestou interesse no feito e pugnou pela intimação de todos atos processuais (e-STJ, fl. 17.207).

O impetrante interpôs agravo regimental às fls. 17.211/17.220-e, o qual restou improvido por essa 1ª Seção, nos termos do acórdão de fls. 17.275/17.279-e.

A autoridade coatora apresentou informações às fls. 17.223/17.272-e, onde pugna pela denegação da segurança, diante da: (i) inocorrência de prescrição da pretensão punitiva, diante da aplicabilidade do disposto no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990; (ii) da ausência de nulidade da portaria inaugural; (iii) da inexistência de nulidade da interceptações telefônicas; (iv) da inexistente violação à ampla defesa e ao contraditório; (v) da exis-tência de elementos de provas suficientes a comprovar a materialidade da infração disciplinar.

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da segurança (e-STJ, fls. 17.288/17.293), nos termos da seguinte ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO – PO-LICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCI-PLINAR – ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA E OUTRAS NULIDADES – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – FARTO ACERVO PROBATÓRIO – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – 1. O mandado de segurança possui via estreita de processamento, a exigir narrativa precisa dos fatos, com indicação clara do direito que se reputa líquido, certo e vio-lado, amparado em prova pré-constituída. Precedentes dessa Eg. Corte. 2. A via eleita é inadequada para a análise da hipótese em questão. 3. O processo administrativa obedeceu ao contraditório e à ampla defesa. A demissão im-pugnada é proporcional à gravidade das condutas imputadas ao impetrante.

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4. Aplicando-se a regra do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva no presente caso. 5. Parecer pela denegação da segurança.

É, em síntese, o relatório.

emenTaPROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCI-PLINAR – PENA DE DEMISSÃO – ARTS. 117, XI E 132, IV E XI, DA LEI Nº 8.112/1990 – “OPE-RAÇÃO POEIRA NO ASFALTO” – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR – INO-CORRÊNCIA – INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 142, § 2º, DA LEI Nº 8.112/1990 – NULIDADE DA PORTARIA INSTAURADORA DO PAD – INOCORRÊNCIA – DESNECESSIDADE DA DESCRIÇÃO MINUCIOSA DOS FATOS – PRECEDENTES – USO DE PROVA EMPRESTADA – INTERCEPÇÃO TELEFÔNICA – POSSIBILIDADE – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓ-RIO E DA AMPLA DEFESA – JUNTADA DE SENTENÇA PENAL NA FASE DE PRONUNCIAMENTO DA CONSULTORIA JURÍDICA – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE – MERO REFORÇO ARGUMENTA-TIVO – EXISTÊNCIA DE PROVAS CONTUNDENTES DA INFRAÇÃO FUNCIONAL – SEGURANÇA DENEGADA

1. Pretende o impetrante, ex-Policial Rodoviário Federal, a concessão da segurança para anular a Portaria nº 759, de 03 de maio de 2011, do Ministro de Estado da Justiça, que lhe impôs pena de demissão do cargo público anteriormente ocupado, pelo enquadramento nas infrações disciplinares previstas nos arts. 117, XI e 132, IV e XI, da Lei nº 8.112/1990, sob o pretexto de que a pretensão punitiva está fulmi-nada pela prescrição, a portaria inaugural do PAD seria nula por não indicar o teor da acusação, a intercepção telefônica foi utilizada sem prova técnica, a ilicitude das interceptações telefônicas, a ocorrência de cerceamento de direito de defesa diante da juntada aos autos da sentença penal condenatória, sem que fosse oportunizado o direito ao contraditório e a inexistência de provas do ilícito.

2. É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que, nos termos do art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112/1990, o termo inicial do pra-zo prescricional da pretensão punitiva disciplinar do Estado inicia-se na data do conhecimento do fato pela autoridade competente para a instauração do PAD, ou seja, o prazo prescricional não se inicia com a mera ciência da irregularidade por qualquer servidor público, mas sim pela regular ciência da infração pela autoridade competente para a instauração do PAD. No caso de irregularidades funcionais

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cometidas por Policiais Rodoviários Federais o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva disciplinar é a data da ciência das irregularidades pelo Sr. Corregedor-Geral de Polícia Rodoviária Federal, na forma do que dispõe o art. 10, IV e VI, da Portaria MJ nº 3.741, de 15.12.2004.

3. O prazo prescricional iniciou-se em 20.03.2005, quando a auto-ridade competente para a instauração do PAD teve ciência do ilícito funcional em razão do recebimento pela Corregedoria-Geral da RFB do Ofício do Juízo Criminal, acompanhado da cópia da denúncia penal oferecida pela Procuradoria da República contra o impetrante e outros polícias rodoviários federais, vindo este prazo a ser inter-rompido com a publicação do primeiro ato instauratório válido, seja a abertura de Sindicância contraditória ou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, que in casu foi em 08.06.2005, median-te a Portaria nº 98, de 07 de junho de 2005, voltando a correr após 140 dias (art. 152 c/c art. 167, da Lei nº 8.112/1990), ou seja, em 26.10.2005.

4. Em regra é de 05 (cinco) anos o prazo prescricional em relação às infrações puníveis com demissão, a teor do disposto no art. 142, I, da Lei nº 8.112/1990, a pretensão punitiva estatal findar-se-ia, em tese, em 26.10.2010. Contudo, no caso dos autos, incide a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990, segundo a qual “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”, isto porque o impetrante também foi denunciado no âmbito penal, mais precisamente nos autos das Ações Penais nºs 2004.51.01.537117-0 e 2004.51.01.537118-1, em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, pela prática dos crimes de corrupção passiva qualifica-da (art. 317, § 1º, do Código Penal), advocacia administrativa (art. 321, parágrafo único, do Código Penal) e de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal), em concurso material (art. 69 do Código Penal), vindo a ser condenado à pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos e 01 (um) mês de reclusão/detenção e 49 (quarenta e nove) dias-multa, em regime semi-aberto, bem como à perda do cargo pú-blico, na forma do art. 92, I, do Código Penal.

5. Considerando a existência de sentença penal condenatória ainda pendente de transito em julgado, aplica-se o prazo prescricional com base na pena em concreto fixada pelo juízo criminal, nos moldes da-quele entendimento firmado pela 5ª Turma do STJ no RMS 21.214/PR,

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Rel. Min. Félix Fischer, DJ 29.10.2007, de modo que o prazo pres-cricional da pretensão punitiva disciplinar no presente casu é de 12 (doze) anos, na forma do inciso III do art. 109 do Código Penal, fin-dando-se apenas em 26 de outubro de 2017, de modo que a sanção foi aplicada em 04.05.2011, ou seja, antes de findo o prazo prescri-cional.

6. É firme o entendimento jurisprudencial no âmbito do STJ no senti-do de que inexiste nulidade no ato de instauração do PAD em razão da ausência de individualização dos atos praticados pelo investigado, já que a descrição minuciosa dos fatos se faz necessária apenas quan-do do indiciamento do servidor, após a fase instrutória, na forma do art. 161 da Lei nº 8.112/1990, e não na portaria de instauração ou na citação inicial. Precedentes.

7. É firme o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é admitida a utilização no processo administrativo disciplinar de “prova emprestada” devidamente autorizada na esfera criminal, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa, dis-pensada a realização de prova pericial.

8. Inexiste nulidade do PAD em razão da juntada de sentença penal condenatória apenas na fase de pronunciamento da Consultoria Jurí-dica, sem que fosse dado ciência ao impetrante, porquanto a senten-ça penal fora utilizada apenas como reforço de argumentação, como consideração extravagante para a capitulação das infrações discipli-nares já reconhecidas com base no relatório final do PAD.

Precedentes.

9. Encontra-se devidamente comprovada a autoria e a materialidade delitiva diante do farto conjunto probatório, em especial das escalas de serviço, interrogatório pessoal, interceptações telefônicas, depoi-mentos de testemunhas, sentença penal condenatória, relatório final do PAD e do Parecer da Consultoria do Ministério da Justiça, lastrean-do com extrema legalidade a aplicação da pena demissória consubs-tanciada no ato coator, consoante bem destacou a autoridade coatora em suas informações.

10. Precedentes análogos: MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 10.09.2014, DJe 15.09.2014; MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 20.03.2014.

11. Segurança denegada.

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VoTo

O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator):

Pretende o impetrante, ex-Policial Rodoviário Federal, a concessão da segurança para anular a Portaria nº 759, de 03 de maio de 2011, do Ministro de Estado da Justiça, que lhe impôs pena de demissão do cargo público anteriormente ocupado, pelo enquadramento nas infrações disci-plinares previstas nos arts. 117, XI e 132, IV e XI, da Lei nº 8.112/1990, sob o pretexto de que a pretensão punitiva está fulminada pela prescrição, a portaria inaugural do PAD seria nula por não indicar o teor da acusação, a intercepção telefônica foi utilizada sem prova técnica, a ilicitude das in-terceptações telefônicas, a ocorrência de cerceamento de direito de defesa diante da juntada aos autos da sentença penal condenatória, sem que fosse oportunizado o direito ao contraditório e a inexistência de provas do ilícito.

Ausentes preliminares processuais e considerando-se as diversas teses jurídicas sustentadas pelo impetrante e para a melhor compreensão da deci-são, o presente voto será estruturado em tópicos.

I – DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR

O impetrante sustenta que o ato de demissão, publicado em 04.05.2011, seria ilegal em virtude do transcurso de mais de 5 (cinco) anos desde o conhecimento das infrações disciplinares pela autoridade impetra-da, em 16.12.2002.

a alegação não enConTra guariDa

É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que, nos termos do art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112/1990, o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva disciplinar do Estado inicia-se na data do conhecimento do fato pela autoridade competente para a instauração do PAD, ou seja, o prazo prescricional não se inicia com a mera ciência da irregularidade por qualquer servidor público, mas sim pela regular ci-ência da infração pela autoridade competente para a instauração do PAD (MS 20.942/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., Julgado em 24.06.2015, DJe 01.07.2015; MS 19.488/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., Jul-gado em 25.03.2015, DJe 31.03.2015; MS 17.954/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., julgado em 26.02.2014, DJe 19.03.2014).

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No caso de irregularidades funcionais cometidas por Policiais Rodo-viários Federais o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva disciplinar é a data da ciência das irregularidades pelo Sr. Corregedor-Geral de Polícia Rodoviária Federal, na forma do que dispõe o art. 10, IV e VI, da Portaria MJ nº 3.741, de 15.12.2004.

In casu, o ilícito funcional apenas se tornou conhecido pelo Corre-gedor-Geral de Polícia em 20 de março de 2005, quando do recebimento pela Corregedoria-Geral da RFB do Ofício OFC.0013.000515-9/2005, de 29.03.2005, originário da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, acompanhado da cópia da denúncia criminal ofe-recida pela Procuradoria da República contra o impetrante e outros polícias rodoviários federais, apuradas na Operação Policial denominada “Poeira no Asfalto”, conforme consta do documento de fls. 62/169-e, sendo este o termo inicial do prazo prescricional.

Outrossim, destaque-se que, conforme bem concluiu o eminente Mi-nistro Humberto Martins no julgamento do MS 17.534/DF, Julgado em 12 de março de 2014, análogo ao presente, ainda que a Administração Públi-ca tenha tomado conhecimento nos idos de 2002 acerca de problema na unidade da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro, tais informações sequer deram origem a um inquérito administrativo, por não serem con-clusivas, hipótese em que foram remetidas ao Ministério Público Federal, o qual procedeu ampla investigação, em conjunto com a Polícia Federal, deflagrando a “Operação Poeira no Asfalto”, vindo o Parquet, finda a opera-ção, a oferecer denúncia contra diversos indiciados, entre eles o impetrante, cuja cópia foi encaminhada à Corregedoria do Departamento da Polícia Rodoviária Federal para as providências cabíveis.

E continua Sua Excelência, o Ministro Humberto Martins, no voto condutor do MS 17.534/DF,

“Não estão (sic) em questão as eventuais providências anteriores ou trocas de informações entre o Ministério Público Federal, Polícia Federal e o Departa-mento de Polícia Rodoviária Federal que deram ensejo à formação da ope-ração ou investigação citada. O que se afere é o argumento de que teria so-brevindo a prescrição da pretensão punitiva somente na seara administrativa.

O termo inicial de contagem do prazo é a portaria de instauração, emanada pelo Corregedor-Geral, por dois motivos.

O primeiro é que a alegação do impetrante está destituída de provas. Ele não logrou comprovar que teria sido indiciado administrativamente em 2002

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e que teria havido leniência da Administração Pública em apurar as faltas indicadas.

O segundo é que as provas dos autos demonstram que os fatos apurados pelo Procurador da República e pela Polícia Federal eram de outra natureza e di-rigidos também para outros investigados. No volume 31 do presente feito, há uma petição do impetrante – nomeada como denúncia – na qual se postula que a sua inclusão no feito administrativo foi realizada de modo fraudulento (fls. 6884-7267, e-STJ). Os argumentos lançados e os documentos juntados demonstram que a atuação do Procurador da República estava dirigida, ini-cialmente, para a apuração de crimes de contrabando no Rio de Janeiro, entre outros, nos quais se suspeitava da participação de policiais rodoviários federais. Assim, não havia certeza da participação do impetrante e do seu grau de responsabilidade para que houvesse a instauração de um processo administrativo disciplinar, como se infere da sua denúncia, uma vez que se insurgia contra o menção de seu nome em meio a depoimentos de outros investigados.

Está claro que a data inicial de contagem é a Portaria nº 98/2005, publica-da no Boletim de Serviço em 08.06.2005, ao qual devem ser acrescidos os 140 dias, para chegar à data de 26.10.2005. Assim, em princípio, a pena de demissão derivado do processo administrativo disciplinar teria como limite o dia 25.10.2010, como bem lançado nos cálculos realizados pela Correge-doria-Geral na Informação nº 39/2010 (fls. 6043-6056, e-STJ)” (destaquei).

Iniciada a contagem do prazo prescricional a partir da ciência da autoridade competente para a instauração do PAD, esse prazo é interrom-pido com a publicação do primeiro ato instauratório válido, seja a abertura de Sindicância contraditória ou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, que in casu foi em 08 de junho de 2005, mediante a Portaria nº 98, de 07 de junho de 2005, até a decisão final proferida pela autoridade competente (art. 142, § 3º, da Lei nº 8.112/1990).

Esta interrupção não é definitiva, visto que, após o prazo de 140 (cen-to e quarenta) dias (prazo máximo para conclusão e julgamento do PAD a partir de sua instauração (art. 152 c/c art. 167, da Lei nº 8.112/1990)), o pra-zo prescricional recomeça a correr por inteiro, segundo a regra estabelecida no art. 142, § 4º, da Lei nº 8.112/1990, o que, no presente casu deu-se em 26 de outubro de 2005.

Sendo, em regra, de 05 (cinco) anos o prazo prescricional em relação às infrações puníveis com demissão, a teor do disposto no art. 142, I, da Lei nº 8.112/1990, a pretensão punitiva estatal findar-se-ia, em tese, em 26 de outubro de 2010.

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Contudo, no caso dos autos, incide a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990, segundo a qual “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”, isto porque o impetrante também foi denunciado no âmbito penal, mais precisamente nos autos das Ações Penais nºs 2004.51.01.537117-0 e 2004.51.01.537118-1, em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, pela prática dos crimes de corrupção passiva qualificada (art. 317, § 1º, do Código Penal), advocacia adminis-trativa (art. 321, parágrafo único, do Código Penal) e de formação de qua-drilha (art. 288 do Código Penal), em concurso material (art. 69 do Códi-go Penal), conforme peça acusatória acostada às fls. 63/143-e, vindo a ser condenado à pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos e 01 (um) mês de reclusão/detenção e 49 (quarenta e nove) dias-multa, em regime semi--aberto, bem como à perda do cargo público, na forma do art. 92, I, do Código Penal, tudo nos termos da sentença penal condenatória acostada às fls. 12.196/12.818-e.

Desta forma, sendo as condutas irregulares também tipificadas como crime, os prazos prescricionais aplicáveis ao casu são aqueles previstos nos incisos do art. 109 do Código Penal, calculados de acordo com a pena má-xima prevista para o crime:

“Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo supe-rior, não excede a dois;

VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.” (destaquei)

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No caso, considerando a existência de sentença penal condenatória ainda pendente de transito em julgado, aplica-se o prazo prescricional com base na pena em concreto fixada pelo juízo criminal, nos moldes daquele entendimento firmado pela 5ª Turma do STJ no RMS 21.214/PR, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 29.10.2007, de modo que o prazo prescricional da preten-são punitiva disciplinar no presente casu é de 12 (doze) anos, na forma do inciso III do art. 109 do Código Penal, findando-se apenas em 26 de outubro de 2017.

Dessa forma e considerando-se que a pena demissória foi aplicada em 04 de maio de 2011, muito antes de decorrido o prazo prescricional do art. 109, III do Código Penal c/c art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, não há como acolher-se a alegação da prescrição na medida em que a Portaria que demitiu o impetrante foi publicada em 04 de maio de 2011.

A Primeira Seção, no julgamento de outros mandados de segurança que tinha por objeto a mesma Operação da Polícia Federal, já se pronun-ciou nesse mesmo sentido, veja-se:

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – POLICIAL RODO-VIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA – PRESCRIÇÃO – NULIDADE DA PORTARIA – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILIDADE – MANUAL DE TREINAMENTO DA CONTROLADORIA--GERAL DA UNIÃO – UTILIZAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – FATOS PROVADOS

[...] 2. Prescrição. O prazo prescricional é de cinco anos em relação às infra-ções puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão, a teor do disposto no art. 142, I, da Lei nº 8.112/1990. Todavia, nas hipóteses em que as infrações administrativas cometidas pelo servidor forem objeto de ações penais em curso, observam--se os prazos prescritivos da lei penal, consoante a determinação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990.

2.1 Levando-se em conta a condenação penal de 3 (três) anos e 6 (seis) me-ses de reclusão aplicada em concreto ao crime de corrupção passiva, à luz do disposto nos arts. 109, inciso IV e 110 do Código Penal, o prazo pres-cricional é de 8 anos. Na hipótese, a Administração tomou ciência do fato na data de 29.03.2005, havendo a interrupção do prazo com a publicação da Portaria instauradora do PAD em 08.06.2005, que voltou a correr no dia 26.10.2005 e findou-se em 26.10.2013. Assim, não se pode afirmar a ocor-rência da prescrição disciplinar, uma vez que a mesma somente se esgotaria em 26.10.2013 e o ato coator é de 04.05.2011. [...] (MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 10.09.2014, DJe 15.09.2014)

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ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – SERVIDOR PÚBLICO FEDE-RAL – POLICIAL RODOVIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CONDENAÇÃO CRIMINAL – PRES-CRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – NÃO OCORRÊNCIA – DETALHES NO ATO DE INSTAURAÇÃO DO PAD – DESNECESSIDADE – PRECEDENTE – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILI-DADE – DEVIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – SUBMISSÃO AO CONTRA-DITÓRIO – BUSCA DE CONTRADITÓRIO AO RELAÇÃO AO RELATÓRIO FINAL E AO PARECER DA CONSULTORIA – DESNECESSIDADE – PRE-CEDENTES – MAJORAÇÃO DE PENALIDADE COM BASE NO PARECER – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – JUNTADA DA SENTENÇA PENAL – AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE – FATOS APURADOS PROVADOS E COM GRAVIDADE PARA DAR ENSEJO À APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO

[...] 3. Não prospera a alegação de que estaria prescrita a pretensão punitiva, uma vez que, ao longo da tramitação do feito administrativo, sobreveio con-denação penal, com base nos arts. 288 e 317 do Código Penal, em razão dos mesmos fatos apurados, a três anos e meio de detenção; em tais casos, a pres-crição da pena administrativa é calculada com base no art. 110 do Código Penal, por força do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, sendo, em concreto, de oito anos. [...] Segurança denegada. (MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 20.03.2014)

II – ALEGADA NULIDADE DA PORTARIA INSTAURADORA DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Também não prospera a alegação de nulidade da Portaria nº 98, de 07 de junho de 2005, do Corregedor-Geral Substituto do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, frente ao seu caráter genérico e imotivado, porquanto é firme o entendimento jurisprudencial no âmbito do STJ no sen-tido de que inexiste nulidade no ato de instauração do PAD em razão da ausência de individualização dos atos praticados pelo investigado, já que a descrição minuciosa dos fatos se faz necessária apenas quando do indi-ciamento do servidor, após a fase instrutória, na forma do art. 161 da Lei nº 8.112/1990, e não na portaria de instauração ou na citação inicial.

Nesse sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PORTARIA DE INSTAURAÇÃO – DESCRIÇÃO PORMENO-RIZADA DOS FATOS – DESNECESSIDADE – COMPOSIÇÃO DO CONSE-LHO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ – PRESENÇA DE DOIS PROMOTORES – LEI COMPLEMENTAR Nº 98/2003 – CONSTITUCIONALI-

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DADE – INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO PELO CONSELHO DA PO-LÍCIA CIVIL – AUTORIDADE COMPETENTE

1. A portaria de instauração do processo disciplinar que faz referências ge-néricas aos fatos imputados ao servidor, deixando de expô-los minuciosa-mente, não enseja sua nulidade, tendo em vista que tal exigência deve ser observada apenas na fase de indiciamento, após a instrução. [...] (AgRg-RMS 23.775/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., Julgado em 28.08.2012, DJe 06.09.2012)

MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLI-NAR – NULIDADE DA PORTARIA INAUGURAL – INEXISTÊNCIA – DEMIS-SÃO – PROVAS INSUFICIENTES – DESPROPORÇÃO DA PENALIDADE – ORDEM CONCEDIDA

[...] 2. Conforme precedente desta Terceira Seção, “somente após o início da instrução probatória, a Comissão será capaz de produzir um relato circuns-tanciado das condutas supostamente praticadas pelos Servidores indiciados, capitulando as infrações porventura cometidas; precisamente por isso, não se exige que a Portaria instauradora do Processo Disciplinar contenha a mi-nuciosa descrição dos fatos que serão apurados pela Comissão Processan-te, exigível apenas quando do indiciamento do Servidor. Precedentes desta Corte”.

(MS 13.518/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 19.12.2008) [...] (MS 14.578/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 3ª S., Julgado em 25.08.2010, DJe 22.09.2010)

AGRAVO REGIMENTAL – MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO AD-MINISTRATIVO – DEMISSÃO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ALI-CIAMENTO E PARTICIPAÇÃO NO CADASTRO E CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS – LIMINAR INDEFERIDA – NULIDADE DA PORTARIA INAUGURAL – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO MINUCIOSA DOS FATOS INVESTIGADOS E CAPITULAÇÃO – DESNECESSIDADE – PRE-CEDENTES – ART. 161 DA LEI Nº 8.112/1990 – DECISÃO LIMINAR MANTI-DA – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

[...] 2. Consoante jurisprudência do STJ, não se exige que a Portaria instaura-dora do Processo Disciplinar contenha a minuciosa descrição dos fatos que serão apurados pela Comissão Processante, mas apenas quando do indicia-mento do Servidor.

3. Somente após o início da instrução, a Comissão será capaz de fazer um re-lato circunstanciado das condutas supostamente praticadas pelos Servidores indiciados, capitulando as infrações porventura cometidas. [...]

(AgRg-MS 13.518/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª S., Julgado em 23.06.2008, DJe 04.08.2008)

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PROCESSO CIVIL – ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR DA UNIVERSIDADE – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLI-NAR – DEMISSÃO – ABANDONO DE EMPREGO – PRELIMINAR DE DECA-DÊNCIA AFASTADA – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 149, DA LEI Nº 8.112/1990 – INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE ACAREAÇÃO – INEXIS-TÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – POSSIBILIDADE DO PROCEDI-MENTO ATRAVÉS DO RITO SUMÁRIO – AUSÊNCIA DE NULIDADE ANTE A PUBLICAÇÃO DA PORTARIA EM BOLETIM INTERNO DE SERVIÇO – INOCORRÊNCIA DE NULIDADE FACE À AUSÊNCIA, NA PORTARIA INS-TAURADORA DO PROCEDIMENTO, DA DESCRIÇÃO MINUCIOSA DOS FATOS A SEREM APURADOS, BEM COMO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS – VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO NÃO CARACTERIZADOS – PENA APLICADA DESPROPORCIONAL À CONDU-TA E AUSÊNCIA DO ANIMUS ABANDONANDI NÃO DEMONSTRADOS – JULGAMENTO DE ACORDO COM A PROVA DOS AUTOS – SEGURANÇA DENEGADA

[...] 8. Inocorre nulidade na Portaria de instauração do Processo Administra-tivo, devido à ausência, na portaria instauradora do processo administrativo, da conduta da impetrante, do dispositivo legal violado e da pena a que esta-ria sujeita, que teriam prejudicado seu direito de ampla defesa, porquanto se-dimentado, nesta Corte, o entendimento de que é na ultimação da instrução que se descreve o fato ilícito, bem como a sua devida tipificação, proceden-do-se, conforme o caso, o indiciamento, na forma do art. 161, caput, da Lei nº 8.112/1990. Precedente (MS 8.146/DF). [...] (MS 9.344/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 3ª S., Julgado em 25.02.2004, DJ 26.04.2004, p. 143)

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – DEMISSÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – IRREGULARIDADES – INEXISTÊNCIA – ORDEM DENEGADA

[...] Na moldura legal do processo administrativo disciplinar não se exige que da portaria de instauração conste exposição minuciosa dos fatos imputados ao servidor, providência essa que é imperativa na fase de indiciamento, na forma prevista no art. 161, da Lei nº 8.112/1990, e em consonância com o princípio constitucional da ampla defesa. [...] (MS 8.249/DF, Rel. Min. Vicente Leal, 3ª S., Julgado em 11.12.2002, DJ 03.02.2003, p. 261)

In casu, do exame do teor da Portaria nº 98, de 07.06.2005, observa--se que a autoridade administrativa determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar a fim de apurar possíveis irregularidades funcio-nais atribuídas, em tese, a diversos policiais rodoviários federais, entre eles o impetrante, todos lotados na 5ª Superintendência Regional da PRF/RJ, por suposto envolvimento em esquema de sonegação fiscal decorrente da co-

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mercialização ilícita de combustível; na liberação irregular de veículos; na omissão na fiscalização de veículos irregulares; no repasse de informações sigilosas sobre operações de fiscalização e demais fatos que possam surgir no decorrer do apuratório (e-STJ, fl. 180).

Desta forma, não prospera a alegação de que a Portaria instauradora seria genérica, por não discriminar os fatos a serem apurados e, muito me-nos, os servidores investigados, ainda mais quando, a instauração do PAD foi motivada por Ofício remetido pelo MM. Juiz Federal da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, relativos a fatos objeto das Ações Penais nºs 2004.51.01.537118-1 e 2004.51.01.537117-0, que tinham como réus diversos policiais rodoviários federais, entre eles o impetrante, conforme consta da denúncia criminal de fls. 63/169-e, com a precisa discriminação das condutas praticas pelo impetrante e os delitos penais supostamente praticados por ele, não prosperando, assim, a alegação do impetrante de nulidade da portaria instauradora do PAD.

A Primeira Seção, no julgamento de outros mandados de segurança que tinha por objeto a mesma Operação da Polícia Federal, já se pronun-ciou acerca da inexistência de nulidade da Portaria nº 98/2005, veja-se:

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – POLICIAL RODO-VIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA – PRESCRIÇÃO – NULIDADE DA PORTARIA – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILIDADE – MANUAL DE TREINAMENTO DA CONTROLADORIA--GERAL DA UNIÃO – UTILIZAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – FATOS PROVADOS

[...] 3. Generalidade da Portaria instauradora do PAD. A descrição minucio-sa dos fatos se faz necessária apenas quando do indiciamento do servidor, após a fase instrutória, na qual são efetivamente apurados, e não na portaria de instauração ou na citação inicial do processo administrativo. [...] (MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 10.09.2014, DJe 15.09.2014)

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – SERVIDOR PÚBLICO FEDE-RAL – POLICIAL RODOVIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CONDENAÇÃO CRIMINAL – PRES-CRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – NÃO OCORRÊNCIA – DETALHES NO ATO DE INSTAURAÇÃO DO PAD – DESNECESSIDADE – PRECEDENTE – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILI-DADE – DEVIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – SUBMISSÃO AO CONTRA-DITÓRIO – BUSCA DE CONTRADITÓRIO AO RELAÇÃO AO RELATÓRIO

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FINAL E AO PARECER DA CONSULTORIA – DESNECESSIDADE – PRE-CEDENTES – MAJORAÇÃO DE PENALIDADE COM BASE NO PARECER – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – JUNTADA DA SENTENÇA PENAL – AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE – FATOS APURADOS PROVADOS E COM GRAVIDADE PARA DAR ENSEJO À APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO

[...] 4. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido da desnecessidade de detalhamentos dos atos de instauração de feitos administrativos disciplinares.

Precedentes recentes: MS 16.158/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., DJe 25.11.2013; e MS 17.053/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., DJe 18.09.2013. [...] (MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 20.03.2014)

III – DA ALEGAÇÃO DE NULIDADE EM RAZÃO DO USO DE PROVA EMPRESTADA. INTERCEPÇÕES TELEFÔNICAS

Sustenta ainda o impetrante a nulidade do PAD tendo em vista que a Comissão processante teria adotado a intercepção telefônica como prova isolada, ignorando e menosprezando outros elementos de prova, além de que não foram juntados aos autos a integra dos áudios da interceptação tele-fônica, bem como diante da ilicitude da utilização das gravações telefônicas feitas pela Polícia Rodoviária Federal sem a devida perícia.

É firme o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é admitida a utilização no processo administrativo de “prova emprestada” devidamente autorizada na esfera criminal, desde que respei-tado o contraditório e a ampla defesa, verbis:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCEDIMEN-TO – RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AM-PLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO – DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA

[...] 3. Inicialmente, admite-se, no processo administrativo disciplinar, a uti-lização de prova emprestada, extraída de feito em curso na esfera criminal, não havendo que se falar em óbice à utilização de tal prova pela Comissão Processante. Precedentes desta Corte: MS 21.002/DF, Rel. Min. Og Fernan-des, 1ª S., Julgado em 24.06.2015, DJe 01.07.2015; MS 14.667/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, 3ª S., Julgado em 10.12.2014, DJe 17.12.2014; MS 10.289/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª S., Julgado em 22.10.2014, DJe 02.02.2015; MS 19.703/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 13.11.2013, DJe 25.11.2013. [...] (MS 14.916/DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 3ª S., Julgado em 26.08.2015, DJe 04.09.2015)

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ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – PARCIALI-DADE DA COMISSÃO PROCESSANTE – INEXISTÊNCIA DE COMPROVA-ÇÃO – USO DE PROVA EMPRESTADA DA ESFERA CRIMINAL – POSSIBI-LIDADE – VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS POR AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL – INOCORRÊNCIA – INDEPEN-DÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CÍVEL, PENAL E ADMINISTRATIVA – PROPOR-CIONALIDADE DA PENA APLICADA – SEGURANÇA DENEGADA

[...] 3. Não há impedimento da utilização da prova emprestada de feito cri-minal no processo administrativo disciplinar, desde que regularmente autori-zada, o que se deu na espécie. [...] (MS 21.002/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., Julgado em 24.06.2015, DJe 01.07.2015)

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROCESSO DISCIPLINAR – AUTORIDADE COATORA – APLICAÇÃO DE SANÇÃO DIVERSA DA SUGE-RIDA PELA COMISSÃO PROCESSANTE – POSSIBILIDADE – UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA – CONTROLE JURISDICIONAL – PROPORCIO-NALIDADE E RAZOABILIDADE NA APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO – AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE PARA O ADMINISTRADOR

[...] 2. No processo administrativo disciplinar, admite-se a utilização de prova emprestada, extraída de feito em curso na esfera criminal. [...] (MS 14.667/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, 3ª S., Julgado em 10.12.2014, DJe 17.12.2014)

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLI-CO FEDERAL – POLICIAL RODOVIÁRIO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – REGISTRO DE NOTA DE CULPA ANTE A ANTERIOR DE-MISSÃO DECORRENTE DE OUTRO PAD – SUSPEIÇÃO DA COMISSÃO PROCESSANTE – INOCORRÊNCIA – USO DE PROVA EMPRESTADA – IN-TERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – LEGALIDADE – TESTEMUNHA NÃO EN-CONTRADA NOS SUCESSIVOS ENDEREÇOS INFORMADOS PELA DEFESA – NÃO OITIVA – AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA – FORMA-ÇÃO DE CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE – RESPEITO AOS PRIN-CÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO

[...] 3. Respeitado o contraditório e a ampla defesa, é admitida a utilização, no processo administrativo, de “prova emprestada” devidamente autorizada na esfera criminal. Precedentes.

4. Autorizado o uso da prova emprestada oriunda de procedimento criminal, não se pode exigir que a Comissão Disciplinar responda a questionamen-tos relativos à produção da prova e equipamentos utilizados, mormente se tomou todas as medidas para garantir o pleno acesso às informações solici-

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tadas pelo impetrante. [...] (MS 17.355/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 19.03.2014)

ADMINISTRATIVO – PROCESSO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – UTILIZAÇÃO, PELA COMISSÃO PROCESSANTE, DE PROVA EMPRESTADA DE INQUÉRITO POLICIAL – POSSIBILIDADE, DESDE QUE RESPEITADOS O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA – INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – PERÍCIA DAS GRAVAÇÕES E TRANSCRI-ÇÃO INTEGRAL DOS DIÁLOGOS – INEXISTÊNCIA DE IMPOSIÇÃO LEGAL – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA – POSSI-BILIDADE – DECISÃO DO PRESIDENTE DA COMISSÃO QUE OSTENTA SUFICIENTE MOTIVAÇÃO – ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA – UTILI-ZAÇÃO, PELA COMISSÃO, DA PROVA COMPARTILHADA – ALEGAÇÃO DE QUE TERIAM SIDO DESRESPEITADOS OS LIMITES IMPOSTOS PELA AUTORIDADE JUDICIAL – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO PREJUÍZO ACARRETADO À DEFESA DO IMPETRANTE – SANÇÃO ADMINISTRATIVA QUE TEVE POR BASE, ALÉM DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS, FARTA PROVA TESTEMUNHAL

1. Respeitados o contraditório e a ampla defesa, faz-se possível a utilização, em processo administrativo disciplinar, de prova emprestada de inquérito policial, devidamente autorizada por autoridade judicial.

2. O simples fato de as interceptações telefônicas serem provenientes de inquérito policial não as desqualificam como meio probatório na esfera ad-ministrativa, notadamente se o servidor indiciado teve acesso, no processo disciplinar, às transcrições dos diálogos e às próprias gravações, e sobre elas tenha sido possível sua manifestação.

3. Firmou-se, nesta Corte, o entendimento de que a Lei nº 9.296/1996 não contempla determinação no sentido de que os diálogos captados nas inter-ceptações telefônicas devem ser integralmente transcritos, ou de que as gra-vações devem ser submetidas a perícia, razão pela qual a ausência dessas providências não configura nulidade. [...] (MS 14.501/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª S., Julgado em 26.03.2014, DJe 08.04.2014)

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROCESSO ADMINISTRATI-VO DISCIPLINAR – VÍCIOS FORMAIS – AUSÊNCIA – REGULARIDADE DO ATO IMPUGNADO

[...] 2. Respeitado o contraditório e a ampla defesa, é admitida a utilização no processo administrativo de prova emprestada devidamente autorizada na esfera criminal. Precedentes do STF e do STJ.

3. Autorizado judicialmente o uso da prova emprestada, não se pode exigir que a Comissão Disciplinar realize perícias nos áudios para que seja identi-ficada a voz dos interlocutores, nem tampouco comprove a titularidade dos

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aparelhos telefônicos. Tais providências devem ser requeridas nos autos da investigação criminal ou da instrução processual penal, pois só a autoridade que o preside tem a competência para examinar eventual vício e, por conse-guinte, determinar a anulação da prova.

4. A Lei nº 9.296/1996, que trata da interceptação telefônica, não exige a sub-missão da prova à perícia, o que impõe o afastamento da alegada nulidade. [...] (MS 16.185/DF, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., Julgado em 11.04.2012, DJe 03.08.2012)

No presente casu, verifica-se que a interceptações foram utilizadas com a expressa autorização do Juízo Federal da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, conforme documento acostado à fl. 490-e, com o seguinte teor:

“Processos nºs 2004.51.01.537118-1 e 2004.51.01.53711-0

Autorizo o Presidente da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar instaurado a partir da Portaria nº 98/2005; bem como da Sindicância Ad-ministrativa instaurada através da Portaria nº 160, de 01.08.2005 a utilizar as cópias da mídia (CDs) referentes às interceptações telefônicas constantes nos autos 2003.51.01.51916-6. Quanto ao pedido de extração de cópias dos processos mencionados no Ofício nº 003/2005-CPAD da Policia Rodoviária Federal, aguarde-se o término do prazo das defesas para alegações finais, ficando desde já autorizada por este Juízo a utilização das provas existentes nos processos mencionados para instrução do referido Processo Administra-tivo Disciplinar.

Oficie-se comunicando ao signatário do pedido.

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2005.

Rodolfo Kronemberg Hartmann

Juiz Federal Substituto no exercício da titularidade plena da Vara” (destaquei).

Outrossim, o simples fato de as interceptações telefônicas serem pro-venientes de inquérito policial não as desqualificam como meio probatório na esfera administrativa, notadamente se o servidor indiciado teve acesso, no processo disciplinar, às transcrições dos diálogos e às próprias grava-ções, e sobre elas tenha sido possível sua manifestação.

Por outro lado, revela-se desnecessária a realização de perícia nas interceptações telefônicas e a transcrição de seu inteiro teor, na medida em que “a Lei nº 9.296/1996 [que trata da interceptação telefônica] não contempla determinação no sentido de que os diálogos captados nas in-

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terceptações telefônicas devem ser integralmente transcritos, ou de que as gravações devem ser submetidas à perícia, razão pela qual a ausência des-sas providências não configura nulidade” (MS 14.501/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª S., Julgado em 26.03.2014, DJe 08.04.2014), bem como que “autorizado judicialmente o uso da prova emprestada, não se pode exigir que a Comissão Disciplinar realize perícias nos áudios para que seja identificada a voz dos interlocutores, nem tampouco comprove a titularida-de dos aparelhos telefônicos” (MS 16.185/DF, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., DJe 03.08.2012).

Diverso não foi o entendimento dessa 1ª Seção no julgamento de outros mandados de segurança que tinha por objeto a mesma Operação da Polícia Federal, veja-se:

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – POLICIAL RODO-VIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA – PRESCRIÇÃO – NULIDADE DA PORTARIA – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILIDADE – MANUAL DE TREINAMENTO DA CONTROLADORIA--GERAL DA UNIÃO – UTILIZAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – FATOS PROVADOS

[...] 4. Prova emprestada. Respeitado o contraditório e a ampla defesa, é ad-mitida a utilização, no processo administrativo, de “prova emprestada” devi-damente autorizada na esfera criminal, não havendo previsão legal para que os áudios das interceptações telefônicas devam ser periciados, nos termos da Lei nº 9.296/1996. [...] (MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 10.09.2014, DJe 15.09.2014)

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – SERVIDOR PÚBLICO FEDE-RAL – POLICIAL RODOVIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CONDENAÇÃO CRIMINAL – PRES-CRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – NÃO OCORRÊNCIA – DETALHES NO ATO DE INSTAURAÇÃO DO PAD – DESNECESSIDADE – PRECEDENTE – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILI-DADE – DEVIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – SUBMISSÃO AO CONTRA-DITÓRIO – BUSCA DE CONTRADITÓRIO AO RELAÇÃO AO RELATÓRIO FINAL E AO PARECER DA CONSULTORIA – DESNECESSIDADE – PRE-CEDENTES – MAJORAÇÃO DE PENALIDADE COM BASE NO PARECER – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – JUNTADA DA SENTENÇA PENAL – AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE – FATOS APURADOS PROVADOS E COM GRAVIDADE PARA DAR ENSEJO À APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO

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[...] 5. É possível o uso de interceptações telefônicas, na forma de provas em-prestadas, derivadas de processo penal, desde que tenha havido autorização judicial para tanto, como na espécie (fl. 511), bem como que tenha sido dada oportunidade para o contraditório em relação a elas, como se verifica dos autos (fls. 5877-5878). Precedente: MS 16.122/DF, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., DJe 24.05.2011.

6. Em diversos momentos do processo disciplinar é possível perceber que os servidores puderam contraditar as provas, que não se resumiram àquelas emprestadas, tendo sido tomados depoimentos, assim como apreciados do-cumentos. Fica claro que a comissão franqueou a possibilidade de produção de contraprovas, não se localizando nenhum cerceamento à defesa.

[...] (MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 20.03.2014)

Desse modo, não prospera a nulidade alegada, ainda mais quando a formação do convencimento da Comissão processante deu-se com base em todo o conjunto probatório e não apenas nas interceptação telefônicas, como sustenta o impetrante, bem como tendo em vista que foi dado oportu-nidade para o impetrante contraditar o teor das interceptações telefônicas ao longo da persecução administrativa, o que foi regularmente feito, consoante se pode observar da defesa administrativa acostada às fls. 5.097/5.164-e, restando inegável que a Comissão processante franqueou a possibilidade de produção de contraprovas, não havendo que se falar em cerceamento de defesa ou de nulidade no PAD nesse ponto.

IV – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ANTE A JUNTADA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA NA FASE DE PRONUNCIAMENTO DA CONSULTORIA JURÍDICA SEM A DEVIDA CIÊNCIA DO IMPETRANTE E A INEXISTÊNCIA DE PROVAS qUE COMPROVEM A PRÁTICA DOS ATOS INFRACIONAIS

Alega ainda o impetrante a nulidade do PAD tendo em vista a ocor-rência de cerceamento do direito de defesa, porquanto a sentença penal condenatória foi juntada aos autos do processo disciplinar “quando o pro-cesso já se encontrava sob análise da Consultoria, pelo DPRF, através do memorando nº 230/2010/CG, sem oportunizar ao Impetrante o exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório”.

Mais uma vez, não assiste razão ao impetrante.

Isto porque, a sentença penal condenatória acostada às fls. 12.196/12.818-e, fora utilizada apenas como reforço de argumentação,

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consoante se extrai das conclusões do Parecer nº 119/2010 da Conjur/MJ (e--STJ, fls. 7.035/7.188), inexistindo, portanto, qualquer nulidade em razão da adoção de sentença penal condenatória na fase de pronunciamento da Con-sultoria Jurídica, haja vista que fora utilizada apenas como consideração extravagante para a capitulação das infrações disciplinares já reconhecidas com base no Relatório Final do PAD (e-STJ, fls. 5.443/6.015).

Com efeito, antes mesmo de adotar a sentença penal como funda-mento para a condenação, a Consultoria Jurídica já havia reconhecido a existência dos ilícitos funcionais com base no Relatório Final do PAD, segundo se infere do seguinte trecho do Parecer nº 119/2010/Conjur/MJ (fls. 7.069/7.070):

“I – Em relação à alínea a, a Comissão enquadrou a conduta do servidor, de solicitar favores a colegas para liberação de veículos com irregularidades, no inciso IX do art. 116 da Lei nº 8.112/1990, isto é, por conduta incompatível com a moralidade administrativa. Porém, como se depreende do Manual de Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União, esta tipificação é para condutas de gravidade mediana. Então, de acordo com o potencial ofensivo da conduta é necessário verificar o seu enquadramento em outros tipos legais, que representem melhor a violação perpetrada. Em razão da solicitação feita pelo servidor ao seu colega ter sido amparada mais no seu prestígio e influência pessoal do que nas prerrogati-vas de sua função, é mais adequado classificar sua conduta no inciso XI do art. 117 (atuação como intermediário para favorecer interesse de terceiros).

