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XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Documento libre 1 Governança: questões conceituais sobre processos de tomada de decisão, redes de formulação e deliberação sobre políticas de recursos hídricos Fernanda Costa de Matos Reinaldo Dias Introdução A complexidade dos problemas enfrentados pelas sociedades atuais tem revelado que as tradicionais formas de governar não tem conseguido gerenciar inúmeros aspectos da realidade pública, pois envolvem questões que não se limitam às fronteiras políticas criadas pelos governos nacionais. Entre as questões que se apresentam, e que não se limitam aos espaços políticos tradicionais, se encontram aquelas relacionadas com o meio ambiente, pois envolve uma gama enorme de fenômenos e eventos naturais que não respeitam as fronteiras criadas pelo ser humano. Neste caso, os limites geopolíticos do Estado e suas divisões político- administrativas nem sempre possibilitam que a gestão pública ambiental, em qualquer de seus níveis de articulação, se torne efetiva no enfrentamento de problemas com essa origem, como é o caso do gerenciamento dos recursos hídricos. É nesse contexto que um novo arranjo político se torna necessário para tornar tornar efetivas políticas públicas de novo tipo, mesmo não alterando as estruturas tradicionais de governo. Esse novo arranjo político de governar, que flexibiliza as estruturas anteriores, sem alterá- las, tem sido denominado de governança. O termo governança tem permeado uma vasta gama de disciplinas, alcançando os aspectos da legislação, políticas públicas e com ênfase significativa para a gestão de empresas de grande porte, além organizações públicas e entidades sem fins lucrativos. A abordagem de governança relaciona-se, também, a partilha do poder que inclui a sociedade como um todo e aceitando na prática, organizações cooperativas e associações. Para Rosenau (2000) algumas formulações do termo governança variam de acordo com as tarefas que precisam ser executadas para manter os entendimentos padronizados da ordem predominante e que podem ou não pertencerem os governos. Apesar das variações, as definições não são incompatíveis, admitindo uma ordem que exista sem uma autoridade central capaz de impor decisões em escala global. Este artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão, como contribuição ao entendimento, do termo governança, mais especificamente, a governança da água. As pesquisas sobre governança da água abordam, principalmente, a descentralização da tomada de decisões e democratização. Esta abordagem esta preocupada também com a inclusão político- administrativa, propondo a participação de todos os atores sociais no gerenciamento das questões de interesse comum, em análise especial da gestão das águas nas bacias hidrográficas. O objetivo deste artigo é apresentar, a partir de uma revisão bibliográfica, algumas conceituações de governança e sua relação com a gestão dos recursos hídricos, buscando apresentar questões que podem auxiliar a pesquisa e o debate sobre o tema.

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Governança: questões conceituais sobre processos de tomada de decisão, redes de formulação e deliberação sobre políticas de recursos hídricos

Fernanda Costa de Matos

Reinaldo Dias Introdução A complexidade dos problemas enfrentados pelas sociedades atuais tem revelado que as tradicionais formas de governar não tem conseguido gerenciar inúmeros aspectos da realidade pública, pois envolvem questões que não se limitam às fronteiras políticas criadas pelos governos nacionais. Entre as questões que se apresentam, e que não se limitam aos espaços políticos tradicionais, se encontram aquelas relacionadas com o meio ambiente, pois envolve uma gama enorme de fenômenos e eventos naturais que não respeitam as fronteiras criadas pelo ser humano. Neste caso, os limites geopolíticos do Estado e suas divisões político-administrativas nem sempre possibilitam que a gestão pública ambiental, em qualquer de seus níveis de articulação, se torne efetiva no enfrentamento de problemas com essa origem, como é o caso do gerenciamento dos recursos hídricos. É nesse contexto que um novo arranjo político se torna necessário para tornar tornar efetivas políticas públicas de novo tipo, mesmo não alterando as estruturas tradicionais de governo. Esse novo arranjo político de governar, que flexibiliza as estruturas anteriores, sem alterá-las, tem sido denominado de governança. O termo governança tem permeado uma vasta gama de disciplinas, alcançando os aspectos da legislação, políticas públicas e com ênfase significativa para a gestão de empresas de grande porte, além organizações públicas e entidades sem fins lucrativos. A abordagem de governança relaciona-se, também, a partilha do poder que inclui a sociedade como um todo e aceitando na prática, organizações cooperativas e associações. Para Rosenau (2000) algumas formulações do termo governança variam de acordo com as tarefas que precisam ser executadas para manter os entendimentos padronizados da ordem predominante e que podem ou não pertencerem os governos. Apesar das variações, as definições não são incompatíveis, admitindo uma ordem que exista sem uma autoridade central capaz de impor decisões em escala global. Este artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão, como contribuição ao entendimento, do termo governança, mais especificamente, a governança da água. As pesquisas sobre governança da água abordam, principalmente, a descentralização da tomada de decisões e democratização. Esta abordagem esta preocupada também com a inclusão político-administrativa, propondo a participação de todos os atores sociais no gerenciamento das questões de interesse comum, em análise especial da gestão das águas nas bacias hidrográficas. O objetivo deste artigo é apresentar, a partir de uma revisão bibliográfica, algumas conceituações de governança e sua relação com a gestão dos recursos hídricos, buscando apresentar questões que podem auxiliar a pesquisa e o debate sobre o tema.

