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7 - Revista Mandacaru Juazeiro Juazeiro N o ponto final da Vila Es- perança, um dos bairros de Cubatão, temos o Ca- minho do Miúdo, batizado assim pela proximidade com o terreno do dono do apelido: José Severi- no da Silva. Conhecedor de leis, é envolvido com política e com a comunidade e um dos cerca de 90% de migrantes e descenden- tes do Nordeste que vieram para trabalhar e vivem ali próximo aos trilhos de trem, à Rodovia dos Imigrantes e à Via Anchieta, divididos parte no asfalto e parte no mangue. O pernambucano José Severino da Silva, 56 anos, mais conhecido como Miúdo, por ter nascido de sete meses, está sempre de por- tas abertas no sentido figurado e literal. Seu terreno que não tem cerca nem porteira e impressiona pelo tamanho e a quantidade de casinhas e um quintal enorme, que contêm de eletrodomésticos, carros, árvores e criações de ani- mais. Interessado em política, Miúdo já foi presidente da associação de moradores por nove anos, de 1993 a 2002. Hoje é uma espécie de represen- tante - mediador fazendo inter- câmbio entre projetos de assis- tência ou ações de agentes de saúde na comunidade. Já foi qua- tro vezes candidato a vereador e nunca venceu , conta um pouco ressabiado, mas logo dá a volta por cima: “Quem perde com cons- ciência ganha em sabedoria”. Um ato ingênuo levou-o a querer conhecer a fundo seus direitos e deveres. E ele tomou tanto gos- to pela coisa que ensina para a comunidade. “Um dia chegou um cidadão e me deu uma máquina para guardar. A máquina era roubada e eu fui preso por 180 (artigo do código penal sobre re- ceptação). Eu perguntei para o delegado o que era e quis saber que livro era aquele (se tratava do Código Penal). Ele disse que só os delegados tinham”, conta. Ele foi intimado, respondeu o processo, provou sua inocência e em seguida comprou o Código Penal e voltou à delegacia para pedir um autógrafo. Nascido em Limoeiro, em Per- nambuco, mudou-se ainda bebê para Salgadinho, outra cidade pernambucana. Com 19 anos, resolveu seguir os passos do irmão e tentar uma nova vida. “No Norte é bom, é nossa terra, nosso estado, mas o meu irmão já estava aqui. Vim direto para Cubatão”. O irmão lhe deu abrigo na casa dele no Morro do Pica-Pau, onde, após se estabilizar, montou seu próprio lar em busca de sua independên- cia. Já sofreu preconceito? Res- : Líder, político, empreendedor, autodidata e conselheiro, estas são algumas das características de Miúdo que considera a comunidade da Vila Esperança, uma grande família. Um homem de múltiplas facetas RÁDIO Texto e fotos: Natália Fifres

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Rascunho de diagramação

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No ponto final da Vila Es-perança, um dos bairros de Cubatão, temos o Ca-

minho do Miúdo, batizado assim pela proximidade com o terreno do dono do apelido: José Severi-no da Silva. Conhecedor de leis, é envolvido com política e com a

comunidade e um dos cerca de 90% de migrantes e descenden-tes do Nordeste que vieram para trabalhar e vivem ali próximo aos trilhos de trem, à Rodovia dos Imigrantes e à Via Anchieta, divididos parte no asfalto e parte no mangue.

O pernambucano José Severino da Silva, 56 anos, mais conhecido como Miúdo, por ter nascido de sete meses, está sempre de por-tas abertas no sentido figurado e literal. Seu terreno que não tem cerca nem porteira e impressiona pelo tamanho e a quantidade de casinhas e um quintal enorme, que contêm de eletrodomésticos, carros, árvores e criações de ani-mais.

Interessado em política, Miúdo já foi presidente da associação de moradores por nove anos, de 1993 a 2002.

Hoje é uma espécie de represen-tante - mediador fazendo inter-câmbio entre projetos de assis-tência ou ações de agentes de saúde na comunidade. Já foi qua-tro vezes candidato a vereador e nunca venceu , conta um pouco ressabiado, mas logo dá a volta por cima: “Quem perde com cons-ciência ganha em sabedoria”.

Um ato ingênuo levou-o a querer conhecer a fundo seus direitos e deveres. E ele tomou tanto gos-to pela coisa que ensina para a comunidade. “Um dia chegou um cidadão e me deu uma máquina para guardar. A máquina era roubada e eu fui preso por 180 (artigo do código penal sobre re-ceptação). Eu perguntei para o delegado o que era e quis saber que livro era aquele (se tratava do Código Penal). Ele disse que

só os delegados tinham”, conta.

Ele foi intimado, respondeu o processo, provou sua inocência e em seguida comprou o Código Penal e voltou à delegacia para pedir um autógrafo.

Nascido em Limoeiro, em Per-nambuco, mudou-se ainda bebê para Salgadinho, outra cidade pernambucana.

Com 19 anos, resolveu seguir os passos do irmão e tentar uma nova vida. “No Norte é bom, é nossa terra, nosso estado, mas o meu irmão já estava aqui. Vim direto para Cubatão”. O irmão lhe deu abrigo na casa dele no Morro do Pica-Pau, onde, após se estabilizar, montou seu próprio lar em busca de sua independên-cia. Já sofreu preconceito? Res-

: Líder, político, empreendedor, autodidata e conselheiro, estas são algumas das características de Miúdo que considera a comunidade da Vila Esperança, uma grande família.

Um homem de

múltiplas facetas

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Texto e fotos: Natália Fifres

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ponde: “Sempre tem. Chamar de cabeça chata”, mas não liga mui-to para isso.

“Em 1975, entrei na Cosipa. Me especializei em tudo, faço muitas coisas”. Esse advérbio caracteri-za Miúdo: muito. Muito espaço, muitas salas, muitos objetos que as pessoas não querem mais e ele guarda, muitas criações e muitas atividades.

Foi para a Vila Esperança, em 1980, é o sexto morador. “Aqui era só banana e eu tinha um jipe. O dono do sítio (terreno de Miúdo) queira um e fiz a troca”, comenta. No local, tudo foi cons-truído por Miúdo. A extensão e o aproveitamento do espaço impressionam. Existe a casa de Miúdo (na verdade, um quarto), as casas dos seus seis fi-

lhos, duas casas com inquilinos, salas destinadas a projetos, uma cozinha ao ar livre que também serve de depósito, quatro árvo-res de frutíferas – coqueiro, ace-rola, jaca, banana – e criações de peixes em um tanque, porcos, galinhas, patos e coelhos. “Para sobreviver e ter fartura tem que fazer várias atividades. Plantar para colher”, destaca.

