[Livro UFSC] Organização Escolar (2)

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Organização Escolar Florianópolis - 2011 Roseli Zen Cerny Ana Maria Borges de Sousa Terezinha Maria Cardoso Período

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Organização Escolar (2)

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  • Organizao Escolar

    Florianpolis - 2011

    Roseli Zen CernyAna Maria Borges de SousaTerezinha Maria Cardoso6

    Perodo

  • Governo FederalPresidncia da RepblicaMinistrio de EducaoSecretaria de Ensino a DistnciaCoordenao Nacional da Universidade Aberta do Brasil

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretrio de Educao a Distncia: Ccero BarbosaPr-Reitora de Ensino de Graduao: Yara Maria Rauh MllerPr-Reitora de Pesquisa e Extenso: Dbora Peres MenezesPr-Reitor de Ps-Graduao: Maria Lcia de Barros CamargoPr-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPr-Reitor de Infra-Estrutura: Joo Batista FurtuosoPr-Reitor de Assuntos Estudantis: Cludio Jos AmanteCentro de Cincias da Educao: Wilson Schmidt

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretora Unidade de Ensino: Felcio Wessling MarguttiChefe do Departamento: Zilma Gesser NunesCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser NunesCoordenador de Tutoria: Josias Ricardo HackCoordenao Pedaggica: LANTEC/CEDCoordenao de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira RamosIzete Lehmkuhl CoelhoMary Elizabeth Cerutti Rizzati

  • Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Laboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenao Geral: Andrea LapaCoordenao Pedaggica: Roseli Zen Cerny

    Produo Grfica e HipermdiaDesign Grfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiCoordenao: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins RodriguesAdaptao do Projeto Grfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraDiagramao: Andrezza Pereira do NascimentoFiguras e tratamento de imagens: Grazielle Xavier, Jean Menezes, Gabriel Niets-che, Maiara Ario, Alexandre dos Santos, Amanda Woehl, Cristiane Amaral, Joo Antnio MachadoCapa: Gustavo Barbosa Apocalypse de MelloReviso gramatical: Renata de Almeida e Mirna Saidy

    Design InstrucionalCoordenao: Vanessa Gonzaga NunesDesigner Instrucional: Maria Luiza Rosa Barbosa

    Copyright 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qual-quer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordenao Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Ficha Catalogrfica

    C415o Cerny, Roseli ZenOrganizao escolar / Roseli Zen Cerny, Ana Maria Borges de

    Sousa, Terezinha Maria Cardoso. Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2011.

    163 p.Inclui bibliografia.ISBN 978-85-61482-30-5

    1. Organizao escolar - teorias. 2. Currculo. 3. Propostas Curri-culares Nacionais. I. Cardoso, Terezinha Maria. II. Cerny, Roseli Zen. III. Ttulo.

    CDU 371.2

  • Sumrio

    Unidade A Escola e Cultura ......................................................13Gesto da escola1 ...........................................................................................15

    1.1 Gesto X Administrao .................................................................................15

    1.2 Por uma gesto democrtica ........................................................................18

    1.3 Gesto democrtica da escola e participao ........................................19

    1.4 A gesto da escola pedaggica e administrativa ..............................22

    1.5 Por uma gesto do cuidado na escola ......................................................23

    Resumo ........................................................................................................................26

    Para que escola?2 ...........................................................................................29

    2.1 Cultura escolar e cultura da escola .............................................................29

    2. 2 Um pouco da histria .....................................................................................32

    2.3 A escola no Brasil ..............................................................................................34

    2.4 LDBEN no 9.394/96 ...........................................................................................39

    2.5 Aspectos inovadores da nova LDBEN .......................................................40

    2.6 Desdobramento e complementaes da LDBEN .................................41

    2.7 O lugar da arquitetura na cultura escolar e na cultura da escola .........................................................................................42

    Resumo ........................................................................................................................46

    Significaes sociais da escola3 ................................................................49

    3.1 Viso funcionalista da escola .......................................................................49

    3.2 Viso estruturalista ou burocrtica da escola ........................................50

    3.3 Viso reprodutivista da escola .....................................................................50

    3.4 A escola como um lugar de resistncia ...................................................53

    3.5 A escola como um espao sociocultural .................................................53

    Resumo ........................................................................................................................55

    Unidade B Sujeitos e Contextos .............................................57Educao e diversidade4 .............................................................................59

    4.1 O que podemos nomear como diversidade? .........................................60

  • 4.2 Educao, escola e diversidades .................................................................63

    4.3 Conviver nas e com as diversidades: um aprendizado essencial ............................................................................66

    Resumo .......................................................................................................................67

    O contexto na organizao da escola5 ...................................................69

    5.1 Entrelaamento entre campo e cidade .....................................................71

    5.2 As diferenas tnicas e raciais ......................................................................73

    5.3 As diferenas de religio ................................................................................75

    Resumo ........................................................................................................................76

    Os sujeitos que produzem o cotidiano da escola 6 ............................79

    6.1 Os educadores ..................................................................................................79

    6.2 Os educandos ....................................................................................................87

    6.3 A direo ............................................................................................................91

    6.4 A equipe pedaggica .....................................................................................92

    6.5 Equipe tcnica e de servios gerais ...........................................................93

    6.6 Arranjos familiares ...........................................................................................94

    6.7 Os sujeitos da escola: um grupo de convivncia ...................................96

    Resumo ......................................................................................................................100

    Unidade C Cotidiano ............................................................... 103Tempos e espaos na organizao escolar7 ......................................105

    7.1 Os espaos/tempos do cotidiano escolar ..............................................106

    7.2 Festas, comemoraes: suspenso da rotina nas escolas ................115

    Resumo ......................................................................................................................116

    Currculo e avaliao 8 ...............................................................................117

    8.1 A propsito da avaliao ..............................................................................117

    8.2 Por uma avaliao formativa ......................................................................121

    8.3 O currculo .........................................................................................................127

    8.4 Avaliao e Currculo: o cotidiano em ao ..........................................131

    Resumo ......................................................................................................................133

    O projeto poltico-pedaggico como articulador da 9

    organizao escolar .................................................................................137

  • 9.1 A gesto do cuidado na construo do projeto poltico-pedaggico ......................................................................................138

    9.2 O Projeto, o Poltico e o Pedaggico: uma trade indissocivel .....141

    9.3 Enfoques indispensveis do projeto poltico-pedaggico ..............143

    9.4 Demandas inseparveis dos pressupostos terico-metodolgicos do PPP .................................................................145

    9.5 A Organizao do processo ........................................................................147

    9.6 Reflexes das prticas cotidianas na elaborao do projeto poltico-pedaggico ......................................................................150

    Resumo ......................................................................................................................153

    Referncias ...................................................................................... 157

    Sites consultados .......................................................................... 163

  • Apresentao

    Caros educadores em formao,

    A memria sociocultural que guardamos da escola e da sua organiza-o faz distintas referncias sobre a sua importncia na formao de um povo e na construo de uma nao. Essas referncias so constitudas, por um lado, de certas concepes e prticas das quais podemos nos orgulhar como educadores em formao, mas, por outro, de concepes e prticas das quais preferiramos no lembrar, porque trazem consigo inmeras experincias de desqualificao dos sujeitos e dos aspectos pedaggicos que do sentido e significado existncia da escola.

    Como ressalta Luis Carlos Restrepo, no seu livro O Direito Ternura (1998), aprendemos que a afetividade e a ternura, por exemplo, no podem aden-trar o palcio do conhecimento porque so dimenses sem importncia para a formao humana. Essa aprendizagem est vinculada formao dos professores que foram, e ainda so, ensinados a atuar como [...] autn-ticos marechais de campo, seja no momento de enunciar sua verdade ou quando se apresentam a qualificar a aprendizagem. (RESTREPO, 1998, p. 14). Desde as primeiras fases escolares, esses professores reproduzem, no processo de aprendizagem das crianas, saberes de guerra que buscam, de modo incansvel, acessar o conhecimento com neutralidade e sem emoes, porque acreditam que necessrio um domnio absoluto sobre o objeto de conhecimento para que este possa ser considerado cientfico.

    Orientados por esse modelo de conhecimento, os professores aprenderam a estudar as diversas formas de vida atravs da vivisseco e do dissecamento de animais, ou seja, [...] toda a interao com a vida que nos rodeia passa pela sua destruio, como se a nica coisa dos outros da qual pudssemos nos apro-priar fosse seu cadver. (RESTREPO, 1998, p. 14). Essa cincia, que constituiu a nossa formao como professores, em geral, privilegiou esquemas alienados da dinmica vital e, com isso, fez-nos acreditar que s possvel o conhecimen-to do outro [...] decompondo-o, uma vez detido o movimento, metodologia que aplicamos diariamente tanto na pesquisa biolgica, fsica, como na social, estendendo-a, alm disso, vida afetiva e nossa relao com os outros. (RES-TREPO, 1998, p. 14). Isso evidencia nosso equvoco como civilizao, conven-

  • cidos de que a ausncia da ternura nas relaes educativas garantia para a gerao de conhecimentos objetivos. Nesse modelo epistemolgico, permane-ceu ausente a afetividade simultnea nas relaes interpessoais, porque esse lugar foi ocupado pelo que Restrepo (1998) chamou de afetividade plana e definida do guerreiro, a qual prepara as pessoas para que sejam subordinadas a domnios homogeneizadores e a enunciados abstratos, que reduzem a mul-tiplicidade da vida.

    Nesse sentido, as verdades blicas ocuparam os lugares das verdades da ternura. Inspirado em Habermas, o autor lembra que [...] o conhecimento um corpo de prticas e enunciados transpassados por uma diversidade de interesses que vo desde o af de domnio instrumental, at o fomento da emancipao e da liberdade. (RESTREPO, 1998, p. 15). Constitudo tambm por ausncias, esse modelo de escola deixou de reconhecer a importncia das experincias emo-cionais na modulao dos processos de aprendizagem e, por isso, no tornou possvel compreender a aventura pedaggica como uma busca ininterrupta e afetiva de figuras de conhecimento e no s de um universo intelectual.

    A arquitetura escolar, de algum modo, acompanhou esse modelo epistemolgico e construiu espaos fsicos cuja organizao se apresenta fragmentada, inspirada no modelo panptico da vigilncia e do controle. A ausncia da esttica, do belo, do aconchego, do cuidado nas relaes, a hierarquizao das prticas de mando e obedincia, os jogos de cumplicidade, os individualismos exacerbados so algu-mas amostras do endurecimento da escola e dos saberes ali ensinados.