II – Entretanto, além desse enquadramento, a conduta do servidor, devido a sua gravidade, merece ser realizada também no inciso IV do art. 132 da Lei nº 8.112/1990, por improbidade administrativa, pois pedir para não se fazer à notificação/aplicação de multa, é uma forma de proporcionar vanta-gens patrimoniais para terceiros à custa do erário. Também tem cabimento enquadrá-la no inciso XI (corrupção) do art. 132 da Lei nº 8.112/1990, uma vez que já existia condenação judicial do acusado, pelos mesmos fatos e com base nas mesmas provas, conforme já exposto abaixo.

III – Ademais, no caso em tela, é importante destacar o fundamento da sentença do ilustre magistrado Rodolfo Kronember Hartmann, Juiz Federal Substituto, no exercício da titularidade plena da 2ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que ao julgar os acusados, na primeira instância, enfatizou: ‘uma atenta leitura de ambas as denúncias permite a verificação de que os fatos criminosos que nelas constam são exatamente os mesmos, ou seja, a conduta proibida em tese praticado por este acusado na verdade se subsume aos crimes previstos nos arts. 317, § 1º (este em conti-nuidade delitiva – art. 71, CP) e 288, caput, na forma do art. 69, todos do Código Penal. De fato, é possível se extrair dos fatos acima narrados que, em

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tese, este réu se associou com mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes, o que configuraria delito de quadrilha (art. 288 do CP). Igualmente, também é possível aquilatar, pelo que consta nas duas denúncias, que a conduta deste acusado se resumiu em solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem para fins de retardar ou deixar de praticar qualquer ato de ofício ou, ainda, o praticar infringindo dever funcional, o que configuraria apenas prática do crime de corrupção passiva em sua forma qualificada (art. 317, § 1º do CP)’ (fls. 127/1128, ap. XLV).”

Nesse sentido, verifica-se que o uso da sentença penal condenató-ria deu-se a título meramente informativo, sendo certo que “sua retirada do Parecer da Consultoria Jurídica não alteraria as conclusões nele exara-das”, conforme bem consignou a autoridade coatora em suas informações (fl. 17.252).

A Primeira Seção, no julgamento de outros mandados de segurança que tinha por objeto a mesma Operação da Polícia Federal, já se pronun-ciou pela ausência de nulidade em virtude de juntada de sentença penal condenatória na fase de pronunciamento da Consultoria Jurídica, nos se-guintes termos:

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – POLICIAL RODO-VIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA – PRESCRIÇÃO – NULIDADE DA PORTARIA – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILIDADE – MANUAL DE TREINAMENTO DA CONTROLADORIA--GERAL DA UNIÃO – UTILIZAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – FATOS PROVADOS

[...] 8. Violação ao princípio do contraditório por juntada de documento na fase de pronunciamento da Consultoria Jurídica sem a ciência do impetrante. Não há nulidade na utilização de sentença penal condenatória na fase de pronunciamento da Consultoria Jurídica, porque, na hipótese, o título judi-cial fora utilizado apenas como consideração extravagante para a capitula-ção do delito de corrupção passiva, já reconhecido com base no relatório final da tríade processante.

8.1 A Consultoria Jurídica apenas enquadrou a conduta imputada ao servidor público prevista no art. 117, XII, da Lei nº 8.112/1990 (receber propina) à pertinente penalidade de demissão estabelecida no art. 132, inciso XI (cor-rupção), do mesmo diploma, consistindo mera subsunção dos fatos à hipóte-se de incidência da penalidade administrativa, não havendo que se falar na inclusão de novos fatos posteriormente à confecção do relatório final o que,

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em tese, poderia ensejar eventual nulidade. [...] (MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª S., Julgado em 10.09.2014, DJe 15.09.2014)

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – SERVIDOR PÚBLICO FEDE-RAL – POLICIAL RODOVIÁRIO – PROCESSO DISCIPLINAR – DEMISSÃO – OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO – CONDENAÇÃO CRIMINAL – PRES-CRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – NÃO OCORRÊNCIA – DETALHES NO ATO DE INSTAURAÇÃO DO PAD – DESNECESSIDADE – PRECEDENTE – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – PROVA EMPRESTADA – POSSIBILI-DADE – DEVIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – SUBMISSÃO AO CONTRA-DITÓRIO – BUSCA DE CONTRADITÓRIO EM RELAÇÃO AO RELATÓRIO FINAL E AO PARECER DA CONSULTORIA – DESNECESSIDADE – PRE-CEDENTES – MAJORAÇÃO DE PENALIDADE COM BASE NO PARECER – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – JUNTADA DA SENTENÇA PENAL – AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE – FATOS APURADOS PROVADOS E COM GRAVIDADE PARA DAR ENSEJO À APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO

[...] 10. Não se vê violação ou malferimento na juntada da sentença penal condenatória, cuja prolação se deu antes da decisão administrativa. Da lei-tura do parecer da consultoria jurídica, constata-se que não foi utilizada a sentença como fato para agravar a penalidade proposta e, sim, como mais um argumento em meio à ampla fundamentação e valoração das provas dos autos. [...] (MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª S., Julgado em 12.03.2014, DJe 20.03.2014)

V – DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DE PROVAS CONTUNDENTES CAPAZES E COMPROVAR A PRÁTICA DAS INFRAÇÕES DISCIPLINARES PERPETRADAS

Por último, e ao contrário do que sustenta o impetrante, encontra--se devidamente comprovada a autoria e a materialidade delitiva diante do farto conjunto probatório – escalas de serviço, interrogatório pessoal, inter-ceptações telefônicas, depoimentos de testemunhas, sentença penal conde-natória, relatório final do PAD e do Parecer da Consultoria do Ministério da Justiça, lastreando com extrema legalidade a aplicação da pena demissória consubstanciada no ato coator, consoante bem destacou a autoridade coa-tora em suas informações de fls. 17.253/17.271-e.

VI – DISPOSITIVO

Forte nestas razões, denego a segurança.

Custas processuais pelo impetrante.

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Sem honorários advocatícios, na forma do art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e da Súmula nº 105/STJ.

É como voto.

CerTiDão De julgamenTo primeira seção

Número Registro: 2011/0215536-7

Processo Eletrônico MS 17.536/DF

Pauta: 09.12.2015 Julgado: 13.04.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Benedito Gonçalves

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Moacir Guimarães Morais Filho

Secretária: Belª Carolina Véras

auTuação

Impetrante: Armando Mestre Filho

Advogado: Ricardo Lasmar Sodré e outro(s)

Impetrado: Ministro de Estado da Justiça

Interes.: União

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Ser-vidor público civil – Processo administrativo disciplinar ou sindicância

CerTiDãoCertifico que a egrégia Primeira Seção, ao apreciar o processo em

epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:“A Seção, por unanimidade, denegou a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

A Sra. Ministra Assusete Magalhães e os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Diva Malerbi (Desembargadora con-vocada do TRF da 3ª Região), Humberto Martins e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

7829

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0006365‑39.2009.4.01.3800Apelação Cível nº 2009.38.00.006715‑1/MGRelator(a): Juíza Federal Maria Cecília de Marco RochaApelante: Jair Rodrigues de Almeida FilhoDefensor: ZZ00000001 – Defensoria Pública da União – DPUApelado: União FederalProcurador: AL00005348 – José Roberto Machado Farias

emenTaADMINISTRATIVO – IMÓVEL PÚBLICO – PERMISSÃO DE USO – INADIMPLEMENTO DA CON-TRAPRESTAÇÃO – RESCISÃO DA PERMISSÃO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DAS PARCELAS EM ATRASO

1. Trata-se de apelação interposta contra a sentença que julgou pro-cedentes os pedidos da União para declarar a rescisão do termo de uso do imóvel – TPU situado na Rua Luiz Lanziott, nº 3, Buarque Macedo, Conselheiro Lafaiete/MG, para reintegrar a União na posse do imóvel e para condenar o réu a desocupar o bem e a pagar as par-celas de contraprestação pelo uso do imóvel que estejam em atraso.

2. O recurso não deve ser conhecido quanto à parte em que se impug-nam os critérios de elaboração da planilha (art. 932, III, do CPC/2015). A sentença não acolheu os critérios indicados pela União e remeteu a apuração do crédito para a fase de liquidação de sentença. Logo, falece ao apelante interesse recursal quanto ao ponto.

3. O recurso tampouco deve ser conhecido quanto ao argumento de que o apelado não foi notificado para desocupar o imóvel, na medi-da em que se trata de questão de fato não alegado no juízo anterior sem que haja prova de força maior para tal omissão (art. 1.014 do CPC/2015), o que configura inovação recursal.

4. A mora que ampara a cobrança promovida pela autora não é a mora na desocupação, senão que a decorrente do inadimplemento do dever contratual de pagar pelo uso do imóvel, conforme previsto na cláusula quinta do contrato (fl. 12).

5. O inadimplemento foi previsto no contrato como causa de revo-gação da permissão de uso (cláusula nona). Rescindido o termo, não

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há justa causa que autorize a permanência do réu no imóvel, o que configura o esbulho e autoriza a reintegração.

6. Não há óbice a que se exijam os débitos desde o inadimplemento, cujo termo inicial é o mês de dezembro de 1996, como apontou a autora em suas planilhas e anuiu tacitamente o réu ao deixar de con-testar o ponto.

7. Apelação não conhecida quanto aos argumentos de equívoco na elaboração da planilha e de ausência de notificação para a desocu-pação do imóvel. Apelação desprovida na parte em que conhecida.

aCÓrDão

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, conhecer parcialmente da apelação e negar provimento à parte conhecida, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 13 de abril de 2016.

Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha Relatora Convocada

relaTÓrio

A Exma. Sra. Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha (Relatora):

Trata-se de apelação interposta contra a sentença que julgou proce-dentes os pedidos da União para declarar a rescisão do termo de uso do imóvel – TPU situado na Rua Luiz Lanziott, nº 3, Buarque Macedo, Con-selheiro Lafaiete/MG, para reintegrar a União na posse do imóvel e para condenar o réu a desocupar o bem e a pagar as parcelas de contraprestação pelo uso do imóvel que estejam em atraso.

O apelante sustenta que o inadimplemento não configura esbulho, que não há prova de que ele foi notificado para desocupar o imóvel, a afas-tar a configuração de mora e impedir a cobrança da taxa de ocupação, que a cobrança não pode contemplar débitos desde o início do inadimplemen-to, ocorrido no ano de 1999, e que não há prova dos valores devidos e da forma de sua apuração.

A União apresentou contrarrazões.

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É o relatório.

Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha Relatora convocada

VoTo

A Exma. Sra. Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha (Relatora):

Deixo de conhecer o recurso quanto à parte em que se impugnam os critérios de elaboração da planilha (art. 932, III, do CPC/2015).

Isso porque a sentença não acolheu os critérios indicados pela União e remeteu a apuração do crédito para a fase de liquidação de sentença.

Logo, falece ao apelante interesse recursal quanto ao ponto.

Igualmente, deixo de conhecer da apelação quanto ao argumento de que o apelado não foi notificado para desocupar o imóvel, na medida em que se trata de questão de fato não alegado no juízo anterior sem que haja prova de força maior para tal omissão (art. 1.014 do CPC/2015).

De toda sorte, não há controvérsia sobre o ponto, já que a rescisão do termo de ocupação foi um dos pedidos formulados pela autora, a significar que, enquanto não rescindido o termo, não seria cabível a notificação para a desocupação.

A mora que ampara a cobrança promovida pela autora não é a mora na desocupação, senão que a decorrente do inadimplemento do dever con-tratual de pagar pelo uso do imóvel, conforme previsto na cláusula quinta do contrato (fl. 12).

O inadimplemento foi previsto no contrato como causa de revogação da permissão de uso (cláusula nona).

Rescindido o termo, não há justa causa que o réu permaneça no imó-vel, o que configura o esbulho e autoriza a reintegração.

A ação foi proposta na justiça estadual no ano de 2004, tendo em vis-ta que na época a autora não havia sido extinta e a União ainda não havia sucedido a empresa nas ações judiciais de que era parte.

Logo, não há óbice a que se exijam os débitos desde o inadimplemen-to, cujo termo inicial é o mês de dezembro de 1996, como apontou a autora em suas planilhas e anuiu tacitamente o réu ao deixar de contestar o ponto.

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Com essas considerações, deixo de conhecer da apelação quanto aos argumentos de equívoco na elaboração da planilha e de ausência de no-tificação para a desocupação do imóvel e, no mérito, nego provimento à apelação.

Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha Relatora convocada

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

7830

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0015988‑23.2008.4.02.5001 (2008.50.01.015988‑0)Relator: Desembargador Federal Ricardo PerlingeiroApelante: Capixaba Segurança e Vigilância Ltda.Advogado: Magda Silvana Perpetuo de Mendonça BorgesApelado: DNPM – Departamento Nacional de Produção MineralProcurador: Procurador FederalOrigem: 5ª Vara Federal Cível (00159882320084025001)

emenTaADMINISTRATIVO – APELAÇÃO – LICITAÇÃO – ATRASO NO ENVIO DA PROPOSTA – INEXISTÊN-CIA DE PREVISÃO PARA DESCLASSIFICAÇÃO – AUTONOMIA ENTRE MATRIZ E FILIAL – COMPO-SIÇÃO DOS PREÇOS – AUSÊNCIA DE PROVA TÉCNICA DE IRREGULARIDADE

1. No caso em que o pregoeiro estabelece horário para envio das pro-postas, mas não prevê sanção para a inobservância desse limite, não se pode desclassificar a proposta enviada com atraso, por ausência de previsão no edital. Nesse contexto, pode-se considerar que o horário foi estabelecido como um parâmetro razoável, a fim de evitar que a Administração aguardasse indefinidamente pelas propostas, mas sem que eventuais atrasos pudessem justificar a eliminação do concor-rente.

2. A jurisprudência considera que matriz e filial são estabelecimentos autônomos para fins de verificação de eventuais impedimentos para contratação com o poder público. Precedente: TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 00204504320104025101, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, e-DJF2R 30.11.2015. Assim, se não há registro no Sicaf refe-rente à filial que participa do pregão, não há impedimento para sua contratação.

3. As impugnações relativas à composição dos preços ofertados pela empresa vencedora não podem ser fundamentadas apenas em trans-crição de um texto de um especialista, sem citar sua fonte ou esta-belecer a correlação dos ensinamentos com o caso concreto. Tais questões específicas constituem matéria técnica que deveria ter sido apreciada por um expert do juízo, em prova pericial contábil que

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apontasse se composição da remuneração dos vigilantes estava de acordo com os parâmetros legais ou se foram oferecidos preços que não poderiam ser executados na prática.

4. Apelação não provida.

aCÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, na forma do relatório e do voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, 12 de abril de 2016 (data do Julgamento).

Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal

relaTÓrio

Cuida-se de apelação interposta por Capixaba Segurança e Vigilância Ltda. em face de sentença que julgou improcedente o pedido para suspen-der a adjudicação ou a prestação dos serviços objeto do pregão eletrônico promovido pelo DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral (fls. 445/450).

Em suas razões de apelação, alega, em síntese, que: a) a licitante ven-cedora não pode ser contratada, pois apresentou sua planilha de preços fora do prazo, estava impedida de contratar com a União e sua proposta estava em desacordo com os ditames legais; b) a demandante foi indevidamente desclassificada, pois apresentou todos os documentos necessários, tanto na fase de propostas, como na de habilitação (fls. 452/484).

Contrarrazões às fls. 507/515.

O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença (fls. 521/524).

Vieram os autos por força de remessa necessária.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

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Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal

VoTo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro (Relator):

No caso, a demandante Capixaba Segurança e Vigilância Ltda. parti-cipou do pregão eletrônico realizado pelo DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral para contratação de empresa prestadora de serviços de vigilância e segurança armada e desarmada e se insurge contra sua des-classificação do certame e a adjudicação do objeto em favor da empresa Fortemacaé.

De início, a apelante afirma que a empresa vencedora apresentou a planilha de preços depois do horário final estabelecido para o envio das propostas.

De fato, consta nos autos que o sistema acusou o recebimento da pla-nilha da empresa Fortemacaé às 13h41min, portanto, após o prazo estabe-lecido pelo pregoeiro, que era às 13h (fl. 61). Não obstante, verifica-se que, ao fixar o horário, o pregoeiro não estipulou sanção de exclusão para as propostas que fossem enviadas depois, até porque o edital não previa essa hipótese de desclassificação de propostas (item 9.8 – fl. 130). Nesse contex-to, pode-se considerar que o horário foi estabelecido como um parâmetro razoável, a fim de evitar que a Administração aguardasse indefinidamente pelas propostas, mas sem que eventuais atrasos pudessem justificar a elimi-nação do concorrente.

Acrescente-se que não houve prejuízo para a demandante, que teve sua planilha regularmente analisada (fl. 61), embora tenha sido desclassifi-cada por outros motivos.

A apelante também afirma que a empresa vencedora não poderia ce-lebrar o contrato, uma vez que possuía restrição no Sistema de Cadastra-mento Unificado de Fornecedores (Sicaf).

Contudo, o DNPM defende que a licitante participou do pregão com o CNPJ XXXX, que pertence a sua filial de Vitória e não possui nenhuma restrição no referido sistema (fl. 363).

Sobre o tema, ressalta-se que a jurisprudência considera que matriz e filial são estabelecimentos autônomos para fins de verificação de eventuais

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pendências para contratação com o poder público, conforme se infere do seguinte precedente:

APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – PRE-GÃO – CNPJ – ESPECIFICIDADE – REGULARIZAÇÃO – CONCESSÃO DE PRAZO – CABIMENTO

1. Na hipótese em que o cadastro da matriz da parte impetrante junto ao Sicaf indica a existência de alguma irregularidade, não pode a mesma ser simplesmente desclassificada, considerando-se que o Sicaf emite cadastros por CNPJ específico, bem como o fato de que a filial da impetrante, que participou da licitação, estava com seu CNPJ regular. [...]

(TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 00204504320104025101, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, e-DJF2R 30.11.2015)

Dessa forma, se não havia pendência de irregularidade registrada no CNPJ da filial, informado pela licitante durante o pregão, não há que se falar em impedimento para a sua contratação.

Ademais, quanto à alegação de envio extemporâneo do comprovante do Sicaf, observa-se que o edital facultava o envio de fax durante a sessão de julgamentos se fosse constatada alguma irregularidade.

Todavia, infere-se da ata do pregão que não houve registro de pro-blemas no Sicaf em relação à licitante vencedora, de modo que não havia necessidade do envio do documento comprobatório da regularidade duran-te a sessão.

A demandante também se insurge contra a composição dos preços ofertados pela empresa vencedora, que estaria em desacordo com os dita-mes legais e teria consignado valores inexequíveis. No ponto, a apelante defende também a regularidade de sua proposta, que não deveria ter sido desclassificada.

Para fundamentar suas alegações, a recorrente transcreveu, no corpo da apelação, “partes do ensinamento do insigne economista e consultor Vilson Trevisan, onde há ampla explanação a respeito da matéria ora ven-tilada”. No entanto, deve-se ressaltar que apenas a transcrição de um texto de um especialista, sem citar sua fonte ou estabelecer a correlação dos en-sinamentos com o caso concreto não é suficiente para justificar a procedên-cia da pretensão autoral, uma vez que tais questões específicas constituem matéria técnica que deveria ter sido apreciada por um expert do juízo, em prova pericial contábil que apontasse se composição da remuneração dos

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vigilantes estava de acordo com os parâmetros legais ou se foram oferecidos preços que não poderiam ser executados na prática.

Assim, diante da ausência de prova técnica que corrobore as alega-ções da demandante, não é possível acolher seus pedidos de anulação da adjudicação do objeto do pregão em favor da licitante vencedora.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0006576‑11.2005.4.03.6112/SP2005.61.12.006576‑8/SPRelator: Desembargador Federal Johonsom di SalvoApelante: Miguel Moyses Abeche NetoAdvogado: SP146234 Rodrigo Barbosa MatheusApelante: João Teixeira de LimaAdvogado: SP159492 Luiz Augusto Stesse e outro(a)Apelado(a): Ministério Público FederalProcurador: Tito Livio Seabra e outro(a)Apelado(a): União FederalAdvogado: SP000019 Tércio Issami TokanoApelado(a): Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – IncraAdvogado: SP028979 Paulo Sergio Miguez Urbano e outro(a)

SP000361 Paulo Sérgio Miguez UrbanoParte Ré: Norival Raphael da Silva Junior e outros(as)Advogado: SP088228 Jose Raphael Cicarelli JuniorParte Ré: Nivaldo Felix de OliveiraAdvogado: SP092307 Sebastião PereiraParte Ré: João Batista Anselmo de SouzaAdvogado: SP071768 Luiz Raphael ArelloNº Orig.: 00065761120054036112 3ª Vr. Presidente Prudente/SP

emenTaAÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CALCADA NOS ARTS. 37, § 5º, DA CF, E 10, INCS. I, XI E XII, DA LEI Nº 8.429/1992 – DESVIO DE VERBAS LIBERADAS PELO INCRA, POR MEIO DO PROCERA, PARA IMPLANTAÇÃO DE SISTEMA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL – MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA – CONDUTAS ÍMPROBAS E RESPECTIVO DOLO COMPROVADAS PELO FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO – CONDENAÇÃO DOS APELANTES MAN-TIDA – A LIqUIDAÇÃO DO DÉBITO DEVE SER REALIZADA EXCLUSIVAMENTE COM O EMPREGO DA SELIC, OBSERVANDO-SE A RESOLUÇÃO Nº 267/CJF

1. Apelações interpostas por Miguel Moyses Abeche Neto e João Tei-xeira de Lima contra a sentença de procedência da ação civil pú-blica derivada de ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, calcada nos arts. 37, § 5º, da Constituição Federal e 10, incs. I, XI e XII, da Lei nº 8.429/1992.

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2. Trata-se de desvio de verbas públicas liberadas pelo Instituto Na-cional da Reforma Agrária (Incra), por meio do Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária (Procera), em 28.11.1996, à Cooperati-va dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, em Martinópolis/SP, para a implantação de sistema de eletrificação rural no Projeto de Assentamento (PA) Chico Castro Alves.

3. Concorreram para o ato ímprobo o “captador de obras” Nivaldo Félix de Oliveira e o empresário Norival Raphael da Silva Júnior (pro-prietário da Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda.), com o auxílio do presidente da cooperativa João Batista Anselmo de Souza, do funcionário aposentado do Incra, João Teixeira de Lima, e do superintendente do Incra em São Paulo, à época, Miguel Moyses Abeche Neto.

3. Afastada a preliminar de ilegitimidade ad causam arguida por João Teixeira de Lima. A inicial, amparada em farta prova documental, descreve com detalhes a conduta atribuída ao apelante em relação aos fatos objeto dessa ação civil pública, o que basta para justificar a sua propositura e frustrar a tese de ilegitimidade passiva, calcada – saliente-se – em elementos diretamente relacionados à discussão de mérito.

4. Inépcia da inicial não configurada. A petição inicial descreveu sufi-cientemente os fatos e contém causa petendi e petitum perfeitamente adequados, sendo que permitiu aos réus o exercício de ampla defesa.

5. Inocorrência de prescrição. Desde a sua proposição essa ação civil pública pretende o ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, o que é imprescritível, conforme art. 37, § 5º, da Constituição Federal (STJ – REsp 1528444/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 18.06.2015, DJe 29.06.2015).

6. No mérito, a tese defensiva de que João Teixeira de Lima visitava o PA Chico Castro Alves desinteressadamente, apenas por simpatia aos movimentos sociais, não encontra a menor guarida nos autos. Mui-to pelo contrário, o amplo acervo probatório deixou claro que João Teixeira de Lima aderiu à urdidura montada pelos corréus, procu-rando os assentados em nome do Incra para “tranquilizá-los” quanto à implantação do sistema de eletrificação rural. O convencimento dos assentados era parte fundamental para a obtenção dos recursos públicos, pois a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves – criada após a assinatura do contrato com a Cial – Comércio

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de Implementos Agrícolas Linense Ltda. e às custas dessa empresa – pleitearia junto ao Procera o valor máximo disponível para cada assentado/cooperado, que correspondia a R$ 7.500,00. Como apenas 76 dos 87 assentados/cooperados foram qualificados pelo Banco do Brasil S/A, o valor do contrato foi reduzido de R$ 652.000,00 para R$ 570.000,00, com a pronta concordância da Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., evidenciando o superfatura-mento da obra.

7. A prova irretorquível aponta sem rebuços para o comportamen-to doloso de João Teixeira de Lima, que de simpatizante de causas sociais nada tinha, tratando-se de indivíduo envolvido em “golpe” destinado a subtrair recursos públicos. É evidente que trabalhou in-tencionalmente junto aos corréus para a liberação da verba pública vergonhosamente desviada, sendo de rigor a manutenção da sua con-denação.

8. O outro apelante, Miguel Moyses Abeche Neto, que ocupou o car-go de Superintende do Incra em São Paulo até 17.09.1996, é réu nes-sa ação civil pública por ter interferido em 05.09.1996 na reunião da Comissão Estadual do Procera em favor da proposta de financiamen-to para a implantação do sistema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves. Miguel Moyses Abeche Neto, em 05.09.1996, substi-tuiu a representação do Incra na Comissão Estadual do Procera, que por determinação regimental detinha a presidência das reuniões. No decorrer da sessão, imiscuiu-se na discussão para forçar a aprovação do financiamento para a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, que era totalmente eivado de irregularidades desde a sua concepção. O propósito do apelante restou alcançado em parte, pois a liberação dos recursos ficou condicionada a apresentação de documentação complementar. É o que consta nas atas da Comissão Estadual do Procera de 05.09.1996, 16.09.1996 e 01.10.1996. O “fato” provocado pela ação dolosa de Miguel Moyses Abeche Neto em 05.09.1996 seguiu seu curso sem qualquer impedimento, ape-sar dos diversos setores envolvidos na deliberação do mesmo que se mantiverem em conveniente silêncio quanto a irregularidades.

9. Não impressiona a decisão do Tribunal de Contas da União fa-vorável a Miguel Moyses Abeche Neto, tomada nos idos de 2010 nos autos do processo nº 020.740/2005-2, isentando-o de “abuso de poder”, diante da robusta prova da participação essencial do réu nos fatos que resultaram no avanço sobre dinheiro público. Nesse amplo

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cenário probatório não há como isentá-lo de responsabilidade, ainda mais que a suposta parcialidade da testemunha Tânia em momento algum restou demonstrada.

10. Acolhido o pleito de Miguel Moyses Abeche Neto apenas para que a liquidação do débito seja feita exclusivamente com o emprego da Selic, observando-se a Resolução nº 267/CJF.

aCÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apela-ção de João Teixeira de Lima e dar parcial provimento à apelação de Miguel Moyses Abeche Neto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 07 de abril de 2016.

Johonsom di Salvo Desembargador Federal

relaTÓrio

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator:

Trata-se de Apelações interpostas por Miguel Moyses Abeche Neto e João Teixeira de Lima contra a sentença de procedência da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, calcada nos arts. 37, § 5º, da Constituição Federal e 10, I, XI e XII da Lei nº 8.429/1992.

Narra a inicial, em apertada síntese, que o Instituto Nacional da Re-forma Agrária (Incra), por meio do Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária (Procera), em 28.11.1996 liberou R$ 570.000,00 à Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, em Martinópolis/SP, para a im-plantação de sistema de eletrificação rural no Projeto de Assentamento (PA) Chico Castro Alves. A verba pública, entretanto, foi desviada por Nivaldo Félix de Oliveira e pelo empresário Norival Raphael da Silva Júnior, com o auxílio do presidente da cooperativa João Batista Anselmo de Souza, do fun-cionário aposentado do Incra, João Teixeira de Lima, e do superintendente

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do Incra em São Paulo, à época, Miguel Moyses Abeche Neto. Em decor-rência, a Procuradoria da República em Presidente Prudente/SP ajuizou a presente ação civil pública, objetivando a condenação de Nivaldo Félix de Oliveira, Norival Raphael da Silva Júnior, João Batista Anselmo de Souza, João Teixeira de Lima e Miguel Moyses Abeche Neto a restituírem – soli-dariamente – o valor desviado, acrescidos de juros, correção monetária e demais encargos cabíveis desde a data da liberação. Deu-se à causa o valor de R$ 570.000,00 (fls. 2/28).

Em 03.08.2005, o feito foi distribuído à 3ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, que decretou sigilo nos autos (fl. 539).

O Ministério Público Federal aditou a inicial para requerer a con-denação dos réus à restituição do débito atualizado em R$ 1.076.258,97, mais juros, correção monetária e demais encargos cabíveis desde a data da liberação; e elevar o valor da causa a esse mesmo patamar (fls. 545/546).

Em 05.12.2005, foi deferido o pedido liminar de indisponibilidade dos bens dos réus (fls. 580/582).

O Incra e a União Federal foram incluídos no polo ativo da ação, na posição de assistentes litisconsorciais (fls. 1019/1020).

Foi decretada a revelia de João Batista Anselmo de Souza (fl. 1211).

Em 15.08.2012, adveio a sentença de procedência, nos seguintes termos:

[...] Ante o exposto, na forma da fundamentação supra, confirmo a ante-cipação da tutela concedida às fls. 580/582, e julgo procedente o pedido formulado, para o fim de condenar os réus Norival Raphael da Silva Jú-nior, Nivaldo Félix de Oliveira, Miguel Moyses Abeche Neto, João Batista Anselmo de Souza e João Teixeira de Lima a restituírem aos cofres da União (Incra), solidariamente, a quantia liberada irregularmente à empresa Cial, no montante de RS 508.800,00 (quinhentos e oito mil e oitocentos reais), sen-do RS 378.000,00 (trezentos e setenta e oito mil reais), posicionado para 20.11.1996, e RS 130.000,00 (cento e trinta mil reais), posicionado para 07.01.1997. Tais valores deverão ser corrigidos monetariamente nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora fixa-dos em 1% ao mês, contados a partir da citação (art. 219 do CPC).

Extingo o feito, com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do CPC.

Honorários não são devidos na espécie, na consideração de que o órgão ministerial não pode recebê-los.

Custas pelos réus, solidariamente... (fls. 1573/1588).

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Os Embargos de Declaração opostos por João Teixeira de Lima foram rejeitados (fl. 1784).

Miguel Moyses Abeche Neto, nas razões de Apelação, requer a refor-ma da sentença, alegando que não praticou, induziu ou se beneficiou do ato ímprobo, tanto que não foi responsabilizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU); a testemunha Tânia de Andrade é sua inimiga declarada, o que a torna suspeita; não aprovou e nem liberou a verba pública em ques-tão; não está comprovado que agiu com dolo ou culpa; não há amparo legal para a responsabilização solidária no ressarcimento ao erário; a jurispru-dência do STJ relativa ao art. 406 do Código Civil prevê que os juros legais devem ser calculados pela taxa Selic, sem cumulação com outro índice de correção (fls. 1786/1823).

João Teixeira de Lima, nas razões de recurso, preliminarmente suscita a inépcia da inicial por prescrição e ilegitimidade passiva. No mérito, requer a reforma da sentença, alegando que não há prova da sua participação nos fatos que são objeto dessa ação (fls. 1827/1843).

O Ministério Público Federal e a União Federal, nas contrarrazões, pugnaram pela manutenção da sentença (fls. 1869/1890, 1892/1902).

A União Federal opôs Embargos de Declaração por obscuridade/con-tradição, alegando que a verba pública recuperada deverá ser destinada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, atual gestor dos recursos do Proce-ra, nos termos da Lei nº 10.696/2003 (fls. 1903/1906).

Em 18.03.2013, o feito foi distribuído nessa Corte, a minha relatoria (fl. 1907).

A Procuradoria Regional da República, no parecer, opinou pelo des-provimento dos recursos (fls. 1912/1921).

Determinei a baixa dos autos à origem para apreciação dos Embargos de Declaração opostos pela União Federal (fls. 1925/1926).

Em 13.08.2015, o Juízo da 3ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP acolheu os aclaratórios, determinado que os recursos públicos recuperados integrem o Ministério do Desenvolvimento Agrário (fl. 1933).

As partes não se manifestaram em relação à sentença de fl. 1933 (fl. 1937).

Feito conclusos em 02.12.2015 (fl. 1940).

É o relatório.

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À revisão.

Johonsom di Salvo Desembargador Federal Relator

VoTo

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator:

DOS FATOS

Em 23.09.1998, após reportagem publicada na revista “Isto É” nº 1510, de 09.09.1998, o Ministério Público Federal em Presidente Pru-dente/SP instaurou inquéritos civil e criminal para apurar irregularidades no financiamento concedido pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (In-cra), por meio do Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária (Proce-ra), à Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, destinada à implantação de um sistema de eletrificação rural no Projeto de Assenta-mento Chico Castro Alves (PA Chico Castro Alves), em Martinópolis/SP, que reunia 87 assentados em lotes de 7,5 alqueires (fls. 30/35).

De acordo com o averiguado pelo parquet, em 1996, Nivaldo Félix de Oliveira, um “captador de obras” atuante na região, negociou com o empresário Norival Raphael da Silva Júnior, proprietário da empresa Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., a implantação do sis-tema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves, em troca de uma “comissão”.

Norival Raphael da Silva Júnior aceitou a proposta de Nivaldo Félix de Oliveira porque a empresa Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda. estava praticamente falida e precisava urgentemente de uma injeção de recursos.

Concomitantemente à negociação com o empresário, Nivaldo Félix de Oliveira passou a frequentar o PA Chico Castro Alves, geralmente acompanhado de João Teixeira de Lima, funcionário aposentado do Incra, para “divulgar” aos assentados a possibilidade de implantação do sistema de eletrificação rural com recursos federais. Ambos foram introduzidos no assentamento pelo líder local João Batista Anselmo de Souza.

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Para aumentar o poder de persuasão, João Batista Anselmo de Souza afirmou aos assentados que o aposentado João Teixeira de Lima era um “representante” do Incra. Nesse “papel”, João Teixeira de Lima tratou de convencer os assentados a contratarem com a empresa Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., pois o Incra assumiria todos os encar-gos futuramente.

Assim, em 12.04.1996, a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, representada por João Batista Anselmo de Souza, e a empresa Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., representada por Norival Raphael da Silva Júnior, contrataram a obra para implantação do sistema de eletrificação rural, no valor de R$ 652.000,00 (fls. 120/125).

Destaque-se que a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves foi formalmente criada depois da assinatura do contrato com a Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda. e às custas dessa empresa, por ser necessária para obtenção dos recursos federais.

Em 04.07.1996, a Cooperativa Central de Reforma Agrária do Estado de São Paulo (CCA) elaborou um projeto de financiamento com linha de crédito do Procera, em benefício da Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, para a implantação do sistema de eletrificação rural, no valor de R$ 652.000,00, cuja garantia seria a produção agrícola dos assen-tados (fls. 165/168).

Em 05.09.1996, após veemente intercessão do Superintende do Incra em São Paulo Miguel Moyses Abeche Neto, a Comissão Estadual do Pro-cera aprovou por maioria o projeto de financiamento elaborado pela CCA em benefício da Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, ficando a liberação dos recursos condicionada à apresentação do detalha-mento técnico do projeto (fls. 163, 524/527, 531/532).

Em 01.11.1996, a Comissão Estadual do Procera aprovou em definiti-vo o projeto de financiamento elaborado pela CCA em benefício da Coope-rativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves (fls. 163/164).

Em 18.11.2006, o Banco do Brasil S/A, na qualidade de agente finan-ceiro, autorizou sua agência de Martinópolis/SP a liberar os R$ 652.000,00 alocados pelo Procera em benefício da Cooperativa dos Pequenos Produto-res Chico Castro Alves (fl. 162).

Em 25.11.1996, o Banco do Brasil S/A comunicou o Procera que apenas 76 assentados possuíam qualificação para recebimento do crédito,

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solicitando a redução da operação de R$ 652.000,00 para R$ 570.000,00 (fls. 169/170).

Em 28.11.1996, o Banco do Brasil S/A creditou R$ 570.000,00 na conta corrente da Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, contra emissão da cédula rural pignoratícia nº 96/00293-X, com vencimento em 20.07.2003, no mesmo valor (cédula mãe), avalizada por cada um dos 76 assentados por meio de nota de crédito rural no valor de R$ 7.500,00 (cédulas filhas) (fls. 127/138, 153/154).

Ou seja – cada um dos 76 assentados tornou-se responsável por R$ 7.500,00 do total de R$ 570.000,00 financiados.

Ainda em 11/1996, a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, representada por João Batista Anselmo de Souza, emitiu che-que do Banco do Brasil S/A no valor de R$ 378.000,00, em favor da empre-sa Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., em pagamento a primeira parcela do contrato. Desse total, R$ 189.300,00 foram repassa-dos por Norival Raphael da Silva Júnior a Nivaldo Félix de Oliveira, a título de “comissão” (fls. 96, 139/140, 277/280, 350/352).

Em 07.01.1997, a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Cas-tro Alves pagou com cheque administrativo do Banco do Brasil S/A o valor de R$ 130.000,00 à empresa Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., correspondente a segunda parcela do contrato. Desse total, R$ 75.100,00 foram repassados por Norival Raphael da Silva Júnior a Nivaldo Félix de Oliveira, a título de “comissão” (fls. 96, 141, 277/280).

Em 14.04.1997, o Banco do Brasil S/A vistoriou o andamento das obras no assentamento, verificando que muito pouco havia sido feito (fl. 174).

Em 05.09.1997, o Banco do Brasil S/A novamente vistoriou o anda-mento das obras, constatando o seu abandono, motivo pelo qual antecipou o vencimento da cédula rural pignoratícia nº 96/00293-X, tornando os 76 assentados avalistas inadimplentes e, portanto, proibidos de contratar novos créditos (fls. 175/187).

Em razão desses fatos, Norival Raphael da Silva Júnior, Nivaldo Félix de Oliveira, João Teixeira de Lima, João Batista Anselmo de Souza e Miguel Moyses Abeche Neto tornaram-se réus na Ação Penal nº 1999.61.12.001861-2, perante a 1ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, restando condena-dos pelos crimes dos art. 312, caput, c/c art. 327 do Código Penal. Segundo

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o sistema informatizado da Justiça Federal, as defesas interpuseram apela-ção (http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/).

Conforme relatado, essa ação civil pública também foi julgada pro-cedente.

DA APELAÇÃO DE JOÃO TEIXEIRA DE LIMA

Afasto a preliminar de ilegitimidade ad causam. A inicial, amparada em farta prova documental, descreve com detalhes a conduta atribuída ao apelante em relação aos fatos objeto dessa ação civil pública, o que basta para justificar a sua propositura e frustrar a tese de ilegitimidade passiva, calcada – saliente-se – em elementos diretamente relacionados à discussão de mérito.

Ainda, de inépcia da inicial não há que se falar. A petição inicial des-creveu suficientemente os fatos e contém causa petendi e petitum perfeita-mente adequados, sendo que permitiu aos réus o exercício de ampla defesa.

Igualmente sem guarida a alegação de prescrição. Resta claro que a presente ação civil pública, desde a sua proposição, pretende o ressar-cimento dos prejuízos causados ao erário, que é imprescritível, conforme art. 37, § 5º, da Constituição Federal. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – IMPROBIDADE ADMINISTRA-TIVA – PRESCRIÇÃO – AGENTE POLÍTICO – DEMORA DA CITAÇÃO – ME-CANISMO DO JUDICIÁRIO – SÚMULA Nº 106/STJ – PRECEDENTES

1. Cinge-se a controvérsia dos autos, a saber se ocorreu ou não a prescrição da ação de improbidade administrativa, ressalvadas a ação ressarcitória, uma vez que esta é imprescritível, conforme jurisprudência pacífica desta Corte.

2. No caso de agente político detentor de mandato eletivo ou de ocupantes de cargos em comissão e de função de confiança inseridos no polo passivo da ação, inicia-se a contagem do prazo com o fim do mandato. Exegese do art. 23, I, da Lei nº 8.429/1992.

3. O Ministério Público Federal, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e a União ajuizaram ação civil pública por improbidade admi-nistrativa na Seção Judiciária do Distrito Federal, no dia 08.07.2003, com objetivo de ressarcimento ao erário público no valor de R$ 99.000.000,00 (noventa e nove milhões), repassados pelo Fundo Nacional de Saúde – FNS, dentro do prazo estabelecido pela Lei nº 8.429/1992, qual seja, cinco anos, do fim dos mandatos dos agentes públicos, ocorridos em 2.4.2002 (Jofran Frejat) e 24.07.2002 (Paulo Afonso Kalume Reis).

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4. O Tribunal de origem afastou a prescrição, reconhecendo que a demora da citação deu-se por mecanismos inerentes ao Judiciário, incidindo a Súmu-la nº 106 desta Corte.

5. Não é possível afastar o óbice da Súmula nº 106 desta Corte, pois a mora da citação, atribuível aos serviços judiciários, não pode ser atribuída à parte, quando ajuizada a ação no tempo adequado. O declínio da competência, para a Justiça Comum do Distrito Federal, demorou quase cinco anos. E o efetivo envio dos autos somente ocorreu em dezembro de 2010. Inconteste, portanto, a ausência da prescrição.

6. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o § 1º do art. 219 do CPC dispõe que “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositu-ra da ação”. Tendo a demanda sido ajuizada tempestivamente, não pode a parte autora ser prejudicada pela decretação de prescrição em razão da mora atribuível exclusivamente aos serviços judiciários. Incidência da Súmula nº 106/STJ (“Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”) (REsp 700.038/RS, Min. José Delgado, DJ 12.09.2005). Precedente no mesmo sentido (REsp 750.187/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 19.09.2006, DJ 28.09.2006, p. 207, REPDJ 20.11.2006).

Incidência da Súmula nº 83/STJ.

Recurso especial conhecido em parte e improvido.

(STJ, REsp 1528444/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 18.06.2015, DJe 29.06.2015)

No mérito, João Teixeira de Lima, radiotelegrafista aposentado do Incra e ligado à Associação dos Servidores do Incra (Assincra), reitera que não tem qualquer relação com os fatos tratados nestes autos, que apenas vi-sitava os assentamentos por simpatia com os movimentos sociais, especial-mente o MST; por acreditar na reforma agrária; para fazer campanha para políticos comprometidos com esse tema. Afirma que vive modestamente em Jaboticabal/SP, trabalhando como jornalista.

Todavia, extrai-se das provas colacionadas que João Teixeira de Lima aderiu à urdidura montado pelos corréus, procurando os assentados em nome do Incra para tranquilizá-los quanto à implantação do sistema de ele-trificação rural.

O convencimento dos assentados era parte fundamental para a obten-ção dos recursos públicos. A Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves – criada após a assinatura do contrato com a Cial – Comércio

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de Implementos Agrícolas Linense Ltda. e às custas dessa empresa – plei-tearia junto ao Procera o valor máximo disponível para cada assentado/co-operado, que correspondia a R$ 7.500,00. Como apenas 76 dos 87 assen-tados/cooperados foram qualificados pelo Banco do Brasil S/A, o valor do contrato foi reduzido de R$ 652.000,00 para R$ 570.000,00, com a pronta concordância da Cial – Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda., evidenciando o superfaturamento da obra (fls. 171).