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Governança O conceito de governança tem sido explorado em vários campos acadêmicos. Suas raízes teóricas são variadas: economia institucional, relações internacionais, estudos organizacionais, estudos de sobre desenvolvimento, ciência política, administração pública e sociologia. Seus precursores incluiriam o trabalho sobre corporativismo, comunidades políticas e uma variedade de análises econômicas preocupadas com a evolução dos sistemas econômicos (Rosenau, 2000; Rhodes, 1996; Stoker, 1998; Bingham et al., 2005; Matos e Dias, 2013). O termo governança tem origem na palavra inglesa “governance”, que é uma substantivação do verbo “to govern”, que significa “governar, conduzir o Estado”. O uso atual não considera governança como sinônimo de governo. Em vez disso, governança significa uma mudança no sentido do governo, referindo-se a um novo processo de governar, ou uma condição alterada de uma regra, ou novo método pelo qual a sociedade é governada (Rhodes,1996; Stoker, 1998). O vocábulo governo sugere atividades amparadas por uma “autoridade formal, pelo poder de Polícia que garante a implementação das políticas devidamente instituídas”. E, governança refere-se as atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não depender, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências (Rosenau, 2000, p. 15). Deve-se considerar que governança é um conceito que reconhece que o poder existe dentro e fora da autoridade formal e das instituições do governo. Governança inclui o governo, o setor privado e a sociedade civil. Governança enfatiza “processo”. Ao mesmo tempo, ela identifica que as decisões tomadas baseiam-se nas relações complexas entre muitos atores com prioridades diferentes (UN-Habitat, 2005, p. 8). Nesse sentido está associado aos processos estatais de condução das posições de longo prazo. “Por outro lado, e aí reside a inovação do conceito contemporâneo de governança, este não está mais limitado à condução estatal – o governo do Governo –, mas se aplica também ao governo, regulação e condução da sociedade por meio de instituições e atores sociais”. O conceito de Governança, nesse sentido, transcende a abordagem tradicional estatal e remete a formas adicionais de condução social. “A teoria da governança abrange com isso tanto a teoria material do Estado como também mecanismos sociais de integração e produção de ordem, como por exemplo, mecanismos decisórios em empresas (corporate governance) ou associações (associational governance)” (Schneider, 2005, p.34). Para Rhodes (1996), há pelo menos seis usos distintos de governança: como o estado mínimo; como governança corporativa, como a nova gestão pública; como "boa governança"; como um sistema sócio-cibernética; como auto-organização de redes (Matos e Dias, 2013). O conceito de governança não é novo; ele aparece em diversos períodos da história. Em 1516, Tomás Morus em sua obra A Utopia ou O tratado da melhor forma de governo, já idealizava estruturas de governança para Utopus. “A ilha tem 54 cidades grandes e belas, idênticas pela língua, os costumes, as instituições e as leis. [...] Cada cidade envia todo ano a Amarouta (a capital) três velhos (também chamados de delegados) com experiência nos assuntos públicos, para que deliberem sobre os interesses da ilha) (Morus, 2011, p. 68-69).