    Paradoxalmente, essa mesma escola contribuiu de modo decisivo para o avano das cincias e das tecnologias, que possibilitaram a criao de artefatos para tor-nar a vida social mais dinmica. Esses artefatos ajudaram a curar enfermidades, a partir da descoberta de novos medicamentos; favoreceram as comunicaes a distncia com os sistemas de informao; socializaram os imaginrios coletivos, especialmente atravs do mundo miditico; promoveram o acesso ao belo, ao esttico; estimularam as insurgncias e resistncias; proporcionaram a participa-o nas leituras de mundos, ainda que distantes das realidades locais.

    Essa experincia mostra que a educao e a escola so lugares sociais em que processos de morte se encontram, ainda que conflituosamente, com experin-cias de expanso da vida. Dessa forma, no possvel falar de uma e de outra no singular. Elas so a mais viva expresso da diversidade que constitui a vida em todas as suas manifestaes, portanto so sempre, e em qualquer contexto,

  • ethos de mltiplas possibilidades. A organizao que escola e educao encar-nam constituda desse paradoxo, ou seja, h movimento indissocivel entre ordem-desordem-e-nova-organizao, que se nutre de um caos criativo em que as transgresses e as sujeies ensinam tanto a liberdade quanto o aprisio-namento a padres e condutas. Nesse continuum, forjam-se identidades sociais balizadas por rigidez e por gestos de ternura e de acolhimento.

    Conscientes disso, trazemos um olhar poltico-pedaggico que privilegia esses pa-radoxos. Apresentamos, ento, uma compreenso de escola que capaz de produ-zir cultura tanto quanto de se banhar na cultura produzida pela sociedade, uma escola com singularidades, com identidade, feita de pessoas, sujeitos socioculturais e histricos, que carregam para o convvio cotidiano na escola suas experincias e vivncias, sejam elas sacrificiais, sejam aquelas s quais chamamos de erticas, se-jam aquelas em que as relaes so guiadas pelo prazer do fazer junto, pela alegria do encontro, pela liberdade da troca e da criao, pelo tempo da escuta sensvel.

    Morin nos ensina, no livro Amor, poesia, sabedoria (1999, p. 66), que [...] as gran-des linhas da sabedoria se encontram na vontade de assumir as dialgicas huma-nas, de sapiens-demens, de prosa-poesia; afinal, a [...] vida um tecido mesclado ou alternativo de prosa e de poesia, em que as atividades prticas, as tcnicas, do feio prosa, uma vez que a poesia o que nos insere num estado segundo: [...] primeiramente, a poesia em si mesma, depois a msica, a dana, o gozo e, claro, o amor. A poesia a esttica da vida ou a vida mesma com suas poesias, na qual a sabedoria vai sendo incorporada por meio dos ritos de celebraes, do trabalho coletivo, das cerimnias de meditao e de adorao aos quatro elementos que formam a matria primordial: o ar, a gua, o fogo e a terra.

    Desse modo, pensamos uma organizao escolar que reconhece a educao numa base epistemolgica que vamos denominar biocntrica. Nela, a vida con-tm e est contida no movimento do cosmos e cada unidade parte e todo de uma mesma dinmica que se interliga, complementa-se e se desorganiza para se reorganizar, num processo contnuo de interaes. A escola nosso exemplo dessa compreenso: parte da sociedade, que parte do planeta, que parte do universo. Em unidade, constituem uma abrangncia relacional na qual a explicao de um se faz na e pela vinculao com o outro.

    O estar e o reconhecer com o outro, o aceitar a sua legitimidade, so o funda-mento tico que vai transversalizar cada uma das explicaes que constru-mos sobre os aspectos da organizao escolar e seus desdobramentos didtico-

  • pedaggicos. Nossa inteno que a organizao da escola se d atravs de prticas e que estas afirmem as identidades de todos os sujeitos como unida-des csmicas que trazem consigo a capacidade de valorizar o sagrado que est contido na vida, promovendo o contato amoroso de estima entre os diferentes segmentos da comunidade escolar, aquele que nutre e preserva a nossa huma-nidade. Nosso desejo que a organizao escolar forje espaos-tempos para os encontros e sentimentos profundos de pertencimento que podem despertar nas pessoas o SER na presena do outro, o reconhecer o outro como um SI mesmo, referenciados no direito vida em sua mais ampla acepo.

    essa compreenso de educao, de escola e de organizao escolar que quere-mos compartilhar, de forma crtica e criativa, com vocs. Acreditamos que suas experincias e memrias escolares possam se somar s reflexes que fomos capazes de elaborar, num esforo conjunto de juntar nossas singularidades, nossos estilos de escrita, nossos dissensos e consensos, como pessoas e como pesquisadoras responsveis pela criao artesanal deste caderno.

    Recebam o nosso abrao afetivo,

    As autoras

    Florianpolis, vero de 2011.

  • Unidade AEscola e cultura

    Sibila Dlfica detalhe de pintura que Michelangelo (1508-12) realizou no teto da Capela Sistina (Vaticano). Fonte: Olivier Nolin (1997).

  • Captulo 01Gesto da Escola

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    1 Gesto da escolaNosso objetivo neste captulo discutir a gesto da escola, compreendendo

    os aspectos envolvidos nessa atividade. Aprofundaremos essa discusso com a perspectiva da gesto democrtica e da gesto do cuidado.

    1.1 Gesto X Administrao

    Quando falamos em gesto, facilmente relacionamos esse termo administrao. H, todavia, distino no uso de um termo ou de outro? O termo gesto educacional tem sido utilizado por alguns estudiosos como sinnimo de administrao escolar; outros autores fazem uma clara distino entre os termos gesto e administrao (BORDIGNON; GRACINDO, 2000). Essa diferena de concepo est, efetivamente, aliada ao entendimento que se d ao termo gesto. Se gesto for compre-endida como processo poltico-administrativo, necessrio abord-lo a partir dos conceitos de gesto dos sistemas educacionais. A concepo de gesto educacional supera e relativiza o conceito de administrao escolar, embora no o despreze, porque a administrao constitui uma das dimenses da gesto escolar. Almeida (2006, p. 103) nos auxilia a refletir sobre o significado de gesto ao considerar que

    [...] mais abrangente, democrtico e transformador, percebe a escola como

    um espao de conflitos, de relaes interpessoais, de emergncia e de al-

    ternncia de lideranas, de negociaes entre interesses coletivos e proje-

    tos pessoais, em busca de consensos provisrios sobre suas necessidades,

    desejos e utopias, identificados na construo do projeto da escola.

    Ao adotarmos a perspectiva da gesto educacional, partimos da premissa de que os sistemas educacionais, independentemente do nvel ou da modalidade de educao que discutam, diferenciam-se de outras instituies em vrios aspectos, em especial na particularidade do tra-balho pedaggico. Tais sistemas distanciam-se em muito de organiza-es empresariais e, por esse motivo, as instituies educacionais no podem ser compreendidas e estudadas somente a partir de teorias ad-vindas da administrao de empresas. Visto sob esse ngulo, o sistema de educao uma organizao na qual o aluno entendido como cliente, os docentes so considerados fornecedores: as instituies educacionais

  • Organizao Escolar

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    funcionariam, portanto, como empresas. Nessa perspectiva, adota-se a postura gerencialista: as cobranas para o aumento de produtividade, a massificao dos profissionais que atuam na escola, a falta de dilogo e de um processo decisrio compartilhado. A posio por ns assumida con-traria a perspectiva gerencialista na educao ao entender que a escola

    [...] uma das nicas instituies para cujo produto no existem padres

    definidos de qualidade. Isso talvez se deva extrema complexidade que

    envolve a avaliao de sua qualidade. Diferentemente de outros bens

    e servios cujo consumo se d de forma mais ou menos definida no

    tempo e no espao, podendo-se aferir imediatamente sua qualidade, os

    efeitos da educao sobre o indivduo se estendem, s vezes, por toda

    sua vida, acarretando a extenso de sua avaliao por todo esse pero-

    do. por isso que, na escola, a garantia de um bom produto s se pode

    dar garantindo-se o bom processo. (PARO, 1998, p. 303).

    Assim, entende-se que o trabalho pedaggico envolve o trabalho com o conhecimento e o saber, e o saber no se apresenta neste processo como algo que possa ser separado dele; ele se apresenta tambm como objeto de trabalho [...] O saber no pode ser expropriado do trabalhador sob pena de descaracterizar-se o prprio processo pedaggico. (PARO, 1996, p. 15). Trabalhar com o saber envolve atitudes generosas; implica, tambm, partilhar e compartilhar cotidianamente todas as aes e os conhecimentos dela advindos.

    Figura 1 - Gestores. Adaptado de: . Acesso em: 02 ago. 2010.

  • Captulo 01Gesto da Escola

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    Concordamos at aqui que trabalharemos com o conceito de ges-to; ento, vamos procurar compreender como se constituem os mode-los de gesto da escola. Para isso, recorremos ao professor Lima (1996, p. 8), que faz uma reflexo sobre os modelos tericos e prope uma dis-tino de trs tipos.

    Os modelos juridicamente consagrados: a) so embasados em princpios e orientaes jurdicas e expressos atravs de supor-tes oficiais. Modelos assim consagram os princpios e as orien-taes que juridicamente constituem-se referncias essenciais, na organizao e na administrao do sistema escolar, sendo orientados a partir das polticas de estado ou de governo por exemplo, a LDB, os decretos e as portarias. So forjados a partir da cultura da escola.

    Os modelos de orientao para ao:b) so os modelos tericos de referncia, regras concretas. Traam estruturas, do lugar a formas e permitem a ao, conferindo-lhe sentido por refe-rncia a um quadro global mais ou menos formalizado. Esses modelos so aqueles sistematizados teoricamente. Por exem-plo, quando a escola faz a opo de adotar o modelo adminis-trativo, escolhe o terico como referncia.

    Os modelos praticados: c) como o prprio nome anuncia, so plu-rais e diversificados e correspondem s regras efetivamente prati-cadas no interior da instituio escolar. o que efetivamente acon-tece no cotidiano da escola. Esse modelo reflete a cultura escolar.

    Compreender a gesto como um modelo terico assumir o seu ca-

    rter geral e potencial, no necessariamente dependentes da ao e

    das prticas organizacionais efetivamente realizadas, mas abrir um

    leque de possibilidades. Do contrrio, apenas estaria inscrito, nos

    textos oficiais, um modelo de gesto teria uma espcie de vida ve-

    getativa (LIMA, 1996, p. 17). O modelo a ser adotado pela escola no

    se furta, evidentemente, dos modelos juridicamente consagrados,

    pois a instituio educativa segue parmetros legais e normativos,

    a exemplo das leis e dos decretos, tampouco do modelo de orienta-

    o para ao que comporta as prticas institudas.