Pessoas às vezes doam para ele o que não usam mais, e isso se soma aos vários eletrodo-mésticos e eletroeletrônicos já existentes no lugar. Dentre as inúmeras salas existem um al-moxarifado com documentos e fotos e outra sala com utensílios para alugar. “Não vendo fiado e não empresto. Cobro um bom preço.” Separado há 16 anos, até a ex-esposa tem uma parte do

terreno, uma das ca-sas pertence a ela.

Trabalha desde os 10 anos e não parou mais. E não quer se aposentar. Começou cortando cana, fazen-do fecho e cozinhan-do. Até hoje lembra que, para uma tone-lada, são necessários seis fechos com dez quilos. Criado pelo ir-mão, depois da sepa-ração dos pais. Para ele, criança traba-lhando como brinca-

deira aprende e não é exploração. É autônomo há 22 anos.

Estar pronto para colher, não interessa quando. Aprender a vi-ver simples e com pouco é melhor do que nada. Saber as leis para não ser enganado e ter seu direi-to garantido e conhecê-lo. Esses são alguns dos ensinamentos que passa durante uma conversa. Fala da vida, das dificuldades, de política de outros assuntos gerais como trânsito e o grande número de celulares. Muda rapidamente o viés da conversa, vai e volta. Perde-se.

Todos os irmãos moram no Nor-

te, como denomina a região de onde veio. Não vê os seis há 16 anos. Foi uma vez visitar para relembrar. “Passei em todos os lugares de onde eu era peque-no”. E guarda com ternura suas recordações. “Tento fazer aqui o que eu fazia e tento passar para os filhos, mas é difícil. Nem todos comem farinha, jerimum, rapa-dura ou bolachão”. E da culiná-ria, o que gosta? “Gosto de fava, feijão de corda. Meus filhos fa-zem para mim e tentam comer um pouco”. Mensalmente faz em casa sarapatel e buchada.

Pensa em visitar Pernambuco, mas voltar não. Todos os dias, a

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internet alivia sua sau-dade ao ter um contato virtual com suas ori-gens. Outra maneira é ouvindo música. Outro costume manti-do é de usar ervas para tratar enjoo, dor de ca-beça e outras indisposi-ções. Acha importante repassar seus conheci-mentos e experiências bem sucedidas para a comunidade e para ela assim poder ser autos-suficiente. “ Eu faço e passo para os outros e para os meus filhos”.

A partir de parcerias com a co-munidade e com a iniciativa pri-vada, Miúdo dá prosseguimen-to às atividades da Associação Comunitária Nova Esperança que são realizadas em algumas casas - salas no seu terreno que estão abertas para a comunida-de, servindo de base para proje-tos e uma das sedes do banco do mangue (iniciativa de Miúdo e da ONG de bem com o mangue que incentiva a coleta de lixo re-ciclável pela comunidade em tro-cas de vales – moeda própria – o mangue, trocáveis por alimentos no comércio local. Um mangue vale um real).

Do lado de fora, existe uma es-pécie de banco de informações – uma lista telefônica nas pare-

des - com advogados, empresas e comércios dos mais diversos.Al-guns que já caíram com a ação do vento. Para Severino, isso nada mais é do que um meio de cha-mar os participantes do mural a colaborarem com a associação.

Uma espécie de recado. Que aca-ba não atingindo as expectativas, já que muitos desconhecem a ini-ciativa. Segundo ele, de todos os cartazes, apenas a Terracom é colaboradora num curso de in-glês. O projeto Remar da Petro-bras patrocina uma sala de infor-mática. As aulas normalmente acontecem nos sábados, já que os professores são voluntários, mas os espaços estão sempre abertos. Bastante envolvido com assun-tos: da comunidade, da cidade e do governo, completa enfatica-mente. “Estudei até a sexta série,

tenho a faculdade da vida, sou autodidata. Eu tenho o conheci-mento, você tem o diploma”.

Seu quintal também é palco de festas ocasionais. Todo mundo participa e colabora, um lema se-guido e perseguido por Miúdo. Outra característica é passar a noite acordado. Hábito adquiri-do quando trabalhava em bailes nas sextas, sábados e domingos à noite por 14 anos.

Associação - Sobrevive com doa-ções de quem visita. Quem cons-truiu os espaços foi o próprio Se-verino. A associação já teve uma rádio comunitária: a Associação Rádio Comunitária Nova Espe-rança, fechada há três anos por ser clandestina. Ele responde processo por isso.

A programação da rádio tinha como objetivo principal atender a comunidade e era pautada em 12 mandamentos: saúde, educação, transporte coletivo e alternati-vo, esporte e lazer, habitação, desenvolvimento social, cultura, crianças, adolescentes e idosos, segurança, meio ambiente e ci-dadania. Possuía também vários quadros musicais que engloba-vam vários ritmos, com maior presença do forró e do brega.

Vila Esperança – De acordo com as informações de Miúdo, o bairro é formado por 5.172 casas cadas-tradas oficialmente, totalizando

cerca de seis mil na realidade. Uma espécie de labirinto para quem não conhece, já que são 70 becos e três ruas. Uma delas: a antiga Avenida Principal, hoje é nomeada como Avenida Maria de Lurdes devido aos problemas de correspondência com a Água Fria, outro bairro de Cubatão, que também tem uma Principal. São inúmeros os caminhos como Caminho do Miúdo, de São Bar-tolomeu, do Leopoldo e do Geral-do.

Luz, água e transporte foram al-gumas das melhorias consegui-das com o passar dos anos. “Vem mudando com as nossas lutas [a Vila Esperança]. Temos que lu-tar para ter. Leva muito tempo para conseguir as coisas. Vai fa-zer 10 anos que lutamos para ter asfalto do Morro do Índio (uma das áreas que junto com Sítio Novo, Imigrantes e Ilha Bela for-ma a Vila Esperança) até o ponto final”.