Saliente-se nesse ponto que a liberação do valor máximo por assenta-do/cooperado impediu a realização de financiamentos individuais. Ou seja, João Teixeira de Lima abusou da confiança que inspirava como suposto “representante” do Incra (assim se apresentava) para persuadir os assenta-dos – pessoas humildes, sem escolaridade – a assinarem a documentação apresentada pelo líder local João Batista Anselmo de Souza.

João Batista Anselmo de Souza, aliás, ao ser interrogado na Ação Pe-nal nº 1999.61.12.001861-2 (prova emprestada), afirmou que João Teixeira de Lima sempre ajudava a cooperativa (fl. 1176).

Na mesma linha são os testemunhos colhidos na Ação Penal nº 1999.61.12.001861-2 (prova emprestada – fl. 1159):

Amilton Cardoso Andrade, assentado,

[...] o réu João Teixeira sempre frequentou o assentamento, intitulando-se funcionário do Incra [...] (fls. 1177/1178);

Sebastião Donato da Silva, assentado,

[...] Nivaldo e João Teixeira eram as pessoas que Norival citou o nome dizen-do que estariam atrelados ao Incra e que conseguiriam obter o dinheiro que seria para a realização das obras [...] (fls. 1185/1186);

Cícero Bezerra Moreira, assentado,

[...] João Batista sabia de tudo e foi apresentado para a Cial por intermédio de João Teixeira [...] (fls. 1187/1189);

Joventino Vieira Neto, assentado,

[...] João Batista era presidente da cooperativa na época e era uma das pes-soas que pedia aos assentados que concordassem com o projeto. Que o réu João Teixeira, juntamente com o réu João Batista, também procurou incen-tivar os assentados a concordarem com o projeto [...] não chegou a partici-par de reunião onde presente estivesse o réu João Teixeira, mas as pessoas com quem manteve contato diziam que João Teixeira incentivava os assen-

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tados alegando que não era possível eles ficarem ali sem energia. Que o réu João Teixeira era conhecido como sendo funcionário do Incra, porém, posteriormente, o depoente ficou sabendo que ele já estava afastado [...] (fls. 1195/1197);

Carlos Alberto Claro Pereira, à época funcionário do Departamento de Assentamento Fundiário do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (DAF/Itesp), disse:

[...] João Teixeira de Lima é servidor aposentado do Incra e também estava presente na reunião ocorrida em 16.09.1996, ocasião em que defendeu a aprovação do projeto [...] (fls. 1190/1192);

Tânia Márcia Oliveira de Andrade, à época dirigente do DAF/Itesp e participava da Comissão Estadual do Procera, afirmou:

[...] João Teixeira de Lima foi até o assentamento, ajudando a convencer os assentados, dizendo que o pessoal podia ficar tranquilo, pois, mais a frente, o Incra assumiria o projeto; que isso foi relatado por vários técnicos e assenta-dos [...] que um projeto idêntico de eletrificação, com preço no teto máximo, foi levado assentamento de Chico Castro Alves direto à Comissão do Procera, desta vez sem passar pela assistência técnica do Itesp [...] que nesse projeto de Chico Castro Alves também houve a participação de João Teixeira [...] que pelos relatos de alguns técnicos, João Batista organizou uma reunião geral no assentamento, ocasião em que apresentou João Teixeira e este apre-sentou o pessoal da Cial; [...] que João Teixeira, então, induzia os assentados a assumir o financiamento afirmando que o Incra assumiria; [...] que João Teixeira ia até os assentamentos dizendo-se servidor do Incra, razão pela qual ficava legitimada a empresa que ele apresentava [...] (fls. 1198/1200).

Nessa sede de ação civil pública, Carlos Alberto Claro Perei-ra e Tânia Márcia Oliveira de Andrade testemunharam em igual sentido (fls. 1362/1364, 1467/1468).

Enfim, a alegação da defesa de que João Teixeira de Lima visitava o PA Chico Castro Alves desinteressadamente, apenas por simpatia aos movi-mentos sociais, não encontra a menor guarida nos autos.

A prova irretorquível que desponta nos autos aponta, sem rebuços, para o comportamento doloso de João Teixeira de Lima que de simpati-zante de causas sociais nada tinha, tratando-se de indivíduo envolvido em “golpe” destinado a subtrair recursos; é evidente que trabalhou intencional-mente junto aos corréus para a liberação da verba pública vergonhosamente desviada, sendo de rigor a manutenção da sua condenação.

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DA APELAÇÃO DE MIGUEL MOySES ABECHE NETO

Miguel Moyses Abeche Neto, que ocupou o cargo de Superintende do Incra em São Paulo até 17.09.1996, é réu nessa ação civil pública por ter interferido em 05.09.1996 na reunião da Comissão Estadual do Procera em favor da proposta de financiamento para a implantação do sistema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves.

Verifica-se pela documentação acostada aos autos, extraída da sindi-cância instaurada pelo Incra, dos inquéritos civil e criminal, da Ação Penal nº 1999.61.12.001861-2 (prova emprestada), além da prova produzida nes-ta ação civil pública, que a proposta de financiamento para a implantação do sistema de eletrificação rural no Pa Chico Castro Alves provocou grandes desentendimentos no seio da Comissão Estadual do Procera, polarizados especialmente pelas representações do Incra (a favor) e do Estado de São Paulo (contra).

Em 05.09.1996 a Comissão Estadual do Procera era formada por Moyzes Jacob Schenker, Tânia Márcia Oliveira de Andrade, João Marcos Ludescher, Laudenor de Souza e Waldomiro Cordeiro, representando – res-pectivamente – o Incra, o Estado de São Paulo, o Banco do Brasil S/A, os assentados e os trabalhadores rurais (fls. 524/527).

A representação do Incra na Comissão Estadual do Procera, por de-terminação regimental, detinha a presidência das reuniões. Até então, esse encargo pertencia ao chefe de Moyzes Jacob Schenker, que trabalhava na Divisão de Assentamentos.

Todavia, em 05.09.1996, Miguel Moyses Abeche Neto determi-nou que Moyzes Jacob Schenker substituísse seu chefe na Comissão Esta-dual do Procera, presidindo a reunião que ocorreria naquele mesmo dia (fls. 524/527, 531/532).

Esse episódio gerou grande desconforto entre os demais membros da Comissão Estadual do Procera e, segundo Moyzes Jacob Schenker, para ele próprio, pois se sentiu no papel de mero “figurante” e despreparado para lidar com os tumultos provocados pelos assentados presentes na plateia. Confiram-se trechos do seu depoimento prestado ao Ministério Público Federal:

[...] Que no dia 5 de setembro de 1996, quando chegou ao trabalho, “re-cebeu essa incumbência de chofre” do então Superintendente, Sr. Miguel Moyses Abeche, para presidir a assembleia que seria realizada naquele dia;

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que as assembleias eram abertas ao público e participava uma “plêiade” de pessoas, não se podendo vedar a participação de quem quer que fosse [...] que o declarante começou a presidir a sessão, mas teve que interrompê-la devido as fortes discussões entre grupos de sem terra no plenário, inclusive com palavras de baixo calão dirigidas aos membros da comissão; que em face do tumulto gerado e da animosidade, houve por bem suspender a ses-são, porque não conseguiu administrar o conflito, que estava prestes a chegar às vias de fato [...] (fls. 531/532).

Consoante a ata da reunião de 05.09.1996, o próprio Miguel Moyses Abeche Neto Iniciou os trabalhos, informando os demais sobre a nomeação de Moyzes Jacob Schenker e também sobre a existência de uma verba des-tinada à implantação do sistema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves, no valor de R$ 800.000,00:

[...] A reunião iniciou-se com o comunicado do Superintendente Regional do Incra, Sr. Miguel Moyses Abeche, informando aos presentes que o Sr. Laerte Fávero retirou-se da Divisão de Assentamento do Incra e que a Comissão passará a ser presidida pelo Sr. Moyzes Schenker.

Em seguida informou que estão sendo liberados para o Estado de São Paulo R$ 8,8 mil destinados para o projeto de eletrificação do assentamento Chico Castro Alves. Informou ainda que foi assinado convênio entre o Banco do Brasil e o Incra que permitirá normalizar aas operações de crédito do Proce-ra, que estavam sendo executados a título precário [...] (fls. 524/527).

Na sequência, os representantes dos assentamentos fizeram suas reivindi-cações. A aprovação da proposta para a implantação do sistema de eletri-ficação rural no PA Chico Castro Alves foi a primeira a ser discutida pela Comissão Estadual do Procera.

Miguel Moyses Abeche Neto interveio nesse momento, afirmando que a ver-ba para PA Chico Castro Alves estava “aprovada”. Consta na ata da reunião, verbis:

[...] A seguir, passou-se a discutir os projetos de investimento apresentados à reunião. Em primeiro lugar, discutiu-se a proposta de eletrificação do assen-tamento Chico Castro Alves, projeto que atinge o valor total de R$ 625 mil ou R$ 7.500,00 por assentado que integra o projeto.

O Superintende do Incra informou que conseguiu obter, junto à Brasília R$ 800 mil adicionais já compromissados com esse projeto. Disse ademais, que é da competência da Superintendência decidir pela aprovação do proje-to, após consultar os trabalhadores [...] (fls. 524/527 – destaquei).

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Um novo impasse se instalou na reunião, pois Miguel Moyses Abeche Neto, agindo dessa forma, obstava o direito de voto dos demais membros da Comissão Estadual do Procera (fls. 524/527).

Esse problema foi resolvido por Moyzes Jacob Schenker, que garantiu a votação (fls. 524/527).

A representante do Estado de São Paulo Tânia Márcia Oliveira de Andrade, do DAF/Itesp, fez várias ressalvas à proposta do PA Chico Castro Alves. Confira-se a ata:

[...] O DAF levantou a seguinte objeção: deveria ser adotado o mesmo pro-cedimento utilizado com os beneficiários do assentamento Bela Vista do Chibarro, em que a Comissão solicitou, na oportunidade: a) a discussão com várias empresas de eletrificação, procurando-se reduzir os custos do investi-mento, devendo inclusive ser avaliado se é caso de implantar rede trifásica ou monofásica; b) o projeto de eletrificação deveria estar associado a proje-tos que produzam renda suficiente para pagar o investimento; c) a empresa não apresentou orçamento detalhado; d) o contrato já está assinado desde abril; e) o projeto prevê a instalação de 1 transformador de 15 KVA por lote, quando poderia ser verificado se não poderia haver uma forma mais racional de distribuir a rede.

Em resumo, o DAF considera que não existem elementos suficientes para a análise do projeto, sem o orçamento detalhado, locação na planta da rede e sem a discussão de projetos de investimento que estarão associados para garantir o pagamento do projeto [...] (fls. 524/527 – destaquei).

Miguel Moyses Abeche Neto novamente defendeu a aprovação da proposta. Consta na ata da reunião:

[...] O Superintende do Incra afirmou que é fundamental aprovar o projeto de eletrificação do assentamento Chico Castro Alves, pois a energia é um importante fator de desenvolvimento agrícola. Acrescentou, ainda, que não deve ser comparado o atual projeto com o aprovado anteriormente pela Co-missão para o assentamento Bela Vista do Chibarro, que atingiu um valor de R$ 3.500,00 por família, uma vez que nesta oportunidade teriam sido utilizados equipamentos “de segunda” e os assentados já haviam solicitado complementação do projeto, que já atingiria R$ 6.000,00 por família [...] (fls. 524/527 – destaquei).

Moyzes Jacob Schenker também defendeu a aprovação da proposta, afirmando que eventuais alterações poderiam ser feitas posteriormente. As-sim, após a discussão, ocorreu a votação (fls. 524/527).

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O Estado de São Paulo e o Banco do Brasil S/A votaram pela solici-tação de mais informações técnicas e análise da capacidade de pagamento (fls. 524/527).

O representante dos assentados votou pela aprovação, com posterio-res ajustes técnicos, sendo acompanhado pelo representante dos trabalha-dores rurais (fls. 524/527).

Moyzes Jacob Schenker, representando o Incra, votou pela aprova-ção, condicionando a liberação dos recursos à apresentação de maiores informações e detalhamento técnico. Consta na ata da reunião:

[...] o representante do Incra, presidindo a Comissão, decidiu então aprovar o projeto, exigindo da empresa os seguintes elementos: planta da rede de dis-tribuição, dimensionamento da necessidade de transformadores; orçamento detalhado. O projeto fica aprovado, o recurso fica reservado, mas condicio-nado à apresentação e aprovação destes elementos na próxima reunião da Comissão [...] (fls. 524/527 – destaquei).

Tendo em vista o ocorrido nessa reunião de 05.09.1996, a represen-tante do Estado de São Paulo Tânia Márcia Oliveira de Andrade oficiou à Comissão Nacional do Procera, questionando – dentre outros fatos – qual o poder do Superintendente Estadual do Incra na Comissão Estadual do Pro-cera (fls. 305/306).

Em 10.09.1996, Jonas Villas Boas, coordenador do Itesp, oficiou a Miguel Moyses Abeche Neto para informar que o órgão suspendeu suas atividades no PA Chico Castro Alves em razão do grave incidente ocorrido em 07.09.1996 (fl. 502).

O Itesp relatou que dois técnicos de uma empresa de eletrificação que estiveram no PA Chico Castro Alves em 05.09.1996 para elaborar um novo orçamento, juntamente com um funcionário do órgão e um repre-sentante do Sindicato dos Engenheiros de Presidente Prudente/SP, foram mantidos em cárcere privado pelos assentados, liderados por João Batista Anselmo de Souza, sendo necessária a requisição de força policial (fl. 502).

Miguel Moyses Abeche Neto não participou de nenhuma outra reu-nião da Comissão Estadual do Procera, pois, como acima exposto, foi exo-nerado da Superintendência do Incra em São Paulo em 17.09.1996.

Moyzes Jacob Schenker, por sua vez, presidiu mais algumas reuniões da Comissão Estadual do Procera, constando nos autos apenas as atas de

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16.09.1996 e 01.10.1996. Nessas duas ocasiões a implantação do sistema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves voltou à pauta.

Na reunião de 16.09.1996 da Comissão Estadual do Procera, João Batista Anselmo de Souza acusou a representante do Estado de São Paulo Tânia Márcia Oliveira de Andrade de tentar inviabilizar a proposta do PA Chico Castro Alves, apresentando outros orçamentos (fls. 414/417).

Tânia Márcia Oliveira de Andrade afirmou que na intenção de melhor analisar o projeto, pediu orçamentos a outras empresas de eletrificação, mas em decorrência do grave incidente ocorrido em 07.09.1996, o DAF/Itesp decidiu suspender suas atividades no PA Chico Castro Alves (fls. 414/417).

O representante dos assentados Laudenor de Souza protestou contra a atitude do DAF/Itesp, afirmando que [...] não era ético pedir um orçamento após a elaboração do projeto... (fls. 414/417).

Na reunião de 01.10.1996 da Comissão Estadual do Procera, discu-tiu-se a aprovação dos projetos utilizando os recursos liberados em setem-bro, dentre os quais o relativo ao PA Chico Castro Alves, que foi suspenso. Consta na ata da reunião:

[...] Foi analisado o projeto de eletrificação rural apresentado pelos benefi-ciários do assentamento Chico Castro Alves, no município de Martinópolis, e a Comissão decidiu solicitar, novamente, o orçamento completo do projeto bem como a apresentação do projeto técnico para a empresa concessionária dos serviços de energia na região, ficando o projeto suspenso. Estes proce-dimentos serão acompanhados por um técnico do Incra, por um técnico do CCA e por um técnico do DAF, a convite do Presidente da Comissão [...] (fls. 418/419 – destaquei).

Não há notícia nos autos de que tais condicionantes tenham sido cumpridas, apenas que a verba foi liberada em definitivo na reunião de 01.11.1996 da Comissão Estadual do Procera, cuja ata não foi juntada aos autos (fls. 163/164).

Com efeito, na documentação requisitada pelo Ministério Público Fe-deral ao Banco do Brasil S/A, consta:

– o ofício CCA-SP/062-96, de 13.11.1996, em que Cyra Malta, da Cooperativa Central de Reforma Agrária do Estado de São Paulo (CCA) informa o DAF/Itesp que a Comissão Estadual do Proce-ra, na reunião realizada em 01.11.1996, aprovou o projeto de

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eletrificação rural para Martinópolis, no valor de R$ 652.000,00 (fl. 164);

– o ofício Itesp/DAF/298/1996, de 14.11.1996, em que Carlos Fernando da Rocha Medeiros, diretor do DAF/Itesp, informa a Superintendência Estadual do Banco do Brasil S/A que a Comis-são Estadual do Procera, na reunião realizada em 01.11.1996, aprovou o projeto de eletrificação rural em benefício da Coope-rativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, no valor de R$ 652.000,00 (fl. 163);

– o ofício do Banco do Brasil S/A, de 18.11.1996, para o gerente geral de sua agência em Martinópolis/SP, informando a aprova-ção do pela Comissão Estadual do Procera do projeto em be-nefício da Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, no valor de R$ 652.000,00 (fl. 162).

Concluindo, não há dúvida de que Miguel Moyses Abeche Neto imiscuiu-se profundamente na reunião da Comissão Estadual do Procera de 05.09.1996 para forçar a aprovação do financiamento para a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, que era totalmente eivado de irregularidades desde a sua concepção. Seu propósito, entretanto, não foi totalmente atingido, pois a liberação dos recursos ficou condicionada a apresentação de documentação complementar. É o que consta nas atas da Comissão Estadual do Procera de 05.09.1996, 16.09.1996 e 01.10.1996.

Miguel Moyses Abeche Neto foi exonerado da Superintendência do Incra em São Paulo em 17.09.1996 e não há nos autos a razão oficial dessa decisão.

Moyzes Jacob Schenker, já falecido, que assumiu a presidência da Comissão Estadual do Procera em 05.09.1996 por determinação de Miguel Moyses Abeche Neto, livrou-se desse encargo antes da liberação da verba, segundo a prova testemunhal.

Causa espanto a inexistência da ata da reunião de 01.11.1996 da Comissão Estadual do Procera, quando o financiamento para a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves foi finalmente aprovado.

Não se sabe quem tomou essa decisão e por qual razão.

Não se sabe por que a representação do Estado de São Paulo na Co-missão Estadual do Procera, desde o início contrário a essa proposta, não se

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insurgiu, lembrando que o próprio Itesp comunicou a decisão ao Banco do Brasil S/A (fl. 163).

Não se sabe por que a Superintendência do Incra em São Paulo – já a cargo de outrem – manteve-se silente.

Ao que parece, o “fato” provocado pela ação dolosa de Miguel Moyses Abeche Neto em 05.09.1996 seguiu seu curso sem qualquer impe-dimento, apesar dos diversos setores envolvidos na deliberação do mesmo.

A ausência de provas em relação a outros envolvidos, pertencentes a quadros da Administração Pública, pelos resultados desastrosos na alo-cação dos recursos públicos, não retira de modo algum a responsabilidade de Miguel Moyses Abeche Neto, cujas atitudes foram decisivas para o em-penho das verbas públicas desviadas, devendo ser mantida a condenação dele a ressarcir o erário pelos prejuízos decorrentes do financiamento com recursos federais criminosamente concedido à Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves pela Comissão Estadual do Procera.

A decisão do Tribunal de Contas da União favorável a esse réu, toma-da nos idos de 2010 nos autos do Processo nº 020.740/2005-2, isentando-o de “abuso de poder”, não impressiona este Relator, diante da robusta prova de participação essencial do réu Miguel Moyses Abeche Neto, já exaustiva-mente elencada, nos fatos que resultaram no avanço sobre dinheiro público.

Nesse amplo cenário probatório, não há como isentá-lo de respon-sabilidade, ainda mais que a suposta parcialidade da testemunha Tânia Márcia Oliveira de Andrade em momento algum restou demonstrada.

Merece acolhimento o apelo desse réu apenas para que a liquidação do débito seja feita exclusivamente com o emprego da Selic, observando-se a Res. 267/CJF.

Pelo exposto, rejeito matéria preliminar, nego provimento à apelação de João Teixeira de Lima e dou parcial provimento à apelação de Miguel Moyses Abeche Neto.

É o voto.

Johonsom di Salvo Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0001370‑36.2007.4.03.6115/SP2007.61.15.001370‑6/SPRelator: Desembargador Federal Cotrim GuimarãesApelante: Klayton Waldeckson Wagner da SilvaAdvogado: SP082154 Daniel Costa Rodrigues e outro(a)Apelado(a): União FederalAdvogado: SP000019 Tércio Issami Tokano e outro(a)

emenTaMILITAR – ADMINISTRATIVO – CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS AVIADORES – MÉRITO ADMINISTRATIVO – DECISÃO DO CONSELHO DE DESEMPENHO ACADÊMICO – APELAÇÃO IM-PROVIDA

1. As decisões relativas à competência técnica de qualquer partici-pante do Curso de Formação de Oficiais Aviadores da Academia da Força Aérea, bem como eventuais questões referentes à disciplina e ao pundonor militares, inserem-se no mérito administrativo, razão por que este Poder Judiciário, via de regra, não os pode apreciar. Inexistência dos pressupostos da Teoria dos Motivos Determinantes. Não há como apreciar o mérito do ato de desligamento do apelante do aludido curso.

2. O desligamento do apelante da Academia da Força Aérea decorreu do fato de que ele foi julgado “definitivamente incapaz de prosse-guimento no CFOAV” pelo Conselho de Desempenho Acadêmico. Conforme conjunto probatório, apelante apresentou repetidos pro-blemas comportamentais, demonstrando falta de compromisso com a vida militar, o que se refletiu na insuficiência de seu desempenho acadêmico.

3. Licenciamento não ocorreu na modalidade “a bem da disciplina”, nos termos do item 3.5, “d”, do ICA 37-33. A decisão do Conselho de Desempenho Acadêmico, por mais que tenha abordado aspectos comportamentais e disciplinares, não configura propriamente ato de natureza disciplinar, prescindindo de contraditório e ampla defesa. Precedente.

4. Apelação a que se nega provimento.

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aCÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 03 de maio de 2016.

Cotrim Guimarães Desembargador Federal

relaTÓrio

Trata-se de ação ordinária ajuizada por Klayton Waldeckson Wagner da Silva em face da União Federal, em que pleiteia reintegração ao Curso de Formação de Oficiais Aviadores da Academia da Força Aérea e a anula-ção dos atos administrativos disciplinares que levaram a seu desligamento por “comportamento insuficiente”. Às fls. 73/74, foi indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, por estarem ausentes os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.

O MM. Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais, por en-tender que o desligamento do autor do aludido curso de formação constitui mérito administrativo, fator a impedir este Poder Judiciário de apreciá-lo. Ainda, ao analisar os requisitos do ato administrativo em comento, concluiu pela legalidade deste.

O apelante aduz, em breve síntese, que: (i) o fundamento dos atos punitivos, art. 10, C, do RDAer, constitui norma de conteúdo por demais elástico; (ii) o fato de ter obtido baixo desempenho acadêmico não pode ser considerado transgressão disciplinar; (iii) o ato em questão viola os preceitos de razoabilidade.

Com contrarrazões.

É o relatório.

VoTo

A sentença não merece reparos.

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As decisões relativas à competência técnica de qualquer participante do Curso de Formação de Oficiais Aviadores da Academia da Força Aérea, bem como eventuais questões referentes à disciplina e ao pundonor mili-tares, inserem-se no mérito administrativo, razão por que este Poder Judi-ciário, via de regra, não os pode apreciar. Ademais, no presente caso, não vislumbro a ocorrência das hipóteses autorizadoras da aplicação da teoria dos motivos determinantes, quais sejam: inexistência dos motivos aponta-dos pela Administração Pública ou falta de congruência entre estes e os resultados práticos obtidos. Dessa maneira, não há como apreciar o mérito do ato de desligamento do apelante do aludido curso.

Além disso, no documento de fls. 134/135, ficou demonstrado que o desligamento do apelante da Academia da Força Aérea decorreu do fato de que ele foi julgado “definitivamente incapaz de prosseguimento no CFOAV” pelo Conselho de Desempenho Acadêmico. Após esse parecer ter sido exarado por unanimidade (fl. 140), foi determinada sua exclusão do curso e a transferência para a condição de adido, visando ao desligamento.

Na verdade, por meio de um acurado exame dos documentos de fls. 138/139 e 170/239, verifica-se que o apelante apresentou repetidos pro-blemas comportamentais, demonstrando falta de compromisso com a vida militar, o que se refletiu na insuficiência de seu desempenho acadêmico. Trata-se, portanto, de dois fatores que se retroalimentaram. Assim, a inclu-são dele em “insuficiente comportamento” deve ser interpretada à luz desse duplo contexto.

À fl. 138, há informação reveladora de toda essa situação a envolver a carreira do apelante, in verbis:

“Informou que, em uma justificativa o cadete Waldeckson alegou ter ido mal no vôo porque não teve tempo de se preparar por ter sido escalado para desfilar em Brasília, o que não foi verdade, pois o cadete desejou ir para a viagem, tendo, inclusive, saído à noite junto com os amigos ao invés de es-tudar, sendo que ele mesmo (Maj Okada) havia ficado para estudar para uma prova da ECEMAR.”

De qualquer modo, seu licenciamento não ocorreu na modalidade “a bem da disciplina”, nos termos do item 3.5, “d”, do ICA 37-33. Por conse-guinte, a decisão do Conselho de Desempenho Acadêmico, por mais que tenha abordado aspectos comportamentais e disciplinares, não configura propriamente ato de natureza disciplinar, o que exigiria maior respeito a preceitos de ampla defesa e contraditório.

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Nesse sentido, in verbis:

“APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – MILITAR – CURSO DE FORMA-ÇÃO DE OFICIAIS AVIADORES – PRELIMINAR – INSTRUÇÃO PROBATÓ-RIA – CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO – LEGALIDADE – DECISÃO DO CONSELHO DE DESEMPENHO ACADÊMICO – APELA-ÇÃO IMPROVIDA – 1. Na fase de ‘julgamento conforme o estado do proces-so’, o juiz assume uma de três possibilidades: (i) extingue o processo (CPC, art. 329), (ii) conhece diretamente do pedido (CPC, art. 330) ou (iii) designa audiência preliminar, quando cabível a transação (CPC, art. 331). Se não for cabível a transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e determinar a produção de provas (CPC, art. 331, § 3º). 2. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessi-dade de produzir prova em audiência (CPC, art. 330, I). 3. No caso em exa-me, a questão de mérito é predominantemente de direito (legalidade do ato administrativo de desligamento da AFA) e a matéria de fato a ela subjacente (inaptidão para o voo) foi provada documentalmente, não sendo, por isso, necessária audiência de instrução. Portanto, o Juízo a quo, corretamente, conheceu diretamente do pedido e proferiu sentença. 4. A decisão do Con-selho de Desempenho Acadêmico não tem natureza de ato disciplinar e, portanto, prescinde da formação de contraditório e da concessão de ampla defesa. Trata-se de avaliação acadêmica. 5. A cognição em sede de controle judicial do ato administrativo limita-se, necessariamente, à analise de sua estrita legalidade, isto é, da presença dos requisitos formais de competência de quem o proferiu e da correta expressão de seus motivos e finalidade, não podendo adentrar o seu mérito (discricionariedade). 6. Não cabe ao Judici-ário rever a valoração dos motivos que pautaram a Administração para con-cluir pela inaptidão do apelante para o voo. 7. Ausência de ilegalidade no ato de afastamento do apelante do Curso de Formação de Oficiais Aviadores. 8. Apelação a que se nega provimento. (AC 00026106520044036115, Des. Fed. Nino Toldo, TRF 3, Décima Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 15.05.2015 ..Fonte_Republicacao:.).” (Grifo nosso)

Ainda, o apelante não logrou comprovar a ocorrência de ilegalidades cometidas pela Administração Pública militar no processo que levou a sua exclusão da Academia da Força Aérea, não se desincumbindo do que dis-põe o art. 333, I, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Cotrim Guimarães Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0025524‑08.2003.4.03.6100/SP2003.61.00.025524‑7/SPRelatora: Desembargadora Federal Cecilia MelloApelante: Bruna Rodrigues Lopes Filho incapazAdvogado: SP103660 Francisco Lucio Franca e outro(a)Representante: Claudinei Manoel Filho e outro(a)

Rosangela Rodrigues Lopes FilhoAdvogado: SP103660 Francisco Lucio Franca

Apelante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: SP182831 Luiz Guilherme Pennacchi Dellore e outro(a)Apelado(a): Os mesmos

Nº Orig.: 00255240820034036100 8ª Vr. São Paulo/SP

emenTaCIVIL E PROCESSUAL CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – TOMBAMEN-TO DE BALCÃO EM AGÊNCIA DA CEF – DANOS CAUSADOS A MENOR IMPÚBERE – AMPUTAÇÃO DAS FALANGES DISTAIS – DANOS FÍSICOS E PREJUÍZO MORAL

I – O NCPC, conquanto se aplique imediatamente aos processos em curso, não atinge as situações já consolidadas dentro do processo (art. 14), em obediência ao princípio da não surpresa e ao princípio constitucional do isolamento dos atos processuais. Assim, ainda que o recurso tivesse sido interposto após a entrada em vigor do NCPC, o que não é o caso, por ter sido a sentença proferida sob a égide da lei anterior, é à luz dessa lei que ela deverá ser reexaminada pelo Tribu-nal, ainda que para reformá-la.

II – No caso dos autos, um balcão na área de autoatendimento de agência da CEF tombou sobre a autora causando-lhe lesões na mão esquerda, consistentes em esmagamento do segundo, terceiro e quar-to dedos, cujas falanges distais tiveram que ser amputadas.

III – Inconteste, assim, a responsabilidade daquela empresa pública pela indenização dos prejuízos sofridos pela autora, independente-mente de culpa ou dolo, embora esta esteja evidente na modalidade in vigilando.

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IV – O balcão tombou sobre a autora porque não estava fixado ao solo e o laudo pericial foi conclusivo no sentido de que, em razão disso, o móvel não cumpria os requisitos de estabilidade, resistência e durabilidade estabelecidos pela ABNT na NBR 14.111/1998.

V – O fato de o balcão estar solto e balançando ao menor contato foi também comprovado pelo depoimento das testemunhas, funcioná-rios e estagiários da própria ré.

VI – E não há que se falar em culpa exclusiva da vítima e que sua mãe faltou com o dever de guarda da filha.

VII – A queda do balcão sobre a autora, àquela altura menor impú-bere de 5 (cinco) anos, provocou-lhe lesões de tal monta a causar-lhe amputação das falanges de 3 (três) dedos da mão esquerda, a qual obviamente causa dano moral, além de estético e redução da sua futura capacidade laborativa, consoante perícia realizada nos autos.

VIII – Evidente, assim, a ocorrência dos danos morais à autora, pois não há como imaginar que o fato de ter amputadas as falanges distais, não venha a provocar-lhe desgosto, tristeza, vergonha, entre outros sentimentos negativos, potencializados pelas dores físicas que a aco-meteram.

IX – Embora decorrente do mesmo fato (queda do balcão), o dano estético, no caso, é passível de identificação em separado.

X – O direito à pensão também é incontestável, haja vista que o aci-dente provocou redução da capacidade laborativa da autora, como demonstrado nos autos. Não há, todavia, o direito a partir do evento, em razão de que o trabalho de menor somente é autorizado após os 14 (quatorze) anos.

XI – Os danos psíquicos estão compreendidos nos danos morais e estéticos, não cabendo fixação em separado.

XII – Apelo da autora parcialmente provido. Apelação da CEF im-provido.

aCÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da autora para determinar a incidência dos juros de mora a partir do evento danoso e

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negar provimento ao apelo da CEF, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 26 de abril de 2016.

Cecilia Mello Desembargadora Federal

relaTÓrio

Trata-se de recursos interpostos pela Caixa Econômica Federal e por Bruna Rodrigues Lopes Filho contra a r. sentença proferida às fls. 611/619 que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a pagar à autora: (1) indenização por danos materiais no valor de R$ 375,03 (despe-sas com remédios, médicos e xerox); (2) indenização pelos danos materiais consistente em pensão mensal alimentícia de 11% (onze por cento) do sa-lário mínimo em vigor no vencimento de cada parcela, devida a partir da data que a autora completar 14 anos até os 65 anos ou seu falecimento, se ocorrer antes; (3) indenização por dano moral no valor de R$ 93.000,00; (4) indenização por dano estético no valor de R$ 46.500,00; (5) juros mo-ratórios pela Selic, a partir da citação; (6) honorários advocatícios de 10% sobre os valores acima, salvo a pensão.

A autora, em seu apelo, requer (fls. 633/646): (1) que os danos psí-quicos sejam indenizados separadamente, cujo valor requer seja arbitrado por esta E. Corte; (2) majoração do quantum indenizatório dos danos morais para R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais); (3) pensão mensal de 1 (um) salário mínimo desde o evento danoso (17.04.2003) até o final de sua vida; (4) juros a partir do evento danoso; (5) majoração dos honorários advocatícios.

Já a CEF, em seu recurso, requer (fls. 649/663): (1) preliminarmente, o conhecimento do agravo retido interposto em audiência; (2) que seja revisto o nexo de causalidade que imputou a ela a responsabilidade integral pelo evento danoso ou, subsidiariamente, que se reconheça a culpa concorrente, com a redução das indenizações concedidas; (3) exclusão da pensão, uma vez que não ficou demonstrada a perda da capacidade laborativa ou então que seja aberta a possibilidade para a ré requerer o fim da pensão no futuro, caso esta se mostre desnecessária (cláusula rebus sic stantibus); (4) redução do quantum relativo ao dano moral e estético; (5) sucumbência recíproca no tocante aos honorários advocatícios.

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A CEF, em suas contrarrazões (fls. 670/679), alega a intempestividade do recurso da autora, na medida em que foi interposto na pendência do jul-gamento dos embargos de declaração opostos pela parte contrária e suas ra-zões não foram ratificadas posteriormente ao julgamento dos declaratórios.

Contrarrazões da autora às fls. 682/695. Subiram os autos a esta Egré-gia Corte.

O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovi-mento do apelo da autora e provimento do pedido subsidiário da apelação da CEF para que a sentença seja mantida quanto à condenação, conservan-do-se os valores indenizatórios fixados, alterando-se, tão somente, a aplica-ção da cláusula rebus sic stantibus para que ambas as partes aproveitem-na (fls. 707/718).

É o relatório.

VoTo

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Cecilia Mello:

Em primeiro lugar, ante a entrada em vigor no novo Código de Pro-cesso Civil (Lei nº 13.105/2015) a partir de 18 de março de 2016, cumpre fazer algumas considerações acerca dos julgamentos dos recursos interpos-tos sob a égide do antigo Código (Lei nº 5.869/1973).

Dispõe o art. 14 do Novo Código de Processo Civil:

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situa-ções jurídicas consolidadas sob a égide da norma revogada.”

Depreende-se da leitura do mencionado dispositivo que a nova lei processual, conquanto se aplique imediatamente aos processos em curso, não atinge as situações já consolidadas dentro do processo, em obediência ao princípio da não surpresa e ao princípio constitucional do isolamento dos atos processuais.

Como ensinam os ilustres Teresa Arruda Alvim Wambier et alii, em Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo (São Paulo: RT, 2015), “há, no processo, fenômeno semelhante e assimilável ao direito adquirido processual. Por isto é que a nova lei, embora se aplique aos processos em curso, não atinge situações consolidadas, dentro do pro-

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cesso” (p. 73). Na verdade, a aplicação imediata “é a regra e supõe respeito a situações ‘consolidadas’, tudo com o intuito quase único de evitar que as partes se surpreendam com as novas regras” (p. 74).

Nesse sentido, também, é o comentário do ilustre jurista Cassio Scarpinella Bueno, em Novo Código de Processo Civil Anotado (São Paulo: Saraiva, 2015): “Aprimorando a segunda parte do art. 1.211 do CPC atual, o texto do art. 14 agasalha expressamente o princípio tempus regit actum que deve ser entendido como a incidência imediata das novas leis no processo em curso com a preservação dos atos processuais já praticados. É essa a razão pela qual se extrai do dispositivo também o chamado ‘princípio do isolamento dos atos processuais’, corretamente garantido (art. 5º, XXXI, da CF), ao assegurar o respeito aos atos processuais praticados e às situações jurídicas consolidadas sob o pálio da lei anterior” (p. 51).

Desse modo, ainda que o recurso tivesse sido interposto após a en-trada em vigor do novo Código de Processo Civil, o que não é o caso dos autos, por ter sido a sentença proferida sob a égide da lei anterior, é à luz dessa lei que ela deverá ser reexaminada pelo Tribunal, ainda que para reformá-la, pois, como ensinam Teresa Arruda Alvim Wambier et alii, “mo-dificações decorrentes da lei que entrou em vigor depois de a decisão ter sido proferida não beneficiam nem prejudicam o recorrente e o recorrido: não incidem” (Op. cit., p. 74).

Especialmente no que toca aos honorários advocatícios, entendo que não é hipótese de aplicação das novas regras previstas no novo Código de Processo Civil.

Isto porque, apesar de inserta no NCPC, a referida matéria não é de direito processual, mas sim de caráter notadamente material, compondo o mérito da demanda principal, e sujeita à lei em vigor ao tempo de seu aper-feiçoamento, em observância ao ato jurídico perfeito, direito constitucional insculpido no art. 5º, XXXVI, da CF/1988.

Segundo as lições dos ilustres professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“Recurso já interposto. Superveniência de lei nova. Quando o recurso já tiver sido interposto e sobrevier lei que altere o seu regime jurídico, manter-se-á eficaz a lei antiga quanto ao cabimento e ao procedimento do recurso. A este fenômeno dá-se o nome de ultratividade (CARDOZO. Retroatividade, p. 296 et seq.) ou sobrevigência (CRUZ. Aplicação, n. 78, p. 298 et seq.) da lei anterior. V. Nery. Recursos, n. 3.7, p. 469-471” (in Comentários ao

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Código de Processo Civil: Novo CPC – Lei nº 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015. p. 229).

Conclui-se, pois, que o julgamento é parte do procedimento do re-curso, devendo observar as regras em vigor no momento em que proferida a decisão impugnada.

Igualmente, não há que se falar em condenação em honorários recur-sais, inovação introduzida pelo CPC/2015.

Deveras, sendo os honorários recursais consequência da interposição de recurso, com evidente relação de causalidade que conduz à condenação honorária, não há como impor o seu pagamento no julgamento dos recursos interpostos contra decisões proferidas na vigência do CPC/1973.

Nesse sentido, é o entendimento firmado pelo Colendo Superior Tri-bunal de Justiça, em seu Enunciado Administrativo nº 6, aprovado pelo Ple-nário, em sessão de 09.03.2016: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitra-mento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”.

Passo, pois, ao exame dos recursos.

Manifesto-me, inicialmente, sobre o agravo retido interposto pela CEF para negar-lhe provimento.

Deveras. A questão foi apreciada de forma irretocável pelo Juízo de primeiro grau, cujas razões acolho para decidir:

“Há fatos determinados que revelam não ser apenas a simples existência de vínculo empregatício que revela eventual interesse da testemunha Sérgio Ferreira na resolução da lide. Primeiro, ele era o responsável pela agência e, como se vê nos autos, há Inquérito Policial instaurado em que se apura a autoria de eventual lesão corporal na autora. Como ele era o responsável pela agência, poder-se-ia cogitar de eventual interesse em não depor sobre fatos que pudessem incriminá-lo nesse inquérito. De outro lado, viu-se efe-tivamente que ele chegou a constar como indiciado no Inquérito Policial, o que posteriormente foi retificado pelo Delegado que conduzia esse proce-dimento para inserir a CEF como investigada. Sabe-se que tal mudança em nada altera eventual intenção dessa testemunha de não ser incriminada, uma vez que quem determina a imputação penal é o Ministério Público, que é o titular da Ação Penal. Por estes motivos, entendo haver fatos concretos e determinados a revelar a suspeição dessa testemunha, pelo que fica mantida a decisão agravada.”

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Quanto à alegação de intempestividade do apelo da autora, cabe fa-zer algumas considerações.

No caso, a sentença proferida aos 19.05.2009 foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça em 23.06.2009 (fl.621, vº), contra a qual foram interpostos embargos de declaração pela CEF (fls. 622/627), julgados em 29.06.2009 (fls. 629/630).

A sentença (embargos de declaração) foi registrada em 29.06.2009 (fl. 631), os autos baixaram à Secretaria em 06.07.2009 (fl. 631) e na mesma data foi aberta vista ao Ministério Público Federal (fl. 632).

Aos 08.07.2009, a autora apelou (fls. 633/646).

É verdade que a sentença dos embargos de declaração foi disponibili-zada no Diário Eletrônico da Justiça somente em 18.08.2009 (fl. 648), toda-via, como visto, a interposição do recurso de apelação pela autora ocorreu após o julgamento dos declaratórios, de sorte que não há que se falar que o recurso foi interposto de forma prematura e por isso intempestiva.

Vencida a preliminar, ingresso no mérito.

No caso, é inconteste que um balcão na área de autoatendimento de agência da CEF tombou sobre a autora causando-lhe lesões na mão esquer-da, consistentes em esmagamento do segundo, terceiro e quarto dedos, com amputação das falanges distais.

Assim, é evidente a responsabilidade da CEF pela indenização dos prejuízos sofridos pela autora, independentemente de culpa ou dolo. De qualquer forma, a culpa da ré está caracterizada na modalidade in vigilando, na medida em que a ela incumbe zelar pela segurança de suas instalações.

No caso dos autos, o balcão tombou sobre a autora, menor impúbe-re, porquanto não estava fixado ao solo. O laudo pericial foi conclusivo no sentido de que o móvel não cumpria os requisitos de estabilidade, resistên-cia e durabilidade estabelecidos pela ABNT na NBR 14.111/1998 (fls. 218, 303/304).

Demais disso, o fato de o balcão estar solto e balançando ao menor contato foi também comprovado pelo depoimento das testemunhas, funcio-nários e estagiários da própria ré (fls. 473/478).

E não há que se falar em culpa exclusiva da vítima ou que a mãe fal-tou com o dever de guarda da filha. Sim, porque, como já decidido na sen-

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tença, “entre o apoio das mãos da autora sobre o balcão e o desequilíbrio e tombamento deste sobre ela decorreram somente cinco segundos, tempo este insuficiente para classificar de negligente a atitude de sua mãe, de dei-xar a autora tocar sobre o balcão”, razão pela qual “a permissão da mãe da autora para que esta simplesmente tocasse o balcão não pode ser considera-da negligência e falta do dever de guarda dos pais quanto aos filhos”.

Incontestável, portanto, a responsabilidade da ré pelos danos causa-dos à autora.

Na lição de Cahali, o dano moral consiste na ”privação ou diminui-ção daqueles bens que tem um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classifi-cando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indi-retamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (CAHALI, Yussef. Dano moral. 2. ed. Editora Revista dos Tribunais, p. 20).

A seu turno, Wald ensina que “dano é a lesão sofrida por uma pes-soa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade, sendo possível a cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral” (WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro. Editora RT, p. 407).

No caso, como já visto à saciedade, restou demonstrado que o tom-bamento do balcão sobre a autora, àquela altura menor impúbere de 5 (cin-co) anos, provocou-lhe amputação das falanges de 3 (três) dedos da mão esquerda, lesões que obviamente lhe causam dano moral e estético, além da redução da sua futura capacidade laborativa, consoante perícia realizada nos autos.

Confira-se:

(fls. 256/258):

“A pericianda apresenta amputação das falanges de segundo, terceiro e quar-to dedos de mão esquerda, comprometendo o uso do membro, proporcio-nando incapacidade parcial permanente.

