Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS INSTITUTO GOIANO DE PRÉ-HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA MENTE, CORPO E CULTURA EM PEDRAS: A COGNIÇÃO HUMANA NA TECNOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA JOÃO CARLOS MORENO DE SOUSA Goiânia 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

INSTITUTO GOIANO DE PRÉ-HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA

GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA

MENTE, CORPO E CULTURA EM PEDRAS:

A COGNIÇÃO HUMANA NA TECNOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA

JOÃO CARLOS MORENO DE SOUSA

Goiânia

2010

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JOÃO CARLOS MORENO DE SOUSA

MENTE, CORPO E CULTURA EM PEDRAS:

A COGNIÇÃO HUMANA NA TECNOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA

Monografia apresentada para obtenção de Bacharel em

Arqueologia.

Orientadora: Dra. Sibeli A. Viana

Goiânia

2010

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Monografia apresentada à banca examinadora em 16/12/2010 como

requisito a conclusão do curso de Bacharelado em Arqueologia, apreciada e

aprovada por:

_______________________________ __________

Dra. Sibeli A. Viana (IGPA / PUC Goiás) - Orientadora

_______________________________ __________

Dr. José Roberto Pellini (GRIPHUS Consultoria) - Examinador

_______________________________ __________

Dra. Márcia Bezerra de Almeida (UFPA) - Examinadora

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DEDICATÓRIA

A você, amigo, que decidiu participar desta viagem!

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AGRADECIMENTOS

Neste espaço, gostaria de agradecer a todos que contribuíram na minha

formação acadêmica como arqueólogo. Em primeiro lugar, a toda minha

família, que mesmo morando a mais de 700km de distância, me deram todo o

apoio necessário; mas principalmente aos meus pais, João Gualberto de

Sousa (mais conhecido como o aventureiro João Radical) e Glória Patrícia

Moreno Rivera, pelo eterno amor, apoio e promessa de me proporcionar a

oportunidade de cursar uma faculdade na área de meu interesse.

Ao Dr. Emilio Fogaça, pelas primeiras conversas e conselhos sobre

minha formação, e pelas primeiras bibliografias, trazidas da França, que

fomentaram minha paixão pelos estudos em Evolução Humana, Antropologia

Física, e Cognição.

Ao Dr. Paulo Jobim dos Campos Mello, pelas primeiras oportunidades

de estágio em campo e laboratório, pela minha iniciação no mundo da

Tecnologia Lítica, e pelos conselhos no inicio de minha formação.

Aos antigos colegas já formados Diego Mendes e Sady do Carmo Jr.,

pela grande ajuda, orientação e companhia no meu primeiro estágio com

material lítico na análise das indústrias do projeto Serra Geral.

Ao Ms. Antoine Lourdeau, pelos meus primeiros passos no desenho

técnico de artefatos líticos.

À Dra. Renata de Godoy, pela oportunidade de campo em Brasília, que

despertou a importância da prática da Arqueologia Pública.

À Dra. Sibeli Viana, pelo convite à bolsa de iniciação científica que

contribuiu na produção deste trabalho, pelas orientações e “desorientações” na

monografia que me levaram sempre a um grande aprendizado, e por sempre

acreditar no meu potencial.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), pelo

financiamento da bolsa de iniciação cientifica no período 2009-2010, que

resultou em parte dos dados apresentados neste trabalho.

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À Dra. Sirlei Hoeltz, pelos créditos que sempre me deu pela monitoria

da disciplina de Tecnologia Lítica I, pelo apoio e pelas dicas em análise lítica.

Ao Dr. Júlio Cesar Rubin de Rubin, pelo incentivo que sempre me deu

durante a graduação, pelas grandes discussões de prática de campo, e pelas

conversas de descontração em sua sala.

Ao Dr. José Roberto Pellini, que despertou alguns dos meus maiores

questionamentos críticos, pela disponibilização de muita bibliografia teórica, e

pela fantástica e inesquecível aventura de campo em Unaí, Minas Gerais. E por

aceitar participar da banca examinadora, é claro.

À Dra. Sheila Mendonça de Sousa, ao Dr. Levy Figuti, à Dra.

Veronica Wesolowski e à Dra. Dione da Rocha Bandeira, pela primeira

oportunidade de estágio de campo em Sambaqui e contato com a

Zooarqueologia no Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, em Santa

Catarina.

Ao casal Dra. Águeda Vilhena-Vialou e Dr. Denis Vialou, pela

oportunidade de participar da escavação de maior excelência que já presenciei,

na região arqueológica da Cidade de Pedra no Mato Grosso.

Ao Dr. Walter Neves, pela minha iniciação na prática da Antropologia

Física no Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) na Universidade

de São Paulo (USP), e os bons conselhos para minha formação.

Ao Ms. Danilo Vicensotto Bernardo e à minha querida amiga bióloga

Mariana Inglez, pelas orientações dadas nas etapas de estágio no LEEH.

A Tainá Péclat pela contribuição na análise dos resíduos líticos e pela

elaboração dos gráficos no Excel.

Aos amigos e colegas Rodolpho Romani, Victor Alexandre de Brito, e

Liana Mollo, pela contribuição na análise de alguns instrumentos líticos que

utilizei neste trabalho.

À Dra. Márcia Bezerra de Almeida, pela participação na banca examinadora

deste trabalho e as boas sugestões.

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A Danilo Ramos Ribeiro, por toda a amizade, apoio, carinho, amor e as

magníficas aventuras que a imaginação pode nos dar.

A Ísis Gomes Ribeiro, por toda a amizade, o amor, carinho, apoio e

confiança construídos principalmente neste último ano, e pela grande ajuda na

fundação e estruturação do Centro Acadêmico Jesco Von Puttkamer (CAJVP).

Às amigas Tamiris Maia Gonçalves Pereira, Caroline Murta Lemos, e

Jamária Batista Nascimento, que além do apoio e carinho dados durante

minha graduação, foram fundamentais para existência e os movimentos do

CAJVP.

A Marina Neiva de Oliveira, companheira de líticos e escavações, que

me deu grande apoio e confiança, principalmente nesta reta final.

A Robison Drachenberg, pela confiança e apoio, além da ajuda no

tratamento digital de alguns anexos.

A Nayara Lopes de Araújo, companheira de todos os estágios em

Tecnologia Lítica e de muitas escavações, pela grande amizade, amor, carinho,

apoio e confiança, além das contribuições para existência do CAJVP e ajuda

no tratamento digital de alguns anexos deste trabalho.

A Sanmea Thayanni Barbosa Bastos, que além do amor, carinho,

apoio e confiança, me deu todas as forças para continuar batalhando nesta reta

final. Também me ajudou a concluir este trabalho com organização dos

anexos, e de tabelas. E agradeço também pelas loucas aventuras, no trajeto da

goma, que acabaram me conquistando definitivamente... Sameca.

Aos amigos e colegas, Marcelo Lemos, Rafael Lemos de Sousa,

Marcelo Iury Oliveira, Sérgio Daher de Oliveira, Fernanda Fonseca

Cruvinel de Oliveira, Pedro Paulo Guilhardi, Marco Túlio do Amaral,

Wendel Barbosa Bastos, Danilo Curado, André Esteves da Silva, Carolina

Borges, Ricardo José dos Prazeres, Samara Dyva Marcos, Janaína

Patrícia Coutinho, José Luiz Lopes Garcia e Eduardo Felipe Salla; e aos

professores, Ms. Rute Pontim, Esp. Mariza Barbosa, Dra. Rosiclér da Silva,

Ms. Bertín Sanches, Dr. Paulo Santos, Ms. Ernesto de Castro. A todos

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estes minha profunda gratidão, pois em algum momento todos ajudaram a

construir a minha formação com belas discussões sobre arqueologia, e por

todo o apoio dado nestes três anos e seis meses.

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RESUMO

Neste trabalho pretende-se apresentar a abordagem das ciências

cognitivas aplicada à arqueologia, e como esta pode servir como base para

estudos que utilizam da cultura material para entender mais a fundo a cultura

humana. Para isto será apresentado um tipo específico de cultura material pré-

histórica: os artefatos líticos. Trataremos então de analisar o material lítico

proveniente de uma oficina lítica do centro-oeste brasileiro, o sítio arqueológico

GO-CP-17, partindo também da abordagem tecnológica.

Palavras-Chave: Cognição, Cultura Material, Tecnologia Lítica, Pré-História.

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ABSTRACT

This work is intended to present the approach of cognitive sciences

applied to archeology, and how it can serve as a basis for studies that use

material culture to understand more deeply the human culture. It will be

presented above a specific type of prehistoric material culture: the lithic

artifacts. This work presents the analysis of lithic artifacts from a lithic atelier

located in the Midwest of Brazil, the archaeological site GO-CP-17, under the

technological approach.

Keywords: Cognition, Material Culture, Lithic Technology, Prehistory.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Explorador - Fonte: Site Apolo 11 ................................................... 16

Figura 2 - O Triângulo Cognitivo ..................................................................... 21

Figura 3 - Plano de Corte e Plano de Bico na seção do instrumento. .............. 44

Figura 4 - Esquema Geral das Cadeias Operatórias de Artefatos Líticos. ....... 46

Figura 5 - As várias concepções de produção da ponta Levallois. Fonte: Boëda

(1991, pg. 54).................................................................................................. 48

Figura 6 - Localização do município de Palestina de Goiás no Estado de Goiás.

Fonte: Site Wikipédia (acessado em 05 de dezembro de 2010). ..................... 56

Figura 7 - Localização do Sítio Arqueológico GO-GP-17 na Região do Córrego

do Ouro. Fonte: Borges (2009, pg. 18). ........................................................... 58

Figura 8 - Remontagem de Instrumento com Lasca de Retoque. Fotos de João

Carlos Moreno de Sousa................................................................................. 59

Figura 9 – Reconhecimento da Fratura Concoidal no Material Lítico. Fonte:

Rodet; Alonso (2004) ...................................................................................... 63

Figura 10 - Esquema de Abertura de Plano de Percussão – Debitagem por

Fatiagem. Desenhos por Ernesto Tedesco. Fonte: Viana (2006, pg. 821). ..... 68

Figura 11 - Exemplos de delineamento de gume. 1-Retilíneo, 2-Convexo, 3-

Côncavo, 4-Coche, 5-Denticulado. Fonte: Inizan et. al (1995). ....................... 80

Figura 12 - A: Corte Negativo; B: Corte Positivo. Fonte: Piel-Desruisseaux

(1989, pg. 96). ................................................................................................. 81

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Algumas Características Relevantes sobre os Artefatos Lascados

.......................................................................................................................119

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ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Matéria-Prima do Artefatual Lítico.................................................. 56

Gráfico 2 - Proveniência da Matéria-Prima ...................................................... 57

Gráfico 3 - Lascas Suporte - Quantidade de negativo na face externa ............ 65

Gráfico 4 - Lascas Suporte - Orientação das nervuras .................................... 66

Gráfico 5 - Lascas Suporte - Morfologia das Lascas Suporte .......................... 67

Gráfico 6 - Lascas Suporte - Acidentes de Lascamento .................................. 67

Gráfico 7 - Lascas de Fatiagem - Morfologia ................................................... 69

Gráfico 8 - Lascas de Façonnage - Quantidade de negativos na face externa 71

Gráfico 9 - Lascas de Façonnage - Orientação das nervuras .......................... 71

Gráfico 10 - Lascas de Façonnage - Perfil das Lascas ................................... 72

Gráfico 11 - Lascas de Façonnage - Morfologia .............................................. 72

Gráfico 12 - Lascas de Façonnage - Acidentes de Lascamento ...................... 73

Gráfico 13 - Lascas de Façonnage - Morfologia dos Talões............................ 74

Gráfico 14 - Lascas de Retoque - Quantidade de negativo na face externa .... 75

Gráfico 15 - Lascas de Retoque - Orientação das Nervuras ........................... 75

Gráfico 16 - Lascas de Retoque - Perfil das Lascas ........................................ 76

Gráfico 17 - Lascas de Retoque - Morfologia das Lascas ............................... 76

Gráfico 18 - Lascas de Retoque - Acidentes de Lascamento .......................... 77

Gráfico 19 - Lascas de Retoque - Morfologia dos Talões ................................ 77

Gráfico 20 - Lascas de Retoque - Preparação de Talão .................................. 78

Gráfico 21 - Refugo - Estado de preservação ................................................126

Gráfico 22 - Lascas de Refugo - Quantidade de negativos na face externa ...127

Gráfico 23 - Lascas de Refugo - Orientação das Nervuras ............................127

Gráfico 24 - Lascas de Refugo - Perfil das Lascas .........................................128

Gráfico 25 - Lascas de Refugo - Morfologia das Lascas ................................129

Gráfico 26 - Lascas de Refugo - Acidentes de Lascamento ...........................130

Gráfico 27 - Lascas de Refugo - Morfologia dos Talões .................................131

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................... 16

2. ARQUEOLOGIA: MENTE, CORPO E CULTURA ..................................... 18

2.1 A Cultura e a Materialidade .................................................................................. 18

2.2 O Triângulo Cognitivo como Base para a Arqueologia ........................................ 20

2.3 Os Processos Cognitivos ..................................................................................... 22

2.4 Objeto e Artefato ................................................................................................... 28

2.5 Paisagem e Sítio Arqueológico ............................................................................ 29

2.6 As Tradições Tecnológicas .................................................................................. 31

2.7 O Corpo em Ação ................................................................................................. 33

2.7.1 Instrumento: A Prótese Cognitiva Funcional do Corpo ................................. 34

3. INDÚSTRIA LÍTICA: ADAPTAÇÃO E COGNIÇÃO .................................... 36

3.1 A Evolução da Tecnologia .................................................................................... 36

3.1.1 Os Níveis de Complexidade de Produção de Instrumentos ......................... 38

3.2 A Consciência da Operação ................................................................................. 41

3.3 O Conceito de Cadeia Operatória na Tecnologia Lítica ...................................... 41

3.4 As Unidades Tecno-Funcionais ........................................................................... 46

3.5 O Conhecimento e as Escolhas por Trás do Instrumental Lítico ........................ 47

4. PRÉ-HISTÓRIA DA TECNOLOGIA LÍTICA NO CENTRO-OESTE DO

BRASIL .......................................................................................................... 49

4.1 As Tradições Arqueológicas e o Exemplo da Onipresença Itaparica ................. 49

4.2 Sudoeste Goiano .................................................................................................. 50

4.3 Serra Geral ........................................................................................................... 51

4.4 Sul Mato-Grossense ............................................................................................. 52

4.5 Alto Paraná ........................................................................................................... 53

4.6 Panorama Geral.................................................................................................... 53

5. APLICANDO AS ABORDAGENS DE COGNIÇÃO E TECNOLOGIA NA

PRÉ-HISTÓRIA: O CASO DA OFICINA LÍTICA GO-CP-17 ........................... 55

5.1 Descrição do Sítio ................................................................................................. 55

5.2 Breve Histórico de Pesquisas no Sítio ................................................................. 59

5.3 Metodologia de Análise Lítica Aplicada ............................................................... 60

5.4 Lascamento e Reconhecimento das Técnicas Aplicadas ................................... 61

5.5 Núcleos, As Matrizes de Debitagem .................................................................... 64

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5.6 Lascas Suportes, Os Produtos da Debitagem ..................................................... 65

5.6.1 Lascas de Fatiagem ....................................................................................... 68

5.7 Os Resíduos de Produção de Instrumento .......................................................... 69

5.7.2 Resíduos de Façonnage ................................................................................ 70

5.7.3 Resíduos de Retoque .................................................................................... 74

5.8 Os Instrumentos Líticos Lascados ....................................................................... 78

5.8.1 Reconhecendo as UTFs Transformativas ..................................................... 79

5.8.2 Reconhecendo as UTFs Preensivas ............................................................. 80

5.8.3 Descrição dos Artefatos e Seus Instrumentos .............................................. 81

5.8.4 Os Fragmentos de Instrumento Lítico Lascado .......................................... 121

5.9 Os Instrumentos Líticos Não Lascados ............................................................. 121

5.10 Refugo............................................................................................................... 126

6. A PRÉ-HISTÓRIA ESCRITA EM PEDRAS: VESTÍGIOS COGNITIVOS NO

GO-CP-17 ......................................................................................................132

6.1 Oficina GO-CP-17: Potencialidade para Escrever uma Pré-História da

Tecnologia ................................................................................................................. 132

6.1.1 Os Dados da Debitagem.............................................................................. 132

6.1.2 Resíduos de Produção de Instrumento ....................................................... 133

6.1.3 Instrumentos ................................................................................................ 133

6.1.4 Comparação dos Dados Apresentados ...................................................... 134

6.1.5 Como Esta Indústria Lítica se Insere no Contexto do Centro-Oeste

Brasileiro?.............................................................................................................. 135

6.2 A Cognição em Atividade no GO-CP-17 ............................................................ 136

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................137

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................139

ANEXOS ........................................................................................................148

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1. INTRODUÇÃO

Olá, Você! Seja bem vindo a bordo! Esta não é nave mãe, que detém

todas as informações necessárias para aterrissar num novo mundo, mas um

pequeno explorador que busca apenas reconhecer território.

Figura 1 - Explorador - Fonte: Site Apolo 11

Primeiro trataremos de buscar nas ciências cognitivas o que é este

objeto de estudo da arqueologia que tem sido denominado como cultura

material. Veremos que o homem é constituído pela sua mente, seu corpo e sua

cultura, e cada um destes carrega, cria, transmite e agrega conhecimentos.

Estes conhecimentos são materializados. Veremos então quais são os

processos que envolvem conhecimento nesta relação do homem com a

materialidade. E qual é essa materialidade afinal? Do que é constituída a

cultura material? Como a cognição trabalha sobre o objeto e a paisagem?

Rumamos então para um tipo de cultura material específico: Artefatos

líticos. Vamos entender primeiro como se constrói a abordagem tecnológica

que vem estudando este tipo de vestígio pré-histórico, além de buscar

compreender do que realmente se trata o artefato lítico, e o seu papel nas

sociedades pré-históricas. Para compreender a aplicação prática de ambas as

abordagens - cognitiva e tecnológica - na cultura material foi analisada uma

indústria lítica. Trata-se da indústria expressa na oficina lítica GO-CP-17,

localizada no município de Palestina de Goiás, estado de Goiás, região Centro-

Oeste.

Page 17: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

17

Mas antes de explorarmos os vestígios desta indústria, vamos fazer uma

rápida viagem pelas indústrias líticas presentes nessa região com o objetivo de

contextualizar nosso estudo de caso. Por fim, exploraremos mais a fundo o

GO-CP-17 – território habitado há milhares de anos, pesquisado há algumas

décadas, e que agora vem sendo mais uma vez pesquisado. Vestígios de

produção e utilização de instrumental pré-histórico do local foram coletados,

analisados, descritos e interpretados.

A missão deste explorador termina tomando o rumo de volta à nave

mãe, com a esperança de que a nova carga de informações aqui contidas, à

luz da cognição e da tecnologia, possa servir como base para um pouso seguro

num mundo que ainda tem muito a ser explorado chamado Arqueologia

Brasileira.

Page 18: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

18

2. ARQUEOLOGIA: MENTE, CORPO E CULTURA

The past is everywhere. All around us lie features which, like

ourselves and our thoughts, have more or less recognizable

antecedents. Relics, histories, memories suffuse human

experience. . . . Whether it is celebrated or rejected, attended to or

ignored, the past is omnipresent (LOWENTHAL, 1985:XV).

A Arqueologia pode ser entendida como a ciência que busca

compreender o homem e sua cultura através dos vestígios materiais

remanescentes deixados por grupos humanos, sejam eles de um período pré-

histórico, histórico ou até mesmo contemporâneo. De acordo com Fagan

(1988), o arqueólogo estuda sítios arqueológicos e seus conteúdos no contexto

de tempo e espaço para obter descrições de longas sequências culturais;

reconstrói os antigos modos de vida; estuda processos culturais, explicando

por que mudanças culturais ocorrem e, por fim, busca compreender o registro

arqueológico, incluindo sítios, artefatos, restos de alimentação, e outros, que

fazem parte do nosso mundo contemporâneo.

Fundamentado na ideia de que o homem enquanto indivíduo se

relaciona com a sociedade, o ambiente, e o mundo material, através do corpo e

dos objetos o arqueólogo também estuda a cultura material buscando

compreender os processos por trás da mente, do corpo e da cultura humana.

2.1 A Cultura e a Materialidade

A Arqueologia enquanto ciência entende o processo da pesquisa

arqueológica, entre outros vieses, através da cultura material. Logo, é de suma

importância ter bem estruturado este e outros conceitos, para que, nos

próximos capítulos, seja possível estudar as indústrias líticas e outros aspectos

culturais das sociedades pré-históricas, uma vez que toda a relação do homem

com o mundo material não se faz apenas com o corpo, mas também com os

objetos, ou seja, com a cultura material.

A espécie humana se caracteriza pelo uso abundante de objetos em

todas as suas atividades, e pela apropriação destes objetos. Parece quase

Page 19: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

19

impossível a sobrevivência do homem sem o uso de instrumentos, ferramentas,

utensílios e demais produtos da cultura humana. Como enfatizado por Prous

(2004), todas as sociedades têm as mesmas necessidades essenciais. Estas

necessidades exigem as ações de cortar, raspar, furar, moer, entre outras as

quais, para podermos atendê-las, necessitamos de artifícios que ajudam a

realizar atividades que apenas o próprio corpo nem sempre é capaz de fazer.

Não podemos deixar de lado também as necessidades de representação

simbólica em forma material. Necessitamos da manifestação de várias esferas

do conhecimento em sua materialidade. É necessário frisar que ao tratar de

materialidade, aqui, me refiro à matéria, ou seja, aquilo que a Física enquanto

ciência define como qualquer coisa que possua massa, que ocupe um lugar no

espaço e que esteja sujeita a inércia, se apresentando em três estados: líquido,

físico e gasoso. Logo, toda parte do conhecimento humano apresentado em

um destes estados pode ser denominada de cultura material.

Atento para o fato de que estou tratando aqui a materialidade de um

ponto de vista diferente da abordagem que vem sendo construída nos últimos

anos, a qual considera a materialidade como um conjunto de relações culturais

(PELS, 2002), o que inclui toda a relação do homem com objetos. Lynn Meskell

descreve esta diferença entre a abordagem de cultura material, na qual este

trabalho se desdobra, e a abordagem mais ampla da materialidade que ela e

outros autores vêm seguindo nas seguintes palavras:

(…) our understanding of the potentials of materiality diverges

significantly from the conventional study of material culture in

archaeology. Studies of material culture can be traditionally

understood as oscillating between empirical studies and more

theoretical and cultural expressions. (MESKELL, 2005, pg. 1)

Esta abordagem considera, então, a materialidade como:

(...) a term always speaks to a paradox, which is the assumed greater

reality of that which we do not apprehend over that which is merely

evident. (MILLER, 2005,a, pg. 212)

Ou seja, trata de uma pluralidade de conceitos de materialidade

(MILLER, 2005,b).

Page 20: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

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Mas a abordagem seguida aqui trata de apenas uma materialidade, a

materialidade como tudo o que é material, e nada além do material. O

conhecimento humano por trás dessa cultura trato como cognição, e este sim

transcende o caráter material. Logo, cultura material passa a ser a cognição

relacionada à materialidade dos objetos.

2.2 O Triângulo Cognitivo como Base para a Arqueologia

A abordagem do triângulo cognitivo considera o homem formado pelo

Sujeito Psíquico, o Sujeito Fisiológico, e a sociedade e sua cultura. São

“os três bicos da cognição” que Jean-Gabriel Ganascia aponta em sua obra

sobre as ciências cognitivas. Para explicar esta abordagem deve-se deixar

claro que as ciências cognitivas tratam do estudo daquilo que compõe a mente:

o conhecimento. “O conhecimento está no centro das ciências cognitivas, o

conhecimento como objeto de estudo, não o conhecimento enquanto

conteúdo.” (GANASCIA, 1996, Pg. 89).

A arqueologia é uma ciência cognitiva na medida em que tem o

conhecimento humano como objeto de estudo. “Portanto, se quiserem

conhecer a mente, não procurem apenas psicólogos e filósofos: certifiquem-se

de também procurar um arqueólogo" (MITHEN, 1998, Pg. 364). Ao tratarmos

de cultura estamos tratando do conhecimento que o homem possui sobre o

mundo, e este conhecimento percorre outros dois vértices do triângulo que

compõe o homem. O primeiro vértice composto pela “maior parte daquilo que o

homem tem de pouco usual” (DAWKINS, 1989, Pg. 325): a cultura.

Culture: (a) the integrated pattern of human knowledge, belief, and

behavior that depends upon man's capacity for learning and transmitting knowledge to succeeding generations; (b) the customary beliefs, social forms, and material traits of a racial, religious, or social group (Merriam-Webster‟s Collegiate Dictionary, 2008).

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21

Figura 2 - O Triângulo Cognitivo

Os outros dois vértices são compostos pela materialidade do homem, ou

seja, o corpo; e pela consciência e a subconsciência humana, ou seja, a

mente. Os três vértices criam, produzem, e armazenam conhecimento através

de uma série de processos.

Ganascia (1996) trata a cognição em dois polos: os conhecimentos

singulares e os conhecimentos plurais. Os conhecimentos singulares tratam

da relação de privilégio do saber individual sobre um objeto, a relação pessoal

do indivíduo com o objeto, ou seja, a teoria cognitiva aborda o singular para

estudar os sujeitos individuais. Assim, dois pontos de vista surgem sobre o

sujeito individual: O primeiro trata da fisiologia, da materialidade do homem, o

seu corpo; o segundo trata da personalidade psíquica, da alma do homem, sua

mente. Os conhecimentos plurais tratam sobre o que pode ser abstraído do

objeto e transmitido a outros indivíduos, o conteúdo. Ou seja, a teoria cognitiva

aborda os plurais para abordar línguas e linguagens, os costumes partilhados,

etc., enquanto que os conhecimentos plurais têm a sociedade e sua cultura

como ponto de vista. A arqueologia estuda o homem abordando os

conhecimentos plurais e a sua relação com os conhecimentos singulares.

Aborda tanto a relação da cultura com a mente humana, como a relação da

cultura e o corpo humano. É neste viés que a Arqueologia Cognitiva busca

compreender a relação do homem com o mundo material e o desenvolvimento

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22

cognitivo. O arqueólogo cognitivo Robert Bednarik1 considera: “Cognitive

archaeology is the branch of archaeology that investigates the development of

human cognition”.

Aqui, meu objetivo é demonstrar como o triângulo cognitivo pode formar

uma base excelente para a arqueologia, partindo de um viés mais próximo do

apontado por Warnier (1999), que acredita que a abordagem cognitiva fez

progredir a teoria da cultura material estabelecendo a existência de um

conhecimento discursivo muito diretamente ligado ao engajamento do corpo na

ação. Essa importância dada ao corpo pode ser explicada pelo fato de que o

corpo faz o intermédio da mente com o mundo material, onde a cultura deixa

vestígios de sua existência. Este viés difere um pouco do apontado por Samuel

(1990), onde ela aponta o modelo das Estruturas Multimodais (MMF) partindo

de um ponto de vista biológico, e difere mais ainda do ponto de vista de Ingold

(2008) sobre a Tese da Complementaridade onde faz uma crítica, utilizando da

biologia e psicologia evolutivas com bastante especificidade, sobre o estudo do

homem em três partes: mente, corpo e cultura, ou seja, os mesmos elementos

que compõem o triângulo cognitivo. Outros trabalhos, como o de Viana (no

prelo), parte de uma abordagem tecnológica que, mesmo que não utilize do

triângulo propriamente dito, enfoca o homem partir da mente e do corpo,

apontando estes elementos como responsáveis pelos processos cognitivos e

psicomotores. Parto, então, de um viés que aborda os processos onde há o

engajamento do conhecimento humano dentro do triângulo cognitivo,

considerando o homem enquanto indivíduo e sociedade.

