LiderançA CarismáTica Hoje

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Liderança Carismática Hoje Luiz Fernando Terra Tallarico

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Título: Liderança Carismática Hoje Autor: Luiz Fernando Terra Tallarico Editora: CopyMarket.com, 2000

Liderança Carismática Hoje

Luiz Fernando Terra Tallarico*

1. Introdução

Os fundamentos para o estudo sobre liderança carismática foram lançados por Max Weber. A definição que o mesmo oferece para o termo carisma refere-se “a uma certa qualidade da personalidade de um indivíduo, em virtude da qual ele é diferenciado dos homens comuns e tratado como dotado de poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanas ou, pelo menos, excepcionais”1. Ao conceituar a liderança carismática, a ênfase dada por Weber concentra-se na maneira pela qual o indivíduo é realmente visto ou percebido por aqueles que estão sujeitos a ela, seus seguidores ou discípulos. Essa perspectiva, deduzida da definição acima, focaliza a atenção do estudante do tema nas características psicológicas dos seguidores carismáticos.

Além disso, Max Weber destaca que “é um dever daqueles para os quais ele — o líder carismático — dirige sua missão, de reconhecê-lo como o seu líder qualificado”2. O poder do líder recebe este reconhecimento porque “ele está apoiado na devoção pelo extraordinário, pelo desconhecido e pelo o que é estranho a todas as regras e tradições, e que é visto, portanto, como divino. É uma devoção nascida da tensão e do entusiasmo”3.

{©Diferentemente da liderança racional - legal, que Weber aponta como característica das burocracias modernas, a dinâmica da liderança ou autoridade carismática não contempla nenhuma forma de procedimento para nomeação ou demissão, nenhuma carreira regulamentada, nenhuma política de salários, nenhum treinamento de especialistas, tanto para o líder carismático como para seus auxiliares e assessores imediatos. A autoridade carismática pode ser caracterizada, portanto, como fundamentalmente irracional, no sentido de que ela é alheia a todas as regras e, por isso, é rebelde e repudia o passado. Desse modo, a liderança carismática apresenta um inerente potencial revolucionário e transformador.

Os elementos contidos nessa definição inicial são suficientes para o estabelecimento de uma base conceptual para os objetivos deste trabalho:

a) focalizar a análise da liderança carismática, identificando a literatura relevante produzida:

b) delimitar esse foco no âmbito da estrutura global das sociedades, ou seja, investigar o amplo impacto institucional das lideranças e dos movimentos carismáticos, tratando extensivamente o fenômeno carismático na esfera política; e

c) desenvolver um modelo conceptual que possibilite o entendimento integrado da literatura e, conseqüentemente, a avaliação do valor atual do conceito de carisma.

* Professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB). 1 EISENSTADT, Samuel N., Max Weber: On Charisma and Institution Building : Chicago, University of Chicago Press, 1968. 2 Idem. 3 Idem, ibidem.

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2. Tendências da Literatura

Considerando a definição weberiana apresentada, inicialmente parece ser relevante concentrar a atenção nas palavras irracional e revolucionário, pela simples razão de que evidenciam uma dicotomia dialética no entendimento do fenômeno carismático, provocando o surgimento de duas tendências distintas para a análise do trabalho de Weber sobre o assunto.

A primeira dessas tendências focaliza a atenção nas características sociais e psicológicas do carisma e, em sua progressão analítica, tenta relacionar tais características como possíveis de serem encontradas somente nas sociedades menos desenvolvidas, porque apresentam elementos de sociedades tradicionais e de sociedades carismáticas, de acordo com a conceituação weberiana destes termos4. Resumidamente, o que é proposto por essa tendência é que, dado o estado de certas variáveis psicossociais em tais sociedades, elas apresentam uma cultura menos racional e, portanto, constituem o solo mais fértil para a ocorrência do fenômeno carismático do que as sociedades industrializadas modernas.

A segunda tendência enfatiza os aspectos inovadores, transformadores e revolucionários do fenômeno, propondo que o carisma é um fator muito importante a ser considerado na dinâmica de mudança, inovação e progresso em qualquer tipo de sociedade.

Essas duas correntes de pensamento não são representadas na literatura por grupos antagônicos e polarizados de autores. Pelo contrário, a maioria deles demonstra o reconhecimento de ambas as dimensões, mas, em geral, cada um enfatiza mais uma delas, mesmo que o próprio autor não o venha a fazer de maneira explícita. Pode-se perceber a validade dessa assertiva no confronto dos posicionamentos de vários autores, como se observa a seguir:

Tucker5 destaca a inovação como aspecto carismático mais perceptível, contudo, faz uma generalização quando afirma: “Movimentos carismáticos aparecem em formas de sociedade diferentes — democrática e autoritária, ocidental e não ocidental, altamente desenvolvida ou subdesenvolvida, economicamente”.

Por outro lado, Stark concorda, inicialmente, com a possibilidade de ocorrência de características inovadoras na manifestação de uma liderança carismática. No entanto, não concorda com a construção de uma definição de carisma unicamente em função da variável inovação. Esse autor concentra seu foco de análise na psicologia do carisma dentro de uma estrutura analítica que se baseia nas características polares de sociedades modernas e sociedades tradicionais. O ponto fundamental de indagação de Stark está na apresentação de uma dúvida sobre qual conjunto de características das sociedades oferece maior propensão ou condições psicossociais favoráveis para o surgimento de movimentos e líderes carismáticos. Embora seja possível, a partir da leitura de seu trabalho, deduzir que a tendência para a identificação de qualidades sobre-humanas, para a constatação da presença do sagrado e do divino e de outras caraterísticas indicadas por Stark, sejam um tipo de propensão e de atitude encontradas mais freqüentemente nas populações das sociedades tradicionais, podemos melhor aquilatar a perspectiva ampla desse autor nesta afirmação: “Não poderiam as contra-revoluções ser tão carismáticas quanto as revoluções? Eu penso que sim. E, do mesmo modo, a mera manutenção do status quo”6.