    Este conceito ser discuti-do no captulo 2.

  • Organizao Escolar

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    A partir desse entendimento, propomos como alternativa de reflexo a gesto democrtica. Nessa perspectiva, a gesto escolar s tem existn-cia na e pela ao dos sujeitos que produzem o cotidiano da escola e, nesse sentido, encontra-se sempre em processo de criao e de recriao, em estruturao. A gesto democrtica por natureza plural, diversificada, dinmica e vinculada e produo e reproduo de diferentes regras, construdas e reconstrudas por todos os sujeitos envolvidos.

    1.2 Por uma gesto democrtica

    Figura 2 - Gesto democrtica

    Ao falarmos de gesto democrtica, caracterizamos esse processo no apenas como um procedimento tcnico, mas como uma ao po-ltica. O professor Fernando Almeida observa que a palavra gesto se tornou to banalizada que acabamos esquecendo o seu mais importante significado. Historicamente, ela tem sido identificada com poder e con-

  • Captulo 01Gesto da Escola

    19

    trole; e o gestor, em muitos casos, assemelha-se ao burocrata e controla-dor de procedimentos da instituio. Ao contrrio dessa marca histrica, podemos retomar o sentido de gesto a partir de sua etimologia, que traz as ideias de gestar, gerir, gesto, gerar, gestao, gerenciar significa dar a vida, alimentar, proteger, fazer crescer, at o momento de dar luz. Trata-se da acepo dar vida. Assim, [...] nesse sentido em que a boa gesto de uma escola d vida a algo novo e bom (ALMEIDA, 2005, p. 68). Para o nosso estudo, vamos adotar o conceito que compreende gesto como

    [...] forma de se comprometer com o todo de um empreendimento:

    responsabilidade, capacidade de observao e descrio diagnstica,

    anlise e sntese, tomada de deciso conjunta e solitria comunica-

    o, democracia, memria, identidade e utopia: articulao de pessoas

    e projetos em torno de algo chamado vida: gerar, gestar, organizao,

    generoso ato de viver (ALMEIDA, 2006, p. 35).

    O gestor, na sua prtica, constri conhecimento, adquire novas ha-bilidades e competncias, reconstri sua experincia e aumenta o grau de compreenso sobre a realidade em que vive, gerando novos signifi-cados. Esses significados so arquitetados no dilogo com sua equipe, com sua comunidade e com o projeto de seu pas. Nessa abordagem,

    [...] a concepo de gesto enfatiza a prxis humana, considerando que

    os sujeitos se constituem socialmente. medida que desenvolvem suas

    produes, os sujeitos se transformam, produzem sua realidade e so

    transformados por ela (ALMEIDA, 2006, p. 26).

    1.3 Gesto democrtica da escola e participao

    A escola pode ser organizada de forma democrtica ou autoritria. Podemos definir uma escola democrtica como mais aberta parti-cipao da comunidade escolar. Seu contraponto a escola autoritria (gerencialista), na qual a participao no incentivada. Para compre-ender melhor as duas perspectivas, vejamos o seguinte quadro:

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    Gerencialista Democrtica

    nfase na questo tcnica da gesto: supe que a eficincia sustenta-se no bom uso dos recursos tcnicos, tais como controles estats-ticos, padronizaes e ranqueamento, etc.

    nfase na dimenso poltico-pedaggica da gesto: baseia-se na indissociabilidade dos meios/finalidades; nesse sentido, pressupe que as tcnicas subordinam-se s dimenses poltico-pedaggicas da gesto.

    Gesto centrada na pessoa do diretor; nfase na sua liderana para mobilizar sinergias da comunidade escolar.

    Gesto centrada nos colegiados da escola: conselho de escola, grmios estudantis e ou-tras formas de organizao.

    Gesto participativa significa a comunida-de colaborando com a escola, no neces-sariamente deliberando sobre os seus rumos; a participao fica associada resoluo de problemas, ocorrendo de modo pontual e as-sistemtico.

    Gesto participativa significa, aqui, que a co-munidade escolar participa efetivamente da escola, discutindo e decidindo coletivamente seus rumos; a participao ocorre de forma sistemtica, por meio dos rgos colegiados ou por via direta.

    Pressupe autonomia e responsabilizao individualizada, com consequncias para professores e diretores pelos resultados do desempenho dos alunos e da escola.

    Pressupe autonomia e corresponsabilizao pelos resultados da aprendizagem dos alunos e da unidade escolar.

    Procura atingir metas de eficincia e eficcia previamente definidas em planos estratgi-cos, acordo, etc.

    Procura atingir a qualidade socialmente refe-renciada da educao; suas metas e objetivos devem expressar no apenas resultados quan-titativos, mas, sobretudo, qualitativos.

    Considera a competitividade entre as escolas como o principal fator para alavancar a quali-dade das mesmas; estimulam o ranqueamen-to das escolas, prmios por desempenho, etc.

    Considera que a qualidade da educao se conquista com medidas efetivas em prol da au-tonomia, da gesto democrtica, do financia-mento pblico e da formao de professores.

    Fonte: CAMPOS, Roselane de F; SCHEIBE, Leda. O trabalho do Gestor na Escola: dimenses, relaes, conflitos, formas de atuao. In: Curso de Especializao em Gesto Escolar. Braslia: MEC/SEB, 2007.

    Os diversos modos de compreender a escola esto relacionados ao lugar social em que os sujeitos se encontram. Nessa diversidade de con-cepes, h aspectos similares, como aqueles que preveem estruturas de administraes hierrquicas e burocrticas e reconhecem apenas papis predeterminados nos regimentos escolares: as vises funcionalista, estru-turalista e mesmo aquelas fundamentadas nas teorias marxianas, como a viso reprodutivista. Assim, os estabelecimentos escolares que tm sua filosofia pautada nessas concepes ensejam prticas autoritrias, ainda que desejem introduzir processos de maior abertura participao. Eles

  • Captulo 01Gesto da Escola

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    tm dificuldades de reconhecer, nos seus afazeres, a legitimidade dos acordos e das negociaes firmados com diferentes segmentos escolares. A democracia, nesses casos, nomeia formas legais e institucionalizadas que funcionam como rtulo.

    Assim, uma escola pode ter, na sua organizao interna, tempos e espaos, como a Associao de Familiares e Professores, o Conselho Escolar, o Grmio Estudantil, que indicam a participao coletiva, mas consideram a importncia da presena ativa dos sujeitos apenas nos es-paos formais, cuja participao no incentivada e as deliberaes e encaminhamentos no so levados em conta nas tomadas de decises pedaggicas e administrativas da escola.

    Os processos democrticos, como nos ensina Werle (2003, p. 24), no devem ser, [...] simplesmente, um aspecto conceitual ou um direi-to assegurado por lei, mas sim algo que deve ser desenvolvido e cons-trudo como prtica pela comunidade. A democracia , evidentemente, aprendida por meio do exerccio e da vivncia de processos e espaos participativos. Nesse caso, os espaos-tempos estruturados podem no apenas figurar no organograma e/ou fazer parte da estrutura burocr-tica da escola, mas, antes, devem ser lugares de prtica, aprendizagem e desenvolvimento de valores e conhecimentos que efetivam a formao de cidados, isto , [...] sujeitos-polticos capazes e dispostos a partici-par do processo polticodemocrtico (WERLE, 2003, p. 23).

    A democracia praticada e aprendida medida que a cultura da

    escola proporciona espaos e tempos de aprendizagem das igual-

    dades e das diferenas, do discordar sem deslegitimar o outro por

    sua posio contrria. Para isso, preciso flexibilizar a tomada de

    decises, retardando-a caso se faa necessrio. A participao ativa

    tem visibilidade quando, na escola, garante-se s pessoas a troca

    de ideias e o aprendizado de lidar com suas diferenas. Os espaos-

    tempos do cotidiano escolar, estruturados ou no, consolidam-se no

    processo mesmo onde constroem como lugar de [...] conversa, de

    negociao, acordo e discusso, onde a participao deve prevale-

    cer sobre a necessidade de decidir (WERLE, 2003, p. 27).

  • Organizao Escolar

    22

    1.4 A gesto da escola pedaggica e administrativa

    Quando falamos de organizao escolar, pensamos logo em uma escola funcionando sem problemas, sem conflitos. Cada coisa est em seu lugar e no seu tempo: estudantes, nas salas de aula, motivados, traba-lhando nas atividades propostas pelos educadores, conversando somen-te sobre o trabalho e levantando a mo para pedir a palavra; docentes, nas salas, propondo atividades criativas que motivam os educandos a trabalhar, atendendo a cada um que solicita, explicando a matria tantas e quantas vezes forem necessrias; e o processo de ensinar e de aprender acontecendo sem percalos, sem rupturas. Em suma, a escola cumprin-do a sua funo de socializar o conhecimento historicamente constru-do pela humanidade, formando crianas e jovens cidados capazes de participar ativa e criticamente da sociedade.

    A escola feita, entretanto, de pessoas; uma multido que convive diariamente, ou a cada turno, nos estabelecimentos de ensino. Confor-me o tamanho e a localizao, as escolas trabalham, concomitantemen-te, com os diferentes nveis de ensino: Educao Infantil, Ensino Funda-mental, Ensino Mdio e, s vezes, Educao de Jovens e Adultos (EJA). Nesse caso, convivem pessoas em fases de desenvolvimento diferen-

    ciadas: as crianas da Educao Infantil so diferentes das crianas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que so diferentes dos adolescentes e jovens dos anos finais do En-sino Fundamental, que so diferentes dos jovens do Ensino Mdio, que so diferentes daqueles que frequentam a EJA. Todos tm aspiraes e preocupaes diferenciadas. De outro lado, tambm esto, nesse mesmo espao, os adultos, como professores, pedagogos, funcionrios tcnicos e de servios gerais, que vivem ciclos diferentes da profisso. H os adultos mais jovens e os mais velhos; alguns, cansados e outros, com o vigor de quem se inicia na carreira. Todos aprendem com todos.

    Figura 3 - Convivncia social e afetiva representada na obra Brincadeira de roda, de Mrio Mariano [ca. 2000]. Disponvel em: . Acesso em: 27 jul. 2010.

  • Captulo 01Gesto da Escola

    23

    Olhando a escola por esse prisma, podemos entend-la como uma mi-

    crossociedade. Para viver nela, preciso construir convivncia social e

    afetiva capazes de pensar formas de encaminhar as decises coletivas,

    que podem ter fundamentos autoritrios ou democrticos.