2.3 Os Processos Cognitivos

Modern humans depend so heavily on material culture that the word

„symbiosis‟ does not seem out of place, yet cognitivists often seem

unaware of the importance of this symbiosis, as fish are unaware of

the sea (DONALD, 1998, pg. 181).

1 O texto “Cognitive Archaeology” esta disponível no site da Australian Research Association

(AURA): <http://mc2.vicnet.net.au/home/cognit/web/index.html> (acessado em 10 de outubro de 2010).

Page 23: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

23

Entendemos que o mundo dos homens é composto por objetos. Ao

compreendermos os processos que resultam da relação do homem com os

objetos, podemos começar a compreender como ocorre a relação do homem

com o mundo material através de processos que ocorrem nos três vértices do

triângulo cognitivo.

A relação do homem com os objetos é carregada de um valor simbólico

que transcende a sua materialidade, ou seja, vai além das características

físicas. Refiro-me a valorações que o homem determina para diferentes

objetos. Tal valoração pode ser condicionante para as atividades do dia-a-dia,

ou até mesmo, determinante para uma forma de vida. Esse valor simbólico

compõe a identidade cultural de cada sociedade, portanto, diferentes valores

podem ser dados ao objeto em relação às diferentes tradições culturais. A

relação cognitiva do homem com os objetos pode ser observada como uma

cadeia de processos cognitivos.

O termo percepção vem sendo utilizado na arqueologia, muitas vezes,

sem uma definição clara. É um termo que pode ser entendido de diferentes

maneiras. Nos anos mais recentes a arqueologia vem bebendo da

multiplicidade de olhares sobre a percepção que a filosofia e a psicologia

evolutiva apontam. Nesta linha de pensamento a percepção percorre os três

processos cognitivos (sensação, interpretação e significação), porém sem

quase nunca distinguir percepção dos outros processos, podendo ser apenas

sinônimo de sensação, até se assemelhar ao conceito geral de cognição que

emprego aqui.

De acordo com Chaui (2000, pg. 151), “a tradição filosófica, até o século

XX, distinguia sensação de percepção pelo grau de complexidade”. E seguindo

uma linha filosófica define percepção como:

O conhecimento sensorial de configurações ou de totalidades

organizadas e dotadas de sentido e não uma soma de sensações

elementares; sensação e percepção são a mesma coisa (Pg. 153);

Além disso, Chaui ainda afirma que percepção:

(...) é sempre uma experiência dotada de significação, isto é, o

percebido é dotado de sentido e tem sentido em nossa história de

Page 24: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

24

vida, fazendo parte de nosso mundo e de nossas vivências; Em

resumo: na percepção, o mundo possui forma e sentido e ambos

são inseparáveis do sujeito da percepção (Pg. 154).

Neste sentido, sensação também é interpretação, e somado à

significação, temos a percepção.

Mais recentemente, Gärdenfors (2007, pg. 41), partindo duma linhagem

da psicologia evolutiva aponta três elementos da consciência, ou seja, da

cognição, para buscar entender o funcionamento do pensamento:

1. Les sensations sont les impressions sensorieles immédiates.

2. Les perceptions sont des impressions sensorielles interprétées.

Les perceptions forment una catégorie de représentations.

3. Les imaginations (ou images), que j‟appelarai également

représentations détachées, ne sont pas directement régies par des

impressions sensorielles. Imaginations et perceptions sont les

éléments à partir desqueles le monde intérieur se construit.

Neste sentido, percepção e sensação são processos diferentes;

percepção é sinônimo de interpretação; e o termo imaginação é utilizado para

se referir à construção do mundo interior, ou seja, dos conhecimentos

singulares.

Os processos cognitivos que constroem o conhecimento podem ser

conceituados de uma maneira diferenciada. Uma vez que separar o homem em

corpo, mente e cultura tem se tornado um modo eficaz de estudar o homem,

proponho os seguintes conceitos para os processos cognitivos, que constroem

o conhecimento humano, baseado no modelo do triângulo cognitivo:

A sensação, o primeiro processo cognitivo, é a capacidade de captação

de informações através dos mecanismos sensoriais do corpo. Essa capacidade

está ligada diretamente às características biológicas do indivíduo, suas

qualidades físicas da percepção. A sensação é realizada através do corpo

sendo o primeiro estágio de relação da mente com tudo aquilo que há no corpo

do individuo e com tudo aquilo que compõe o meio espacial do ambiente

humano: os objetos. Este conceito está de acordo com o sugere Gärdenfors:

Page 25: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

25

“Les sensations sont localisées dans de corps. On ne peut pas décrire una

sensation sans dire où on la ressent dans notre corp”(2007, pg. 43).

A interpretação, o segundo processo cognitivo, é a capacidade mental

de organizar as informações recebidas na sensação, que dá a capacidade do

indivíduo orientar o seu comportamento. Nem tudo aquilo que é sentido num

objeto é interpretado, pois nem todas as informações sobre o objeto estão no

nosso banco de dados cognitivo: a memória.

Ambos os processos sensação e interpretação formam um grande

processo cognitivo de construção dos conhecimentos singulares: a percepção.

A interpretação é influenciada pela sociedade vigente e pelas experiências

individuais. Em outras palavras, o individuo tende a perceber, num primeiro

momento, aquilo que ele já conhece, buscando inconscientemente informações

já existentes na memória para assimilar às informações captadas no processo

sensitivo. Apenas percebemos coisas novas quando realmente procuramos

por elas. Caso contrário, estas novas informações nunca irão existir para o

indivíduo. Ganascia (1996) explica isso tratando a noção de modalidades

perceptivas da memória referindo-se àquilo que percebemos consciente e

inconscientemente com influência direta da memória, os processos

conscientes enquanto intencionais, controláveis e acessíveis a consciência

(BARGH & MORSELLA, 2008).

A significação, terceiro processo cognitivo, trata do estabelecimento de

valores para as informações interpretadas. Este valor é construído pelo

conhecimento tradicional da sociedade, e pela individualidade. Ou seja, a

significação ocorre de acordo com as informações já existentes na memória

individual, mas principalmente na memória da sociedade – nos conhecimentos

plurais. Os objetos, portanto, só possuirão um valor simbólico quando existe a

relação cognitiva com o homem. O objeto por si só não possui esse valor

simbólico. Sem significação não existe objeto. Não existe nada.

Três pontos devem ser observados sobre os processos acima descritos.

Primeiro, que estes ocorrem de maneira automática, independente da nossa

vontade. Segundo, que estes processos ocorrem numa reação em cadeia onde

um processo dá inicio ao outro. E por fim, os três processos ocorrem de uma

Page 26: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

26

forma tão rápida que, por muitas vezes ao tentarmos distinguir sensação,

interpretação e significação, inicialmente parecem ser a mesma coisa, mas ao

compreendermos como e onde eles ocorrem podemos ver que se trata de

processos cognitivos diferenciados.

O primeiro processo, a sensação, trata da identificação do objeto através

do corpo do indivíduo; a seguir desencadeia o processo de interpretação, que

trata de organizar as informações percebidas no objeto através da mente do

indivíduo; consequentemente ocorre o processo de significação, que trata de

estabelecer valores para aquele objeto através das tradições da sociedade a

qual o indivíduo está situado. Temos aqui o triângulo cognitivo: Corpo e

sensação, mente e interpretação, cultura e significação; e ainda percepção

enquanto construção dos conhecimentos singulares, e significação enquanto

construção dos conhecimentos plurais. Os conhecimentos singulares

equivalem à memória individual, ao mundo interior apontado por Gärdenfors

(2007); já os conhecimentos plurais equivalem à memória social apontada por

Dyke & Alcock (2003), e ao mundo exterior de Gärdenfors.

Ainda há um quarto processo a ser citado. A apropriação. Apropriar-se

dos objetos e do ambiente é da natureza humana. É um processo conjunto à

significação, onde, de acordo com os valores atribuídos aos objetos e ao

ambiente, estes são, de forma seletiva, tomados como pertencentes ao

indivíduo e/ou à sua sociedade. Este conceito de apropriação é relativo ao da

abordagem cognitiva apontada por Baillete & Kimble onde:

Appropriation is seen as a process that allows an individual to

'rebalance' (rééquilibrer) their internal cognitive structures following

the disturbance in the environment, or to absorb new information

from that environment (2008, pg. 10).

E também, uma vez que é um processo conjunto da significação, se

aproxima da abordagem tecnológica, discutida pelos mesmos autores, que

afirma que:

Appropriation is seen as the process by which an individual invests

meaning and value in the use of a tool. The result of this process is

characterised as the gap or difference in use between that

imagined by the creators of the tool, and that which was put into

Page 27: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

27

effect by the end users, or by the different uses made of the same

tool by different groups of users in the same context (Pg.10).

É possível observar que este modelo para compreensão da relação

cognitiva do homem com o mundo material, apesar de tratar o homem em três

partes - a mente, o corpo e a cultura – estas estão diretamente interligadas, e

os processos que ocorrem neles e entre eles estão em ação contínua, sendo

assim realizada esta separação como um modelo de estudo eficaz sobre a

cognição entre o homem e o mundo material. As palavras de Julian Thomas

expressam melhor o que quero dizer:

Mind, body and world are not ontologically distinct spheres: they are

categories which people have created, and which often serve to lead

us to misunderstand ourselves. Thinking is not something which takes

place in a separate space called the mind: it is a means of

engagement in the world, and it would not be possible if we did not

already exist in a material world, alongside other beings. Yet very

often human beings presume themselves to be free-standing and self-

contained „individuals‟, possessing a rich internal world which

confronts physical reality from a distance, and renders it meaningful

(THOMAS, 1998, pg. 151).

Em resumo, e para tornar mais claro, o modelo aqui proposto dos

processos da relações cognitiva do homem com o mundo material se desdobra

a seguinte maneira:

• Percepção – Construção dos conhecimentos singulares:

• Sensação - capacidade de captação de informações através dos

mecanismos sensoriais do corpo.

• Interpretação - a capacidade mental de organizar as informações

recebidas na sensação, que dá a capacidade do indivíduo orientar o

seu comportamento.

• Significação - trata do estabelecimento de valores para as informações

interpretadas – construção dos conhecimentos plurais.

• Apropriação - de acordo com os valores atribuídos aos objetos e ao

ambiente, estes são, de forma seletiva, tomados como pertencentes ao

indivíduo e/ou à sua sociedade.

Page 28: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

28

2.4 Objeto e Artefato

Após compreender estes processos, podemos começar a finalmente

conceituar alguns termos muito utilizados nos estudos de cultura material,

baseado nas definições dos processos cognitivos aqui propostas.

Por objeto entende-se qualquer coisa que possui uma relação com o

homem através dos processos cognitivos. O objeto só existe na realidade do

indivíduo a partir do momento que é percebido.

Outro termo que se faz importante de construir uma definição é o

artefato. Este é um dos termos mais utilizados pela arqueologia para se referir

aos seus objetos de estudo. Artefato pode ser definido como qualquer objeto

apropriado pelo homem para atender uma função (seja ela funcional, simbólica,

etc.). No caso do artefato produzido podemos denominar também objeto

técnico, pois está inserido numa cadeia de operações técnicas. Ou como

Deforge define, objeto técnico é “l‟objet existe dans la mesure où il est inclus

dans um chaîne de gestes, dans um comportment technique general”(1985,

pg.82).

In general, the nature of an artefact depends on aspects of the

physical world (e.g. the material from which it is made), on the

characteristics of the individual who made it or for whom it was

intended, and on aspects of history and fashion (HINDE, 1998, pg.

178).

Seguindo a visão de Hinde, o artefato pode então ser considerado a

partir da apropriação enquanto processo cognitivo.

Estes conceitos são importantes de compreensão, principalmente para

discutir, em seguida, o conceito de instrumento. Para entender melhor esta

série de definições, vejamos de outra forma:

Todo artefato é um objeto, pois ele é perceptível ao homem.

O objeto para se tornar artefato deve ser apropriado.

Se o objeto é apropriado através de técnicas de produção ele se

torna um objeto técnico.

Page 29: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

29

Todo objeto técnico é apropriado, logo, todo objeto técnico é um

artefato.

Todas as definições acima descritas podem servir para objetos e

artefatos em forma material e, também imaterial. Há de reforçar sempre que a

cultura humana também se apresenta de forma imaterial! Fato é que o estudo

da cultura imaterial na arqueologia pode ser feito através da cultura material.

Por exemplo, a música não é matéria física, é um artefato imaterial, mas é

produzida por artefatos materiais, como tambores e flautas, que podem ser

estudados pela arqueologia. O arqueólogo acaba por se tornar uma espécie de

detetive que procura e estuda vestígios materiais para compreender a mente, o

corpo, e a sociedade do homem por trás destes vestígios. Em outras palavras,

cabe à arqueologia buscar compreender a cultura através da sua materialidade

como viés para interpretação dos conhecimentos humanos. Estes

conhecimentos na sociedade - a cultura - são agregados aos objetos e

materialmente manifestados nos artefatos materiais. Neste sentido, a cultura de

um grupo humano pode ser definida pelo modo como os objetos, materiais e

imateriais, são produzidos, percebidos, significados e organizados no meio

ambiente.

2.5 Paisagem e Sítio Arqueológico

Para entendermos a relação cognitiva do homem com o meio ambiente,

devemos entender que este meio é percebido pelo homem. O termo paisagem

é designado para tratar desta relação, contudo, ainda não há um consenso na

definição do termo paisagem nos estudos de arqueologia.

(…) authors use a multiplicity of landscape references that

differentially emphasize natural (e.g., ecological,

geomorphological, and hydrological) and cultural (e.g.,

technological, organizational, and cosmological) aspects of the

human environment (ANSCHUETZ et al. 2001).

Tilley começa definindo paisagem como a representação

Page 30: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

30

“physical and visual form of the Earth as an environment and as

setting in which locales occur, and in dialectical relation to which

meanings are created, reproduced and transformed” (1994, Pg.

25).

Em acordo com esta visão, nesta relação dialética estão presentes os

processos cognitivos de forma a perceber a forma física do espaço e a criar,

reproduzir e transformar significados.

Paralelo a este conceito, Bender (2001) define a paisagem como o

espaço mediado pela percepção subjetiva e sensorial dos indivíduos, ou seja,

tudo aquilo que o homem percebe no espaço físico. Utilizando do conceito de

objeto aqui aplicado, o modo como os objetos se estruturam no espaço físico e

os processos cognitivos por trás da relação do homem com estes objetos

constroem a paisagem. Ou seja, a paisagem é puramente cultural. Bender

(2001) ainda coloca que a paisagem não é apenas um espaço qualquer, mas

um espaço mediado. Ou seja, Paisagem não é apenas o espaço que você

percebe ao seu redor. Deve haver movimentação neste espaço. Quando há

movimentação, maior informação é captada por nossos mecanismos

sensoriais, e nossa interpretação sobre o meio ambiente se modifica. Podemos

complementar na afirmação de Bender a questão social. Indivíduos de

diferentes sociedades podem perceber o espaço de maneira semelhante em

certos aspectos, mas diferenças culturais podem refletir em modos

extremamente divergentes de significar a paisagem.

De acordo com Valera (2000), paisagem é um espaço categorizado que

resulta da existência de um observador munido de consciência; é um termo

utilizado para designar as realidades espaciais que são socialmente

percebidas, experimentadas e conceituadas. A paisagem não é, então,

construída individualmente, pois estamos tratando de um produto cultural, dos

conhecimentos plurais, sendo assim, necessariamente construída pela

memória social.

A paisagem é, no fundo, a percepção cognitiva da envolvente

exterior pelo elemento humano, constituindo a memória a tomada

de consciência da acção cognoscente. Assim, na realidade,

paisagem e memória resultam num binómio inseparável, de total

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31

complementaridade, cuja construção corre em paralelo

(MATALOTO, 2007, Pgs. 123-124).

Por fim, a paisagem é o entorno físico meio ambiental da ação do

homem. Este espaço físico, logo, é um espaço adaptado pela ação humana. É

neste contexto que a denominada Arqueologia da Paisagem se insere,

estudando os processos de apropriação do espaço. O arqueólogo busca

compreender a organização espacial, não só da área de escavação, mas da

paisagem como um todo. Uma paisagem percebida subjetivamente pelos seus

aspectos biológicos, mas buscando a imagem mental de uma cultura projetada

pelos remanescentes materiais dessa mesma população.

É esta paisagem construída, trabalhada, conceptualizada, que

ainda hoje nos acompanha pejada de simbolismos, códigos e

significações, que procuramos decifrar com a actividade

arqueológica, numa ânsia de criação/preservação da memória

colectiva (MATALOTO, 2007, Pg. 123).

Existem pontos na paisagem apropriados pelo homem, para realização

de diferentes atividades, e atender diferentes necessidades. São estes pontos

apropriados, que deixam vestígios de atividade humana, que o arqueólogo está

em busca. Em outras palavras, o arqueólogo busca o sítio arqueológico. É de

acordo com o espaço percebido e os elementos que o compõe, além de suas

necessidades culturais, que o homem se apropria dos objetos e da paisagem,

transformando-os em artefatos e sítios arqueológicos. Tratar a paisagem

separada do homem torna-se ineficaz, pois:

The place and the people are conceptually fused. The society

derives meaning from place, the place is defined in terms of social

relationships, and the individuals in the society are not alienated

from the land (SACK, 1980, pg. 177).

2.6 As Tradições Tecnológicas

Além dos conceitos de cultura material, a arqueologia forma grandes

bases sobre o conceito de tradição. Em seu conceito mais „tradicional‟ a

tradição, em arqueologia, é definida por “uma sequência de estilos ou de

Page 32: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

32

culturas que se desenvolvem no tempo, partindo uns dos outros, e formam uma

continuidade cronológica” (MENDONÇA DE SOUSA, 1997, pg. 124). Mais do

que o conhecimento e o estilo por trás da cultura material de uma sociedade, a

tradição ainda pode ser compreendida como o conjunto de ações, hábitos, e

comportamentos realizados por toda uma sociedade, ou seja, a manifestação

inconsciente, como apontado por Rahmeier (2007), mas também consciente (!),

“da identidade cultural estruturada nos seres humanos ao longo de suas vidas”

(RAHMEIER, 2007, pg. 34). Estas tradições se apresentam e se modificam

através de vários aspectos da cultura, como as crenças, alimentação, estética,

arte, tecnologia, entre outros. Ou seja, a tradição é o todo hábito da cultura de

uma sociedade. Aqui, volto atenção à tecnologia, que responde, entre outras

coisas, pela produção de artefatos técnicos. A tecnologia pode ser também

compreendida como meio de compreensão específico da técnica e de seus

produtos (BECKMANN, 1777 apud DEFORGE, 1985, pg. 61), e ainda,

tecnologia “refers to the things manufactured and the knowledge and skills

required to make them” (TREMBLAY & PRESTON, 1985, pg. 11).

Entende-se que para que seja possível compreender certos aspectos

sobre diferentes grupos humanos, estudamos sua cultura material, partindo da

ideia de que esta é fruto da relação do homem com a sociedade, a natureza, a

tradição, enfim, o mundo. Diferentes sociedades, com diferentes necessidades

específicas, podem apresentar diferentes produtos materiais. Estes produtos

podem, ou não, ter sido produzidos por diferentes tradições tecnológicas, ou

seja, diferentes hábitos técnicos de produção de artefatos. A técnica em

qualquer sociedade é a representação de esquemas mentais aprendidos

através da tradição, assim como qualquer ação humana no mundo material,

uma vez que a técnica é resultado das estratégias e significados sociais

(LEMONNIER, 1993). Este conhecimento tradicional sobre produção dos

artefatos é transmitido, modificado, amadurecido e adaptado através da

linguagem, da observação, da imitação, e da experiência - o que inclui ações

de tentativa e erro. Destaca-se a construção das capacidades cognitivas

individuais dadas pela aquisição do conhecimento técnico através das cadeias

operatórias. Em seu pleno sentido, os conhecimentos técnicos

Page 33: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

33

sistematicamente transmitidos de geração a geração são denominados de

tradição (FOGAÇA & BOËDA, 2006).

Aqui é possível fazer um paralelo entre o triângulo cognitivo e o tríplice

ponto de vista do homem total apontado por Marcel Mauss: o elemento

sociológico de comunicação entre indivíduos para transmissão do

conhecimento técnico, e os elementos psicológico e biológico individuais no

ato da técnica em ação. O elemento sociológico pode ser comparado aos

conhecimentos plurais, ou seja, a cultura. Da mesma forma, os elementos

psicológico e biológico podem ser comparados aos conhecimentos singulares,

ou seja, o corpo e a mente. “Mas o todo, o conjunto é condicionado pelos três

elementos indissoluvelmente misturados” (MAUSS, 2003, pg. 405).

Em suma, a cultura possui toda uma dinâmica que possibilita a evolução

contínua do comportamento técnico. Contudo, a cultura não modifica os

processos cognitivos por trás da técnica e da tradição.

The evolutionary factors, which have shaped the brain and

complex behavior of humans over millions of years, are, therefore,

unlikely to be completely overturned by cultural developments

arising out of a relatively short period (HODGSON, 2000).

Para Mauss (2003), se não houver tradição, não haverá técnica e nem

transmissão, partindo da ideia de que a técnica deve ser tradicional e eficaz.

Contudo, volto atenção para o fato de que uma técnica que não é capaz de

responder as necessidades, sejam elas simbólicas ou funcionais, de uma

sociedade tem pouca (ou nenhuma) chance de se tornar tradicional. É, pois,

necessário o surgimento da técnica eficaz para que esta seja transmitida para

toda uma sociedade e torne-se então tradicional. De tal forma, as cadeias de

operações técnicas eficazes para a produção e utilização dos artefatos tornam-

se tradicionais.

2.7 O Corpo em Ação

O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou,

mais exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro e o mais

Page 34: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

34

natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico do homem, é

seu corpo (MAUSS, 2003, pg. 407).

O corpo, mais do que a forma material do homem, é o agente mediador

da mente com o mundo material, com o mundo imaterial, com o universo

simbólico da cultura, e que media as relações sociais de gênero, considerando

gênero como uma posição culturalmente construída do indivíduo na sociedade.

Inclusive, o estudo do gênero em antropologia era praticamente invisível antes

da abordagem cognitiva (MUKHOPADHYAY, 2004). Toda esta relação é

carregada de conhecimentos plurais e singulares. Uma relação carregada

cognitivamente.

A relação da mente com o mundo material é carregada de

conhecimentos técnicos sobre o corpo que permitem ao indivíduo perceber os

objetos, se deslocar pelo ambiente, transformar a materialidade do objeto e

utilizar os instrumentos. Os modos de interagir com o mundo material através

de gestos e movimentos justificados, num primeiro momento, pela cognição e

para a cognição, definem as técnicas do corpo. Nos anos de 1930, Marcel

Mauss já definia as técnicas do corpo como “as maneiras pelas quais os

homens, de sociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-

se de seu corpo” (MAUSS, 2003, pg. 401).

2.7.1 Instrumento: A Prótese Cognitiva Funcional do Corpo

Já tendo definido artefato como objeto apropriado para atender uma

função, cabe agora definir instrumento como o tipo de artefato que exerce sua

função modificando a forma material de outros objetos, através de um conjunto

de gestos que definem um funcionamento. Deforge (1985) classifica o

funcionamento como os fenômenos físico-químicos cientificamente ou

empiricamente conhecidos e que são explorados. O funcionamento aqui se

refere ao modo de utilizar os instrumentos, ou seja, o conjunto de gestos que

compõem técnicas corporais.

Logo, percebemos que para o artefato ser considerado um instrumento

ele deve ser incorporado pelo homem, não na forma física, mas incorporando

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35

as dinâmicas do objeto. Warnier (1999) relaciona a incorporação do objeto à

capacidade de memorizar e incorporar conjuntos de ações motoras

perfeitamente adaptadas à dinâmica da relação com os objetos e com o meio.

Em outras palavras, o instrumento é uma prótese do corpo humano, pois

complementa as necessidades funcionais que apenas o próprio corpo não é

capaz de satisfazer. Contudo, isto na basta para definirmos o instrumento como

tal. De nada adianta a existência de um artefato tecnicamente produzido para

atender uma necessidade funcional se ele não é utilizado para atender uma

função, se ele não é incorporado. Instrumento se define pela ação (LEROI-

GOURHAN, 2002), e não pela produção.

Page 36: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

36

3. INDÚSTRIA LÍTICA: ADAPTAÇÃO E COGNIÇÃO

A indústria lítica é definida pela produção de artefatos a partir da

extração de objetos materiais em sua forma natural através de uma cadeia de

operações que envolvem o conhecimento técnico de produção, saber fazer,

função e funcionamento do artefato (BOËDA, 1991). Todo objeto inserido nesta

cadeia operatória, devo reforçar, é um objeto técnico (DEFORGE, 1985).

Os instrumentos líticos são um perfeito exemplo de objetos técnicos

apropriados para atender uma função (artefatos técnicos). As necessidades

funcionais que levam a produção desses artefatos direcionam nosso

pensamento à tecnologia. Todo o conhecimento por trás da apropriação

desses artefatos foi determinante na pré-história humana, afinal, os

instrumentos líticos possuem propriedades físicas que permitem transformar

outros materiais (como a carne, a madeira, o osso, o couro, alimentos vegetais,

etc.) de forma mais eficaz do que o próprio corpo humano. O estudo das

indústrias líticas pré-históricas é carregado de uma importância, também, por

outros fatores: são os vestígios arqueológicos que possuem um melhor grau de

preservação em relação aos demais tipos de artefatos pré-históricos; são os

vestígios mais antigos no registro arqueológico; e, principalmente, os artefatos

líticos são produtos de conhecimento humano – cognição – em forma material.

3.1 A Evolução da Tecnologia

Making inferences about the evolution of cognition from the

archaeological record is a difficult business, because there is not

much to go on. Stone tools are probably only a small fragment of the

technology used by any group, as contemporary groups (including

those that did not use metals) indicate (BRIDGEMAN, 2002, pg. 403).