Shils concebeu uma nova abordagem para o estudo da liderança carismática. Afirma que existe uma propensão carismática, embora atenuada e mediada, que se manifesta no funcionamento rotineiro da sociedade; que essa propensão pode ser identificada pela atribuição de propriedades carismáticas a papéis comuns e seculares, a instituições e a estratos sociais. O autor demonstra essa ênfase quando elabora o conceito de institucionalização

4 Weber distingue três tipos de sociedade: a) Sociedade Tradicional, onde predominam características patriarcais e patrimonialistas, como a família, o clã, a sociedade medieval, etc.; b) Sociedade Carismática, onde predominam características místicas, arbitrárias e personalíssimas, como nos grupos revolucionários, nos partidos políticos, nas nações em evolução, etc.; e c) Sociedade legal, racional ou burocrática, onde predominam normas impessoais e uma racionalidade na escolha dos meios e dos fins, como nas empresas, nos estados modernos, nos exércitos, etc. In: CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. São Paulo : McGraw-Hill do Brasil. 2. ed., 1981, p. 208. 5 TUCKER, Robert. C., “The Theory of Charismatic Leadership”. Daedalus, Journal of the American Academy of Arts and Sciences.

Summer, l968. 6 STARK, Stanley. “Toward a Psychology of Charisma. The Innovation Viewpoint of Robert Tucker”, Psychology Reports. December,

1968, n. 23, pp. 1163-1166.

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do carisma, afirmando que “... organismos corporativos seculares, econômicos, militares e políticos, passam a possuir qualidades carismáticas simplesmente em virtude do poder fremente que neles está concentrado”7. Esse autor também adota uma posição ampla sobre o tema quando assim generaliza: “O carisma normal é um fenômeno ativo, efetivo e essencial para a manutenção da ordem rotineira da sociedade”8. A mesma posição é encontrada no trabalho de Sills para a Enciclopédia Internacional de Ciências Sociais9.

Marcus estuda o fenômeno carismático por meio do desenvolvimento do conceito de transcendência — esforço similar à idéia de centralidade proposta por Shils. Ele afirma: “... o herói carismático desempenha a função de agente para a identificação do Alter Ego com um estado transcendente”. E atribui ao carisma um papel definitivamente inovador na sociedade, quando diz: “O carisma tem sido um agente central para a canalização da luta por um break-through no processo histórico e para transformar a busca por transcendência, no mundo ocidental, em uma tremenda força de dedicação à sociedade”10.

Dow afirma que “o fenômeno carismático não é limitado a nenhum período histórico em especial ... o carisma não é novo nem velho, mas uma possibilidade presente em todos os tempos”11. Sua posição pode ser diretamente confrontada com a de Friedrich, que categoricamente, afirma: “Presentemente, a liderança carismática é de importância pequena, simplesmente porque a fé em um ser transcendental não é suficientemente forte ou generalizada para fornecer uma base adequada à legitimação de nenhuma liderança política ... serve para diferenciar a liderança política da religiosa — esta a sua área específica de operação”12.

A literatura específica sobre liderança carismática apresenta, também, uma postura de dúvida a respeito do tema, expressa por Ratnam, quando sugere que “a noção de carisma pode ser totalmente sem valor e imprópria, em muitos casos, para fornecer explicações ... Uma administração habilidosa pode desempenhar um papel muito importante na feitura de líderes”13.

Por outro lado, pode-se encontrar uma posição oposta, definitivamente a favor do papel do carisma como um instrumento de inovação na sociedade. Ela é adotada por Eisenstadt, quando postula: “... É no ato carismático que a criatividade do espírito humano é manifestada. Uma criatividade que, talvez em alguns casos, pode ser perigosa ou má. Tal criatividade tende a subverter e destruir as instituições existentes e explodir os limites por elas estabelecidos”14.

Este esforço de revisão bibliográfica, diante da escassa literatura sobre o tema, fez surgir a consciência da existência de uma grande variedade de opiniões, posturas, conceitos e posições até agora apresentadas. A confusão teórica encontrada, pelo menos aparentemente, gera no espírito investigador uma série de indagações, tais como: O conceito de carisma tem realmente alguma importância? É o carisma um fenômeno peculiar às sociedades tradicionais? Em que condições poderia tal conceito ser de importância para explicar fatos sociais e psicológicos nas sociedades ditas modernas, ou desenvolvidas? Como poder-se-ia entender e eventualmente classificar ocorrências de carisma em lideranças do passado? Qual a relevância e o significado do conceito nos tempos atuais? Como poder-se-á entender de maneira integrada os diversos posicionamentos dos autores? Haveria a possibilidade de desenvolver um entendimento mais compreensivo, sintético e integrado da literatura revista?

Procurando respostas a questões como essas, decidiu-se investigar a possibilidade de construir um modelo conceptual e analítico que, dentro de uma perspectiva histórica, pudesse significar uma compreensão integrada e global do fenômeno. Esse modelo deveria, também, procurar explicar as diferenças identificadas entre os autores que falam sobre o assunto. Certamente, é forçoso reconhecer que tal empreendimento ambicioso e, portanto, um trabalho dessa natureza tem grandes limitações. No entanto, representa uma tentativa plena de desafios e que poderá render ótimos resultados.

7 SHILS, Edward. “Charisma, Order and Status”. American Sociological Review. April, 1965, n. 30 (2), pp. 199-213. 8 Idem. 9 SILLS, D. L. (Ed. ) Interrnational Encyclopedia of the Social Sciences, New York : Macmillan, 1968, pp.386-390 10 MARCUS, John. “Transcendence and Charisma”. Western Political Quarter, 1961, n. 14, pp. 396-390. 11 DOW JR., THOMAS, E. “The Theory of Charisma”. Sociological Quaterly, 1969 (Summer) pp. 306-308. 12 FRIEDRICH, Carl J. “Political Leadership and the Problem of the Charismatic Power”, Journal of Politics, February, 1961, pp. 3-24. 13 RATNAM, K.J. “Charisma and Political Leadership”, Political Studies, 1964, n. 12, pp. 341-354. 14 EISENSTADT, Samuel N., op. cit.