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“Na literatura moderna, o termo é retomado na análise de Ronald Coase, na década de 1930, sendo aprofundado posteriormente por Oliver Eaton Williamson, sobre o mundo das empresas, designando os dispositivos operacionalizados pela firma para obter uma coordenação eficaz”. A expressão “governança corporativa”, é cunhada em 1960 por Richard Eells, que remete à estrutura e ao funcionamento das políticas de uma corporação, “construindo um modelo de gestão das empresas baseado em uma articulação de poder entre os acionistas”. Na década seguinte, o termo fica associado, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, à governabilidade, ou seja, às necessárias mudanças das instituições e organizações para melhorar a capacidade de gestão do Estado em relação aos cidadãos. Com a recessão mundial de 1973, a ação local passou a assumir maior importância para “enfrentar os males relativos à capacidade declinante do Estado-nação em controlar os fluxos financeiros das empresas multinacionais” (Pires et al, 2011, p. 31). Assim, o termo governança, ganhou ênfase nos anos 70, nos países anglo-saxões, aparece com objetivo de proteger os interesses de acionistas minoritários de empresas (Souza e Siqueira, 2007). E, a partir da década de 80, o Banco Mundial passa a utilizar o termo governança nos relatórios como sinônimo de bom governo. E, com a intensificação do debate sobre o termo no âmbito acadêmico, a noção de governança passou a incorporar outras variáveis (Kjær, 2005). De forma genérica, a governança surge para fazer referência a algo mais amplo que o conceito de governo, como uma forma nova de governo capaz de expressar as mudanças que estão ocorrendo nas sociedades avançadas desde o final do século XX. A globalização, a queda do Comunismo e as crises de governabilidade geraram uma transformação na forma de se entender o Estado. As relações Estado-sociedade e a relações internacionais entre os Estados se modificam com a finalidade de garantir a estabilidade do sistema político, solucionar os conflitos e tensões, e responder de forma efetiva aos problemas do novo milênio (Bonafont; Roque, 2008, p.537). Governar na perspectiva de governança é um processo de interação porque nenhum ator sozinho, seja público ou privado, tem conhecimentos e recursos capaz de resolver os problemas unilateralmente (Stoker, 1998). Cada ator pode contribuir conhecimento relevante ou outros recursos, tendo em vista que ninguém detêm todos os conhecimentos relevantes ou recursos para fazer os trabalhos de política. (Rhodes, 1996) Governança, portanto, pode ser caracterizada como uma nova forma de governar característica da sociedade em rede, sendo “o modo de governar para fazer frente à crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela interação de uma pluralidade de atores, relações horizontais, pela participação da sociedade no governo e sua responsabilidade de fazer frente aos desafios socialmente colocados.” (Esteve, 2009). Para Knopp (2011), governança é um conceito importante para explicar “o conjunto de mecanismos, processos, estruturas e instituições por meio dos quais diversos grupos de interesses se articulam, negociam, exercem influência e poder”. O termo dá ênfase à “distribuição de poder, papéis, riscos, recompensas e responsabilidade entre os atores envolvidos, assim como a transparência e a prestação de contas sobre decisões e ações”.