    Se pensarmos na organizao da escola como ao administrativa, no deixaremos espao para as aprendizagens e levaremos em conta ape-nas o organograma, as regras de conduta, a obedincia ao nmero de dias letivos previstos na legislao, a quantidade de reunies propostas no calen-drio escolar enviado pelos rgos gestores. Deixaremos, assim, de pensar nas necessidades das pessoas que compem a comunidade escolar e nas questes elencadas como prioritrias no projeto poltico-pedaggico.

    Se pensarmos no projeto poltico-pedaggico como sntese din-mica da gesto democrtica da escola, as pessoas tero prioridade sobre os procedimentos. Levar-se-o em conta suas necessidades culturais e pessoais, a pluralidade de concepes, as singularidades manifestas no processo de ensinar e aprender, as temporalidades, bem como a incor-porao de linguagens pedaggicas, crticas e motivadoras que apresen-tem referncias sobre os princpios organizativos e os critrios tico-polticos mais gerais da sociedade (ASSMAN, 2000, p. 210).

    Nessa escola, o tempo-espao da convivialidade privilegiado como uma experincia pedaggica de importante valor na formao de homens e mulheres solidrios. Aprende-se a participar dos dilemas e das conquis-tas sem que sejam exigidos resultados a priori. Nesses pressupostos, est implicada a viso que a escola tem do processo de formao para aperfei-oar a hominizao e a humanizao de todos os seus integrantes.

    1.5 Por uma gesto do cuidado na escola

    A Gesto do Cuidado entendida a partir de uma perspectiva transdisciplinar, protetiva, ecolgica, tica e esttica, que considera a vida como permanente sacralidade viva para sustentar, terica e me-todologicamente, todos os processos pedaggicos. Uma modalidade de Gesto e de Cuidado, que respeita as especificidades inerentes aos orga-

  • Organizao Escolar

    24

    nismos vivos, tais como o ritmo, o mpeto, as emoes e os sentimentos endgenos, que reconhece as instituies e, de maneira singular, a escola como lugar social do cuidado, deve assegurar, portanto, a cada criatura humana o pleno desenvolvimento e a sua integridade.

    Nesse sentido, a Gesto tem uma compreenso de polticas pblicas que no se pautam pelo estado de exceo (da falta), mas do direito; no opera na lgica do dever-ser, que, em geral, despossui a populao in-fantojuvenil de seu reconhecimento como legtimo ser-no-mundo (MA-FFESOLI, 1996). uma gesto que acontece como poltica de afetos, par-ticularmente porque se orienta para tornar viveis os corpos: da infncia pobre, marginalizada; das sexualidades das meninas-mulheres e dos meni-nos-homens das camadas populares; que se organiza pelo entrelaamento das suas legitimidades, recusando o controle e a anulao das diferenas.

    O cuidado, por sua vez, expressa-se no movimento de congruncia entre corporeidade e cognoscibilidade, porque se realiza em um espao de potencializao da vida: o nicho vital (ASSMANN, 1999).

    Nessa perspectiva, uma escola que se pauta no cuidado:

    reconhece, terica e praticamente, crianas, adolescentes, jo- vens e adultos que se encontram imersos em contextos de vio-lncias, a partir de suas necessidades vitais;

    compreende as violncias como fenmenos complexos, que no se pode explicar pelo olhar binrio de causa e efeito;

    desconstri poltica, pedaggica e afetivamente, as concepes patriarcais, adultocntricas e segregacionistas, que se revelam nos processos escolares e no escolares e que produzem proce-dimentos carregados de outras violncias;

    dedica uma escuta sensvel s falas dos sujeitos, viabilizando a ex- presso de sua histria a partir dos lugares em que se encontram;

    irradia, a partir da escola para o seu entorno, um trabalho qualifi- cado de enfrentamento e recusa de todas as formas de violncias;

    produz materiais didticos que problematizam as questes de gnero, sexualidades, etnias e raas, preconceitos e atitudes que produzem violncias dentro e fora da escola;

  • Captulo 01Gesto da Escola

    25

    alm disso, trabalha criticamente para superar os discursos:

    a) Jurdico-normativo: orientado pela homogeneizao, pelo legalismo, pelas convenes adultocrticas que apostam em procedimentos nem sempre pertinentes aos interesses dos sujeitos. Norteado por um modelo que se julga senhor das decises e que se nutre de um poder-dominao (FOU-CAULT, 1995), tem dimenso judicativa, racionalista e atua sobre aquilo que considera como menoridade do social, guiado por um ethos da virilidade, das regras predominan-tes. Esse discurso oportuniza a produo de outras violn-cias, entre as quais: os modelos de avaliao da aprendiza-gem; as concepes que pautam a organizao escolar; a evaso e a culpabilizao isolada do sujeito; os referencia-mentos ao outro como no legtimo em seu contexto.

    b) Mdico-patolgico: regulado pelas ideias do higienismo, de modo mais visvel por aquelas que historicamente legitima-ram as prticas eurocntricas de assepsia social e geraram isolamentos em instituies criadas para tomar posse da cor-poralidade do outro. o discurso-prtica, proprietrio das certezas que decompem o outro para dele saber e consoli-dar a patologia social da pobreza e da marginalidade.

    c) Pedaggico-assistencialista: uma modalidade de discurso pastoral, salvacionista e seguidor de preceitos advindos es-pecialmente do racionalismo judaico-cristo, que v o ou-tro como digno de piedade. Em tese, esquarteja o sujeito separando-o de sua cultura e histria, de seu estar em con-vivncia com o outro. Sustenta-se na pseudoneutralidade dos acontecimentos, fecha os espaos para a dvida e mira os problemas do seu belvedere social; torna-se prescritivo, carregado de uma emotividade pura e sem estranhamen-to. Na maioria das vezes, vale-se de veredictos econmicos para produzir, por exemplo, diagnsticos de encarceramen-to e marginalizao da pobreza por sua estrutura familiar.

  • Organizao Escolar

    26

    d) Indignao Intil: situado na vitimizao isolada do su-jeito ou do adolescente, orienta-se pela simples culpabili-zao destes, enquanto se exclui, e dos demais de qualquer responsabilidade social. Alega a impotncia para justificar sua indiferena. centrado na oralidade e na espetacula-rizao dos fatos, j que atribui menoridade ao outro pela coitadizao dele. Mostra-se incapaz de empatia social e abona suas prticas com a retaliao formativa, alegando que o que observa no da sua rea de conhecimento, por isso nada pode fazer a no ser transferir a algum o possvel encaminhamento vislumbrado.

    O desafio reconhecer a escola como um lugar possvel de prote-o e de emancipao dos sujeitos. Isso s ser possvel, todavia, com a participao de todos os seus integrantes. A responsabilidade da gesto , portanto, compartilhada e assumida pelo coletivo da escola.

    Resumo

    Neste primeiro captulo, abordamos a temtica da gesto escolar, iniciando pela distino dos termos administrao e gesto. Conclumos que o termo administrao traz uma concepo atrelada a uma viso burocrtica de gesto. J a concepo de gesto educacional supera e relativiza o conceito de administrao escolar, embora no o despreze, porque a administrao constitui uma das dimenses da gesto escolar. Ao adotarmos essa perspectiva, temos claro que os sistemas educacio-nais, independentemente do nvel ou da modalidade de educao em que atuam, diferenciam-se de outras instituies, em vrios aspectos, em especial na particularidade do trabalho pedaggico.

    Na sequncia, procuramos compreender como se constitui o mo-delo de gesto na escola. Vimos que o modelo de gesto orientado pelas polticas de estado e de governo, pelos referenciais tericos siste-matizados e pelas regras praticadas na instituio.

    Trouxemos a gesto democrtica como a perspectiva a ser seguida, conceituando-a a partir de sua etimologia, que traz as ideias de gestar,

  • Captulo 01Gesto da Escola

    27

    gerir, gesto, gerar, gestao, gerenciar, isto , dar a vida, alimentar, prote-ger, fazer crescer at o momento de dar luz. Nessa mesma perspectiva, apresentamos como alternativa a gesto do cuidado, entendida a partir de uma perspectiva transdisciplinar, protetiva, ecolgica, tica e esttica, que considera a vida como permanente sacralidade viva para sustentar, terica e metodologicamente, todos os processos pedaggicos.

  • Captulo 02Para que escola?

    29

    2 Para que escola? Neste captulo, temos como objetivo apresentar os conceitos de Cultura

    Escolar e Cultura da Escola. Veremos que a Cultura Escolar precede o estabele-cimento de ensino e a Cultura da Escola tecida cotidianamente, em razo das interaes sociais e afetivas que ocorrem no seu interior. Discutiremos aspectos

    relevantes da histria da Instituio Escolar, ressaltando as dimenses que compem o que aqui denominamos por Cultura Escolar. Trazemos, tambm, a dimenso da arquitetura escolar com o objetivo de refletir a arquitetura como

    expresso do projeto poltico-pedaggico da escola, como uma dimenso que expressa tanto a cultura escolar como a cultura da escola.

    2.1 Cultura escolar e cultura da escola

    Figura 4 - O prdio da escola. Disponvel em: < http://eticoracoralina.blogspot.com/>. Acesso em: 27 jul. 2010.

    Aparentemente, todas as escolas so semelhantes entre si. Ao pas-sarmos, por exemplo, diante de um prdio da rede pblica de ensino, mesmo que nada o indique, temos a certeza de que ali funciona uma escola. muito raro no reconhecermos um prdio escolar. Mas ser que todas as escolas so iguais?

  • Organizao Escolar

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    Pare e reflita. Procure lembrar das escolas nas quais voc j vivenciou a

    experincia de estudante e/ou de professor(a). Troque informaes com

    seus colegas de trabalho ou de grupo de estudo. O que as escolas tm

    em comum? No que elas se diferenciam? Anote as semelhanas e dife-

    renas e discuta com seus colegas e com o coordenador pedaggico.

    Se a concluso qual voc chegou foi a de que todas as escolas pelas quais voc passou se parecem, tm mais elementos que as assemelham do que as diferenciam, sua concluso est correta. A esse movimento de similitude denominamos Cultura Escolar. Ela est to arraigada na compreenso que todos temos de Escola e da finalidade da educao escolar que temos imensa dificuldade em propor, aceitar e materializar aes que tragam mudanas significativas para essa Instituio.