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Nas páginas a seguir, apresentar-se-á o modelo que foi desenvolvido dentro desse espírito. Primeiramente, será descrito e conceituado o modelo para que, posteriormente, seja feita alguma tentativa de utilizá-lo na explicação de claras ocorrências de carisma no passado e, ainda, na análise de seu potencial para definir o fenômeno carismático nos dias atuais.

3. Modelo para o Estudo Integrado do Carisma

A estrutura conceptual básica que inspira o desenvolvimento do modelo compreensivo da liderança carismática decorre dos conceitos de vida e forma de George Simmel. De acordo com Simmel,

Pode-se ver no desenvolvimento da maioria das nações um conflito interno oriundo de um antagonismo entre e vida e a forma. O movimento criativo da vida numa civilização tende a expressar-se na lei, na tecnologia, na arte, na ciência e na religião. Embora o propósito dessas expressões seja completar e proteger a vida que as engendrou, elas revelam uma tendência inerente de seguir em direção e ritmos próprios, independentes e divorciadas das energias de vida que as trouxeram à luz15.

No momento de seu aparecimento, podem corresponder à vida que as criou, porém, à medida que se expandem, parecem cair em desconexão obstinada, num estado mesmo de oposição. Estão destinadas a se tornarem rígidas, a se manterem por si mesmas e a adotarem medida de impenetrabilidade. Tendem, assim, a adquirir continuidade, até mesmo um caráter perpétuo, numa palavra, tornam-se formas. Sem essas formas, a vida criativa não poderia ter se manifestado. Ela as produz continuamente. Todavia, continua fluindo como uma torrente incessante, engendrando eternamente novas formas, mas opondo-se imediatamente a elas, em sua solidez e permanência16.

Na formulação do modelo que se segue, serão usados os conceitos de vida e forma partindo-se da definição apresentada por Simmel. A orientação básica para construção do modelo estrutura-se no pressuposto de que impulsos de vida, que naturalmente ocorrem na história humana, sejam muito provavelmente desencadeados por movimentos carismáticos, ou simplesmente por lideranças carismáticas tópicas, e que, ainda, o carisma pode atuar como um instrumento para a manifestação da vida em determinados momentos da história das civilizações. Por outro lado, a rotinização e a institucionalização do carisma17 constituem-se uma forma que se segue à manifestação de vida. Assim, estaria formado um ciclo contínuo de ocorrência ou manifestação do fenômeno carismático, que passaria a assumir características específicas e diferenciadas, de acordo com o ponto ou o momento histórico de manifestação de vida ou forma a que ele se referir.

Dentro desse contexto, o modelo atribui ao termo rotinização do carisma uma dimensão adicional em relação ao seu significado de origem. O termo não se refere ao conceito restrito de sucessão do líder carismático — como Weber inicialmente o concebeu. Ele passa a incorporar o conceito de carisma institucional como Shils efetivamente o usou: “o carisma inerente à organização maciça da autoridade”18.

A concepção do modelo que tem a possibilidade de explicar amplamente e de maneira integrada o fenômeno carismático é apresentada graficamente na Figura 1. Nesse diagrama simplificado, o fluxo dos eventos históricos na sociedade é representado por meio da linha horizontal, na parte inferior da figura, sendo que o passar do 15 SIMMEL, George, apud PAPPEHEIM, Fritz, A Alienação do Homem Moderno. São Paulo : Brasiliense, 1967. 16 Idem. 17 SHILS, E. , op. cit. 18 Idem.

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tempo progride da esquerda para a direita. Nesse modelo, dois impulsos de VIDA são cobertos pelo período focalizado, presumindo-se que eles sejam decorrentes de movimentos carismáticos, chamados de Carisma 1 e Carisma 2, que ocorrem em pontos diferentes na escala temporal. A expressão de VIDA manifesta-se no ápice da força do movimento carismático, ou seja, no ponto B, existente em ambos os extremos da Figura 1. Ao redor de cada um desses dois pontos há um semicírculo que define a intensidade da influência do Carisma Pessoal ou da Liderança Carismática. Desse modo, a probabilidade de ocorrência, ou aparecimento de um movimento carismático aumenta quando a história da sociedade se movimenta do ponto A para o ponto B, na referida figura. O modelo contempla a possibilidade de que, durante o decurso de tempo de A para B, muitas lideranças com certas características carismáticas poderão existir, sendo esse fato naturalmente compreensível por se tratar de um momento de expressão de Carisma Pessoal. No entanto, ao atingir o ponto B, a propensão carismática total, existente na sociedade, cristaliza-se de modo a permitir o desenvolvimento de um único e amplo movimento político-social comandado por uma liderança carismática forte, ampla e abrangente. Essa liderança tem o papel de tornar explícitos os ideais básicos do movimento que, de acordo com o modelo, referem-se à imanente manifestação de VIDA naquele ponto específico da história. A força ou intensidade do movimento carismático, após o ponto B, tenderá a diminuir gradativamente até atingir o ponto C, quando se extingue totalmente em termos de subordinação e reverência direta à liderança carismática que se manifestou intensamente no ponto B. No entanto, antes que o ponto C seja atingido, o impulso de VIDA inicial já desencadeou o seu processo de formalização, já passou a assumir FORMA — esta é a razão porque o período de rotinização e institucionalização principia antes do ponto C. Durante esse período de rotinização e institucionalização, que se desenvolve a partir da manifestação da liderança carismática no ponto B, a sociedade passa por um período de criação, inovação e desenvolvimento institucional e organizacional muito intenso. Esse desenvolvimento é inspirado e dirigido por ideais e objetivos sociais contidos em Carisma 1 e VIDA 1, representando o esforço no sentido de sua formalização e implementação no seio da sociedade.