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Nesse sentido, a governança está intrinsecamente relacionada a gestão e o compartilhamento de poder, “incluindo o modus operandi das relações entre os atores envolvidos. Governança, portanto, pressupõe o equilíbrio dinâmico entre autonomia, inserção e regulação de múltiplos atores”. Para Bingham et al. (2005), acrescenta que os processos de governança também envolvem pessoas, abrangendo os administradores públicos, os cidadãos e stakeholders – tantos os criadores de ferramentas, quanto os usuários de ferramentas – e os processos através dos quais eles participam no trabalho do governo. Os praticantes estão usando processos governamentais novos quase-legislativos e quase-judiciais, o que inclui: democracia deliberativa, e-democracy (democracia eletrônica), conversas públicas, orçamento participativo, júris de cidadãos, círculos de estudos, criação de políticas colaborativas e resoluções de disputas alternativas para permitir que os cidadãos e os stakeholders participem ativamente do trabalho do governo. Governança da água e a gestão dos recursos hídricos Como observado por Bingham et al. (2005), os novos processos de governança ficaram especialmente fortes na área de políticas ambientais. Isso faz sentido porque os ideais de participação pública têm sido fundamentais para o movimento ambiental. Segundo Hollanda (2009 p.16), o conceito de governança surge para completar o “vazio de efetividade na gestão” e planejamento do bem público, originado pela deficiência de recursos humanos e financeiros, do poder público local, além da fragilidade do controle ambiental. Ele propõe metodologias de fortalecimento das comunidades de forma a qualificá-las para participação nos processos decisórios locais. Do mesmo modo, o conceito de governança da água desponta como uma oportunidade de construção de novos moldes para o exercício da gestão local. Governança da água refere-se ao conjunto de aspectos políticos, sociais, econômicos e sistemas administrativos que estão no local para desenvolver e gerenciar os recursos hídricos, a prestação de serviços de água e para implementação de soluções para melhoramento da qualidade da água, em diferentes níveis da sociedade (Sandoval, 2007; ANA, 2011). A governança hídrica também inclui uma série de tópicos ligados com a água, tais como a saúde, a segurança alimentar, o desenvolvimento econômico, a utilização da terra e a preservação do sistema ecológico do qual os recursos hídricos dependem (UNDP, 2011). Para Franca (2010), governança hídrica trata das alternativas de arranjos institucionais utilizados no gerenciamento das águas, de forma a contribuir para o desenvolvimento econômico e o bem estar das populações. Isso inclui a criação de instituições de gerenciamento, com pessoal técnico capacitado e vínculos permanentes; e de instâncias decisórias que envolvam diferentes níveis de governo e organizações da sociedade; além de foro de articulação com as localidades que sofrem com a falta de água e com as organizações de defesa civil, entre outras. Mas como aponta Bingham et al. (2005), como melhor coordenar vários players e stakeholders no governo indireto e as redes ou arranjos? Como e quando um gestor público tenta trazer o público para a gestão e quanto trazer desse público? Quais formas de engajamento de cidadãos ou stakeholders são mais eficazes?

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A falta de boa governança (incluindo políticas ineficazes, fiscalização precária, instituições fracas, corrupção), a ausência de infra-estrutura adequada e a escassez de novos investimentos para a capacitação de recursos humanos contribuem para o alastramento de problemas de qualidade da água. Portanto, a poluição hídrica e a escassez são, em grande medida, desafios sociais e políticos e de como as pessoas, como parte de uma sociedade coletiva, administram os recursos hídricos e os benefícios associados (ANA 2011). A governança, na gestão hídrica, propõe caminhos teóricos e práticos alternativos que façam uma real ligação entre demandas sociais e seu diálogo em nível governamental. A utilização do conceito inclui leis, regulação e instituições, mas também se refere a políticas e ações de governo, as iniciativas locais, e a redes de influência, incluindo mercados internacionais, o setor privado e a sociedade civil, os quais são influenciados pelos sistemas políticos nos quais se inserem (Jacobi, 2009). Há certa concordância entre vários autores que atuam no setor que instituir um pacto da governança da água no país é imprescindível, pois “sem ele, novos conflitos, como a transposição do rio São Francisco, surgirão e poderão ganhar contornos mais violentos” (Ribeiro, 2009, p. 112). O fato é que apesar da gestão participativa ser crescente no país, tendo avançado significativamente após a Constituição de 1988, buscando a resolução de problemas, ainda há muito que avançar na obtenção de consenso, tanto na forma quanto na qualidade de suas decisões. Portanto, gestão da bacia hidrográfica exige a cooperação dentro de sua abrangência de todas as partes interessadas. Quanto maior sua extensão, maior se torna a complexidade deste processo de cooperação, tendo em vista divergências culturais, políticas, diferenças institucionais, além de diferenças de pontos de vista sobre o uso da água (VAN LEUSSEN et al., 2007). A governança da água implica determinar os papéis e responsabilidades dos diferentes interesses – público, civil e privado – no gerenciamento e desenvolvimento dos recursos hídricos; analisar a balança de poder e ações nos diferentes níveis de autoridade, que deveriam ser readaptadas e traduzidas de forma específica os sistemas políticos, leis, regulamentações, instituições, mecanismos financeiros, desenvolvimento da sociedade civil e direitos do consumidor. Devendo ir além dos setores de governança orientados pelo setor público tradicional e pelo mercado, buscando esquemas coordenados nos quais surjam relacionamentos novos, mais dinâmicos, entre os diferentes participantes e stakeholders (Sandoval, 2007). O desenvolvimento de metas e políticas sobre a qualidade da água em nível internacional, por meio de encontros, conferencias e reuniões de cúpula, patrocinados pela ONU e pelos Fóruns Mundiais da Água, por exemplo, orientam e apoiam as ações empreendidas em nível nacional. Os esforços das Nações Unidas, de outras organizações internacionais e de ONGs são importantes para incentivar a mobilização da vontade política em todo o mundo e para enfrentar problemas de qualidade da água. E, ainda prestar apoio técnico, financeiro visando a desenvolver as capacidades necessárias e apresentar soluções efetivas aos desafios da proteção da qualidade da água (ANA, 2011).