E de que forma ocorre a evolução tecnológica? A priori, é necessário

dizer que o termo evolução deve ser tratado como uma mudança de

adaptação ao meio, seja este meio ambiental, cultural, etc.. A evolução

tecnológica ocorre neste sentido, onde a necessidade de atender diferentes

funções pode exigir uma diferente tecnologia. Mudança na tecnologia implica

Page 37: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

37

diferentes métodos e/ou técnicas aplicados, sejam elas de produção dos

instrumentos ou de sua utilização. A análise das cadeias-operatórias nos

permite ler no registro arqueológico possíveis mudanças nas técnicas

aplicadas, contudo, não necessariamente uma mudança no conhecimento

técnico. A evolução da tecnologia ocorre juntamente às mudanças internas na

sociedade, como por exemplo, no contexto pré-histórico: novas necessidades

em economia de matéria-prima, necessidade de ferramentas adequadas para a

caça de diferentes espécies animais ou coleta de novos alimentos. Estas

mudanças internas na sociedade surgem por fatores culturais, ou mesmo por

fatores externos como a necessidade de se adaptar em novos ambientes.

Mudanças climáticas, por exemplo, implicam em mudanças na vegetação, na

fauna, e na paisagem como um todo, podendo vir a exigir novas necessidades.

Leroi-Gourhan (1984) já tratava desta relação do meio interno, relacionado aos

fatores culturais, e meio externo, relacionado ao ambiente natural. O homem,

tendo como um de seus aspectos naturais de sobrevivência a adaptação em

diferentes meios, se adapta tecnologicamente. Em outros termos, o homem

evolui tecnologicamente.

Mudanças no meio social/ambiental podem implicar diretamente em

mudanças na cultura humana, e caso a evolução cultural não ocorra, refletem

na decadência desta sociedade, pois a toda a dinâmica da cultura humana não

permite uma estagnação, e o fator “a cultura é dinâmica” já é entendido pelas

ciências humanas assim como aponta Laraia (1986, pg. 101) que “cada

sistema cultural está sempre em mudança”. Quando é o caso da esfera da

tecnologia precisando se adaptar, independente de sua complexidade, estas

mudanças ocorrem para que os instrumentos atendam melhor às novas

necessidades. Em suma, a evolução tecnológica não implica necessariamente

em técnicas de produção mais complexas, mas em produtos que atendam às

novas necessidades exigidas pelos meios ambiental/cultural. É necessário

frisar que estas novas necessidades não são necessariamente funcionais,

afinal, o universo simbólico da cultura muitas vezes sobrepõe estas

necessidade, por exemplo: a moda, enquanto expressão de um gênero na

sociedade, pode levar indivíduos a se apropriarem de objetos a partir de

características que, a priori, expressem simbolicamente sua posição social no

Page 38: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

38

grupo, ou em um específico grupo, deixando as características funcionais como

secundário. Viana (2005) utiliza do efeito circunstancial de moda de Boëda

(1997) para explicar estas possibilidades em artefatos líticos.

O achado de diferentes produtos em diferentes contextos espaço-

temporais indica, não necessariamente em tradições culturais diferentes, mas

em diferentes necessidades a serem atendidas. Além disso, a evolução

registrada na cultura material não indica diferentes capacidades cognitivas,

pois esta capacidade já deve se fazer presente para ser expressa

materialmente. Contudo, a produção desses novos artefatos pode implicar em

construção de conhecimentos singulares e plurais, ou seja, implicar em novos

modos de perceber e significar os artefatos. A capacidade técnica já deve

existir, para que esta evolua e gere novos conhecimentos técnicos. E a

inovação, enquanto modo de adaptação é, portanto, uma forma de evolução.

Neste sentido, é correto afirmar que:

L‟évolution consistant en une “renégociaton” des príncipes

techniques, caque nouveau príncipe ou association de príncipes

correspond à une acte d‟invention qui, selon divers facteurs,

deviendra innovation pour les societés qui les auront adoptés

(BOËDA, 1997, Pgs. 137-138).

Evolução tecnológica não é justificada pelo tempo, ou nível de

complexidade. Também não é justificada necessariamente pelo nível de

eficácia em termos funcionais, pois pode ocorrer em função da economia, ou

até mesmo imposições puramente simbólicas da cultura. Evolução é a

mudança justificada pela adaptação ao meio!

3.1.1 Os Níveis de Complexidade de Produção de Instrumentos

Boëda (1997) surge com a ideia de níveis evolutivos, partindo da

complexidade técnica de debitagem, ou seja, produção de instrumentos

através do fracionamento de uma matriz primária, com objetivo de produzir

suportes para a confecção de instrumentos. Esta ideia “níveis evolutivos”, a

priori, remete a uma visão de evolução justificada pela complexidade

tecnológica de produção observada no material lítico. Contudo, se partirmos da

Page 39: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

39

ideia de aplicação de um nível de complexidade essencial para atendimento de

uma necessidade, a aplicação dos métodos de produção apontados por Boëda

podem se tornar eficazes, uma vez que o conhecimento técnico e o “saber-

fazer” necessários são frutos de uma tradição cultural, ou seja, as capacidades

cognitivas devem se fazer presentes no indivíduo para que esta tecnologia

complexa se faça presente.

Os blocos de matéria-prima explorados para produção de suportes são

denominamos como núcleos. São neles que estão presentes as bases

negativas das lascas que nos possibilitam a identificação de sequências de

produção e dos esquemas operatórios. Foi a partir desta ideia foi estabelecida

uma escala que Boëda (1997) compreendeu estes níveis evolutivos, do qual

prefiro denominar de níveis de complexidade adaptativa. Estes níveis são

vistos pelo autor em cinco sistemas. Estes níveis, ou sistemas, são agrupados

em dois subconjuntos.

O primeiro subconjunto agrupa os sistemas técnicos de produção em

que apenas uma parte do núcleo é necessária para realizar seus objetivos,

sendo que a parte restante não tem nenhum papel técnico. Os sistemas aqui

tratados são os sistemas: A, que trata unicamente da produção de um gume,

independente das demais características, o seja, não seguem uma escolha

específica; B, que trata uma noção de recorrência de retiradas sucessivas que

permitem um controle sobre algumas características do gume (regularidade e

delineação, por exemplo); C, que trata da exploração de superfícies convexas

naturais e/ou preparadas e da noção de recorrência que permite controlar,

além do gume, a morfologia de toda a lasca. Entre os sistemas do primeiro

subconjunto vemos que as concepções C difere da B pela preocupação não

mais somente com as características dos suportes, mas também com as

características apresentadas pelas bases negativas destes suportes.

O segundo subconjunto agrupa os sistemas técnicos que necessitam de

toda a integralidade do núcleo para a realização dos objetivos e os suportes

produzidos estão mais próximos do que será o instrumento. Aqui estão

agrupados os sistemas: D, representados pelas concepções denominadas

discóide e piramidal, que tratam da adoção de recorrências organizadas de

Page 40: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

40

retiradas que permitem manter as convexidades capazes de produzir os

objetivos desejados, permitindo que o núcleo seja explorado por séries

sucessivas idênticas e produzindo a mesma gama de retiradas, porém com

risco de perder a característica pré-determinada das retiradas; e E, que trata da

preconcepção da integridade do núcleo, com o objetivo de lhe conferir uma

forma e características técnicas particulares. Este último seria o máximo da

predeterminação, representados pelas concepções levallois e laminar.

Ao compararmos as concepções discóide, piramidal e levallois com as

concepções do primeiro subconjunto fica claro que o segundo subconjunto tem

uma gama de complexidade tecnológica maior que o primeiro subconjunto. É

possível observar nestes sistemas certos atributos que vão sendo utilizados

com cada vez mais intensidade, e uma elaboração prévia das características,

tanto do suporte, como do núcleo cada vez mais complexa. Nas concepções

Discóide, Piramidal e Levallois percebemos que os núcleos se tornam

homotéticos, ou seja, há uma preocupação em manter a forma dos núcleos,

que antes não existia (BOËDA, 1997).

As concepções discóide e levallois tratam de núcleos que possuem duas

superfícies convexas, assimétricas e secantes, que delimitam um plano de

intersecção. Porém, nos núcleos levallois, ao considerarmos a charneira, é

possível perceber uma hierarquização nas superfícies de lascamento,

enquanto no discóide não há uma hierarquização, porém as superfícies estão

em total sinergia. A concepção discóide tem como objetivo a produção de

suportes curtos, e convexos; e seu plano de percussão é secante ao plano de

intersecção das duas superfícies de lascamento. No levallois o plano de

percussão é perpendicular ao de intersecção e há uma maior preocupação com

a convexidade lateral para maior controle das ondas de impacto no suporte

pré-determinado. Quanto ao núcleo piramidal, ele deve apresentar uma

superfície plana e outra convexa.

Page 41: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

41

3.2 A Consciência da Operação

O conceito de cadeia operatória surge na década de 1930 com Marcel

Mauss (1950). Leroi-Gourhan (2002) originou o termo cadeia-operatória

maquinal, para retratar o nível de consciência do comportamento operatório

global. Para entender este termo, devemos entender que existem processos

automáticos, ou seja, que ocorrem independente da nossa vontade,

inconscientes, os quais o homem não tem controle (como é o caso do

desencadeamento dos processos cognitivos). A operação maquinal está num

nível intermediário entre o automático e o lúcido, pois a ação é inconsciente,

mas a consciência pode ser acessada a qualquer momento em busca de

conhecimentos que possam responder às necessidades inesperadas que

possam surgir, como no caso das cadeias operatórias.

3.3 O Conceito de Cadeia Operatória na Tecnologia Lítica

Muito da importância sobre os vestígios líticos é sublinhada ao

compreendermos a noção de Cadeia Operatória, principalmente quando Leroi-

Gourhan (2002) aplica este conceito à pré-história, da década de 1960. Para

compreender este conceito podemos considerar a definição de Balfet (1991a),

onde ela conceitua a fabricação de um artefato organizado numa série de

etapas e operações interligadas, indispensáveis e dependentes, como uma

cadeia de operações, ou seja, como uma cadeia operatória. Essa cadeia de

operações tem sua gênese no esquema mental idealizado pelo artesão a partir

de conhecimentos técnicos aprendido pelas tradições culturais (PELEGRIN,

1995). A cadeia operatória, então, consiste nas etapas de aquisição da

matéria-prima e nas etapas específicas de produção. Contudo, parto do

princípio que os limites da cadeia operatória não começam aqui, de modo que

ela também consiste na utilização do artefato e no descarte dele. Dizendo isso

de maneira mais simples, a cadeia operatória é a história de vida do artefato,

desde seu nascimento até sua morte.

Page 42: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

42

A noção de cadeia operatória traz aos estudos de pré-história, e mais

especificamente à tecnologia lítica2, como veremos a seguir, uma importância

extrema, uma vez que esta noção permite, ao estudarmos a história do

artefato, compreender aspectos cognitivos sobre o homem por trás dele. Ao

aplicarmos esta noção às indústrias líticas, ou mais especificamente, ao estudo

dos artefatos líticos lascados, entendemos que os instrumentos finalizados não

são os únicos vestígios capazes de nos fornecer informações sobre o grupo

humano a quem ele pertenceu. Os resíduos de produção deste instrumento se

fazem tão importantes quanto o artefato finalizado.

As etapas das cadeias operatórias de instrumentos líticos lascados

podem ser classificadas começando pela aquisição da matéria-prima, que

envolve conhecimento das propriedades físicas das rochas, que é inevitável

para a seleção de matéria-prima específica para o instrumento a ser produzido.

Deve-se ainda considerar as dificuldades físicas de coleta e, quando ocorre,

transporte do material até o local de produção dos instrumentos, a oficina

lítica3. Outro ponto ainda a ser considerado são os fatores simbólicos

relacionados à seleção da matéria-prima, à forma de aquisição e ao transporte

deste material até a oficina.

As etapas de produção de instrumentos líticos podem ser classificadas

em três etapas: Debitagem, façonnage e retoque. A debitagem consiste na

produção de suportes, ou seja, lascas com estrutura, forma e volume que

servirão como matriz dos futuros instrumentos, a partir de blocos ou fragmentos

de rocha aos quais acabam sendo denominados núcleos (PELEGRIN, 1988).

Os métodos de debitagem podem ser classificados nos termos de Boëda &

Fogaça (2006) já descritos. A façonnage consiste na modificação do volume

do suporte, podendo produzir a região anterior à parte transformativa que

2 Sublinho aqui o conceito de tecnologia lítica, utilizando deste termo para me referir aos

conhecimentos técnicos de uma dada sociedade sobre os artefatos líticos.

3 Importante frisar que oficina e indústria têm conceitos diferentes. O termo oficina aqui é

considerado como o local onde os artefatos são produzidos, enquanto que indústria se refere à produção em si. Neste sentido, oficina tem a mesma definição de atelier: “Lieu où s‟effectue une opération technique de traitement de la matière première. C‟est ainsi que l‟on a parlé très tôt de sites d’ateliers pour designer des gisements caracterisés par l‟abondance de déchets de taille de la pierre.” (LECLERC & TARRÊTE, 1988).

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43

direciona a ação do instrumento, as áreas de preensão, de encabamento, etc..

Esta visão de façonnage é tratada como uma etapa de produção que pode

ocorrer posterior à debitagem, e já vem sendo utilizada por autores que

trabalham sobre as indústrias líticas do Brasil Central (FOGAÇA, 2001;

MELLO, 2005; VIANA, 2005; LOURDEAU, 2010), adaptada da visão tradicional

que adota façonnage como “taille d‟un bloc ou fragment de roche dure, par

enlèvements successifs, qui donne alors des déchets, afin d‟en degager un outil

ou une ébauche” (PELEGRIN, 1988. pg. 1019), ou seja, um método de

produção que não inclui a debitagem, sendo que o suporte de produção dos

instrumentos é natural. O retoque consiste na modificação da região do gume,

ou seja, a produção ou modificação dá área do instrumento que entra em

contato direto com outra matéria durante o uso.

Para tratar de Plano de Corte (PC) e Plano de Bico (PB) detalhadamente

(Figura 4) podemos usufruir das mesmas definições descritas por Pedro Paulo

Guilhardi, baseadas na proposta de Boëda (1997):

-Plano de corte, que pode ser criado ou aproveitado naturalmente

e se constitui pela intersecção da face inferior com a superfície do

outro plano. Ele colabora diretamente no direcionamento e na

estabilização da ação e na confecção do plano de bico, já que é

anterior a este.

-Plano de bico é a zona ativa da borda, geralmente criado a fim

de adequar o plano de corte a uma ação específica, deve ter

propriedades físicas e tecnomorfológicas adaptadas a sua ação,

tal como, ser mais resistente que o objeto a ser modificado.

(GUILHARDI, 2009, pg. 49).

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Figura 3 - Plano de Corte e Plano de Bico na seção do instrumento.

Cada uma das etapas de produção produz, também, resíduos. Estes

são classificados em categorias de acordo com seus estigmas tecnológicos

através de uma análise sistemática que nos permite saber as fases de

produção de qual cada resíduo é proveniente, além de nos permitir identificar

as técnicas aplicadas em cada etapa. É possível também que um resíduo de

produção possa ser reaproveitado como matriz inicial de produção, ou como

suporte do instrumento. Ao final destas etapas se tem o instrumento finalizado

e pronto para ser utilizado. É bom frisar que a produção do instrumento pode

ter início em qualquer destas etapas (Ver figura 03). Da mesma forma, estas se

fazem desnecessárias em certas ocasiões, podendo ocorrer aproveitamento da

estrutura volumétrica do objeto coletado, que já lhe permite ir da aquisição da

matéria-prima direto para a façonnage, retoque, ou mesmo a utilização do

objeto em estado bruto. Ou seja, nem todo instrumento apresenta vestígios de

todas as três etapas, seja porque uma etapa extinguiu os vestígios da etapa

anterior, seja porque esta(s) etapa(s) não foi(ram) realizada(s).

A utilização de todo instrumento segue um funcionamento específico,

concebido antes mesmo dos processos acima descritos, respondendo a uma

função, atendendo às necessidades levaram o lascador a dar início à produção

do instrumento. Neste ponto chegamos novamente à definição de

instrumento. Não basta que um artefato, seja ele o que for, tenha sido

apropriado para atendar uma função instrumental. Ele deve ser utilizado! Ele

deve fazer corpo com o homem, entrar em contato com a matéria e transforma-

la. O instrumento não é definido pela sua produção, pela sua forma ou pela sua

Page 45: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

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significação. O instrumento é definido pela ação (LEROI-GOURHAN, 2002). A

utilização dos instrumentos leva sempre a um desgaste na sua estrutura física.

No caso dos instrumentos líticos, o gume perde o seu fio de corte com o uso

contínuo, além de que possíveis fraturas possam impedir que o instrumento

continue exercendo sua função, fazendo com que este seja descartado.

É possível perceber que a cadeia operatória de qualquer artefato termina

no seu descarte. Schiffer (1975) afirma que ao término da vida-útil de um

elemento, desde que não haja reutilização, eles serão descartados, ou seja, o

descarte não necessariamente ocorrerá sempre que o artefato perde sua

função. No caso dos instrumentos líticos, em algumas ocasiões, seus vestígios

nos remetem à ideia de que o instrumento, após um fratura ou desgaste do

gume, passa mais uma vez por etapas de retoque e até mesmo de façonnage,

modificando pouco de sua forma, dando uma nova “vestimenta” ao

instrumento, ou modificando-o a ponto de transformá-lo em outro artefato ou

instrumento (se este voltar a ser utilizado). No segundo caso, se dá início outra

cadeia operatória. Em outros casos o artefato pode simplesmente ser perdido,

ou descartado por razões puramente simbólicas.

Page 46: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

46

3.4 As Unidades Tecno-Funcionais

Todo instrumento é constituído por três partes: uma zona que entra em

contato com uma matéria transformando-a, uma zona de preensão que recebe

a energia aplicada pelo homem, e uma zona transmissora de energia. Esta

última zona, no caso dos instrumentos encabados, não se sobre pões à zona

preensiva, contudo, em instrumentos sem cabo a zina preensiva e transmissora

de energia se sobrepõe na estrutura do artefato. A cada uma destas zonas

classificamos uma Unidade Tecno-Funcional (UTF), definida como um conjunto

de elementos e/ou características técnicas que coexistem em uma sinergia de

efeitos (BOËDA, 1997). Cada instrumento pode conter uma ou mais UTFs

transformativas, e para cada uma destas, consequentemente, há pelo menos

uma zona preensiva e uma zona transmissora. Neste caso, definimos um

instrumento para cada UTF transformativa. Em outras palavras, um artefato

Figura 4 - Esquema Geral das Cadeias Operatórias de Artefatos Líticos.

RETOQUE

Suporte

DEBITAGEM Matéria-Prima FAÇONNAGE

Artefato

UTILIZAÇÃO (Funcionamento/Função)

Instrumento esgotado

DESCARTE

REAVIVAGEM

RESÍDUOS

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47

lítico pode conter mais de um instrumento em sua estrutura física, assim como

um canivete suíço moderno possui vários instrumentos em sua estrutura que

seguem diferentes funcionamentos e atendem diferentes funções

(LOURDEAU, 2006).

3.5 O Conhecimento e as Escolhas por Trás do Instrumental Lítico

On fabrique un outil pou le faire fonctionner.

La fonction crée le contact transformatif.

L‟homme crée le fonctionnement. (BOËDA, 1997, pg. 134)

As necessidades de atender uma função e os hábitos gestuais corporais

tradicionais do funcionamento acabam por direcionar as características físicas

do instrumento, como sua estrutura volumétrica4, a matéria-prima da qual o

instrumento é materialmente composto, os ângulos de plano de bico e plano de

corte das UTFs transformativas, o delineamento do gume, etc.. Outro fator que

direciona as escolhas técnicas de produção de um instrumento, e que talvez

esteja acima das necessidades funcionais, é o fator simbólico, o qual não deve

nunca ser deixado de lado pelo arqueólogo que busca entender a cultura como

um todo, mesmo que, num primeiro momento, esteja buscando características

específicas de um tipo de cultura material, afinal, os processos mentais que

subjazem e direcionam nossas ações no mundo material estão incorporadas

em um amplo sistema simbólico (LEMONNIER, 1993). A busca dos aspectos

tecnológicos da cultura material lítica não foge a esta ideia, uma vez que ao

tratarmos de tecnologia tratamos de escolhas técnicas, e é o conhecimento

tradicional da sociedade que, num primeiro momento, direciona tais escolhas.

Há ainda outro fator a ser levado em consideração. Diferentes grupos

humanos podem apresentar as mesmas necessidades, e produzirem os

mesmos instrumentos, e seguindo um funcionamento semelhante, contudo,

4 A noção de estrutura é definida pro Boëda (1997, pg. 30) como “une forme intégrant et

hiérarchisant un ensemble de propriétés techniques qui aboutissent à une composition

volumétrique définie”.

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48

estes instrumentos podem ter sido produzidos por diferentes métodos e

técnicas. De acordo com Mello (2007, pg. 118) “só levando em conta o

instrumento, ou seja, a fase final das operações técnicas, a tipologia é incapaz

de dar conta dos conjuntos de conhecimentos postos em prática para se

chegar ao objeto”. Em suma, as cadeias operatórias destes instrumentos

podem ser distintas. Mais uma vez é notável a importância da noção de cadeia

operatória e a análise dos resíduos de produção dos instrumentos, pois apenas

os estudos tipológicos dos instrumentos não permitem evidenciar este fato

(MELLO, 2006), como no exemplo da Figura 04.

Figura 5 - As várias concepções de produção da ponta Levallois. Fonte: Boëda (1991, pg. 54)

As escolhas que levaram a produção dos artefatos líticos podem ser

observadas no próprio material, através da identificação dos estigmas

tecnológicos, e das suas características naturais, partindo de uma metodologia

sistemática.

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49

4. PRÉ-HISTÓRIA DA TECNOLOGIA LÍTICA NO CENTRO-

OESTE DO BRASIL

Antes de tratar do sítio arqueológico GO-CP-17, localizado no sudoeste

de Goiás, onde este trabalho busca compreender aspectos cognitivos através

da tecnologia lítica, devemos buscar entender o contexto pré-histórico em da

região que ele está situado, e como este contexto vem sendo

arqueologicamente interpretado.

4.1 As Tradições Arqueológicas e o Exemplo da Onipresença Itaparica

O conceito de tradição já foi aqui discutido, porém, antes visualizar

panorama pré-histórico do centro-oeste brasileiro, mesmo que de uma forma

breve, devemos atentar ao modo como o conceito de tradição vem sendo

aplicado na prática. Uma vez que a cultura material nos mostra alguns dos

aspectos tradicionais de uma cultura, poderíamos dizer que grupos humanos

de um mesmo período, mas de diferentes locais, que deixaram vestígios

matérias com aspectos tradicionais semelhantes entre si, são indicativos de

origens tradicionais semelhantes? A semelhança na tecnologia empregada em

diferentes locais indica uma mesma origem cultural? Uma vez que diferentes

cadeias-operatórias podem levar a um mesmo produto, a semelhança destes

produtos é decorrente da tradição, ou de necessidades que devem ser

atendidas por um grupo humano?

A metodologia de análise feita nos trabalhos de arqueologia brasileira

nas décadas de 1960 até 1980 levaram em consideração essencialmente os

instrumentos líticos, dando pouca importância aos resíduos de produção. E foi

com base apenas nos instrumentos que as tradições arqueológicas foram

definidas. E estas tradições, baseadas em apenas um tipo de produto, neste

caso o artefato lítico, acaba por não raras vezes, se estendendo para definir

toda a cultura de um grupo humano pré-histórico. A primeira utilização deste

conceito foi feita por Calderón na década de 1960, onde ele assume a

utilização do conceito de Tradição para a identificação de migrações pré-

históricas (CALDERÓN, 1973). Calderón definiu uma tradição, denominada

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50

Tradição Itaparica, para um grupo humano que produzia artefatos líticos plano-

convexos (lesmas), em função de sítios encontrados na Bahia. Schmitz (1980),

em função da semelhança dos artefatos líticos achados no sudoeste goiano

com os achados de Calderón, classifica como provenientes da mesma tradição,

a Tradição Itaparica. As “lesmas”, então, tornaram-se os fósseis-guias desta

tradição, ou seja, através da semelhança de um único tipo de artefato, baseado

principalmente em sua morfologia, e deixando de lado as razões que levaram a

existência deste produto, a arqueologia brasileira concebeu na época a

presença de um mesmo grupo cultural em diversas regiões do Brasil. E ainda

nos trabalhos mais recentes há a persistência de definir a presença de uma

mesma cultura em diversas regiões, e em diferentes períodos. Uma mesma

cultura em diferentes períodos, paralelo à dinamicidade da cultura, parece

contraditório.

4.2 Sudoeste Goiano

A macrorregião do sudoeste goiano é conhecida por abranger duas

regiões de rico contexto arqueológico. Refiro-me às cidades de Serranópolis e

Palestina de Goiás - antigo território do município de Caiapônia. Estas duas

regiões foram primeiramente pesquisadas pelo Programa Arqueológico de

Goiás, realizado pela, até então, Universidade Católica de Goiás (UCG) com

colaboração do Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP), do Rio Grande do Sul,

e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, também do Rio Grande do Sul,

durante a década de 1970.

A região de Serranópolis foi pesquisada pelo Projeto Paranaíba pela

equipe de Schmitz. De acordo com Schmitz (1987), os abrigos da região

apresentam ocupações antigas, cujas datas vão de 11000 anos AP até 8400

anos AP. A hipótese de Schmitz et al. (1989) para todo este período de mais de

2000 anos é a de que a ocupação foi realizada por um único grupo cultural, a

partir de interpretações dos padrões de vestígios arqueológicos encontrados. O

padrão que Schmitz se refere é a tipologia morfológica dos vestígios

encontrados. A tradição cultural deste grupo foi denominada Tradição Itaparica.

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51

O trabalho de campo na região de Caiapônia foi realizado sob o nome

de Projeto Alto Araguaia (Schmitz, 1986). Já em 2006, o Instituto Goiano de

Pré-História e Antropologia (IGPA) retoma as pesquisas na região, sob

coordenação de Sibeli Viana, partindo de outra perspectiva teórico-

metodológica com o projeto Análise do Sistema Tecnológico das Indústrias

Líticas Pré-Históricas Recuperadas pelo Projeto Alto Araguaia (VIANA, 2006).

Schmitz (1986), concluiu em sua pesquisa que os vários sítios superficiais, de

exploração de matéria prima local, correspondiam aos grupos humanos da

denominada Tradição Itaparica, em função da semelhança com as indústrias

de Serranópolis; já os sítios em abrigo, com extratos pré-cerâmicos, de outra

tradição, denominada Tradição Serranópolis. O projeto de Viana parte da

abordagem tecno-funcional e “evolutiva”, sem buscar classificar tradições

arqueológicas para os grupos humanos da região.

Borges (2009) faz uma crítica aos trabalhos de Schmitz nos sítios da

região, pois estes são complexos, muitas vezes cheios de problemas de

preservação e de datações, e os materiais líticos de superfície precisam ser

analisados com uma maior cautela, pois os estigmas de lascamento por muitas

vezes parecem estar mascarados. Contudo, afirma que as pesquisas

anteriores tornaram possível “compreender melhor as intenções técnicas, os

processos técnicos de produção e as várias etapas das cadeias operatórias

que estarão presentes nesses locais” (BORGES, 2009, pg. 90).

4.3 Serra Geral

Esta região, localizada na divisa da Bahia com Goiás, teve pesquisas

realizadas também pelo Programa Arqueológico de Goiás na década de 1970.