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As sequelas comprometem o patrimônio físico da pericianda em 11%, se-gundo analogia a tabela da Susep.”

(fl. 350):

“Em seu discurso denota-se sentimentos de minus-valia e autodepreciação frente à anomalia física resultante da perda parcial de três dedos.

Ao exame atual não foram consignados sinais graves de ansiedade ou de-pressão daí decorrentes, porém no grupo etário em que se encontra é difícil fazer-se uma prospecção do que o defeito físico poderá acarretar futuramen-te, com incapacidade já de algumas práticas esportivas e quando de cons-trangimentos diversos.

Estima-se um comprometimento psicológico atual em 25%.”

Evidente, assim, a ocorrência dos danos morais à menor, na medida em que o fato de ter amputadas as falanges distais sem dúvida provoca des-gosto, tristeza, vergonha, entre outros sentimentos negativos, além das dores físicas sofridas no momento do acidente.

Quanto ao dano estético, já se manifestou o E. STJ:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ACIDENTE AU-TOMOBILÍSTICO – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458, II E 535, I E II, DO CPC – INEXISTÊNCIA – CUMULAÇÃO DE DANO MORAL E DANO ESTÉ-TICO – CABIMENTO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – VALOR MODERA-DO – IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO – SÚMULA Nº 7/STJ – CORREÇÃO MONETÁRIA – TERMO INICIAL – EXCLUSÃO DO 13º SALÁRIO E FÉRIAS – 1. Inexiste violação dos arts. 165, 458, II e 535, I e II, do CPC quando o aresto impugnado decide, de forma objetiva e fundamentada, as questões que deli-mitam a controvérsia. 2. Aplicam-se os óbices previstos nas Súmulas nºs 282 e 356/STF quando as questões suscitadas no recurso especial não tenham sido debatidas no acórdão recorrido nem, a respeito, tenham sido opostos embargos declaratórios. 3. É cabível a cumulação de danos morais com da-nos estéticos quando, ainda que decorrentes do mesmo fato, são passíveis de identificação em separado. 4. A ausência de prova de que a vítima possuía, ao tempo do acidente, vínculo empregatício, constitui óbice à inclusão do décimo terceiro salário e da gratificação de férias no montante da indeni-zação. 5. O termo inicial da correção monetária da indenização por danos materiais é a data da apuração do dano. 6. A revisão do valor da indenização por danos morais apresenta-se inviável em sede de recurso especial quando arbitrado com moderação na instância ordinária, a teor da Sumula nº 7/STJ. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ, 4ª T. REsp 659715/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 03.11.2008)

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O dano estético representa a ofensa direta e imediata à integridade física da pessoa e pode ser também compreendido como a sensação de enfeiamento.

E embora decorrente do mesmo fato (queda do balcão), o dano estéti-co é passível de identificação em separado, na medida em que consiste nas amputações sofridas nos dedos da autora, ou seja, a agressão à sua integri-dade física propriamente.

Nesse sentido, é o entendimento consolidado na jurisprudência, com a edição da Súmula nº 387 pelo C. Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”

O direito à pensão também é incontestável, haja vista que o acidente provocou redução da capacidade laborativa da autora, como demonstrado nos autos.

Não há, todavia, o direito a partir do evento, em razão de que o tra-balho de menor somente é autorizado após os 14 (quatorze) anos. Correta, também neste ponto, a sentença monocrática. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – DIREI-TO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO – REDUÇÃO PARCIAL E PERMANENTE DA CA-PACIDADE LABORATIVA – ARBITRAMENTO DE PENSÃO VITALÍCIA PAR-CIAL E PERMANENTE – ART. 1.539 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, ATUAL ART. 950 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – CABIMENTO

1. É cabível do arbitramento de pensão vitalícia àqueles que sofreram le-são permanente e parcial à sua integridade física, resultando em redução de sua capacidade laborativa/profissional, consoante interpretação dada ao art. 1.539 do Código Civil de 1916, atual art. 950 do Código Civil de 2002. Precedentes.

2. O Tribunal de origem fixou a tese de que, na ausência de comprovação de remuneração auferida pela atividade laboral/profissional pelo lesionado, adota-se o valor de 1 (um) salário mínimo, como base de cálculo inicial para fixação da proporção da perda de sua capacidade remuneratória, em sinto-nia com precedentes desta Corte, na forma do AgRg-EREsp 1076026/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª S., Julgado em 22.6.2011, DJe 30.06.2011.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 636.383/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 03.09.2015, DJe 10.09.2015)

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AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – INDENI-ZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA – ACIDENTE DECORRENTE DE DESCARGA DE ENERGIA ELÉTRICA – MORTE DO ÚNICO FILHO DOS AU-TORES – PAGAMENTO DE PENSIONAMENTO MENSAL AOS GENITORES – CABIMENTO – PRESUNÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO COM BASE NA CON-DIÇÃO SOCIOECONÔMICA DA FAMÍLIA – SÚMULA Nº 83/STJ – TERMO INICIAL DO PENSIONAMENTO – DATA DO FALECIMENTO – ADOLES-CENTE COM IDADE SUPERIOR A 14 ANOS – INEXISTÊNCIA DE ENRIQUE-CIMENTO ILÍCITO – RECURSO DESPROVIDO

1. É devida a indenização de danos materiais por pensionamento mensal aos genitores de menor falecido, ainda que este não exercesse atividade re-munerada, considerando-se a condição social da família de baixa renda e a contribuição para o sustento que o filho poderia dar.

2. O termo inicial para pagamento de pensionamento mensal aos pais em decorrência da morte de filho menor é a data em que a vítima completaria 14 anos, por ser a partir dessa idade que a Constituição Federal admite o contrato de trabalho sob a condição de aprendiz (EREsp 107.617/RS).

3. O termo inicial do pagamento de pensionamento mensal aos pais é a data do evento danoso, ou seja, a data do falecimento do filho menor quando este contar com mais de 14 anos.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg-AREsp 372.859/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., Julgado em 25.11.2014, DJe 11.12.2014)

Igualmente, não é caso de se acolher o apelo da CEF no que tange à aplicação da cláusula rebus sic stantibus.

Deveras, a incapacidade da autora, ainda que parcial (11%), é per-manente, perdurando no tempo, bem como as limitações dela decorrentes.

Com efeito, o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do REsp 876.102/DF, estabeleceu o conceito de incapacidade permanente:

RESPONSABILIDADE CIVIL – RECURSO ESPECIAL – SEGURO DPVAT – LEI Nº 6.194/1974 – INCAPACIDADE PERMANENTE – CONCEITO E EXTEN-SÃO – DEFORMIDADE FÍSICA PERMANENTE LIMITADORA DA PRÁTICA DE ATIVIDADES COSTUMEIRAS

1. O Seguro DPVAT tem a finalidade de amparar as vítimas de acidentes causados por veículos automotores terrestres ou pela carga transportada, os-tentando a natureza de seguro de danos pessoais, cujo escopo é eminente-mente social, porquanto transfere para o segurado os efeitos econômicos do

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risco da responsabilidade civil do proprietário em reparar danos a vítimas de trânsito, independentemente da existência de culpa no sinistro.

2. Em interpretação sistemática da legislação securitária (Lei nº 6.194/1974), a “incapacidade permanente” é a deformidade física decorrente de lesões corporais graves, que não desaparecem nem se modificam para melhor com as medidas terapêuticas comuns, habituais e aceitas pela ciência da época.

3. A “incapacidade” pressupõe qualquer atividade desempenhada pela víti-ma – a prática de atos do cotidiano, o trabalho ou o esporte, indistintamente – e, por óbvio, implica mudança compulsória e indesejada de vida do indi-víduo, ocasionando-lhe dissabor, dor e sofrimento.

4. No caso em exame, a sentença, com ampla cognição fático-probatória, consignou a deformidade física parcial e permanente do recorrente em virtu-de do acidente de trânsito, encontrando-se satisfeitos os requisitos exigidos pelo art. 5º da Lei nº 6.194/1974 para configuração da obrigação de inde-nizar.

5. Recurso especial provido para reconhecer o direito do recorrente à indeni-zação, restabelecendo a sentença inclusive quanto aos ônus sucumbenciais.

(REsp 876.102/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 22.11.2011, DJe 01.02.2012)

Nesse diapasão, a imposição da pensão vitalícia, em casos como o destes autos, é decorrente da limitação que a autora terá no cotidiano, não apenas em sua capacidade laborativa.

Ora, diante da amputação de parte de 03 (três) dedos de sua mão esquerda, há que se garantir a continuidade da pensão vitalícia estabelecida nestes autos, cabendo à CEF o seu permanente pagamento, sem possibilida-de de sua exclusão, tendo em vista a sua responsabilidade pela ocorrência do evento danoso.

Os danos psíquicos estão compreendidos nos danos morais e estéti-cos, não cabendo fixação em separado.

Relativamente ao valor das indenizações, tenho que não merece cen-sura a r. sentença apelada, que o fixou de forma razoável e proporcional.

No caso, devem ser consideradas as seguintes circunstâncias: a con-dição social do ofensor (CEF), lembrando que a indenização não pode ser tão alta a ponto de comprometer suas atividades, nem tão baixa a ponto de servir de estímulo à repetição de condutas semelhantes; a soma deve ser capaz de atenuar os sentimentos negativos da autora, porém não pode gerar o sentimento de que valeu a pena a lesão; o alto grau de culpa da CEF, eis

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que o balcão não estava afixado ao solo e as testemunhas afirmaram que ele estava “bambo”; o fato de que o tombamento poderia ter gerado conse-quências ainda mais graves à menor; a gravidade do dano, na medida em que a autora sofreu amputação das falanges de três dedos, fato que com-prometeu seu patrimônio físico em 11%, causou-lhe incapacidade parcial permanente, além de danos morais e estéticos.

Assim, as quantias fixadas pela sentença monocrática são adequadas.

Quanto aos juros de mora, tratando-se de responsabilidade civil ex-tracontratual, deverão incidir a partir do evento danoso, nos termos da Sú-mula nº 54/STJ.

Por fim, os honorários advocatícios foram fixados corretamente, em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, salvo a pensão mensal, de sorte que devem ser mantidos.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da autora para de-terminar a incidência dos juros de mora a partir do evento danoso e nego provimento ao apelo da CEF.

É o voto.

Cecilia Mello Desembargadora Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoDE publicado em 30.03.2016

Apelação/Reexame Necessário nº 2000.71.00.004399‑4/RS

Relator: Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior

Apelante: União Federal

Advogado: Procuradoria‑Regional da União

Apelado: Maria Helena Chagastelles Pinto

Advogado: Celso Santos Rodrigues

Remetente: Juízo Substituto da 4ª V. F. de Porto Alegre

emenTa

ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO CIVIL – PENSÃO MILITAR – INTEGRALIDADE

1. Prescrição afastada por força de decisão proferida na Ação Resci-sória nº 200604000113842.

2. O direito à pensão integral da parte autora nasceu com a promul-gação da Constituição Federal de 1988 e, mais especificamente, em abril de 1989, visto que o art. 20 do ADCT estabeleceu que a revisão dos proventos e pensões teria início em 180 dias da promulgação da Carta. Direito reconhecido nos autos do Mandado de Segurança nº 94.00043686.

3. Sentença de procedência alterada apenas no que tange aos crité-rios de atualização monetária e juros e ao valor dos honorários ad-vocatícios.

aCÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 15 de março de 2016.

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Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior Relator

relaTÓrio

Esta apelação ataca sentença proferida em ação ordinária que discu-tiu sobre pagamento de diferenças de pensão militar.

A sentença julgou procedente a ação (fls. 117-125), assim constando do respectivo dispositivo:

“Isso posto, afastando a preliminar arguida, julgo procedente o pedido, con-denando a União ao pagamento na íntegra das parcelas de pensão em atraso, referente aos meses compreendidos entre abril de 1989 e dezembro de 1993, na forma do art. 40, § 5º da Constituição Federal, com correção monetária, desde o vencimento de cada parcela até a data do efetivo pagamento e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, tudo nos ter-mos da fundamentação, compensando-se valores já percebidos pela autora a esse título.

Condeno a ré ao reembolso do pagamento das custas processuais à autora e honorários advocatícios, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), com fulcro no art. 20, § 4º do CPC.

Sentença sujeita a reexame necessário nos termos do art. 475, inciso II do CPC.” (fl. 125)

Apela a parte ré (fls. 126-137), pedindo a reforma da sentença e o deferimento de seus pedidos.Alega que: (a) não há interesse processual da parte autora, porque não houve prévio requerimento administrativo; (b) ocorreu a prescrição do direito de ação, porque entre o reconhecimento da Administração do direito ao pagamento integral da pensão (Portaria Emfa nº 2826/1994) e a propositura da ação decorreram mais de cinco anos; (c) a previsão de integralidade da pensão somente foi regulamentada no âmbito das Forças Armadas através da Portaria nº 2826 do Emfa, de 17.08.1994, que retroagiu a 03 de dezembro de 1993, expedida com base na decisão do STF no MI 274-6/400-DF, não havendo se falar em diferenças anteriores a essa data, sendo esse também o entendimento manifestado pelo do TCU na Decisão nº 479/1994; (d) o instituidor da pensão reformou-se no posto de general da brigada e, por força da legislação, fez jus ao recebimento de valores correspondentes à graduação de Marechal, e é com base nessa graduação que a parte autora vem recebendo a pensão; (e) os juros mora-tórios devem ser reduzidos para 6% ao ano e o termo inicial da correção

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RSDA Nº 126 – Junho/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������175

monetária dever ser a data do ajuizamento da ação (23.02.2000); (f) a verba honorária deve ser reduzida para, no máximo, 10% sobre o valor da causa. Prequestionou dispositivos legais que indicou.

Houve contrarrazões (fls. 140-145).

A apelação da ré e a remessa oficial foram providas, em razão do re-conhecimento da prescrição, com inversão da sucumbência (fls. 148-152).

A parte autora interpôs recurso especial (fls. 154-157), que não foi admitido (fl. 172).

A parte autora interpôs agravo de instrumento dessa decisão (fls. 173-v.), ao qual foi negado provimento (fl. 180).

A parte ré requereu a execução da verba honorária (fls. 183-184), mas posteriormente desistiu desse pedido (fl. 188).

Os autos foram arquivados (fl. 189) e, posteriormente, desarqui-vados para remessa a esta 4ª Turma para novo julgamento da apelação, em razão da decisão proferida na Ação Rescisória nº 200604000113842 (fls. 194-198).

O processo foi incluído em pauta.

É o relatório

VoTo

Sobre a Ação Rescisória nº 200604000113842, essa ação foi ajuizada pela parte autora, objetivando desconstituir o acórdão deste Tribunal que deu provimento à apelação e remessa oficial, reconhecendo a prescrição. A ação foi julgada improcedente, mas o STJ, ao julgar o REsp 1.010.583, decidiu pela procedência. Transcrevo trecho dessa decisão:

“[...]

Com efeito, essa forma de contagem do prazo prescricional utilizada pelo acórdão rescindendo não encontra respaldo na jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça, donde me parecer evidente a violação aos dis-positivos legais mencionados na ação rescisória.

Por um lado, é firme a orientação da Corte Especial no sentido de que, ‘sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial’ (EREsp 404.777/DF, Relator p/ o Ac. Min. Peçanha Martins, DJ 11.04.2005).

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Por outro lado, está igualmente consolidado nesta Corte o entendimento se-gundo o qual ‘a impetração do mandado de segurança faz interromper o fluxo do prazo prescricional, que só é reiniciado com o trânsito em julgado da decisão que concede a segurança’ (AgRg-REsp 1.165.507/MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03.11.2010).

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – ADMI-NISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – INTER-RUPÇÃO COM A IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA – EFEITOS PRETÉRITOS – CONTAGEM A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE CONCEDEU A ORDEM – PRECEDENTES – CORREIÇÃO DOS CÁLCULOS – REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO--PROBATÓRIO – SÚMULA Nº 7/STJ

1. A impetração do mandado de segurança interrompe a fluência do pra-zo prescricional de modo que, tão somente após o trânsito em julgado da decisão nele proferida, é que voltará a fluir a prescrição da ação ordinária para cobrança das parcelas referentes ao qüinqüênio que antecedeu a propositura do writ.

[...]

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg-Ag 1.258.457/PA, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17.11.2011)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE COBRANÇA – PRAZO PRESCRICIONAL – INTERRUPÇÃO COM A IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA – EFEITOS PRETÉRITOS – CONTAGEM A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE CONCEDEU A ORDEM – SÚMULA Nº 383/STF

1. A impetração do Mandado de Segurança interrompe a fluência do pra-zo prescricional de modo que tão somente após o trânsito em julgado da decisão nele proferida é que voltará a fluir a prescrição da ação Ordinária para cobrança das parcelas referentes ao quinquênio que antecedeu a propositura do writ. Precedentes do STJ: REsp 1.151.873/MS, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 23.03.2012; REsp 1.222.417/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 15.03.2011; AgRg-REsp 1.165.507/MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJe 03.11.2010.

[...]

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-AREsp 122.727/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.09.2012)

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Ao que se tem dos autos, o trânsito em julgado do mandado de seguran-ça ocorreu em 31.03.1998, após o julgamento da apelação interposta pela União naqueles autos.

A ação de cobrança, por sua vez, foi ajuizada em 23.02.2000, antes de com-pletados dois anos da data do referido trânsito em julgado, daí por que não há falar em prescrição.

É procedente, portanto, a alegação formulada na ação rescisória, que deveria ter sido julgada procedente pelo Tribunal de Origem.

À vista dessas razões, com fundamento no § 1º-A do art. 557 do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso especial; em consequência, julgo procedente a ação rescisória, a fim de desconstituir o acórdão proferido pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento da Apelação Cível nº 2000.71.00.004399-4/RS, devendo o referido colegiado, afastada a prescrição, realizar o julgamento das outras questões ventiladas no apelo da União, como entender de direito. Ante o êxito obtido pela autora, inverto os ônus de sucumbência.”

Portanto, afastada a prescrição, devem ser examinadas as demais questões suscitadas no apelo da União, tal como determinado pelo STJ.

Passo ao exame dessas questões.

Sobre a preliminar de ausência de interesse processual da parte au-tora, rejeito essa preliminar, porque o exercício do direito de ação não está condicionado ao esgotamento prévio da esfera administrativa e os termos da contestação evidenciam a presença de pretensão resistida.

Sobre o mérito, examinando os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de procedência, exceto no que tange aos critérios de atualização monetária e juros e aos valores dos honorários ad-vocatícios, proferida pela juíza federal Andréia Castro Alves, que transcrevo e adoto como razão de decidir, a saber:

“Trata-se de ação ordinária na qual a parte autora visa a condenação da União ao pagamento da integralidade da pensão militar, no que tange as parcelas vencidas nos meses de abril de 1989 a dezembro de 1993.

Merece acolhida a pretensão da demandante.

Cumpre, primeiramente salientar, que a matéria ventilada na presente ação encontra-se, como referiu a autora, sob o pálio da coisa julgada, tendo em vis-ta a sentença exarada nos autos do Mandado de Segurança nº 94.00043686 reconheceu o direito dos impetrantes a receberem pensão integral, no equi-

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valente aos vencimentos que seriam devidos aos servidores militares acaso estivessem na ativa.

Saliento que somente não houve condenação ao pagamento das parcelas vencias, diante da índole constitucional do mandado de segurança, que não substitui a ação de cobrança, nem produz efeitos patrimoniais pretéritos.

Entrementes, para que não restem dúvidas, passo ao exame da questão.

O art. 40, § 5º da Constituição Federal de 1988, na sua redação original, previa: ‘O benefício de pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior’.

O parágrafo referido (§ 4º) assim dispunha: ‘Os proventos de aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modi-ficar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendido aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidas aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei’.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, interpretando o § 5º, concluiu ser nor-ma de eficácia plena, com aplicabilidade imediata, porquanto a expressão até o limite estabelecido em lei, referia-se a sujeição do teto constitucional igualmente imposto aos proventos e vencimentos dos servidores em geral, regulado no art. 37, inciso XI da Magna Carta, que reza:

‘A lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a me-nor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites má-ximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, pro membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito.’

Nesse sentido, segue excerto do AGRMI 274-6/DF, Relator Ministro Marco Aurélio:

‘Acrescento ao teor da decisão supra, evoluindo até mesmo no enfoque que inicialmente emprestei ao § 5º em comento, que a referência nele contida, a “até o limites estabelecido em lei”, outro alcance não tem se-não o de revelar a submissão aos tetos também observáveis em relação aos proventos e vencimentos, sob pena de esvaziar-se o comando do preceito no que direcionada a garantia da percepção do valor igual ao da “totalidade dos vencimentos e proventos do servidor falecido”.

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Difícil é conciliar a ideia de que a Carta de 1988 viabiliza limitação per-centual a ser imposta às pensões, independentemente do respeito ao piso, pelo legislador ordinário, com o preceito que impõe a correspondência considerando o total dos vencimentos do servidor (§ 5º) e, mais do que isto, com a remissão que em tal parágrafo se contém ao que se lhe an-tecede, a revelar a igualação de direitos, estendendo-se a pensionistas benefícios outorgados aos servidores da ativa. Resultaria em admitir-se a possibilidade de a lei vir a obnubilar as garantias constitucionais explíci-tas, no que direcionam à ausência de perda econômico-financeira quer para o aposentado, quer para os beneficiários do servidor falecido [...]

[...] Daí a Lei nº 8.112/1990, disciplinadora do regime jurídico único dos servidores civis federais, dispor sobre a correspondência entre a pensão e a remuneração ou provento do servidor – art. 215 – respeitado o limite imposto pelo art. 42 e que outro não é senão o relativo aos tetos fixados por força da própria Constituição.’

Como se constata, a nova ordem constitucional instaurada em 1988 preten-deu evitar distorções que existiam entre o quantum percebido pelo servidor civil e militar quando estava na ativa e os valores dos proventos e pensões, fazendo com que se mantivesse o status quo financeiro da família.

O art. 42, §§ 1º e 10 da Constituição Federal, asseguraram aos servidores militares e pensionistas os mesmos direitos previstos nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 40, dentre os quais, o direito à percepção de equivalência de vencimen-tos quando da inatividade ou pensionamento, expungindo, assim, qualquer dúvida que pudesse pairar sobre o tratamento isonômico que deve ser dado aos servidores civis e militares.

Logo, os arts. da Lei nº 3.765/1960 e do Decreto nº 49.096/1960, que prevê-em a pensão entre 30,6% e 45,8% dos vencimentos não foram recepciona-dos pela Magna Carta de 1988, face à manifesta afronta ao seu art. 40, § 5º.

Entendo que a expressão ‘até o limite estabelecido em lei’ não pode ser inter-pretada com supedâneo na Lei nº 3.765/1960, sob pena de restar esvaziada a garantia constitucional da integralidade dos proventos e das pensões, e sim, conforme alhures, como submissão aos tetos observáveis em relação aos proventos e vencimentos dos servidores.

Nesse diapasão, o direito da autora à pensão integral não pode ter como termo inicial dezembro de 1993, como quis fazer crer a ré, porquanto seu direito nasceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, mais especificamente, em abril de 1989, visto que o art. 20 do ADCT estabeleceu que a revisão dos proventos e pensões teria início em 180 dias da promul-gação da Carta.

Assim, a pensão pretendida pela demandante nos meses de abril de 1989 a dezembro de 1993, deve corresponder à integralidade dos vencimentos/

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proventos que seu genitor falecido lograria obter caso vivo fosse (equivalente ao posto de Marechal), observados os tetos remuneratórios aplicáveis igual-mente aos vencimentos e proventos dos servidores em geral.

A propósito, o cálculo de aludidos valores há de confrontar, em casa compe-tência compreendida entre abril de 1989 a dezembro de 1993, a evolução da remuneração (proventos e vantagens) correspondentes ao posto ocupado pelo instituidor, como se estivesse vivo, observados os tetos salariais à épo-ca existentes, com as importâncias recebidas efetivamente recebidas pela demandante, inclusive as percebidas em decorrência de revisão administra-tiva.”

O que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo o resultado do processo e não vendo motivo para reforma da sentença, exceto no que tange aos critérios de atua-lização monetária e juros e aos valores dos honorários advocatícios.

Sobre a correção monetária e aos juros, apesar de haver uma série de entendimentos consolidados na jurisprudência, e que são inafastáveis, há ainda intensa controvérsia nos Tribunais quanto à aplicação da regra do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que previu a aplicação dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança aos débitos judiciais.

Com efeito, o entendimento até então pacífico na jurisprudência pela aplicação da regra da Lei nº 11.960/2009 restou abalado com a decisão do STF no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que declarou a inconstitucio-nalidade, por arrastamento, da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” contida no art. 5º da lei. Essa decisão, que criou aparente lacuna normativa relativamente à atualização de débitos judiciais, foi seguida de decisão do STJ que, em sede de recurso especial repetitivo, preconizou a aplicação, no período em foco, dos critérios de remuneração e juros aplicáveis à caderneta de poupança apenas a título de juros moratórios, concomitantemente à aplicação da variação do IPCA como índice de atualização monetária (REsp 1.270.439/PR, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., Julgado em 26.06.2013, DJe 02.08.2013).

Ainda que os acórdãos proferidos no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inclusive quanto à modulação de seus efeitos, decidida na sessão de 25 de março de 2015) tenham sido largamente utilizados como fundamen-to para inúmeras decisões judiciais versando sobre atualização e juros de débitos judiciais no período anterior à sua inscrição em precatório (inclusi-ve do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial repetitivo),

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sobreveio nova decisão do STF no julgamento da Repercussão Geral no RE nº 870.947, em 14 de abril de 2015, no sentido de que aquelas decisões se referiam, em verdade, apenas ao período posterior à expedição do requisi-tório, e não ao período anterior, no qual a controvérsia sobre a constitucio-nalidade da atualização pela variação da TR permanecia em aberto. Dessa forma, o “Plenário virtual” do STF reconheceu a repercussão geral da con-trovérsia sobre “a validade jurídico-constitucional da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre condenações impostas à Fazenda Pública segundo os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (Taxa Referencial – TR), conforme determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009”, de forma que essa questão deverá ser objeto de apreciação futura do Pleno do STF.

Diante deste quadro de incerteza quanto ao tópico, entendo ser o caso de relegar para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de atualização monetária e juros a serem aplicados no período posterior à en-trada em vigor da Lei nº 11.960/2009 (período a partir de julho de 2009, in-clusive), quando provavelmente a questão já terá sido dirimida pelos tribu-nais superiores, entendimento ao qual a decisão muito provavelmente teria de se adequar ao final e ao cabo, tendo em vista a sistemática dos recursos extraordinários e especiais repetitivos prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC. Evita-se, assim, que o processo fique paralisado, ou que seja submeti-do a sucessivos recursos e juízos de retratação, com comprometimento do princípio da celeridade processual, apenas para resolver questão acessória, quando a questão principal ainda não foi inteiramente solvida.

Nessa perspectiva, quanto aos juros e à correção monetária, restam fixados os seguintes balizamentos:

(a) dado tratar-se de entendimento pacificado, fica desde já estabe-lecido que os juros moratórios e a correção monetária relativos a cada período são regulados pela lei então em vigor, conforme o princípio tempus regit actum; consequentemente, sobrevindo nova lei que altere os respectivos critérios, a nova disciplina le-gal tem aplicação imediata, inclusive aos processos já em curso. Ressalto, contudo, que essa aplicação não tem efeito retroativo, ou seja, não alcança o período de tempo anterior à lei nova, que permanece regido pela lei então vigente, nos termos do que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.205.946/SP (02.02.2012);

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(b) da mesma forma, por não comportar mais controvérsias, até ju-nho de 2009, inclusive, a correção monetária e os juros devem ser calculados conforme os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Fede-ral, aprovado pela Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justi-ça Federal e modificado pela Resolução nº 267/2013 do mesmo órgão, respeitada a natureza do débito;

(c) quanto ao período a partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009 (julho de 2009), conforme antes afirmado, a de-cisão acerca dos critérios aplicáveis a título de juros e correção monetária fica relegada para quando da execução do julgado, à luz do entendimento pacificado que porventura já tenha já emanado dos tribunais superiores, sem prejuízo, obviamente, da aplicação de eventual legislação superveniente que trate da ma-téria, sem efeitos retroativos.

Sobre os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 500,00 na senten-ça, entendo que esse valor deve ser revisto, em razão do longo tempo decor-rido (a sentença foi proferida em 11.10.2001) e por se mostrar inadequado às disposições legais (art. 20, § 4º do CPC) e desproporcional ao trabalho desenvolvido pelo profissional. Assim, fixo a verba honorária em 10% do valor da condenação, a cargo da União, já que mínima a sucumbência da parte autora.

Sobre o prequestionamento, com a finalidade específica de possibi-litar o acesso às instâncias superiores, explicito que a presente decisão não violou nem negou vigência aos dispositivos constitucionais e/ou legais men-cionados pela apelante, os quais dou por prequestionados.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à re-messa oficial, apenas no que se refere aos critérios de atualização monetária e juros e ao valor dos honorários advocatícios, na forma da fundamentação.

Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Convocado)Apelação Cível nº 517619‑CE (2009.81.00.000926‑9)Apte.: UniãoApdo.: Município de Paramoti/CEAdv./Proc.: Eriano Marcos Araujo da CostaParte R.: CEF – Caixa Econômica FederalOrigem: 2ª Vara Federal do Ceará/CERelator: Des. Federal Ivan Lira de Carvalho (Convocado)

emenTaADMINISTRATIVO – TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS FEDERAIS – REPASSE AO MUNICÍPIO – RESTRIÇÃO CADASTRAL – IRREGULARIDADES PRATICADAS POR EX-GESTOR – LEGITIMIDADE PASSIVA – PRELIMINAR AFASTADA – INTERESSE PROCESSUAL – PRESENÇA – AFASTAMENTO DA INCERTEZA DA RELAÇÃO JURÍDICA – ADIMPLÊNCIA RECONHECIDA – INEXISTÊNCIA DE RAZÕES PARA NEGAR A CONTRATAÇÃO

I – Apelação de sentença (proferida em agosto de 2010) que julgou procedente o pedido formulado em ação ordinária, confirmando a antecipação da tutela (ocorrida em 02.09.2009), determinando o afastamento da exigência de atendimento ao prazo final para con-tratação (31.12.2008), para fins de formalização do contrato de em-penho relativo ao repasse de verbas federais (Programa Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Urbano de Municípios de Pequeno Por-te). Condenação da parte ré no pagamento de honorários advocatí-cios sucumbenciais, arbitrados em um mil reais.

II – Em sua apelação recebida apenas no efeito devolutivo, a União alega (em outubro de 2010), preliminarmente, sua ilegitimidade pas-siva ad causam, ressaltando para a ocorrência de carência de ação por falta de interesse processual, uma vez que o empenho vinculado à referida contratação permanece ativo no sistema e o Município ape-lado já se encontra adimplente em todos os itens do Cauc, inexistindo razões para negar a contratação. No mérito, expõe que o ato impug-nado reflete a estrita observância ao princípio da legalidade.

III – A preliminar de ilegitimidade passiva ad causam arguida pela União não merece prosperar, pois embora o contrato para a implan-

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tação ou melhoria de obras de infraestrutura urbana, mediante pavi-mentação na sede do Município autor, tenha sido firmado entre este e a CEF, a verba pública destinada ao pagamento decorre do referido programa (Pró-Municípios) de iniciativa federal, e de convênio ce-lebrado com o Ministério das Cidades. Trata-se, portanto, de verba pública federal sujeita a fiscalização do Tribunal de Contas da União. Preliminar afastada.

IV – No que se refere à alegada carência de ação por falta de interesse processual, esta também não merece acolhida. Inobstante a notícia de que o empenho vinculado à referida contratação permanecia ativo no sistema (em 2010) e de que o Município apelado já se encon-trava adimplente em todos os itens do Cauc, exsurge o fato de que a presente ação tem como objetivo precípuo afastar a exigência de cumprimento do prazo para contratação do empenho (ao que tudo indica, situação já consolidada, dado o transcurso do tempo desde a antecipação da tutela confirmada), possibilitando-se o recebimento de recursos federais, tendo em vista a existência de pendências/restri-ções cadastrais por omissões e/ou dívidas junto ao FGTS e ao INSS, de responsabilidade de ex-gestor, já regularizadas. No caso, subsiste o interesse processual pela necessidade concreta do provimento juris-dicional para afastar a incerteza da relação jurídica.

V – Destarte, tendo em vista que a própria apelante não se contra-pôs à inexistência das referidas pendências, mas ao revés, noticiou (em 2010) que o Município apelado já se encontra adimplente e que não existem razões para negar a contratação, a extinção do processo com resolução do mérito, com o reconhecimento da procedência do pedido do Município impõe-se, na medida em que, como visto, as restrições à efetivação do repasse anteriormente existentes não mais subsistem, bem como, diante do decurso do tempo que enseja a con-solidação da situação.

VI – Apelação improvida.

aCÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível, em que são partes as acima mencionadas.

Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribu-nal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento à

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apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado.

Recife, de de 2016.

Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho Relator Convocado

relaTÓrio

O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Con-vocado): Trata-se de apelação de sentença (proferida em agosto de 2010) que julgou procedente o pedido formulado em ação ordinária, confirmando a antecipação da tutela (ocorrida em 02.09.2009 – fls. 83/85), determinando o afastamento da exigência de atendimento ao prazo final para contratação (31.12.2008), para fins de formalização do contrato de empenho relativo ao repasse de verbas federais (Programa Nacional de Apoio ao Desenvol-vimento Urbano de Municípios de Pequeno Porte). Condenação da parte ré no pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados em um mil reais.

Em sua apelação recebida apenas no efeito devolutivo, razões de fls. 146/151, a União alega (em outubro de 2010), preliminarmente, sua ile-gitimidade passiva ad causam, ressaltando para a ocorrência de carência de ação por falta de interesse processual, uma vez que o empenho vinculado à referida contratação permanece ativo no sistema e o Município apelado já se encontra adimplente em todos os itens do Cauc, inexistindo razões para negar a contratação. No mérito, expõe que o ato impugnado reflete a estrita observância ao princípio da legalidade.

Foram-me conclusos os autos por força de distribuição por sucessão, em abril de 2015.

Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento.

VoTo

O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Con-vocado): De início, destaco que não merece prosperar a preliminar de ile-gitimidade passiva ad causam arguida pela União, pois embora o contrato para a implantação ou melhoria de obras de infraestrutura urbana mediante

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pavimentação asfáltica na sede do Município autor tenha sido firmado entre este e a CEF, a verba pública destinada ao pagamento decorre do referido programa (Pró-Municípios) de iniciativa federal, e de convênio celebrado com o Ministério das Cidades.

Trata-se, portanto, de verba pública federal sujeita a fiscalização do Tribunal de Contas da União.

No que se refere à alegada carência de ação por falta de interesse pro-cessual, entendo que também não merece acolhida. Inobstante a notícia de que o empenho vinculado à referida contratação permanecia ativo no siste-ma e de que o Município apelado já se encontrava adimplente em todos os itens do Cauc, destaco que o art. 19 do novo CPC assegura à parte o direito de obter declaração de existência ou inexistência de relação jurídica, ainda que tenha ocorrido a violação do direito. Nesse diapasão, exsurge o fato de que a presente ação tem como objetivo precípuo afastar a exigência de cumprimento do prazo para contratação do empenho (ao que tudo indica, situação já consolidada, dado o transcurso do tempo desde a antecipação da tutela confirmada), possibilitando-se o recebimento de recursos federais, tendo em vista a então existência de pendências/restrições cadastrais por omissões e/ou dívidas junto ao FGTS e ao INSS, de responsabilidade de ex--gestor.

Entendo que, no caso, subsiste o interesse processual pela necessida-de concreta do provimento jurisdicional para afastar a incerteza da relação jurídica.

Destarte, tendo em vista que a própria apelante não se contrapôs à inexistência das referidas pendências, mas, ao revés, tenho que a extinção do processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), com o reconhe-cimento da procedência do pedido do Município autor, constitui medida que se impõe, na medida em que as restrições à efetivação do repasse ante-riormente existentes não mais subsistem.

Por oportuno, sobre a questão relativa à existência ou não de contrato firmado e a respectiva manutenção do empenho, cito a seguinte Jurispru-dência deste Regional, com grifos nossos acrescidos:

“ADMINISTRATIVO – CONTRATO DE REPASSE DE VERBAS FEDERAIS A MUNICÍPIO – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – VERBAS DESTINADAS A AÇÕES SOCIAIS – EXIGIBILIDADE DA INEXISTÊNCIA DE REGISTROS DE INADIMPLÊNCIA NO CAUC – IM-POSSIBILIDADE – ART. 25, IV, § 3º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000

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E § 2º DO ART. 26 DA LEI Nº 10.522/2002 – QUITAÇÃO DOS RESTOS A PAGAR – EXERCÍCIOS ANTERIORES – LEI ORÇAMENTÁRIA – ART. 37 DA LEI Nº 4.320/1964 – 1. [...] 5. Não tendo havido a rescisão ou denúncia do contrato pela CEF ou União (Ministério das Cidades), houve a prorrogação do seu prazo de vigência, ainda que de forma tácita, não havendo que se falar em extinção da autorização para quitação dos restos a pagar, em ra-zão de a despesa empenhada não ter sido executada dentro do respectivo exercício financeiro. A lei orçamentária prevê dotação específica para pa-gamento de despesas de exercícios anteriores, que por algum motivo não se tenham processado em épocas próprias, bem como para os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício. Aplicação do art. 37 da Lei nº 4.320/1964. 6. Não há como concluir que houve o cancelamento do contrato de repasse em apreço de maneira automática com a expiração do prazo de validade dos restos a pagar, porque em se tratando de ato jurídico perfeito, norma posterior não poderia alcançá-lo sob pena de violação ao princípio constitucional da segurança jurídica, insculpido no art. 5º, XXXVI do Texto Maior: ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico per-feito e a coisa julgada’. 7. Apelações improvidas.”

(Ap-Reex 18000, DJe 12.09.2012, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro)

“ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CEF E UNIÃO – CONVÊNIO/CONTRATO DE REPASSE DE VERBAS FEDERAIS – CONSTRUÇÃO DE GINÁSIO COBERTO – MUNICIPALIDADE INSCRITA NO SIAFI/CAUC – RECURSOS DESTINADOS A AÇÕES SOCIAIS – ARTS. 25, § 3º, DA LC 101/2000, E 26, CAPUT, DA LEI Nº 10.522/2002

1. [...]. 6. Todavia, não existe óbice para que, uma vez afastada a situação de inadimplência municipal para a assinatura do convênio/contrato de repasse em debate, seja determinada a realização de novo empenho, notadamente quando o art. 37 da Lei nº 4.320/1964 prevê que ‘as despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito pró-prio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício corres-pondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica’. 7.[...] 8. Agravo de instrumento provido.”

(Ag 122337, DJe 19.07.2012, Rel. Des. Fed. Francisco Wildo)

Desse modo, tendo o descumprimento das regras pelo Município res-tado afastado, com a regularidade do ente federativo sido registrada, confor-me noticiado pela própria apelante, bem como, diante do decurso do tempo que enseja a consolidação da situação, não merece provimento o recurso.

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Sobre a matéria, cito a seguinte Jurisprudência:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – INSCRIÇÃO DE MUNICÍPIO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES DECORRENTE DE IRREGULARIDA-DES NA PRESTAÇÃO DE CONTAS – EXCLUSÃO DA INADIMPLÊNCIA – CABIMENTO – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA ECO-NÔMICA FEDERAL (CEF), ACOLHIDA – 1. A Sexta Turma já decidiu que a legitimidade da Caixa Econômica Federal (CEF) só se configura quando existirem controvérsias na realização do contrato de repasse a ser feito após a celebração do convênio de transferência voluntária de verbas públicas (AC 2007.37.00.008036-7/MA – e-DJF1 de 06.08.2014). Na hipótese, a CEF é parte Ilegítima para figurar na lide, visto que os convênios ainda não fo-ram celebrados. 2. O nome do Município deve ser inscrito nos cadastros de inadimplentes da União, toda vez que descumprir as normas de controle e fiscalização, no que tange ao repasse e à aplicação de verbas federais, sendo que tal inscrição somente não surtirá seus efeitos em relação a transferências voluntárias afetas às ações de saúde, educação, assistência social e em faixa de fronteira, nos termos dos arts. 25, § 3º, da Lei Complementar nº 101/2001 e 26 da Lei nº 10.522/2002. 3. No caso, contudo, tendo o Município de-monstrado que se encontrava adimplente, não pode ser mantido o seu nome em cadastros de inadimplentes. 4. Apelação da União e remessa oficial não providas. 5. Apelação da CEF provida.”

(TRF 1ª R., AC 00008678820104013100, e-DJF1 23.02.2015, Relª Juíza Fed. Daniele Maranhão Costa (Conv.))

“ADMINISTRATIVO – INSCRIÇÃO DE MUNICÍPIO EM CADASTROS DE INADIMPLENTES DECORRENTE DE IRREGULARIDADES NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL ANTERIOR – ADIMPLÊN-CIA COMPROVADA – EXCLUSÃO DEVIDA – 1. O nome do Município deve ser inscrito, nos cadastros de inadimplentes da União, toda vez que des-cumprir as normas de controle e fiscalização, no que tange ao repasse e à aplicação de verbas federais, sendo que tal inscrição somente não surtirá seus efeitos em relação a transferências voluntárias afetas às ações de saúde, educação, assistência social e em faixa de fronteira, nos termos dos arts. 25, § 3º, da Lei Complementar nº 101/2001 e 26 da Lei nº 10.522/2002. 2. No caso, contudo, tendo o Município demonstrado que se encontrava adimplen-te, comprovado por meio das Guias de Recolhimento da União juntadas aos autos, com a petição inicial, não pode ser mantido o seu nome em cadastros de inadimplentes nem ser discutida a existência de inadimplência, oriunda de outro convênio. 3. Apelação e remessa oficial desprovidas.”

(TRF 1ª R., AC 00000461320084013308, e-DJF1 18.08.2014, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro)

“MUNICÍPIO – CONVÊNIOS – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNASA – IRREGULARIDADE DO CAUC – VEDAÇÃO LEGAL – SITUAÇÃO DE FATO

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CONSOLIDADA – ART. 25, § 3º, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000 – AÇÕES DESTINADAS A EDUCAÇÃO, SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL – POSSIBILIDADE – 1. A FUNASA não detém legitimidade passiva em relação ao convênio celebrado pelo Fundo Nacional de Saúde – FNS. 2. A irregula-ridade do Cauc do município autor não impede o repasse relativo aos con-vênios objeto dos autos, a uma, em razão da situação de fato consolidada por força do deferimento da tutela antecipada e da expiração do prazo de vigência das avenças e, a duas, porque o art. 25, § 3º, da Lei Complementar nº 101/2000 admite as transferências voluntárias destinadas a ações de edu-cação, saúde e assistência social. 3. Apelação e reexame necessário a que se dá parcial provimento para julgar o processo extinto, sem julgamento de mé-rito, quanto ao pedido atinente ao Convênio nº 179/2006, com fundamento no art. 267, VI, do CPC.”

(TRF 1ª R., AC 00004267020074013308, e-DJF1 04.11.2015, Relª Juíza Fed. Maria Cecília de Marco Rocha)

Quanto à questão dos honorários advocatícios, determina o § 8º do art. 85, do novo CPC, in verbis:

“Art. 85. [...]

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.”