Ao som dos animais que cria e dos carros passando nas estradas continua contando uma história que presenciou de perto: “Melho-rou nesses anos todos. Não tinha nada, só estrada, fomos buscan-do e muito rápido começou a vir pessoas. A Vila Natal nasceu dos moradores que foram transfe-ridos da Vila Esperança. Como aqui cabem todos, e tem espaço para os filhos e as galinhas. Re-solvi ficar aqui”. f

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GuarujáO paraibano que escolheu

duas vezes

: A história de um paraibano que se mudou criança para Pernambuco, migrou com 18 anos para Guarujá, voltou para o Nordeste, retornou a Guarujá e agora não quer mais ir embora

Guarujá é um dos polos de concentração de nor-destinos. No bairro da

Enseada, existe uma vila conhe-cida como Vila Baiana. Subindo dez degraus do morro, encontra-mos a casa de Sebastião Ferrei-ra de Oliveira, que não é baiano e sim paraibano, mas se consi-dera pernambucano, já que com sete anos se mudou de Montei-ro na Paraíba, para Pesqueira, que considera sua terra natal e de onde guarda inúmeras lem-branças.

Há 52 anos, Sebastião, com 18,

decidiu migrar novamente. So-zinho, fugiu sem carregar nada além da roupa no corpo, docu-mentos e o dinheiro da viagem. Depois de sete dias de ônibus na estrada, ele chegou a Guarujá sem saber onde era e com ape-nas um endereço no bolso e uns itens de higiene pessoal compra-dos no caminho.

Meio envergonhado, Sebastião esclarece que o motivo da fuga foi uma namorada de Pesquei-ra que se mudou. “Saí através de um namoro e vim. Fugi dos meus pais. Eles não queriam

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de jeito nenhum que eu viesse”. Graças à ajuda de um motorista e um bêbado que puxou assunto, Sebastião encon-trou a Pensão da Dona Maria, na Vila Souza, o endereço de sua namorada. De-pois foi para a casa da tia dela, depois de um tempo eles ter-minaram.

Sessé, apelido pelo qual é conhecido por todos do local, é um dos pri-meiros moradores da Vila Baiana. Quando ele chegou, o lugar era muito diferente do que é hoje “ Tinha uma família de baianos mais acima e do ou-tro lado uma família conhecida como mata onça e eu aqui”. En-quanto conta sua história, ele ri ao lembrar de um comentário do motorista do ônibus: “Quando passamos por Cubatão, descen-do a Serra, o motorista apontou e disse que ali queimava e nun-ca acabava”.

Como muitos outros que saíram do Nordeste em busca de em-

prego, numa época de falta de mão de obra e muitas vagas, no seu terceiro dia em Guarujá, já estava empregado no Hotel Je-quitimar, onde trabalhou por 28 anos. Nesse meio tempo, visi-tava seus pais, tentou trazê-los para cá. Não se acostumaram e voltaram. Só sua irmã ficou e casou. Em uma das visitas, pe-diu em casamento e trouxe para o sul sua primeira esposa, que já conhecia. Constituiu família e criou seus sete filhos guaru-jaenses: quatro homens e três mulheres.“Trabalhei em tudo lá ( Hotel Jequitimar),comecei

como jardineiro, depois fui para o restaurante, lá trabalhei de co-min – ajudante de garçom, gar-çom e no hotel. Até que fiz um acordo e saí.”

Deu tudo certo

Como uma grande parte dos nor-destinos, Sessé veio querendo ganhar seu dinheiro e voltar e assim o fez. Quando saiu do ho-tel, voltou para Pesqueira com três filhos. Os outros quatro fica-ram em Guarujá. Em Pesqueira, ele montou uma lanchonete, a Sessé Drinks. “Estava me dando bem, mas como meus filhos... Fi-quei lá cinco anos. Vendi a lan-chonete, voltei e completei meus anos de contribuição trabalhan-do como caseiro”.

Nessas idas e vindas, Sebastião viveu 47 anos na vila e acompa-nhou a expansão das casas que atualmente você não vê onde acabam, mas aponta que o lugar melhorou muito. Por outro lado, segundo ele, sua cidade (em Per-nambuco) só piorou. “Quando eu sai de Pesqueira tinha as fábri-cas Peixe, Rosa (doce), Cicanor-te, Tigre, uma de café... Era uma cidade que na época da goiaba, do tomate e do abacaxi, você che-gava na cidade e tinha cheiro de doce. Ia muita gente trabalhar

na safra. Hoje em dia fechou tudo”, conta um pouco entriste-cido.

Para matar a saudade viaja uma vez ao ano para o Nordes-te, agora em junho fez um ano de sua última ida. Ano que vem tem plano de ir com a sua segun-da esposa, Júlia, que conheceu na cidade pernambucana há um pouco mais de dois anos e nunca o acompanhou em suas visitas. Agora, ouve um dos seus mui-tos CDs de Luiz Gonzaga e come algum dos seus pratos preferi-dos: cuscuz com leite ou xerém com galinha, moderadamente, já que, segundo diz, a idade não permite mais abusos.

Sebastião gosta de ficar em casa assistindo tevê. Não trabalha mais. Sai de quando está acom-panhado e às vezes assiste algu-ma festa típica promovida pelo genro Raimundo.

Hoje em dia quem mora na sua primeira casa atrás da sua atual, ambas construídas por ele, é a filha Solange - todos os filhos de Sebastião têm nomes com s: Solange, Steves, Suzana, Sidnei, Sebastião, Sidneia e Stê-nio – com o marido Raimundo Bezerra Junior, outro nordesti-no e migrante também. f

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De Pesqueira para a Pérola do Atlântico

: Raimundo como muitos outros migrantes mudou-se para o Sudeste, já pensando em voltar

Pernambucano de Pesqueira, a história de Raimundo se uniu à de Solange e de Sebastião, por consequência, de-vido à lanchonete. Foi lá, que Raimundo ou Júnior, como