A análise do material lítico seguiu a mesma metodologia utilizada para

Serranópolis e Caiapônia. Schmitz et al (1996) não classifica uma tradição

arqueológica pré-determinada para os grupos humanos responsáveis pelas

indústrias líticas da região, pois não foram encontrados fósseis guias como a

“lesma” da tradição Itaparica, e também não sugere uma tradição arqueológica

diferente.

Page 52: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

52

Mello (2006) retoma as análises das indústrias da região partindo da

abordagem tecno-funcional, objetivando compreender os sistemas de produção

e utilização dos artefatos líticos, sem pretender classificar uma tradição

arqueológica para os grupos humanos da região.

4.4 Sul Mato-Grossense

O Vale do Rio Manso, no estado do Mato Grosso, teve suas indústrias

líticas analisadas partindo dos dados de Viana (2002) através da abordagem

tecnológica, como visto em Viana (2005) e Mello (2005). As pesquisas

realizadas por esses autores não objetivaram a identificação de tradições

arqueológicas pré-definidas, mas da identificação dos métodos e técnicos de

produção e utilização de artefatos líticos, e ainda constataram a complexidade

dos métodos de produção de artefatos líticos da região, partindo da proposta

de Boëda (1997), nos sistemas B, C (em todos os sítio pesquisados) e D. Para

a autora esta complexidade

(...) exigiu não somente seleção de matéria-prima adequada, obtida a partir de “escolhas” previamente determinadas, como também conhecimento e domínio dos métodos e das técnicas que cada concepção de debitagem exige para a eficácia de sua produção (Pg. 323).

A indústria lítica do sítio Ferraz Egreja, localizado na microrregião da

Cidade de Pedra, no município de Rondonópolis, com datações que remontam

o Holoceno recente - 1900 AP - vem sendo analisado por Vilhena-Vialou

(2006). A análise da indústria local segue uma abordagem tecnológica, sem

classificar tradições arqueológicas, mas que também não busca compreender

“níveis evolutivos” da produção de instrumentos.

A mesma autora realizou pesquisas no abrigo Santa Elina, e analisou a

indústria lítica local através da mesma abordagem de Ferraz Egreja. Um ponto

importante para o sítio é que este apresenta datações que remontam o

Pleistoceno - 23320 AP - (VILHENA-VIALOU & VIALOU, 1994), e para estas

datações o material lítico encontrado apresenta características de um material

“pouco elaborado” e associado à megafauna. Contudo a estratigrafia apresenta

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53

problemáticas que levam muitos pesquisadores a desconsiderar datações mais

antigas que o Holoceno.

4.5 Alto Paraná

As pesquisas mais recentes nesta região não tratam tão a fundo as

questões relacionadas à tecnologia dos artefatos líticos na região, limitando-se

a analises descritivas semelhantes às realizadas por Schmitz no Programa

Arqueológico de Goiás. A maior preocupação parece ser em remontar às

datações e análises geoarqueológicas, buscando entender as sequências de

ocupação na região, mas ainda não buscam a fundo os processos culturais que

ocorreram e resultaram na cultura material investigada.

De acordo com Martins & Kashimoto (2009), as datações mais antigas

pra região são de 11050 AP no Alto Sucuruí – Mato Grosso do Sul, que

desemboca no Rio Paraná. Esta região se encontra relativamente próximo à

região de Serranópolis. De acordo com os autores, os artefatos líticos, que

apresentam tipologias e funcionalismo diversificado, estão associados à

confecção de produtos relacionados à pesca. Contudo, não retrata mais a

fundo as questões ligadas à tecnologia. Ainda de acordo com estes autores, a

indústria lítica da região “apresenta característica tecnotipológicas que a

aproximam daquelas encontradas no sul de Goiás, filiadas à Tradição Itaparica”

(pg. 326).

4.6 Panorama Geral

Desde as primeiras pesquisas realizadas no Brasil Central na década de

1970 por Schmitz tornou-se visível - em num contraste gritante - três períodos

distintos na produção de artefatos líticos. O primeiro período começa por volta

de 11000 AP até cerca de 8000 AP (com exceção à Santa Elina que apresenta

datações mais antigas), e onde aparecem, como fósseis-guias, os artefatos

plano-convexos morfologicamente semelhantes (lesmas). O segundo período,

entre 8000 AP e 3000 AP, onde os artefatos líticos bem elaborados tendem a

Page 54: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

54

desaparecer, e em alguns sítios a quantidade de artefatos diminui. O terceiro

período surge depois de 3000 AP com artefatos líticos lascados ainda pouco

elaborados em relação ao primeiro período, e ainda em menor quantidade,

surgimento dos artefatos polidos e coincidentemente (ou não) com o

surgimento dos artefatos cerâmicos. Ao mesmo tempo, estes três períodos

coincidem (ou não) com três momentos ambientalmente determinados. O

primeiro período se inicia no fim do pleistoceno / começo do Holoceno marcado

por um clima frio e seco. O segundo período é marcado por um período mais

quente e úmido, o Holoceno médio. Por fim, o último período marca um retorno

do clima seco. De acordo com Vilhena-Vialou, neste terceiro período:

O advento da cerâmica coincide com o marco das mudanças

econômico-sócio-culturais, através de provável sedentarização ou

semi-nomadismo, com as instalações de aldeias, de suas áreas de

plantio (milho, mandioca, tabaco), aproveitamento da flora

existente (palmeiras, plantas silvestres), da pesca em função dos

rios próximos e da caça (cervos, macacos, queixadas, pacas...)

num raio de caminhada de algumas jornadas, a partir do centro

habitacional (2009, Pg. 37).

Outro fator interessante é que não há sempre uma continuidade na

ocupação destes sítios, como é o caso de Serranópolis, onde Schmitz et al.

(1987) observa aparentes intervalos entre cada período de ocupação.

As pesquisas mais recentes, que utilizam da abordagem tecnológica,

demonstram que apesar de os artefatos líticos lascados de datações mais

recentes parecerem, num primeiro momento, menos elaborados, estes por

muitas vezes requerem um complexo conhecimento técnico (VIANA, 2005;

MELLO, 2005). Contudo, apenas as escolha realizadas são materialmente

expressas. A cultura material não expressa toda a capacidade cognitiva e não

expressa toda a carga de conhecimento de uma sociedade, ou de um

indivíduo.

Page 55: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

55

5. APLICANDO AS ABORDAGENS DE COGNIÇÃO E

TECNOLOGIA NA PRÉ-HISTÓRIA: O CASO DA OFICINA

LÍTICA GO-CP-17

A tecnologia é uma das esferas que compõe a cultura humana e

responde pela produção de artefatos. A tecnologia aplicada nas indústrias

líticas gira em torno das capacidades corpóreas do lascador e do consumidor,

das capacidades de raciocínio consciente e subconsciente, e, principalmente,

dos conhecimentos tradicionais da sociedade. Esta cultura material enquanto

vestígio arqueológico permite estudar a ação do corpo em relação à produção

e utilização de um instrumento, permite reconstruir os esquemas mentais que o

lascador seguia para produzir cada artefato, e ainda torna possível estudar

uma tradição tecnológica guiada pelas necessidades culturais, ambientais, e de

todo o meio. Veremos como o sítio arqueológico GO-CP-17, se tratando de

oficina lítica, consegue representar bem a esfera da tecnologia de um grupo

cultural pré-histórico do Brasil Central.

5.1 Descrição do Sítio

O sítio está localizado no município de Palestina de Goiás, no sudoeste

do estado Goiás, Brasil (Figura 5). Mais especificamente, o sítio está localizado

na microrregião do Córrego do Ouro (Figura 6). Nesta microrregião foram

delimitados 26 sítios arqueológicos, encontrados numa prospecção

caracterizada por Viana (2006) como oportunista, pois a procura de sítios feita

durante o Projeto Alto Araguaia priorizou apenas os pontos da região que eram

formados por abrigos, paredões, e quaisquer pontos onde haveria grande

possibilidade de encontrar vestígios materiais, e as escavações seguiram o

método de níveis artificiais.

O GO-CP-17 se encontra sob um afloramento de seixos de quartzito.

Trata-se de um sítio de superfície a céu aberto. Por toda a área onde aparecem

os seixos são encontrados vestígios líticos lascados (instrumentos, núcleos,

fragmentos e lascas). Os seixos são encontrados apenas em uma determinada

cota altimétrica, de acordo com que a cota diminui ou aumenta os seixos não

Page 56: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

56

aparecem mais. Os dados das análises do material lítico mostram um

aproveitamento da matéria prima local (Gráficos 1 e 2), sendo estes um dos

fatores que levou a todos os pesquisadores que trabalharam diretamente no

sítio à interpretação do local como oficina lítica (SCHMITZ, 1986;

BORGES,2010; VIANA, 2010). A interpretação não poderia ser outra, afinal, é

evidente a existência de material lítico cuja matéria prima é de quartzito

proveniente de seixos e, além disso, a presença das diferentes classes líticas

que compõem uma cadeia operatória de produção de instrumentos.

Figura 6 - Localização do município de Palestina de Goiás no Estado de Goiás. Fonte: Site

Wikipédia (acessado em 05 de dezembro de 2010).

Gráfico 1 - Matéria-Prima do Artefatual Lítico

0

100

200

300

400

500

600

700

Lascas deDebitagem

Lascas deRetoque

Lascas deFaçonnage

Lascas deFatiagem

LascasSuporte

LascasBipolares

Sílex Quartzito Quartzo Arenito

Page 57: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

57

Gráfico 2 - Proveniência da Matéria-Prima

A vegetação local é típica de cerrado, parcialmente alterada pela

pastagem. O relevo é ondulado. O sítio está sujeito a atividades de erosão

pluvial e, de acordo com Viana (2010), este fator impede a formação de solos

em profundidade.

Nas proximidades do GO-CP-17 não são encontrados grandes abrigos.

Como descrito por Schmitz (1986), o local possui blocos desgarrados que

poderia servir para abrigar uma ou duas pessoas. No abrigo mais próximo da

área de escavação são encontradas algumas pinturas rupestres, porém estas

estão bastante deterioradas. Foi constatada a presença de alguns fragmentos

cerâmicos na superfície do sítio.

Borges (2009) e Viana (2010) vêm apontando que, por se tratar de uma

área aberta e de superfície, o sítio está susceptível de ações antrópicas de

pisoteamento de animais de grande porte, principalmente o gado. Ainda há o

fator das queimadas que podem atingir o sítio, que podem ocorrer até

naturalmente no cerrado. Este fator nos leva a dar uma atenção especial na

análise dos vestígios líticos em laboratório e à realização de atividades

experimentais.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

Seixo

Bloco

Sem Córtex

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58

Figura 7 - Localização do Sítio Arqueológico GO-GP-17 na Região do Córrego do Ouro. Fonte:

Borges (2009, pg. 18).

Viana (2010) também aponta que as remontagens de peças encontradas

em níveis distintos (Figura 7) podem, por um lado, indicar a intensa ocupação e

exploração da matéria prima local, e por outro lado, pode indicar a perturbação

antrópica ou natural de processo de formação do sítio. Inclusive nos artefatos

Page 59: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

59

descritos nos próximos subcapítulos veremos a ocorrência de peças

remontadas que foram encontradas em diferentes áreas do sítio.

Figura 8 - Remontagem de Instrumento com Lasca de Retoque. Fotos de João Carlos Moreno de

Sousa.

A estratigrafia do sítio é confusa. De acordo com Viana (2010) a

estratigrafia do sítio não é um dado seguro para falar de possíveis reocupações

do local como sítio arqueológico. Ainda não existem datações para este sítio,

mas a região em geral possui datações que vão de 4455+-65 AP até 940+- AP.

5.2 Breve Histórico de Pesquisas no Sítio

O sítio foi primeiramente escavado e descrito por Schmitz et al. (1986)

durante o projeto Alto Araguaia, nas décadas de 1970 e 1980, porém os

instrumentos líticos foram privilegiados em sua coleta e análise, que partiu de

uma abordagem da escola histórico-culturalista, e tomava por base

especialmente os aspectos morfológicos. Esta abordagem privilegiou a análise

do produto, e deixou de lado os aspectos relativos à produção e os aspectos

que leva à produção destes artefatos. Schmitz (1986) ainda considerou este

sítio, e todos os outros da região caracterizados por serem “sítios superficiais a

céu aberto”, como “da Tradição Itaparica”.

O projeto de Viana (2006) retomou as análises da indústria lítica da

região. O material lítico foi reanalisado partindo desta outra abordagem que

busca compreender toda a cadeia-operatória de produção dos instrumentos e a

Page 60: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

60

evolução dos sistemas técnicos. O sítio GO-CP-17 está entre os sítios

selecionados pelo projeto para atividades de escavação. De acordo com Viana

(2010), as coletas de material na escavação durante este projeto foram “coletas

totais” e não tendenciosas, ou seja, foram coletadas todas as peças líticas

lascadas e não lascadas que são aptas para receberem modificações e/ou

serem utilizadas.

Inserido no projeto de Viana (2006), Borges realizou uma pesquisa

diretamente no Sítio Arqueológico GO-CP-17, tomando como objeto de análise

os instrumentos líticos recuperados nas escavações “tendo como princípio

entender como estas foram produzidas e quais foram os gestos e os processos

mentais (saber-fazer) que deram ao objeto vida e significado” (BORGES, 2009,

pg. 15). Borges ainda afirma que a pesquisa possibilitou uma aproximação

entre pesquisadores e os “atores” que produziram tais objetos.

Ainda inserido no referido projeto, de forma paralela e complementar, foi

realizada uma análise dos resíduos de lascamento (lascas) decorrentes das

diferentes fases das cadeias operatórias de produção de instrumentos líticos do

sítio arqueológico GO-CP-17. Esta análise tornou possível construir um

esquema geral das cadeias operatórias de produção de instrumentos deste

sítio (MORENO DE SOUSA et al. 2010).

Neste trabalho apresento dados complementares às pesquisas já

realizadas.

5.3 Metodologia de Análise Lítica Aplicada

A necessidade de uma metodologia que busca compreender de forma

mais específica uma das esferas culturais de uma sociedade, a tecnologia, é

notável ao nos depararmos com o método tradicional aplicado nas indústrias

líticas do Brasil Central pré-histórico, o qual, como retrata Lourdeau (2006)

fundamenta-se na construção de tipologias em função de critérios morfológicos

gerais. A análise dos artefatos líticos deste sítio, e dos seus resíduos de

produção foi realizada a partir de uma metodologia sistemática através do

reconhecimento dos estigmas tecnológicos de cada peça, baseado nas

Page 61: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

61

características descritas nas obras de Tixier (1980) e Inizan (1995), que

compreende os aspectos de produção e utilização de cada instrumento. Este

pode ser um viés eficaz para buscar parte do conhecimento humano sobre o

mundo material, a forma como ocorrem os processos por trás desta cognição

no contexto pré-histórico, e como estes podem refletir no todo da tradição de

uma cultura. Foi nesta abordagem que seguiu a análise dos instrumentos líticos

do sítio arqueológico GO-CP-17, analisando as marcas deixadas pelas etapas

de produção e utilização, para reconhecimento dos aspectos técnicos, e

cognitivos enquanto pertencentes à esfera social de um grupo humano

representada na cultura material pré-histórica. Contudo, não basta a análise

minuciosa de cada instrumento lítico, pois: “somente a partir da reconstrução

das cadeias operatórias torna-se possível vislumbrar toda a gama de

processos dinâmicos que intervêm na concepção, utilização e abandono dos

artefatos de pedra” (FOGAÇA, 1995). Enquanto que o instrumento está

presente apenas na etapa de utilização na cadeia operatória, os resíduos de

lascamento derivam de todas as etapas de produção. A história que estes

resíduos nos contam revela uma sinopse sobre o conhecimento por trás do

instrumental lítico: sobre quais etapas de produção o instrumento passou antes

de estar finalizado, sobre os métodos e técnicas utilizados nestas etapas, e

ainda nos fornece informações que nos remetem a reconhecer traços

tradicionais culturais dos grupos humanos responsáveis por uma indústria

lítica.

5.4 Lascamento e Reconhecimento das Técnicas Aplicadas

O lascamento é a ação de percussão de um corpo sobre outro, ou seja,

de um percutor sobre uma matéria mais frágil, onde a sequência de golpes, já

esquematizados na cabeça do lascador, gera fraturas organizadas (retiradas

de lascas) na matéria mais frágil, de modo que esta vai sendo moldada.

Todo choque entre dois corpos gera um impacto, porém com diferentes

níveis de intensidade – um simples toque gera um impacto de menor

Page 62: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

62

intensidade que um golpe. O primeiro impacto a ser gerado é o denominado

Cone de Hertz5 (Hertzian Cone), que ocorre pela grande concentração de

energia gerada que se propaga. No momento do impacto, forma-se um cone

com ângulos constantes, devido à difusão preferencial da onda de choque. Em

seguida, ondas continuam a propagar a energia gerada pelo impacto. Um

modo prático de entender um impacto direto é lembrar o que acontece quando

um objeto cai na água. Aquela primeira grande explosão, no momento em que

o objeto entra em contato com a água, é o que podemos chamar de Cone de

Hertz, seguida de ondas que são propagadas a partir do local onde o objeto

caiu. Em materiais sólidos, como as rochas, os produtos da colisão entre os

corpos deixam estigmas que nos permitem identificar a ocorrência de algum

impacto anterior. Em outras palavras, a imagem da explosão de energia e a

propagação em ondas ficam “congeladas” na rocha. Quanto maior a

homogeneidade da matéria sólida em que o impacto se propaga, mais visíveis

serão tais estigmas. O conhecimento deste aspecto qualitativo na rocha é

fundamental para os indivíduos que coletam a matéria prima do artefato lítico

e/ou produzem os artefatos através da percussão, e como aponta Mallol

(1999), a escolha de matéria-prima com qualidades físicas menos próprias para

lascamento pode ser decorrente de fatores como comportamento econômico e

tradição tecnológica, e não da falta do conhecimento sobre os aspectos da

rocha.

O princípio da percussão direta, portanto, fundamenta-se na fratura

concoidal, (fenômeno do cone de Hertz). No caso do material lítico lascado, o

bulbo representa uma porção do cone de Hertz (Figura 3), que em seguida

evolui em ondas. O impacto ainda deixa marcas, como lancetas nas bordas

das lascas. Contudo, o impacto irá diferir de acordo com a homogeneidade e a

dureza dos corpos em colisão (bloco e percutor), podendo causar acidentes de

lascamento, e também de acordo com a técnica de lascamento, podendo ser,

além de percussão, sobre pressão. No caso de percutores de matéria-prima

macia (osso e madeira) e do lascamento por pressão o bulbo é menos

5 Cone de Hertz é assim denominado em reconhecimento à Heinrich Hertz (1893) pela teoria

de propagação de ondas.

Page 63: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

63

expressivo, mas a linha que separa o talão da face inferior da lasca apresenta

uma cornija, ou seja, um lábio bem expressivo (PROUS, 2004).

Figura 9 – Reconhecimento da Fratura Concoidal no Material Lítico. Fonte: Rodet; Alonso (2004)

Para reconhecimento das modalidades de lascamento, podemos

considerar os três grandes parâmetros indicados por Pelegrin (1997) para o

reconhecimento das técnicas de percussão. Primeiro, o modo de aplicação da

força - percussão direta, percussão indireta, pressão etc. – os quais deixam

diferentes estigmas na rocha, porém nem sempre reconhecíveis. Segundo, a

natureza e a morfologia dos instrumentos de percussão - pedra, bastão em

madeira, chifre animal etc. Terceiro, os gestos e a posição do corpo durante o

lascamento, o modo de manter a peça a ser trabalhada. Neste ponto abordado

consideramos, então, as técnicas corporais.

Ao final da produção dos instrumentos líticos lascados estarão presentes

nestes os negativos dos estigmas: contra-bulbos (negativo do bulbo), lancetas,

ondas de propagação de energia, nervuras, e eventuais acidentes de

lascamento. Em alguns casos também são identificados marcas de ação

térmica, como manchas, negativos de cúpulas, podendo ser resultantes de

técnicas de tratamento térmico, além de alterações naturais na homogeneidade

da rocha. A forma como estes estigmas se apresentam nas lascas e em seus

negativos indicam a técnica aplicada para a produção de cada lasca.

Page 64: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

64

5.5 Núcleos, As Matrizes de Debitagem

Os núcleos podem ser identificados pela presença de plano(s) de

percussão e superfície(s) de debitagem que contém os negativos das lascas

suporte organizados de forma em que seja possível observar o aproveitamento

das características de sua estrutura para a retirada das lascas suporte (VIANA,

2005). Dentre os núcleos analisados, até o momento, nenhum deles

apresentou características morfológicas e tecnológicas que definem um método

de debitagem complexo. No geral, os núcleos não apresentam configuração

complexa, sendo aproveitados ângulos e convexidades naturais dos blocos, o

que explica a quase ausência de resíduos de configuração de núcleo.

Nos trabalhos anteriores foram analisados 24 núcleos (BORGES, 2009).

Estes núcleos puderam ser classificados como de concepções “B” e “C”.

Complementando estes dados há mais um núcleo identificado:

Peça: 150 / Setor: NBW1

Trata-se de um bloco grande com dimensões de 85mm de comprimento,

126mm de largura e 65mm de espessura, de concepção “C”. Não é possível

verificar a proveniência pelo córtex, pois toda a peça está coberta por um tipo

de incrustação, inclusive os negativos da debitagem. Esta incrustação impede

a verificação da matéria-prima, assim como a delimitação de alguns negativos.

Apresenta superfícies planas naturais aptas para debitagem. O núcleo não está

esgotado.

É possível observar a presença de três superfícies de lascamento:

Proximal, superior e esquerda. A superfície proximal apresenta a primeira

sequência de retiradas. É possível identificar uma retirada de lasca

ultrapassada na porção direita. Em seguida há a segunda sequência localizada

na face superior que apresenta uma grande retirada refletida com dimensões

de pouco mais de 75mm e comprimento e 52mm de largura, sendo que o plano

de percussão está na superfície esquerda. A terceira sequência é composta

por duas retiradas de lascas ultrapassadas de cerca de 55mm de comprimento

e 30mm de largura, sendo que a superfície superior é utilizada como plano de

Page 65: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

65

percussão. Há uma pequena retirada que utiliza dos negativos destas duas

retiradas anteriores como plano de percussão, de modo que o talão formado é

do tipo “diedro”, e esta lasca apresenta dimensões de 25mm de comprimento e

45mm de espessura. A seguinte sequência de retiradas está localizada na

superfície proximal composta por uma retirada invadente ultrapassada na

porção esquerda seguida por uma retirada longa da porção direita. A última

sequência está também na superfície proximal e é composta de pequenas

retiradas, porém, não é possível verifica com precisão o número de negativos

em função da incrustação que mascara muitos estigmas.

Assim como os núcleos descritos por Borges (2009), as retiradas de

lascas suportes não ultrapassam um ângulo de percussão de 110°.

5.6 Lascas Suportes, Os Produtos da Debitagem

Para a classificação de lascas de debitagem como possíveis suportes

descartados ou reservados para serem aproveitados em outro momento, foram

considerados suas concepções de volume e dimensão, que podem estar

relacionados a aspectos de sua funcionalidade. Apesar da ausência de uma

padronização na coleção, comparações com os instrumentos foram realizadas

em busca de características estruturais que permitam atender alguma função

ou que possam ser modificados a ponto de serem utilizados. Foram

classificadas nesta categoria 23 lascas.

Gráfico 3 - Lascas Suporte - Quantidade de negativo na face externa

0

2

4

6

8

10

12

14

16 Um negativos sem contrabulbo

Um negativo com contrabulbo

Dois negativos

Três Negativos

Quatro Negativos

Cinco ou mais negativos

Cortical

Ausente

Page 66: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

66

Estas lascas tenderam a ter grandes quantidades de negativos que

deram forma e volume apropriados, ou são completamente corticais, já

apresentando uma estrutura natural própria de suporte.

Gráfico 4 - Lascas Suporte - Orientação das nervuras

E a orientação dos negativos segue a mesma regra.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Lisa-sem nervura

1 Nervura longitudinal

2 Nervuras Paralelas

Y

Y Invertido

mais de 3 negativos

Indeterminado

1 Nervura transversal

1Nervura LateralLongitudinal

Cortical

em "T"

Page 67: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

67

Gráfico 5 - Lascas Suporte - Morfologia das Lascas Suporte

Já com relação à morfologia, se destacam as peças que não possuem

uma forma bem definida (irregular) e aquelas que possuem uma largura duas

vezes maior que o comprimento. E uma quase ausência de morfologia

trapezoidal.

Gráfico 6 - Lascas Suporte - Acidentes de Lascamento

0

2

4

6

8

10

12

14Trapezoidal

Triangular

Triangular com vérticepara baixo

Quadrangular

Mais larga do quecomprida (2x)

Retangular

Arredondada

Irregular

Triangular desviada

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18 Não há acidentes

Lasca refletida

Lasca com lingüeta

Transbordante

Ultrapassante

Bulbo duplo

Lasca ultrapassante etransbordante

Page 68: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

68

Quando há algum tipo de acidente, tendem a apresentar aqueles que

normalmente produzem dorsos. Se somarmos todas as lascas que contém

ultrapassagem com as que contêm transbordagem veremos que estas

ultrapassam as lascas sem acidente. Estes dados remetem mais uma vez à

ideia de que estes denominados “acidentes” não representem literalmente

acidentes, mas escolhas técnicas (BORGES, 2009). O mesmo ocorre nos

demais sítios da região analisados (GUILHARDI, 2009; RODRIGUES, 2009;

VIANA, 2010).

5.6.1 Lascas de Fatiagem

Trata-se de um método de debitagem que produz lascas suportes com

características padronizadas. De acordo com Viana (2006, pg. 820) a fatiagem

consiste “na exploração de seixos de tamanhos medianos e pequenos, de

morfologia específica: alongados e de superfícies levemente achatadas”.

Figura 10 - Esquema de Abertura de Plano de Percussão – Debitagem por Fatiagem. Desenhos por

Ernesto Tedesco. Fonte: Viana (2006, pg. 821).

Page 69: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

69

Gráfico 7 - Lascas de Fatiagem - Morfologia

Foram contabilizadas 14 lascas de fatiagem. Assim como as demais

lascas suportes, estas tendem a ser duas vezes mais largas do que compridas.

5.7 Os Resíduos de Produção de Instrumento

Para a identificação dos diferentes tipos de resíduos de lascamento e de

seu posicionamento na cadeia operatória, nos baseamos nos estigmas

tecnológicos que caracterizam suas fases de produção, além de comparações

das bases positivas (face inferior) das lascas com bases negativas presentes

em núcleos e instrumentos da coleção.

O material coletado pelo projeto de Schmitz et al. (1986) totalizou 671

peças, dentre as quais foram classificadas a partir dos aspectos morfológicos

como: 268 lascas de debitagem, 48 lascas-suporte, 102 lascas de retoque, 91

lascas de façonnage, 14 lascas de fatiagem e 74 lascas bipolares.

