Mariana Ishibashi 03 09 2014 - anestesiologiausp.com.br · IV Curso de Educação Continuada em...

22
IV Curso de Educação Continuada em Fisiopatologia e Tratamento da Dor Caso Clínico de dor oncológica em pacientes adultos Mariana Ishibashi 03_09_2014

Transcript of Mariana Ishibashi 03 09 2014 - anestesiologiausp.com.br · IV Curso de Educação Continuada em...

IV Curso de Educação Continuada em Fisiopatologia e

Tratamento da Dor

Caso Clínico de dor oncológica em pacientes adultos

Mariana Ishibashi

03_09_2014

Caso Clínico

● M.C.V.G., 56 anos

● Sexo feminino

● Natural e procedente de São Paulo.

● Divorciada, não tem filhos, mora com a mãe.

● Religião: espírita.

● Diagnóstico oncológico: Neoplasia maligna da mama.

● Comorbidades: correção cirúrgica de hérnia de hiato; colecistectomia; lipoaspiração há 15 anos; diverticulose (04/2013).

● DIH 17/07/14

● Queixa atual: dor em região dorsal com irradiação para andar inferior do abdome. Refere náuseas esporádicas.

Exame físico

– REG, corada, hidratada, anictérica, acianótica, afebril.

– RCR em 2T, BNF sem sopros,

– MV+, sem RA, eupneico

– Abdome semi-globoso, flácido, indolor, hepatomegalia

– MMII: sem edemas

Tratamentos anteriores

● 2000 - Ressecção segmentar de Mama D + linfadenectomia axilar – QT advujante+ RXT adjuvante.

– Tamoxifeno por 5 anos. Em seguida, extendeu por mais 2 anos (parou em 2007)

● Out/2010 - dores região lombar e região interna das coxa, com irradiação para MMII, principlamente em MIE, até os pés, tipo choques e pinçamento.

● Fev/11 - RM coluna lombar: Múltiplas lesões disseminadas pelas estruturas ósseas, destacando-se extenso acometimento do ilíaco esquerdo (parcialmente englobado pelo estudo)

● Fev/11 - Cintilo óssea: Múltiplas áreas hipercaptantes em crânio, escápula direita, 8ª costela direita, vértebras torácica e lombares e ossos da bacia, sugestivas de comprometimento ósseo pela patologia de base.

● Abr/11 - Biópsia de lesão óssea: ADENOCARCINOMA METASTÁTICO. O aspecto morfológico sugere sitio primário em mama

● 30/01/12 a 13/02/12 - RT em hemipelve esquerda

Medicamentos em uso

- dipirona 2g IV 6/6h.

- naproxeno 500mg VO 12/12h.

- fentanil TD 100mcg/h.

- gabapentina 400mg VO 8/8h.

- amitriptilina 50mg VO noite.

- haloperidol 1mg IV 8/8h.

- ondansetrona 8mg IV 8/8h.

- dexametasona 4mg IV 2x/dia.

- bisacodil 5mg VO à noite.

Exames de imagem

● RNM encéfalo: – Aumento das regiões de espessamento meníngeo sugestivas de acometimento secundário.

– Lesões ósseas da calota craniana, compatíveis com lesões secundárias, relativamente estáveis em relação ao exame anterior.

● RNM coluna: – Múltiplas lesões ósseas compatíveis com acometimento secundário, por vezes associadas

a fraturas patológicas e apresentando roturas corticais e componentes de partes moles extra-ósseos.

– Fratura do corpo vertebral de D4 com discreto recuo convexo do muro posterior, imprimindo o saco dural.

– Lesão no processo articular inferior esquerdo de D7, com componente de partes moles que se insinua ao forame neural D7-D8.

– Lesão no corpo e no pedículo esquerdo de D10, com componente de partes moles epidural posterolateral esquerdo e foraminal D9-D10 homolateral.

– Fratura patológica do corpo vertebral de L5, com redução de mais de 50% da altura somática e apresentando componente de partes moles obliterando o forame neural L5-S1 esquerdo, onde envolve a raiz emergente.

– Lesão extensa acometendo a asa sacral esquerda e o ilíaco deste lado, acometendo a superfície articular sacroilíaca adjacente, com áreas de realce heterogêneo, possivel componente de necrose.

– Discopatia degenerativa multissegmentar com algumas fissuras anulares, destacando-se abaulamento discal em L4-L5 imprimindo o saco dural e com componente foraminal direito, que mantem contato com a raíz emergente L4 direita.