é chamado pelos amigos, conheceu Solange, um dos três filhos de Sebastião que voltou com ele. Eles namoraram e casaram e viviam no Nordeste, os pais de Solange retornaram para Gua-rujá. Até que há 12 anos, uma reviravolta na vida o trouxe para morar junto com seu sogro.Raimundo trabalhava com banners e estampando camisetas. Ti-nha uma boa clientela. Resolveu fazer uma sociedade, que não deu certo. Vieram as dívidas. Perdeu tudo. Não podia ficar e nem tinha para onde ir. Saiu de sua cidade natal no seu Fiat 147, com 20 reais no bolso – únicos bens que ainda tinha - e veio para perto da família da mulher na Vila Baiana. Com o pensamento em ganhar dinheiro e voltar, Raimundo enfrentou dificuldades e pensou em desistir. O ideário de riqueza relacionado ao Sudeste,

nha cultura morra. A raiz não pode morrer. Ouço todos os dias as músicas de lá, faço festas em casa ou na rua, como pratos típi-cos: xerém com galinha, carne de sol, feijão de corda, macaxei-ra e monto blocos de carnaval...” Vai uma vez ao ano visitar sua terra natal. No ano passado e neste, em junho, foi de moto. “Todo final de semana, quando quero encontrar alguém nordes-tino, visto camisa de algum dos times de futebol de Pernambu-co e coloco música no carro e os nordestinos puxam assunto”.

Essa vontade de manter a cul-tura somada ao grande número de migrantes em Guarujá, além da saudade, fez com que pensas-se em organizar um lugar típi-co com biblioteca, restaurante e música que proporcionasse meios para um resgate de cos-tumes e contato entre os nor-

o ‘sonho sudestino’, não era bem como pensava.Anos depois, o cenário mudou.

Aqui ele se formou em Direito e atualmente estuda para prestar o exame da Ordem dos Advoga-dos do Brasil (OAB). Ao lembrar de quando chegou, comenta: “Antigamente todo mundo que chegava do Nordeste não impor-tava de onde era baiano”. Uma vez ouviu: “Nem parece que você é de Pernambuco, não fosse o so-taque. Você fala bem”, numa de-monstração da ideia comum de que o nordestino não sabe falar ou é necessariamente analfabe-to. É como se o sotaque não fosse uma característica natural de cada região, mas um sinônimo de baixa escolaridade.

Engajado com política, pen-sa talvez em voltar neste ano. “Tudo depende de meus conta-tos, meu plano é voltar para o Nordeste com a carteira da OAB para poder advogar”. Mes-mo, estando aqui há mais de uma década, seu sotaque ainda é forte e é apenas uma das influências que mantém, mesmo es-tando distante. “Não posso deixar que a mi-Texto e fotos: Natália Fifres

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destinos. “Tudo começou quan-do conheci alguns sanfoneiros que tocavam em barzinhos para um público pequeno e comecei a ajudar na divulgação do traba-lho deles. Logo pensei em criar uma irmandade. Ia fazer de Pes-queira, minha cidade, não tinha condições de abraçar (sic) uma coisa grande. Minha cidade tem 50 pessoas no Guarujá, ia ser muito restrito. Depois a ideia era fazer de Pernambuco, então conversei com alguns conheci-dos baianos, paraibanos, sergi-panos, piauienses e maranhen-ses e surgiu: Por que não fazer do Nordeste?”.

Esse foi o primeiro passo para a ideia da criação da Colônia Nor-destina do Guarujá. Ainda sem sede, de concreto só existe o es-tatuto e os planos do que teria no local. O núcleo pretende ser uma ONG e trazer informações e notícias com jornais e periódicos para os migrantes das cidades de onde eles vieram, para que não fiquem desatualizados so-bre o que acontece e não alimen-tem uma imagem que não existe mais. Outra iniciativa será ela-borar uma espécie de cadastro com as informações de quando os participantes pretendem via-jar para que existam comboios, no caso de uma ida de carro, a

divisão dos gastos ou apenas a companhia.

A tradicional Casa de Cultu-ra do Baiano das Astúrias ia abrigar a Colônia, contudo o avanço na idade tirou um pouco da disposição de Osval-do dos Santos, o Baiano das Astúrias. O projeto ainda não é oficial.

Para Raimundo, a cidade pre-cisa de um ambiente voltado aos que vêm do Nordeste. Já que existe uma falta de mate-rial e espaço. A própria prefei-tura pediu informações para ele, Gilson Lima (apresenta-dor de dois programas seg-mentados aos nordestinos) e Baiano das Astúrias. “O nor-destino não vai às festas e os eventos para ele, porque não se mantém a tradição, porque são feitos por quem não lembra mais como era ou não é de lá.” f

Direto de Jacobina para

o mundo

: Um senhor com muita história para contar e que acredita que a cultura tem um potencial

Numa casa na Rua Francisco Rebolo, no bairro da Enseada no Guarujá , há um acervo im-pressionante de cultura do Brasil e de alguns

outros países. São livros espalhados em cadeiras na entrada; pastas e mais pastas com informações do fol-clore e da geografia, esculturas, quadros retratando o Guarujá,placas como dizeres e uma caricatura feita por um amigo ao baiano Osvaldo dos Santos, um se-nhor de 76 anos, mais conhecido por Baiano das Astú-rias e um grande defensor da cultura.

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Com muita história para con-tar, já que são 76 anos de vida e de muita pesquisa graças a sua curiosidade e interesse incansá-veis, esforços para realizar o que pretendia e muitas viagens pelo Brasil. Seu amor pela cultura é tão grande que mantém seu mu-seu particular sempre próximo dele. Fica no andar debaixo de sua casa. As portas estão sem-pre abertas para quem se inte-ressar, desde que marque com antecedência. Exigência inflexí-vel. Ele é o dono e único funcio-nário do local. A prefeitura, de acordo com ele, exige um ou dois funcionários, só que não garante o pagamento deles.

Tudo começou na década de 50, quando um garoto de calça curta, como descreve Osvaldo, acompa-nhando a mãe, saiu de Jacobina, na Bahia e foi de trem para Ca-tanduva levando bagagens e um lanche: banana, farinha e paço-ca. Depois de dois anos, foram para São Paulo. Quando lembra da cidade, demonstra um ar de saudosismo e a enche de adje-tivos como “esteio, ídolo, mãe e pai, tudo” e completa “ A gente deve muito a São Paulo, princi-palmente os nordestinos”.