Até o momento, durante o projeto de Viana (2006) obtivemos os seguintes

resultados: Ao todo foram analisadas 798 resíduos de produção. Destas foram

classificadas e quantificadas em:

- Lascas siret - 222,

- Fragmentos de lasca - 82

- Refugo - 160

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Lascas de Fatiagem

Triangular com vérticepara baixo

Quadrangular

Mais larga do quecomprida (2x)

Retangular

Triangular desviada

Retangular 2 (maiorcomprimento horizontal)

Page 70: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

70

- Lascas de fatiagem - 28

- Produtos bipolares - 103

- Lascas de retoque - 79

- Lascas de façonnage - 101

Os dados apresentados neste trabalho são referentes a todo o material

analisado até o momento. Vejamos a seguir a classificação e descrição dos

resíduos de produção. Foi feita a análise estatística dos resíduos para buscar

tendências, de forma que esta análise contribui para o entendimento acerca

das tradições tecnológicas desta indústria lítica. As características analisadas

foram: O número de negativos na face superior das lascas, a forma como estas

estão organizadas, o perfil das lascas, os acidentes de lascamento, a

morfologia das lascas, e a morfologia dos talões.

Com relação às lascas siret6, e aos fragmentos de lasca, não foi possível

remontar suas posições nas cadeias operatórias. Quanto aos produtos

bipolares, ao compararmos com os instrumentos, parecem relativos à produção

de suportes, ou seja, são resíduos de debitagem, contudo até o momento não

foram minuciosamente analisados, e, portanto, não foram inclusos nos

resíduos descritos a seguir. Devo frisar que o projeto de Viana (2006) ainda

dará continuidade e sempre dando atenção especial a oficina lítica GO-CP-17.

5.7.2 Resíduos de Façonnage

Os resíduos de façonnage foram identificados por apresentarem

características especificas: são pouco espessos, presença de negativos bem

organizados em sua face superior, talões com preparação e que formam

ângulos obtusos entre a aresta do talão e a base positiva da lasca – reflexo de

um gume deixado no instrumento com ângulo propício para atender uma ação.

6 Lascas siret são assim classificadas pela fratura gerada no momento da percussão localizada

exatamente no ponto de impacto, dividindo a lasca em duas metades – duas lascas siret.

Page 71: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

71

Gráfico 8 - Lascas de Façonnage - Quantidade de negativos na face externa

Gráfico 9 - Lascas de Façonnage - Orientação das nervuras

As lascas de façonnage da coleção apresentam, na maioria das vezes,

mais de quatro negativos na face externa; e porção distal refletida. Algumas

lascas são completamente corticais, o que pode representar um

aproveitamento da forma natural do suporte para produção do instrumento. A

preparação do talão é pouco expressiva.

0

10

20

30

40

50

60

70

80 Um negativos sem contrabulbo

Um negativo com contrabulbo

Dois negativos

Três Negativos

Quatro Negativos

Cinco ou mais negativos

Cortical

Preparação de talão

0

10

20

30

40

50

60Lisa-sem nervura

1 Nervura longitudinal

2 Nervuras Paralelas

Y

Y Invertido

mais de 3 negativos

Indeterminado

1 Nervura transversal

1Nervura LateralLongitudinal

Cortical

em "T"

Page 72: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

72

Gráfico 10 - Lascas de Façonnage - Perfil das Lascas

A tendência do perfil das lascas de façonnage é linear ou côncavo. Isto

significa que o plano de corte dos instrumentos teria em geral uma forma plana

ou convexa.

Gráfico 11 - Lascas de Façonnage - Morfologia

Não há um padrão morfológico nestas lascas. A tendência é a de

morfologias triangulares, quadrangulares e peças duas vezes mais largas que

compridas. Peças retangulares, subcirculares e com mais de quatro lados são

pouco expressivas.

0

20

40

60

80

100Helicoidal

Côncavo

Convexo

Linear/Retilíneo

0

5

10

15

20

25

30

35

40Trapezoidal

Triangular

Triangular com vérticepara baixo

Quadrangular

Subcircular

Mais larga do quecomprida (2x)

Retangular

Arredondada

Mais de 4 lados

Irregular

Triangular desviada

Page 73: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

73

Gráfico 12 - Lascas de Façonnage - Acidentes de Lascamento

A maioria não apresenta acidentes. Quanto a grande quantidade de

lascas refletidas, quando comparadas às bases negativas dos instrumentos

podem representar mais do que uma resposta de interrupção na propagação

das ondas de percussão causada pela própria rocha. Por exemplo, os

instrumentos raspadores tendem a apresentar marcas de reflexão em seu

plano de corte, porém os instrumentos de corte e de furo não apresentam estas

marcas. A recorrência deste “acidente” de lascamento, nestes casos, pode

estar relacionada, então, ao funcionamento dos instrumentos. Pouca presença

de lábio, ou seja, quase ausência de percussão macia ou pressão.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100Não há acidentes

Lasca refletida

Lasca com lingüeta

Transbordante

Ultrapassante

Bulbo duplo

Lábio

Lascamento Bulbar

Lasca refletida com lingüeta

Transbordante eultrapassanteLasca refletida etransbordanteLasca com lingüetaultrapassanteLasca com lingüetatransbordante

Page 74: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

74

Gráfico 13 - Lascas de Façonnage - Morfologia dos Talões

Os talões são na maioria lisos, ou seja, não apresentam preparação.

Destacam-se entre os demais os talões lineares, puntiformes, e corticais. O

talão cortical também não apresenta preparação. A falta de preparação nos

mostra que o gume não está sendo totalmente delineado nesta etapa. O linear

e o puntiforme mostram que o gume não está sendo modificado nesta etapa.

5.7.3 Resíduos de Retoque

Os resíduos de retoque foram identificados, não só por apresentarem

pequenas dimensões, mas também pelas características específicas: como a

preparação de talão, e o ângulo formado entre o talão e face inferior. Outra

característica pertinente é o volume dessas lascas, afinal, o retoque modifica

pouco o volume do suporte do instrumento. Raramente altera do plano de corte

do instrumento.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90Meia lua

Vírgula

Asa

Linear

Puntiforme

Diedro

Facetado

Esmagado

Triangular

Cortical

Liso

Page 75: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

75

Gráfico 14 - Lascas de Retoque - Quantidade de negativo na face externa

Não há um padrão de números de negativos anteriores a produção das

lascas, mas é notável que a tendência é ter mais de 2 negativos, o que

expressa que há várias sequências de retirada nesta etapa da produção.

Gráfico 15 - Lascas de Retoque - Orientação das Nervuras

E também não há padrão na organização destes negativos. Sendo que a

tendência é de lascas com mais de cinco negativos sem uma organização

clara.

0

10

20

30

40

50Um negativos sem contrabulbo

Um negativo com contrabulbo

Dois negativos

Três Negativos

Quatro Negativos

Cinco ou mais negativos

Cortical

Ausente

0

5

10

15

20

25

30

35

40Lisa-sem nervura

1 Nervura longitudinal

2 Nervuras Paralelas

Y

Y Invertido

mais de 3 negativos

Indeterminado

1 Nervura transversal

1Nervura LateralLongitudinal

Cortical

em "T"

Page 76: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

76

Gráfico 16 - Lascas de Retoque - Perfil das Lascas

É notável que o perfil das lascas agora tende a ser linear, o que mostra

que o PB deixado nos instrumentos tem uma forma plana.

Gráfico 17 - Lascas de Retoque - Morfologia das Lascas

Não apresenta um padrão morfológico muito claro nestas lascas. Mas é

notável a baixa expressividade de lascas trapezoidais e retangulares. E uma

maior expressividade das lascas triangulares com vértice para baixo.

0

20

40

60

80

100 Helicoidal

Côncavo

Convexo

Linear/Retilíneo

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50Trapezoidal

Triangular

Triangular com vérticepara baixo

Quadrangular

Mais larga do quecomprida (2x)

Retangular

Irregular

Triangular desviada

Page 77: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

77

Gráfico 18 - Lascas de Retoque - Acidentes de Lascamento

É notável como o acidente refletido é ainda mais expresso nesta etapa.

Este fator pode estar relacionado à função e ao funcionamento do instrumento.

Nota-se também a presença de lascas produzidas por percussão macia (lábio).

Gráfico 19 - Lascas de Retoque - Morfologia dos Talões

Alguns talões preparados (asa e vírgula) se destacam um pouco mais

nesta etapa, mas ainda são poucos se comparados ao linear, ao puntiforme ao

cortical e ao liso. Segue o mesmo padrão das lascas de façonnage, ou seja,

não é a retirada de uma única lasca de retoque que dá o delineamento do

gume, mas várias retiradas de retoque produzem o delineamento de um gume.

0

10

20

30

40

50

60

70Não há acidentes

Lasca refletida

Lasca com lingüeta

Transbordante

Ultrapassante

Bulbo duplo

Lábio

Lasca refletida com lingüeta

0

10

20

30

40

50

60

70Vírgula

Asa

Em "U"

Linear

Puntiforme

Diedro

Facetado

Esmagado

Triangular

Cortical

Liso

Page 78: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

78

Gráfico 20 - Lascas de Retoque - Preparação de Talão

Em geral, as lascas de retoque com preparação no talão ultrapassam as

de talão simples. O talão preparado remete à retirada de uma lasca mais

planejada, de modo que os negativos deixados por estas lascas formam gumes

e PBs intencionalmente produzidos.

5.8 Os Instrumentos Líticos Lascados

Foram considerados na análise de cada artefato as suas dimensões

(comprimento, largura e espessura); a matéria prima da qual o artefato é

constituído (arenito, sílex, quartzo, quartzito, calcário, etc.), e sua proveniência

(seixo, bloco, plaqueta, cristal, etc.), para verificação dos aspectos qualitativos

de lascamento de cada rocha, além dos locais de possível coleta; a técnica de

obtenção dos suportes (lascamento unipolar, lascamento bipolar, núcleo

reaproveitado como suporte, suporte natural, etc.) e a estrutura dos suportes;

os negativos de debitagem, façonagem e retoque, considerando suas

características tecnológicas (morfologia, número de sequências, dimensão,

posição em relação às faces inferior e superior do suporte, localização em

relação aos bordos do suporte), e a organização destes no artefato através de

uma análise diacrítica; as UTFs transformativas, para reconhecimento da

função dos instrumentos; e as UTFs preensivas, para reconhecimento do

funcionamento de cada instrumento. O guia de análise do pode ser visto na

seção de anexos.

0

50

100

150

Talão preparado

Talão Simples

Page 79: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

79

5.8.1 Reconhecendo as UTFs Transformativas

Como dito anteriormente, para cada UTF transformativa (UTFt) pode ser

reconhecido um instrumento, e o instrumento é definido pela ação – utilização e

incorporação do artefato pelo homem. Ao reconhecer o instrumento, buscamos

reconhecer a sua dinâmica, que se constitui pela função e o funcionamento.

Para tanto, durante a análise deve-se constatar a presenças de marcas

deixadas pela utilização (ranhuras, micro-estilhamentos, sulcos) no gume do

instrumento. Devem-se considerar também as características de produção da

UTF transformativa, como as sequências de façonagem e retoque presentes

em cada UTF através da análise diacrítica dos negativos. Contudo, devo

enfatizar, o instrumento não é definido pela produção.

A utilização também produz resíduos. Dos resíduos decorrentes da

utilização dos instrumentos, não se pode caracterizar. Tendem a ser de

dimensões pequenas, difíceis de serem encontradas durante uma escavação,

e quando são, podem ser facilmente confundidas com resíduos de retoque ou

estilhas. Contudo, as bases negativas destes deixadas nos instrumentos

servem como elemento diagnóstico que nos permite dizer se o instrumento foi

utilizado ou não.

Para tratar a função do instrumento deve-se considerar: os ângulos de

Plano de Bico e de Corte e o delineamento do gume. Os ângulos de PC e PB

definem, então, a ação do instrumento na medida em que um gume com

ângulo abrupto é mais apto para raspar do que cortar, enquanto que um gume

rasante é bem mais apto para corte do que raspagem. Já o delineamento do

gume (Figura 10) acaba por refletir na limitação da ação, ou seja, um gume

convexo de um instrumento de corte atinge uma área maior da matéria a ser

transformada do que um gume côncavo; e reflete também nos tipo de objetos

transformados pelo instrumento: por exemplo, um raspador de gume côncavo é

mais eficaz para descarne de um osso longo do que um gume linear, ou

convexo. Podemos então, através de uma análise macroscópica, refletir sobre

as possíveis ações de cada instrumento lítico pré-histórico (cortar, furar,

raspar). Contudo, apenas uma análise microscópica poderá nos levar à

Page 80: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

80

identificação da matéria que foi transformada pelo instrumento, ou seja, a sua

função específica.

Figura 11 - Exemplos de delineamento de gume. 1-Retilíneo, 2-Convexo, 3-Côncavo, 4-Coche, 5-

Denticulado. Fonte: Inizan et. al (1995).

5.8.2 Reconhecendo as UTFs Preensivas

As UTF‟s preensivas não podem ser identificados por características

próprias que se apresentam em todos os instrumentos, diferente das UTF‟s

transformativas que sempre apresentam um plano de bico, um plano de corte

etc.. Para reconhecimento de cada UTF preensiva (UTFp) deve-se considerar:

a posição das retiradas que produziram a UTF transformativa correspondente

em relação às faces superior e inferior do suporte e a localização destas na

estrutura do artefato, uma vez que a UTF preensiva nunca se sobrepõe a UTF

transformativa correspondente. A estrutura do artefato, a ação do instrumento

e os gestos que o corpo humano pode realizar limitam as áreas que podem ser

classificadas como UTF preensiva e o funcionamento do artefato. Deve-se

considerar também que para cada instrumento, mais de um funcionamento

pode ser definido, podendo, em certas ocasiões, toda a estrutura do artefato

(salvo a zona transformativa) ser classificada como uma zona apta de

preensão. Um mesmo instrumento, portanto, pode ser incorporado de várias

formas.

Para melhor compreender o funcionamento do instrumento devem ser

considerados: a força que pode ser aplicada sobre a matéria e a precisão da

Page 81: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

81

ação do instrumento; o ângulo de aplicação da força em relação da matéria

transformada com as faces superior e/ou inferior do suporte do instrumento; e

os movimentos que devem ser realizados para que o instrumento realmente

funcione.

Para análise do funcionamento dos raspadores, Rigaud (1977; apud

PIEL-DESRUISSEAUX, 1989) aponta dois modos principais de funcionamento:

corte positivo (Figura 6B), onde há um maior contato da face plana do

instrumento com a matéria; e corte negativo (Figura 6A), onde é a face

oposta, não-plana, do gume que tem maior contato com a matéria. A área com

maior contato irá apresentar as marcas da ação transformativa que servirão de

base para identificação do corte negativo e/ou positivo.

Figura 12 - A: Corte Negativo; B: Corte Positivo. Fonte: Piel-Desruisseaux (1989, pg. 96).

5.8.3 Descrição dos Artefatos e Seus Instrumentos

Todos os artefatos líticos lascados que constituem instrumentos,

descritos a seguir, são de quartzito, com exceção de duas peças constituídas

de sílex (Peças 63 e 470) e uma de calcedônia (Peça 1719). Estas duas não

apresentam córtex. Não foram encontradas fontes de sílex e ou calcedônia nas

proximidades do GO-CP-17.

A maioria das peças de quartzito apresenta córtex, sempre de seixos. A

descrição segue pela caracterização do suporte dos artefatos, da produção das

Page 82: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

82

UTFs e da função e funcionamento de cada instrumento que compõe os

artefatos. As dimensões indicadas são baseadas pela posição da peça

indicada nos desenhos (Anexo II), assim como a localização e a posição de

qualquer elemento da peça.

O total de artefatos lascados analisados do sítio é de 102. A seguir estão

apresentadas as descrições de 53 artefatos que complementam os trabalhos

anteriores, totalizando uma coleção de artefatos lascados de 155 peças.

Peça: 31 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar, obtida por ângulo rasante. Apenas a parte

esquerda do talão está presente. O ponto de impacto em si foi retirado pelas

etapas de façonnage e debitagem. As dimensões da peça são 73mm de

comprimento, 53mm de largura, e 30mm de espessura. Presença de dorso nos

bordos distal proximal e esquerdo. A face superior da peça é cortical. A peça

apresenta uma seção modular.

Todos os dorsos foram produzidos nas etapas de debitagem. Há duas

sequências de façonnage para preparação do plano de corte das UTFs

transformativas no bordo esquerdo da peça, sendo suas retiradas longas,

porém com dimensões de largura maiores. Os retoques são todos diretos,

curtos e escalariformes.

A UTFt1, localizado na porção distal do bordo direito, tem um

delineamento do gume côncavo, com plano de corte e plano de bico côncavos

ambos com 75°.

A UTFt2, localizada na porção mesoproximal, tem um delineamento

denticulado irregular com plano de corte de 50° e plano de bico de 65°

côncavos.

Toda a dimensão da peça permite a preensão para atender a ação de

raspar, de modo que seja aplicada uma força contra a matéria em um ângulo

quase paralelo com funcionamento em corte negativo.

Page 83: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

83

Peça: 32 / Setor: NAW1

Suporte sobre produto bipolar. A face externa é 75% cortical com uma

convexidade natural. A porção distal, seguindo o eixo tecnológico, está

fraturada. As dimensões da peça são de 75mm de comprimento, 48mm de

largura e 25mm de espessura. Possui uma estrutura convexo-convexa.

O bordo direito forma um dorso preparado espesso e rasante. O bordo

oposto forma um gume abrupto, classificado como UTFt1. Esta UTF possui

retoques curtos e subparalelos. Possui plano de corte côncavo de 75° e plano

de bico plano de 90°. Além disso, o gume possui marcas de utilização

macroscópicas em ambas as faces, e está esgotado. Apesar do ângulo

abrupto, esta UTF permite atender a ação de cortar em movimentos de vai-e-

vem sobre a matéria. Além disso, esta UTF também permita a ação de raspar,

com ambas as superfícies, ou seja, dois funcionamentos - corte positivo e corte

negativo. A preensão desta peça pode ser feita de modo que os dedos

prendam a peça pelas faces superior e inferior, e a palma da mão sobre o

dorso oposto à UTFt.

Há uma segunda UTF transformativa, localizada na extremidade

proximal. Ela é formada por um negativo plano, longo e largo, produzido pelo

impacto bipolar, na face cortical. Já na outra face, há apenas uma retirada larga

para o retoque. Possui plano de corte côncavo de 40 e plano de bico côncavo

de 50°. A UTFt2 atende a ação de cortar, aplicando a força num ângulo reto, de

modo que a face interna da lasca entre em maior contato com a matéria. A

preensão deste instrumento se dá pelo encaixe do polegar na área do Plano de

corte da UTFt1, enquanto que os dedos encaixam sobre o dorso do bordo

direito. A área ativa da UTFt2 ocupa todo o bordo.

Peça: 33 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar completamente cortical. A porção proximal

está fraturada, de forma que um dorso espesso se formou naturalmente. A face

Page 84: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

84

inferior é côncava, enquanto a face superior é convexa. Seção plano-convexa.

Uma pequena porção do gume distal está fraturada, mas houve um processo

de formação de córtex, formando um dorso fino. Há três UTFs transformativas

na peça.

UTF1, localizada por todo o bordo direito da peça, é formada por

retoques milimétricos, em posição direta, que formam um gume sinuoso.

Apresenta PC convexo de 65° e PB convexo de 75°. Esta UTF é apta para

ações de cortar, com funcionamento de modo que a preensão seja feita com o

encaixe do dedo indicador no dorso distal, e haja oposição entre o polegar na

face inferior e os demais dedos na face superior, e a força seja aplicada em

movimentos de vai-e-vem.

UTF2, localizada por todo na porção mesodistal do bordo esquerdo, é

formada por retoques milimétricos, em posição inversa, que formam um

delineamento em coche. Apresenta PC côncavo de 45° e PB côncavo de 55°.

Esta UTF é apta para ações de raspar, com funcionamento em corte negativo

de modo que a preensão seja feita em oposição.

UTF3, localizada na porção mesoproximal, é um gume cortical

levemente convexo. Apresenta PC convexo de 50° e PB convexo de 60°. Esta

UTF é apta para ações de cortar, com funcionamento de modo que a preensão

seja feita com o encaixe do dedo indicador no dorso proximal, e haja oposição

entre o polegar na face superior e os demais dedos na face inferior, e a força

seja aplicada em movimentos de vai-e-vem.

Peça: 34 / Setor: NAW1

O suporte é um seixo não debitado. Apesar do grande número de

negativos que cobrem toda a face inferior da peça, que a tornam plana toda a

peça apresenta resquícios de córtex, que nos permite projetar o tamanho

original do seixo: de seção plano-plana. Ambas as superfícies são

semiconvexas. A peça apresenta dimensões de 81mm de comprimento, 49mm

de largura e 22mm de espessura.

Page 85: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

85

O bordo direito, classificado pelo eixo morfológico, apresenta retiradas

alternantes, convergentes e não hierarquizadas, que formam uma cornija

sinuosa. Estas características são algumas das descritas por Boëda (1997)

para classificar os núcleos do tipo discoide. Contudo, a porção mesoproximal

apresenta uma fratura posterior a todas estas retiradas.

O bordo esquerdo apresenta um gume semiabrupto, formado por um

grande negativo plano, anterior a todas as retiradas do bordo direito, e uma

sequência de retoques invadentes na face superior. Este gume apresenta

micro-estilhamentos em ambas as faces, e tem um delineamento côncavo. Tais

características nos permitem classificar este gume como uma UTF

transformativa, a única da peça. Ela apresenta um plano de corte côncavo de

60° e plano de bico plano de 65°.

Esta UTF permite a ação de raspar, a partir de dois funcionamentos. O

primeiro, aplicando uma força num ângulo quase paralelo entre a face inferior e

a matéria, de modo que a preensão seja realizada com o encaixe do polegar na

fratura, e o dedo indicador na porção distal cortical. O segundo funcionamento

pode ser realizado de modo que a aplicação da força sobre a matéria seja num

ângulo semiabrupto entre a face superior e a matéria, realizando a preensão do

polegar na face inferior, e os outros dedos na face superior.

Peças: 35 e 102 / Setor: NAW1

Trata-se de um artefato fraturado, onde as duas peças analisadas

puderam ser remontadas7 mas porção proximal ainda apresenta uma fratura.

Contudo, com base na estrutura natural do seixo, é possível reconstituir

hipoteticamente todo o artefato original. Apresenta uma seção plano-plana. O

suporte não foi identificado.

A face inferior é plana e formada pelo córtex, que também forma um

dorso natural no bordo proximal. A face superior é plana formada por uma

7 Duas peças encontradas na mesma quadrícula.

Page 86: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

86

grande retirada. Contudo, não foi possível reconhecer se esta retirada é um

negativo, ou a face interna de uma lasca unipolar. O bordo direito apresenta um

dorso espesso preparado. O artefato apresenta três UTFs transformativas onde

foram identificados funcionamentos em corte negativo de modo que a força é

aplicada em ângulos rasantes e semiabruptos.

UTF1, localizada na porção mesial do bordo esquerdo, em posição

inversa. Formada por apenas um sequência de façonnage e retoques em

escamas. O delineamento do gume é côncavo. Ângulo de PC de 70° e PB de

85°, ambos planos.

UTF2, localizada na porção esquerda do bordo distal, em posição direta.

Formada por uma retirada de façonnage longa quadrangular que forma o PC e

retoques curtos e paralelos. O delineamento do gume é denticulado. Ângulo de

PC de 60° e PB de 65°, ambos planos.

UTF3, localizada na porção direita do bordo distal, em posição direta.

Formada por duas sequências de façonnage, sendo que a segunda forma o

PC. Apresenta retoques em escamas. O delineamento do gume é denticulado,

exceto pela extremidade esquerda que possui uma retirada longa em coche

posterior aos demais retoques. Ângulo de PC de 70° e PB de 75°, ambos

planos.

Peça: 38 / Setor: NAW1 & Peça: 155 / Setor: NBW1

Trata-se de duas peças, encontradas em diferentes quadriculas que

remontam. Produto bipolar trifacial com dimensões de 78mm de comprimento,

56mm de largura e 35mm de espessura, de seção triangular. As extremidades

apresentam pequenos negativos produzidos pelo impacto bipolar. As duas

peças apresentam pátina diferenciada. A face cortical é convexa. A face

esquerda é côncava, enquanto a direita é plana.

A porção mesodistal do bordo cortical direito apresenta marcas de

percussão, incluindo um negativo anterior à produção bipolar do suporte. Existe

Page 87: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

87

a possibilidade de que o seixo fosse utilizado como percutor antes da produção

do suporte, mas também pode ser resultante de tentativa de fratura bipolar.

A porção mesoproximal deste bordo apresenta a UTF1. Trata-se de um

gume convexo sem façonnage e retoque, que apresenta ângulos de PC

convexo de 70° e PB convexo de 75°.

A UTF2 está localizada na porção distal do bordo cortical esquerdo.

Trata-se de um gume convexo sem façonnage e retoque, que apresenta ângulo

de 70° para PC e PB, ambos convexo.

Ambas as UTFs transformativas são aptas para raspar, partindo de um

funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser realizada pelo encaixe

dos dedos na face cortical, o polegar na face produzida onde está a UTFt

oposta, e a palma na terceira face. A aplicação da força é sempre em ângulos

abruptos.

Peça: 39 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar de seção modular, com presença de córtex.

O talão foi retirado para preparação de um pequeno dorso. O bordo esquerdo é

semiabrupto e cortical. A face inferior é plana, enquanto que a face superior é

convexa.

Há apenas uma UTF transformativa localizada no bordo direito, porém, a

porção proximal está fraturada. Não possui retoques nem façonnage. A face

superior apresenta um negativo de debitagem longa e espessa, enquanto a

face inferior possui apenas uma retirada larga, delimitando o plano de corte. A

linha do gume é sinuosa. O plano de corte plano apresenta um ângulo de 70° e

o plano de bico côncavo apresenta 80°. Há alguns micro-estilhamentos em

ambas as faces.

Estas características levam a crer que esta UTFt atendia a ação de

cortar. O encaixe do polegar na face superior, dos demais dedos na porção

distal e a palma da mão no bordo esquerdo, permitem uma ação de vai-e-vem

num ângulo reto com a matéria.

Page 88: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

88

A porção distal apresenta duas sequências de retiradas diretas. Uma

retirada longa seguida de três retiradas subparalelas com contrabulbo

presente. Estes negativos formam um ângulo semiabrupto e um gume

côncavo, contudo não há sinais de utilização. Desse modo, não é possível

classificar esta porção da peça como UTF transformativa, podendo ser uma

zona preparada para preensão.

Peça: 42 / Setor: NAW1

Suporte sobre produto bipolar com dimensões de 73mm de

comprimento, 39mm de largura e 26mm de espessura. Face inferior convexa e

superior convexa cortical. Seção modular.

Os bordos direito e esquerdo apresentam retiradas de façonnage para

preparação da zona preensiva. A UTFt está localizada na porção distal do

artefato, porém, encontra-se parcialmente fraturado, de forma que não é

possível identificar o delineamento do gume original. A UTF é formada por uma

sequência de façonnage, que criou o PC plano de 60°. Retoques curtos e

paralelos produziram o PB plano de 70°. Apto para ações de raspar. O

funcionamento é em corte negativo, e a preensão pode ser realizada de modo

que os bordos laterais e as superfícies servem para encaixe dos dedos e da

palma da mão. A força deve ser aplicada em ângulo abrupto.