    Se a sua concluso foi, entretanto, a de que as escolas, apesar de se pa-recerem, possuem elementos que as diferenciam entre si, ela tambm est correta. Os estabelecimentos de ensino possuem, evidentemente, iden-tidade prpria, o que os torna singulares. A esse movimento de diferen-ciao denominamos Cultura da Escola. Esta compreende o cotidiano do estabelecimento de ensino, a multiplicidade de sentidos do qual ele produto e produtor, resultado do amlgama de trs dimenses, quais se-jam: a dimenso da cultura escolar e das polticas de gesto da educao; a dimenso da cultura local do lugar em que est situado o estabelecimento de ensino; e a dimenso da subjetividade dos atores, como a histrica, so-cial e culturalmente situados. De modo indissocivel, esto:

    a cultura escolar composta pelas diferentes significaes e fina- lidades que, ao longo da histria, foram atribudas escolariza-o e pelas polticas pblicas para a educao nacional, como a Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional (LDBEN), Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) estadual e munici-pal, nas quais esto contemplados os documentos orientadores das aes administrativas e pedaggicas da escola, como os do-cumentos do Ministrio da Educao e Cultura (MEC) para as Escolas Tcnicas Federais, as Propostas Curriculares e as Diretri-

    Jean-Claude Forquin, pes-quisador francs, define

    cultura escolar como o conjunto dos contedos

    cognitivos e simblicos que, selecionados, orga-

    nizados, normalizados, rotinizados, sob o efeito

    dos imperativos de didati-zao, constituem habitu-almente o objeto de uma

    transmisso deliberada no contexto das escolas. (FORQUIN, 1993, p. 167).

  • Captulo 02Para que escola?

    31

    zes produzidas pelas Secretarias de Educao dos Estados, para as escolas pblicas estaduais e dos Municpios, para as escolas pblicas municipais, alm das diferentes Diretrizes produzidas pelas Instituies Privadas, que administram redes de escolas;

    o contexto histrico, social, econmico e cultural no qual o estabe- lecimento de ensino est situado, seja no campo,seja na cidade, na metrpole ou em um municpio pequeno, no centro ou na perife-ria; a origem racial, tnica e religiosa das famlias da localidade;

    os sujeitos que fazem o cotidiano da escola: educadores, alunos, familiares, gesto pedaggica e administrativa, funcionrios tcnico-administrativos,como secretria, reprografia, biblio-tecria, entre outros, e de servios gerais, como merendeiras, faxineiras, vigias e outros. So eles que trazem, para o interior do estabelecimento de ensino, os significados, conflitos, dispu-tas, embates e alianas por eles tecidos a partir de suas histrias individuais e/ou coletivas e que do vida cultura da escola.

    Nesse sentido, a cultura da escola expressa caractersticas univer-sais, reveladas nos imperativos da cultura escolar, que fazem com que a escola seja reconhecida como tal em qualquer lugar do mundo. Ex-pressa tambm caractersticas referentes aos valores atribudos esco-la pela sociedade, em cujo contexto est inserida e, do mesmo modo, quelas trazidas pela subjetividade dos atores que nela se juntam. No est, portanto, dada a priori, mas se constri em virtude da trama de interaes que acontece no seu interior, no entrelaamento dessas trs dimenses. A cultura da escola expressa, com efeito, a singularidade do estabelecimento de ensino. Assim, podemos tecer uma primeira compreenso da organizao escolar: nela encontramos permanncias, advindas da histria da instituio escolar, e transitoriedades referen-tes diversidade dos sujeitos, como educadores, educandos e famlias, que tecem o cotidiano escolar e o contexto em que o estabelecimento de ensino se localiza.

  • Organizao Escolar

    32

    2.2 Um pouco da histria

    Figura 5 - Copista medieval. Disponvel em: . Acesso em: 16 ago. 2010.

    Os seres humanos, ao longo de sua histria, desenvolveram e pro-duziram grandes civilizaes. Nesse processo, foram confrontados com a necessidade de consagrar um lugar e um tempo difuso da aprendi-zagem e da cultura. Com o surgimento das cidades e da burguesia, nos sculos XI, XII e XIII, a ideia da escola se fortaleceu, voltada aos interes-ses e s necessidades dessa nova classe em ascenso.

    Michel Lobrot, no livro Para que Serve a Escola? (1992), identifica a existncia de diferentes finalidades atribudas escola, conforme os perodos histricos.

    Perodo que iniciou nos sculos VII e VIII1) da era crist e ter-minou no fim do sculo XIV (Idade Mdia), no qual a escola ti-nha como finalidade exclusiva a transmisso da doutrina crist: seus dogmas, os textos sagrados, os grandes padres e telogos.

    Perodo clssico2) , que iniciou no sculo XV, com a inveno da imprensa e as grandes descobertas, e se encerrou no sculo XVIII, com a era das revolues. A finalidade religiosa no de-sapareceu, contudo foi sobreposta pela finalidade de socializa-o do indivduo. Se, na Idade Mdia, o fundamental era a sal-vao do homem no alm, na Idade Moderna, o importante era a salvao do homem na terra. Os valores que a sociedade colo-

  • Captulo 02Para que escola?

    33

    cava em evidncia eram aqueles exaltados pelo protestantismo, tais como a civilidade, a decncia, a moderao, a honestidade, o trabalho, a adaptao social, a conformidade. Foi nesse per-odo que surgiu a escola no sentido em que a entendemos hoje: como um lugar destinado educao das crianas.

    Perodo tecnicista3) , que teve incio no sculo XVIII, deixou in-fluncias que ainda marcam a educao contempornea. Du-rante a sua vigncia, a escola se voltou para a cincia e a tcnica, abandonando os desgnios humanistas dos perodos anterio-res, marcados pela transmisso da doutrina crist e pela socia-lizao moral. A ideia de que a escola tem como finalidade a disseminao de saberes tcnicos e cientficos estava ligada concepo da sociedade como sendo uma grande mquina. O perfeito funcionamento dessa mquina exigia que cada indiv-duo ocupasse seu lugar e trabalhasse, o que implicava aptides e capacidades adquiridas na escola entre elas a aprendizagem da leitura, que constituiu a base da alfabetizao. Desse modo, a escola assumiu um papel principal na socializao dos con-tedos cientficos e tcnicos e na incorporao dos valores da sociedade capitalista emergente.

    importante lembrarmos que as experincias histricas de cada um

    desses perodos no se esgotam na mudana dos sculos. Elas tm ex-

    tenso nos perodos seguintes, misturam-se com eles e se aperfeioam,

    permanecendo ainda hoje impregnadas no nosso imaginrio sobre as

    finalidades da escola.

    Antnio Nvoa (1991, p. 115), outro estudioso que se debrua so-bre a questo da escola, indica as seguintes diferenas essenciais entre as escolas da Idade Mdia e as escolas dos tempos modernos:

    a passagem de uma comunidade de mestres e alunos a um sis- tema de autoridade dos mestres sobre os alunos;

  • Organizao Escolar

    34

    a introduo de um regime disciplinar, baseado numa discipli- na constante e orgnica, muito diferente da violncia de uma autoridade mal respeitada;

    o abandono de uma concepo medieval indiferente idade dos alunos em favor de uma organizao centrada sobre classes de idades bem definidas;

    a instaurao de procedimentos hierrquicos de controle do tempo e da atividade dos alunos, de utilizao do espao, etc.;

    a implantao de currculos escolares e de um sistema de pro- gresso dos estudos, em que o exame exerce um papel central.

    2.3 A escola no Brasil

    O processo de universalizar a escolarizao da populao brasileira muito recente. Enquanto na Europa a disseminao da ideia da neces-sidade da escolarizao teve incio no sculo XVIII, no Brasil, s ocorreu no incio no sculo XX, ganhando projeo com o processo de urbani-zao e de desenvolvimento industrial, a partir dos anos 1950.

    Figura 6 - Grupo Escolar de So Bernardo Turma de 1920. Fonte: Acervo de Roberto Nasser Bartoli. Disponvel em: . Acesso em: 04 ago. 2010.

  • Captulo 02Para que escola?

    35

    Tentativas de se legislar sobre a educao no territrio nacional j vinham, entretanto, sendo realizadas desde o perodo do Imprio. de 1827 a primeira Lei Nacional que objetivava regular a educao pri-mria nos quesitos da gratuidade, do currculo e do salrio dos profes-sores. Essa Lei durou oito anos. Com relao educao escolar prim-ria, passaram-se cem anos at que uma Constituio Federal voltasse a mencionar a Educao Nacional, trazendo alguns princpios a serem observados em todo o territrio.

    Carlos Roberto Jamil Cury, no livro Medo Liberdade e Compromis-so Democrtico: LDB e Plano Nacional da Educao, de 1997, traz alguns elementos para que reflitamos sobre esse descompromisso atvico para com o Ensino Fundamental.

    Inicialmente para as elites, com o Ensino Superior. A educao bsica era dada por preceptores estrangeiros, professores para

    as primeiras letras, msica, etc.

    A educao popular no era de interesse do Estado e s acon- tecia, praticamente, nas capitais e nos centros comerciais

    maiores.

    No havia industrializao, e o comrcio era incipiente com a ex- trao do pau-brasil, minrios, cana-de-acar e caf.

    O trabalho escravo era o suporte da produo nacional.

    Nem mesmo durante a Repblica, apesar da esperana de maior democratizao, a sociedade brasileira viu garantida em lei a gratuidade do ensino primrio. A educao era vista, portanto, como uma virtude, um ato de esforo individual, e no como dever do Estado. A escolari-zao somente se efetivava medida que a populao procurava e pres-sionava o Estado para oferec-la. Num pas de analfabetos, coronelista e escravocrata, a busca pela sobrevivncia vinha, contudo, em primeiro lugar. No imaginrio da populao brasileira, estava a concepo de que frequentar a escola vinha em segundo lugar.

    Descompromisso atvicoRefere-se s concep-es e s prticas inerentes educao escolar no Brasil, per-meada por subjetivi-dades e pela ideia da escola como dever, e no como direito das pessoas e dever do Estado.

  • Nome da disciplina

    36

    Somente no alvorecer do sculo XX que a organizao da edu-cao nacional surgiu como necessidade para o Estado brasileiro. A es-colarizao da populao era condio indispensvel para a expanso industrial, quer do ponto de vista da qualificao da mo de obra, quer da formao de condutas necessrias ao convvio civilizado na cidade. Em funo do alargamento da escolarizao, fez-se necessrio estruturar um sistema de educao nacional para legislar e organizar a expanso das redes de ensino nos Estados e Municpios da Federao.

    Assim, nos anos 30 do sculo XX, foi criado o MINISTRIO DE EDUCAO E DE SADE PBLICA e inaugurado o Conselho Na-cional de Educao. Nessa mesma poca, surgiu o Movimento da Esco-la Nova, que defendia a educao fundamental massiva da populao brasileira como importante para a formao de uma identidade nacio-nal. Com a contribuio tambm desse Movimento, na Constituio de 1934, a educao includa como direito do cidado, gratuita e obriga-tria, sendo garantidos os recursos pblicos exclusivos para financi-la. O Golpe de 1937, conhecido como Estado Novo, impediu, no entanto, a tramitao e a discusso dessa lei no Congresso Nacional. A educao voltava a ser uma funo complementar do Estado, e as instituies pri-vadas tiveram prioridade nos subsdios oriundos de recursos pblicos. Nesse contexto, foram criadas as Leis Orgnicas, que passaram a regu-lar a Educao Nacional: Ensino Secundrio, Ensino Comercial, Ensino Agrcola, Ensino Normal e Ensino Primrio.