A duração desse período de rotinização e institucionalização não pode ser prevista ou predeterminada. Ela dependerá diretamente da propensão carismática da sociedade, refletida pelo impacto que a liderança carismática tem sobre sua população, e do grau de adequação das formas desenvolvidas com as idéias e ideais contidos em Carisma 1 Ainda, dependerá largamente da capacidade que a estrutura institucional criada venha a desenvolver para irradiar e manter o seu próprio carisma. No modelo há um pressuposto básico de que o período de rotinização e institucionalização seja caracterizado por um nível mais intenso de racionalidade, contrastando com as características de predomínio da emotividade evidenciadas no período de Carisma 1 - ou zona de influência do Carisma Pessoal.

Quanto mais eficaz e bem - sucedido for o período de institucionalização, em termos de aproximação e adequação aos ideais que o geraram, maior será a intensidade do Carisma Estrutural. Tal acontecimento poderá ter o potencial de gerar seguidores carismáticos da forma institucional atingida, não só na sociedade onde ocorreu Carisma 1, mas, também, poderá acarretar o surgimento de seguidores em outras sociedades. Desse modo, o arranjo específico de instituições, concebido por uma sociedade, pode ser irradiado e, portanto, influenciar outras sociedades, na mesma direção ou, talvez, em direção oposta na construção e no desenvolvimento.

O período de institucionalização atinge seu pico no ponto de maior intensidade do carisma estrutural. Depois desse ápice, existe uma tendência para a diminuição na sua intensidade que, gradualmente, irá atingir níveis menos significativos. No ponto A de Carisma 2, as características carismáticas do período de institucionalização de Carisma 1 estão quase que desaparecidas. Então, passam a surgir condições que constituem solo fértil para ocorrência de um novo movimento carismático em Carisma 2. Esse novo movimento poderá vir a ocorrer como uma reação contrária a Vida 1, causada por uma mudança e transformação no sentido da manifestação de um novo impulso de vida: Vida 2. Ele poderá, também, representar um retorno à Vida 1, da qual as formas institucionais engendradas se distanciaram e, portanto, propor uma nova forma para sua expressão mais fiel. De qualquer maneira, nesse momento, a força carismática está localizada em Carisma 2, que é uma nova fase de manifestação de Carisma Pessoal, podendo expressar Vida 1 ou Vida 2.

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A idéia contida no modelo apresentado sugere que existe uma repetição dos padrões mencionados, sob a forma de ciclos de história e de manifestações carismáticas. Contudo, não é objeto deste trabalho adotar, de maneira normativa, essa proposição. A vantagem desse modelo é que, de imediato, permite a avaliação das diferentes contribuições existentes na literatura sobre o fenômeno carismático, dentro de um quadro integrado para sua compreensão. A construção do modelo teve esse objetivo como fundamental e, subsidiariamente, espera-se que o mesmo possibilite o desenvolvimento de um concepção teórica coerente, em que as várias abordagens encontradas podem ser apenas aparentemente divergentes, mas que, de fato, referem-se a aspectos distintos, específicos e separados de uma mesma realidade.

4. Uma Tentativa para a Compreensão Integrada na Literatura

O modelo apresentado tem como pressuposto o conceito de que as sociedades humanas são, por natureza, dinâmicas. Por isso, os processos de mudança ou transformação ocorrem constantemente, de maneira não previsível. Em alguns casos, a mudança pode ocorrer de modo mais radical, induzindo a sociedade à adoção de um novo arranjo institucional, de uma nova forma de organização social. Em outros casos, a mudança pode decorrer de um esforço social direcionado à restauração e recondução da mesma sociedade a formas institucionais que já existiram no passado. Ainda, a mudança pode ocorrer em função de ser atribuída uma ênfase, ou uma nova dimensão à forma existente, voltada para a manutenção do status quo. Desse modo, a seguinte afirmação de Stark19 justifica a estrutura do modelo apresentado : “Revoluções, contra-revoluções ou a simples manutenção do status quo podem ser igualmente carismáticas”.

Como o modelo considera o carisma dentro de uma perspectiva global da sociedade, quando ele se refere ao movimento carismático, está focalizado na ocorrência do fenômeno na vida política da sociedade. Dentro desse ponto de vista, para que qualquer movimento possa ser considerado realmente carismático, deve dirigir-se para o “centro da sociedade”. Como Shils observa, o centro é um fenômeno da esfera dos valores e das crenças. É o centro da ordem, dos símbolos, dos valores e das crenças que governam as sociedades20. A qualidade carismática está naquilo que é considerado como em conexão com algumas características muito centrais da existência do homem e do universo em que ele vive 21.

O conceito de centralidade de Shils guarda semelhança com o conceito de transcendência que foi expresso por Marcus, Dow e Friedrich. Marcus escreveu:

Os valores característicos do século XIX, liberalismo, socialismo, nacionalismo, positivismo científico e a fé romântica na boa vontade, redundaram em uma procura, em termos históricos, pelo objetivo da transcendência. A projeção de uma perspectiva peculiar da evolução dos eventos passados transforma-se na imagem idealizada da sociedade no futuro”22.

Diante disso, parece ser possível integrar os conceitos de centralidade e transcendência ao modelo apresentado, exatamente nos momentos de ocorrência dos movimentos carismáticos, em Carisma 1 e Carisma 2, na esfera de influência do Carisma Pessoal. A procura por uma imagem idealizada para a sociedade no futuro, a conexão com a esfera dos valores e das crenças dos indivíduos parecem estar intrinsecamente contidos na definição da missão

19 STARK, S., op. cit. 20 SHILS, E. , op. cit. 21 SILLS, D.L., op. cit. 22 MARCUS, J., op. cit.

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dos movimentos carismáticos. Essa missão é a de conduzir a sociedade na direção de certos ideais e valores básicos. Desse modo, os pontos de manifestação de Vida 1 e Vida 2, no modelo, compreendem uma ligação com algum ideal transcendente, com um valor central que necessita ser expresso na sociedade. Portanto, nos momentos Carisma 1 e Carisma 2 do modelo, os conceitos de centralidade e de transcendência assumem característica especial, pois devem transformar-se em uma proposição concreta de forma a ser adotada pela sociedade.