Peça: 45 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca bipolar em forma de gomo de seção triangular, de

dimensões de 64mm de comprimento, 38mm de largura e 21mm de espessura.

A face inferior é plana, mas apresenta uma depressão na porção mesodistal. A

face superior é convexa, tendo toda a porção esquerda da peça cortical, além

da extremidade distal. O córtex na porção proximal forma um dorso espesso.

Há apenas uma UTFt localizada na porção proximal do bordo direito,

formada por retoques subparalelos que formam um gume denticulado suave.

Ângulos de PC convexo de 60° e PB plano de 70°. É apto pra ações de cortar

Page 89: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

89

de forma que a preensão seja realizada pelo encaixe do dedo indicador no

dorso cortical proximal, e a oposição entre o dedo polegar na face superior e os

demais dedos na face inferior.

Peça: 46 / Setor: NAW1

Suporte sobre fragmento de lasca com dimensões de 57mm de

comprimento, 52mm de largura e 20mm de espessura. A face superior é

completamente cortical. Seção plano-convexa. A porção direita da face inferior

apresenta uma fratura natural anterior à retirada do suporte e está tomada por

pátina formando um novo córtex. A porção proximal apresente uma negativo

que apagou parte dessa porção com pátina, mas este negativo é anterior à

fratura do suporte.

Apresenta uma UTFt localizada na porção distal do bordo esquerdo,

produzida por retoques curtos, paralelos e inversos. O gume é denticulado.

Apresenta PC de 35° e PB de 75°, sendo plano para ambos. É apto para ações

de raspar com funcionamento em corte negativo e preensão em oposição. A

aplicação da força é em ângulos abruptos.

Peça: 47 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar, com presença de pouco córtex. Todos os

bordos contêm retiradas posteriores à debitagem, com gumes abruptos e

semiabruptos, com exceção ao bordo proximal. A peça apresenta uma seção

trapezoidal quase simétrico.

Apresenta apenas dois negativos de debitagem, sendo estes

convergentes. Um na porção dista e outro na proximal, provavelmente para

preparação deste suporte.

O bordo proximal apresenta um negativo direto de lasca com acidente

em lingueta, seguido de uma retirada inversa, que provavelmente retirou o

talão.

Page 90: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

90

O bordo distal apresenta duas sequências de façonnage. A primeira

trata-se de uma retirada única invadentes. A segunda sequência trata-se de

uma retirada única longa, que prepara o plano de corte. Em seguida há uma

sequência de retoques curtos e subparalelos que delineia um gume denticulado

suave. O plano de corte convexo de 75° e plano de bico plano de 90°. Esta

porção foi classificada como UTF1.

O bordo direito possui duas sequência de façonnage, sendo uma com

retiradas longas e invadentes, seguida de uma sequência de retiradas curtas

subparalelas. A porção distal apresenta uma pequena fratura, e a porção

mesoproximal apresenta um sequência de retoques curtos e paralelos. Este

gume foi classificado como UTF2, possuindo um gume com delineamento

convexo, plano de corte côncavo de 70° e plano de bico plano de 80°.

O bordo esquerdo apresenta façonnage sendo duas retiradas longas e

pouco espessas na face inferior, para preparação uma face plana. A face

superior apresenta mais duas sequências de façonnage, sendo uma sequência

de retiradas longas e invadentes, seguida de outra sequência de retiradas

longas e largas, preparando o plano de corte. A porção mesodistal apresenta

uma sequência de retoques curtos e subparalelos, formando um gume com

delineamento denticulado. Este gume foi classificado como UTF3, e apresenta

um plano de corte plana de 70° e um plano de bico plano de 75°.

Ainda foi constatada a presença de outra UTF, em forma de ponta,

localizada no canto direito distal da peça. Esta ponta é formada pelo gume da

UTF1, e pelo gume do bordo direito, próximo à fratura, ou seja, pelos negativos

de façonnage e retoque destes bordos. A face inferior apresenta micro-

denticulamento, assim como a face superior. Estas características, além das

marcas de uso, nos permitem classificar esta ponta como UTF4(¹), que

apresenta um plano de corte plana de 65°, e um plano de bico plano abastado

de 80°. A ponta permite a ação de furar, com uma aplicação de força em

ângulos abruptos e retos sobre a matéria, com toda a dimensão da peça apta

para preensão.

Quanto à ação das outras UTFs, puderam ser classificadas com a ação de

raspar, de modo que a força seja aplicada em ângulos abruptos e

Page 91: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

91

semiabruptos, onde a face superior da peça tenha maior contato com a

matéria. A preensão destas UTFs pode ser realizada com o polegar encaixado

na face inferior, e os demais dedos por toda a face superior.

Peça: 58 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar. Gumes abruptos preparados por todo o

contorno da peça, de modo que se tornem dorsos, exceto na extremidade

proximal; o talão encontra-se ausente. As porções corticais apresentam arestas

bem definidas. Suas dimensões são de 105mm de comprimento, 66mm de

largura e 56mm de espessura. Seção plano-convexo.

Não há negativos de debitagem. A face inferior da peça apresenta

apenas façonnage, sendo duas retiradas longas e pouco espessas para

produção de uma face inferior plana. Estas retiradas provavelmente eliminaram

o talão e o bulbo da lasca.

A extremidade distal contém duas sequências de façonnage para

preparação de uma are de preensão. A primeira sequência de lascas espessas

longas e largas subparalelas. E outra sequência de lascas longas, ainda com

contrabulbo presente, acabando por formar um dorso convexo.

O bordo direito contém uma sequência de façonnage de lascas mais

largas que compridas e subparalelas. E mais uma sequência de retoque com

retiradas curtas e paralelas diretas, formando um gume bem abrupto. Foram

identificadas três UTFs transformativas neste bordo:

A UTF 1, na porção distal, com delineamento denticulado, plano de corte

convexa de 80°, e plano e bico plano de 85°;

UTF 2 , na porção medial, com delineamento em coche, plano de corte

convexo de 85°, e plano de bico plano de 90°;

UTF 3, na porção proximal, com delineamento retilíneo, plano de corte

côncava de 70°, e plano de bico plano de 75°.

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92

O bordo direito apresenta apenas uma retirada de façonnage na porção

distal, ainda com contrabulbo presente, para preparação de zona preensiva. A

porção mesodistal apresenta apenas uma UTF transformativa, denominada de

UTF 4. Ela é formada por retoques curtos, paralelos, com retiradas em forma

retangular (largas). O delineamento da UTF é Irregular, com plano de corte

côncavo de 80° e plano de bico plano de 85°.

A extremidade proximal não possui retiradas, sendo apenas um gume

cortical bem convexo com marcas de utilização. Estas características, além da

porção na face inferior preparada plana, nos permitiu identificar este gume

como a UTF 5 com plano de corte de 85°, e plano de bico de 90°.

Para todas as UTF‟s transformativas é possível a preensão da peça

entre o polegar e os demais dedos, utilizando os dorsos da peça, além do

encaixe da palma da mão nas porções cortiças da peça. Todas as UTF‟s são

aptas para a ações de raspar de modo que a força seja aplicada sobre a

matéria num ângulo rasante. Todas as UTF‟s transformativas apresentam as

marcas de uso na face superior da peça.

Peça: 63 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada de sílex, de proveniência

desconhecida. Apresenta dimensões de 33mm de comprimento, 52mm de

largura e 18mm de espessura. O talão apresenta cornija, resultante de

lascamento por pressão. Seção convexo-convexa.

A face inferior contém uma grande retirada de façonnage que retirou a

porção distal do suporte. Ela produziu uma área preensiva, e um PC para duas

UTFs.

É possível que este suporte se trate de uma lasca de reavivagem de

instrumento (façonnage) que foi reaproveitada como instrumento. O bordo

proximal apresenta duas sequencias de retoques paralelos, uma longa e uma

curta, interrompidos por uma grande retirada de preparação de talão. O talão

apresenta um ângulo bem rasante com a face interna.

Page 93: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

93

A UTF anterior à retirada do suporte (UTFa) está mascarada. Mas ainda

é possível identificar o ângulo de 70° de PC e PB. É apto para ações de raspar

com funcionamento em corte negativo. Não é possível descrever a preensão

deste antigo instrumento, pois a estrutura do seu suporte não se faz mais

presente.

Três UTFs transformativas foram identificadas no suporte atual. Todas

com preensão em oposição e permitem precisão.

A UTF1 está localizada ao lado esquerdo da UTFa. Foi produzida por

retoques curtos, paralelos e inversos. Apresenta um gume com delineamento

denticulado e ângulos de PC plano de 35° e PB plano de 55°. Apto para ações

de cortar.

A UTF2 está localizada na extremidade esquerda do bordo distal, acima

da UTF1. Apresenta um PC de 40° e um PB produzido por uma onda bem

proeminente do negativo de façonnage formando um ângulo de 70°, ambos se

apresentam planos. Apto para raspar com funcionamento em corte negativo. A

aplicação da força deve ser em ângulos abruptos.

A UTF3 está localizada por todo o resto do bordo distal, produzida pela

retirada de façonnage. Seu delineamento é sinuoso e apresenta ângulo de 50°

para PC e PB, ambos planos. É apto para ações de cortar.

Peça: 75 / Setor: NAW1

Suporte sobre produto bipolar. A extremidade distal está ausente.

Apresenta dimensões de 41mm de comprimento, 36mm de largura e 15mm de

espessura. Seção plano-convexa. Todos os negativos estão tomados por

processo de formação de córtex, mascarando possíveis marcas de utilização.

Desde a porção mesial do bordo esquerdo, passando pelo bordo distal, até a

porção distal do bordo direito há uma sequência de retiradas alternantes que

começam longas e terminam curtas.

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A face superior apresenta marcas de percussão. Não é possível dizer se

é resultante de uma tentativa de fratura bipolar, ou se se trata de uma UTFt de

percutor reaproveitado como matriz bipolar.

Algumas marcas ainda são visíveis na porção distal do bordo direito.

Esta UTFt foi produzida por retoques curtos e paralelos. Apresenta um ângulo

de PC de 45° e PB não identificado em função do esgotamento do gume da

formação de córtex, mas é possível afirmar que pela projeção que o PB não

poderia ser menor que 60°, ambos são planos. É apto para ações de raspar em

corte negativo, de forma que a preensão seja em oposição e a aplicação da

força seja em ângulos abruptos. Essa preensão permite precisão na ação.

Peça: 84 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada. Dimensões de 31mm de

comprimento, 60mm de largura e 10mm de espessura. Face inferior plana e

superior convexa com ondulações proeminentes. Seção retangular. O talão é

espesso e largo, assim como a porção distal refletida formam dorsos. A

extremidade direita está fraturada. O bordo esquerdo apresenta um gume com

uma UTFt.

A UTFt é formada por um retoque curto em coche em posição inversa.

Apto para raspar. Ângulos de PC plano de 45° e PB plano de 60°. Seu

funcionamento é em corte negativo em ângulo abrupto de aplicação de força.

Peça: 87 / Setor: NAW1

Suporte sobre fragmento de lasca com dimensões de 38mm de

comprimento, 49mm de largura e 14mm de espessura. A face superior é

convexa e a inferior é plana. Seção retangular. A porção fragmentada forma um

dorso espesso.

Retoques inversos, curtos e paralelos formam a UTFt, localizada na

porção mesial do bordo direito. O gume é denticulado e apresenta ângulos de

Page 95: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

95

PC de 50° e PB de 65°, ambos planos. É apto para ações de raspar com

funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser realizada com oposição

de dedos, de forma que o dorso pode dar maior firmeza. A força aplicada deve

ser em ângulo abrupto e permite precisão.

Peça: 92 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca bipolar em forma de gomo. Face superior convexa e

inferior plana. Dimensões de 32mm de comprimento, 23mm de largura e 9mm

de espessura. Seção retangular.

Porção distal completamente cortical. Bordo esquerdo apresenta um

dorso. O bordo direito é formado por um gume semiabrupto, contendo a UTF1

na porção mesodistal. A porção proximal é abrupta e contém a UTF2. Ambas

as UTFs, aptas para ações de raspar, tiveram funcionamento em corte negativo

de modo que a força é aplica com precisão e em ângulos abruptos.

A UTF1 é formada por apenas um pequeno retoque em coche em

posição inversa. Ângulos de PC plano de 50° e PB côncavo de 70°.

Peça: 98 / Setor: NAW1

Trata-se de um seixo em forma de plaqueta com aproveitamento da

fratura. Todas as retiradas estão na fratura. Apresenta duas faces planas

corticais e dois dorsos laterais naturais com ângulos marcados. Seção modular.

Suas dimensões são de 64mm de comprimento, 32mm de largura, 22mm de

espessura.

Não há façonnage. Os retoques são todos diretos, curtos e subparalelos.

Foram definidas duas UTFs. Uma na porção esquerda do gume (UTF2), e

outra na porção mesial do gume (UTF1).

A UTF1 é um coche com plano de corte convexo de 80° e plano de bico

plano de 90°.

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A UTF2 apresenta o gume denticulado suave com plano de corte

côncavo de 75° e plano de bico plano de 80°.

Ambas as UTF‟s permitem a ação de raspar, de modo que aplicação da

força contra a matéria seja num ângulo quase paralelo, no entanto, não há

micro estilhamento na face interna, o que pode ser justificado pela presença do

córtex. O dorso esquerdo permite a preensão do polegar, e o dorso oposto a

preensão dos outros dedos.

Peça: 99 / Setor: NAW1

Suporte sobre fragmento de lasca unipolar. Há um dorso proximal

formado pela fratura, dando continuidade ao dorso por todo o bordo direito. A

face inferior da peça é levemente côncava, enquanto que a superior é plana.

Seção trapezoidal. Suas dimensões são de 63mm de comprimento, 37mm de

largura, e 21mm de espessura.

Apenas um negativo de debitagem na face superior que teria contribuído

para retirada da lasca. O bordo direito da peça apresenta três sequências de

façonnage. A primeira sequência de retiradas invadentes e paralelas, duas

sequências de retiradas longas. Este bordo apresenta três UTF‟s, que atendem

sua função de modo que a força seja aplicada num ângulo rasante sobre a

matéria:

UTF1, na porção mesodistal, com retoques longos e paralelos formando

um gume denticulado suave, com plano de corte convexo de 65° e plano de

bico côncavo de 70°, atendendo a ação de cortar. Sua preensão é melhor

realizada com o polegar posicionado na concavidade da face inferior, o dedo

indicador no bordo proximal, e os demais dedos da face superior;

UTF2, na porção mês-proximal, com retoques curtos e escamosos e

gume denticulado, com plano de corte convexo de 65° e plano de bico côncavo

de 80°, atendendo a ação de raspar. Sua preensão é mais bem realizada com

o polegar encaixado na face superior da peça, e os demais dedos na face

inferior;

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97

UTF3(¹), na extremidade distal, em forma de ponta, formada por

retoques curtos na porção esquerda, apresentando plano de corte convexo de

75° e plano de bico côncavo de 85°, atendendo a ação de furar. A preensão

pode ser realizada com todas as dimensões da peça. A ponta é quase

simétrica em forma de V. É importante ressaltar que a ponta, associada a UTF1

permite que um corte melhor delineado, e com menos gasto de energia.

Peça: 123 / Setor: NAW2

Trata-se de uma peça em suporte sobre lasca unipolar. Na porção

proximal há evidencias de ação térmica, podendo ser a causa da ausência do

talão, e a porção distal da peça encontra-se fraturada. Seção modular. A peça

possui dimensões de 72mm de comprimento, 60mm de largura, e 43mm de

espessura.

Os bordos direito e esquerdo têm presença parcial de córtex. A peça é

espessa e apresenta uma superfície inferior plana. Todos os bordos são

abruptos de tamanhos irregulares, conferindo à peça uma seção trapezoidal.

Na matriz foi identificado apenas um instrumento, não apresenta traços

de façonnage. A única UTF transformativa foi produzida por uma retirada única

em coche. A posição dessa retirada é direta e está localizada na porção

mesodistal do bordo direito da peça. O gume apresenta ângulos de 65° para o

Plano de Bico de forma côncava, e 65° para o Plano de Corte que possui uma

forma côncava.

Apesar das porções fraturadas da peça, é notável que a preensão do

instrumento é do tipo “força”, de forma que a zona preensiva é limitada pelas

porções corticais da peça. As características do gume – delineamento côncavo,

ângulo semiabrupto – permitem uma ação de raspagem, e nota-se que o gume

não apresenta sinais de intensa utilização. As fraturas da peça não permitem,

com precisão, a identificação de toda a zona preensiva.

Pelos sinais de utilização apresentados no negativo da coche, conclui-se que o

instrumento seguia um funcionamento de modo que a força seja aplicada num

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98

ângulo abrupto entre a matéria e a face superior do instrumento, que há maior

contato.

Peça: 149 / Setor: NBW1

Suporte sobre produto bipolar. Apresenta 12,8 cm de comprimento, 6,3

cm de largura e 4,3 cm de espessura. Seção convexo-convexa.

O suporte da peça apresenta uma estrutura composta por duas faces

convexas assimetricamente, uma delas caracterizada pela forma natural do

seixo e outra pela face produzida, local onde a convexidade é menor. O

instrumento vem de uma debitagem bipolar, caracterizando numa espessa

lasca, na forma de calota, na parte proximal há evidencias claras de marcas de

percussão. Pelas evidencias de córtex presentes na superfície externa,

observamos que se tratava de um seixo anguloso de dimensões em torno de

13 cm de comprimento.

Pela análise de produção do instrumento, constatamos que praticamente

toda a parte externa da peça está tomada por córtex, há apenas um grande

negativo, de ângulo rasante, mas que pela análise de patina, constatamos ser

uma retirada recente, portanto, não faz parte da estrutura original do artefato.

Quanto à face interna, ela está praticamente toda tomada por negativos de

retiradas de façonnage e de retoques, todos provenientes de procedimentos

unipolares. Ressalta-se que há poucas evidencias de áreas “antigas”,

relacionadas à face interna da lasca.

Quanto aos negativos de façonnage, observamos duas sequências,

presente em praticamente toda a peça: a primeira com o objetivo de formatar a

estrutura. Trata-se de retiradas invasivas. A outra sequência está relacionada à

organização do plano de corte. A forma destes negativos não segue um

padrão, sendo quadradas ou mais largas do que compridas.

Quanto aos negativos de retoques não estão dispersos por todas as

áreas das peças, observamos áreas com uma sequência e, em outras com

duas. Os retoques são diretos e, tomando por referencia o eixo tecnológico,

localizados na porção distal, porção direita e esquerda da peça. A extensão

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99

dos retoques é curta e há casos de negativos longos, formando retoques

subparalelos.

Os retoques formaram quatro áreas ativas, denominadas de UTF1,

UTF2, UTF3 e UTF4, que apresentam as seguintes características, temos,

portanto, uma matriz com quatro instrumentos:

UTF1, localizada na porção mesial do bordo direito. Possui um gume

retilíneo, com plano de corte com ângulo de 95º e forma plana; plano de bico

com ângulo de 85º e forma convexa.

UTF2, localizada no bordo proximal. O delineamento do gume é em

coche, com plano de corte com ângulo de 75º e plano de bico de 80°, sendo

ambos planos.

UTF3, localizada na porção mesial do bordo esquerdo. Possui um gume

com delineamento denticulado suave, com plano de corte de 80° e plano de

bico de 85°, ambos planos.

UTF4, localizada na porção mesoproximal do bordo esquerdo. Possui

um delineamento de gume côncavo, plano de corte 75° e plano de bico de 85°,

ambos planos.

De um modo geral, as áreas preensivas variaram de acordo com a

localização das UTFs. É importante ressaltar que, assim como já observado

por Viana em instrumentos do Vale do Rio Manso e de outros sítios de

Palestina de Goiás (VIANA, no prelo; BORGES, 2009; GUILHARDI, et al, 2009;

OLIVEIRA et al., 2010) há uma interação sinérgica entre as zonas

confeccionadas e as naturais, dada em especial pela convexidade natural do

seixo, que teria garantido uma boa preensão da mão e, assim, o bom

funcionamento do instrumento.

Sobre o funcionamento da UTF1, considerando os micros estilhaços do

bordo, o fio “arredondado” e o ângulo acima de 90º, entendemos que este

instrumento foi intensamente utilizado, até torna-se inapto à sua ação (gume

esgotado). A forma da linha do gume é retilínea, o que nos faz pensar

primeiramente que sua ação seria de corte, com funcionamento em sentido de

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100

vai-e-vem, no entanto, ao analisarmos melhor observamos que a linha do gume

não é continua, ou seja, ocupa somente uma parte do bordo, além da presença

do “desnível” nas duas extremidades da linha do gume marcada por retoques,

o que limita a área desta UTF.

Sobre o funcionamento da UTF2, localizada na parte distal da peça e

caracterizada por um grande coche que toma praticamente toda a extensão da

porção distal. O interior do coche está bem delimitado (em forma de “u”) e com

evidencias de estilhamento, o que nos faz pensar que a utilização tenha se

dado principalmente neste local. Considerando o ângulo do PB e PC, a forma

da linha do gume em “U” fechado, sugere-se que o instrumento tenha sido

utilizado para raspar, utilizando o instrumento em posição rasante, com a face

interna (trabalhada) em contato com a matéria – corte negativo.

Sobre o funcionamento da UTF3, esta é apta para raspar, de modo que

a força seja aplicada num ângulo semiabrupto entre a matéria e a face interna

da peça – corte negativo. O gume apresenta-se microfragmentado e com uma

mancha negra, vestígio de ação térmica localizada. Para esta ação a preensão

da peça pode ocorrer de modo que o polegar e a palma da mão se encaixem

na face-cortical enquanto que os dedos se encaixam na outra face.

Sobre o funcionamento da UTF4, esta é apta para raspar, e seu gume

delineado em coche fechado delimita uma área convexa da matéria em

contato. A preensão segue a mesma da UTF3.

Peça: 152 / Setor: NBW1

Suporte não debitado, quase que completamente cortical. Trata-se de

um seixo alongado com seção modular. As duas superfícies são naturalmente

planas, sendo que a inferior apresenta uma depressão na região mesial. Suas

dimensões são de 119mm de comprimento, 72mm de largura, e 34mm de

espessura.

Os bordos direitos, esquerdo e proximal apresentam dorsos preparados

por etapas de façonnage. Uma retirada única larga e refletida preparou o PB e

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PC da única UTF transformativa, localizada no bordo distal do artefato. Esta

UTF apresenta um PC convexo de 75° e PB plano de 85° e um gume com

delineamento em coche que permite a ação de raspar. Foi identificado o

funcionamento em corte negativo deste instrumento, com aplicação da força

em ângulo abrupto.

Peça: 154 / Setor: NBW1

Suporte sobre seixo não debitado de seção trapezoidal. Seção modular.

Apresenta duas superfícies corticais planas. Apresenta dorsos formados por

grandes retiradas nos bordos distal, próxima e direito, sendo que neste último

ainda há pequenas retiradas de façonnage para produção da zona preensiva.

Dimensões de 70mm de comprimento, 74mm de largura e 35mm de

espessura.

O bordo esquerdo apresenta três UTFs transformativas, produzida por

duas sequências de façonnage na face superior e uma sequencia na face

inferior que formas os PCs:

UTF1, localizada na porção distal, apresenta um gume convexo com

retoques subparalelos e alternantes, PC plano de 45º e PB indeterminado de

60°, ambos planos, com gume muito gasto. Esta UTF permite a ação de cortar,

num funcionamento de modo que toda estrutura do artefato pode servir como

zona preensiva.

UTF2, localizada na porção mesial, apresenta um gume côncavo, que

limita a área de ação, com retoques subparalelos e alternantes, PC plano de

60º e PB indeterminado de 75°, ambos planos, com gume muito gasto. Esta

UTF permite a ação de cortar, num funcionamento de modo que toda estrutura

do artefato pode servir como zona preensiva. A face inferior apresenta um

degrau que delimita a área de contato do instrumento com outra matéria

durante a ação.

UTF3, localizada na porção próxima, apresenta um gume retilíneo sem

retoques, PC plano de 75º e PB plano de 75°, ambos planos, com gume pouco

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gasto. Esta UTF permite a ação de raspar, num funcionamento em corte

negativo de modo que o polegar se encaixe na face inferior do artefato, o

indicador se encaixe no dorso proximal, a palma da mão do dorso direito, e os

demais dedos na face superior.

Peça: 176 / Setor: NBW2

Suporte não debitado, quase que completamente cortical. Trata-se de

um seixo alongado. Apresenta seção modular, e duas superfícies naturais

opostas planas (inferior e superior). Suas dimensões são de 90mm de

comprimento, 44mm de largura, 31mm de espessura.

Os negativos sofreram processo erosivo e estão pouco perceptíveis. O

bordo direito é um dorso cortical natural, e dorso esquerdo sofreu duas

sequências de façonnage, uma oposta a outra, para preparação da zona

preensiva. Há apenas uma retirada de façonnage para preparação do plano de

corte, espessa, refletida, longa e larga. A UTFt apresenta um retoque direto

curto. O gume é retilíneo com uma ponta e está gasto, quase plano ocupando

todo o bordo. Apresenta PC convexo de 70° e PB plano de 75°.

O bordo esquerdo apresenta um negativo profundo que permite que o

polegar direito se encaixe perfeitamente. O dorso oposto apresenta uma

convexidade natural que permite o encaixe do dedo indicador. De tal modo a

preensão permite uma ação de força sobre a matéria num ângulo quase

paralelo à matéria exercendo a ação de raspar.

Peça: 183 / Setor: NBW2

Suporte sobre fragmento de seixo alongado seção piramidal. A

fragmentação é natural, e apresenta uma superfície absolutamente plana. A

extremidade oposta desta fratura apresenta negativos desorganizados,

resultantes, provavelmente de fratura natural. Apresenta uma seção

semicircular. Suas dimensões são de 68mm de comprimento, 42mm de

largura, e 57mm de espessura.

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103

Não há negativos de façonnage, havendo apenas uma retirada

clactoniense para formar um gume em coche bem fechada, o que remete a

ideia de transformação de matéria de área restrita, localizado em um dos

bordos da fratura plana, inferior do seixo, em direção à porção cortical. Este

gume foi classificado como sendo a UTF transformativa, apresentando PC

plano de 75° e PB plano de 80°.

Toda a dimensão da peça é apta a preensão da peça, atendendo uma

ação de raspar. Para isso a força deve ser aplicada num ângulo semiabrupto

entre a matéria e a superfície retocada, que apresenta todas as marcas de uso.

Peça: 203 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar com caraterísticas de lasca de façonnage,

com dimensões de 31mm de comprimento, 36mm de largura e 10mm de

espessura. Apresenta córtex na porção distal da superfície superior. Esta face

é convexa, e a face inferior é plana. Seção plano-convexo. O talão espesso

forma um dorso que continua no bordo esquerdo. A peça apresenta duas UTFs

transformativas, ambas aptas para ações de raspar com funcionamento em

corte negativo, e preensão em oposição e encaixe dos dedos nos dorsos.

UTF1, localizada na porção distal do bordo esquerdo, produzida por

retoques curtos e subparalelos. Delineamento do gume em coche. Apresenta

ângulos de PC de 55° e PB de 65°. A força deve ser aplicada em ângulos

abruptos.