– Alterações degenerativas nas interapofisárias lombares, contribuindo para leve redução dos forames neurais.

– Hipotrofia da musculatura paravertebral lombar inferior.

História da dor

● Paciente refere início de dor há cerca de 5 anos com bom controle álgico com uso de medicações domiciliares.

● Refere que há cerca de 15 dias refere piora da dor, porém quando foi informada que não "há mais nada a fazer" sua dor aumentou significativamente. Relata que dor abdominal, dorsal não melhoram com nenhuma medicação. Quando questionada sobre diagnóstico, paciente começou a dormir. Está em negação da doença.

● Não está dormindo à noite. Fica a noite toda acordada.

● Resistente às equipes.

● Explicado à paciente sobre os Cuidados Paliativos e seus objetivos porém mãe acha que irão sedar a paciente.

● Sem evacuar há 3 dias. Ontem refere 3 episódios de vômitos.

● Intensidade de dor nas nas últimas 2 (duas) semanas (escala descritiva): forte.

● Intensidade de dor nas nas últimas 2 (duas) semanas (escala numérica): 10.

● Local da dor atual: abdomen, região torácia.

● Tipo de Dor: nociceptiva.

Intensidade da dor (últimas 24h)

● Pior dor (EVN 0-10) : 10

● Dor média (EVN 0-10): 9

● Menor dor (EVN 0-10) : 7

● Dor no momento (EVN 0-10) : 7

● Fatores da melhora: nega

● Fatores de piora: nega

Plano de tratamento (18/07/2014):

● gabapentina para 600mg VO 8/8h

● Introduzida metadona 15mg VO 8/8h

● Conversar com mãe novamente e filha para sugerir Cuidados

Paliativos (ainda não quer receber a equipe).

Evolução diária- 19/04/2014

● Paciente sentada, acordada e orientada mas levemente sonolenta. Dados vitais estáveis e normais, freqüência respiratória 10.

● Horas antes paciente estava arresponsiva, rebaixada recebeu naloxone 0,5 ampola apresentando melhora imediata.

● Orientado aos familiares e discuto caso com equipe da oncologia. Paciente apresentou intoxicação por medicação opioide.

● Suspensos metadona e gabapentina.

● Intensidade da dor (últimas 24h): – Pior dor (EVN 0-10) : 10

– Dor média (EVN 0-10): 9

– Menor dor (EVN 0-10) : 7

– Dor no momento (EVN 0-10) : 7

● RASS -1, FR=10ipm, eupneica, orientada.

Evolução diária- 19/07/2014

● Hipótese diagnóstica: Dor total

● Plano de tratamento:

– Reintroduzir medicação lentamente - gabapentina 300mg 12/12 e

metadona 5mg 12/12.

Evolução diária – 21/07/2014

● Encontro paciente dormindo, acorda brevemente quando chamada.

● Acompanhante refere que a paciente não se queixou de dor.

● Discutir com equipe dos Cuidados Paliativos e seguir em acompanhamento conjunto até ser assumida pelo grupo e estabelecer vínculo com o mesmo.

Interconsulta com o grupo de cuidados paliativos

● Impressão: paciente portadora de neoplasia de mama metastática,

com dor de difícil controle, e atualmente sonolência que pode ser

decorrente de vários fatores: medicamentos com ação sedativa;

infecção(?), piora da função renal + desidratação; carcinomatose

meníngea (?).

Interconsulta com o grupo de cuidados paliativos

● Rastreamento para infecção (Urina, culturas, Rx de tórax).

● Investigar piora de função renal (compressão de vias urinárias com componente pós-renal?).

● Manter fentanil 100mcg/h - patch a cada 72 horas, pois houve controle de dor.

● Suspender medicações com efeito sedativo outras, como amitriptilina, haloperidol (deixar se necessário) e dimenidrato, e observar como ficará nível de consciência.

● Conversado extensamente a mãe da paciente, que se mostrou angustiada com relação à sonolência. Exposto à mesma sobre as diversas causas, e que o grupo irá acompanhar em conjunto com a Oncologia e grupo de dor para otimizar tratamento, controlando sonolência. A mesma está ciente em relação ao prognóstico.

Evolução diária - 24/07/2014

● Encontro paciente no leito, acordada, contactuante, acompanhada da mãe.

● Refere ter ficado agitada durante a noite, com muita dificuldade para dormir, mas não relaciona com dor.