Para que possam ser transformados em momentos de relevância histórica, Carisma 1 e Carisma 2 devem gerar movimentos políticos que concitem profundo envolvimento psicológico da maioria dos membros da sociedade; movimentos comparáveis à ascensão do Nazismo na Alemanha, do Comunismo na Rússia, da Democracia nos Estados Unidos, ou do socialismo em Cuba. Por isso, as idéias e os valores centrais ou transcendentes enfatizados pelo movimento carismático devem guardar profunda correspondência com os traços fundamentais da cultura da sociedade, até aquele ponto específico de sua história. De alguma maneira, o movimento carismático deve estar estruturado com base em valores, crenças do povo e no conhecimento acumulado pela sociedade. Pode ocorrer que, no futuro, o movimento se desenvolva por meio de formas que venham a se opor à sua cultura e aos seus valores. Também, o movimento carismático pode transformar a cultura, fazê-la mais rica ou mais pobre, contudo, em seu início ele se coloca como uma expressão ampla e abrangente da cultura presente.

No modelo apresentado, há uma área sombreada, formando um semicírculo, contendo os pontos A, B e C, situados dentro das posições que englobam Carisma 1 e Carisma 2. Do ponto A ao ponto B está caracterizado um intervalo de tempo que imediatamente antecede a eclosão do movimento carismático. Nesse período, as condições necessárias para a ocorrência de manifestações carismáticas intensificam-se gradativamente — as variáveis psicossociais relacionadas com o fenômeno carismático estão presentes na sociedade, nesse ponto específico do modelo.

Essa fase pode ser comparada, também, com as características que o historiador Arnold Toymbee atribui para o período que antecede a eclosão de um novo ciclo de civilização. Há uma explosão de emoções que encontra expressão na intensificação da atividade artística e na busca místico-religiosa, que passam a predominar no comportamento humano em sociedade. Qualquer que tenha sido a forma que a sociedade tenha adotado anteriormente, haverá, nesse momento, uma tendência para o comportamento tradicional, pessoal e comunitário. O movimento de nova vida que se inicia, começa a ser engendrado por essa predisposição psicológica pelo imponderável, pela mística, pela esperança, pela busca do belo, dos prazeres, enfim, pelo que nunca foi tentado. O envolvimento psicológico, nessa fase, pode chegar a níveis intensos de fanatismo exagerado e um sentimento profundo, dele decorrente, pode, pouco a pouco, atingir os vários estratos sociais, as várias esferas de atividade humana. Em termos finais, esse sentimento é vivificado pelas limitações que a forma institucional reinante tem para satisfazer as novas necessidades percebidas e, então, transforma-se na sensação de que “as coisas estão erradas”, de que “tudo está ruim”, de que “a forma atual assumida pela sociedade é altamente indesejável, por ser inadequada, injusta, corrupta”. Desse modo, surgirá, em algum momento da vida social, o sentimento coletivo de que um sério desafio deve ser enfrentado. Então, a propensão para a ocorrência de um movimento carismático passa a existir, nos pontos Carisma 1 e Carisma 2.

Nesse ponto do modelo, quando ocorrem movimentos revolucionários ou movimentos de restauração, está previsto o surgimento de uma percepção, por parte dos membros da sociedade, de que a mesma está desviando de certos valores centrais ou transcendentais, de grande importância. Surge uma crescente desconfiança com relação à liderança atual e, por isso, um comportamento de busca de uma nova liderança que tenha a possibilidade de trazer a esperança de reajuste e melhoria da situação, elaborando uma proposta de transformação com maior probabilidade de atingir os valores e as crenças transcendentais relacionados ao novo impulso de VIDA que pretende, deve ser expresso.

Desse modo, os sentimentos e percepções que criam as condições para a ascensão de uma nova liderança carismática são intensificados nesse ponto, ao mesmo tempo em que decresce o apelo carismático, ou a força de envolvimento, da forma que está institucionalizada na sociedade. A sensação, no seio da sociedade, de que algo está errado, ruim ou não é desejado, já reflete que o carisma, ou a ligação psicológica, que mantém a legitimação da forma institucional vigente está tendendo a decrescer, ou mesmo a desaparecer. Então, essa mesma estrutura

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institucional presente, que já foi vista com devoção, por força de envolvimento carismático passado, começa a ser vista como insuficiente, problemática, ou talvez, infiel ao impulso de vida que a gerou. Surge, dessa maneira., uma propensão na sociedade para mudar, transformar ou reformar a estrutura institucional. Tanto as proposições de volta ao passado, como as de ruptura com esse passado para atingir formas inovadoras, são viáveis, nesse ponto do modelo.

De modo resumido, pode-se dizer que, os pontos do modelo que se encontram na área que antecede o Ponto A, em Carisma 2, são pontos de carisma estrutural, ou institucional, decrescente. Os pontos entre A e C caracterizam a propensão para a ocorrência de Carisma Pessoal, ou seja, para o surgimento de líderes com personalidade carismática. Os pontos situados entre o Ponto C, em Carisma 1, e o Ponto A, em Carisma 2, constituem a curva de rotinização e institucionalização de Carisma 1. Essa área é caracterizada pela ocorrência de Carisma Estrutural ou Institucional.

5. Carisma Pessoal

Continuando a descrição do modelo apresentado, pode-se considerar que área sombreada, nos pontos Carisma 1 e Carisma 2, indica a possibilidade de ocorrência de liderança carismática. Isso quer dizer que o modelo contempla a possibilidade de surgimento de um ou mais líderes carismáticos. No entanto, o modelo sugere que somente uma liderança forte, consistente e abrangente, nesse período, será capaz de transformar o potencial de mudança existente na sociedade em um momento histórico de realização dos valores, ideais e expectativas existentes no seu seio. Portanto, esse ponto do modelo pressupõe a evolução de uma situação potencial para uma situação real de liderança carismática. Essa liderança somente será eficaz por meio da sua capacidade de converter o potencial em realidade. Esse processo será sempre baseado no carisma de uma ou mais lideranças pessoais.