UTF2, localizada na porção esquerda do bordo distal, produzida por uma

coche única. Apresenta ângulos de PC de 50° e PB de 55°. A força deve ser

aplicada em ângulos semiabruptos.

Peça: 252 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar de seção plano-plana com dimensões de

38mm de comprimento, 27mm de largura e 08mm de espessura. Face superior

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e inferior convexas. Apresenta uma pequena quantidade de córtex na porção

distal. O talão é espesso e forma um dorso.

A UTFt está localizada na porção mesodistal do bordo direito. Produzida

por uma retirada clactoniense invadente. Apresenta ângulo de 30° para PC e

PB planos. Apto para ações de corte com funcionamento em vai-e-vem. A

aplicação da força pode realizada com precisão. O delineamento em coche

limita a porção de matéria a ser transformada. A preensão pode ser realizada

em oposição, além do dorso do talão que pode servir para encaixe do dedo.

Peça: 434 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar sem presença de córtex. Talão pouco

espesso, porém com porção distal ultrapassante espessa. Há um gume no

bordo direito, enquanto o bordo esquerdo está fraturado. Suas dimensões são

de 58mm de comprimento, 73mm de largura, e 33mm espessura. A lasca tem

um aspecto desviado e uma seção convexo-convexa.

Os negativos de debitagem na face superior estão todos orientados para

a porção distal. São retiradas longas. Há apenas uma retirada longa e pouco

espessa de retoque que cria o PC e PB. Não há façonnage.

A UTF constitui uma retirada longa no bordo direito, inversa, e côncava.

Possui um plano de corte de 40° e plano de bico de 50°, ambos planos.

A porção ultrapassada permite a preensão do dedo indicador, enquanto

que as faces interna e externa permite a preensão do polegar e dos outros

dedos, respectivamente. Essa preensão permite que seja aplicada uma ação

de força num ângulo reto com a matéria, de modo a cortar esta. O gume

apresenta-se bem afiado, e poucas marcas e utilização.

Na porção distal deste bordo há uma ponta. É importante ressaltar a

presença da ponta associada a esta UTF, mesmo que a ponta não tenha sido

classificada como uma UTF, ela pode ser classificada como zona ativa da UTF

de corte, uma vez que a presença de uma ponta facilita a delineação do corte

de uma matéria.

Page 105: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

105

Peça: 442 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar de seção triangular. Apresenta uma face

inferior plana, e superior convexa. Talão pequeno, porém espesso. As

dimensões do suporte são: 33mm comprimento, 28mm de largura 13mm de

espessura.

Apresenta apenas uma sequência de façonnage que forma todos os

PCs, começando no bordo direito, contornando toda a porção distal e finaliza

na porção proximal do bordo direito. Este artefato apresenta 6 UTFs

transformativas aptas para atividade de raspar, formadas por retoques

paralelos e subparalelos, de modo que o funcionamento em corte negativo, e

aplicação de força que podem variar entre ângulos rasantes e semiabruptos.

Todos os instrumentos permitem uma ação de precisão, com preensão em

forma de pinça.

UTF1, localizada no bordo esquerdo na porção mesoproximal, com

delineamento do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 50° e PB côncavo

de 60°.

UTF2, localizada no bordo esquerdo na porção distal, com delineamento

do gume convexo. Apresenta PC convexo de 55° e PB convexo de 70°.

UTF3, localizada no bordo distal na porção esquerda do suporte, com

delineamento do gume côncavo. Apresenta PC plano de 40° e PB côncavo de

80°.

UTF4, localizada no bordo distal na porção direita do suporte, com

delineamento do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 45° e PB côncavo

de 65°.

UTF5, localizada no bordo direito na porção mesodistal, com

delineamento do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 60° e PB côncavo

de 70°.

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106

UTF6, localizada no bordo direito na porção proximal, com delineamento

do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 65° e PB côncavo de 70°.

Peça: 446 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre fragmento de lasca, com dimensões de 33mm de

comprimento, 31mm de largura e 15mm de espessura, de seção trapezoidal.

Apresenta córtex na porção direita da peça. A face inferior é côncava, e a

superior é convexa.

Apresenta uma única UTF transformativa no bordo distal. O gume não

foi produzido por façonnage nem retoque. Apresenta ângulo de 50° para PC e

PB. Apto para ações de raspar com funcionamento em corte negativo. A

preensão pode ser realizada em oposição e força aplicada em ângulo abrupto,

permitindo precisão.

Peça: 448 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar trapezoidal com dimensões de 43mm de

comprimento, 24mm de largura e 25mm de espessura. A face superior é

convexa e apresenta uma orientação de nervuras em forma de X. A porção

proximal é cortical, e os 3 negativos estão em processo de formação de córtex.

A face inferior é levemente convexa. O negativo da porção direita da face

superior forma um dorso abrupto e plano.

A UTFt está localizada na porção mesodistal do bordo direito. Foi

produzida por uma coche curta em posição inversa. Apresenta ângulo de PC

plano de 70° e PB côncavo de 85°. É apto para ações de raspar com

funcionamento em corte negativo. Toda a estrutura da peça serve para

preensão. A aplicação da força pode ser em ângulos rasantes e semiabruptos.

Peça: 456 / Setor: NAW1.C

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107

Suporte não identificado com pouca presença de negativos debitagem

anterior, com muita presença de córtex na superfície superior, sendo esta

naturalmente plana. Seção plano-plana. Suas dimensões são de 46mm de

comprimento, 44mm de largura e 16mm de espessura. A face não cortical é

convexa, e a peça tem uma morfologia quadrangular, sendo que três bordos da

peça apresentam pequeno dorso, com exceção das porções onde se

apresentam as UTFs transformativas. Esta peça apresenta dois instrumentos:

A UTFt1, localizada no bordo direito do eixo morfológico apresenta

retoques curtos, e alternantes, com morfologia escamosa. A linha do gume é

côncava e apresenta um plano de corte convexo de 40° e plano de bico

côncavo de 70°. Essa variação dos ângulos pode ser explicada pelo grande

desgaste do gume, sinal de intensa utilização. Esta UTF é apta para a ação de

corte, em movimentos de vai-e-vem. O plano de corte da face cortical é

refletido, limitando a área de contato com a matéria. O plano de corte na face

inferior é formado pelos negativos da façonnage. Toda a dimensão da peça é

apta para preensão de precisão.

A UTFt2, localizada no canto superior esquerdo da peça. Trata-se de

uma retirada clactoniense, produzindo um delineamento côncavo do gume. Seu

plano de corte é convexo e de 55° e o plano de bico é côncavo e de 60°. Esta

UTF permite a ação de raspar pequenas áreas de matérias convexas, de modo

que a força seja aplicada num ângulo semiabrupto, sendo que o maior contato

com a matéria esteja na face não-cortical da peça. Toda a dimensão da peça

pode ser utilizada para preensão.

Peça: 461 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar de seção convexa-convexa. Não apresenta

córtex. Suas dimensões são de 34mm de comprimento, 50mm de largura e

17mm de espessura. Há marcas de ação de fogo por toda a peça. Ainda há

uma pequena fratura entre as duas UTFs transformativas.

O talão forma um dorso, e está localizado oposto às zonas

transformativas. A lasca apresenta uma forma desviada para a esquerda e

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108

apresenta uma seção convexo-convexa. As marcas de ação de fogo dificultam

a identificação dos negativos. A peça apresenta duas UTFs transformativas,

ambas na porção distal com retoques inversos e curtos disposto em forma

subparalela. Ambas as UTFs permitem uma precisão de preensão precisão, de

forma que os gumes são aptos para uma ação de cortar em gesto de vai-e-vem

sobre matérias. Os micro-estilhamentos nas duas faces do instrumento nos

permitem classificar este funcionamento.

A UTFt1 apresenta linha do gume côncava com planos de corte e bico

de 65° planos. A preensão neste caso pode ser realizada de modo que o

polegar se posicione na face inferior, o dedo médio na face superior, e o dedo

indicador no talão da peça.

A UTFt2 apresenta linha do gume convexa com plano de corte de 45° e

plano de bico de 55° planos.

Para a preensão dos instrumentos, caracterizado pela UTF2, o polegar

prende na face superior e o dedo médio prende a peça na superfície inferior,

enquanto que o dedo indicador se posiciona na porção refletida do negativo

presente na face superior no bordo direito.

Peça: 470 / Setor: NAW1.C

Suporte não identificado, proveniente de seixo de sílex. A face inferior

esta coberta por negativos, e a porção proximal está fragmentada. Seção

convexo-convexa. Apresenta dimensões de 13mm de comprimento, 16mm de

largura e 06mm de espessura. Apresenta uma superfície convexa cortical e

outra convexa preparada.

Apresenta duas sequências de façonnage, sendo uma de retiradas

invadentes e convergentes, e outra de retiradas curtas que formam pequenos

dorsos. Há apenas uma UTF no bordo esquerdo formada por uma retirada

clactoniense que apresenta PC de 60° e PB de 75°. Apto para ações de raspar.

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109

O funcionamento deste instrumento segue o corte negativo, e a

preensão deve ser feita em oposição. A aplicação da força em ângulos

abruptos e permite precisão.

Peça: 527 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre fragmento de lasca, sem córtex, com dimensões de 55m

de comprimento, 25mm de largura e 13mm de espessura. Face superior plana

e face superior convexa. Seção plano-convexa. Foram identificada duas

UTFs transformativas na extremidade distal do fragmento.

UTF1, na porção esquerda. Produzida por retoques curtos e

subparalelos que formam um delineamento em coche. Apresenta ângulos de

PC de 70° e PB de 75°, ambos plano. Apto para ações de raspar.

Funcionamento em corte negativo, e preensão em oposição. A aplicação da

força pode ser feita em ângulos abruptos e com precisão.

UTF2(¹), trata-se de uma ponta formada pelo PC da UTF1 e pelo plano

do negativo da porção direita da peça. Apresenta ângulos de PC de 50° e PB

de 60°. A preensão é em oposição e a aplicação da força pode ser feita em

ângulos que variam do reto ao semiabrupto.

Peça: 545 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre lasca unipolar com dimensões de 31mm de comprimento,

20mm de largura e 11mm de espessura. Presença de pouco córtex no bordo

esquerdo. Seção plano-convexo. Face superior convexa e inferior levemente

convexa. Talão espesso.

Há apenas uma UTFt na porção direita do bordo distal, produzida por uma

única retirada de retoque. O gume possui delineamento côncavo. Apresenta

ângulos de PC de 65° e PB de 70°, ambos convexos. É apto para ações

raspar, com funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser realizada

em oposição, com aplicação da força em ângulo abrupto.

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Peça: 553 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre fragmento de seixo, de dimensões de 34mm de

comprimento, 33mm de largura e 20mm de espessura. Seção piramidal. A face

superior é convexa, enquanto que a inferior é cortical e plana. A porção

proximal apresenta uma fratura espessa, que forma um dorso. Os bordos distal

e direito formam dorsos corticais espessos. O bordo esquerdo apresenta um

gume produzido para UTFt.

A UTF é formada por apenas uma retirada longa e invadente em coche e

em posição direta. PB côncavo de 55º e PC plano de 50°. Apto pra ações de

raspar, seu funcionamento é em corte negativo, com aplicação da força em

ângulos rasantes.

Peça: 560 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar de seção trapezoidal. Não contém córtex.

Dimensões de 42mm de comprimento, 46mm de largura e 13mm de

espessura. Face inferior plana e face superior convexa, contendo um negativo

profundo de lasca refletida. A porção distal forma um dorso que continua por

todo o bordo esquerdo. Há duas UTFs transformativas nesta peça.

UTF1, localizada no bordo distal, é formada por um negativo anterior à

retirada do suporte. O gume é côncavo e apresenta ângulo de 50° para PC e

PB côncavos. É apto para ações de raspar de modo que seu funcionamento é

em corte negativo. A preensão pode ser realizada de modo que um dedo se

encaixe no dorso, e os demais estejam em oposição.

A UTF2, localizada em todo o bordo direito, é formada por dois negativos

anteriores à retirada do suporte. O gume é convexo e apresenta ângulos de PC

de 50° e PB de 55° côncavos. É apto para ações de cortar de modo que seu

funcionamento seja em movimentos de vai-e-vem. A preensão pode ser

realizada de modo que um dedo se encaixe no dorso, e os demais estejam em

oposição.

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Peça: 566 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre fragmento de lasca. Seção plano-plano. Faces superior e

inferior planas. Bordos proximais e distal abruptos, formando dorsos. Face

inferior e dorsos com processo de formação de córtex. O bordo esquerdo

possui córtex na face superior, e um gume. Na porção proximal há uma

pequena sequência de façonnage para produção de zona preensiva. Este

gume compõe a UTFt, de ângulo de 50° para PC e PB.

A UTFt é apta para ações de raspar em corte negativo, com pensão em

oposição dos dedos e o encaixe de dedos nos negativos de façonnage e no

dorso. A força é aplicada em ângulo abrupto, permitindo precisão.

Peça: 590 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada com dimensões de 54mm de

comprimento, 34mm de largura e 12mm de espessura. A face superior é

convexa, e tomada por corte na porção direita e distal. A face inferior é plana.

Seção triangular.

Apresenta apenas uma UTFt formada pelo gume convexo do bordo

direito. Não retoque e nem façonnage. Tem ângulo de 45° para PC e PB,

ambos plano. Apto para corte, funcionando em movimentos de vai-e-vem. E

preensão em oposição.

Peça: 624 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada com dimensões de 29mm de

comprimento, 36mm de largura e 19mm de espessura. Talão esmagado com

resquícios de córtex de seixo. Face superior e inferior convexas. Seção

piramidal. A nervura que separa a porção distal e proximal apresenta negativos

alternantes de façonnage para produção de zona preensiva.

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A UTFt está localizada no bordo distal, e não possui façonnage e nem

retoque. Apresenta ângulo de 40° para PC e PB convexos. Apto para corte com

funcionamento em vai-e-vem. A preensão pode ser feita de modo que um dedo

se encaixe no dorso produzido por façonnage do bordo direito, ou no dorso do

bordo esquerdo, enquanto o polegar entra em oposição com os demais dedos.

Permite precisão.

Peça: 1028 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre lasca unipolar com seção plano-plana, sem presença de

córtex. A peça apresenta rugosidade e marcas de ação de fogo. A face inferior

apresenta-se irregular, enquanto que a face superior apresenta-se plana. O

talão forma um dorso, e a porção distal é refletida. As dimensões do suporte

são de 54 mm de comprimento, 73mm de largura, e 24mm de espessura.

Os negativos de debitagem estão presentes na face superior e no bordo

direito da peça. Há apenas uma retirada de façonnage, para preparação do

plano de corte da UTF1 transformativa, no bordo direito da peça. Esta UTF

apresenta duas sequências de retoques diretos, curtos e subparalelos, dando

um delineamento microdenticulado ao gume, apresentado plano de corte plano

de 70°, e plano de bico plano de 80°. Esta UTF é apta para atender a ação de

raspar, de modo que a força seja aplicada num ângulo abrupto em relação a

uma matéria convexa. Para utilização da UTF1 a preensão é mais eficaz de

forma em que a palma se encaixe no talão da peça, o polegar na face inferior,

e os dedos indicadores no plano de corte.

A UTF2 está localizada na extremidade distal do bordo direito. Ela é

formada por uma retirada curta, única, que acompanha a aresta de reflexão da

face inferior da lasca. Seu plano de corte é de 60° e o plano de bico de 70°,

ambos planos. A preensão desta peça é melhor realizada quando se pressiona

o polegar na face superior do suporte, e os demais dedos se encaixam desde o

talão, e na face inferior até a porção refletida. A UTF2 é apta para cortar, uma

vez que o gume tem uma forma em bisel. Seu funcionamento segue de modo

que a força seja aplicada num ângulo reto contra a matéria.

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Peça: 1066 / Setor: NAW1.B

Suporte sobre lasca unipolar de seção trapezoidal de dimensões de

23mm de comprimento, 27mm de largura, 21mm de espessura. Talão

puntiforme, face inferior plana (levemente convexa), e superior convexa. O

bordo direito apresenta um dorso preparado, enquanto que o bordo esquerdo

apresenta um dorso cortical.

Há apenas uma UTF transformativa na peça, localizada na porção esquerda do

bordo distal formado por retoques escalariformes longos e curtos, que formam

um gume denticulado. Apresenta ângulo de 50° para PC plano e PB convexo.

É apto para ações de raspar, com funcionamento em corte negativo. A

preensão pode ser feita pelo encaixo dos dedos nos dorsos e na face inferior.

Peça: 1102 / Setor: NAW1.B

Suporte sobre lasca unipolar proveniente de etapa de façonnage

produzida por percussão macia. Apresenta dimensões de 34mm de

comprimento, 26mm de largura e 08mm de espessura. Talão diminuto e

cortical. Face superior convexa tomada por negativos longos e paralelos. Face

inferior convexa. Seção convexa-convexa.

Há uma UTFt localizada na porção proximal do bordo esquerdo, formada

por uma pequena retirada de retoque. O gume é retilíneo e apresenta ângulo

de PC e PB de 45°, ambos planos. Apto para corte com funcionamento em vai-

e-vem. Preensão em oposição. Permite precisão.

Peça: 1377 / Setor: NAW1.B

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada. Suas dimensões são de

71mm de comprimento, 77 mm de largura, e 27 mm de espessura.

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Apresenta dorsos na lateral direita e gumes retocados nas porções

distais e proximais. A maior espessura está no talão que dá continuidade no

dorso direito até a porção distal. Apresenta superfícies inferior e superior

planas. Sua seção possui uma forma trapezoidal.

Os negativos dos dorsos e a superfície superior puderam ser

classificados como resultantes da etapa de debitagem da peça. A porção distal

apresenta façonnage para preparação do plano de corte em ambas as

superfícies. O mesmo ocorre na porção proximal.

A peça apresenta dois instrumentos:

UTF1: A confecção da UTF distal foi realizada a partir de dois negativos

de façonnage em uma face superior, com o objetivo de criar os planos de corte;

os retoques são subparalelos, formando um gume sinuoso. O plano de corte

côncavo apresenta 70°, enquanto que o Plano de Bico côncavo apresenta 75°.

O dorso do bordo direito permite uma boa preensão, de modo que o

dedo indicador prenda a porção distal do bordo direito, o polegar na face

superior o demais dedos na porção inferior, e a palma na porção meso-

proximal do bordo direito. Tendo em vista o ângulo dos planos de corte e de

bico, suas formas, este instrumento teria sido utilizado para atividades de

raspagem. Micro estilhames na superficie inferior e posterior indicam que a

amas as superfícies eram aptas para ação.

UTF2: A UTF proximal apresenta retoques alternantes formando um

gume sinuoso. O plano de corte convexo apresenta 55°, enquanto que o plano

de bico convexo apresenta 70°.

Os dorsos laterais servem para preensão da peça para utilizá-la em

movimentos de vai e vem, como uma faca. Os micro-estilhamentos em ambas

as faces do gume contribuem para esta hipótese

Peça: 1663 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre lasca unipolar proveniente de etapa de façonnage, sem

córtex. Apresenta dimensões de 47mm de comprimento, 30mm de largura e

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115

12mm de espessura. A face inferior da peça é côncava, e a superior é convexa,

apresentando uma seção triangular.

Foi identificada uma única UTFt no bordo esquerdo da peça, que contém

apenas algumas marcas de utilização na face inferior, sem retoque ou

façonnage. O gume é retilíneo apresenta um ângulo de PC de 50°. O plano de

bico está demasiadamente irregular, em função do gume esgotado. É apto para

raspar com funcionamento em corte negativo e preensão em oposição de

dedos. A aplicação de força pode variar em ângulos rasantes e semiabruptos, e

pode ser realizada com precisão.

Peça: 1705 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre fragmento de lasca, com dimensões de 40mm de

comprimento, 23mm de largura, 21mm de espessura. A fratura forma um dorso

proximal. O bordo esquerdo é abrupto, servindo também como dorso. A peça

apresenta três UTFs transformativas, todas no bordo distal. Seçao trapezoidal

UTF1, localizado na porção esquerda, formada por uma única retirada

de retoque. O gume é côncavo e apresenta ângulos de PC de 60° e PB de 70°,

ambos planos. Apto para ações de raspar, com funcionamento em corte

positivo e corte negativo. Toda a estrutura da peça é apta para preensão da

UTF, e a força pode ser aplicada em ângulos rasantes para o corte positivo, e

ângulos abruptos para corte negativo.

UTF2, localizado na porção direita, formada por retoques curtos e

paralelos. O gume é côncavo e apresenta ângulos de PC de 35° e PB de 40°,

ambos convexos. Apto para ações de raspar, com funcionamento em corte

negativo. Toda a estrutura da peça é apta para preensão da UTF, e força pode

ser aplicada em ângulos abruptos e semiabruptos.

UTF3(¹‟²), localizado na porção direita, formada pelos planos das UTFs 1

e 2. Trata-se de uma ponta com PC plano de 45° e PB convexo de 55°. Apto

para ações de furar. Toda a estrutura da peça é apta para preensão da UTF, e

força pode ser aplicada em ângulos semiabruptos à reto.

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Peça: 1719 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada de calcedônia com dimensões

de 24mm de comprimento, 33mm de largura e 11mm de espessura. Não

contém córtex. A porção ultrapassada forma um dorso espesso. Os demais

bordos da peça estão tomados por gumes. Ambas as superfícies são

convexas. Apenas duas UTFs transformativas foram identificadas. Ambas

aptas para ações de raspar com preensão em oposição, e que possibilitam

precisão. Seção convexa-convexa.

UTF1, localizada na porção proximal do bordo direito. Trata-se de uma

coche formada por uma pequena retirada clactoniense direta e possui ângulos

de 70° para PC e PB ambos côncavos . O funcionamento é em corte negativo,

com aplicação de força em ângulos abruptos.

UTF2, localizada na porção mesial do bordo direito. Trata-se de uma

coche formada por uma retirada clactoniense longa inversa e possui ângulos

de 70° para PC e PB, ambos côncavos. O funcionamento é em corte negativo,

com aplicação de força em ângulos semiabruptos.

Peça: 2419 / Setor: NBW1.A

Suporte sobre lasca unipolar com dimensões de 22mm de comprimento,

31mm de largura e 08mm de espessura. Características de lasca de

façonnage: talão preparado e rasante. Face superior convexa, e inferior plana.

Seção plano-convexa. Foi constatada uma UTFt no gume do bordo esquerdo,

formada por uma pequena coche. Apresenta ângulos de PC de 35° e PB de 75,

ambos planos. Apto para raspar, seu funcionamento é em corte negativo, com

preensão em oposição e aplicação da força em ângulo abrupto, permitindo

precisão. O gume está muito gasto.

Peça: 2427 / Setor: NBW1.A

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117

Suporte sobre lasca unipolar de façonnage, com dimensões de 27mm de

comprimento, 41mm de largura e 09 espessura. O talão é espesso formando

um dorso que dá continuidade no bordo esquerdo. Há presença de pouco

córtex na extremidade esquerda do bordo distal. Seção trapezoidal.

Um negativo anterior à retirada deste suporte, localizada no bordo direito

da peça, serviu de base p/ o PC e PB ângulo de 45° do PC e do PB da UTF

transformativa, sendo que ambos são planos. O gume é levemente côncavo e

é apto para ação de raspar em corte negativo com preensão em oposição, de

modo que o ângulo de aplicação de força seja semiabrupto e permita precisão.

Peça: 2543 / Setor: NBW1.A

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada com dimensões 25mm de

comprimento, 37mm de largura 23mm de espessura. O talão é puntiforme e o

bordo esquerdo forma um dorso cortical, e o bordo direito apresenta um

negativo que forma um dorso. Seção triangular.

A UTFt esta localizada no bordo distal, formada por um gume convexo.

O córtex forma um ângulo de 50° para PC e PB, ambos convexos. É apto para

ações de cortar com funcionamento em vai-e-vem. Preensão em oposição e

encaixe de dedo em um dos dorsos para maior firmeza, possibilitando precisão.

Peça: 2758 / Setor: NAW1.C

Não é possível verificar o suporte. Dimensões de 57mm de

comprimento, 28mm de largura e 41mm de espessura. Face inferior é plana. A

porção distal apresenta um córtex que vai até a porção mesial da face superior,

formando um dorso. O bordo direito forma um grande e espesso dorso. A

extremidade proximal apresenta mais um dorso. Seção modular.

O córtex na porção distal serviu como plano de percussão para uma

etapa de façonnage que preparou uma zona de preensão. O bordo direito está

Page 118: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

118

tomado por retoques curtos e subparalelos que produziram duas UTFs

transformativas.

UTF1, localizada na porção mesoproximal, tem um gume com

delineamento convexo e possui ângulos de PC de 50° e PB de 55°, ambos

planos. É apto para ações de cortar em movimentos de vai-e-vem. A preensão

pode ser realizada de modo, o dedo indicador encaixe no dorso proximal, e a

oposição de dedos e polegar de modo que um destes se encaixe na face

inferior da peça, e o outro se encaixe no negativo direito da face superior que

forma o PC. A palma encaixa no dorso esquerdo.

UTF2, localizada na porção mesodistal, tem um gume com delineamento

convexo e possui ângulo de PC e PB de 70°, ambos planos. A porção proximal

desta UTF está esgotada, com muito estilhamento. Apto para ações de raspar

com funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser feita com toda a

estrutura da peça. A aplicação da força é em ângulo abrupto.

Peça: 2759 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada completamente cortical com

dimensões de 33mm de comprimento, 61mm de largura e 13mm de espessura.

O córtex no bordo direito forma um dorso. A face superior é convexa, e a face

interna apresenta uma leve convexidade. Seção triangular. O talão é cortical,

porém com bulbo expressivo. Possível lasca clactoniense reaproveitada.

Apresenta uma única UTFt localizada no gume distal da lasca.

Apresenta ângulo de 50° para PC e PB, ambos planos. Apto para ações de

cortar. O funcionamento pode ser através de movimentos de vai-e-vem. A

preensão pode ser realizada em oposição, e dorso direito pode fornecer uma

melhor preensão.

Peça: 2776-A / Setor: N_W_

Page 119: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

119

Suporte sobre lasca unipolar com dimensões de 28mm de comprimento,

35mm de largura e 24mm de espessura. Apresenta características de lasca de

façonnage, inclusive uma cornija entre o talão e a face inferior da lasca,

resultante de lascamento por pressão. O talão forma um dorso espesso, assim

como o bordo esquerdo. Seção convexo-convexa.

Possui uma UTFt no gume distal, formada por retoques subparalelos e

alternantes formando um delineamento retilíneo. Apresenta ângulos de PC de

55° e PB de 50°, ambos planos. Apto para ações de cortar, com funcionamento

em movimentos de vai-e-vem. A preensão pode ser feita por oposição,

podendo utilizar dos dorsos para uma preensão mais eficaz. A aplicação da

força pode ser realizada com precisão.

Vejamos como se apresentam, de forma geral, algumas das

características apontadas por cada artefato: quais os tipos de seção que

caracterizam os artefatos, quantos instrumentos de cada tipo estão presentes

no sítio, quais artefatos permitem ações de precisão, e o suporte de cada

artefato.