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Especificamente nesta questão, do gerenciamento dos recursos hídricos, o desenvolvimento do novo modelo de gestão de políticas públicas, com a formulação conjunta de políticas e programas ambientais, tem possibilitado a ampliação da oferta de serviços por parte dos municípios, a flexibilização de contratação de pessoal, a realização conjunta de obras e prestação de serviços e atividades, tanto temporárias, como permanentes. (CARVALHO, 2007) É através da criação de comitês e/ou consórcios que acontece de forma direta a participação dos usuários das bacias hidrográficas. Almeida et. al (2009) ressalta que o gerenciamento de uma bacia deve ser um processo decisório de negociação social, com a participação dos diversos setores da sociedade, com o intuito de planejar as intervenções na bacia hidrográfica. No entendimento de Philippi Jr. e Bruna (2004), a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão permite a realização dos Planos de Bacias. Estes planos têm como objetivo articular as ações e melhor aplicação dos recursos financeiros. Isso também incentiva a formação de parcerias com a iniciativa privada para implementação das políticas públicas. A criação dos Comitês de Bacias foi a forma legal encontrada para permitir a descentralização das tomadas de decisões pelos governos federal e estaduais, onde seus componentes se reúnem para discutir e decidir sobre as questões relativas à gestão e usos múltiplos dos recursos hídricos de sua área de atuação, além de dar prioridades na aplicação de recursos financeiros (Brochi, 2007). De acordo com Carvalho (2007), os comitês de bacia são órgãos colegiados locais que atuam na bacia hidrográfica de sua jurisdição, cabendo-lhes articular a atuação das entidades envolvidas. Eles devem deliberar, em primeira instancia, os conflitos relacionados aos recursos hídricos, além de aprovar e acompanhar o plano de recursos hídricos da bacia, sugerindo, as modificações cabíveis para o cumprimento de metas. Destina-se a atuar como “Parlamento das Águas”, posto que é o fórum de decisões no âmbito da bacia hidrográfica. Caracterizando-se pela: descentralização do poder de decisões; integração das ações públicas e privadas; participação de todos os setores sociais. Os Comitês são compostos por membros titulares e suplentes, sendo sua estrutura paritária entre poder público estadual, poder público municipal, usuários e sociedade civil. Um dos temas centrais da governança nas democracias modernas é garantir uma boa organização da participação da sociedade civil nos assuntos de interesse público. Podendo ser destacados dois problemas clássicos: determinar o grau de representatividade real dessas organizações; e evitar a captura da propriedade pública por interesses privados. Frente a estes perigos, dois atributos de boa governança, relacionados à participação da sociedade civil, devem ser destacados: uma representação equilibrada dos interesses dos grupos sociais na esfera pública, ou seja, que não haja um grupo de interesse dominante; e a existência de mecanismos adequados para articular os interesses em jogo, ou seja, a cristalização de estruturas institucionalizadas, sempre que possível, resolver as disputas e posições dos diferentes grupos de interesse com o menor custo social possível (Longo, 2009).

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Para Jaspers (2012), uma das funções cruciais da governança da água e qualquer outro tipo de governança é a tomada de decisões equilibrada, imparcial e efetiva. De fato, a maioria das outras questões relacionadas são conduzidas na preparação ou suporte dessa função. Considerando que a Política Nacional de Recursos Hídricos brasileira foi instituída em 1997, e os diferentes estágios de desenvolvimento e aplicabilidade no território nacional, existem muitas perguntas sem resposta ou pouco estudadas envolvendo esses processos de governança. Os processos de governança alcançaram seus objetivos? Em caso afirmativo, como? Se não, porquê? E, ainda, ao se analisar os processos de governança da água, e as redes de formulação e deliberação sobre políticas de recursos hídricos, algumas questões devem ser consideradas, baseado-se nas observações de Bingham et al. (2005):

Qualidade de processo: os processos são verdadeiramente deliberativos e consensuais? Como se constitui o verdadeiro diálogo? Existem muitos níveis de interesse? Quais fatores afetam a qualidade do processo? Como as variações na estrutura ou desenho do processo afetam os seus resultados? Quais são as experiências dos participantes antes, durante e após o processo?