É impossível determinar a duração do período de carisma pessoal. Além disso, pode também acontecer o surgimento de uma quantidade indeterminada de lideranças carismáticas de importância limitada quanto à sua esfera de influência, uma vez que existe o potencial para que isso aconteça. Tais lideranças podem ou não estar dirigidas para objetivos e mensagens homogêneas. Ao atingir o Ponto B, no entanto, o modelo prevê o aparecimento de uma liderança que venha a desenvolver as bases para a manifestação do impulso de vida , definindo as formas iniciais para o novo ciclo carismático na esfera política.

Contudo, pode ocorrer que uma sociedade nunca atinja o Ponto B e, desse modo, entre em um círculo vicioso em que, continuamente, sejam produzidas lideranças menos relevantes e limitadas, não acontecendo o surgimento de uma liderança na esfera política que venha transformar amplamente a sociedade, induzindo a participação da maioria de seus membros como realizadores de uma mensagem carismática ampla, coerente e homogênea.

Assim sendo, na área de influência do Carisma Pessoal, do modelo apresentado, é admitida a possibilidade de ocorrência de muitas lideranças carismáticas, mas aquela liderança que passará a expressar a intensidade total do potencial carismático em um movimento político abrangente está localizada exatamente no Ponto B. Por essa razão, talvez, é que existam referências constantes aos pais do comunismo na Rússia, embora, na realidade, somente uma forte liderança carismática tenha sido decisiva para sua implementação. Do mesmo modo, nos Estados Unidos, existiram os pais da democracia Americana. Provavelmente, foram eles homens carismáticos que levaram a sociedade, em impulsos cumulativos, à construção de um ideal, um valor transcendental e central baseado nas crenças, valores e cultura do povo americano.

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Na zona de influência do Carisma Pessoal do modelo, pode ocorrer um círculo vicioso, com grande probabilidade de ser identificado no contexto de sociedades tradicionais ou países em desenvolvimento. Tais sociedades não tiveram um movimento carismático relevante capaz de transformar suas histórias no sentido da realização de valores, crenças e ideais abrangentes e amplos. Pode-se considerar que as culturas de tais sociedades não atingiram níveis de homogeneidade suficientes para produzir um movimento carismático relevante, transformador de suas histórias. Portanto, uma sociedade tradicional poderá produzir somente lideranças carismáticas irrelevantes e secundárias, do ponto de vista de abrangência da sociedade como um todo. Poderá continuamente liberar a propensão carismática latente em expressões religiosas regionais, em seitas as mais variadas, nos esportes nacionais, nos profetas e artistas regionais, nos políticos demagogos, em atitudes fanáticas em geral, ou em qualquer outro objeto. Contudo, parece que sempre haverá um permanente desafio a ser enfrentado na esfera política. O círculo vicioso do carisma evidencia-se pela frustração existente exatamente nessa esfera, e isto é compensado, de certo modo, pela dedicação a objetos secundários de carisma.

6. Carisma Estrutural ou Institucional

As sociedades industriais modernas e desenvolvidas constituem uma realização da humanidade e atingiram seu ápice neste século XX. Portanto, elas apareceram muito recentemente, em termos históricos, e atingiram uma situação de grande desenvolvimento econômico após a ocorrência de alguma forma de envolvimento de suas populações em uma ação social, que incluiu o exercício de participação, de cidadania. Com certeza, esse envolvimento da população, quando ocorreu, sempre esteve voltado para o atingimento de ideais centrais como o de Justiça, Liberdade, Democracia, etc.

Este trabalho tem como base a hipótese de que os ideais centrais mencionados foram propostos por lideranças carismáticas que surgiram no cenário das sociedades desenvolvidas. Na realidade, começaram a tomar forma após o surgimento dessas lideranças carismáticas, como conseqüência da necessidade de colocá-los em prática. Hoje, os ideais contidos nos movimentos iniciais de tais sociedades já tomaram forma, foram estruturados e institucionalizados como parte do processo de desenvolvimento que, em sua essência, é a transformação de ideais em formas específicas.

O processo de institucionalização geralmente começa a se desencadear durante o período em que o líder carismático ainda está vivo, pois sua função principal é exercida porque seus seguidores acreditam que ele detém a capacidade de dar forma a ideais defendidos pela maioria dos membros da sociedade. Desse modo, o início embriônico desse processo de estruturação e institucionalização (forma) ocorre com a conquista do poder formal, na sociedade, pelo movimento carismático, no momento em que seu líder central começa a influenciar e a governar a sociedade e, geralmente, o Estado. Portanto, na sua origem, o novo arranjo organizacional e institucional concebido está baseado nas idéias centrais de um movimento carismático.

O processo de institucionalização determina a maneira pela qual a honra social, o prestígio, os status, o sistema de deferência e, principalmente, os bens e serviços econômicos devem ser distribuídos na sociedade entre os diferentes grupos, ou estratos sociais, que nela participam. Desse modo, a ordem legal, a ordem social e a ordem econômica são estabelecidas. Com isso, algumas posições passam a ser mais valorizadas na sociedade e, portanto, passam a ser gratificadas com maior poder, prestígio e valor econômico. A distribuição de poder, prestígio e bens econômicos é baseada no grau em que as funções e posições ocupadas auxiliam a manutenção e desenvolvimento das idéias centrais do sistema institucional que está tomando forma.

Pode-se considerar, sem maiores dúvidas, que o processo de institucionalização ocorrido nas sociedades industriais deste século está sendo marcado pela utilização de um alto nível de racionalidade. Com isso, o

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desenvolvimento da ciência e da tecnologia atingiu pontos nunca antes imaginados de evolução e realização. O uso da racionalidade levou à organização racional do trabalho e, assim, a sociedade foi estabelecida por novos e diferentes padrões de relações sociais. A ciência, a tecnologia e o uso intensivo da racionalidade assumiram crescente importância devido a processo de institucionalização estabelecido. Paralelamente, o envolvimento religioso e os processos emocionais decresceram em intensidade de uso e em importância, devido a seus fundamentos não - racionais e não - científicos.