    Com o retorno incipiente democracia, em 1946, foram retomados os dispositivos de obrigatoriedade e gratuidade da educao nacional contemplados na Constituio de 1937 e no considerados pelo Estado Novo. Legislar sobre a educao voltava a ser competncia privativa da Unio e, em 1961, depois de 15 anos de espera, o Brasil teve sua primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN): Lei n 4.024. Essa LDBEN deu nfase Educao Fundamental e a questes do aces-so escolaridade.

    A Faculdade de Educao da UNICAMP mantm um

    site interessante sobre a histria da educao bra-sileira. Voc pode acess-

    lo em . H, nele, duas opes: a Revis-ta HISTEDBR e o Navegan-

    do na Histria da Educao Brasileira.

  • Captulo 02Para que escola?

    37

    Passados apenas dezoito anos de vida democrtica, o pas enfren-tou uma nova ditadura, instaurada pelo Golpe Militar de 1964. Um novo modelo de desenvolvimento econmico baseado na concentrao de renda foi implantado. A LDBEN n 4.024/61 foi reformulada e, em seu lugar, editaram-se as Leis n 5.540/68 e n 5.692/71. A primeira reor-ganizou a estrutura e o funcionamento do ensino universitrio com as seguintes inovaes:

    o perodo letivo passou a regime semestral;a)

    acaba-se a b) ctedra e criaram-se os departamentos, para pulve-rizar a integrao entre as reas de conhecimento;

    terminaram as turmas regulares, que iniciavam e concluiam o c) curso juntas;

    inaugurou-se a matrcula para todos, com garantia de vaga na d) disciplina e no horrio escolhidos para aqueles com melhor n-dice de aproveitamento;

    a universidade passou a ser organizada com base no trip: en-e) sino/pesquisa/extenso.

    Com relao Lei n 5692/71, ateno especial foi dada ao Ensino Mdio profissionalizante, compulsrio e obrigatrio, que tinha como objetivo formar mo de obra para a sociedade civil, que reagiu com-pulsoriedade e universalidade do 2 grau. Em 1982, essa legislao foi modificada pela Lei n 7.044/82, que acabou com a obrigatoriedade do Ensino de 2 grau.

    O anseio pela democratizao da sociedade brasileira, traduzido nas aes desencadeadas pelo movimento estudantil, pelas associaes de professores, pelos sindicatos e pelo movimento diretas j, favoreceu o retorno democracia. Com ela, uma nova constituio e novos or-denamentos para a educao escolar. Em 1988, uma nova Constituio confirmou a educao como um direito social e, mais, como um direi-to pblico subjetivo.

    CtedraPosto ocupado pelo professor titular da disciplina pessoa reconhecida pelos estratos dominantes da sociedade como de notrio saber.

  • Organizao Escolar

    38

    Art. 6: So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, o lazer, a

    segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infn-

    cia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.

    Art. 208: 1 O Acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito p-

    blico subjetivo. 2 O no oferecimento do ensino obrigatrio pelo

    poder pblico, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da

    autoridade competente.

    Como direito pblico subjetivo, qualquer cidado podia exigir do Estado o cumprimento imediato do oferecimento regular de escola de Ensino Fundamental. Com relao ao Ensino Mdio, a Constitui-o afirmava que ele deve ser gratuito em estabelecimentos pblicos de ensino e progressivamente obrigatrio, com vistas universalizao do atendimento. Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional foi elaborada: a Lei n 9394/96.

    Como todo processo democrtico envolve mudanas, divergncia de ideias e contradies, os projetos de LDBEN tiveram processos de tra-mitao longos, lentos e extremamente polmicos, como aconteceu com a Lei n 4.024/61. A atual LDBEN, n 9394/96, tambm teve um longo percurso, de oito anos, desde o seu incio at ser sancionada. Como nos ensina Carlos Roberto Jamil Cury (1997, p. 9),

    [...] toda vez que um novo projeto de lei de Educao Nacional vier tona

    porque algo de muito significativo e problemtico est passando pelas

    foras sociais presentes em nossa sociedade. Por isso, ele, como sempre

    o foi, talvez no deixe de ser complexo e de difcil encaminhamento.

    Trazemos algumas questes, entre muitas outras, que so postas mesa em tempos de democracia quando se discute e se organiza um projeto de LDBEN.

    1) A questo mais problemtica justamente o carter nacional e a complexidade advinda desse contexto. As mudanas pelas quais a sociedade brasileira passa tm implicado, quase sempre, mudan-as nas DIRETRIZES e BASES da EDUCAO NACIONAL.

    Diferente daqueles pro-jetos feitos nos gabinetes do Executivo e impingido sociedade pelas ditadu-

    ras, como foi o caso das Leis Orgnicas de 1937 e das LDBNs n 5.540/64 e

    n 5.692/71.

    DIRETRIZES linha de orientao, norma de

    conduta = direo geral a seguir. BASES superfcie

    de apoio, fundamento = alicerce do edifcio. EN =

    Educao Nacional.

  • Captulo 02Para que escola?

    39

    2) Uma LDBEN polmica tambm por ser obrigada a contem-plar, na sua formulao, aspectos relativos ao nosso modelo de colonizao, experincia da escravatura e ao extermnio qua-se absoluto da populao indgena. polmica, ainda, porque toca na nossa constituio como pas excludente e discrimina-trio, com relao aos negros, aos caboclos, aos indgenas, aos migrantes, ao povo do campo e s classes subalternas urbanas.

    3) As disputas entre as modalidades de ensino pblico e privado. Aqui se colocam questes relacionadas ao financiamento pbli-co da educao no pas: a luta da sociedade civil para manter as verbas pblicas para o ensino pblico como forma de garantir a qualidade das condies de trabalho e de aprendizagem nas escolas; as formas de interveno do Estado ao legislar sobre escolas privadas, entre outras.

    4) Em relao s diretrizes curriculares nacionais, h orientao de uma base comum do que deve ser ensinado em todo o ter-ritrio nacional.

    5) So questes suscitadas com o ensino religioso: Um Estado lei-go, moderno, deve abrir suas portas para o ensino religioso? Qual(ais) ensino(s)? Essa problemtica mexe com a diversida-de cultural e religiosa do Brasil.

    2.4 LDBEN no 9.394/96

    Essa Lei, diferentemente das outras, nasceu do Legislativo, e no do Executivo. O Projeto inaugural foi um dos primeiros a dar entrada na Cmara e teve participao da sociedade civil com representatividade de diferentes organismos, entre associaes e entidades de classe. Para a formulao do texto, foram consultados especialistas, administradores e pesquisadores. Foram vrias as questes que atravessaram sua tramita-o e atrasaram sua aprovao. Entre elas, a participao da sociedade civil organizada, que disputou, com o Congresso, interesses e conflitos. Esses fatores contriburam para prolongar sua trajetria de discusso e aprovao, cuja tramitao durou cerca de oito anos.

  • Organizao Escolar

    40

    Outra questo diz respeito ao fato de o projeto no ter sido apoiado pelo executivo federal, pelos secretrios estaduais de educao e pelos segmentos ligados ao setor privado. Os principais problemas levantados para esse no apoio se relacionavam s acusaes de corporativismo, de excesso de regulamentao, de querer invadir a autonomia dos estados e de no propiciar a incorporao plena da jornada integral.

    Por outro lado, vrios dos parlamentares comprometidos com o projeto no conseguiram se reeleger para dar continuidade s suas ideias e alianas, o que trouxe dificuldades continuidade das discusses.

    2.5 Aspectos inovadores da nova LDBEN

    A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional trouxe algu-mas inovaes em relao s Leis que a precederam.

    O primeiro ponto inovador diz respeito mudana na estruturao dos nveis de ensino, que passou de trs nveis (Ensino de 1 Grau; Ensino de 2 grau e Ensino Superior) para dois: Educao Bsica, que compre-ende a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Mdio; e o Ensino Superior. Com relao Educao Bsica, destacamos a incluso da Educao Infantil e a extenso progressiva da obrigatoriedade do En-sino Mdio como uma significativa conquista para a plena escolarizao da sociedade brasileira.

    Outro ponto se refere formao inicial e continuada dos profes-sores, qual atribuda importncia fundamental para o projeto de Educao Nacional. Roselane Campos (2002) indica que o projeto de profissionalizao dos professores, proposto pelo Estado, est assentado em trs estratgias: a) novas referncias para a atuao dos docentes da Educao Bsica, centralizadas no estabelecimento de ensino; b) forma-o nica para todos, construda a partir do referencial de competn-cias; c) deslocamento da formao de professores da universidade para outras instncias educacionais voltadas exclusivamente para este fim, como os Institutos Superiores de Educao. Essa inovao, entretanto, vem sofrendo crticas por parte dos pesquisadores da educao, que apontam como possveis consequncias: o aprofundamento da concepo tcnico-instrumental na formao, a diversificao e diferenciao das

    A etapa final da Educa-o Bsica, estabelece a preparao bsica para o trabalho: a formao tica, a autonomia, a ci-

    dadania e a compreenso dos fundamentos cien-tfico-tecnolgicos dos

    processos produtivos [...] (art. 35). O Ensino Mdio propedutico a uma pos-

    svel profissionalizao no mbito da formao supe-rior ou tcnica, com cursos

    ps-mdios. Esse estgio da formao, alm do ca-

    rter propedutico, tem o objetivo da terminalidade,

    ou seja, de assegurar aos estudantes a concluso da

    Educao Bsica.

  • Captulo 02Para que escola?

    41

    instituies de formao, a expanso e privatizao do Ensino Superior, o aligeiramento da formao, entre outros aspectos.

    Alm dessas duas importantes inovaes propostas pela LDBEN, outras se agregam. Entre elas, citamos o acolhimento dado questo da diferena dos sujeitos, com dispositivos relacionados s comunida-des indgenas, que apoiam sua cultura, e o bilinguismo; incluso escolar, dando importncia educao de jovens e adultos, por exemplo; inclu-so dos indivduos com necessidades especiais na escola regular.