Assim, mantenho os honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), em favor do Município apelado, nos termos do § 8º do art. 86 do novo CPC.

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência7836 – Acumulação de cargos – área da saúde – médico – jornada superior a 60 horas

– impossibilidade

“Constitucional. Administrativo. Servidor público. Acumulação de cargos. Área de saú-de. Médico. Art. 37, XVI, da Constituição Federal. Jornada semanal superior a sessenta horas. Impossibilidade. 1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do MS 19.336/DF, DJe de 14.10.2014, consignou que ‘o Parecer GQ-145/1998 da AGU, que trata da limitação da jornada, não esvazia a garantia prevista no inciso XVI do art. 37 da Consti-tuição Federal, ao revés, atende ao princípio da eficiência que deve disciplinar a presta-ção do serviço público, notadamente na área de saúde’. 2. A limitação da jornada a 60 (sessenta) horas semanais apóia-se, também, no entendimento do Tribunal de Contas da União, máxime para se garantir o intervalo interjornadas (mínimo de 11 horas) e entre as jornadas de 6 horas (mínimo de 1 hora), não com vistas a evitar coincidência entre os horários, mas pela natural preocupação com a eficiência e a otimização do serviço público. 3. Pela aplicação do princípio da eficiência administrativa em termos teóricos, para garantia do desempenho das atribuições dos cargos sem prejuízo da higidez física, mental e profissional dos servidores e até da população que se socorre do sistema pú-blico de saúde, revela-se impossível a acumulação dos cargos públicos pretendida pela apelada, tendo em vista que as jornadas, somadas, totalizam 64 (sessenta e quatro) horas semanais. 4. Apelação da impetrada e remessa oficial parcialmente providas.” (TRF 1ª R. – AC 2006.34.00.038262-1/DF – Rel. Juiz Fed. Wagner Mota Alves de Souza – DJe 27.04.2016 – p. 333)

7837 – Ato administrativo – mérito – intervenção do Poder Judiciário – impedimento

“Apelação cível. Ação ordinária de nulidade de ato administrativo disciplinar, com pedido de tutela. Ausência de ilegalidade. Inexistência de dúvidas na participação do apelante na conduta ilícita. Análise do mérito. Impossibilidade. Controle administrativo restrito. 1. Foram observados pelo Conselho Administrativo Disciplinar, os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, havendo proporcionalidade entre o fato cometido e a punição aplicada, a qual condiz com a gravidade da ofensa ao bem jurídico. 2. Os depoimentos prestados pelas testemunhas nos autos do Conselho de Disciplina não deixaram dúvidas quanto à participação do apelante no fato objeto da acusação. 3. O Poder Judiciário é impedido de intervir na análise do mérito do ato administrativo, sob pena de afronta ao Princípio da Separação de Poderes, previsto no art. 2º da CF, podendo apenas manifestar-se no tocante ao atendimento pelo ato im-pugnado dos princípios constitucionais e administrativos aplicáveis ao caso. 4. Senten-ça mantida. Recurso desprovido.” (TJPA – Ap 00004104320108140200 – (157988) – 1ª C.Cív.Isol. – Rel. Leonardo de Noronha Tavares – DJe 13.04.2016 – p. 856)

Transcrição editorial SÍNTeSeConstituição Federal:

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Comentário editorial SÍNTeSeQuanto à Intervenção jurisdicional sobre o mérito administrativo, assim ensina Alexandre Mazza:

“Embora a concepção tradicional não admita revisão judicial sobre o mérito dos atos adminis-trativos discricionários, observa-se uma tendência à aceitação do controle exercido pelo Poder Judiciário sobre a discricionariedade especialmente quanto a três aspectos fundamentais:

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a) Razoabilidade/proporcionalidade da decisão;

b) Teoria dos motivos determinantes: se o ato atendeu aos pressupostos fáticos ensejadores da sua prática;

c) Ausência de desvio de finalidade: se o ato foi praticado visando atender ao interesse público geral.

Importante frisar que ao Poder Judiciário não cabe substituir o administrador público. Assim, quando da anulação do ato discricionário, o juiz não deve ele resolver como o interesse público será atendido no caso concreto, mas devolver a questão ao administrador competente para que este adote nova decisão.

(MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 246 e 247.)

7838 – Bem público – abandono – dever de zelo – observância

“Ação civil pública. Imóvel público municipal abandonado. Ocupação indevida. Dever de zelo do município. Destinação correta do bem. Inserção dos moradores em progra-mas sociais. Procedência. Irresignação. Ausência de comprovação das medidas susci-tadas na exordial. Manutenção da sentença. Desprovimento do recurso. [...] Não há que se falar em modificação da decisão de mérito, já que esta consignou não apenas a desocupação do imóvel, mas a obrigatoriedade do município restabelecer a destina-ção específica do bem e acomodar de forma digna as famílias ali existentes.” (TJPB – Ap 0038958-92.2011.815.2001 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Saulo Henriques de Sá e Benevides – DJe 27.04.2016 – p. 16)

7839 – Concurso público – classificação fora do número de vagas – nomeação e posse imediata – impossibilidade

“Agravo de instrumento. Concurso público. Classificação fora do número de vagas. Exis-tência de servidores temporários. Nomeação e posse imediata. Impossibilidade. Ingerên-cia indevida do judiciário. Agravo desprovido. 1. As Agravantes foram classificadas fora do número de vagas no concurso público regido pelo edital nº 009/SGA/SEE/2014, de 16 de janeiro de 2014, para o cargo de Professor Nível 2: Língua Portuguesa da Zona Urba-na de Epitaciolândia/AC; ou seja, segundo entendimento uníssono dos Tribunais, detém mera expectativa de convocação. 2. A simples contratação provisória de servidores pela Administração, durante a existência de concurso público em aberto, não implica, neces-sariamente, na subversão dos ditames constitucionais, vez que a contratação precária é medida legal e visa atender a necessidade excepcional de interesse público, diferente do que ocorre com o ingresso efetivo de servidores nos quadros do funcionalismo público, que objetiva o preenchimento permanente. 3. Somente deterão as Agravantes direito subjetivo à nomeação acaso surja vaga no quadro permanente de professores da edu-cação, no cargo para o qual concorreram, haja vista que o concurso por elas prestado visava o preenchimento deste tipo de vaga (permanente). Esta não se mostra a hipótese dos autos. 4. Agir de modo contrário é dar margem à ingerência indevida do Judiciário no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração. 5. Agravo Instrumental desprovido.” (TJAC – AI 1001559-49.2015.8.01.0000 – (3.075) – 2ª C.Cív. – Relª Desª Waldirene Cordeiro – DJe 03.05.2016 – p. 13)

7840 – Contrato administrativo – aditivos – equilíbrio econômico-financeiro – aumen-to de custas – ausência de comprovação – indenização – inexistência

“Contrato administrativo. Atraso na liberação da obra pela administração. Aditivos con-tratuais. Reajuste do valor. Preservação do equilíbrio econômico-financeiro. Não com-

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provação do aumento dos custos. Dever de indenizar. Inexistente. 1. Os aditivos para re-ajuste de prazos e valores, realizados por consenso das partes, comprova a preservação do equilíbrio econômico e financeiro do contrato durante o período em que a área não foi liberada pela administração. 2. A ausência de comprovação da elevação dos custos da contratada em razão exclusivamente da mora da administração é entrave ao pleito indenizatório. 3. Recursos conhecidos. Dado provimento ao recurso da ré. Recurso da autora prejudicado.” (TJDFT – Proc. 20150110301494APC – (936023) – 3ª T.Cív. – Relª Desª Ana Cantarino – DJe 28.04.2016 – p. 214)

7841 – Contrato administrativo – concessão de uso de área – rescisão unilateral – lici-tação – aditamentos – necessidade

“Administrativo. Reintegração na posse. Contrato de concessão de uso de área. Rescisão unilateral do contrato. Exigência de licitação. Esbulho configurado. 1. Deve ser rejeitada a preliminar de carência de ação, pois, mesmo que em determinado momento durante a tramitação da ação reintegração a ocupação tivesse respaldo em sentença proferida em mandado de segurança impetrado pela concessionária/apelante, com a manutenção da decisão de rescisão unilateral do contrato, após a análise da defesa administrativa apresentada, persiste a ocupação sem justo título, e, por conseguinte, o interesse de agir da Infraero. 2. Embora o contrato administrativo originário tenha sido celebrado após re-alização de procedimento licitatório, os que lhe sucederam, com seus respectivos adita-mentos, não o foram, razão pela qual a concessão de uso, à época da rescisão unilateral e ajuizamento da ação de reintegração, já durava quase 20 (vinte) anos, sem a realização de outra licitação que não aquela efetuada no ano de 1989. 3. Considerando o poder--dever da Administração de zelar pelo respeito aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, bem como a violação ao princípio da exigência de licitação, não se verifica qualquer ilegalidade na decisão de rescisão unilateral do contrato de concessão de uso. Precedentes (TRF 2ª R., AC 200951010126467). 4. Em vista da legalidade da res-cisão unilateral, a recorrente não possui mais justo título a legitimar sua manutenção da posse, pelo que, a partir do decurso do prazo de notificação, a permanência irregular da pessoa jurídica no bem público passou a configurar esbulho, ensejando a reintegração na posse, nos termos do art. 926 do CPC (TRF 2ª R., AMS 200651010052811). 5. O es-tudo de viabilidade econômico financeiro que concluiu pela necessidade de 22,6 anos, a partir de 1995, para a amortização de investimentos feitos na vigência do segundo contrato, em 1995 e 1996, não justifica a prorrogação do terceiro contrato de 2004 para 2017, principalmente, se considerado o tempo total de ocupação após o término do pra-zo originariamente previsto para o primeiro contrato (31.10.1994), único com amparo em prévio procedimento licitatório. 6. Assim, não havendo sequer aparente legitimidade na última prorrogação – de 2004 para 2017 –, e caracterizada a manifesta ilegalidade da permissão de ocupação por quase 28 anos desde o início da vigência do primeiro contrato, de 1989 até 2017, a rescisão unilateral do contrato não enseja a aplicação do princípio da vedação do comportamento contraditório. E, tampouco, cria expectativa de direito à manutenção do último contrato, razão pela qual não se verifica qualquer ofensa à segurança jurídica e à boa-fé contratual. 7. Além disso, a recorrente não está impedida de postular eventual direito à indenização em ação própria. 8. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0020074-91.2009.4.02.5101 – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 03.05.2016 – p. 642)

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7842 – Contrato administrativo – prestação de serviços – fomento – pagamento – re-gularidade fiscal – condicionamento – ilegalidade

“Administrativo. Agravo de instrumento. Ação de conhecimento. Contrato administra-tivo. Prestação de serviços. Fomento. Pagamento. Regularidade fiscal. Comprovação. Condição. Ilegalidade. Infringência contratual e legal. Sanção. Pagamento. Supressão. Previsão legal. Interpretação sistemática. Verossimilhança e alegações lastreadas em provas inequívocas. Antecipação de tutela como expressão do prescrito pela lei de li-citações. Ratificação. 1. A antecipação da tutela jurisdicional tem como pressuposto a existência de prova inequívoca passível de revestir de verossimilhança os argumen-tos deduzidos e induzir a certeza da plausibilidade do direito material vindicado, pois se consubstancia na entrega antecipada da pretensão invocada, estando revestida de caráter satisfativo, e não em medida de caráter instrumental destinada simplesmente a resguardar a intangibilidade do direito perseguido, determinando que, aferidos esses requisitos, seja concedida como forma de privilegiar o caráter instrumental do proces-so e homenagear-se o princípio da efetividade processual. 2. A administração pública, devendo guardar vassalagem ao princípio da legalidade, deve exigir a comprovação de regularidade fiscal não apenas durante a fase de habilitação dos interessados em contra-tar com o poder público, mas durante toda a execução do contrato firmado com a parte contratada, conforme expressamente consigna a Lei das Licitações (Lei nº 8.666/1993, arts. 27, IV; 55, XIII). 3. Aperfeiçoado o procedimento de credenciamento sob a mol-dura legalmente estabelecida, resultando na adjudicação do objeto e na celebração do contrato que regula sua efetivação, a incursão da contratada em irregularidade fiscal no transcurso do relacionamento qualifica infringência contratual e legal, legitimando a adoção das medidas contratual e legalmente previstas por parte da administração. 4. Conquanto incursa em irregularidade fiscal passível de implicar infração contratual, a empresa contratada, ao fomentar os serviços adjudicados na forma convencionada, enseja a germinação do fato gerador da contraprestação que lhe é devida traduzida no preço ajustado, não se afigurando legal e legítimo que, auferindo o fornecimento, a ad-ministração condicione o pagamento do que lhe fora destinado à regularização da pen-dência fiscal que afeta a fornecedora por implicar essa condição coerção administrativa e fato gerador de locupletamento indevido. 5. A suspensão do pagamento do forneci-mento ante a irregularidade fiscal em que incorrera a contratada configura ato que não se coaduna com as previsões legais e contratuais afetas aos contratantes, violando o direito da contratada de ser contemplada com o pagamento dos serviços que fomentara, nota-damente porque, a par de ensejar benefício indevido à administração, a própria Lei das Licitações não inscreve a suspensão do pagamento do fornecimento havido como san-ção aplicável ao contratado que incorre em infringência contratual e legal, encerrando a condição de regularização fiscal como pressuposto para recebimento do pagamento, portanto, violação ao princípio da legalidade que deve modular a atuação administrativa (Lei nº 8.666/1993, art. 87). 6. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Maioria.” (TJDFT – PADM 20150020251026AGI – (936753) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 02.05.2016 – p. 133)

Transcrição editorial SÍNTeSeLei nº 8.666/1993:

“Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, docu-mentação relativa a:

I – habilitação jurídica;

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II – qualificação técnica;

III – qualificação econômico-financeira;

IV – regularidade fiscal e trabalhista; (Redação dada pela Lei nº 12.440, de 2011) (Vigência)

V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 9.854, de 1999)”

7843 – Contrato administrativo – revisão – aumento de tributos – desequilíbrio econô-mico – comprovação – ausência

“Apelação cível. Administrativo. Contrato administrativo. Revisão. Aumento de tribu-tos. Ausência de prova do desequilíbrio econômico-financeiro. 1. Não se conhece do agravo retido quando a parte não reitera o pedido de apreciação na apelação ou nas contrarrazões (art. 523, § 1º, CPC/1973). 2. A juntada de um relatório contábil elabo-rado por empresa de auditoria não é prova suficiente para reconhecer o direito de re-visão contratual, com base no art. 65, § 5º, da Lei nº 8.666/1993, sobretudo porque a empresa demandada identificou a necessidade de uniformizar os critérios e interpreta-ções utilizados pelas auditorias, a fim de que houvesse isonomia em relação às demais contratadas. 3. O direito de revisão não pode ser considerado incontroverso quando a empresa demandada apenas reconhece a possibilidade de estabelecer procedimentos para aferição do eventual impacto da majoração dos tributos, o que deveria ser verifi-cado individualmente em cada contrato, por intermédio de auditorias independentes. 4. Não é possível a revisão do contrato, com base no art. 65, § 5º, da Lei nº 8.666/1993, quando não há provas de que a alteração na legislação tributária gerou ônus excessivo e desequilibrou a cláusula econômico-financeira, principalmente quando a demandan-te se opõe expressamente à realização da prova pericial contábil que poderia eviden-ciar o seu direito. 5. Apelação não provida. Agravo retido não conhecido.” (TRF 2ª R. – AC 0027419-50.2005.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro – DJe 26.04.2016 – p. 408)

Comentário editorial SÍNTeSeAcerca da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro e a alteração da carga tributária, respaldada no art. 65, § 5º da Lei nº 8.666/1993, assim ensina Marçal Justen Filho:

“O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) exis-tente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente.

13.1 Configuração do equilíbrio econômico-financeiro

O equilíbrio econômico-financeiro abrange todos os encargos impostos à parte, ainda quando não se configurem como ‘deveres jurídicos’ propriamente ditos. São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo previsto no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias-primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo para pagamento etc.

O mesmo se passa quanto à remuneração. Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes, tais como prazo e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas também as épocas previstas para sua liquidação.

É possível (à semelhança de um balanço contábil) figurar os encargos como contrabalançados pela remuneração. Por isso se alude a ‘equilíbrio’. Os encargos equivalem à remuneração, na acepção de que se assegura que aquele plêiade de encargos corresponderá precisamente à remuneração prevista. Pode-se afirmar, em outra figuração, que os encargos matematicamente iguais às vantagens. Daí a utilização da expressão ‘equação econômico-financeira’.

[...]

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13.14.1 Alteração da carga tributária (§ 5º)

Uma das manifestações mais usuais de quebra da equação econômico-financeira relaciona-se à alteração da carga tributária incidente diretamente sobre a execução da prestação objeto do contrato. A questão apresenta relevância tamanha que um dos parágrafos do art. 65 explici-tamente previu que a variação da carga configura-se como causa apta a gerar efeitos jurídicos sobre o equilíbrio econômico-financeiro da contratação. No entanto, a jurisprudência do TCU tem ignorado os fundamentos da disciplina legal e o texto expresso do art. 65, § 5º, da Lei nº 8.666.

Jurisprudência do STF

‘1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra publica, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qual-quer forma de compensação.

2. Afronta evidente ao princípio da harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados.

3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente’ (ADI 2.733/ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, J. em 26.10.2005)

13.14.1.1 A disciplina legislativa adotada

O § 5º alude, expressamente, à instituição ou supressão de tributos ou encargos legais como causa da revisão dos valores contratuais. O dispositivo seria desnecessário, mas é interessante a expressa determinação legal. O fato causador do rompimento do equilíbrio econômico-fi-nanceiro pode ser a instituição de exações fiscais que onerem, de modo específico, o cumpri-mento da prestação pelo particular. Assim, por exemplo, imagine-se a criação de contribuição previdenciária sobre o preço de comercialização de um certo produto agrícola. O fornecedor da Administração pública terá de arcar com o pagamento de uma nova contribuição, a qual inexistia no momento da formulação da proposta. É necessário, porém, um vínculo direto entre o encargo e a prestação. Por isso, a lei que aumentar a alíquota do imposto de renda não justi-ficará alteração do valor contratual. O imposto de renda incide sobre o resultado das atividades empresárias, consideradas globalmente (lucro tributável). O valor percebido pelo particular será sujeito, juntamente com o resultado de suas outras atividades, à incidência tributária. Se a alíquota for elevada, o lucro final poderá ser inferior. Mas não haverá relação direta de causalidade que caracterize rompimento do equilíbrio econômico-financeiro.

A forma pratica de avaliar se a modificação da carga tributária propicia desequilíbrio da equa-ção econômico-financeira reside em investigar a etapa do processo econômico sobre o qual recai a incidência. Ou seja, a materialidade da hipótese de incidência tributária consiste em certo fato signo-presuntivo de riqueza. Cabe examinar a situação desse fato signo-presuntivo no processo econômico. Haverá quebra da equação econômico-financeira quando o tributo (instituído ou majorado) recair sobre atividade desenvolvida pelo particular ou por terceiro necessária à execução do objeto da contratação. Mais precisamente, cabe investigar se a incidência tributária configura-se como um ‘custo’ para o particular executar sua pretensão. A reposta positiva a esse exame impõe o reconhecimento da quebra do equilíbrio econômico--financeiro. Diversa é a situação quando a incidência recai sobre a riqueza já apropriada pelo particular, incidindo economicamente sobre os resultados extraídos da exploração.

Assim, a elevação do ICMS produz desequilíbrio sobre contratos que imponham ao particular, como requisito de execução de sua prestação, a necessidade de participar de operações rela-tivas à circulação de mercadorias. O mesmo se diga quando eleva o IPVA se a execução da prestação envolver necessariamente a utilização de veículos automotores. Mas a instituição de imposto sobre a renda apresenta como outro contorno, eis que a incidência se dá sobre os resultados obtidos pelo particular na exploração de um empreendimento.

Deve evitar-se, de todo o modo, a tentativa de soluções formais rigorosas. A identificação dos efeitos da alteração da carga fiscal somente pode fazer-se em face da situação concreta. Tem de examinar-se o custo original assumido pelo particular e os efeitos da modificação da carga tributária. Caracterizando-se elevação dos custos, há direito à recomposição.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Pau-lo: Dialética, 2008. p. 716; 723 e 724)

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7844 – Desapropriação – utilidade pública – laudo pericial – justo preço – juros com-pensatórios – observância

“Direito administrativo. Apelação. CPC/1973. Desapropriação por utilidade pública. Laudo pericial. Justo preço. Juros compensatórios. MP 700/2015. Doze por cento ao ano. 1. A sentença, em ação de desapropriação por utilidade pública visando às obras no contorno de Cachoeiro de Itapemirim/ES, declarou incorporada à propriedade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) área de 15.551,58 m² da rodovia BR-482/ES, trecho Safra, mediante indenização de R$ 318.377,54 (trezentos e dezoito mil, trezentos e setenta e sete reais e cinquenta e quatro centavos) a sociedade empresaria do ramo de marmoraria, com juros compensatórios de 12% ao ano, a partir da imissão provisória na posse do imóvel, em 06.05.2008. 2. Acolhem-se as conclusões de laudo pericial equilibrado e com metodologia clara para alcançar o justo preço na desapropriação. Ao contrário da análise feita pelo DNIT, que encontrou valor muito baixo para o metro quadrado, R$ 1,72, o laudo oficial considerou que a propriedade, conquanto rural, está em perímetro urbano, próximo a um terminal intermodal e dentro de região que concentra importante parque industrial, daí a estimativa de R$ 17,00/m². 3. ‘Segundo a jurisprudência assentada no STJ, a Medida Provisória nº 1.577/1997, que reduziu a taxa dos juros compensatórios em desapropriação de 12% para 6% ao ano, é aplicável no período compreendido entre 11.06.1997, quando foi editada, até 13.09.2001, quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF, suspen-dendo a eficácia da expressão ‘de até seis por cento ao ano’, do caput do art. 15-A do Decreto-Lei nº 3.365/1941, introduzida pela referida MP. Nos demais períodos, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano, como prevê a Súmula nº 618/STF’ (REsp 1.111.829/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 25.05.2009, sub-metido ao regime dos recursos repetitivos do art. 543C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008). 4. O próprio Poder Executivo, expropriante por excelência, consagrou os juros compensatórios de 12% nas desapropriações por utilidade pública, ao editar a Medida Provisória nº 700, de 08.12.2015 – com prazo de vigência atualmente pror-rogado para 17.05.2016 –, novamente alterando, para esse fim, a redação o art. 15-A do Decreto-Lei nº 3.365/1941. 5. Não se aplica à hipótese a sistemática estabelecida pelo CPC/2015, art. 85, que não vigorava na data da publicação da sentença, força dos arts. 14 e 1.046 e orientação adotada no Enunciado Administrativo nº 7, do STJ. 6. Ape-lação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0001296-50.2007.4.02.5002 – 6ª T.Esp. – Rel. Antonio Henrique Correa da Silva – DJe 03.05.2016 – p. 619)

7845 – Empregado público – retorno ao serviço – Lei nº 8.878/1994 – efeitos

“Empregado público. Retorno ao serviço. Lei nº 8.878/1994. Efeitos. A intenção do le-gislador, com a edição da Lei nº 8.878/1994, foi reparar a dispensa ou exoneração ilegal dos servidores civis e empregados da Administração Pública Federal, direta e indireta, no período de 16.03.1990 a 30.09.1992. Logo, é correto que os anistiados não recebam vantagens pecuniárias relativas ao tempo em que permaneceram afastados, já que não houve prestação de serviços. Todavia, de acordo com o princípio da isonomia que rege o Direito do Trabalho, o salário devido a partir do efetivo retorno deve ser recomposto, como se em atividade estivessem durante todo o período de afastamento por ato ilegal da Administração Pública. Entendimento em sentido contrário acabaria por manter a discri-minação da qual empregado público foi vítima quando da sua dispensa arbitrária, sendo sonegados direitos trabalhistas básicos.” (TRT 3ª R. – RO 0010938-72.2015.5.03.0114 – Rel. Anemar Pereira Amaral – DJe 04.05.2016 – p. 244)

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7846 – Ensino superior – sistema de cotas – requisitos legais – preenchimento – direito à inscrição

“Administrativo. Ensino superior. Vestibular. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Sistema de cotas. Aluno com renda igual ou inferior a 1,5 salários mínimos. Comprova-ção de renda. Preenchimento dos requisitos legais. Direito à inscrição. Sentença manti-da. 1. A controvérsia posta nos autos diz respeito à legitimidade do ato que impediu a matrícula do autor no curso de Ciências da Computação, em vaga destinada a estudante com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita, por não haver apresentado toda a documentação que comprovaria a sua situação econômica, no caso, a declaração de ausência de atividade remunerada da mãe, declaração de imposto de renda do pai e extratos bancários. 2. Tais documentos foram apresentados no recurso administrativo e receberam análise favorável da Instituição que, ainda assim, indeferiu o pedido ao argumento de que os documentos deveriam ter sido entregues no ato da matrícula. 3. O autor comprovou que faz jus a uma das vagas reservadas para candidatos com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salários mínimo per capita, não sendo razoável eliminar o estudante pelo fato de, na data da matrícula, ter falhado na apre-sentação de alguns documentos exigidos, mormente quando, tendo-os apresentado em recurso administrativo, recebeu parecer favorável da própria Administração. 4. Correta a sentença que julgou procedente o pedido inicial para determinar a ré, ora apelante, que proceda à análise da documentação apresentada pelo autor quando da interposição do recurso administrativo e, verificando a comprovação do enquadramento no critério renda familiar mensal per capita, proceda à sua imediata matrícula no curso de Ciên-cias da Computação. 5. Apelação a que se nega provimento. Sentença confirmada.” (TRF 1ª R. – AC 0008304-12.2013.4.01.3801/MG – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 27.04.2016 – p. 646)

7847 – Improbidade administrativa – fatos geradores em Guia de Informações da Pre-vidência Social – omissão – recolhimento de contribuições – ausência – ato ímprobo – inexistência

“Administrativo. Improbidade administrativa. Omissão de fatos geradores em Guia de Informações à Previdência Social – GFIP. Ausência de recolhimento de contribuições. Ex-prefeito. Inexistência de ato reputado ímprobo. I – Trata-se de apelação de sentença que julgou improcedente o pedido de condenação do réu Wilebaldo Melo Aguiar, ex--Prefeito do Município de Mucambo/CE, por ato de improbidade administrativa em vir-tude de sonegação de contribuições previdenciárias descontadas dos servidores públicos municipais, à época em que o réu/apelado exercia o cargo de Prefeito. II – Sustenta o apelante que a Receita Federal constatou a não inclusão pelo Município de Mucambo/CE de todos os fatos geradores de contribuições previdenciárias na Guia de Informações à Previdência Social – GFIP, tendo sido omitidos dados de parte da folha de pagamento, durante a gestão do réu, nas competências de janeiro de 2005 a dezembro de 2007. Afirma que a conduta do réu/apelado se enquadra no art. 11, I e II, da Lei nº 8.429/1992. III – A improbidade administrativa que dá ensejo à responsabilização correspondente materializa-se pelo ato marcadamente corrupto, desonesto, devasso, praticado de má--fé ou caracterizado pela ‘imoralidade qualificada’ do agir. A conduta ilegal só se torna ímproba se revestida também de má-fé do agente público. IV – O ato de improbidade não deve ser confundido com o de mera irregularidade ou ilegalidade, o primeiro corres-ponde a uma conduta ilegal tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, para a verificação do ato ímprobo, nos termos do art. 10, em todos os

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seus incisos, da Lei nº 8.429/1992, é preciso que se comprove a culpa grave na conduta do agente, e, nos termos do art. 11, do mesmo Estatuto, que seja demonstrado o dolo. V – A jurisprudência do STJ e desta Corte Regional, já vem se posicionando no sentido de que não caracteriza ato ímprobo o não recolhimento de contribuição previdenciária no afã de evitar-se lesão a um bem maior ou quando não há prejuízo para o erário. Precedentes: STJ, REsp 1206741/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 23.05.2012; TRF 5ª R., Ap-Reex 23605/PB, Des. Fed. Manoel Erhardt, DJe 07.03.2014. VI – Na hipó-tese, conquanto esteja configurada a conduta irregular do apelado, quanto à observância das formalidades legais, não há nenhum elemento concreto que indique que tal conduta tenha sido praticada de forma dolosa ou mesmo que o réu tenha agido de má-fé, ou seja, com o intuito de atentar contra os princípios da administração pública. Ademais, não houve dano irreversível ao Erário, uma vez que o total da importância não recolhida está sendo pago pelo Município, por meio de parcelamento tributário. VII – Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0001335-62.2013.4.05.8103 – (575261/CE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 07.04.2016 – p. 145)

Comentário editorial SÍNTeSeTratou o presente julgado de apelação pelo Ministério Público do Estado do Ceará, contra decisão que beneficiou o ex-prefeito do Município de Mucambo/CE, em ação por ato de impro-bidade administrativa em virtude de sonegação de contribuições previdenciárias descontadas dos servidores públicos municipais, quando o apelado exercia o cargo de prefeito.

O Ministério Público Estadual, interpôs apelação aduzindo em suma que a Receita Federal constatou a não inclusão pelo Município de Mucambo/CE de todos os fatos geradores de contribuições previdenciárias na Guia de Informações à Previdência Social – GFIP, tendo sido omitidos dados da folha de pagamento durante a gestão do ex-prefeito, nas competências de janeiro de 2005 à dezembro 2007, enquadrando-se no quando previsto no art. 11, I e II, da Lei nº 8.429/1992.

Ao negar provimento ao requerimento do Ministério Público do Estado do Ceará, assim mani-festou-se o Relator:

“[...] A improbidade administrativa que dá ensejo à responsabilização correspondente mate-rializa-se pelo ato marcadamente corrupto, desonesto, devasso, praticado de má-fé ou carac-terizado pela ‘imoralidade qualificada’ do agir. Isto porque tenho entendido que para que seja caracterizado o ato como de improbidade administrativa é forçoso que se vislumbre um traço de má-fé por parte do administrador, senão a ilegalidade se resolve apenas pela anulação do ato que fere o ordenamento legal. A conduta ilegal só se torna ímproba se revestida também de má-fé do agente público.

[...]

Apesar de não ser negada a ocorrência dos fatos narrados, não se vislumbra elementos su-ficientes a levar o recorrido a uma condenação por ato de improbidade, seja pela falta de maiores evidências de um ato doloso, seja não se caracterizar a situação de acessoriedade de tributo como apresentação de GFIP, uma responsabilidade que caracterize improbidade de um prefeito municipal.

Conquanto esteja configurada a conduta irregular do apelado, quanto à observância das for-malidades legais, não há nenhum elemento concreto que indique que tal conduta tenha sido praticada de forma dolosa ou mesmo que o réu tenha agido de má-fé, ou seja, com o intuito de atentar contra os princípios da administração pública.

[...]

Não obstante a inobservância da norma, a conduta levada a efeito não pode ser objeto de valoração isolada, separada do contexto em que se deu. Ademais, considerando que os débitos do Município para com o INSS encontram-se renegociados por meio de parcelamento, bem como que não houve prejuízo aos cofres da Administração Municipal, a desproporcionalidade das sanções seria flagrante, causando ao agente maior lesão do que aquela que ele causou ao ente estatal. [...]”

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7848 – Improbidade administrativa – guias de trânsito de pescado – emissão irregular – ato ímprobo – configurado

“Improbidade administrativa. Violação de princípios administrativos. Guias de trânsito de pescados. Emissão irregular. Ato ímprobo configurado. 1. Ação de improbidade adminis-trativa ajuizada pelo MPF em face de agente de inspeção sanitária vinculado ao Minis-tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Prática de atos ímprobos relacionados à emissão irregular de guias de trânsito de pescado. 2. Servidor designado para o exercício de fiscalização permanente junto ao entreposto de pescados Italfish Ltda., abrangendo o período de abril a dezembro de 2004. Vistoria técnica realizada nas instalações da empresa pela Superintendência Federal de Agricultura em dezembro de 2004. Equipa-mentos e maquinários da empresa em estado de deterioração, denotando a ausência de condições para beneficiamento de pescados. Existência, em contrapartida, de diversas guias de trânsito de pescados emitidas entre outubro e dezembro de 2004, atestando a realização de beneficiamento do produto nas instalações da Italfish. Documentos expe-didos e assinados pelo ora recorrente, a quem incumbia fiscalizar de forma permanente a empresa em questão. 3. Apuração, no âmbito de procedimento administrativo disci-plinar, da existência de atuação fraudulenta do réu. Expediente destinado a possibili-tar que empresas não possuidoras de autorização para beneficiamento de pescados se utilizassem do registro então pertencente à Italfish Ltda., e assim conferissem aparência de legalidade à comercialização de seus produtos. Fato que acarretou a demissão do ora recorrente do cargo público então ocupado. 4. Atos ímprobos configurados. Reite-rada jurisprudência do STJ no sentido de que ‘a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, sendo indispensável à sua caracterização a existência de dolo para as condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992, ou pelo menos de culpa grave nas do art. 10’ (STJ, Corte Especial, AIA 30/AM, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 28.09.2011; STJ, 2ª T., AgRg-REsp 1.397.590, Relª Min. Assusete Magalhães, DJe 05.03.2015). Presença de elemento aními-co doloso do agente. 5. Conduta que se amolda, nos termos da tipificação proposta pelo MPF e acolhida na sentença, ao art. 11, I da Lei nº 8.429/1992. Réu que, no exercício do cargo de fiscal sanitário há mais de 20 anos, detinha plena consciência do caráter irregu-lar de sua conduta e, mesmo assim, seguiu expedindo guias de trânsito de pescados vicia-das durante quase dois meses (outubro a dezembro de 2004), a evidenciar atuação dolosa de sua parte. Não configuração de equívoco de ordem técnica motivado por suposta falta de experiência/treinamento específico na área de fiscalização de pescados. 6. Incidência das sanções de pagamento de multa civil, proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de três anos e perda da função pública, que alcança qualquer cargo/empre-go/função eventualmente exercido pelo réu quando do trânsito em julgado do acórdão, ainda que distinto daquele em que praticados os atos ímprobos ora reconhecidos (STJ, 2ª T., REsp 1.297.021, Relª Min. Eliana Calmon, DJe 20.11.2013). Afastada a penalidade de suspensão de direitos por não possuir correlação necessária com os atos ímprobos em apreço. 7. Recurso de apelação do réu parcialmente provido, tão somente para afastar a sanção de suspensão de direitos políticos.” (TRF 2ª R. – AC 0001186-17.2008.4.02.5002 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro – DJe 12.04.2016 – p. 269)

7849 – Improbidade administrativa – venda de lotes públicos –procedimento licitató-rio – inobservância

“Apelação. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Vendas de lotes públicos. Inobservância de procedimento licitatório. Petição inicial indeferida por inép-

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cia. Indícios de atos de improbidade. Fase em que se deve observar o princípio do in dubio pro societate. Possibilidade de emenda à inicial sem alteração da causa de pedir e do pedido. Cabimento. Recurso do Ministério Público estadual provido. Recurso do mu-nicípio prejudicado. 1. Nos termos do art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/1992, a ação de im-probidade administrativa só deve ser rejeitada de plano se o órgão julgador se convencer da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita, situação não verificada no caso dos autos. 2. Se a petição inicial indicar, ainda que de maneira sucinta, indícios mínimos da prática de atos de improbidade, é perfeitamente possível a determinação de sua emenda sem que haja alteração da causa de pedir ou do pedido, nos termos do art. 264 do CPC, em observância aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da efetividade do processo, bem como ao dever geral de colaboração do juiz para com as partes, de modo a permitir melhor individualização das condutas dos agentes e viabilizar a completa prestação ju-risdicional, uma vez que prevalece, nessa fase processual, o princípio in dubio pro socie-tate. Precedentes. 3. Recurso do Ministério Público Estadual conhecido e provido para desconstituir a sentença a fim de que, em primeiro grau, seja oportunizada a emenda da petição inicial, com indicação precisa das condutas individuais de cada demandado que configure, em tese, atos de improbidade administrativa, e julgar prejudicado o recurso do Município de Palmas.” (TJTO – Ap 0007978-79.2015.827.0000 – 2ª C.Cív. – Relª Desª Ângela Prudente – DJe 12.04.2016 – p. 47)

Transcrição editorial SÍNTeSeLei nº 8.429/1992:

“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

[...]

§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejei-tará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.” (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

7850 – Licitação – transferência de praça de táxi – necessidade

“Administrativo. Transferência de praça de táxi. Necessidade de realização de licitação. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime. Há legislação federal a impedir a transferência da praça de táxi, uma vez que se trata de hipótese de permissão de serviço público, a exigir a realização de prévia licitação. A delegação de serviço público de transporte por meio do táxi pressupõe a realização de licitação desde a Constituição da República de 1988, em razão de sempre haver limitação do número de delegatários e o manifesto interesse na exploração daquela atividade pelos particulares, seja pela via da permissão, seja pela via da autorização”. (TJAL – AI 0801541-82.2015.8.02.0000 – Rel. Juiz Conv. Maurício César Brêda Filho – DJe 27.04.2016 – p. 90)

7851 – Militar – falta disciplinar – exclusão dos quadros – reintegração – decadência – observância

“Apelação cível. Constitucional e administrativo. Servidor público militar. Falta discipli-nar grave. Exclusão dos quadros. Ação ordinária de reintegração em cargo público c/c pedido de tutela antecipada e pagamento de vencimentos no período de afastamento. Regularidade do licenciamento a bem da disciplina. Sentença que acolhe prejudicial de prescrição quinquenal. Extinção do processo com resolução do mérito. Inconformismo. Ausência de interrupção do prazo prescricional em face da impetração de mandado de

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segurança. Decreto nº 20.910/1932. Termo inicial. Data do ato de exclusão. Manuten-ção da sentença. Recurso conhecido e improvido. Unânime. 1. O prazo para propositura de ação de reintegração de policial militar é de 5 (cinco) anos, a contar do ato de exclu-são ou licenciamento, nos termos do Decreto nº 20.910/1932, ainda que se trate de ação ajuizada em face de ato nulo. Precedentes do STJ. 2. In casu, correto o acolhimento da prejudicial de prescrição quinquenal arguida pelo Apelado, tendo em vista que a citação válida na Ação Mandamental não possui o condão de interromper o prazo prescricional do direito demandado na Ação de Reintegração em Cargo Público c/c Pagamento de Vencimentos Retidos, não cabendo analogia com o art. 202, I do CC/2002. 3. Recurso conhecido, todavia, desprovido.” (TJPA – Ap 00006719620108140200 – (157969) – 1ª C.Cív.Isol. – Relª Maria do Ceo Maciel Coutinho – DJe 13.04.2016 – p. 852)

7852 – Pensão por morte – filha solteira e capaz – concessão – impossibilidade

“Previdenciário. Pensão de ex-ferroviário. Filha solteira e capaz. Lei nº 3.807/1960. 1. O direito à pensão por morte se rege pelas normas vigentes à época do óbito do instituidor, e que, no caso, se deu em 25.06.1984. 2. O art. 5º da Lei nº 3.373/1958 estabelecia que a filha solteira de servidor, maior de 21 anos, tinha direito a uma pensão temporária, que cessaria apenas quando ocupante de cargo público. 3. Posteriormente, a Lei nº 4.259/1963 estendeu aos ferroviários contribuintes obrigatórios do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP) o benefício de pensão por morte assegurado aos funcionários públicos da União. 4. A Lei nº 4.259/1963 foi revogada pelo Decreto-Lei nº 956/1969. 5. Quando do óbito do pretenso instituidor da pensão, vigorava a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdên-cia Social), a qual estabelecia que a pensão das filhas solteiras cessava ao completarem 21 anos, perdendo a qualidade de dependentes, salvo as inválidas (art. 11). 6. Apelação da parte autora desprovida.” (TRF 1ª R. – AC 2008.01.99.020605-7/MG – Rel. Juiz Fed. Mark Yshida Brandão – DJe 27.04.2016 – p. 427)

7853 – Pregão eletrônico – melhor preço – ausência de apresentação de documentos exigidos na habilitação – desclassificação – regularidade

“Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Licitação na modalidade pregão ele-trônico. Classificação quanto ao melhor preço, mas posterior desclassificação por não apresentar os documentos exigidos para habilitação. Comprovação da situação financei-ra das empresas, por meio de balanço patrimônio e demonstrações contábeis. Inscrição do sistema público de escritura digital. Sped que não desobrigada ao fechamento do balanço patrimônio até abril do ano consequente. Art. 1.078 do CC e art. 2º, § 1º do Decreto nº 6.022/2007. Desclassificação regular. Decisão mantida. Recurso desprovido. Agravo de Instrumento nº 1.442.143-9, fl. 2.” (TJPR – AI 1442143-9 – 4ª C.Cív. – Relª Juíza Substª Cristiane Santos Leite – DJe 27.04.2016 – p. 34)

7854 – Responsabilidade civil do Estado – danos morais – perturbação do sossego – dano não caracterizado

“Ato administrativo. Pretensão de abstenção na concessão de alvarás para realização de eventos junto ao Parque Edmundo Zanoni. Impossibilidade. Ausência de ilegalidade ou irregularidade na conduta da Administração na concessão de alvarás para realização de eventos. Responsabilidade civil do Estado. Danos morais e patrimoniais. Perturbação do sossego. Dano não caracterizado. Imóvel contíguo a Parque Municipal, onde sabida-

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mente se realizam eventos culturais, destinados à coletividade. Sentença de improcedên-cia mantida. Recurso do autor não provido.” (TJSP – Ap 0009330-62.2009.8.26.0048 – Atibaia – 1ª C.Ext.DPub. – Rel. Jarbas Gomes – DJe 14.04.2016)

7855 – Responsabilidade civil do Estado – ECT – extravio de correspondência – danos morais e materiais – caracterização

“Civil. Processual civil. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Extravio de correspondência. Responsabilidade civil da administração. Danos morais e materiais caracterizados. Constituição Federal, art. 37, § 6º. Código de Defesa do Consumidor, art. 14. Apelação parcialmente provida. 1. O fornecedor de serviços responde, inde-pendentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos con-sumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (art. 14, do Código de Defesa do Consumidor). 2. É pacífico na jurisprudência pátria que as empresas públicas pres-tadoras de serviços públicos submetem-se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 14 do CDC, de modo que a responsabilidade civil objetiva pelo risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da CF/1988, é confirmada e reforçada com a ce-lebração de contrato de consumo, do qual emergem deveres próprios do microssistema erigido pela Lei nº 8.078/1990 (STJ, REsp 1210732/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 02.10.2012, DJ 15.03.2013, grifos acrescidos). 3. Incumbe à ECT, como agente responsável pelo exercício e pelo risco de sua atividade, o pagamento de indenização por danos morais decorrentes de eventual falha na prestação do serviço. 4. No caso dos autos a autora limitou-se a comprovar tão somente a postagem das correspondências. Embora não se tenha comprovação do conteúdo das correspondências postadas pela autora (que alega que eram documentos referentes à nacionalidade de seu filho), afigu-ra-se incontroverso seu extravio. Nesta Corte, também se consolidou o entendimento de que ‘A ECT responde objetivamente pelo extravio de correspondência, por falta do serviço, mesmo que o remetente não tenha declarado o conteúdo da encomenda’ (AC 2003.33.01.000504-4/BA, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., DJe de 30.08.2010, grifos acrescidos). 5. Deduzido o pedido de indenização por danos morais no comprova-do extravio de correspondência pela ECT, afigura-se adequada a condenação na pleite-ada indenização – a qual, fixada em R$ 1.000,00 (três mil reais), atende aos parâmetros seguidos nesta Corte Regional em casos similares. 6. Apelação da autora parcialmente provida para condenar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT ao pagamen-to de R$ 1.000,00 (mil reais) a título de danos morais, R$ 3,95 (três reais e noventa e cinto centavos) por danos materiais e R$ 500,00 (quinhentos reais) à guisa de honorários advocatícios.” (TRF 1ª R. – AC 2007.40.00.006681-8/PI – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 27.04.2016 – p. 596)

Transcrição editorial SÍNTeSeLei nº 8.078/1990:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos ser-viços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode espe-rar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

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§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

7856 – Responsabilidade civil do Estado – erro médico – dano moral – nexo causal – não configuração

“Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Indenização por erro médico indevi-da. Nexo causal não configurado. Apelação desprovida. 1. Visa a parte autora/apelante ao pagamento de indenização pelos danos supostamente sofridos no seu nascimento, atribuindo a erro médico ocorrido no parto, na maternidade Nossa Senhora de Fátima, a hipóxia cerebral que possui, o que consiste em problemas neurológicos. 2. Para que se configure a responsabilidade civil do Estado, necessário se faz a concretização dos seguintes requisitos: o dano, a ação ou omissão administrativa e o nexo causal entre o dano e esta ação ou omissão. 3. Do conteúdo fático-probatório contido nos autos, não se extrai comprovação robusta de nexo de causalidade entre o procedimento médico ado-tado no parto com a hipóxia cerebral que acomete o Apelante. Isso porque os exames periciais médicos realizadas no Autor (um psicológico e dois neurológicos) não foram conclusivos e unânimes a esse respeito, não sendo possível chegar a conclusão diversa da que foi exarada na sentença de improcedência. 4. Não há que se falar em realização de nova prova pericial, uma vez que, além de terem sido realizadas três perícias médicas em duas especialidades, tendo o Magistrado a quo chegado a sua convicção e funda-mentado sua decisão de forma clara e contundente, não é porque a prova produzida não foi favorável ao Apelante, que deve ser feita uma mais (a quarta). Sabe-se que a perícia judicial é imparcial e a realização de três perícias se mostram mais do que suficientes. 5. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0007632-55.1993.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler – DJe 03.05.2016 – p. 689)

7857 – Responsabilidade civil do Estado – esquecimento de objeto em posto de saúde – desaparecimento – danos materiais – inadmissibilidade

“Responsabilidade civil do Estado. Pedido de indenização por danos materiais, decor-rentes do sumiço de aparelho celular esquecido nas dependências do posto de saúde municipal. Inadmissibilidade. Hipótese em que não resta configurado o contrato de de-pósito, com tradição real e assunção, pela ré, da obrigação de guarda e vigilância da coisa. Causa excludente de responsabilidade. Culpa exclusiva da vítima. Ação julgada procedente na 1ª instância. Sentença reformada. Recurso da municipalidade provido.” (TJSP – Ap 0021436-50.2013.8.26.0037 – Araraquara – 1ª C.Ext.DPub. – Rel. Leme de Campos – DJe 14.04.2016)

7858 – Responsabilidade civil do Estado – execução fiscal – penhora online – pessoa homônima – danos morais – cabimento

“Responsabilidade civil do Estado. Execuções fiscais movidas pelo município contra ho-mônimo. Decretação de penhora online mesmo após diversas tentativas do autor de solucionar o equívoco. Presente o nexo causal. Responsabilidade do Município. Danos morais devidos. Razoável o quantum ora fixado. Sentença mantida quanto ao ponto. Precedentes. Honorários contratuais. Danos materiais. Descabido o ressarcimento. Con-trato livremente firmado entre particulares não vincula a sucumbente. Precedentes. Con-

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denação afastada. Recurso do Município provido, em parte. Não provido o do autor.” (TJSP – Ap 0012814-11.2013.8.26.0577 – São José dos Campos – 1ª C.Ext.DPub. – Rel. Evaristo dos

7859 – Responsabilidade civil do Estado – internação em UTI – falta de leito – óbito – dano moral – cabimento

“Apelação. Constitucional. Administrativo. Civil. Indenização por dano moral. Respon-sabilidade civil do Estado. Omissão. Responsabilidade subjetiva. Nexo causal existente. Hospital de base. Internação em leito de UTI. Negativa. Falta de vagas. Óbito do pa-ciente. Danos morais. Devidos. Quantum indenizatório. Redução. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada. 1. Entende-se que é subjetiva a responsabili-dade civil do Estado por eventos danosos decorrentes de uma possível atividade faltosa do Poder Público, exigindo-se a presença de dolo ou culpa. 2. Para a caracterização do dever indenizatório do Estado em casos de omissão, deve a parte ofendida demonstrar que a conduta culposa ou dolosa que ensejou o dano tem como causa o desatendimen-to dos padrões de empenho de serviços legalmente exigíveis. 3. Necessária, ainda, a comprovação do nexo de causalidade, impondo-se a demonstração de que o dano é consequência direta da inação dos agentes públicos ou do mau funcionamento de um serviço afeto à Administração Pública. 4. Pedido de indenização baseado no falecimento do genitor dos autores ante a internação tardia do paciente em leito de UTI. 5. Segundo a perícia realizada, o nexo causal entre a omissão estatal e o óbito do paciente restou configurado nos autos. 6. Na fixação da indenização por danos morais deve considerar o Juiz a proporcionalidade e razoabilidade da condenação em face do dano sofrido pela parte ofendida e o seu caráter compensatório e inibidor, mediante o exame das circuns-tâncias do caso concreto. 7. Em análise as características do caso concreto, necessária a redução do quantum fixado. 8. Apelação conhecida e parcialmente provida. Senten-ça reformada.” (TJDFT – Ap 20110111804494APO – (929334) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Romulo de Araujo Mendes – DJe 12.04.2016 – p. 138)

Comentário editorial SÍNTeSeCuida o presente julgado de recurso de apelação interposto pelo Distrito Federal que fora con-denado ao pagamento de R$ 100.000,00 a título de indenização por danos morais.