No momento atual, a ciência está colocada em uma posição das mais relevantes como causadora de todo o processo básico de conhecimento que tem levado as sociedades humanas mais desenvolvidas a grandes realizações materiais. Como corolário, poder-se-ia dizer que não tem havido lugar para o envolvimento emocional necessário para a eclosão de movimentos carismáticos23. Por isso, encontramos, na literatura sobre carisma, uma linha de pensamento como a de Schlesinger, que diz: “ O uso de carisma, como em Weber, demonstra sua irrelevância para o mundo técnico moderno”24.

Essa posição de Schlesinger é aqui questionada por meio do conceito de Carisma Estrutural ou Institucional que pode oferecer uma nova perspectiva para a análise da existência de propensão carismática em populações pertencentes a sociedades industrializadas contemporâneas.

O processo de estruturação e institucionalização das idéias centrais de um movimento carismático é entendido neste trabalho, como transformador da mensagem ideal inicial em forma, ou seja, em um conjunto peculiar de organizações e instituições que começam a operar na sociedade. Esse novo arranjo institucional define novas funções e novos papéis, ligados à prática dos novos conhecimentos atingidos pela sociedade.

Desse maneira, estabelecem-se novos padrões de estratificação social, surgindo uma tendência crescente para atribuir propriedades carismáticas a papéis sociais, a certas organizações e instituições e, mesmo, a todo o conjunto de instituições existentes na sociedade. Nesse sentido é que se torna possível entender a afirmação de Shils: “Parece-me que uma propensão carismática atenuada, mediada e institucionalizada está presente no funcionamento rotineiro da sociedade. Há na sociedade uma disposição generalizada para atribuir propriedades carismáticas a papéis seculares comuns, instituições, símbolos e estratos ou agregados de pessoas25.

Na realidade, o carisma pode não somente subverter e revolucionar uma sociedade. O carisma pode, quando ocorre em nível de Carisma Estrutural ou Institucional, conservar e manter os padrões ou formas atuais implementadas. Assim, no modelo aqui apresentado, o período definido como institucionalização e rotinização marca a existência de Carisma Institucional ou Estrutural em uma sociedade. Isso significa que o arranjo organizacional e institucional atingido passa a ser considerado, visto e percebido por envolvimento emocional, ou seja, carismático, e os seguidores carismáticos, nesse período, tendem a atribuir a tal arranjo qualidades excepcionais, duradouras e mesmo transcendentais, dignas de adoração e veneração.

A diferença fundamental entre as fases de Carisma Pessoal e Carisma Estrutural ou Institucional, no modelo apresentado, é que, enquanto o primeiro contempla a transformação social, revolucionária ou contra-revolucionária, o último preconiza a preservação e manutenção do status quo, advogando a continuidade da forma institucional atingida.

7. O Modelo e o Momento Atual

O modelo apresentado pode ser considerado, atualmente, na sociedade do século XX, como um instrumento para um exercício intelectual, um meio de fornecer elementos para compreensão mais profunda de certos

23 No entanto, Daniel Goleman em seu livro Inteligência Emocional (Rio de Janeiro : Objetiva, 1996), já indica uma nova postura da

Psicologia que, com base em pesquisa, estabeleceu as interações fundamentais entre os processos de inteligência racional e de inteligência emocional.

24 Como está citado em Dow Jr. Thomas E. op. cit. 25 SHILS, E., op.cit.

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fenômenos que estão ocorrendo. Este período de nossa história pode ser entendido por meio de uma dicotomia básica: um final de ciclo histórico que tende para o rompimento dos padrões tradicionalmente existentes e que convive com o dealbar de um novo ciclo, inegavelmente baseado no conhecimento, na ciência e na tecnologia, tão rapidamente desenvolvidos neste século, e que constituem os fundamentos básicos para a geração de um novo conceito de homem de sociedade, ambos eivados de novos padrões de comportamento humano e social.

A percepção dos fatos sociais atuais permite, com certo nível de clareza, contemplar a coexistência do fim de um velho ciclo histórico e do início de um novo ciclo histórico de civilização. O velho ciclo é caracterizado fundamentalmente por uma inclinação definitiva no sentido do comportamento competitivo, beligerante, voltado para o conflito e a realização individual. O novo ciclo, ou a nova vida que se manifesta, é inclinado para o comportamento cooperativo, ou simbiótico, mais fraternal, voltado para a realização grupal ou coletiva.

O Velho Ciclo carismático/competitivo já teve seu movimento de Carisma Pessoal no nível político que se manifestou também em grandes guerras e conflitos, durante mais de dois mil anos. O seu estertor culminou com o carisma institucional ligado às manifestações políticas e ideológicas do liberalismo e do individualismo, como deturpação do carisma pessoal que deu vida a esses movimo impulso de vida , definindo as formas iniciais para o novo ciclo carismático na esfera política.

Contudo, pode ocorrer que uma sociedade nunca atinja o Ponto B e, desse modo, entre em um círculo vicioso em que, continuamente, sejam produzidas lideranças menos relevantes e limitadas, não acontecendo o surgimento de uma liderança na esfera política que venha transformar amplamente a sociedade, induzindo a participação da maioria de seus membros como realizadores de uma mensagem carismática ampla, coerente e homogênea.

Assim sendo, na área de influência do Carisma Pessoal, do modelo apresentado, é admitida a possibilidade de ocorrência de muitas lideranças carismáticas, mas aquela liderança que passará a expressar a intensidade total do potencial carismático em um movimento político abrangente está localizada exatamente no Ponto B. Por essa razão, talvez, é que existam referências constantes aos pais do comunismo na Rússia, embora, na realidade, somente uma forte liderança carismática tenha sido decisiva para sua implementação. Do mesmo modo, nos Estados Unidos, existiram os pais da democracia Americana. Provavelmente, foram eles homens carismáticos que levaram a sociedade, em impulsos cumulativos, à construção de um ideal, um valor transcendental e central baseado nas crenças, valores e cultura do povo americano.