Seguindo o lema “estudar e tra-balhar” ,teve seu primeiro em-

prego aos 10 anos numa loja de tecidos. “ Na época era normal trabalhar nesta idade”, escla-rece. Estudou francês, línguas orientais e inglês. “Não perdia tempo, me formei em línguas orientais na USP”, orgulha-se Osvaldo. Depois foi vendedor. Comprava sementes, bonecos e balangadãs e vendia em São Paulo. Talvez aí tenha começa-do essa vontade de divulgar a cultura e ensinar. Depois sozi-nho foi comercializar joias pelo Brasil todo.

O gosto pelo mar e o pensamen-to de que em Guarujá o custo de

vida seria menor e a cidade mais segura trouxeram-no junto com sua família para seu apartamen-to que até então era só para ve-ranear. Por um tempo, revendeu artigos de igreja e antiguidades, depois junto com a esposa de origem japonesa montou o que seria o embrião da Casa de Cul-tura Baiano das Astúrias, um restaurante de comidas típicas brasileiras com um propósito cultural e uma loja de artesana-to. “O pessoal vinha: jornalistas, professores... Era cheio de li-vros”. Ele começou o seu acervo com a colaboração de quem visi-

tava o local ou o conhecia, com suas viagens ou por meio de car-tas. Escrevia para governos de países e pedia materiais.

Assim, ele conseguiu fotos, li-vros e informações sobre o Brasil e países do exterior. Mas como tudo precisa de “investimento e rendimento, porque quando você olha, já está velho e não tem ninguém que continue seu trabalho”, o restaurante acabou por ser fechado. Sua vontade era reabri-lo na Enseada, contudo o dinheiro não foi suficiente para construir sua casa, o restauran-

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te e a casa de cultura. “Não pos-so fazer tudo sozinho”, reflete entristecido.Foi nessa época de contato com outros países que ele ganhou o apelido de Baiano das Astú-rias. Alcunha que sendo usada e aceita por ele representa, na sua opinião, um reconhecimen-to de suas origens e uma forma de lidar com o preconceito que enfrentou. Voltar ao Nordeste nunca não esteve em seus pla-nos. “A gente não esquece de lá, mas nunca pensei em voltar.

Agora tem as filhas e um neto, não quero me afastar”. Uma par-te dos seus parentes ainda vive lá. Ao comentar sobre o assunto, faz uma reflexão simples sobre o processo migratório: “Só sai de lá, o pobre para poder se aven-turar, ganhar a vida e estudar”. A casa que, mesmo comportando um acervo grande, ainda tem es-paço para servir de apoio e sede para os mais diversos projetos. Lá já foram realizadas oficinas de jornalismo; lapidação de pe-dras; bandeiras; reforço escolar – que levou Seu Osvaldo para a escola mais uma vez, ele cur-sou o Ensino Médio novamente para saber como estava o ensi-no; teatro;dança de rua; um fes-tival de curtas de 1 minuto e um núcleo de cinema, último projeto

que está parado e que produziu o filme Gari – a forja de um cam-peão, entre outros cursos.

A história de Osvaldo pode ser que se transforme em filme. As cenas do roteiro em Jacobina já foram gravadas. Um proble-ma pessoal do responsável fez com que ele abandonasse o filme inacabado. Considera sua vida complicada e cheia de aventu-ra. “Vim de trem de uma cidade pequena para a cidade grande”. Resume.

Guarda com muito cuidado o que juntou nesses anos. Garan-te que nada está a venda. Na es-cada que leva ao segundo andar, bustos de ex-prefeitos de Gua-rujá adornam os degraus. Para fazê-los, ele pesquisou e enco-mendou a artistas no Nordeste as esculturas. Numa sala, vários quadros também de ex-prefeitos estão expostos. Além de folclore, cultura e história, política é ou-tro assunto que o interessa.

Tem vários livros que só faltam serem publicados ou que pre-cisam de ajuda de colaborado-res para sua elaboração como um sobre prefeitos e um sobre a história das ruas ambos rela-cionados ao Guarujá e outro so-bre culinária. “Antigamente, na

época do folclore, eu costumava a pegar receitas do Brasil intei-ro, adaptá-las, prepará-las e tes-tar no comércio. E pegava”.Inicialmente, o projeto da ONG de Raimundo usaria a sua casa de cultura como sede. Osvaldo demonstra descrença e aparenta que apesar de toda a sua proa-tividade, já está um pouco can-sado e que perdeu um pouco do entusiasmo. “Essa história de centro de convivência (projeto da prefeitura em junção com o de Raimundo) é só conversa, não tem resultados mais rápidos. Já aconteceu uma primeira reunião e só, mas falta dinheiro”. Dá uma sugestão: “que a Secretaria de Cultura avalie o que tem na cidade”.

Osvaldo mostra orgulhoso sua casa de cultura para quem qui-ser e comenta sobre cada uma das peças expostas contando sua história: a caricatura de um amigo, um santo que veio de Pernambuco, a lanterna de Diógenes e os outros objetos. O Nordeste é a região sobre a qual ele tem mais material. Contudo, a casa trabalha com cultura ge-ral e não só do Brasil. Em uma pasta, Osvaldo fez o seu clipping com matérias e mais matérias de jornais. Para cada uma faz um comentário sobre a impor-

tância e as dificuldades do seu trabalho.

Cheio de ideias, Baiano das As-túrias lambe a cria que reúne peças e objetos que resgatam a história, a cultura e o turismo de diversos lugares, tudo pre-servado por ele que considera a cultura prioritária e argumenta que “enquanto os políticos não derem prioridade a cultura, fi-caremos a desejar. A cidade, a Baixada Santista e o Brasil são carentes de cultura e trabalhar para melhorar isso é a minha ta-refa.” f

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De segunda a sexta, no ho-rário do almoço, o público que gosta de forró pode

assistir ao programa Forrobo-dó & Cia da operadora de TV a cabo TV Itapema produzido pela GuaruTV com o apresenta-dor pernambucano residente no Guarujá, Gilson Lima.