Em apartada síntese, em primeira instância o Distrito Federal fora condenado ao pagamento de R$ 100.000,00 a título de dano moral ante a falha do ente estatal na prestação de servi-ços sendo estes a omissão e o nexo causal, ante a ausência de leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

O Distrito Federal propôs Apelação alegando necessária reforma da sentença de primeiro grau; considerando a ausência da comprovação na falha na prestação do serviço estatal, a omissão e o nexo causal, alega ainda, que o genitor dos apelados faleceu em decorrência dos problemas de saúde e não pela falta de leito em UTI. Requereu, por fim, a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido inicial, bem como redução do valor arbitrado.

Ao dar parcial provimento ao recurso, assim a manifestação ao Relator:

“[...] Para que se analise o fato narrado pelos autores como sendo apto a configurar danos morais, indispensável é que consigamos definir claramente o que seja responsabilidade civil do Estado.

Cumpre observar que, a despeito da dissonância doutrinária sobre o tema, entende-se que é subjetiva a responsabilidade civil do Estado por eventos danosos decorrentes de uma possível atividade faltosa do Poder Público, exigindo-se a presença de dolo ou culpa.

É o que se denomina de ‘culpa do serviço’, ‘falta de serviço’, ‘culpa anônima’ ou, entre os franceses, faute du service publique, configurada quando o Estado deveria agir e não agiu,

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agindo mal ou tardiamente, e cuja inércia acarreta prejuízo ao administrado, dando lugar à reparação dos prejuízos sofridos.

Significa dizer que as pessoas jurídicas de direito público, assim como as de direito privado prestadoras de serviço público, somente serão responsáveis civilmente quando se omitirem diante de um dever legal de obstar a ocorrência do dano.

[...]

Nesse sentido, para a caracterização do dever indenizatório do Estado em casos de omissão, deve a parte ofendida demonstrar que a conduta culposa ou dolosa que ensejou o dano tem como causa o desentendimento dos padrões de empenho de serviços legalmente exigíveis. Necessária, ainda, a comprovação do nexo de causalidade, impondo-se a demonstração de que o dano é consequência direta da inação dos agentes públicos ou do mau funcionamento de um serviço afeto à Administração Pública.

Na análise do caso concreto, para que o fato seja enquadrado como passível de dano moral, é necessária a existência da omissão estatal, a comprovação de que tal omissão causou algum fato caracterizado como fano moral, e se tal omissão gerou um dano. Havendo o dano, analisa--se sua intensidade para definir o valor da indenização a ser paga a título de danos morais.

No caso em tela, o fato com base no qual os apelados vindicam reparação moral consiste no falecimento do genitor em razão na demora para internação em Unidade de Terapia Intensiva.

[...]

Na fixação da indenização por danos morais deve considerar o Juiz a proporcionalidade e a razoabilidade da condenação e, face do dano sofrido pela parte ofendida e o seu caráter com-pensatório e inibidor, mediante o exame das circunstâncias do caso concreto. [...]”

7860 – Responsabilidade civil do Estado – morte de preso – dano moral e material – cabimento – pensão mensal – descabimento

“Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso em penitenciária. Dano moral e dano material. 1. É direito fundamental do preso condenado ou provisório, assegurado pelo ordenamento constitucional vigente, o respeito à sua integridade física e moral. 2. Responde o Estado civilmente pelo homicídio de preso ocorrido no interior do esta-belecimento prisional, independentemente da aferição de culpa por parte dos agentes públicos. Precedentes do STJ e do STF. 3. Dano moral arbitrado em valor razoável. 4. Descabimento do pensionamento mensal. 5. Apelação parcialmente provida. Una-nimidade.” (TJMA – Proc. 0028814-83.2011.8.10.0001 – (181007/2016) – Rel. Paulo Sérgio Velten Pereira – DJe 29.04.2016 – p. 218)

7861 – Responsabilidade civil do Estado – policial militar – óbito no exercício das funções – nexo causal – ausência

“Responsabilidade civil. Indenização por danos morais, materiais e pagamento de pensão. Morte de policial militar no exercício de suas funções. Pretensão de imputar à administração a responsabilidade objetiva pelo ilícito praticado. Descabimento. Ne-nhuma falha, omissão ou desídia do poder público restou demonstrada. Nexo causal não identificado. Inocorrência de responsabilidade civil do Estado. Hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e, desta forma, não logrou a autora provar a culpa da admi-nistração. Precedentes. Improcedência da ação mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0027633-70.2013.8.26.0053 – São Paulo – 3ª C.Ext.DPub. – Rel. Rebouças de Carvalho – DJe 04.05.2016)

7862 – Responsabilidade civil do Estado – prisão indevida – regularidade da prisão – dano moral – descabimento

“Apelação. Responsabilidade civil do Estado. Indenização por danos morais. Suposta prisão indevida. Suposto cometimento de crime de estupro. Prisão preventiva determina-

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da após reconhecimento fotográfico feito pela vítima em sede de inquérito policial. Não ratificação na fase judicial ante a não localização da vítima. Comprovação de negativa de autoria do crime por exame de DNA. Absolvição por negativa de autoria do fato. Pretensão de condenação do Estado ao pagamento de indenização por danos morais. Descabimento. Inexistência de irregularidade na prisão cautelar, executada na presen-ça dos pressupostos legais autorizadores. Persecução penal legitimamente procedida, fundada em atos devidamente fundamentados e realizados nos estritos limites legais. Responsabilidade civil do Estado. Inocorrência. Absolvição não torna ilegal ou ilícita a conduta do estado, que permite que haja prisão e persecução penal nos casos estipu-lados em lei. Precedentes. Não comprovação de erro judiciário ou a atuação com dolo ou fraude dos agentes públicos. Sentença de improcedência mantida. Recurso do autor improvido.” (TJSP – Ap 0000993-27.2014.8.26.0366 – Mongaguá – 3ª CDPúb. – Rel. Maurício Fiorito – DJe 18.04.2016)

Comentário editorial SÍNTeSeAcerca da Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, assim ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“A jurisprudência brasileira, como regra, não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o que é lamentável porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em ralação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como tam-bém nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado. Mas, mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo, poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão.

Maria Emília Mendes Alcântara (1986:75-79) menciona várias hipóteses em que o ato juris-dicional deveria acarretar a responsabilidade do Estado: prisão preventiva decretada contra quem não praticou crime, causando danos morais; a não concessão de liminar nos casos em que seria cabível, em mandado de segurança, fazendo perecer o direito; retardamento injusti-ficado de decisão ou de despacho interlocutório, causando prejuízo a parte. A própria conces-são de liminar ou de medida cautelar em casos em que não seria cabível pode causar danos indenizáveis pelo Estado. Apenas para o caso de dolo, fraude, recusa, omissão, retardamento injustificado de providências por parte do juiz, o art. 133 do CPC prevê a responsabilidade pessoal por perdas e danos.

As garantias de que se cerca a magistratura no direito brasileiro, previstas para assegurar a independência do Poder Judiciário, em benefício da Justiça, produziram a falsa ideia de in-tangibilidade, inacessibilidade e inafastabilidade do magistrado, não reconhecida aos demais agentes públicos, gerando o efeito oposto de liberar o Estado de responsabilidade pelos danos injustos causados àqueles que procuram o Poder Judiciário precisamente para que seja feita justiça.

Merece menção uma importante decisão do STF que pode significar mudança de orientação da jurisprudência no que diz respeito à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Trata-se de acórdão proferido no Recurso Extraordinário nº 228.977/SP, em que foi Relator o Ministro Néri da Silveira, julgado em 05.03.2002 (DJU de 12.04.2002). Nele se decidiu que a autoridade judicial não tem responsabilidade civil praticado por atos jurisdicionais pratica-dos, devendo a ação ser proposta contra a Fazenda Estadual, a qual tem direito de regresso contra o magistrado responsável, nos casos de dolo ou culpa.

Com relação a atos jurisdicionais que não impliquem exercício de função jurisdicional cabível a responsabilidade do Estado, sem maior contestação, porque se trata de atos administrativos, quanto ao seu conteúdo (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 807)

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7863 – Responsabilidade civil do Estado – transferência hospitalar – demora – óbito – dano moral – cabimento

“Responsabilidade civil do Estado. Pretensão de recebimento de indenização por dano moral. Demora em transferência para Hospital Estadual que culminou no óbito do côn-juge da autora. Sentença de procedência parcial da demanda. Recurso adesivo da autora intempestivo. Apelo da Fazenda Estadual. Preliminar de ilegitimidade passiva afasta-da. Responsabilidade solidária dos entes federativos em fornecer atendimento integral à saúde. Conduta omissiva da Fesp diante do dever jurídico de agir. Robusto conteúdo probatório que demonstra a existência dos elementos da responsabilidade civil. Dano, nexo causal e conduta omissiva devidamente caracterizados. Obrigação de indenizar verificada. Irresignação contra o quantum indenizatório. Não acolhimento. Observância dos critérios de compensação do dano e desestímulo da conduta lesiva. Montante que se figura razoável e adequado em face das nuances do caso concreto. Precedentes. Termo a quo dos juros de mora. Data do evento danoso. Impossibilidade de agravar a situação da Fazenda. Manutenção do início da incidência a partir da citação. Termo inicial da correção monetária já fixado na data da sentença. Ausência de interesse recursal neste ponto. Sentença mantida. Recurso adesivo da parte autora não conhecido e apelação da Fesp não provida.” (TJSP – Ap 0027819-39.2013.8.26.0071 – Bauru – 8ª CDPúb. – Rel. Manoel Ribeiro – DJe 18.04.2016)

7864 – Responsabilidade objetiva do Estado – concessionária de serviço público – rou-bo de carga em rodovia – fato de terceiro – nexo causal – quebra – dever de indenizar – não configurado

“Civil. Administrativo. Ação de indenização por danos materiais. Concessionária presta-dora de serviços públicos. Exploração de rodovia. Responsabilidade objetiva. Roubo de carga em rodovia. Falha de fiscalização e segurança na rodovia. Não ocorrência. Fato exclusivo de terceiro caracterizado. Quebra do nexo causal. Âmbito do dever contratual de segurança. Dever de indenizar não configurado. Honorários advocatícios. Pleito de majoração. Valor arbitrado. Razoabilidade. Agravo retido. Prejudicialidade. Sentença mantida. Recursos desprovidos. 1. As pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos – concessionárias e permissionárias –, respondem objetivamente, nos termos do art. 37, § 6º da CF/1988, pelos danos causados a terceiros por falha na presta-ção do serviço, dispensando-se prova da culpa, cabendo a tais entes a comprovação de que inexistência do fato administrativo, inexistência de dano ou ausência de nexo causal entre o fato e o dano. 2. A responsabilidade objetiva do Estado tem como fundamento da teoria do risco administrativo, em contraponto à teoria do risco integral, razão por que nos casos em que o dano é resultante de caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou ainda de fato exclusivo de terceiro, e não de qualquer atividade ou omissão do Estado, rompe-se o nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano, e, por conseguinte, a responsabilidade civil do Estado pelo dano. 3. Diante dos termos de con-cessão firmados entre a União e a ré, evidenciam-se que as atribuições contratuais desta, no que concerne à segurança do usuário, relacionam-se ao oferecimento de rodovias em perfeitas condições a fim de dar fluidez ao trânsito e evitar acidentes, bem como à assistência por meio de serviços de atendimento pré-hospitalar (primeiros socorros/remoção) e atendimento mecânico (resgate/guincho). Não foi repassado à ré o dever inerente ao poder de polícia de prestar segurança pública, fiscalizando eventuais atos de terceiros contra os usuários. 4. Rompido o nexo causal entre o acidente ocorrido e o dano experimentado pela autora por fato exclusivo de terceiro, inviável responsabilizá-

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208 �������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 126 – Junho/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

-la pelos danos sofridos em decorrência do roubo da carga. 5. Impossível o acolhimento do pedido recursal alternativo de responsabilização subjetiva da concessionária sob a ótica da teoria da culpa administrativa por omissão em fiscalizar e manter a rodovia em perfeitas condições de uso, visto que não demonstrado qualquer defeito na pista ou na mureta em que o motorista da autora colidiu, ocasionando o tombamento do caminhão e o posterior roubo da carga. 6. Conforme dispõe parte final do § 4º do art. 20 do CPC, em se tratando de causa em que não há condenação, a legislação não vincula o julgador a nenhum percentual ou valor certo. Cabe ao julgador arbitrar a verba honorária median-te apreciação equitativa, sendo perfeitamente possível utilizar percentuais sobre o valor da causa, da condenação, dos percentuais descritos no § 3º do art. 20. Não estando, todavia, a eles adstrito, ou, ainda, fixá-la em valor determinado, tudo a depender do caso concreto. 7. Não obstante o valor atribuído à causa, e sem desconsiderar o zelo com que atuaram os profissionais, o valor dos honorários fixado na sentença mostra-se razoável, devendo ser mantido, tendo em vista que não se trata de causa relevante ou complexa ou de longa duração ou que tenha exigido dos advogados maiores esforços do que os usuais. 8. Recursos da autora e da sociedade de advogados da ré desprovidos. Agravo retido prejudicado.” (TJDFT – Proc. 20140111218640APC – (935676) – 5ª T.Cív. – Relª Desª Maria Ivatônia – DJe 02.05.2016 – p. 367)

7865 – Serviço público – transporte rodoviário interestadual de passageiros – conces-são ou permissão – licitação – necessidade

“Administrativo. Transporte rodoviário interestadual de passageiros. Regime de serviço público. Concessão, permissão ou autorização, mediante licitação. Exigência constitu-cional. Omissão da união. Empresa não autorizada. Ilegalidade. Sentença mantida. 1. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o constituinte conferiu à União a competência para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou per-missão, o serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (CF, art. 21, XII, alínea e), e incumbiu ‘ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de servi-ços públicos’ (art. 175, caput). 2. Em cumprimento ao referido dispositivo constitucional, foi editada a Lei nº 8.987, de 13.02.1995, que ‘dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Fede-ral’, na qual foram estabelecidas as diretrizes gerais acerca da delegação da prestação de serviços públicos para a iniciativa privada e criadas as agências reguladoras. 3. A regulamentação do art. 175 da CF/1988 pela Lei nº 8.987/1995 provocou a revisão do Decreto nº 952, de 07.10.1993, que dispunha sobre a outorga de permissão e autoriza-ção para a exploração de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, dando origem ao Decreto nº 2.521, de 20.03.1998, atualmente em vigor, ficando a cargo do Ministério dos Transportes a organização, a coordenação, o controle, a delegação e a fiscalização dos serviços de transporte rodoviário interestadual e inter-nacional de passageiros. 4. Com a edição da Lei nº 10.233, de 05.06.2001, foram cria-dos o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – Conit e a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, com competência para o planejamento e a gestão do transporte coletivo interestadual e internacional de passageiros. 5. Segundo a Lei nº 10.233/2001, a ANTT tem por atribuição propor ao Ministério os Transportes os planos de outorgas para exploração da infraestrutura e prestação de serviços de transpor-te terrestre, instruídos a partir de estudos específicos de viabilidade técnica e econômica. Concluído o estudo de viabilidade e constatada a rentabilidade da linha para operar um

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veículo de porte preestabelecido, tem início o procedimento licitatório (arts. 24 a 26). 6. Até o presente momento, nenhuma licitação foi realizada pela ANTT, sendo certo que as permissões para exploração dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, previstas no art. 98 do Decreto nº 2.521/1998, que tinham prazo fixado de 15 (quinze) anos para viger, sem previsão de prorrogação, já expiraram desde 08.10.2008, contados a partir da publicação do Decreto nº 952/1993, no DOU de 08.10.1993. 7. Em razão dessa omissão administrativa, verificam-se duas situações distintas que são normalmente submetidas à apreciação do Poder Judiciário: a primeira, a prorrogação de autorização concedida antes da Constituição Federal de 1988, cujo art. 175 inovou ao estabelecer que a prestação de serviços públicos, sob o regime de concessão ou permissão, depende de procedimento licitatório; e, a segunda, a outorga de autorização para a prestação de serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros, com a criação de novas linhas, depois da previsão de imprescindibilida-de de prévio procedimento licitatório (após 1988). 8. Em ambas as hipóteses, o Poder Judiciário vinha conferindo legalidade a essas permissões, ainda que precárias, pois a própria ANTT vem excepcionando a regra prevista no art. 175 da Constituição Federal, outorgando autorizações especiais a empresas para a exploração de novas linhas de transporte interestadual de passageiros. 9. O Decreto nº 2.521/1998 foi expresso em delimitar que as delegações relativas ao serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros previsto no art. 6º, inciso I, ‘não terão caráter de exclusividade e serão formalizadas mediante contrato de adesão, que observará o disposto nas leis, neste De-creto, nas normas regulamentares pertinentes e, quando for o caso, nos tratados, conven-ções e acordos internacionais, enquanto vincularem a República Federativa do Brasil’ (art. 7º). 10. Nenhuma empresa que esteja atuando neste setor pode invocar o caráter de exclusividade para explorar o serviço público de transporte interestadual de passa-geiros apenas e unicamente por deter permissão do Poder Público para a exploração de determinada linha, por ser inteiramente contrária ao próprio interesse público, uma vez que desprestigia a salutar prática da livre concorrência entre as empresas, deixando de propiciar um serviço mais ágil e de qualidade ao usuário do transporte coletivo de passageiros. 11. Isso não quer dizer, porém, que, diante da inexistência do caráter de exclusividade no serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros, qualquer empresa estaria automaticamente autorizada a operar qualquer a linha sem a devida autorização do Poder Público competente, tendo em vista o disposto no referido art. 6º do Decreto nº 2.521/1998, que expressamente determina que as delegações relativas ao transporte terrestre de passageiros devem ser formalizadas mediante contrato de adesão. 12. A mais recente jurisprudência firmada a respeito do tema assentou entendimento de que o Poder Judiciário não pode pretender suprir a omissão do Poder Executivo, de modo a autorizar o funcionamento de serviços de transporte de passageiros, sob pena de desorganizar o modelo político da divisão de tarefas pelos Poderes, seja para a explo-ração do serviço por empresa ainda não legitimada pela respectiva agência reguladora, seja para a prorrogação das concessões/permissões já concedidas pelo Poder Público competente. 13. Por ocasião do julgamento da ADI 3521/PR o Supremo Tribunal Fede-ral declarou a inconstitucionalidade de dispositivo de lei estadual com idêntico teor do art. 42, § 2º da Lei nº 8.987/1995, afastando a possibilidade de prorrogação de contratos não precedidos de licitação. 14. No caso, a autora não possui qualquer autorização, per-missão ou concessão administrativa para explorar o trecho pretendido, de forma regular, mas pretende, sem nenhuma outorga antes concedida, operar o trecho sem licitação, em flagrante violação dos preceitos constitucionais pertinentes, que exigem a instau-

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ração de procedimento licitatório para a delegação de tal serviço (art. 175). 15. A Lei nº 12.996/2014 estabeleceu recentemente que o serviço de transporte coletivo interes-tadual será explorado sob regime de autorização. Dando concretização a esse comando legal, a ANTT, em 30.06.2015, baixou a Resolução nº 4.770, que normatiza a prestação do serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de pas-sageiros, sob o regime de autorização, abrindo espaço para que os competidores possam disputar em regime de igualdade os trechos pretendidos. 16. O art. 72 faculta à autora o direito de pleitear novos mercados, não subsistindo, pois, qualquer razão que justifique possa o Poder Judiciário, substituindo-se à Administração, em flagrante desobediência à jurisprudência do STF, conceder mercados novos, agora tratados expressamente na referida Resolução nº 4.770/2015. 17. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0063789-02.2014.4.01.3400/DF – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 27.04.2016 – p. 650)

Transcrição editorial SÍNTeSeConstituição Federal:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fisca-lização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.”

7866 – Servidor – aposentadoria – adicional de função – erro na concessão – redução – impossibilidade

“Processual civil e administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Servidor público. Aposentadoria. Adicional de função. Erro na concessão do benefício. Supressão que não importa em violação ao princípio da irredutibilidade de vencimen-tos. Preenchimento de requisito temporal. Análise que demanda a apreciação do acervo fático-probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Agravo desprovido. 1. A controvér-sia posta nos autos gira em torno de saber se o servidor aposentado tem direito à ma-nutenção de seus proventos na forma em que deferido inicialmente, mesmo que tenha decorrido de erro da Administração. 2. É entendimento consolidado nesta Corte Superior de que a supressão de verba remuneratória paga em desacordo com a lei, em decorrên-cia de erro na concessão inicial do ato de aposentadoria, não fere o princípio da irre-dutibilidade de vencimentos. 3. No tocante à alegação de que o Recorrente já contava com tempo suficiente à aposentadoria antes da publicação da Decisão nº 844/2001 do Tribunal de Contas da União, fato que lhe permitiria a manutenção dos proventos como inicialmente deferido, o Tribunal a quo dirimiu a questão destacando que o Recorrente não contava com o tempo mínimo de 2 anos para o recebimento da função correspon-dente ao Cargo de Diretor de Serviços Gerais, uma vez que a exerceu por apenas 10 me-ses e 18 dias. Dessa forma, para se chegar a conclusão diversa da firmada pelo acórdão impugnado seria necessário o reexame das provas carreadas aos autos, o que, entretanto, encontra óbice na Súmula nº 7 desta Corte, segundo a qual a pretensão de simples ree-

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xame de prova não enseja Recurso Especial. 4. Agravo Regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 33.671 – (2011/0184094-0) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 29.04.2016 – p. 65)

7867 – Servidor público – contratação temporária – renovações sucessivas – férias e 13º salário – pagamento – necessidade

“Apelação cível. Ação de cobrança. Servidor público municipal. Contrato de trabalho temporário. Renovações sucessivas. Direito a férias e décimo terceiro salário. 1. Como bem esclareceu o magistrado a quo, a investidura em cargo ou emprego público depen-de, via de regra, de prévia aprovação em concurso público. A contratação por tempo determinado, no entanto, é autorizada em caráter excepcional, para suprir a necessidade transitória, nos termos do art. 37, II e IX, da Constituição Federal, confira-se: art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá os princípios da legalidade, impessoali-dade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, a seguinte: [...] II – A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [...] IX – A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excep-cional interesse público. 2. Conforme se depreende dos documentos acostados, é incon-troverso que a apelante foi contratada, em caráter temporário, para prestar serviço ao município de Cedro/CE, na qualidade de auxiliar de serviços gerais, tendo desenvolvido suas atividades entre 01.09.2009 a 31.12.2012. 3. Existindo a efetiva contratação, inde-pendentemente de ser regular ou não, o poder público está obrigado ao pagamento de determinadas verbas salariais, ante o princípio basilar que veda o enriquecimento sem causa. 4. No caso em análise, a apelante busca a reforma do julgado para ver reconhe-cido o direito a perceber, além das verbas reconhecidas pelo magistrado a quo, décimo terceiro salário, os honorários sucumbenciais, a diferença salarial, o pagamento do FGTS do período laborado, bem como o salário retido do mês de setembro de 2012. 5. Quanto ao décimo terceiro salário, por se tratar de direito social, entende-se de forma pacífica na jurisprudência ser devido a todos os trabalhadores, independente da natureza do vín-culo existente. 6. Dessa forma, cabia ao ente público provar que todas as remunerações foram pagas aos seus servidores, na forma consagrada pela lei, pois dispõe a administra-ção de plenas condições para tal fim. 7. O município de cedro somente comprovou o pagamento do décimo terceiro salário relativo ao ano de 2012 (dois mil e doze), através da ficha financeira, constante no documento de fl. 41. Assim, é devido o pagamento do décimo terceiro salário dos anos de 2009, 2010 e 2011, por não ter sido comprovado seu adimplemento. 8. No que atine aos honorários advocatícios, que foram negados pelo magistrado a quo, tendo em vista o atendimento parcial dos pedidos, entende-se por desarrazoada a negação, vez que o apelante decaiu de parte mínima dos seus pleitos. Desta feita, fixo os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) do valor da con-denação. 9. Por fim, quanto ao pedido de diferença salarial, o pagamento do FGTS do período laborado, o salário retido do mês de setembro de 2012 (dois mil e doze), cumpre salientar que tais pedidos foram ventilados apenas por ocasião do presente apelo, isto é, em nenhum momento foram aduzidos na exordial. 10. Dessarte, tendo as referidas questões sido arguidas apenas no recurso apelatório, inviável o seu conhecimento por esta instância revisora, por constituir clara inovação recursal, sob pena de configurar

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supressão de instância. É nesse sentido o entendimento do superior tribunal de justiça. 11. Apelo do município de Cedro/CE conhecido e improvido. Apelação interposta por Geralda Genecilda Pereira Bezerra parcialmente conhecida, e na parte conhecida, pro-vida.” (TJCE – Ap 0007055-68.2014.8.06.0066 – Rel. Carlos Alberto Mendes Forte – DJe 28.04.2016 – p. 58)

Remissão editorial SÍNTeSeVide RSDA Ed. nº 81, set./2012 – Ementa nº 5259, no mesmo sentido.

7868 – Servidor público – progressão na carreira – interstício mínimo de 12 meses – previsão legal – observância

“Apelação cível. Servidor público federal. Progressão na carreira. Interstício mínimo de 12 meses no padrão. previsão legal. Regulamentação. Ausência de violação ao princípio da anualidade. A progressão dos servidores ocupantes de cargos nas Agências Regula-doras vem disciplinada na Lei nº 10.871/2004, cuja redação do § 2º do art. 10 da Lei nº 10.871/2004 determina o interstício mínimo que o servidor deve exercer em cada padrão para preencher um dos requisitos do direito à progressão funcional. A progressão na carreira dos servidores das Agências Reguladoras Federais depende da regulamenta-ção do processo de avaliação e desempenho. O Decreto nº 6.530/2008 regulamentou a progressão e a promoção para os servidores do quadro efetivo das Agências Reguladoras. Para tanto, o decreto determinou não só a observância do interstício mínimo de um ano, como também a análise de critérios de desempenho dos servidores (arts. 3º e 4º). Ressal-vou o Decreto nº 6.530/2008, no art. 15, que até que fosse implementado o sistema de avaliação de desempenho a progressão dos servidores na carreira seria automática obser-vando somente o cumprimento de 18 meses de exercício no padrão. A fixação de perío-do maior do que 12 meses a ser cumprido pelo servidor em cada padrão da carreira, para que possa ser submetido à avaliação de desempenho é juízo discricionário da Adminis-tração Pública, dado que a Lei nº 10.871/2004 conferiu-lhe o poder de regulamentação da norma. Não cabe ao Poder Judiciário interferir no juízo discricionário da Administra-ção Pública. Apelação não provida.” (TRF 3ª R. – AC 0001348-76.2014.4.03.6100/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 27.04.2016 – p. 970)

Transcrição editorial SÍNTeSeLei nº 10.871/2004:

“Art. 10. O desenvolvimento do servidor nos cargos das Carreiras referidas no art. 1º desta Lei obedecerá aos princípios:

I – da anualidade;

II – da competência e qualificação profissional; e

III – da existência de vaga.

§ 1º A promoção e a progressão funcional obedecerão à sistemática da avaliação de desempe-nho, capacitação e qualificação funcionais, conforme disposto em regulamento específico de cada autarquia especial denominada Agência Reguladora.

§ 2º Ressalvado o disposto no § 3º deste artigo, é vedada a progressão do ocupante de cargo efetivo das Carreiras referidas no art. 1º desta Lei antes de completado o interstício de 1 (um) ano de efetivo exercício em cada padrão.

§ 3º Mediante resultado de avaliação de desempenho ou da participação em programas de capacitação, o princípio da anualidade aplicável à progressão poderá sofrer redução de até 50% (cinquenta por cento), conforme disciplinado em regulamento específico de cada entida-de referida no Anexo I desta Lei.”

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7869 – Servidor público – remoção – união de cônjuges – inadmissibilidade – prejuízo ao serviço público – observância

“Mandado de segurança. Agente de segurança penitenciária. Remoção por união de cônjuges. Inadmissibilidade, no caso, pelo prejuízo ao serviço público. Ordem con-cedida. Recursos oficial e da Fazenda do Estado providos.” (TJSP – Ap 0009333-60.2013.8.26.0053 – São Paulo – 4ª CDPúb. – Rel. Ricardo Feitosa – DJe 28.03.2016)

Comentário editorial SÍNTeSeO presente julgado tratou de apelação interposta em sede de Mandado de Segurança impetra-do por agente penitenciária, contra ato do Secretário de Estado da Administração penitenciá-ria, que objetivou sua remoção em razão de união de cônjuges.

A Fazenda Pública recorre contra a decisão que concedeu a ordem para a remoção da Agente Penitenciária. Buscou a Fazenda do Estado a inversão do resultado, sustentando que a remo-ção almejada não preenche os requisitos legais, tampouco o interesse público, ante a defasa-gem do quadro de funcionários na unidade em que a servidora esta lotada.

Ao denegar a segurança dos pedidos formulados pela servidora, assim manifestou-se o nobre Relator:

“[...] A decisão monocrática não merece ser prestigiada, uma vez que realmente não se verifica no caso concreto nenhuma ofensa a direito líquido e certo da impetrante, a ser reparada na via eleita.

É que o direito de remoção assegurado aos servidores públicos por união de cônjuges, como não poderia ser diferente, encontra limitação no princípio da supremacia do interesse público, como resta claro da interpretação conjugada dos arts. 130 da Constituição Estadual e 234 e 235 da Lei Estadual nº 10.261/1968, também aplicável à espécie:

‘Art. 130. Ao servidor será assegurado o direito de remoção para igual cargo ou função, no lugar de residência do cônjuge, se este também for servidor e houver vaga, nos termos da lei.’

‘Art. 234. Ao funcionário é assegurado o direito de remoção para igual cargo no local de resi-dência do cônjuge, se este também for funcionário e houver vaga.’

‘Art. 235. Havendo vaga na sede do exercício de ambos os cônjuges, a remoção poderá ser feita para o local indicado por qualquer deles, desde que não prejudique o serviço.’

Assim, ainda que haja disponibilidade de vagas na Penitenciária de Paraguaçu Paulista, o déficit de servidores na unidade feminina de Franco da Rocha, onde está lotada a impetrante, sem falar nas especificidades que distinguem os dois estabelecimentos prisionais, conforme documento de fls. 55/57, torna necessária a sua permanência, pela conveniência do serviço público.

E isto não significa absolutamente que a lei estadual esteja se sobrepondo à Constituição, cujo aludido art. 130 é claro em dispor que a remoção almejada é assegurada ao servidor ‘nos termos da lei’. [...]”

7870 – Tombamento – imóvel de valor histórico cultural – ato administrativo discri-cionário – intervenção do Poder Judiciário – impossibilidade

“Ação popular. Constitucional. Preliminar de inaplicabilidade do art. 19 da Lei nº 4.717/1965. Rejeitada. Declaração judicial de que o imóvel em questão tem valor his-tórico-cultural. Transformação do Edifício Caiçara em imóvel especial de preservação. Impossibilidade. Lei de iniciativa do Poder Executivo. Art. 100 da Lei nº 16.176/1996. Tombamento. Ato administrativo discricionário. Reexame necessário improvido. Apelo voluntário prejudicado. Decisão unânime. 1. A sentença está sujeita a Reexame Ne-cessário, uma vez que, diferentemente do que alegaram, a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição não está restrita às hipóteses de ressarcimento de danos ao Erário ou prejuízo à coletividade. Na verdade, o Reexame Necessário não se trata de recurso, mas de condição de eficácia da sentença, conforme previsto na primeira parte do art.

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19 da Lei nº 4.717/1965, de 29 de junho de 1965: ‘Art. 19. Da sentença que concluir pela improcedência ou pela carência da ação, recorrerá o juiz, ex officio, mediante simples declaração no seu texto, da sentença que julgar procedente o pedido caberá apelação voluntária, com efeito suspensivo’. 2. Buscam os apelantes, em síntese, o reco-nhecimento de valor histórico e cultural do Edifício Caiçara, situado na Av. Boa Viagem, nº 888, nesta cidade do Recife e a transformação dele em Imóvel Especial de Preser-vação, anulando-se, assim, os alvarás de demolição ou de construção relacionados ao imóvel que tenham sido expedidos pela Administração Municipal. 3. A proteção do patrimônio cultural não se dá apenas através de tombamento, podendo ser realizada também por meio de inventários, registros, vigilância, desapropriação, além de outras formas de acautelamento e preservação. Esta é a previsão contida no art. 216, § 1º, da Constituição Federal. 4. A pretensão dos autores não se restringe ao tombamento do imóvel, havendo pedidos de ‘declaração do valor histórico e cultural do prédio’ e sua transformação em ‘Imóvel Especial de Preservação’; que sejam os réus obrigados à pre-servação do imóvel; que sejam anulados os alvarás de demolição, que os demandados não realizem alteração, reforma ou demolição que descaracterize, destrua ou danifique o bem; e que os demandados sejam obrigados a pagar indenizações por danos morais coletivos ou subsidiariamente que seja determinado o pagamento de indenização em va-lor compatível para a recomposição dos danos advindos com parte do imóvel que já foi demolido. 5. O tombamento é ato administrativo discricionário, descabendo ao Judiciá-rio imiscuir-se em relação aos juízos de oportunidade e conveniência de sua realização. Só deve intervir em hipóteses de ilegalidade ou omissão dos entes públicos, o que não é o caso. 6. Cabe ao Administrador, segundo juízos de oportunidade e conveniência, escolher os bens cujo tombamento entende necessários. 7. No que concerne ao Edifício Caiçara, o Poder Executivo Estadual abriu processo de tombamento em 30 de novembro de 2011, através do Conselho Estadual de Cultura, conforme se depreende do edital de Tombamento acostado à fl. 93. Em 17.09.2013 (fl. 182), após receber processo da Fun-darpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de PE, com parecer desfavorável ao tombamento, restou decidido, por unanimidade de votos, pelo não tombamento do bem: ‘Considerando, finalmente, a análise a que procedi, conscientemente, deste pro-cesso em todos os seus quatro volumes, com 572 páginas, sou contrário ao tombamento do Edifício Caiçara, sito à Avenida Boa Viagem, nº 888, no Pina, por não encontrar ra-zões que justifiquem a medida’. 8. Os Órgãos encarregados de averiguar a importância do imóvel foram unânimes em afirmar que o bem não preenche os requisitos para ser tombado ou transformado em Imóvel Especial de Preservação – IEP. 9. O Poder Execu-tivo Estadual abriu processo de tombamento em 30 de novembro de 2011, através do Conselho Estadual de Cultura, conforme se depreende do edital de Tombamento acosta-do à fl. 93. Em 17.09.2013 (fl. 182), após receber processo da Fundarpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de PE, com parecer desfavorável ao tombamento, restou decidido, por unanimidade de votos, pelo não tombamento do bem: ‘Considerando, finalmente, a análise a que procedi, conscientemente, deste processo em todos os seus quatro volumes, com 572 páginas, sou contrário ao tombamento do Edifício Caiçara, sito à Avenida Boa Viagem, nº 888, no Pina, por não encontrar razões que justifiquem a me-dida’. 10. No âmbito municipal, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano, através do Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU, ao qual compete examinar e decidir sobre a transformação de imóvel em Imóvel Especial de Preservação – IEP, segundo a Lei Municipal nº 16.284/1997, em sessão ordinária realizada em 04 de abril de 2014, concluiu, por maioria de seus membros, pela improcedência definitiva do pedido de

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classificação do imóvel como IEP. 11. A Comissão de Controle Urbanístico – CCU, por maioria de seus membros, também se posicionou contrária ao pleito de classificação do Edifício Caiçara em IEP (fls. 190/195), verbis: ‘A Comissão em plenário, por maioria de seus membros, com 07 (sete) votos: URB, SMAS, SAJ, “ACP, Ademi, Fiepe e Prezeis, 02 (dois) contrários: CAU e IAB, e 01 (uma) abstenção: CTTE, se posiciona contrária ao plei-to de classificação de Edifício Caiçara em IEP, acompanhando o parecer do relator”’. 12. De acordo com o art. 100 da Lei nº 16.176/1996, a classificação de imóveis com IEP será objeto de lei específica de iniciativa do Poder Executivo. 13. A análise da questão trazida revela que não há qualquer restrição ou prerrogativa de preservação incidente sobre o Edifício Caiçara, que seja apta a sustar a sua demolição, conforme solicitado pelos auto-res, ora apelantes. 14. Tais processos administrativos perduraram por longo período de tempo, retardando a demolição do prédio. Mesmo após o julgamento em definitivo de ambos os processos, e a constatação de que não se trata de bem com importância signifi-cativa para a sociedade, porquanto não possui qualquer valor histórico, arquitetônico ou artístico relevante, o proprietário ainda se encontra impedido de demolir o prédio, sem qualquer justificativa plausível. 15. A propósito, trecho do Parecer na análise do proces-so de tombamento referente ao Edifício Caiçara: ‘Considerando que o imóvel em questão não apresenta valores que o enquadrem sob os pontos de vista arquitetônico, histórico, paisagístico, estético, artístico, bibliográfico e cultural, no perfil de um bem tombável’, considerou ainda, o parecer adrede transcrito, que o imóvel se acha desocupado e em estado precário de conservação e que o seu tombamento implicaria em indenização de alto valor tendo como responsável o Estado de Pernambuco. Assim, concluiu pelo inde-ferimento do tombamento do Edifício Caiçara (fls. 549/557). 16. O Ministério Público do Estado interpôs Ação Cautelar Inominada com o objetivo de suspender a demolição do edifício, que foi julgada improcedente, tendo a sentença transitado em julgado em 21 de janeiro de 2014. 17. Ao Poder Executivo que compete a imputação de restrições de preservação de um bem, classificando-o como tombado ou, ainda, transformando-o em Imóvel Especial de Preservação, após a análise da sua importância, bem como do seu enquadramento nos requisitos legais, o que não ocorreu quanto ao imóvel de que trata o presente feito. 18. Reexame Necessário improvido. Prejudicado o apelo voluntário. Decisão unânime.” (TJPE – Ap 0022725-44.2014.8.17.0001 – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Erik de Sousa Dantas Simões – DJe 20.04.2016 – p. 196)

Comentário editorial SÍNTeSeAcerca do Tombamento, assim ensina o Mestre Édis Milaré:

“A expressão tombamento, utilizada pelo legislador brasileiro, provém do Direito Português, em que o verbo tombar tem o sentido de registrar, inventariar ou inscrever bens nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo. Nesse local estavam depositados os arquivos de Portugal. ‘Por extensão semântica, o termo passou a representar todo registro indicativo de bens sob a proteção especial do Poder Público’.