Na zona de influência do Carisma Pessoal do modelo, pode ocorrer um círculo vicioso, com grande probabilidade de ser identificado no contexto de sociedades tradicionais ou países em desenvolvimento. Tais sociedades não tiveram um movimento carismático relevante capaz de transformar suas histórias no sentido da realização de valores, creimentos ideológicos já não têm diferenças fundamentais. No Velho Ciclo, as idéias iniciais já tomaram forma e ainda motivam indivíduos competitivos e que definem a realização da vida como um contínua busca material. As bases do Novo Ciclo estão lançadas pela crescente realização de novo conhecimento, não só teórico e conceptual, mas também, prático, porque vivenciado por grandes contingentes de pessoas. O Novo Ciclo aguarda a manifestação de lideranças carismáticas para a definição de sua estruturação inicial. Contudo, pode-se antecipar que sua ênfase inovadora estará votada para a integração entre a razão e a emoção.

Pode-se até conjeturar que, por força do elevado conhecimento disponível atualmente, a passagem de ciclo seja feita como uma evolução natural da humanidade a novos paradigmas ainda não explorados. Na realidade, essas ilações não estão ligadas à elaboração de solução para as questões humanas atuais. Buscam, sim, investigar sumariamente o potencial analítico do modelo e isso nos indica que, muito provavelmente, as sociedades humanas estejam bem próximas, senão já, dentro de uma fase de Carisma Pessoal. Isso pode ser antevisto pelas incríveis manifestações carismáticas com relação a seitas e religiões, caracterizadas por fanatismo irracional — o que constitui o polo oposto da emotividade equilibrada pela razão, e da razão equilibrada pelas emoções nobres, superiores, humanitárias e altruístas. Isso porque, de uma certa maneira, existe o sentimento de que as coisas não estão corretas. Pode-se dizer que as condições psicossociais para a ocorrência de Carisma Pessoal estão presentes na sociedade. Há uma explosão de emoções que podem ser expressas em atividade artística intensificada e em profundo sentimento religioso que passa a permear a sociedade. No entanto, os sentimentos e percepções que

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criam condições para a ascensão de uma nova liderança carismática voltada para o Novo Ciclo somente serão intensificados quando o apelo carismático do Velho Ciclo (da forma institucionalizada) vier a decrescer.

Portanto, o modelo permite uma simplificada análise da situação atual da sociedade humana, mas também, pode mostrar-se, da mesma maneira, eficiente para estudar pequenos grupos e pequenas comunidades humanas. O próprio modelo é aqui colocado como sujeito a modificações e ajustes, para que, futuramente, permita a elaboração de análises com várias amplitudes e dimensões. Sua apresentação é feita no momento de sua concepção, com as limitações e restrições de um trabalho inicial.

8. Conclusão

Como se pretendeu inicialmente, este trabalho procurou estabelecer uma base para entendimento de contradições encontradas na literatura sobre carisma e que, de acordo com o modelo apresentado, parecem ser contradições apenas aparentes. O Carisma pressupõe um envolvimento emocional e, portanto, não racional do seguidor carismático quando ele ocorre na área de Carisma Pessoal do modelo apresentado. Nesse caso, o movimento carismático pode ser revolucionário quando se opõe à ordem estabelecida, ou seja, ao sistema institucionalizado. Pode, também, ser contra-revolucionário, quando propõe o retorno a uma forma institucional já adotada em algum momento no passado. Portanto, quando os vários autores da literatura citada falam sobre irracionalidade, características inovadoras ou criativas da liderança carismática, e outras condições afins, seus conceitos e análises estariam, muito provavelmente, referindo-se a ocorrências dentro da zona de Carisma Pessoal.

O Carisma Estrutural, como definido por Shils, por outro lado, atua de maneira conservadora e objetiva preservar o status quo, ocorrendo unicamente durante os períodos de institucionalização que permeiam e, certamente, são mais duradouros do que as ocorrências de Carisma Pessoal. A racionalidade idolatrada é uma das manifestações carismáticas ligadas ao carisma institucional da sociedade humana atual. A idolatria das formas institucionais vigentes é expressa pelas atitudes e, muito mais, pelo comportamento efetivo do seguidor carismático atual. Para o modelo apresentado, parece não existir qualquer diferença entre a fé (cega) em um líder e a idolatria (cega) em instituições, sob o ponto de vista do estado das variáveis psicológicas individuais.

Na literatura consultada, há autores que se limitam a negar a validade do conceito de carisma para as sociedades industrializadas “modernas”. Consideram que somente pode existir Carisma Pessoal expresso em movimentos carismáticos amplos e que ocorrem onde o nível de conhecimento é baixo, onde a irracionalidade é mais intensa, ou seja, nas sociedades subdesenvolvidas. Tais autores deixam fora de suas concepções teóricas a possibilidade de ocorrência de Carisma Estrutural ou Institucional que, como o modelo indica, pode ocorrer em sociedades ditas desenvolvidas, modernas e industrializadas.

Portanto, pode-se concluir que a ocorrência de Carisma é uma possibilidade presente em todas as épocas e em qualquer tipo de sociedade, de acordo com o modelo desenvolvido. Por isso, pode constituir-se em um instrumento útil para análise da situação da sociedade humana atual.

Não se deve perder de vista que o objetivo principal do modelo é compreender de forma integrada a literatura existente, partindo do pressuposto de que a oposição dialética entre Vida e Forma determina estágios, ou fases, em que as diferentes manifestações de Carisma são possíveis de ocorrer. Embora este seja um trabalho inicial, não deixa de propor uma base para discussão mais ampla sobre o tema.

9. Bibliografia

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