Seu envolvimento com a músi-ca surgiu com uma loja de CDs chamada Forrobodó, que vendia álbuns encomendados direta-mente das gravadoras. Com a pirataria de discos, o Forrobodó se transformou em programa de rádio. Algum tempo depois, ga-nhou espaço na televisão, graças aos proprietários da Guaru TV, situada em Vicente de Carvalho, que observaram o grande núme-ro de nordestinos existente. No inicio, oito anos trás era gra-vado e passava duas vezes por semana. Após, dois anos come-çou a ser veiculado ao vivo nos dias úteis com duas reprises. No primeiro andar da Guaru TV, o Forrobodó é feito num estúdio pequeno com bancada, croma key, cadeiras, mesa e uma sala de produção e edição. O apresen-tador se encarrega de dar um to-que especial, levando consigo uns bonecos de cerâmica, uma imagem de Nossa Senhora Apa-

recida e seu material de traba-lho: um notebook e uma agenda. Arruma a bancada, testa câmera e microfone para mais um dia de trabalho. O apresentador conta: “Fui o primeiro VJ de Forró, me baseei na MTV. Eu ia nas casas de show e fazia entrevistas e co-mentários”.

Como a televisão exige imagens, o programa, que também passa na rádio Guarujá AM de segun-da a sexta, sofre uma pequena adaptação nessa plataforma e apresenta clipes de DVD de ban-das de forró, música brega e ser-

Ao som do forró

: Gilson Lima é conhecido por seus programas de forró na rádio e na televisão e por sua participação em eventos e atividades voltados aos nordestinos

Texto e fotos: Natália Fifres

TELEVISÃO

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tanejo. Entre um clipe e outro, acontece uma entrevista com um convidado político, artista e em algumas edições com algum pro-fissional como médico e advoga-do que presta um serviço de uti-lidade pública. Telespectadores ligam, pedem as suas favoritas e mandam recados por telefone, facebook ou email. Represen-tantes de fã clubes também dão material dos seus ídolos. Neste ano, o programa fez um link com o tradicional São João de Cam-

pina Grande, na Paraíba.

Gilson conta que várias ban-das famosas como Mastruz com Leite e Calypso já deram entre-vistas para ele. Mesmo tendo outros veículos que tocam forró ou são destinados aos nordesti-nos, ele acredita que ainda exis-te uma carência de conteúdo. “ já que muitas pessoas aqui são nordestinas”. E acha que seria importante ter um CTN aqui, até faria um se tivesse capital. E

lamenta pela cidade não possuir uma casa de shows com espaço. “É uma pena já tivemos a maior casa de shows perto da barca Vicente de Carvalho – Guarujá. Hoje os shows maiores são reali-zados na Fantastic Choperia ou na Boulevard e a mais tradicio-nal é o Mingo’s Show.”

Quanto às festas nordestinas, sua participação é garantida. “Sempre que tem eu vou”. Da culinária, destaca os seus pre-feridos: escondidinho de carne seca e cuscuz, mas garante que come um pouco de tudo. “Não costumo fazer porque dá traba-lho. Sempre vou comprando nas casas do norte, mas como já te-nho 48 anos vou maneirando”.

Veio com os pais e os sete ir-mãos quando tinha 12 anos, em dezembro de 1976. Seus avós mandaram buscar seus pais e os netos. Os pais já faleceram. Os seus irmãos todos moram no Guarujá e a maioria trabalha em restaurantes.

Ele já trabalhou nas rádios Gua-rujá AM, Cultura FM e hoje se divide na Guaru TV e na Gua-rujá FM. São 16 anos de expe-riência nessa área. “Eu brinca-va de fazer rádio em casa.” Tem planos de voltar para sua terra

natal, quando estiver estabeleci-do “Tenho muita vontade e espe-ro trabalhar em rádio lá.Minha mulher é indiferente a mudan-ça”.

Reconhece que tem bastante ideias quanto a uma espécie de CTN em Guarujá e acha que o Festival Danado de Bom foi o responsável pela criação de mais eventos, como a lei que re-gulamenta no município o dia 2 de agosto, como Dia dos Nordes-tinos. “Acho importante valori-zar. Os prefeitos não investem na cultura nordestina.

A prefeita Marcia Rosa foi uma das primeiras. Antes, os eventos e festas eram restritos aos bair-ros. Isso incentiva o turismo”. Cita mais um evento de Cuba-tão, a Festa da Carne Seca, no Jardim Casqueiro. “A festa co-meçou no bairro com oito, dez amigos e hoje é a maior festa da carne seca com shows”. E revela um desejo: “Queria ter dinheiro para montar um CTN com in-fraestrutura no Guarujá. Com cinema, cultura e lazer, para re-ceber os nordestinos. Ideia tem bastante, mas falta dinheiro e espaço. Gosto da ideia de um projeto de uma casa ou espaço que aos finais de semana tenha comida e forró pé de serra”. f

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Em uma sala de um pré-dio comercial na Avenida Presidente Kennedy, em

Praia Grande podemos encon-trar o escritório da Rádio Praia Grande FM. Um dos atuais em-pregos de Sebastião Fernandes Prado, o Broto do Rojão, que mesmo aposentado desde 2000 não parou de trabalhar. Ele di-vide seu tempo entre a rádio e sua empresa de propaganda.

O que muitos não sabem é que esse senhor simpático e ativo de 75 anos já foi um ícone da rádio santista nas décadas de 60, 70 e 80, com direito a shows, lança-

mento de LPs, músicas regrava-das e uma das maiores audiên-cias como locutor. Rojão é um gênero musical do Nordeste como o baião, o xaxado e o coco, explica Sebastião, que ganhou o apelido de Broto do Rojão quando jovem venceu um concurso de calouros na Rádio do Comércio de Recife. “Eu can-tava muito rojão, parecido com o Jackson do Pandeiro”.

O alagoano de Maceió, aos 18 anos, decidiu se mudar, cansou de cantar nas rádios das cidades nordestinas. Lembra que passou

Nas ondas sonoras das

Sebastião Fernandes Prado, mais conhecido como Broto do Rojão tem seu nome registrado na história da rádio santista, compôs duas mú-sicas para Cubatão, teve suas músicas regra-vadas por outros artistas e lançou diversos LPs.

rádios praianasNas ondas sonoras das

Texto e fotos: Natália Fifres

RÁDIO

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por muitas dificuldades para vir num pau de arara com uma es-trada cheia de buracos . Seguiu os passos do primo que morava na Vila São Jorge, em Santos. “Queria muito mais. Cidade pequena é acanhada e não tem muita coisa para você sobrevi-ver. Vim para São Paulo, morei com meu primo e comecei com um alto falante na Areia Bran-ca e depois para um programa a noite na rádio cultura.”