    2.6 Desdobramento e complementaes da LDBEN

    A sociedade no esttica, est continuamente em transformao. Nesse sentido, as Diretrizes e Bases da Educao precisam acompanhar o fluxo das mudanas produzidas tanto pelas acomodaes ao modo de produo capitalista global como para atender as demandas das lutas sociais. Desse modo, no decurso da promulgao e implementao da LDBEN 9.394/96, complementaes legais e alteraes nos seus dispo-sitivos foram efetivados.

    Lei 10.436/2002 prev a obrigatoriedade do ensino de Libras nos cur-

    sos de professores.

    Lei 10.639/2003 inclui a Histria e Cultura Afro-Brasileira no Ensino

    Fundamental e Mdio.

    Lei 11.114/2005 altera os artigos 6 e 32 da LDB para tornar obrigatria

    a matrcula das crianas de seis anos de idade no Ensino Fundamental.

    Lei 11.274/2006 altera os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDB, ampliando a

    durao do Ensino Fundamental de oito para nove anos.

    Emenda Constitucional n 59, de 11 de novembro de 2009 amplia

    a obrigatoriedade e a gratuidade da Educao Bsica dos 4 aos 17 anos

    de idade.

  • Organizao Escolar

    42

    2.7 O lugar da arquitetura na cultura escolar e na cultura da escola

    A escola, na forma como a conhecemos um prdio escolar, com salas destinadas aos diferentes fazeres nasceu no sculo VII. Nesse perodo, os jovens aristocratas que no tivessem herana tinham duas escolhas de independncia: ir para o exrcito ou para a igreja. As escolas existentes tinham como papel principal dar a conhecer a doutrina crist eram os monastrios. Esses jovens no escolhiam o destino religioso por vocao ou vontade. Havia uma sobredeterminao dos genitores e da sociedade. Cabia ento instituio a vigilncia constante sobre esses jovens da uma arquitetura que levava em conta assegurar tanto o ato de vigiar quanto o de controlar, at a internalizao, pelos estudantes, de que estavam em permanente estado de vigilncia o panptico.

    O Panptico de Bentham uma figura arquitetural para a vigilncia:

    na periferia uma construo em anel; no centro, uma torre vazada

    de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a cons-

    truo perifrica dividida em celas com janelas para o interior e

    para o exterior: as primeiras correspondem as janelas da torre e as

    segundas permitem que a luz atravesse a cela de lado a lado. Tudo

    o que acontece no interior da cela, cada movimento, visvel a um

    vigia postado na torre central (FOCAULT, 1986, p. 177).

    Esse modelo caracterstico das antigas construes escolares. Pensemos numa escola religiosa, construda no incio do sculo no formato quadrado, com o ptio rodeado por salas , na qual o educando no tem sada, por onde ele andar poder ser visto.

    No sculo XV, com a inveno da imprensa, a finalidade religiosa ficou em segundo plano e a escola se abriu para a formao da aristo-cracia como um todo a ela tinha a finalidade de socializao. Entre-tanto, o modelo arquitetnico continuou baseado na vigilncia sobre os jovens, o que reafirma o papel principal da escola. No sculo XIX, a finalidade da escola mudou: as necessidades da sociedade industrial

    Assista ao filme: O Nome da Rosa. Ele pode ajud-lo

    a entender esse tempo.

  • Captulo 02Para que escola?

    43

    requisitava uma escola que ensinasse a cincia e a tcnica. Lentamente, a arquitetura da escola comeava a modificar-se, chegando ao modelo de escola aberta que encontramos hoje. Mesmo nesse modelo arquitetni-co aberto, a vigilncia e o cerceamento da movimentao das crianas e dos jovens ainda pode ser encontrado nos muros que cercam as escolas, nos vrios portes pelos quais o estudante tem de passar e no controle que exige que ele se identifique para poder ter acesso aos espaos fsicos da escola.

    A escola vive, portanto, a ambiguidade de ser um lugar social moderno

    e, ao mesmo tempo, de valores antigos que foram conservados. Ou

    seja, nada na escola neutro, nem mesmo a sua arquitetura. Quando

    olhamos para uma escola, devemos nos perguntar: esse prdio eviden-

    cia qual Projeto Poltico-pedaggico (PPP)?

    Vimos at aqui elementos da cultura escolar impressos na sua ar-quitetura. So eles que nos possibilitam reconhecer uma construo como um estabelecimento de ensino. Isso porque as escolas se asseme-lham na arquitetura.

    Os prdios escolares, independentemente da idade de sua constru-o, tm semelhanas: geralmente edificaes no formato de um U ou quadradas, com um ptio interno, na maioria das vezes descoberto, uma quadra e/ou um campo em um dos lados e, mais recentemente, com ginsios cobertos, com quadras polivalentes. Essa arquitetura denuncia uma concepo de escola como um lugar social de controle e vigilncia, de relaes hierarquizadas de mando e obedincia, de valorizao de determinados saberes em detrimento de outros.

    Por essa razo, a biblioteca, os laboratrios, as salas informatizadas, as salas de vdeo, por exemplo, so espaos adaptados e no fazem parte do projeto poltico-pedaggico da escola. Ou seja, no esto incorpora-dos ao projeto arquitetnico porque no so considerados fundamen-tais como as salas de aula. O saber, nessa concepo, realiza-se entre professor e aluno e se restringe ao ambiente da sala de aula, a qual tem uma arquitetura que obedece a um modelo padro: com janeles de um

  • Organizao Escolar

    44

    lado e a porta do lado oposto, prxima parede, onde fica o quadro de giz e a mesa do educador, voltada para o corredor interno.

    Alm desses lugares, pode haver outros que servem como depsi-to para material de limpeza, merenda ou, ainda, para guardar material didtico, principalmente o de educao fsica, podendo tambm se des-tinar ao uso da equipe pedaggica, quando a escola conta com esses pro-fissionais no seu quadro funcional, algo cada vez mais raro. Nos fundos, esto localizados a cozinha e os banheiros. No lado em que se encontra o porto de entrada, esto tambm a secretaria, a sala dos dirigentes e dos educadores. Existem poucas variaes nesse aspecto arquitetnico das escolas, mas a base permanece a mesma e isso que nos permite re-conhecer que ali existe uma escola. As escolas/empresas, tais como cur-sinhos pr-vestibulares e supletivos, constituem a exceo, uma vez que funcionam, nas grandes cidades, em prdios comerciais, para facilitar o acesso dos alunos/clientes.

    Contudo, um olhar mais arguto ao observar o cotidiano da escola pode nos indicar diferenciaes entre um estabelecimento de ensino e ou-tro. Isso se d em vista dos diferentes significados que os sujeitos atribuem aos espaos construdos. Ou seja, os lugares so ocupados por indivduos que tm uma histria e uma cultura das quais decorrem concepes de mundo, de escola, de educador, de educando e da profisso docente, s vezes convergente, outras divergente. Nas escolas, os sujeitos se apropriam dos espaos e recriam novos sentidos e formas de sociabilidade.

    De escola para escola, conforme os sujeitos e as relaes que se es-tabelecem entre eles, o espao construdo ganha contornos, adereos, formas, usos e significados diferentes. Uma secretaria de escola , em princpio, igual em todas as escolas: localiza-se sempre entrada. Pode ter como funo o controle da chegada e da sada de visitantes, familia-res, educandos, educadores e outros funcionrios. Com esse significado, geralmente o espao da secretaria tem um leiaute tpico: uma porta, logo em seguida um grande balco e, por trs dele, as mesinhas da secretria e suas auxiliares; aos fundos, uma porta que se abre para a sala da dire-o, que tambm pode localizar-se ao lado. Ou seja, quem quer que seja o visitante, este, antes de chegar direo da escola, passa pelo crivo dos funcionrios da secretaria.

  • Captulo 02Para que escola?

    45

    Tambm pode ter como funo o acolhimento, isto , receber e encaminhar as pessoas. Nesse caso, o espao da secretaria aberto, an-tes do balco h uma mesa e cadeiras para recepcionar os visitantes. A sala da direo se abre para esse espao, num estmulo ao intercmbio, conversa, escuta.

    Assim como a secretaria, a outros espaos podem ser atribudos significados diferenciados: a sala dos especialistas tanto pode estar pr-xima ou junto secretaria, num significado de controle ou de acolhi-mento, quanto pode estar prxima s salas de aula, revelando um con-vvio mais ntimo com os educadores e educandos ou uma relao de controle ou de acolhimento das questes e dos conflitos inerentes ao processo de ensinar e aprender.

    As salas de aula podem manter o leiaute conhecido: quadro para giz, mesa do professor frente de carteiras enfileiradas cuja dinmica de ocupao determinada pelo educador, o nosso velho espelho de classe, separando os grupos de educandos conversadores , prxima da porta, para que o educador possa controlar a entrada e sada dos estudantes, e um armrio nos fundos. Pode, conforme a metodologia de ensino, haver uma outra organizao do espao: as carteiras em crculo, denotando a possibilidade do dilogo e do debate aberto, relativizando as hierarquias e possibilitando vez e voz a todos os participantes do processo de ensinar e aprender. Pode, tambm, ter as carteiras agrupadas (com quatro carteiras formando um grupo) indicando a compreenso de que a produo do conhecimento social e que a discusso em grupos possibilita uma maior compreenso de um determinado tema perspectiva sociointeracionista. A organizao espacial da sala de aula nos diz muito sobre a compre-enso que o educador tem de ensinagem e de aprendizagem.

    As mesas do refeitrio podem ter mltiplos significados, tais como: lugar onde os educandos lancham e se integram; espao para os educadores trabalhar com aulas mais criativas, com a participao dos educandos, produzindo maquetes, desenhos, atividades artsticas, num dia de frio em que o sol se faz necessrio, ou em um dia de calor, quando uma brisa sempre bem-vinda; podem ser tambm lugar de recepo das famlias e de descanso das faxineiras e merendeiras. A biblioteca pode tambm ser ponto de encontro dos alunos, alm de lugar de guar-da de livros e peridicos para leitura e pesquisa.

    A perspectiva sociointe-racionista, pautada em Vigotski (2003 [1984]), concebe que o desen-volvimento humano se d nas relaes de trocas entre parceiros sociais, atravs de processos de interao e mediao, num percurso interpsico-lgico para intrapsicolgi-co. Assim, sugerimos que voc aprofunde mais seus conhecimentos sobre as teorias desse pensador russo. Indicamos, inicial-mente, o seguinte livro: VIGOTSKI, Lev Semenovi-ch. A formao social da mente: o desenvolvimen-to dos processos psico-lgicos superiores. 6. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

  • Organizao Escolar

    46

    Outros aspectos da arquitetura e do uso do espao fsico poderiam ainda ser relacionados, como a exposio das produes de educandos e educadores nas paredes dos corredores e ptios das escolas, sociali-zando a criatividade que emana do processo de ensinar e aprender; os banheiros, os jardins, entre outros, que evidenciam as novas significa-es do espao pelos atores das escolas e que marcam a distino entre os estabelecimentos de ensino.