4.1.1.1 Conceito

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, tombamento pode ser conceituado como ‘espécie de intervenção ordinária e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e de disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à pre-servação, sob regime especial, dos bens de valores cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico’.

Resulta de um procedimento administrativo complexo, de qualquer das esperas do Poder Público, por via da qual se declara ou reconhece valor cultural a bens que, por suas caracterís-ticas especiais, passam a ser preservadas no interesse de toda a coletividade. Seu fundamento,

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portanto, assenta-se na imperiosa necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social, como disposto nos arts. 5º, XXIII, e 170, III, da Lei Maior.

[...]

4.1.1.4 Processo Administrativo

O tombamento é o resultado final de um processo administrativo estabelecido por lei para a adequada apuração da necessidade de intervenção na propriedade, com vistas à proteção de bens significativo valor para o patrimônio cultural brasileiro.

Conquanto possam os atos procedimentais variar em função da modalidade do tombamento, pode-se estabelecer como essenciais e comuns os seguintes:

a) parecer do órgão técnico sobre o valor cultural do bem;

b) notificação ao proprietário para anuir ou impugnar a pretensão do Poder Público;

c) deliberação coletiva do órgão colegiado da entidade incumbida do tombamento;

d) homologação do órgão político a que está afeta a entidade incumbida do tombamento;

e) inscrição no Livro do Tombo que se referir ao valor que fundamentou o fundamento;

f) transcrição em registro público (os imóveis no Cartório de Imóveis e os móveis no Cartório de Registro de Títulos e Documentos), para que produza efeitos em relação a terceiros.

O que importa assinalar aqui ‘é a absoluta necessidade de ser observado o princípio funda-mental do devido processo legal (due process of law), no qual se assegure ao proprietário o direito ao contraditório e à ampla defesa, incluindo os meios de prova que visem a demonstrar a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural’.

Anota-se, por fim, que o Decreto nº 3.866, de 29.11.1941, conferiu ao proprietário do bem tombado o direito de recorrer ao Presidente da República, que, atendendo a razões de inte-resse público, pode cancelar o tombamento de bens pertencentes á União, aos Estados, aos Municípios ou às pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito ao Iphan. No Estado de São Paulo, o Decreto-Lei nº 149, de 15.08.1969, também prevê idêntico recurso para o Governador do Estado.

A propósito, tem razão José Eduardo Ramos Rodrigues ao sustentar que o referido Decreto--Lei nº 3.866/1941 não teria sido acolhido pela atual ordem constitucional. Assim, seria inconstitucional porque: (i) prevê hipótese de intervenção da União nos Estados e Municípios distinta daquelas previstas no art. 34 e incisos da CF/1988; (ii) colide com o inc. XXXVI do art. 5º da CF, ao permitir o desfazimento de ato jurídico perfeito (ato jurídico de tombamento), ferindo o direito adquirido do proprietário de se manter dono de bem cultural tombado; (iii) o cancelamento do tombamento prejudicaria o direito adquirido da sociedade brasileira à pre-servação do bem tombado, novamente ferindo o inc. XXXVI do art. 5º da Lei Maior.” (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 569, 572 e 573)

7871 – Tribunal de contas municipal – anulação de julgamento – impossibilidade

“Constitucional e administrativo. Civil e processual civil. Apelação. Demanda para anu-lação de julgamento do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará. TCM. Inadmissibilidade da tese que assesta estes sodalícios administrativos como meros órgãos de auxílio das casas legislativas. Recurso conhecido, mas não provido. 1. Os tribunais de contas possuem competência para julgar as contas dos administradores e para aplicar sanções e multas decorrentes de irregularidades, conforme dispõe o art. 31, § 1º, com-binado com o art. 71, inciso II, ambos da Constituição Federal. Precedentes do Excelso Superior Tribunal de Justiça. 2. Na espécie, pretende o autor seja reconhecida a incom-petência do TCM de forma apriorística, sob a afirmativa de que, em sendo detentor de cargo político, porquanto prefeito municipal, somente poderia ter seus atos de gestão jul-gados pela Câmara de Vereadores. No entanto, esta tese se encontra superada na seara dos Sodalícios de Justiça dos Estados e do Excelso Superior Tribunal de Justiça, conforme RMS 13.499/CE, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., J. 13.08.2002, DJ 14.10.2002, p. 198.

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3. Com efeito, mesmo que seja possível a análise das decisões do Tribunal de Contas pelo Poder Judiciário, tanto por vício de procedimento, quanto meritório, quando houver patente equívoco, isto não se aplica ao exame do mérito administrativo, que não pode ser objeto de revisão judicial. 4. Ademais, de forma escorreita o Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, Flávio Sátiro Fernandes, no artigo: O Tribunal de Contas e a Fiscalização Municipal – Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. São Paulo, 65, jan./jun. 1991, p. 77/78, lapidarmente solucionou a questio ao prelecio-nar: ‘No caso em que os Prefeitos são os ordenadores de despesas, querer que eles não se sujeitem ao julgamento do Tribunal significa querer que ninguém se responsabilize por tais despesas, pois outra pessoa não poderá, na hipótese, ser chamada a prestar contas se não foi ela a sua ordenadora. O fato de o Prefeito ser agente político não o isenta de responsabilidade, se ele atua como ordenador de despesas.’ 5. Apelação conhecida, mas para não se prover.” (TJCE – Ap 0149457-86.2008.8.06.0001 – Rel. Francisco Darival Beserra Primo – DJe 04.03.2016 – p. 83)

Comentário editorial SÍNTeSeO presente julgado discutiu a validade das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas Mu-nicipal.

Em apartada síntese, alegou o gestor público que teve suas contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas Municipal, que considera ilegal o julgamento de suas contas por Tribunal de Contas, considerando que o julgamento somente se poderia ser realizado pela Câmara Municipal, a quem compete fiscalizar atos de gestão de prefeito municipal; tendo o Tribunal de Contas a função meramente auxiliar das Casas Legislativas.

Ao negar provimento ao feito, assim manifestou-se o Relator:

“[...] Como é cediço, a Constituição Federal de 1988, respeitando a dualidade do regime de contas públicas, atribuiu ao Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas, o julgamento político das contas do Chefe do Poder Executivo Municipal. No mesmo passo, determinou que as contas dos demais administradores e responsáveis por haveres públicos (entre os quais figura o ordenador de despensa), seriam julgadas pelo Tribunal de Contas.

Para formação do raciocínio, seguem as disposições da Carta Federal, verbatim et literatim:

‘Art. 71. O Controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I – apreciar as contas anualmente prestadas pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.’

Roborando esta posição peculiar dos Tribunais de Contas, no que se refere aos municípios, seguem as capitulações constitucionais, verbis:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, median-te controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas, onde houver.

§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal;

§ 3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.

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Infere-se, sem dificuldade de raciocínio que, os Tribunais de Contas têm função bifronte: pri-mo, emitem pareceres como órgãos auxiliares dos legislativos, para fins de julgamento político. Segundo, eles próprios, Tribunais, julgam as contas dos gestores, quando estes forem orde-nadores de despesas.

[...]

Partindo-se desta constatação, não há nenhuma ilegalidade no simples ato de julgar pelo Tri-bunal de Contas. Nestes termos, correta a posição do magistrado de primeiro grau, porquanto deveria o autor da demandada indicar equivoco formal ou material no julgamento e não sim-plesmente pedir sua validade. [...]”

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Seção Especial – Parecer

A Lei nº 12�830/2013 e Fundamentos de sua Constitucionalidade� Inteligência dos Artigos 144, § 4º, e 129 da Constituição Federal� Funções Distintas do Parquet e da Polícia Judiciária Dirigida por Delegados� Investigação Criminal e a Competência Exclusiva dos Delegados para Dirigi-la

IveS gANDRA DA SILvA MARTINSProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado‑Maior do Exército – ECEME, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC‑Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal), Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomér‑cio/SP, Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS.

CONSULTA

Formula-me a ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDE-RAL, por intermédio de seu eminente Presidente Delegado Marcos Leôncio Ribeiro, a seguinte consulta:

1. A Lei nº 12.830/2013 é formalmente constitucional?

2. Independentemente da discussão sobre o poder investigatório do Ministé-rio Público (MP), a Lei nº 12.830/2013 obsta o pretenso poder investigatório do MP ou qualquer outra investigação administrativa, como aquelas realiza-das pela Receita Federal ou CGU?

3. A carreira de delegado de polícia é jurídica?

4. Após o advento da Constituição de 1988, existe a carreira de delegado de polícia? E a carreira de delegado de Polícia Federal? Existe carreira única dentro da Polícia Federal?

5. Existe hierarquia entre a carreira de delegado de Polícia Federal e demais carreiras dentro da Polícia Federal (agentes, escrivães, papiloscopistas e pe-ritos)?

6. Vossa Excelência vislumbra alguma inconstitucionalidade na Lei nº 12.830/2013?

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Lembra a entidade consulente que há duas Ações Diretas de Inconsti-tucionalidade, pretendendo, uma delas, declaração de inconstitucionalida-de parcial da lei e outra a inconstitucionalidade total:

ADIn 5043: De iniciativa do MPF, sustenta que a Lei nº 12.830/2013 pode-ria impedir investigações do Parquet (requer, cautelarmente, a suspensão da eficácia do § 1º do art. 2º da Lei nº 12.830/2013; e requer a declaração da nulidade, sem redução do texto, do § 1º do art. 2º).

ADIn 5073: De iniciativa da Cobrapol, requer a declaração de inconstitucio-nalidade integral da lei. De início, sustenta a inconstitucionalidade formal da lei (violação aos arts. 60; 61, § 1º, inciso II, alíneas b e c, bem como art. 84, inciso VI, alínea a, e ainda art. 2º, todos da CF/1988). Também sustenta a inconstitucionalidade material. A Cobrapol também sustenta inconstitucio-nalidade por ofensa ao princípio da isonomia (art. 5º caput).

RESPOSTA

Examinei ambas as ações diretas mencionadas na consulta. Na pri-meira, o Ministério Público procura estender o direito constitucional dos delegados de polícia de presidir o inquérito policial, para os membros do Parquet1, a partir de princípios que estariam implícitos; na outra, os agentes policiais2 entendem haver uma carreira única na polícia, não existindo, por-tanto, hierarquia funcional.

A Advocacia-Geral da União, por outro lado, em consulta formulada pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, esclarece que:

30. Pelo exposto conclui-se que:

1 Pedido da P.G.R. na ADIn 5043: “48. Em conclusão, o poder de investigação pelo MP resulta de (i) ausên-cia de atribuição exclusiva à Polícia, pelo art. 144 da CF; (ii) literalidade do inciso VI do art. 129 da CF; (iii) unidade ontológica do fato ilícito; (iv) teoria dos poderes implícitos; e (v) direito da vítima a uma investi-gação pronta, completa e imparcial. 49. E, se a Constituição não atribui exclusivamente à polícia o poder de investigar, não é compatível com seus preceitos norma que permita interpretação no sentido de caber apenas aos delegados a condução de qualquer procedimento investigatório criminal. 50. Nesse contexto, deve ser de-clarada a nulidade, sem redução de texto, desse comando contido no § 1º do art. 2º da Lei nº 12.830/2013, de modo a preservar a atribuição de realização de investigação criminal conferida ao Ministério Público pela Constituição”.

2 Fundamento da Cobrapol (Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis) na ADIn 5073: “Ao dele-gado de polícia, com atribuições previstas no art. 144, §§ 1º e 4º, de dirigente policial e condutor da apuração de infrações penais, não lhe foi dada competência de ator processual único, vez que ‘às policias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem [...] as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais’. A direção da polícia não se confunde com o exercício de sua competência, o que denota a urgência da declaração da inconstitucionalidade do dispositivo em exame, já que a Lei nº 12.830/2013, no seu comando do art. 3º, cria diferenciação não constante dos dispositivos constitucionais acima citados – aliás, o próprio § 4º do art. 144 da Constituição garante a unidade da carreira – e, além disso, macula o princípio da isonomia”.

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a hierarquia é elemento típico da organização e ordenação dos serviços pres-tados no exercício da atividade policial;

o delegado de polícia, ocupante ou não de cargo comissionado, é a auto-ridade policial competente para conduzir as investigações criminais. Nesse sentido, o delegado de polícia federal detém o poder de coordenação das equipes envolvidas nas operações policiais; e

o Parecer nº GQ-35 não se aplica aos casos ora em análise, pois sua fun-damentação e conclusão tratam de matéria estranha ao objeto do presente processo.

À consideração superior.

Brasília, 7 de outubro de 2013.

Sergio Eduardo de Freitas Tapety

Advogado da União

Diretor do Decor/CGU/AGU”.3

Não pretendo, neste parecer, debruçar-me sobre os diversos aspec-tos infraconstitucionais levantados pela PGR para justificar ou não o direito pretendido, à luz de princípios implícitos, assim como sobre a inexistência ou não de hierarquia desejada por agentes policiais. Pretendo tão somente examinar o Texto Constitucional (arts. 129 e 144, § 4º), que, de rigor, é aquele que rege, no inquérito policial e nas diversas funções do delegado de polícia, sua ação.

De certa forma, venho reiterar, neste parecer, o que já escrevi no Volume 5º, dos 15 que, com o saudoso constitucionalista e amigo Celso Bastos, dedicamos aos comentários da lei suprema, pela Editora Saraiva. Reitero, inclusive, o que também já escrevi em diversos pareceres, alguns publicados, sobre a matéria4.

3 “Parecer nº 065/2013/Decor/CGU/AGU, Processo nº 00400.001878/2013-82, Interessado: Associação Na-cional dos Delegados de Polícia Federal. Assunto: Aplicação do Parecer GQ-35 da Advocacia-Geral da União ao Departamento da Polícia Federal – DPF. CARREIRA DE POLICIAL FEDERAL – HIERARQUIA E SUBOR-DINAÇÃO – INAPLICABILIDADE DO § 18 DO PARECER GQ-35 DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO – I – A hierarquia é elemento típico da organização e ordenação dos serviços prestados no exercício da atividade policial; II – O delegado de polícia, ocupante ou não de cargo comissionado, é a autoridade policial compe-tente para conduzir as investigações criminais. Nesse sentido, o delegado de polícia federal detém o poder de coordenação das equipes envolvidas nas operações policiais; e III – O Parecer nº GQ-35 não se aplica ao caso ora em análise, pois sua fundamentação e conclusão tratam de matéria estranha ao objeto do presente processo”.

4 Comentei o § 4º como se segue: “O texto constitucional faz clara alusão de que os delegados de carreira são aqueles que a dirigem, pressupondo-se que a chefia da polícia, quando não exercida pelo Secretário de Segurança, homem de confiança, só pode ser exercida por delegados de carreira escolhidos entre aqueles que estão no mais alto do escalão de sua carreira. Há, portanto, nítida sinalização do texto constitucional para uma burocracia profissionalizada na carreira de delegados, que não pode ser desconhecida pelo estatuto dos

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De início, é importante frisar um aspecto. Não há princípios implíci-tos que possam prevalecer sobre princípios expressos. Os princípios implíci-tos decorrem da inexistência de princípios expressos. Existindo estes, não há que se falar em princípios implícitos conflitantes, para fazer prevalecer aqui-lo que o constituinte não escreveu sobre o que o constituinte determinou5.

Ora, nas competências do Ministério Público, expostas no art. 129, em nenhum momento foi declarado que o Parquet teria atribuições de po-lícia judiciária e que, nesta condição, deveria ter o direito de presidir os inquéritos policiais, como se delegados fossem, com o direito de substituir “agente neutro” por “agente parte”, capaz de eliminar o direito de defesa do acusado.

Reza o art. 5º, inciso LV, da CF que: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o con-traditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”6.

servidores públicos civis dos Estados. Ainda aqui faz menção, o constituinte, a uma carreira, discurso que po-deria ter sido simplificado no início da dicção do art. 144 dizendo que todos os órgãos nele mencionados, são estruturados em carreira. O § 4º cuida das polícias civis e não das polícias militares, tornando evidente que a estas e não às polícias militares cabe a apuração das infrações mais comuns. A direção da polícia por dele-gados de carreira é acompanhada, pela Constituição, de um corpo de policiais subordinados, que não têm o bacharelado em direito, requisito para ser delegado, recebem instrução suficiente nas Academias e Escolas da Polícia Civil para a execução de trabalhos determinados pelos delegados” (Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. Saraiva, São Paulo, 2000. p. 280/1 – grifos não constantes do texto).

5 Escrevi: “A Constituição de 1988, todavia, com meridiana clareza, em seu art. 144, § 4º, definiu que: ‘ Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preser-vação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares’. Não só torna de particular nitidez ser o delegado o dirigente das polícias civis (carreira manifestamente jurídica), como lhe cabe presidir a apuração de infrações penais e atuar como polícia judiciária nos inquéritos policiais. Desta forma, a Constituição brasileira, no título destinado ao regime constitucional das leis e da segurança, ofertou o desenho jurídico da função do delegado, ou seja: a) dirigir as policias civis; b) agir como polícia judiciária, presidindo investigações e inquéritos; c) apuração das infrações penais” (RSDA, n. 81, Ed. Especial, p. 208/9, set. 2012).

6 Celso Ribeiro Bastos assim o comenta: “O presente dispositivo confere aos acusados em geral a proteção da ampla defesa e do contraditório. No direito anterior, ambos estavam separados em preceptivos diferentes. A união que ora se faz parece de boa técnica, dada a íntima imbricação existente entre eles. Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções: ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. Basta salientar, por enquanto, o direito em pauta como instrumento assegurador de que o processo não se converterá em luta desigual em que ao autor caiba a es-colha do momento e das armas para travá-la e ao réu só caiba timidamente esboçar negativas. Não, forçoso se faz que ao acusado se possibilite a colocação da questão posta em debate sob um prisma conveniente à evidenciação da sua versão. É por isso que a defesa ganha um caráter necessariamente contraditório. É pela afirmação e negação sucessivas que a verdade irá exsurgindo nos autos. Nada poderá ter valor inquestionável ou irrebatível. A tudo terá de ser assegurado o direito do réu de contraditar, contradizer, contraproduzir e até mesmo de contra-agir processualmente. Ligados historicamente ao direito penal, hoje, por força do novo Texto, trata-se de uma garantia aos acusados em geral” (grifos meus) (Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, v. 2, 2004, p. 286/7).

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Ao contrário, o art. 144, § 4º, em clara e expressa dicção, determina que a polícia judiciária será exercida por delegados e por eles dirigida. Fala em delegado de polícia de carreira. Vale dizer, nem o Parquet, nem qual-quer outro agente pode dirigir os inquéritos policiais que são o vestíbulo do processo penal. É que, por mais relevante que seja a função do Parquet, ele é parte nas relações que se estabelecem e que são objeto de inquérito. Por esta razão, não lhe outorga a Lei Suprema o direito de ser “polícia judiciá-ria”, ou seja, de ter presença neutra na investigação, na busca da verdade material7.

Examinemos os dois artigos.

O art. 129 tem a seguinte dicção:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de rele-vância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua compe-tência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei com-plementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito poli-cial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

7 No RE 215.301/CE, o Ministro do STF, Carlos Mário Velloso, explica: “Todavia, deixei expresso no voto que proferi no MS 21.729/DF, por se tratar de um direito que tem status constitucional, a quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade. Somente a autoridade judiciária, que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá com cautela, com prudência e com moderação, é que, provocada pelo Ministério Público, poderá autorizar a quebra do sigilo. O Ministério Público, por mais importantes que sejam as suas funções, não tem obrigação de ser imparcial. Sendo parte – advogado da sociedade – a parcialidade lhe é inerente. Então, como poderia a parte, que tem interesse na ação, efetivar, ela própria, a quebra de um direito inerente à privacidade, que é garantido pela Constituição?” (DJ 28.05.1999 – grifos meus).

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IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consulto-ria jurídica de entidades públicas.

O inciso I é claro ao outorgar ao MP (parte, sempre) a competência para dar início à ação penal, na sua atuação como acusador (repito, parte) no processo criminal judiciário8.

O inciso II outorga-lhe a obrigação não exclusiva de exigir respeito aos Poderes Públicos e aos serviços que presta, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. Não há exclusividade porque o cidadão também pode assim atuar, por meio de ações populares ou, em organizações não governamentais, pelas ações civis públicas9.

O inciso III dá-lhe o direito de promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, meio ambiente e outros direitos individuais e difusos. Cuida, exclusivamente, de questões civis – não criminais. Por que razão não colocou, o constituinte, neste inciso também o direito de promover os inquéritos penais? Por que o silêncio cons-titucional? Nitidamente, porque esta matéria teria expressa previsão no § 4º do art. 144, que não declara ser o Ministério Público polícia judiciária10.

É de se lembrar que esta sua atividade também não é exclusiva, po-dendo o cidadão comum, individualmente, mediante ações populares e em organismos sociais, valendo-se de ação civil pública, promover tal proteção.

O controle concentrado de constitucionalidade é objeto do quarto inciso, também sem exclusividade, o mesmo ocorrendo com as representa-ções para fins de intervenção11.

8 Pinto Ferreira comenta: “Compete ao MP promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Desde longa data a história do MP se identifica com a titularidade da iniciativa da ação penal pública com uma representação dos interesses do rei nos tribunais” (Comentários à Constituição Brasileira. Saraiva, São Paulo, v. 5, 1992, p. 134).

9 O art. 5º, inciso LXXIII, e o § 1º do art. 129 da CF estão assim redigidos: “LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; [...]”. “Art. 129. [...] § 1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”.

10 Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra: “Como é óbvio, o inquérito civil não serve senão à obtenção de elementos para a (eventual) propositura de ação civil pública. Não é ‘ersatz’ de medida cautelar preparatória. Para prevenir danos ao patrimônio público e social, não basta, portanto, ao Ministério Público iniciar o in-quérito civil público: é necessário que peça ao Judiciário as medidas cautelares adequadas” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2. ed. Saraiva, São Paulo, v. 2, 1999, p. 48).

11 O art. 103 da CF elenca as pessoas e entidades com legitimidade ativa para exercer o controle concentrado. Está assim versado: “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I – o Presidente da Re-pública; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembléia

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O inciso V está vinculado à defesa dos direitos e interesses das popu-lações indígenas, vinculando-se, pois, aos arts. 231, caput, e 232:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, lín-guas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tra-dicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

[...]

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

O inciso VI diz respeito a procedimentos administrativos, que não são objeto das ações diretas referidas pela consulente. São processos adminis-trativos e não penais.

O inciso VII não pressupõe nenhum poder investigatório, mas apenas de controle da atividade policial. Vale dizer, de verificar se a autoridade policial está agindo dentro da lei. A lei complementar, que apenas explicita a lei suprema, não poderia ofertar poderes maiores que aqueles outorgados pela lei suprema, os quais, no caso, consistem no mero controle externo, vale dizer, cuidar para que tais autoridades ajam dentro dos limites legais12.

Também não é uma competência exclusiva, visto que tal controle pode ser exercido por qualquer cidadão, por meio de ações populares, ou em organizações, por meio de ações civis públicas. Apenas a ação penal é de competência exclusiva do MP. O controle externo diz respeito a verificar

Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004); V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004); VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

12 Escrevi sobre as funções da lei complementar explicitadora dos princípios constitucionais: “Em direito tributá-rio, como, de resto, na grande maioria das hipóteses em que a lei complementar é exigida pela Constituição, tal veículo legislativo é explicitador da Carta Magna. Não inova, porque senão seria inconstitucional, mas complementa, esclarecendo, tornando clara a intenção do constituinte, assim como o produto de seu trabalho, que é o princípio plasmado no Texto Supremo. É, portanto, a lei complementar norma de integração entre os princípios gerais da Constituição e os comandos de aplicação da legislação ordinária, razão pela qual, na hierarquia das leis, posta-se acima destes e abaixo daqueles. Nada obstante alguns autores entendam que tenha campo próprio de atuação – no que têm razão –, tal esfera própria de atuação não pode, à evidência, nivelar-se àquela outra pertinente à legislação ordinária. A lei complementar é superior à lei ordinária, servindo de teto naquilo que é de sua particular área mandamental” (Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, São Paulo, v. 6, t. I, 2001, p. 79/80).

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se os delegados ou policiais estão ou não exercendo suas funções nos ter-mos da lei, mas jamais substituí-los no exercício dessas funções13.

No inciso VIII, é a clara afirmação de que o Ministério Público não pode presidir o inquérito policial, mas apenas requisitar diligências investi-gatórias e a instauração do inquérito policial. Se pudesse presidir o inqué-rito, ser a autoridade a dirigi-lo, o constituinte teria expressamente dado ao MP todos os poderes. E o constituinte apenas deu-lhe o poder de requisitar.

Requisitar o que?

Diligências investigatórias e instauração de inquérito policial.

Nada mais.

Assim se refere José Afonso da Silva aos poderes do MP: “Esse disposi-tivo configura os limites investigatórios dos membros do Ministério Público, que não podem fazer mais do que requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”14.

E a quem teria que requisitar?

À polícia judicial, que tem nos delegados o seu condutor, por ser po-lícia judiciária, nos termos do art. 144, § 4º.

Não se pode ler mais do que a Constituição diz, no inciso VIII, prin-cipalmente quando, no § 4º do art. 144, declara a quem cabe a condução, como polícia judiciária, do inquérito policial, ou seja, o Delegado15.

O inciso IX, de caráter geral, permite ao MP atuar em outras funções não colidentes com aquelas definidas na Constituição.

13 José Cretella Jr., ao comentar tal inciso, em nenhum momento atribui ao MP o direito de substituir o delegado, mas no máximo acompanhá-lo para ver se está agindo corretamente. De rigor, o advogado também poderá exercer a mesma função, podendo inclusive recorrer ao Judiciário se a autoridade policial descumprir suas funções. Escreve Cretella: “Com efeito, incumbe aos promotores de justiça acompanhar atos investigatórios junto a organismos policiais, diligenciando a volta de inquérito à autoridade policial, enquanto não oferecida a denúncia, para que se efetuem novas diligências e investigações imprescindíveis a seu oferecimento. Se, no exercício da atividade policial, a autoridade competente tiver esquecido alguma formalidade, como, por exemplo, a qualificação precisa do acusado, o controle externo determina a volta do processo ao distrito policial para que se corrija a omissão. O controle externo pode ainda consistir no acompanhamento dos atos policias, quando isso for considerado conveniente para a apuração de infrações penais, dentro da área de suas atribuições, ou se designado pelo Procurador-Geral de Justiça” (Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, v. VI, 1992, p. 3330 – grifos meus).

14 Comentário contextual à Constituição. 7. ed. Malheiros, 2010, p. 615.15 José Afonso da Silva esclarece: “Requisitar a que órgãos? Àqueles a que a Constituição deu competência para

a apuração de infrações penais, que são a Polícia Federal e a Polícia Civil (art. 144, §§ 1º, I e IV, e 4º). As requisições têm que estar devidamente respaldadas por fundamentos jurídicos de suas manifestações proces-suais. Nisso se resume a função investigativa do Ministério Público” (Comentário contextual à Constituição. 7. ed. Malheiros, 2010, p. 615).

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Por outro lado, o § 4º do art. 144, clara, nítida e inequivocamente, declara que a polícia judiciária, aquela a quem cabe conduzir o inquérito policial, deve ser exercida por delegados de polícia. Repito “de carreira”, a demonstrar que o § 1º do art. 144, ao falar em estruturação da Polícia Fede-ral em carreira, de forma genérica, preservou a carreira específica do dele-gado, que só por ele pode ser exercida. Por isto, o discurso da Lei Suprema menciona “delegado de polícia de carreira”.

Em outras palavras, o constituinte impõe ao delegado o mesmo ní-vel de imparcialidade que exige do magistrado, visto que o inquérito po-licial, como vestíbulo do processo penal, busca aferir a verdade material dos acontecimentos, que é fundamental para que se faça a justiça e não se promova a injustiça16.

É de se lembrar que, na dúvida, deve o MP acusar, a fim de que não corra o risco da omissão, enquanto que, na dúvida, deve o magistrado ab-solver, nas ações penais.

Compreende-se, pois, que, por mais relevante que seja – e o é – a função do Ministério Público, seu perfil acusatório é o carisma maior da instituição, que se opõe ao carisma próprio da Advocacia, que é a defesa do acusado.

Não sem razão, diz-se que o direito de defesa é o maior símbolo da democracia, pois, nas ditaduras, não há direito de defesa.

O próprio processo penal é voltado para a proteção do acusado con-tra a sociedade, a fim de que ela não faça justiça com as próprias mãos, como ocorria no Far West americano, com os enforcamentos, sem julga-mento, ou, no início da mais longeva ditadura latino-americana, em que Fidel Castro fuzilou milhares de cidadãos cubanos, sem julgamento, por serem pretensamente adeptos do regime anterior, nos trágicos paredons.

Nas democracias, o processo penal é voltado a garantir a defesa do acusado, que goza de presunção de inocência até ser condenado, não po-dendo, pois, o inquérito policial ser presidido senão pela polícia judiciária, cujo dirigente é o delegado de polícia17.

16 Nelson e Rosa Nery lembram: “Se o ilícito penal não for militar nem de competência da Justiça Federal, a in-cumbência para atuar nesses casos será da polícia civil (CF, art. 144, § 4º)” (Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 4. ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 809).

17 O inciso LVII do art. 5º da CF tem a seguinte dicção: “LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [...]”.

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E o delegado de polícia – exatamente por ser polícia judiciária – só pode ser o encarregado de presidir um inquérito em que, potencialmente, está em jogo a violação do direito individual, em matéria penal. Esta é a razão pela qual se exige do delegado ser bacharel em Direito, sendo, pois, sua carreira uma autêntica carreira jurídica. Negar tal nítida e evidente ver-dade é inaceitável preconceito aristocrático de quem se sente superior por pertencer à outra carreira jurídica pública. Tal negativa não tem qualquer fundamento lógico ou legal18.

Exerce o delegado, portanto, uma carreira jurídica, sendo polícia ju-diciária, no vestíbulo da ação penal, como longa manus do Poder Judiciário, para garantir a imparcialidade do inquérito, ofertando idênticas possibilida-des de atuação ao Ministério Público e à Advocacia, na busca da verdade material dos fatos presumivelmente delituosos.

Uma última observação. O Título III da Constituição Federal cuida do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário e das funções essenciais à adminis-tração da Justiça (MP e Advocacia). O Título V, que é o verdadeiro regime constitucional das crises e da segurança das instituições, cuida do Estado de Defesa, de Sítio, das Forças Armadas e da Segurança Pública, vale dizer, é um título de especial relevância, ao ponto de, pelo art. 142, se houver conflito entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o poder maior para restabelecer a ordem é exercido pelas Forças Armadas, como se lê na dicção do referido dispositivo:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presi-dente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes

18 O Ministro José Celso de Mello, na ADIn 171, embora à luz do texto anterior, insiste que a equiparação com membros do Poder Judiciário e Ministério Público, nos subsídios, era uma imposição constitucional: “Ao pronunciar-se, agora, sobre o mérito da causa, sustento, Senhor Presidente, que as normas inscritas nos arts. 135 e 241 da Constituição Federal efetivamente consagraram, de modo concreto, a isonomia de tra-tamento remuneratório entre os membros integrantes das categorias funcionais a que tais preceitos se refe-rem. Trata-se de isonomia especial – inscrita no texto da Carta Política por consciente opção do legislador constituinte –, que assegura aos magistrados, membros do Ministério Público e da Advocacia do Estado, Defensores Públicos e Delegados de Polícia de carreira o direito a vencimentos iguais. A esse direito cor-responde a indeclinável obrigação jurídica do Poder Público de implementar – sem que se lhe ofereça a possibilidade de questionar o juízo de assemelhação formulado pelo constituinte – a garantia concernente à isonomia de vencimentos. As regras constitucionais em questão refletem, na concreção do seu alcance e do seu próprio conteúdo, clara derrogação ao postulado inscrito na Carta da República que veda, de modo geral, a equiparação e a vinculação de vencimentos, para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público (CF, art. 37, XIII). Os preceitos consubstanciais nos arts. 135 e 241 da Carta Federal positivaram, de maneira ex-tremamente significativa, para fins de isonomia remuneratória, a direta e recíproca assemelhação dos cargos públicos a que se referem. Cuida-se, pois, de assemelhação constitucional, com que a Assembléia Nacional Constituinte – em caráter impositivo e cogente – fixou parâmetros subordinantes e diretrizes condicionantes da própria atuação normativa do Estado no plano legislativo” (grifos meus).

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constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.19 (gri-fos meus)

Exatamente por ser o Título V assim enunciado, “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, é que a relevância das Forças Armadas e de segurança é de ser realçada, compreendendo-se que, em uma estrutura democrática, no que diz respeito à violação criminal, seja o delegado de polícia aquele que, por sua formação jurídica, deve preservá-la, com a im-parcialidade, atributos que o MP e a Advocacia não têm, por serem partes, a fim de que os direitos individuais sejam preservados.

E sendo o delegado a única autoridade policial mencionada no § 4º do art. 4º, à evidência, detém a direção hierárquica funcional, pois o dispo-sitivo o torna dirigente dos policiais subordinados, que devem acatar suas ordens. Repito, por esta razão o constituinte declara que a polícia judiciária é dirigida por delegados de polícia de carreira.

Isto posto, passo a responder brevemente às questões formuladas.

1. A Lei nº 12.830/2013 é formalmente constitucional?

A resposta é afirmativa. Trata-se de lei formalmente constitucional, que cuida de processo penal, na competência privativa de deflagrar o pro-cesso legislativo, sendo de iniciativa de qualquer membro do Congresso sua propositura. Regula o § 4º do art. 144, de forma irreprochável, valendo exclusivamente para a investigação criminal. Não há qualquer vício formal. Sendo de processo penal, tal lei é de veiculação ordinária e não comple-mentar, como seria, por exemplo, a lei sobre normas gerais tributárias ou de organização da Magistratura ou do Ministério Público20.

A resposta é, portanto, afirmativa.

2. Independentemente da discussão sobre o poder investigatório do Ministério Público (MP), a Lei nº 12.830/2013 obsta o pretenso poder inves-

19 Escrevi: “Por fim, cabe às Forças Armadas assegurar a lei e a ordem sempre que, por iniciativa de qualquer dos poderes constituídos, ou seja, por iniciativa dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, forem cha-madas a intervir. Nesse caso, as Forças Armadas são convocadas para garantir a lei e a ordem, e não para rompê-las, já que o risco de ruptura provém da ação de pessoas ou entidades preocupadas em desestabilizar o Estado” (Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, v. 5, p. 166/167).

20 Escrevi: “O texto constitucional faz clara alusão de que os delegados de carreira são aqueles que a dirigem, pressupondo-se que a chefia da polícia, quando não exercida pelo Secretário de Segurança, homem de con-fiança, só pode ser exercida por delegados de carreira escolhidos entre aqueles que estão no mais alto do escalão de sua carreira. Há, portanto, nítida sinalização do texto constitucional para uma burocracia profis-sionalizada na carreira de delegados, que não pode ser desconhecida pelo estatuto dos servidores públicos civis dos Estados” (Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2000, p. 280/281 – grifos não constantes do texto).

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tigatório do MP ou qualquer outra investigação administrativa, como aque-las realizadas pela Receita Federal ou CGU?

Não. Sendo uma lei exclusivamente de natureza processual penal, qualquer outra investigação administrativa ou diligência realizada pela Re-ceita Federal, CGV, Coaf ou órgãos próprios, além do MP, não são regula-das pela Lei nº 12.830/2013. Continuam, pois, como sempre o foram, antes e depois da lei, realizadas por estas instituições ou departamentos públicos, com a mesma competência que sempre tiveram de promover e presidir as investigações ou diligências administrativas21. Até por que – à luz do § 4º do art. 144 da CF –, só cabe às polícias civis dirigidas por delegados de polícia de carreira as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.

3. A carreira de delegado de polícia é jurídica?

A resposta é afirmativa. Já o disse, em diversas oportunidades e pa-receres. O simples fato de não poder o delegado ser nomeado, sem prestar concurso público, cujo requisito primeiro é ser bacharel em Direito, está a demonstrar que a carreira é manifestamente jurídica.

4. Após o advento da Constituição de 1988, existe a carreira de dele-gado de polícia? E a carreira de delegado de Polícia Federal? Existe carreira única dentro da Polícia Federal?

À evidência, existe a carreira de delegado de polícia civil, assim como existe a carreira de delegado federal. A estruturação em carreira não pressupõe carreira única. Se assim fosse, não haveria como o próprio cons-tituinte mencionar o delegado da polícia de carreira. Se é de carreira, só ele pode exercer esta função e nenhum outro policial, cada um com sua função específica e sua carreira nesta função.

A carreira de delegado de polícia exige a formação jurídica. Se fosse carreira única, a exigência para ser bacharel em direito seria despicienda também para o delegado22. O delegado é necessariamente bacharel em di-

21 Jurandir 1. Moisés fez especial apelo para adequar a polícia civil à sua relevante função: “É de antever, pois, em nível nacional, reoriente a Polícia Civil sua metodologia procedimental, direcionando-a para o aprimora-mento de suas funções repressivo- investigatórias, com ênfase no fortalecimento da prova técnico-pericial, na qualificação dos seus recursos humanos, num sistema condizente de remuneração, no aporte das tecnologias disponíveis, na planificação adequada e em métodos modernos de organização e investigação criminal, que se coadunem com sua destinação institucional de força de vanguarda no combate e repressão à violência e à criminalidade, por ser a Polícia Civil, como polícia judiciária, ‘uma das pedras basilares do respeito à Ordem Jurídica e da aplicação das normas tendentes a tutelar os bens e interesses fundamentais que devem ser protegidos e garantidos na vida em comunhão’” (Revista Ciência Jurídica, a. 3, n. 21, jun. 1996, p. 5).

22 Já escrevi em parecer publicado que:

“1) A carreira de delegado de polícia federal é carreira jurídica?

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reito, não sendo tal exigência obrigatória para os demais agentes públicos da polícia. Nitidamente, a carreira de delegado é única, embora existam várias e distintas carreiras na polícia, no âmbito das atividades auxiliares e complementares.

Por outro lado, se a CF apenas ao delegado atribui a responsabili-dade para dirigir a polícia judiciária, com clareza a ele, exclusivamente, cabe presidir os inquéritos policiais, lembrando que, apesar de relevantes as demais carreiras na polícia, todas elas com funções determinadas, há uma hierarquia definida pela própria lei suprema, ao atribuir aos delegados de polícia a tarefa de dirigir as polícias civis.

Repito, uma vez mais, o discurso constitucional: “As polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira [...]” (grifos meus).

É o constituinte que declarou que todos os agentes policiais são su-bordinados aos delegados, pois a estes cabe a direção das polícias civis23.

Exercem, portanto, uma hierarquia funcional, não apenas em relação aos policiais, mas aos integrantes dos demais cargos e funções auxiliares, todos subordinados à direção dos delegados.

5. Existe hierarquia entre a carreira de delegado de Polícia Federal e demais carreiras dentro da Polícia Federal (agentes, escrivães, papiloscopis-tas e peritos)?

A resposta já está contida naquela dada à questão anterior. Lembro, apenas, para esclarecer, que o delegado, ao determinar uma diligência, não pode interferir na atuação técnica do agente, por exemplo, de um perito, es-pecializado na apuração de aspectos de sua especialidade, em determinada

– À evidência, é incontestavelmente carreira jurídica como afirma a doutrina, confirma a jurisprudência e define a lei. Se, para a participação em concursos de ingresso na carreira de delegado ser bacharel em direito é conditio sine qua non, não se pode negar sua conformação de carreira jurídica. O fato de dar início ao processo vestibular de ação penal (investigatório e o próprio inquérito, que é presidido pelo delegado) já de-monstra que um processo que pode desaguar em ação penal, envolvendo princípios, normas e regras próprios da ciência do Direito, só pode ser dirigido por aqueles que têm formação jurídica” (RSDA, n. 81, set. 2012, p. 216).

23 Em nível de interpretação do direito constitucional não se pode esquecer as lições sempre atuais de Carlos Maximiliano ao dizer: “O grau menos adiantado de elaboração científica do Direito Público, a amplitude do seu conteúdo, que menos se presta a ser enfeixado num texto, a grande instabilidade dos elementos de que se cerca, determinam uma técnica especial na feitura das leis que compreende. Por isso, necessita o her-meneuta de maior habilidade, competência e cuidado do que no Direito Privado, de mais antiga gênese, uso mais freqüente, modificações e retoques mais fáceis, aplicabilidade menos variável de país a país, do que resulta evolução mais completa, opulência maior de materiais científicos, de elemento de certeza, caracteres fundamentais melhor definidos, relativamente precisos. Basta lembrar como variam no Direito Público até mesmo as concepções básicas relativas à idéia de Estado, Soberania, Divisão de Poderes etc. A técnica da interpretação muda, desde que se passa das disposições ordinárias para as constitucionais, de alcance mais amplo, por sua própria natureza e em virtude do objeto colimado redigidas de modo sintético, em termos gerais” (Hermenêutica e aplicação do Direito. 9. ed. Forense, 1979, p. 304 – grifos nossos).

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investigação. A livre atuação técnica do servidor que exerce uma ativida-de auxiliar é assegurada. Recebido o laudo pericial, o delegado continuará conduzindo o inquérito policial, ouvindo as partes sobre o laudo e elabo-rando, o que é de sua exclusiva responsabilidade, as conclusões do inqué-rito. A condução do inquérito será sempre sua24.

6. Vossa Excelência vislumbra alguma inconstitucionalidade na Lei nº 12.830/2013?

A resposta é manifestamente, não25.

S. M. J.

São Paulo, 15 de abril de 2014.

Ives Gandra da Silva Martins

IGSM/mos/P2014-005 ADPF ASSOC DEL POL FED

24 José Afonso da Silva lembra que, “apesar disso, o Ministério Público, por atos normativos internos, vem dando-se o poder de investigação criminal direta. Isso vai para além de sua competência, porque a função investigativa – ou seja, as funções de polícia Judiciária e de apuração de infrações penais – foi atribuída à Policia Civil (art. 144, §§ 1º e 4º). Não se tem aqui um modelo de Ministério Público correspondente ao italiano, onde a Polícia Judiciária funciona sob dependência e direção da autoridade judiciária por serviços de polícia judiciária previstos em lei e pelas seções de polícia judiciária instituídas junto a alguma Procuradoria da República, subordinados, pois, ao respectivo procurador da República (Ministério Público)” (Comentário contextual à Constituição. Ob. cit. p. 616 – grifos meus).