Na rádio fez de tudo um pou-co.

Na Universal, ficou por 27 anos. Na Cultura, por 12, sem falar da sua participação na Rádio Clube, Atlântica e Cacique/Jo-vem Pan de que Sebastião não consegue mensurar o tempo. Foi de locutor a operador. Como lo-cutor comandou programas com músicas do Norte e Nordeste. Na programação, tinha Luiz Gonzaga, xaxado, baião, embo-lada, rojão e vários outros artis-tas. “Só com forró, conseguiu a maior audiência do rádio praia-no”.

Teve épocas em que trabalhou em três rádios: Cultura, Caci-que e em outra que não se lem-bra. Seu programa mudava de nome e formato periodicamente para manter o público. Quando perguntado se acha que existem muitos nordestinos na região, fica sério e ressalta: “Não era só nordestino que gostava de forró.

Na casa do bacana eu entrava lá através da empregada que ouvia rádio. O patrão ouvia e gostava.” Dando audiência, con-seguiu gravar LPs “que quando saíram, estouraram. Venderam horrores.”

Canta a música Caminhos de Santos, composta por ele: “Cubatão, você tem que passar

por Cubatão/tem que pas-sar por Cubatão/Você já foi a Santos? Eu não”... E continua com outra: “Como é bonito o can-tar dos passarinhos/como é bonito a boiada no cami-nho”. Ri e diz: “Foi um sucesso. Gravou, acabou. Cantei em clubes, restaurantes, em tudo. Hoje não vejo e não ouço nenhum radialis-ta com a audiência que eu tive. Nem a metade. Nenhum locutor ou animador fazendo o sucesso que eu fiz, modéstia à parte”.

Há 16 anos, montou a Rádio Praia Grande FM enquanto ain-da trabalhava em Santos. Por um tempo, fez um programa no veículo praiagrandense com mú-sicas da Jovem Guarda. Hoje só administra. “Sempre trabalhei com a rádio. Era de dia, a rádio e a noite,os shows. Fiz animação de festas também, como o meu grupo : o Trio Maceió”. Depois, confessa que não sente saudade, acredita que tudo já passou.

Afirma que parar de trabalhar é ruim para a mente, ao mes-mo tempo que aparenta cansa-ço e conta que quase nunca sai. “ Não canto mais, quase nunca vou a uma festa junina. Perdi a

von-tade. A idade faz a gente perder a von-tade de muitas coisas, e s s a é uma. E a violência também.” Esse fator foi determinante para que ele deixasse de fazer shows. “Meus filhos não querem que eu viva isso. Na noite, fazendo show.

É perigoso.” Seus quatro filhos homens, nascidos aqui, são todos ligados à propaganda e ao mar-keting. A influência da cultura do pai se resume às músicas e algu-mas comidas.

Já voltou uma vez a Maceió, mas não quer tornar a morar lá. Só quando morrer. Sua família está em Osasco. “Saudade te-nho, mas essa saudade não me faz querer voltar ou visitar lá. Gosto daqui”. De vez em quan-do, come cuscuz e acarajé. f

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Em busca de uma vida melhor,muitos nordesti-nos deixaram casa pró-

pria e familiares para migrar para a Baixada Santista. Joana, foi um deles, segui seu irmão que veio primeiro e constituiu família. Praticamente toda a sua família migrou e se divide entre

Santos e São Vicente. Cidade onde depois de muito trabalho duro, Joana conseguiu construir sua casa própria na Vila Marga-rida.

Joana Passos Santos nasceu em Pedra Mole, Sergipe, veio para Santos depois de casada, acom-

panhou marido que já vivia na cidade. Os primeiros olhares dela foram de estranheza e ex-pectativa. “Lá, eu andava de quarenta minutos à uma hora para pegar água e lavar roupa, aqui pude usar chuveiro e ter água encanada na torneira”, conta.

O escritor, sociólogo e antro-pólogo pernambucano Gilberto Freyre que escreveu sobre a for-mação social brasileira e sobre o nordeste e elaborou um manifes-to regionalista nordestino disse que 'uma cozinha em crise sig-nifica uma civilização inteira em perigo de descaracterizar-se'.

Se depender de Joana, isso não corre o risco de acontecer. Ela, como muitos outros migrantes, apesar de anos fora de sua terra, continua com alguns, se não to-dos os hábitos alimentares que tinha lá. Seu prato favorito é a feijoada. A existência de muitos restaurantes e “Casas do Norte” espalhadas por essas nove cida-des também auxilia

A mudança leva muitas vezes à perda de alguns costumes seja por adaptação, preconceito ou por falta de hábito. Joana man-teve a culinária e o gosto por for-ró. A fruta colhida no pé é uma

Percorrendo estradaspara um futuro fora de casa

: Joana trouxe na bagagem o gosto pela comida de sua terra

das coisas que a deixam com saudade. Contudo, ressalta que se adaptou muito bem. Vivendo aqui há 33 anos, só pensou em voltar no começo, quando mora-va junto com o marido na casa do irmão e passou dificuldades. Trabalhou como sacoleira, fa-xineira, vendedora de porta em porta. Atualmente, é empregada doméstica na mesma casa, onde foi contratada, há 20 anos. Em todo esse tempo, visitou sua ter-ra três vezes.

Em comum com muitos outros conterrâneos, o marido de Joana tem o desejo de voltar para suas origens assim que se aposentar. Ela, por outro lado, discorda e diz que vai resolver isso só quan-do for necessário. “Eu não pre-tendo voltar, minhas filhas não gostam de lá e eu me acostumei aqui. Minha vida está aqui”. f

Texto e fotos: Natália Fifres

PERSONAGEM

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Por enquanto, o que existe é um sonho e um grupo de amigos que formam o que pode se tornar um embrião do projeto caso ele vingue, o Núcleo de Tradições Nordestinas Acrino Barbo-

za de Freitas, criado em 2010 por Del Bosco, vereador de Santos. O nome foi dado em homenagem ao migrante do Ceará que veio para Santos e fundou a Estrada Transportes.

Por enquanto a existência de um local físico para o Centro de tra-dições ainda não teve sucesso. O núcleo por outro lado, cresce com

a colaboração de cada um dos membros que tenta trazer mais um nas reuniões. Os encontros são sazonais, acontecem a cada dois meses reunindo os partici-pantes numa roda, na qual de maneira informal todos contam suas histórias de vida. Trimes-tralmente, há um almoço ou jan-tar.