● Mantém a queixa de dor lombar de média intensidade, relacionada ao decúbito prolongado, mas não muito desconfortável.

● Nega N/V, alimentação pastosa e apetite preservado.

● Intensidade da dor (últimas 24h): – Pior dor (EVN 0-10) : 6

– Dor média (EVN 0-10):4

– Menor dor (EVN 0-10) :0

– Dor no momento (EVN 0-10) : 4

● Nível de Consciência: RASS 0

Evolução diária- 25/07/2014

● Melhora da sonolência porém com muito desconforto respiratório (dispnéia), com uso contínuo de máscara com O2 100%.

● Mãe relata que dormiu melhor à noite, porém está mais confusa agora. Ao conversar com a paciente esta se mostra orientada apesar do desconforto respiratório, e refere estar "cansada".

● Refere controle da dor abdominal (sem dor no momento), mas mantendo queixa de dor lombar em queimação.

● Nega N/V, alimentação pastosa e apetite diminuindo progressivamente.

● Evacuou hoje.

● Intensidade da dor (últimas 24h): – Pior dor (EVN 0-10) : 0

– Dor média (EVN 0-10):0

– Menor dor (EVN 0-10) :0

– Dor no momento (EVN 0-10) : 0

● Nível de Consciência: RASS 0

Evolução diária- 28/07/2014

● Paciente encontra-se no leito, dormindo, acompanhada da mãe, dispnéica, com máscara de oxigênio constantemente.

● Mãe refere que a paciente está mais tranqüila porém passa a maior parte do tempo dormindo.

● Acorda espontaneamente e informa que a dor está melhor controlada hoje, no momento sem queixas.

● Tranqüilizo a família e esclareço que a prioridade é disponibilizar medidas de conforto.

● G. de C. Paliativos vai assumir hoje.

Grupo de Cuidados Paliativos - 29/07/2014

● Paciente portadora de neoplasia de mama metastática, com dor de difícil controle, quadro de sonolência resolvido. Evoluiu com melhora da dor, porém estado confusional agudo (delirium) com momentos de agitação, hoje menos desorientada e colaborativa, referindo melhora da dor.

● Paciente realizou ontem toracocentese de alívio pela cirurgia torácica.

● Paciente refere melhora importante da dispnéia e da dor, estando no momento apenas com náuseas não associadas à alimentação. Refere que conseguiu dormir bem à noite.

● Realizada reunião familiar na presença da mãe, prima e irmão, que encontram-se bastante cientes do quadro clínico da paciente e da ausência de terapêutica curativa para a mesma. Referem que querem que a paciente fique internada no ICESP e que a mesma não deseja ser transferida ao NACE de forma alguma. Acolho a família e explico que não adotaremos medidas que aumentem o desconforto da paciente e não a transferiremos ao NACE se não for da vontade da mesma. Explico sobre a não adoção de suporte avançado de vida com UTI, IOT e RCP. Acolho e explico a programação de cuidados de conforto, com os quais a família concorda.

● Paciente ciente do diagnostico / Prognostico - sim

● Familiar ciente do diagnostico/ Prognostico - sim

DISCUSSÃO

● OMS: dor oncológica é uma emergência médica mundial.

● A dor em si é uma doença com características próprias e deve ser

diagnosticada e tratada, ainda que a causa esteja em processo de

investigação diagnóstica ou quando o tratamento curativo da condição

inicial não é possível.

● Os tratamentos devem ser individualizados e multidisciplinares.

● Dor é o sintoma de maior incidência entre os pacientes (nociceptiva,

neuropática e dor incidental).

● O vício nesses pacientes não é motivo de preocupação porque o

importante é aliviar a dor.

Dor total

● O conceito: componente físico pode se modificar sob a influência de

fatores emocionais, sociais e também espirituais.

● “Dor e sofrimento andam juntos, mas não são necessariamente a

mesma coisa.”

Dor total

– Dor física é a causa mais óbvia do sofrimento;

– Dor emocional leva a mudança no humor (raiva, depressão,

desesperança, desespero, culpa), proximidade da morte, perda do

controle sobre a própria vida, necessidade de redefinição perante o

mundo, a luta contra a doença e seus tratamentos.

– Dor social: medo de isolamento e abandono, perda do papel social,

perdas econômicas; ) mudança de planos de vida, deixar de lado os

planos de longo prazo.

– Dor espiritual: perda do sentido e significado da vida.

Obrigada!