Igualdade e representação: em que medida os participantes têm verdadeira igualdade em termos de conhecimento, participação, poder e autoridade durante os processos? Quais os fatores que afetam as decisões dos indivíduos para participar? Como isso afeta a representação, a diversidade e a inclusão? Quem perde nestes processos? Como esses processos afetam o poder discricionário, a influência e o controle dos gestores e outros tomadores de decisão públicos? A capacidade de tomada de decisões na bacia reflete o interesse dos diferentes usos e usuários?

Impacto: Quais são os resultados de política desses processos? Os resultados são substancialmente diferentes? Estes processos podem melhorar o controle democrático, capacidade deliberativa, aprendizagem cívica, empoderamento individual, eficácia pessoal, habilidades de gestão de conflitos ou participação cidadã? Como esses processos afetam as percepções dos participantes sobre a legitimidade da política, o ciclo de política e governo?

Implementação: como e quando esses processos de decisões são, efetivamente, traduzidos em ação real? São resultados estáveis e sustentáveis ao longo do tempo? Como e qual nível de efetividade os participantes ou grupos deliberação, cidadãos ou stakeholders monitoram a execução das decisões? Considerações finais Este artigo abordou o conceito de governança e a gestão dos recursos hídricos, buscando salientar que a instalação de comitês de bacias, juntamente com os instrumentos de gestão propiciaram as condições para a governabilidade dos recursos hídricos no Brasil. Isso proporciona flexibilidade ao planejamento e o gerenciamento participativo dos recursos hídricos. Além disso, a temática dos recursos hídricos necessita de um planejamento integrado, tendo em vista que este não pode ser limitado às fronteiras dos municípios ou estados. Através da integração, ela favorece o desenvolvimento de percepções ambientais mais abrangentes, a partir do referencial territorial da bacia hidrográfica. Nesse sentido, a governança procura estabelecer novas relações de cooperação entre a sociedade civil e o Estado, de tal modo que a fronteira entre esses dois campos se dilua. Nesse conceito, há vários pontos de convergência onde não se identifica onde começa um e termina o outro.

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Embora a maioria das avaliações concorde que as estruturas de governança ampliam o espaço democrático, há algumas questões que devem ser consideradas, e que debatem esse novo modo de governar, como, por exemplo, a atribuição de responsabilidades. O levantamento dessas questões pode auxiliar as pesquisas e os debates sobre o tema. Bibliografía Almeida, Josimar Ribeiro de; Bastos, Anna Chistina Saramago; Malheiros, Telma Marques;

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Resenhas biográficas Fernanda Costa de Matos Administradora, pós graduada em Gestão Estratégica de Marketing e Mestre em Turismo e Meio Ambiente pelo Centro Universitário UNA/MG. Ocupou diversos cargos, principalmente, na Administração Pública, atuando em órgãos na esfera estadual, municipal, e convênios de gestão, desenvolvendo atividades de gestão. Lecionou na FIEMG /SENAI disciplinas da área de administração. No âmbito acadêmico, sua produção científica tem se concentrado na pesquisa sobre Gestão, principalmente, estratégias de cooperação e governança. É co-autora dos livros Políticas Públicas; Aliança Estratégica e Governança Pública, pelas editoras Atlas e Alínea. E-mail: [email protected], Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Page 10: Matos e dias (2013) governança: questões conceituais sobre processos de tomada de decisão, redes de formulação e deliberação sobre políticas de recursos hídricos

XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Documento libre

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Reinaldo Dias Sociólogo pela UNICAMP. Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais pela mesma universidade (Unicamp). É professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)/SP. Temas de atuação preferenciais: turismo, política pública, ciência política, meio ambiente, administração e comércio exterior. Autor de vários livros nas áreas de Sociologia, Ciência Política, Meio Ambiente e Turismo pelas editoras: Atlas, Pearson Prentice Hall e Saraiva entre outras. E-mail: [email protected], Campinas, São Paulo, Brasil.