“ Fico no pé para a criação do Centro, por isso o prefeito me chama de amigo dos nordesti-nos. Cubatão já se adiantou e faz uma festa anual. Santos tentou com uma coisa tímida com a fes-ta no Horto, que não existe mais.

Já visitei o de São Paulo [CTN]. Não podemos deixar as culturas acabarem e precisamos aproxi-má-las”.O vereador Rosis, com um que empreendedor tentar criar um es-paço que sirva não só para fomen-tar a cultura,mas sim, para atrair turistas estrangeiros e se trans-formar um ponto turístico. “Acho que o CTN deveria ser metropo-litano. Só Santos, São Vicente e Cubatão já abrigam muitos nordestinos. Sugiro que o ponta-pé inicial seja no Mercado Mu-nicipal com apresentações, uma festa mensal ou em alguma data especial”. f

Vereadores de Santos têm

projetos para montar um Centro de Tradições

Nordestinas

Nascidos em Santos, Marcelo Del Bosco e Marcus de Rosis tem em comum o contato com migrantes e o gosto pela culinária que transformou ambos em defensores da criação de um Centro de Tradições Nordestinas.

Texto e fotos: Natália Fifres

PROJETOS

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Entre os muitos mitos pro-pagados sobre a cultura nordestina, está aquele

que diz que a palavra forró é uma corruptela da expressão in-glesa for all (para todos). Alguns estudiosos garantem que, na verdade, forró é uma abreviação de forrobodó.A única coisa da qual se tem cer-teza é de que o forró é um esti-

lo em constante mutação desde as suas origens. Durante muito tempo ele foi visto como um rit-mo dirigido aos subletrados, a uma sub-raça. Tudo associado ao típico preconceito que o País cultiva aos pardos desde a época da colonização. Claro, Luiz Gon-zaga espalhou pelo Brasil sua mensagem de alegria, cantou suas lamentações e mostrou à

nação um nordeste que a pátria mãe fingia não ver. Depois de sua morte, no entan-to, nem mesmo Dominguinhos, seu sucessor, alcançou tamanha repercussão.

Tudo parecia indicar que o forró continuaria apenas como músi-ca folclórica regional ou limita-da a pequenos nichos e comuni-dades de migrantes nos grandes centros urbanos.

Até que em meados dos anos 1990 surge o tecnoforró. A nova geração de músicos, que havia crescido ouvindo Luiz Gonza-ga, Dominguinhos, Elba Rama-lho e tantos outros, mesclava o som da sanfona, do triangulo e da zabumba com equipamentos eletrônicos. A mistura entre a música eletrônica e o forró soou, para os puristas, de modo não muito agradável.

O novo formato acabou cain-do no gosto popular subsidiado pela veiculação em trilha sonora de novelas e a apresentações ao vivo em programas de auditório.

Para retirar o estigma de músi-ca de subletrados “criou-se” um novo rótulo, o forró universitá-rio. A moda pegou e os estabe-lecimentos que tocavam forró se espalharam por todo o Brasil.

Muitos pontos de espetáculo que já existiam foram se adaptando aos novos tempos. Um exemplo disso é casa de forró do músico Mingo Show. Esse é o nome ar-tístico de Domingos Evangelista de Oliveira, baiano da cidade de Porto Seguro. O ponto, que já era uma casa de forró havia 50 anos e se chamava Broto do Rojão, foi denominado, poste-

O forró que chegou às

: O baiano Domingos Evangelista de Oliveira à fren-te da mais famosa casa de espetáculo de música nordestina em Santos. Ele garante que não são ape-nas nordestinos que frequentam o local

Entrada do Mingo Show

É preciso enfrentar um jogo de escadas na entrada.

universidadesTexto e fotos: Fagner Alves

CASAS DE SHOW

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riormente, Cantinho Nordestino de Miguel da Capela. Em 20 de setembro de 1982, Oliveira rei-naugurou o espaço com o nome de Mingo Show.

O público alvo sempre foi o dos imigrantes nordestinos, ou como ele mesmo define, “o pessoal do Norte e Nordeste”. Quem fre-quenta a casa afirma que está sempre cheia. Mingo, como é co-nhecido por todos, explica que o Mingo Show tem lotação para 800 pessoas. “Tem gente que fica do lado de fora por falta de es-

paço”, diz Paula dos Santos, ma-nicure que frequenta o espaço “sempre que possível”.

O Mingo Show oferece apresen-tações de música sertaneja, tou-ro mecânico (esporadicamente), mas “o forró não pode faltar”, explica Mingo.

Débora Castro, natural de São Bernardo, residente em Santos há 20 anos, explica que as pes-soas “vão ao Mingo Show que-rendo forró”. Sendo assim, mes-mo quando a apresentação é de música sertaneja ou dance “nós

tocamos pelo menos meia hora de forró”, explica Mingo.

É comum ver jovens sem ne-nhum vínculo com o nordes-te frequentando o ambiente. Talvez uma amostra de que o preconceito contra o estilo vem diminuindo. “Hoje tem duas no-velas da [rede] Globo que tocam forró”, explica Mingo. Mas, se-gundo ele, o preconceito já vem diminuindo muito antes disso.

Com 800 pessoas aglutinadas num único ambiente é impossí-vel não pensar na segurança.

Depois de algumas doses sem-pre tem alguém que se excede.Lucimeire dos Santos, domés-tica, também frequentadora do

espaço diz que é comum ver al-gum segurança à paisana con-tendo alguém que bebeu demais. “O problema do espaço é que muitas pessoas bebem além do limite”, reclama Débora.

Apresentações de repentistas – como a dupla Caju e Castanha – não atraem grande público, se-gundo Mingo, mas “é importan-te trazer”, explica.

Hoje o público está mais interes-sado em shows de bandas como Saia Rodada, Calcinha Preta, Cavaleiros do Forró. O velho Luiz Gonzaga e seu forró de raiz vão sendo, gradativamente, substi-tuídos pelas novas gerações que aos poucos transformam o forró num estilo de música que chega, finalmente, às universidades. f

Bilheteria de entrada que fica ao topo da escada

Palco de apresentação da casa de espetáculos Mingo Show.