25 No referido parecer já citado concluí: “Tenho para mim inclusive que, nos sistemas de freios e contrafreios e na harmonia e independência dos Poderes, o constituinte outorgou à Federação brasileira mecanismos para seu permanente equilíbrio e coerente solução de conflitos. Tal independência funcional fortaleceria o Estado Democrático, visto que sempre haverá o controle, de um lado, do Poder Judiciário com força para anular qualquer arbítrio e, de outro lado, do próprio Ministério Público, no exercício de sua função supervisionadora (art. 129, inciso VII). Em outras palavras, a maior independência que se outorgue à Polícia Federal não será para outorgar-lhe um poder arbitrário, mas exclusivamente um poder maior, sob o duplo controle do Poder Judiciário, capaz de estancar qualquer arbitrariedade e do Ministério Público. Este pode exercer um controle externo, embora, a meu ver, como já defendi em outros escritos, sem poder atuar em lugar do delegado nas investigações, inquéritos policiais. Isto porque lhe falta a imparcialidade que tem o delegado, visto que é parte e não juiz. Assim já decidiu o STF, na quebra de sigilo bancário, ao negar-lhe o direito de promovê-la indiscriminada, sem autorização judicial. Desta forma, minha resposta é que fortalece o Estado Democrático de Direito tal independência funcional” (RSDA, n. 81, set. 2012, p. 222).

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Clipping Jurídico

Negada apelação de servidor público que contestou ato de lotação

Cabe à Administração direcionar o servidor para exercer suas funções no setor que entenda necessário. Esse foi o entendimento da Primeira Turma do Tribunal Regio-nal Federal da 1ª Região, que negou, por unanimidade, provimento à apelação de um servidor público contra a União. O servidor entrou na justiça pedindo a anu-lação de um ato que o lotou em outro setor dentro do mesmo órgão. A instituição pública alegou que o servidor estava com problemas de adaptação no setor anterior, fato contestado pela parte autora. De acordo com o voto do relator, Juiz Federal convocado Régis de Souza Araújo, destacando trecho da sentença, “o ato foi feito conforme o juízo de discricionariedade da ré, de modo que a sua motivação, con-sistente na falta de adaptação do autor à equipe da Secretaria de Logística e Tecno-logia da Informação, não se mostra apta a ser impugnada pelas provas produzidas nestes autos, mormente considerando que a ‘adaptação’ não se refere somente aos colegas de trabalho, mas também ao próprio trabalho e à chefia do órgão público”. A Primeira Turma negou provimento à apelação do autor. Processo nº 0012240-31.2006.4.01.3400/DF (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Cremesp não pode processar médica por declarações proferidas no exercício de mandato legislativo

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou deci-são de primeiro grau que havia determinado o trancamento de processo administra-tivo disciplinar aberto pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) contra a médica Lea Regina Cesar Prado de Oliveira, por discursos profe-ridos por ela em seu mandato como vereadora, no Município de Capão Bonito, no interior de São Paulo. Lea Oliveira exerceu o mandato entre 2005 e 2008 e denunciou dificuldades encontradas por pacientes junto à perícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) daquele município. O Cremesp instaurou processo administrativo disci-plinar alegando que ela havia se manifestado, tanto na Câmara Municipal quanto em jornal local, citando informações obtidas não somente como vereadora, mas como médica no exercício da sua função, “expondo publicamente situação de pacientes”, não sendo essa conduta isenta da responsabilidade administrativa. No TRF3, o juiz federal convocado, em decisão monocrática confirmada por agravo legal, lembrou os termos do art. 29 da Constituição Federal, inciso VIII, que reafirma a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na cir-cunscrição do Município. Ele declarou que processo ético-disciplinar visa apurar as infrações previstas pelo Código de Ética Médica e não declarações prestadas por ela na qualidade de vereadora, ainda que publicadas na imprensa local. O magistrado observou ainda que a médica, ao denunciar as dificuldades encontradas por pacientes que eram submetidos à perícia junto ao INSS daquele município, não o fazia no exer-cício da profissão de médica, mas sim de vereadora, defendendo interesses de seus munícipes, visualizando a melhora efetiva do atendimento à população que dependia de apenas um profissional, fato que dificultava a agilização dos procedimentos pre-videnciários de concessão de auxílio-doença. “Nesse caso em particular não há que se cogitar da figura do médico, que tem por dever denunciar irregularidades perante

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a autarquia da classe, mas sim da figura do vereador que, como mandatário do povo, goza da prerrogativa da inviolabilidade em razão de suas opiniões, palavras e votos”, declarou o juiz. A decisão proferida monocraticamente foi confirmada pelo colegiado em agravo legal, de relatoria da Desembargadora Federal Monica Nobre. Nº do Pro-cesso: 0002816-56.2006.4.03.6100 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Assembleias e câmaras têm capacidade processual limitada à defesa institu-cional

As casas legislativas – câmaras municipais e assembleias legislativas – têm apenas personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, só podem participar de processo judicial na defesa de direitos institucionais próprios. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), como as casas legislativas são órgãos integrantes de entes políticos, possuem capacidade processual limitada, podendo atuar apenas na defesa de in-teresses estritamente institucionais. Nos demais casos, cabe ao estado representar judicialmente a Assembleia Legislativa e, no caso das câmaras de vereadores, aos respectivos municípios. Esse entendimento foi aplicado no julgamento do Recurso Especial nº 1.164.017, da Primeira Seção, que concluiu pela ilegitimidade ativa da Câmara de Vereadores do Município de Lagoa do Piauí (PI), que buscava afastar a incidência da contribuição previdenciária sobre os vencimentos pagos aos vereado-res. Segundo o acórdão, “para se aferir a legitimação ativa dos órgãos legislativos, é necessário qualificar a pretensão em análise para se concluir se está, ou não, rela-cionada a interesses e prerrogativas institucionais”. No caso apreciado, a legitimida-de ativa foi afastada, pois a pretensão era de cunho patrimonial. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

BNDES terá que restabelecer contrato com agência de fomento do Paraná

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) terá que con-tinuar repassando à Agencia de Fomento do Paraná os recursos referentes a um contrato de Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame) anulado após suposta irregularidade na documentação. A decisão é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e foi proferida na última semana. A Fomento Paraná atua como repassadora de recursos do BNDES. O Banco de Desenvolvimento disponibiliza uma linha de crédito aos agentes financeiros credenciados para que estes trans-firam ao mercado dentro das condições preestabelecidas. Em troca, as agências recebem um percentual das prestações. O descumprimento de alguma das condi-ções estabelecidas pelo BNDES pode levar à anulação da operação. Em dezembro de 2013, a Fomento Paraná contratou operação de crédito para o repasse de R$ 966 mil à empresa Cerealista Vitória, que tem sede no Município de Marialva/PR. De acordo com a agência, todas as parcelas têm sido pagas pontualmente. Porém, dois anos depois da assinatura do convênio, o acordo foi anulado pelo BNDES ao verificar que a agência deixou de anexar ao contrato de financiamento a certidão de regularidade fiscal da Cerealista Vitória junto ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Após fracassar nas tentativas de regularização por meio da via administrativa, a Fomento Paraná ajuizou ação com pedido de liminar para reverter a anulação do contrato. A agência alega que, apesar de a certidão não constar no

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dossiê de assinatura do acordo, ela foi apresentada em outras quatro ocasiões e, em todas elas, a beneficiária (Cerealista Vitória) não possuía qualquer atraso junto ao FGTS. A Justiça Federal de Curitiba negou liminar à Fomento Paraná, levando a agência a entrar com recurso no tribunal. Por unanimidade, a 3ª Turma do TRF4 reverteu a decisão de primeiro grau e concedeu liminar à agência autora. De acor-do com a relatora do processo, Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, “é obrigatória a apresentação da certidão referida para a obtenção de empréstimos ou financiamentos, uma vez que ela é o documento que comprova a regularidade do empregador perante o FGTS. No entanto, no presente caso, verifica-se que a regularidade fiscal da empresa beneficiária foi devidamente comprovada, ainda que não formalmente, pelo certificado de regularidade fiscal”. A decisão é em caráter temporário. O mérito da ação ainda será objeto de análise pela Justiça Federal de Curitiba. Nº do Processo: 5013656-28.2016.4.04.0000 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Questionada lei sobre percentual de cargos em comissão para servidores do MP-RN

A Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5503, com pedido de medida liminar, contra a Lei Complementar nº 375/2008, do Estado do Rio Grande do Norte. A legislação estadual estabelece em 20% o percentual de cargos em comissão a serem providos por servidores efetivos no Mi-nistério Público do Estado (MP-RN). De acordo com a associação, a legislação com-plementar, ao estabelecer tal percentual, atuou em desacordo com os comandos do art. 37, caput e inciso V, da Constituição Federal. Para a Ansemp, os dispositivos constitucionais têm por finalidade evitar que pessoas sem vínculo com o Poder Pú-blico assumam cargos em comissão em percentual superior à quantidade de cargos ocupados por servidores efetivos. Nesse contexto, segundo a ADI, a Constituição “não confere ao legislador infraconstitucional poderes absolutos ou verdadeira ‘car-ta branca’ para dispor sobre os percentuais de que trata de forma dissociada de qualquer parâmetro de razoabilidade ou proporcionalidade”. A entidade explica que o termo “preferencialmente” contido na norma constitucional foi interpretado pelo legislador estadual de maneira oposta ao sentido pretendido pelo constituinte originário. “Assim, no mundo dos fatos, os cargos em comissão restavam por serem ocupados ‘preferencialmente’ e preponderantemente por pessoas sem vínculo efe-tivo com a Administração”. Em razão disso, explicou que o constituinte derivado – por meio da Emenda Constitucional nº 19/1998 – atuou no sentido de limitar a dis-cricionariedade do legislador infraconstitucional, estabelecendo que os cargos em comissão serão exercidos por servidores efetivos em percentuais mínimos estabele-cidos em lei. A legislação ora atacada possibilitou, de acordo com a ADI, o esvazia-mento do sentido e eficácia da norma constitucional. Além disso, a Ansemp informa que a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Congresso Nacional e da Presidência da República indica como parâmetros de razoabilidade o percentual de 50%, conforme os objetivos constitucionais. “Inegável, pois, que a legislação ora impugnada carrega a pecha da inconstitucionalidade material, porquanto afrontou diretamente o disposto constante do art. 37, caput e inciso V, da Constituição da

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República, atuando de modo desrazoável e reduzindo a incidência normativa do re-ferido comando constitucional”, afirma. A associação pede a concessão da liminar para suspender a eficácia da lei e, no mérito, que seja declarada inconstitucional a Lei Complementar nº 375/2008, do Rio Grande do Norte. O relator da ADI é o Ministro Celso de Mello. Processos relacionados: ADI 5503 (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Cessação ou redução de benefício somente poderá ocorrer após processo ad-ministrativo

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negou provimento à apelação da União de sentença, do Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Tocantins, que julgou parcialmente procedente o pedido de duas pen-sionistas e declarou nulo o ato administrativo que culminou na redução de pensão, por violação ao devido processo legal. A União recorreu sob a alegação de que, após o ato concessório da pensão, constatou-se erro material na publicação da res-pectiva portaria, razão pela qual foi determinada a correção de ofício. De acordo com o voto do relator, Juiz Federal convocado Régis de Souza Araújo, a Administra-ção, depois de conceder o benefício, entendeu que a fundamentação estava equivo-cada e afirmou que, “no ato original, não foi considerado o fator redutor da Emenda Constitucional nº 41/2003, regulamentada pela Lei nº 10.887/2004”. Ressaltou o magistrado que, caracterizada a boa-fé do servidor/pensionista no recebimento de proventos pagos indevidamente, decorrente de erro reconhecido da Administração, não há que se falar em restituição. Diante disso, o relator, referindo-se à jurisprudên-cia do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou o entendimento de que, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamen-to indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público. Nº do Processo: 0000869-18.2008.4.01.4300 (Conteú-do extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Questionada norma que torna compulsória adesão de novos servidores a plano de previdência complementar

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 5502, com pedido de liminar, impugnando dispositivos da Lei nº 12.618/2012, que instituiu o regime de previdên-cia complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo. Se-gundo o partido, as modificações inseridas naquela norma pela Lei nº 13.183/2015 retiraram a natureza facultativa da adesão aos planos de benefícios administrados pelas fundações de previdência complementar do Executivo, Legislativo e Judiciá-rio. O PSOL aponta inconstitucionalidade material e formal dos dispositivos, pois a Medida Provisória (MP) nº 676, convertida na Lei nº 13.183/2015, não tratava origi-nalmente de previdência complementar, matéria sobre a qual a iniciativa é privativa do Presidente da República. Sustenta, ainda, que a adesão compulsória aos planos para os servidores que tenham remuneração superior ao teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) viola o art. 40, § 15, da Constituição Federal. Os dispo-sitivos questionados estabelecem que os servidores com remuneração superior ao

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limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS que ingressem no serviço público a partir do início da vigência do regime de previdência complementar serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar desde a data de entrada em exercício. Embora seja assegurado ao participante o direito de solicitar, a qualquer tempo, o cancelamento de sua inscrição, o partido sustenta ter sido alterado o comando constitucional que possibilitava ao servidor beneficiário de valores superiores ao teto do RGPS aderir, por opção, ao plano de previdência. A legenda salienta que a MP originária tratava de um assunto com urgência e rele-vância – o Fator 85/95 (regra que substitui o fator previdenciário no cálculo das apo-sentadorias do RGPS) –, e que a inclusão da regra quebrando a facultatividade da opção pelo regime de previdência complementar do servidor representa inclusão de matéria estranha à proposta original, ferindo o princípio da separação de Poderes. De acordo com o PSOL, com a aprovação da nova regra de adesão aos planos de previdência complementar, o Congresso Nacional, por meio de um “contrabando legislativo”, acabou por regulamentar diretamente a Constituição Federal. “Não se cuida, portanto, de uma mera emenda à uma medida provisória, mas de uma ‘supe-remenda’ que normatizou a facultatividade prevista no caput do art. 202 da Consti-tuição Federal. Ou seja, a Constituição foi regulamentada por uma ‘emenda jabuti’”, alega. Em caráter cautelar, o PSOL pede a suspensão da eficácia do dispositivo impugnado até o julgamento final da ação. No mérito, pede sua declaração de in-constitucionalidade. O relator da ADI 5502 é o Ministro Celso de Mello. Processos relacionados: ADI 5502 (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Pensão por morte de ex-combatente deve ser regida pela lei vigente à época do óbito

Em decisão unânime, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou procedente ação rescisória ajuizada pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que concedeu pensão especial de ex-combatente a uma viúva. O militar faleceu em agosto de 1985, e o TRF5 baseou a concessão da pensão especial no art. 53 do ADCT e na Lei nº 8.059/90, sob o fundamento de que deve ser admitida a lei mais benéfica quando se trata de questão social relevante. No STJ, a União alegou que a viúva não poderia fazer jus ao benefício, uma vez que, na data do óbito do marido, a pensão de ex-combatente era regida pela Lei nº 4.242/1963, que, em seu art. 30, restringia a concessão da pensão ao pracinha. Irretroatividade das leis: Para a União, como o falecido não se enquadrava nos requisitos do art. 30, a viúva também não poderia, já que o estabelecimento em seu favor de critérios mais brandos que aqueles impostos ao próprio ex-combatente afrontaria o princípio da razoabili-dade. O Relator, Ministro Humberto Martins, reconheceu que a decisão do TRF5 foi contrária à jurisprudência do STJ, e também do Supremo Tribunal Federal (STF), de que a pensão especial deve ser regida pelas Leis nºs 4.242/1963 e 3.765/1960, vigen-tes à época do óbito do ex-combatente. “Não há que falar em aplicação do art. 53 do ADCT e da Lei nº 8.059/1990, porque, tendo o ex-combatente falecido em data ante-rior, a referida legislação não pode retroagir em razão do princípio da irretroatividade das leis”, explicou o ministro. REsp 1589274 (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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Ação questiona no STF normas que alteram limites de município paraibano

O Partido da República (PR) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 5499) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar as Leis nºs 10.176/2013 e 10.403/2015, do Estado da Paraíba, e a Lei nº 1.409/2015, de Bayeux (PB), que redefiniram os limites do município. De acordo com o autor, a norma transferiu para a localidade 56% da área do Aeroporto Internacional Presidente Castro Pinto, que se localiza no Município de Santa Rita, e a totalidade do 16ª Regimento de Cavalaria Mecanizada. O PR sustenta que a norma é fruto de um acordo entre o prefeito das duas cidades, realizado em 2013, sob o fundamento de que os limites territoriais entre os municípios estariam em desacordo com as fronteiras históricas que delimitavam as duas localidades. O termo de aceitação do acordo teria sido assinado com base em análise de cunho meramente topográfico realizada pelo Instituto de Terras e Planeja-mento Agrícola do Estado da Paraíba (Interpa), sem qualquer estudo das consequên-cias econômico-financeiras, político-administrativas, socioambientais e urbanas de-correntes dessa mudança, bem como sem a imprescindível atenção às especificidades históricas, culturais e populacionais inerentes ao desmembramento de um município. O que houve, sustenta o partido político, foi o reconhecimento pelos dois chefes do Executivo acerca dos limites territoriais, fato que, segundo o partido político, implica em desmembramento municipal, com a absorção da área desmembrada por outro ente, sem a realização de consulta plebiscitária, em flagrante desrespeito ao art. 18 (§ 4º) da Constituição Federal. O dispositivo diz que “a criação, a incorporação, a fu-são e o desmembramento de municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, median-te plebiscito, às populações dos municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”. O Partido da República pede a concessão de liminar – ad referendum do Plenário – para suspender, na maior brevidade possível, a eficácia das leis questionadas. No mérito, requer a declaração de inconstitucionalidade das normas. O relator da ação é o Ministro Dias Toffoli. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

É possível a conversão da obrigação de fazer ou não fazer em perdas e danos em procedimento licitatório

A 5ª Turma do TRF da 1ª Região reformou parcialmente sentença, do Juízo Federal da 16ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, no processo em que uma em-presa de informática, ora autora, buscava a conversão do feito em ação de indeni-zação por perdas e danos. Em seu voto, a relatora convocada, Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha, esclareceu que “a conversão da obrigação de fazer ou não fazer em perdas e danos é possível se o autor requerer ou, ainda que não o haja requerido, se o resultado visado ou o resultado equivalente não forem possíveis”. A instituição recorreu ao TRF1 contra a sentença que extinguiu o processo sem julga-mento de mérito ao fundamento de perda do interesse de agir decorrente da presta-ção dos serviços objeto da Concorrência 005/2005 por outra licitante. Ocorre que, justamente em razão da prestação dos serviços, a apelante requereu a conversão do feito em ação de indenização por perdas e danos. No mérito, a parte apelante alega a nulidade do ato administrativo que importou a revisão do resultado final da cita-da concorrência, no qual havia sido declarada vencedora, aos argumentos de que

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houve “preclusão de a litisconsorte insurgir-se contra o resultado do julgamento das propostas técnicas” e de que não era cabível a juntada de novos documentos. Ao analisar o caso, a relatora destacou que a premissa em que se baseou a sentença não se sustenta, uma vez que o pedido foi extinto sem resolução do mérito porque não se considerou o pedido de conversão em perdas e danos. “Partiu-se do pressuposto de que o pedido restringia-se à contratação, o que realmente conduziria à extinção sem julgamento do mérito. Houvesse sido considerado o pedido de indenização em perdas e danos, haveria interesse de prosseguimento do feito para que se aferisse a existência do prejuízo e a responsabilidade da Aneel, organizadora da licitação”, afirmou. Diante desse quadro, de acordo com a magistrada, o pedido de conversão do rito deveria ter sido adequadamente examinado, “abrindo-se oportunidade para eventual emenda da petição inicial e para a produção de provas”. A decisão foi unânime. Nº do Processo: 0032712-53.2006.4.01.3400 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Servidor público tem direito a auxílio-transporte mesmo que utilize veículo próprio para deslocamento

A União terá que conceder auxílio-transporte para uma técnica judiciária da Justiça Eleitoral de Londrina/PR, mesmo que ela utilize carro próprio. A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foi proferida na última semana. O benefício havia sido negado pela via administrativa e a servidora pública recorreu à Justiça Fe-deral. A relatora do processo na 4ª Turma do TRF4, Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, ressaltou que “o auxílio é devido a todos os servidores que utilizem algum meio de transporte para se deslocarem entre suas residências e o local de trabalho”. A autora mora no município de Apucarana, vizinho a Londrina, e argu-mentou que utiliza veículo próprio porque o seu horário de expediente não é compa-tível com o do serviço de transporte público entre as duas cidades. Além da concessão do auxílio transporte, ela solicitou o pagamento de todas as parcelas vencidas desde a data em que fez o pedido pela via administrativa. A servidora ganhou a ação na Justiça Federal de Apucarana, o que levou a União a recorrer contra a decisão no TRF4, ale-gando que o benefício se restringe àqueles servidores que utilizam transporte público. No entanto, por unanimidade, a 4ª Turma manteve a decisão de primeira instância. A União também terá que ressarcir a autora pelas parcelas vencidas. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Reafirmado direito a abono de permanência a policial civil aposentado

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral e reafirmou ju-risprudência da Corte no sentido de assegurar aos servidores públicos abrangidos pela aposentadoria especial o direito a receber o abono de permanência. Em deli-beração no Plenário Virtual, foi seguido o entendimento do relator do Recurso Ex-traordinário com Agravo (ARE) nº 954408, Ministro Teori Zavascki, de que o art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 51/1985, que trata da aposentadoria de policiais, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. No caso dos autos, um policial civil aposentado ajuizou ação contra o Estado do Rio Grande do Sul cobrando o pagamento do abono de permanência previsto no § 1º do art. 3º da Emenda Cons-titucional nº 41/2003. O autor da ação sustenta ter preenchido, em fevereiro de

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2008, os requisitos exigidos pela Lei Complementar nº 51/1985 para a concessão da aposentadoria voluntária, mas optou por permanecer em atividade até julho de 2012. Alegou que, durante esse pe ríodo, não lhe foi pago o abono de permanên-cia. A Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul entendeu que o abono era devido e manteve sentença que julgou procedente o pedido. No recurso ao STF, o Estado do Rio Grande do Sul alegou que o direito ao abono não se aplica em caso de aposentadoria especial. Argumentou ainda que, apenas na hipótese de preenchimento dos requisitos definidos no art. 40, § 1º, inciso III, alínea a, da Constituição Federal é que subsiste o direito ao recebimento do abono permanência, portanto o servidor policial não teria direito. Jurisprudência: Em sua manifestação, o Ministro Teori Zavascki destacou que a ju-risprudência do Tribunal é no sentido de que o art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 51/1985 foi recebido pela Constituição Federal, assegurando ao policial civil aposentado o direito ao abono de permanência. Observou ainda que a Corte tem o entendimento consolidado de que a Constituição não veda a extensão do direito ao benefício para servidores públicos que se aposentam com fundamento no art. 40, § 4º (aposentadoria voluntária especial), do Texto Constitucional. “O acórdão recor-rido encontra-se em conformidade com a jurisprudência desta Corte”, afirmou. Em razão desses fundamentos, o relator se pronunciou pela existência de repercussão geral da matéria e pela reafirmação da jurisprudência, conhecendo ao agravo para negar provimento ao recurso extraordinário. A manifestação do relator quanto à re-percussão geral foi seguida por unanimidade. No mérito, a decisão foi por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Segundo o art. 323-A do Regimento Interno do STF, o julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de rea-firmação de jurisprudência dominante da Corte, também poderá ser realizado por meio eletrônico. Processos relacionados: ARE 954408 (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

União não é obrigada a fazer licitação para compra de passagens aéreas

A compra de passagens aéreas para servidores a trabalho pela União pode ser feita diretamente com as companhias aéreas, sem que isso implique qualquer ilegalida-de. Esse foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que, nesta semana, negou recurso de uma empresa de turismo que alegava necessidade de licitação para contratação do serviço. Em 2014, a Portal Turismo, com sede em Chapecó/SC, ingressou com a ação visando à anulação de um edital do Ministé-rio do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que criou a modalidade de contratação direta. A agência alegou que o ato administrativo desrespeitava a lei, que estabelece a realização de licitação para a contratação de serviços, compras, obras, alienações, concessões, permissões e locações. Segundo o MPOG, a medida objetivou a contenção de gastos públicos e a eficiência operacional. Até então, a compra dos bilhetes era feita pelas agências de viagem, que recebiam um comissio-namento das companhias aéreas, entre 7 e 15%. Os órgãos públicos licitavam pelo maior percentual de desconto sobre o valor do bilhete, vencendo a agência que apresentasse a maior renúncia da comissão. A Justiça Federal de Chapecó julgou a ação improcedente e a empresa apelou ao tribunal. Conforme o relator do processo, Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, o procedimento licitatório não

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se constitui em um fim em si mesmo, sendo um instrumento para atingir interesse da Administração. “Havendo possibilidade de o Estado suprir tais interesses sem a contratação de terceiros, prescinde-se da licitação”, afirmou o desembargador. Quadros da Silva ressaltou que não existe norma que obrigue a Administração a contratar agências de viagens para compra de passagens aéreas. “Cabe exclusiva-mente à Administração decidir a forma como contrata o serviço, desde que obedeça aos critérios da eficiência e economicidade”, observou o magistrado. Para o desem-bargador, ficou claro nos documentos anexados aos autos pela União que a aqui-sição direta das passagens aéreas traz uma economia imediata aos cofres públicos e que a intermediação das agências de viagem ensejava custos desnecessários. Nº do Processo: 5013222-35.2014.4.04.7202 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

IBGE terá que pagar indenização por assédio moral à funcionária

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) terá que indenizar uma ex--agente de pesquisa em R$ 20 mil por danos morais. A ex-servidora relatou ter sofrido uma série de assédios e ameaças do seu supervisor, além de ser submetida a extensas jornadas de trabalho. A decisão foi proferida na última semana pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A jovem de Porto Alegre foi contra-tada em 2011 para trabalhar como agente de pesquisa e monitoramento em regime temporário. Durante os dois anos em que atuou no órgão, ela apontou ter sido per-seguida pelo chefe. Os assédios relatados incluem ameaças, reclamações e atitudes desrespeitosas no seu ambiente de trabalho, como deboches e beliscões. A autora também relatou que trabalhou em contato com tintas e poeira, ficando exposta, em algumas situações, a temperaturas em torno de 40 graus sem que lhe fosse oferecida proteção para seus olhos e pele. O IBGE alegou ter instaurado uma sindicância na qual foram ouvidos todos os servidores que atuavam no setor em que a autora tra-balhou e que concluiu pela inexistência dos assédios alegados. Segundo o Instituto, nunca existiu qualquer indício de perseguição pessoal ou atitudes preconceituosas contra a ex-agente, e as denúncias foram motivadas pela “instabilidade emocio-nal” da autora, que não aceitava a normal interferência de seu supervisor na rotina de trabalho. Após analisar os depoimentos prestados pelos antigos colegas da ex--agente de pesquisa na sindicância administrativa, a Justiça Federal de Porto Alegre decidiu condenar o IBGE ao pagamento de indenização. O magistrado responsá-vel pela sentença entendeu que “o supervisor utilizou de posição hierárquica para constranger a autora, dirigindo a ela expressões e gestos que diziam respeito a sua intimidade”. O órgão entrou com recurso no TRF4 pedindo a reforma da sentença. No entanto, por unanimidade, a 4ª Turma manteve a decisão de primeiro grau. A relatora do processo, Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, entendeu que “não há como considerar brincadeira a atitude de um superior que dirige à subordinada comentários e piadas com conotação sexual ou com ar de deboche, além de apertar a sua cintura”. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Fechamento da Edição: 16�05�2016

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Resenha Legislativa

LEI

lei nº 13.286, De 10.05.2016 – publiCaDa no Dou De 11.05.2016Dispõe sobre a responsabilidade civil de notários e registradores, alterando o art. 22 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994.

DECRETOS

DeCreTo nº 8.761, De 10.05.2016 – publiCaDo no Dou De 11.05.2016Define os requisitos mínimos para a seleção de membros para os cargos previstos no estatuto da Companhia Nacional de Abastecimento.

DeCreTo nº 8.755, De 10.05.2016 – publiCaDo no Dou De 11.05.2016Altera o Decreto nº 7.689, de 2 de março de 2012, que estabelece, no âmbito do Poder Executivo federal, limites e instâncias de governança para a contratação de bens e serviços e para a realização de gastos com diárias e passagens.

DeCreTo nº 8.754, De 10.05.2016 – publiCaDo no Dou De 11.05.2016Altera o Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino.

DeCreTo nº 8.753, De 10.05.2016 – publiCaDo no Dou De 11.05.2016Altera o Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, que dispõe sobre a implanta-ção do SBTVD-T, estabelece diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão.

DeCreTo nº 8.746, De 05.05.2016 – publiCaDo no Dou De 06.05.2016Dispõe sobre o processo seletivo para contratação do Gestor de Fundo de Índice, de que trata a Lei nº 10.179, de 6 de fevereiro de 2001.

DeCreTo nº 8.737, De 03.05.2016 – publiCaDo no Dou De 04.05.2016Institui o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para os servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Fechamento da Edição: 16�05�2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• OControleSocialdaAdministraçãoPúblicaeoPrograma“OlhoVivo no Dinheiro Público”

Francisco de Salles Almeida Mafra Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponível em: online.sintese.com

• NovasRegrasparaaGestãoeaTransparênciaFiscal–LeideResponsabilidade Fiscal

Helio Saul Mileski Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponível em: online.sintese.com

• TransparêncianaAdministraçãoPública Elói Martins Senhoras e Ariane Raquel Almeida de Souza Cruz Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponível em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Sigilo e a lei de TranSparência

•As Exceções ao Direito Fundamental de Acesso à Informação (Hélio Rios Ferreira) .........................9

Autor

Hélio rioS Ferreira

•As Exceções ao Direito Fundamental de Acesso à Informação .........................................................9

JURISPRUDÊNCIA

Assunto

Sigilo e a lei de TranSparência

•Mandado de segurança – Acesso à imprensa de relatórios de análise elaborados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – Inexistência de sigilo bancá-rio – Princípios da publicidade e transparência(TRF 2ª R.) .................................................7820, 21

EMENTÁRIO

Sigilo e a lei de TranSparência

•Ação civil pública – lei de acesso à informação – publicidade de remuneração de servidores do BNDES – empresa pública – transparência– observância ............................................7821, 40

•Mandado de segurança – acesso à informa-ção – portadores de passaporte diplomático –sigilo – excesso ..........................................7822, 40

•Mandado de segurança – direito ao acesso de informações – dados relativos a gastos com cartão corporativo – interesse público e social –justificativa de sigilo – inexistência ............7823, 42

•Mandado de segurança – negativa de acesso a informações públicas relevantes – irregulari-dade ..........................................................7824, 42

•Servidor público – divulgação de informações pessoais – princípios da publicidade e da trans-parência – observância ..............................7825, 43

•Servidor público – divulgação de remuneração na internet – autorização constitucional implí-cita – danos morais – descabimento ..........7826, 43

•Servidor público – divulgação de vencimentos – site da municipalidade – lei da transparência – observância – dano moral – descabimento ..................................................................7827, 43

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

agênciaS reguladoraS

•Das Agências Reguladoras e a Mitigação do Princípio da Tripartição dos Poderes (Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson e Joyce Michellede Melo Rocha) ...................................................75

conTraToS adminiSTraTivoS

• Jogo de Cronograma na Execução de Contratos Administrativos de Obras e Serviços de Enge-nharia (Thiago Cássio D’Ávila Araújo) .................44

conTrole da adminiSTração pública

•Controle da Administração Pública: Mandado de Injunção e Ativismo Judicial (Bruno FialhoRibeiro) ................................................................65

Autor

bruno FialHo ribeiro

•Controle da Administração Pública: Mandado de Injunção e Ativismo Judicial ..........................65

Joyce micHelle de melo rocHa e rocco anTonio rangel roSSo nelSon

•Das Agências Reguladoras e a Mitigação doPrincípio da Tripartição dos Poderes....................75

rocco anTonio rangel roSSo nelSon e Joyce micHelle de melo rocHa

•Das Agências Reguladoras e a Mitigação doPrincípio da Tripartição dos Poderes....................75

THiago cáSSio d’ávila araúJo

• Jogo de Cronograma na Execução de Contra-tos Administrativos de Obras e Serviços de En-genharia .............................................................44

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

improbidade adminiSTraTiva

•Ação civil pública por ato de improbidade ad-ministrativa, calcada nos arts. 37, § 5º, da CF, e 10, incs. I, XI e XII, da Lei nº 8.429/1992 – Desvio de verbas liberadas pelo Incra, por meio do Procera, para implantação de sistema de eletrificação rural – Matéria preliminar afas-tada – Condutas ímprobas e respectivo dolo comprovadas pelo farto conjunto probatório – Condenação dos apelantes mantida – A liqui-dação do débito deve ser realizada exclusiva-

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RSDA Nº 126 – Junho/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������245 mente com o emprego da Selic, observando-se aResolução nº 267/CJF (TRF 3ª R.) .............7831, 136

liciTação

•Administrativo – Apelação – Licitação – Atraso no envio da proposta – Inexistência de previsão para desclassificação – Autonomia entre matriz e filial – Composição dos preços – Ausência de prova técnica de irregularidade (TRF 2ª R.) ................................................................7830, 131

miliTar

•Administrativo – Apelação civil – Pensão mi-litar – Integralidade (TRF 4ª R.) ................7834, 173

•Militar – Administrativo – Curso de formação de oficiais aviadores – Mérito administrativo – Decisão do conselho de desempenho acadê-mico – Apelação improvida (TRF 3ª R.) ...7832, 156

permiSSão de uSo

•Administrativo – Imóvel público – Permissão de uso – Inadimplemento da contraprestação – Rescisão da permissão – Reintegração de pos-se – Condenação ao pagamento das parcelasem atraso (TRF 1ª R.) ...............................7829, 127

proceSSo adminiSTraTivo diSciplinar

•Processual civil e administrativo – Mandado de segurança individual – Servidor público fe-deral – Policial rodoviário federal – Processo administrativo disciplinar – Pena de demissão – Arts. 117, XI e 132, IV e XI, da Lei nº 8.112/1990 – “Operação poeira no asfalto” – Prescrição da pretensão punitiva disciplinar – Inocorrência – Incidência da regra do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990 – Nulidade da portaria instau-radora do PAD – Inocorrência – Desnecessi- dade da descrição minuciosa dos fatos – Prece-dentes – Uso de prova emprestada – Intercep-ção telefônica – Possibilidade – Autorização judicial e observância do contraditório e da ampla defesa – Juntada de sentença penal na fase de pronunciamento da consultoria jurídi-ca – Inexistência de nulidade – Mero reforço argumentativo – Existência de provas contun-dentes da infração funcional – Segurança dene-gada (STJ) ...................................................7828, 99

reSponSabilidade civil do eSTado

•Civil e processual civil – Indenização por da-nos materiais e morais – Tombamento de balcão em agência da CEF – Danos causados a me- nor impúbere – Amputação das falanges dis-tais – Danos físicos e prejuízo moral (TRF 3ª R.) ................................................................7833, 160

TranSFerência volunTária

•Administrativo – Transferência voluntária de recursos federais – Repasse ao município – Restrição cadastral – Irregularidades praticadas por ex-gestor – Legitimidade passiva – Prelimi-

nar afastada – Interesse processual – Presença – Afastamento da incerteza da relação jurídi-ca – Adimplência reconhecida – Inexistência de razões para negar a contratação (TRF 5ª R.) ................................................................7835, 183

EMENTÁRIO

acumulação de cargoS

•Acumulação de cargos – área da saúde – mé-dico – jornada superior a 60 horas – impos-sibilidade .................................................7836, 190

aTo adminiSTraTivo

•Ato administrativo – mérito – intervenção doPoder Judiciário – impedimento ...............7837, 190

bem público

•Bem público – abandono – dever de zelo –observância .............................................7838, 191

concurSo público

•Concurso público – classificação fora do nú-mero de vagas – nomeação e posse imediata– impossibilidade .....................................7839, 191

conTraTo adminiSTraTivo

•Contrato administrativo – aditivos – equilí-brio econômico-financeiro – aumento de cus-tas – ausência de comprovação – indenização– inexistência ...........................................7840, 191

•Contrato administrativo – concessão de uso de área – rescisão unilateral – licitação – adita-mentos – necessidade ..............................7841, 192

•Contrato administrativo – prestação de serviços – fomento – pagamento – regularidade fiscal– condicionamento – ilegalidade .............7842, 193

•Contrato administrativo – revisão – aumento de tributos – desequilíbrio econômico – com-provação – ausência ................................7843, 194

deSapropriação

•Desapropriação – utilidade pública – laudo pericial – justo preço – juros compensatórios– observância ..........................................7844, 196

empregado público

•Empregado público – retorno ao serviço – Lei nº 8.878/1994 – efeitos ............................7845, 196

enSino Superior

•Ensino superior – sistema de cotas – requisitos legais – preenchimento – direito à inscrição ................................................................7846, 197

improbidade adminiSTraTiva

• Improbidade administrativa – fatos geradores em Guia de Informações da Previdência Social

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246 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 126 – Junho/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

– omissão – recolhimento de contribuições –ausência – ato ímprobo – inexistência .....7847, 197

• Improbidade administrativa – guias de trânsito de pescado – emissão irregular – ato ímprobo– configurado ..........................................7848, 199

• Improbidade administrativa – venda de lo-tes públicos –procedimento licitatório – inobservância ..........................................7849, 199

liciTação

•Licitação – transferência de praça de táxi – ne-cessidade .................................................7850, 200

miliTar

•Militar – falta disciplinar – exclusão dos qua-dros – reintegração – decadência – observância ................................................................7851, 200

penSão por morTe

•Pensão por morte – filha solteira e capaz – con-cessão – impossibilidade .........................7852, 201

pregão eleTrônico

•Pregão eletrônico – melhor preço – ausência de apresentação de documentos exigidos na habilitação – desclassificação – regularidade ................................................................7853, 201

reSponSabilidade civil do eSTado

•Responsabilidade civil do Estado – danos mo-rais – perturbação do sossego – dano não ca-racterizado ..............................................7854, 201

•Responsabilidade civil do Estado – ECT – ex-travio de correspondência – danos morais emateriais – caracterização .......................7855, 202

•Responsabilidade civil do Estado – erro médico – dano moral – nexo causal – não configuração ................................................................7856, 203

•Responsabilidade civil do Estado – esqueci-mento de objeto em posto de saúde – desapa-recimento – danos materiais – inadmissibili-dade ........................................................7857, 203

•Responsabilidade civil do Estado – execução fiscal – penhora online – pessoa homônima – danos morais – cabimento .......................7858, 203

•Responsabilidade civil do Estado – inter-nação em UTI – falta de leito – óbito – dano moral – cabimento ...................................7859, 204

•Responsabilidade civil do Estado – morte de preso – dano moral e material – cabimento – pensão mensal – descabimento ...............7860, 205

•Responsabilidade civil do Estado – policial mi-litar – óbito no exercício das funções – nexo causal – ausência ....................................7861, 205

•Responsabilidade civil do Estado – prisão in-devida – regularidade da prisão – dano mo-ral – descabimento ..................................7862, 205

•Responsabilidade civil do Estado – transferên-cia hospitalar – demora – óbito – dano moral – cabimento .............................................7863, 207

reSponSabilidade obJeTiva do eSTado

•Responsabilidade objetiva do Estado – conces-sionária de serviço público – roubo de carga em rodovia – fato de terceiro – nexo causal – quebra – dever de indenizar – não configurado ................................................................7864, 207

Serviço público

•Serviço público – transporte rodoviário interes-tadual de passageiros – concessão ou permis-são – licitação – necessidade ...................7865, 208

Servidor público

•Servidor – aposentadoria – adicional de função – erro na concessão – redução – impossibili-dade ........................................................7866, 210

•Servidor público – contratação temporária – renovações sucessivas – férias e 13º salário –pagamento – necessidade ........................7867, 211

•Servidor público – progressão na carreira – in-terstício mínimo de 12 meses – previsão legal – observância .........................................7868, 212

•Servidor público – remoção – união de cônjuges – inadmissibilidade – prejuízo ao serviço pú-blico – observância ..................................7869, 213

TombamenTo

•Tombamento – imóvel de valor histórico cul-tural – ato administrativo discricionário – in-tervenção do Poder Judiciário – impossibili-dade ........................................................7870, 213

Tribunal de conTaS

•Tribunal de contas municipal – anulação de jul-gamento – impossibilidade .....................7871, 216

Seção Especial

PARECER

Assunto

Servidor público

•A Lei nº 12.830/2013 e Fundamentos de sua Constitucionalidade. Inteligência dos Artigos 144, § 4º, e 129 da Constituição Federal. Fun-ções Distintas do Parquet e da Polícia Judiciária Dirigida por Delegados. Investigação Criminal e a Competência Exclusiva dos Delegados para Dirigi-la (Ives Gandra da Silva Martins) ..............219

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RSDA Nº 126 – Junho/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������247

Autor

iveS gandra da Silva marTinS

•A Lei nº 12.830/2013 e Fundamentos de sua Constitucionalidade. Inteligência dos Artigos 144, § 4º, e 129 da Constituição Federal. Fun-ções Distintas do Parquet e da Polícia Judiciária Dirigida por Delegados. Investigação Crimi-nal e a Competência Exclusiva dos Delegados para Dirigi-la .....................................................219

CLIPPING JURÍDICO

•Ação questiona no STF normas que alteram li-mites de município paraibano ...........................238

•Assembleias e câmaras têm capacidade proces-sual limitada à defesa institucional ....................234

•BNDES terá que restabelecer contrato com agên-cia de fomento do Paraná ..................................234

•Cessação ou redução de benefício somente po-derá ocorrer após processo administrativo .........236

•Cremesp não pode processar médica por decla-rações proferidas no exercício de mandato le-gislativo .............................................................233

•É possível a conversão da obrigação de fazer ou não fazer em perdas e danos em procedi-mento licitatório ................................................238

• IBGE terá que pagar indenização por assédiomoral à funcionária ...........................................241

•Negada apelação de servidor público que con-testou ato de lotação ..........................................233

•Pensão por morte de ex-combatente deve ser regida pela lei vigente à época do óbito ............237

•Questionada lei sobre percentual de cargos emcomissão para servidores do MP-RN .................235

•Questionada norma que torna compulsória ade-são de novos servidores a plano de previdên-cia complementar ..............................................236

•Reafirmado direito a abono de permanência apolicial civil aposentado ....................................239

•Servidor público tem direito a auxílio-transporte mesmo que utilize veículo próprio para deslo-camento ............................................................239

•União não é obrigada a fazer licitação paracompra de passagens aéreas ..............................240

RESENHA LEGISLATIVA

lei

•Lei nº 13.286, de 10.05.2016 – Publicada no DOU de 11.05.2016 .........................................242

decreToS

•Decreto nº 8.761, de 10.05.2016 – Publicadono DOU de 11.05.2016 ....................................242

•Decreto nº 8.755, de 10.05.2016 – Publicadono DOU de 11.05.2016 ....................................242

•Decreto nº 8.754, de 10.05.2016 – Publicadono DOU de 11.05.2016 ....................................242

•Decreto nº 8.753, de 10.05.2016 – Publicadono DOU de 11.05.2016 ....................................242

•Decreto nº 8.746, de 05.05.2016 – Publicadono DOU de 06.05.2016 ....................................242

•Decreto nº 8.737, de 03.05.2016 – Publicadono DOU de 04.05.2016 ....................................242