    Resumo

    Neste captulo, trouxemos a diferenciao entre Cultura Escolar e Cultura da Escola. A primeira diz respeito ao que se construiu em termos de concepes tericas e polticas sobre a Instituio Escolar, as quais fazem parte do imaginrio coletivo que temos com relao configurao de seu contedo curricular e arquitetnico. As escolas se assemelham no que diz respeito cultura escolar. A Cultura da Escola, por sua vez, relaciona-se s singularidades que expressam identidades diferenciadas a cada estabelecimento de ensino. produzida no entre-laamento de mltiplos fatores, entre eles a dimenso da cultura escolar. Tambm fatores relacionados dimenso do contexto histrico, geo-grfico, social e cultural da populao de seu entorno, alm daqueles relacionados s subjetividades dos atores que dela fazem parte. Enquan-to a Cultura Escolar um a priori, isto , precede este ou aquele estabe-lecimento de ensino, a Cultura da Escola tecida cotidianamente, em virtude da trama das interaes sociais e afetivas que acontecem no seu interior, no entrelaamento das trs dimenses citadas: das concepes tericas e polticas sobre a Instituio Escolar; do contexto geogrfico, histrico, social e cultural e das subjetividades dos atores.

    Aprendemos um pouco da histria da Instituio Escolar, ou seja, vimos elementos que fazem parte do que denominamos Cultura Escolar. Os estudiosos da histria da educao identificam trs grandes pero-dos: o primeiro, em que a finalidade da escola se voltava exclusivamente transmisso do cristianismo e que perdurou, pelo menos, durante sete sculos; o segundo, denominado perodo clssico, em que a escola tinha como funo a socializao dos indivduos e que perdurou do sculo XV

    Imaginrio coletivotecido por um conjun-

    to de manifestaes culturais que so apro-priadas pelos indivdu-

    os no processo mes-mo de suas relaes

    sociais; essas manifes-taes se configuram

    como valores, prticas, dados de realidade

    socialmente aceitos e incorporados como re-ferncias para o pensar

    e o agir das pessoas.

  • Captulo 02Para que escola?

    47

    ao sculo XVIII; e um terceiro perodo, que tem incio no sculo XVIII e que ainda hoje vigora, denominado perodo tecnicista. Nesse ltimo, a finalidade da educao escolar se volta para a disseminao de saberes tcnicos e cientficos e tem incio a universalizao da escola. A escola que conhecemos hoje vem se construindo desse jeito h pelo menos 300 anos, desde o sculo XVIII. Comparada da Europa, a universalizao da escolarizao no Brasil tem, pelo menos, 100 anos de atraso. A edu-cao escolar da populao brasileira tornou-se necessidade somente nas dcadas iniciais do sculo XX, quando veio a representar condio indispensvel para a expanso industrial.

    Na Constituio de 1934, a educao foi includa como direito do cidado, gratuita e obrigatria, sendo garantidos recursos pblicos para financi-la. Nessa mesma dcada, foi criado o MINISTRIO DE EDU-CAO E DE SADE PBLICA e inaugurado o Conselho Nacional de Educao. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN), Lei n 4.024, de 1961 e tramitou pelo Congresso Nacional por um longo perodo. Com o Golpe Militar perpetrado nao em 1964, uma nova LDBEN foi estruturada, a Lei n 5.540/64, que legislava sobre o Ensino Superior, e a Lei n 5.692/71, sobre o Ensino de 1 e 2 Graus. Com a volta da democracia, na dcada de 1980, uma nova LD-BEN foi proposta e longamente discutida no Congresso Nacional, a Lei n 9.394/96, que hoje est em vigor.

    Tambm refletimos sobre a arquitetura escolar que conhecemos, a qual no tem sofrido grandes transformaes desde que nela foi incor-porada a finalidade de transmisso dos saberes da tcnica e da cincia, no sculo XVIII. Ou seja, h pelo menos 300 anos que essa escola na qual estudamos e pretendemos trabalhar no experimenta profundas modificaes. A arquitetura escolar expresso do projeto poltico-pe-daggico da escola e vice-versa. O modo como os espaos so utilizados e organizados nos falam da compreenso de concepes de mundo, de conhecimento, de escola, de educador, de educando e da profisso do-cente, de ensinar e de aprender que tm os sujeitos (educadores, equipe pedaggica e administrativa) diretamente responsveis pela conduo da educao escolar.

  • Captulo 03

    Figura 7 - As concepes de escola que temos, representadas nessa tira da srie Charlie Brown,

    criada por Charles Schulz. Disponvel em: .

    Acesso em: 04 ago. 2010.

    Significaes sociais da escola

    49

    3 Significaes sociais da escolaNeste captulo objetivamos identificar as matrizes tericas das principais

    concepes construdas sobre a funo da escola e refletir sobre as permann-cias dessas concepes na Organizao Escolar.

    Este captulo tambm dedicado ao que denominamos de Cultu-ra Escolar. Nele estudaremos as diferentes perspectivas que foram sen-do construdas sobre as finalidades da escolarizao. Veremos distintas concepes, desde as mais tradicionais, que entendem a escola como uma instituio autnoma, sem qualquer determinao social, at aque-las que atribuem escola uma esfera de autonomia relativa, onde as re-sistncias so possveis. Estas formam a compreenso que temos sobre o porqu e o para que da educao escolar, os quais, no cotidiano da sua organizao, entram em conflito e impem limites ao seu projeto poltico-pedaggico. Nos autores clssicos da Sociologia, isto , nos fun-dadores dessa rea do conhecimento Durkheim, Weber e Marx en-contramos as matrizes tericas das diferentes formas de compreender e organizar a escola.

    3.1 Viso funcionalista da escola

    A teoria de Durkheim est na base da viso funcionalista da es-cola. Para essa perspectiva, a sociedade e a escola se assemelham a um organismo vivo. Tal como o corpo humano, composto de rgos que de-sempenham funes necessrias ao seu equilbrio, a escola tambm tem seus rgos que desempenham diferentes funes, cujo cumprimento imprescindvel para o seu funcionamento. Os regimentos escolares so bons exemplos dessa forma de conceber a escola. Neles, encontramos as funes: de aluno, de professor, de diretor, de especialista (supervisor es-colar, orientador educacional, etc.), de secretrio, entre outras; para cada uma dessas funes, encontram-se descritos os direitos e os deveres, isto , qual o papel a ser desempenhado em cada uma delas. O correto de-sempenho dessas funes, ou seja, o cumprimento por parte de cada indivduo com seus direitos e deveres fundamental para o funciona-mento da escola, para que ela possa cumprir com sua funo de integrar os indivduos/estudantes sociedade.

    Para mais informaes sobre a biografia desses importantes socilogos clssicos, consulte o site: .

  • Organizao Escolar

    50

    3.2 Viso estruturalista ou burocrtica da escola

    Para Weber, burocracia sinnimo de organizao. Um sistema no qual a diviso do trabalho se d racionalmente, onde existe coerncia na relao entre os meios e os fins visados. A burocracia tem como ca-ractersticas: o formalismo nas comunicaes; a existncia de normas e regulamentos escritos; a impessoalidade nas relaes; o recrutamen-to de quadros, baseado no mrito e na competncia tcnica, e no em preferncias pessoais e polticas; a profissionalizao do funcionrio na medida em que a burocracia exige que ele seja um especialista e assala-riado; a separao entre a propriedade e a administrao, isto , os ad-ministradores da burocracia no so seus donos; o planejamento numa previso do funcionamento. Contudo, o que melhor define essa perspec-tiva de organizao a presena de uma estrutura hierrquica de autori-dade (no topo, o diretor; na base, os alunos e; entre eles, os especialistas, os professores e os demais funcionrios) e de uma diviso horizontal e vertical do trabalho que atende a uma racionalidade e busca a eficincia na organizao. Tambm o regimento escolar, nessa perspectiva, o me-lhor exemplo, pois nele se encontra uma diviso metdica do trabalho, traduzida em papis bem definidos, cujo desempenho se d de acordo com uma descrio precisa de direitos e deveres, que , entretanto, esta-belecida e modificada pelos ocupantes dos nveis mais altos do prprio grupo (diretores, especialistas e professores). No regimento, encontram-se a estrutura e o funcionamento da escola. Portanto, no que se refere compreenso da organizao da escola, as vises funcionalista e estru-turalista se complementam.

    3.3 Viso reprodutivista da escola

    Tambm chamada de crtico-reprodutivista, essa perspectiva de olhar para a educao escolar recebeu essa denominao por fazer a crtica s teorias conservadoras (funcionalista e estruturalista) e afirmar, com base na teoria marxista, que a escola tem um papel fundamental na reproduo da ideologia burguesa, desmistificando a imagem da educa-o como um fator determinante de equalizao e de mobilidade social.

    Motta, no livro O que Burocracia, defi-

    ne esta como [...] uma estrutura social na qual

    a direo das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente orga-

    nizado, que deve agir segundo critrios impes-

    soais e mtodos racionais. (MOTTA, 1988, p. 7).

  • Captulo 03Significaes sociais da escola

    51

    No interior dessa perspectiva de olhar para a escola, encontramos duas vertentes: aquelas que veem na escola a funo de reproduo social e aquelas que veem na escola a funo de reproduo cultural.

    Representando a abordagem da reproduo social, os franceses Baudelot e Establet, no livro La Escuela Capitalista (1986), argumentam que a escola nica, apregoada pelo Sistema de Ensino Francs, no exis-te. Em seu lugar, apresentam a escola dividida em duas redes: a rede SS (Secundrio Superior), que possibilita aos estudantes o prosseguimento dos estudos em nvel superior, e a rede PP (Primrio Profissional), que profissionaliza os estudantes no lhes dando chance de prosseguimento dos estudos. A diviso em redes diferentes percorre o mesmo caminho da diviso de classes antagnicas na sociedade capitalista. Desse modo, para a rede SS, vo os filhos da burguesia e, para a rede PP, os filhos das classes populares. Os estadunidenses Bowles e Gintis so tambm impor-tantes autores dessa perspectiva. Na obra Schooling in Capitalist Ameri-ca (1976), argumentam haver correspondncia entre as relaes sociais que administram a interao entre os indivduos no local de trabalho e as relaes sociais do sistema educativo. H uma estreita correspondn-cia entre a estrutura organizacional da escola e a estrutura de empregos: o papel reprodutor da instituio escolar se efetiva na medida em que desenvolve, nos seus al