Tabela 1 - Algumas Características Relevantes sobre os Artefatos Lascados

Peça Seção Instrumentos Raspadores

Instrumentos de Furo

Instrumentos de Corte

Permite precisão

Suporte

31 Modular 2 - - Precisão Lasca unipolar

32 convexo-

convexa

1 - 2 - Produto bipolar

33 plano-convexa

1 - 2 - Lasca unipolar

34 plano-plana 1 - - - Seixo

35 e 102

plano-plana - Não identificado

38 e155

Trifacial 2 - - - Produto bipolar

39 Modular - - 1 - Lasca unipolar

42 Modular 1 - - - Produto bipolar

45 Triangular - - 1 - Produto bipolar

46 Plano Convexa

1 - - - Fragmento de lasca

Page 120: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

120

47 Trapezoidal 3 1 - - lasca unipolar

58 plano-convexa

5 - - - lasca unipolar

63 convexo- convexa

2 - 2 - lasca unipolar

75 plano-convexa

1 - - Precisão produto bipolar

84 Retangular 1 - - - lasca unipolar

87 Retangular 1 - - Precisão fragmento de lasca

92 Retangular 2 - - Precisão lasca bipolar

98 Modular 2 - - - Seixo

99 Trapezoidal 1 1 1 - lasca unipolar

123 Trapezoidal 1 - - - lasca unipolar

149 convexo-convexa

4 - - - Produto bipolar

152 modular 1 - - - Seixo

154 Trapezoidal 1 - 2 - Seixo

176 Modular 1 - Seixo

183 Piramidal 1 - - - Seixo

203 plano-convexa

2 - - - lasca unipolar

252 plano-plana - - 1 - lasca unipolar

434 convexo-convexa

1 - lasca unipolar

442 Triangular 6 - - - Lasca unipolar

446 Trapezoidal 1 - - Precisão Fragmento de lasca

448 Trapezoidal 1 - - - Lasca unipolar

456 Plano-plana

1 1 - Lasca Unipolar

461 Convexo-convexa

- 2 Precisão Lasca unipolar

470 convexo-convexa

1 - - Precisão Não Identificados

527 plano-convexa

- fragmento de lasca

545 plano-convexa

1 - - - Lasca unipolar

553 Piramidal 1 - - - fragmento de seixo

560 seção trapezoidal

1 1 - lasca unipolar

566 plano-plana 1 - - Precisão fragmento de lasca

590 Triangular - 1 - lasca unipolar

624 Piramidal - 1 Precisão lasca unipolar

1028 plano-plana 1 1 - lasca unipolar

1066 Trapezoidal 1 - lasca unipolar

1102 convexo-convexa

- 1 Precisão lasca unipolar

1377 trapezoidal 2 - - - lasca unipolar

1663 Triangular 1 - - Precisão lasca

Page 121: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

121

unipolar

1705 Trapezoidal 2 1 - fragmento de lasca

1719 convexo-convexa

2 - - - lasca unipolar

2419 plano-convexa

1 - - Precisão lasca unipolar

2427 Trapezoidal 1 - - Precisão lasca unipolar

2543 Seção triangular

- - 1 Precisão lasca unipolar

2758 modular 1 - 1 - Não identificado

2759 triangular - 1 - lasca unipolar

2776 convexo-convexa

- 1 Precisão lasca unipolar

O material analisado contém 63 instrumentos raspadores, 3

instrumentos para ações de furo; e 25 instrumentos para ações de cortar.

Das 53 peças analisadas, apenas 15 apresentam uma estrutura que

permite ações de precisão. Além disso, 6 peças têm um suporte sobre seixo, 7

têm suporte sobre produto bipolar de concepção “B”, 30 suportes sobre lasca

unipolar de concepção “C” de debitagem, 6 sobre fragmentos de lasca e 4 não

puderam ser identificados.

5.8.4 Os Fragmentos de Instrumento Lítico Lascado

Os fragmentos de instrumento são identificados pela presença de zonas

utilizadas - UTFs transformativas. Em muitos casos é possível identificar

possíveis ações realizadas pelo instrumento, contudo, torna-se limitante

caracterizar o funcionamento do instrumento, inclusive pelas fraturas

localizadas sobre as UTFs transformativas, as quais podem até ser causadas

pela utilização. Estes foram quantificados em 14 peças. Ainda estão em fase

de análise.

5.9 Os Instrumentos Líticos Não Lascados

Não foram encontrados instrumentos produzidos por polimento, como os

típicos machados polidos de grupos ceramistas. Basicamente, esta categoria é

Page 122: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

122

composta pelos percutores e bigornas. As bigornas se caracterizam por serem

instrumentos passivos, pois, apesar de a bigorna não realizar uma ação, a

ação é realizada sobre ele.

Trata-se de seixos com características naturais aptas para serem

apropriados para atender a ação de percutir. As UTFs transformativas destes

são identificadas pelas marcas de golpe, esmagamento e picoteamento. Segue

as descrições dos sete percutores analisados, como dados complementares

aos 10 percutores já analisados por Borges (2009):

Peça: 97 / Setor: NAW1

Trata-se de um seixo alongado com superfícies convexas e ângulos

naturais que proporcionam uma boa preensão. As extremidades apresentam

marcas de percussão e marcas de fratura interna que partem de pontos

identificados como UTFs transformativas. Apresenta dimensões de 90mm de

comprimento, 47mm de largura e 40mm de espessura, além de uma massa de

275g.

A UTF1 esta localizada na extremidade distal esquerda, apta como

percutor. Apresenta um pouco de desgaste.

A UTF2 está localizada na extremidade proximal esquerda, mais

próximo da superfície inferior, apto para percussão. Apresenta um intenso

desgaste e pequenas fraturas.

A UTF3 está localizada no centro da superfície superior. Trata-se de

uma depressão formada por pequenos sulcos em seu interior. Apto para ser

utilizado como bigorna. Toda esta superfície apresenta uma coloração

avermelhada diferente de todo o resto do córtex (amarelado).

Já sabendo da existência de pinturas rupestres de cor vermelha no

abrigo, esta mesma cor no seixo pode indicar a utilização desta superfície

como instrumento ativo (possível UTF4) para ação transformativa em matéria-

prima de pigmentação para pinturas, como por exemplo, o maceramento de

hematita.

Page 123: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

123

Peça: 117 / Setor: NAW2

Trata-se de um seixo alongado de quartzito. Apresenta superfícies

convexas e ângulos naturais que tornam apta a preensão. Suas dimensões

são 97mm de comprimento, 55mm de largura e 38mm de espessura, além de

uma massa de 305g.

A UTF1 está localizada na extremidade proximal direita. Apresenta uma

série de pequenas fraturas e picoteamento. Apto para percussão.

A UTF2 está localizada no bordo esquerdo na porção mesodistal. É

formada pela convexidade natural do seixo, e apresenta um picoteamento

intenso. Apto para percussão.

A UTF3 está localizada no bordo direito na porção proximal. É formada

pela convexidade natural do seixo, e apresenta um picoteamento pouco

intenso. Apto para percussão.

A extremidade distal apresenta sinais de intensa percussão, contudo,

não é possível dizer se se trata de uma terceira UTFt, utilizada para percussão.

A face inferior apresenta uma sequência de longas retiradas que partem deste

mesmo ponto, podendo indicar a apropriação deste seixo como matriz bipolar

posteriormente descartada, ou retomada como percutor (UTFs 1, 2 e 3).

Peça: 1411 / Setor: NAW1.D

Trata-se de um seixo arredondado com dimensões de 53mm de

comprimento, 43mm de largura e 28mm de espessura, além de uma massa de

100g.

Apresenta um córtex rugoso que se confunde com marcas de

picoteamento. Apresenta uma depressão formada por pequenos sulcos

irregulares na face superior. Este zona foi identificada com UTFt, sendo apto

como bigorna.

Page 124: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

124

Toda a face superior apresenta pequenas marcas de picoteamento bem

dispersas, mas não é possível delimitar com exatidão possíveis UTFs

transformativas, e nem sua classificação como bigorna ou percutor.

Peça: 1419 / Setor: NAW1.D

Trata-se de um seixo fraturado com seção triangular – três superfícies

planas. Apresenta dimensões de 25mm de comprimento, 25mm de largura e

15mm de espessura, além de uma massa de 15g. A fratura está tomada por

córtex.

A extremidade distal apresenta sinais de picoteamento. Trata-se da

UTFt, apta para percussão.

Peça: 1554/ Setor: NAW1.D

Trata de um seixo arredondado com dimensões de 29mm de

comprimento, 28mm de largura e 15mm de espessura, além de massa de 15g.

A porção distal apresenta uma fratura expressiva, além de marcas de

picoteamento. Esta porção representa a UTFt do artefato, apta para percussão

de precisão.

Peça: 2415 / Setor: NBW1.A

Trata-se de um seixo de morfologia trapezoidal com dimensões de

63mm de comprimento, 59mm de largura e 30mm de espessura, além de uma

massa de 165g. Apresenta duas superfícies (inferior e superior) planas. A

porção distal apresenta um dorso natural.

Apresenta uma UTFt localizada na porção proximal, formada pela

convexidade natural do seixo, apta para percussão. Apresenta marcas leves de

utilização. A preensão pode ser realizada com mais eficácia de modo que os

Page 125: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

125

dedos e a palma se encaixem nas superfícies planas e nos dorso distal e

laterais.

Peça: 2511 / Setor: NBW1.A

Trata-se de um seixo alongado de quartzo com faces inferior e superior

planas. Apresenta dimensões de 42mm de comprimento,27mm de largura

e18mm de espessura, além de uma massa de 25g. Há um dorso cortical no

bordo esquerdo do suporte.

A UTFt está localizada na extremidade distal esquerda, identificada por

algumas marcas de picoteamento, sendo apto para ações de percussão.

A presença de instrumentos associados a ações de percussão, que

podem atender à função de lascamento de rochas, reforça a hipótese de este

sítio ter sido apropriado como oficina lítica.

Além dos percutores e bigornas, foi encontrado também um artefato

produzido por alisamento, e eis que surgem dúvidas sobre este:

Peça: 1566 / Setor: NAW1.D

Trata-se de um tipo de artefato único e inédito no sítio. Dimensões de

43mm de comprimento, 13mm de largura e 8mm de espessura. Não apresenta

nenhum negativo. Trata-se de um artefato produzido por alisamento. Apresenta

linhas de sulcos paralelas resultantes da produção. Possui uma face plana e

uma face divida em quatro partes planas. As extremidades possuem fratura

com processos de formação de córtex.

Não é possível identificar sua função. Assemelha-se aos pequenos

bastões/espátulas utilizados para pintura pré-histórica. Não foram identificadas

marcas deste tipo de utilização. Pode ser apto para alisar cerâmica, ou talvez

um artefato de representação simbólica (talvez um tembetá?).

Page 126: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

126

5.10 Refugo

Na categoria “refugo” estão as lascas de configuração de núcleo e os

resíduos que não puderam ser classificados nas outras categorias (façonnage,

retoque, suporte, núcleo, instrumento). Como veremos no decorrer da análise,

os instrumentos em geral são pouco modificados, tendo grande aproveitamento

das estruturas naturais dos seixos locais. Como os suportes naturais a serem

configuradas não têm um padrão estrutural, as lascas de configuração de

núcleo, que tendem a apresentar poucos negativos em sua face externa não

possuem outras características próprias desta etapa. Por esta razão os

resíduos provenientes da configuração do núcleo deste sítio - que não

possuem um padrão estrutural e tecnológico, caracterizadas por serem

bastante ou completamente corticais, conter presença de intrusões, estrutura

não apta para a utilização como suporte de instrumento, entre outros – não

pudera ser claramente identificados, entrando na categoria de refugo. Os

gráficos a seguir mostram a baixa padronização de cada característica

analisada.

Gráfico 21 - Refugo - Estado de preservação

A maioria das lascas encontram-se sem fratura, e a análise do refugo

seguiu a partir das lascas sem fragmentação.

0

100

200

300

400

500Lascas de Refugo Inteiras

Fraturadas em Siret

Fragmentos de lasca /Lascas Fragmentadas

Page 127: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

127

Gráfico 22 - Lascas de Refugo - Quantidade de negativos na face externa

Não há um padrão claro nos negativos presentes na face externa destas

lascas, e mesmo fica difícil de falar em alguma tendência.

Gráfico 23 - Lascas de Refugo - Orientação das Nervuras

0

10

20

30

40

50

60

70

80Um negativos sem contrabulbo

Um negativo com contrabulbo

Dois negativos

Três Negativos

Quatro Negativos

Cinco ou mais negativos

Cortical

Indeterminável ("cassons")

Ausente

Preparação do Talão

0

10

20

30

40

50

60

70

80Lisa-sem nervura

1 Nervura longitudinal

2 Nervuras Paralelas

Y

Y Invertido

mais de 3 negativos

Indeterminado

1 Nervura transversal

1Nervura LateralLongitudinal

Cortical

em "T"

Page 128: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

128

E com relação à orientação das nervuras, não tendem a ter alguma

organização clara.

Gráfico 24 - Lascas de Refugo - Perfil das Lascas

No geral, as lascas, de todas as etapas, tem uma baixa expressividade

de lascas convexas.

0

50

100

150

200Helicoidal

Côncavo

Convexo

Linear/Retilíneo

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129

Gráfico 25 - Lascas de Refugo - Morfologia das Lascas

Quanto à morfologia, há uma maior tendência de lascas quadriculares,

subcirculares, retangulares, triangulares desviadas, e lascas mais largas que

compridas.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Trapezoidal

Triangular

Triangular comvértice para baixo

Quadrangular

Subcircular

Mais larga do quecomprida (2x)

Retangular

Laminar

Arredondada

Mais de 4 lados

Irregular

Triangular desviada

Retangular 2 (maiorcomprimentohorizontal)Ápice

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130

Gráfico 26 - Lascas de Refugo - Acidentes de Lascamento

Quanto aos acidentes de lascamento, há uma maior tendência de lascas

sem acidentes.

0

50

100

150

200

250 Não há acidentes

Lasca refletida

Lasca com lingüeta

Transbordante

Ultrapassante

Bulbo duplo

Bulbo cônico

Lábio

Lasca refletida com lingüeta

Transbordante eultrapassanteLasca refletida etransbordanteLasca refletida com bulboduploLasca com Linguëta eultrapassanteLasca transbordante comlingüetaLascamento Bulbar e lascarefletida

Page 131: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

131

Gráfico 27 - Lascas de Refugo - Morfologia dos Talões

Com relação ao tipo de talão liso, é um talão sem nenhum tipo de

preparação. A preparação costuma ocorrer nas etapas de façonnage e retoque,

onde as sequências de retiradas são mais precisas e deve haver um maior

controle sobre as características de cada lasca a ser produzida que refletem

em PC e PB bem planejados.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200 Meia lua

Vírgula

Asa

Em "U"

Linear

Puntiforme

Diedro

Facetado

Esmagado

Triangular

Cortical

Liso

Fragmentado

Page 132: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

132

6. A PRÉ-HISTÓRIA ESCRITA EM PEDRAS: VESTÍGIOS

COGNITIVOS NO GO-CP-17

Após esta extensa apresentação dos dados produzidos pelas análises

realizadas sobre o material lítico da oficina GO-CP-17, quais são as últimas

interpretações que poderíamos fazer? Não podemos deixar de lembrar quais

objetivos trouxeram este trabalho até este ponto. Lembremo-nos do triângulo

cognitivo – o homem composto pela mente, pelo corpo, e pela cultura – e os

processos cognitivos que subjazem toda a relação do homem com a

materialidade, que acabam por dar significações e ações de apropriação.

6.1 Oficina GO-CP-17: Potencialidade para Escrever uma Pré-História da

Tecnologia

Vejamos, então, como vem se caracterizando a indústria lítica presente

no sítio, primeiro analisando os dados de cada etapa, e em seguida, fazendo

uma comparação entre eles.

6.1.1 Os Dados da Debitagem

Os núcleos sempre apresentam concepções de debitagem “B” e “C”.

Tratando-se de uma oficina localizada sobre a fonte de matéria-prima, pode-se

pensar num primeiro momento que métodos mais complexos não são

aplicados por não haver uma necessidade de economia de matéria-prima, uma

vez que está é abundante no sítio. Mas também não se pode deixar de lado

que a não-aplicabilidade destes métodos pode ser devido à fatores culturais

internos, desconhecimento técnico deste grupo, ou métodos mais complexos

podem ter sido aplicados na produção realizada em outros sítios da região.

As lascas suportes tendem a ter dorsos formados por porções

transbordantes e/ou ultrapassadas. O núcleo descrito neste trabalho remete,

também, à ideia que os suportes produzidos pela debitagem deste

apresentariam estes “acidentes”. A concepção de debitagem destes suportes

Page 133: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

133

continua sendo os mesmos, porém, é notável que há uma certa preocupação

em obter estes dorsos, de modo que estes dorsos são definidos já na

debitagem.

6.1.2 Resíduos de Produção de Instrumento

As tendências apresentadas pelos resíduos de façonnage nos

demonstra que os suportes estão sofrendo muitas sequências de retirada

nestas etapas. Além disso, parecem estar dando, em geral, PCs convexos e

planos para os instrumentos. Por fim, parecem deixar uma grande recorrência

de refletidos, e pouca modificação no delineamento do gume dos instrumentos.

Já com relação aos resíduos de retoque, estes demonstram que os

suportes estão sofrendo, também, muitas sequências de retoque. Parecem

estar deixando nos instrumentos, na maioria dos casos PBs de forma plana. Há

aqui um aumento na recorrência de refletidos e pouca modificação no

delineamento.

Em geral, os instrumentos produzidos teriam uma mudança

relativamente grande em seu volume, com gumes delineados por uma grande

série de retoques, com PCs planos ou convexos e PBs planos. Os PCs e os

PBs parecem muitas vezes ser delimitados por porções refletidas, o que

também pode sugerir a delimitação do contato entre a superfície do

instrumento com a matéria que está sendo transformada.

6.1.3 Instrumentos

Sobre os artefatos lascados encontrados no sítio, há uma relevante

representatividade de instrumentos com poucas (ou nenhuma) sequências de

façonnage e retoque. Dos artefatos com instrumentos produzidos (mais

elaborados) é notável a presença dos PCs e PBs delimitados por porções

refletidas. Os suportes produzidos por debitagem seguem as mesmas

concepções “B” e “C”.

Page 134: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

134

Parece haver um maior aproveitamento das estruturas originais dos

suportes. O GO-CP-17 apresenta instrumentos que atendem necessidades

funcionais tais como, percutir, furar, cortar e, principalmente raspar. É notável

que o número de UTFs aptas para ações de raspar supera, e muito, os demais

tipos de instrumentos.

6.1.4 Comparação dos Dados Apresentados

Há uma incompatibilidade de alguns dados produzidos pelos resíduos e

pelos instrumentos. Enquanto os resíduos apontam para um grande número de

sequências de retoque e façonnage, poucos são os instrumentos encontrados

no sítio que apresentam várias sequências de retoque façonnage. Assim como

são poucos os instrumento associados à ações de furo e raspar encontrados

no sítio.

Baseado nestes dados, e levando em consideração que estamos

tratando de uma oficina de instrumentos, surgem alguns questionamentos.

Se existem peças mais trabalhadas sendo produzidas na oficina, onde

estão todas elas? Será que estes artefatos produzidos por várias etapas estão

sendo utilizados e descartados fora da oficina?

E dentro da oficina, porque há mais raspadores do que outros

instrumentos? Estariam os outros tipos de instrumento sendo utilizados e

descartados fora da oficina?

É possível que fora da oficina tivessem sido utilizados e descartados

instrumentos de corte e de furo, os quais exigem mais etapas de produção que

os raspadores, uma vez que estes tendem a ter um grande aproveitamento da

estrutura natural dos suportes.

Se pensarmos nas atividades que ocorrem fora da habitação do sítio

arqueológico, como caça e coleta de alimentos, estes poderiam exigir mais

instrumentos de corte e de furo, seja para abater a caça, mutilar o animal

abatido para que não seja necessário levar todo o animal de volta ao sítio, de

Page 135: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

135

forma que haja um gasto de energia menor. Dentro do sítio arqueológico,

podem estar ocorrendo atividades de preparação de alimento, como o

descarne dos ossos de animais, ou até mesmo a produção de artefatos de

matéria-prima vegetal, que exigem mais raspadores.

Será, então, que o sítio arqueológico foi apropriado não apenas como

um local de produção de instrumentos líticos, mas também de outras atividades

essenciais ao homem? Os dados, até o momento, não nos permite afirmar

responder essa questão.

6.1.5 Como Esta Indústria Lítica se Insere no Contexto do Centro-

Oeste Brasileiro?

Ficamos então com esta questão pertinente. Como poderíamos inserir

ela no contexto apresentado no contexto pré-histórico das indústrias líticas do

centro-oeste brasileiro: Com relação ao panorama geral, estes instrumentos

atendem às mesmas necessidades funcionais? Uma análise comparativa com

outras indústrias poderia ser um meio mais eficaz de inserir esta indústria no

contexto geral, desde que as outras tenham sido, ou sejam posteriormente,

analisadas por uma abordagem que leve em consideração as escolhas

técnicas apresentadas em cada coleção arqueológica, que trate de reconstruir

as cadeias-operatórias.

Se formos inserir este sítio numa Tradição Arqueológica pré-definida,

como já feito por Schmitz (1986), deveríamos considerar que apenas um grupo

cultural habitou este sítio. E sabemos da dificuldade em retratar o número de

ocupações deste sítio. Sabemos da existência de “fósseis-guias” da

denominada Tradição Itaparica, como já foi descrito por Borges (2009),

encontrados neste sítio. Com base nisso Schmitz inseriu esta cultura na

Tradição Itaparica, na qual foi entendida como a tradição que ocupou diversos

sítios brasileiros no Holoceno antigo. Mas também sabemos que a ocupação

da região do Córrego do Ouro começa no Holoceno médio. Seria então uma

mesma sociedade que migrou para a região em função do ótimo climático? Ou

em função de outras necessidades? Estas hipóteses não podem ser

Page 136: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

136

descartadas, contudo, baseado apenas na presença de alguns poucos

artefatos morfologicamente semelhantes, sublinho, não servem de base para

construir uma hipótese geral sobre a ocupação do centro-oeste brasileiro pré-

histórico.

6.2 A Cognição em Atividade no GO-CP-17

Ao tratarmos o homem a partir do triângulo cognitivo, podemos começar

a entender cada vértice do triângulo do grupo que ali deixou vestígios (líticos)

de sua presença: A mente, responsável pelos esquemas mentais, pela

preconcepção de cadeias operatórias para os artefatos líticos; o corpo, que

aplica técnicas (corporais), gesto e movimento, incorporação de artefatos para

a utilização de instrumentos e produção dos mesmos; e a cultura, onde está

baseada a tradição de uma sociedade e o conhecimento aplicado na cultura

material.

Sobre os processos da relação do homem com o sítio e sua cultura

material, sabemos que estes culminaram na apropriação deste ponto da

paisagem e dos objetos ali contidos, de forma que o local se tornou um sítio

arqueológico, e muitos dos objetos ali presentes tornaram-se artefatos e

objetos técnicos.

Page 137: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

137

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espero ter demonstrado que a abordagem tecnológica, apesar das

recorrentes críticas feitas com relação à minuciosa descrição e atenção ao

material lítico que por vezes deixa de lado o homem por trás desta cultura

material, é válida. Aliás, não apenas válida, mas necessária para se buscar

compreender mais a fundo todos os aspectos relacionados às escolhas

técnicas realizadas por uma sociedade. E se ainda assim o que liga a

tecnologia ao homem, através desta abordagem, continua sendo uma corda

bamba, a abordagem cognitiva aplicada aos estudos de cultura material vêm

para tentar construir uma ponte, mostrando que todos os processos que

ocorrem na relação do homem com a materialidade são carregados de

conhecimentos individualmente e socialmente construídos. A tecnologia não

foge a essa regra.

Espero também ter deixado claro às definições construídas e utilizadas

para alguns dos termos utilizados, dando uma atenção especial à tecnologia

lítica, que por muitas vezes gosta de chamar cada peça com zonas ativas de

um instrumento. Partindo da ideia de que cada zona transformativa no artefato

constitui pelo menos um instrumento, e que podem existir vários instrumentos

num mesmo artefato, parece contraditório continuar chamando cada peça

analisada de um(!) instrumento. Um artefato pode ter mais de um instrumento

na sua estrutura – um artefato pode ser vários instrumentos.

Com relação aos dados apresentados, espera-se que estes sirvam de

contribuição para a continuação de análise da indústria lítica local e até mesmo

possíveis interpretações que levem em conta a criação de tipologias, diferentes

do verdadeiro objetivo deste trabalho. A criação destas tipologias, baseado na

estrutura apresentada por cada artefato, na seção de cada instrumento (e

espero ter deixado claro aqui que artefato e instrumento não são a mesma

coisa), na produção de cada UTFt, e nas possíveis ações atendidas por cada

instrumento pode servir como um viés eficaz para reconhecer possíveis

padrões tecnológicos.

Apesar da abordagem tecnológica aplicada à arqueologia beber da fonte

proporcionada pela cognição, esta nem sempre é discutida mais a fundo, de

Page 138: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

138

modo que as referências à cognição são feitas de forma breve e superficial,

demonstrando uma maior preocupação em discutir logo o objeto técnico

produzido. Em outras ocasiões, a cognição remete a ideia de estar ligada

somente à mente, mesmo que o objetivo não seja expressar esta ideia. Este é

um ponto que justifica a importância de discussões teóricas sobre a cognição

mais a fundo na arqueologia, e a importância de trabalhos que busquem mais a

fundo estes aspectos da cultura material aplicando a abordagem cognitiva.

Ainda assim não se pode dizer que a abordagem cognitiva é inédita na

arqueologia brasileira, pois não só na tecnologia, mas também em outras

disciplinas específicas da arqueologia, a cognição é, senão discutida, pelo

menos citada. Contudo, aponto o fato de que a cognição, enquanto uma

disciplina específica da arqueologia, ainda não vem sendo trabalhada.

Onde estão os arqueólogos cognitivos do Brasil? Se neste país o

arqueólogo ainda é uma espécie rara, o arqueólogo cognitivo é uma

subespécie que ainda não está adaptada ao nosso habitat.

Neste sentido pode-se afirmar que a Arqueologia Cognitiva no Brasil,

enquanto disciplina específica, ainda precisa ser estruturada. Espero que este

trabalho possa servir como um pequeno incentivo para a produção de trabalhos

de arqueologia cognitiva na arqueologia brasileira.

Page 139: Mente Corpo e Cultura em Pedras - A Cognição Humana na Tecnologia Lítica Pré-Histórica, Pt 1

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148

ANEXOS

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149

ANEXO I

Roteiro Geral De Análise Dos Instrumentos Líticos Lascados

Sítio Arqueológico:

N. Catálogo:

Setor de Localização:

1. Dimensões (mm)

Comprimento

Largura

Espessura

2. Matéria-Prima

Quartzo, Quartzito, Sílex, Calcedônia, Arenito, etc

3. Proveniência

Seixo, Bloco, Plaqueta, Cristal

4. Suporte do Artefato

Lasca Unipolar, Produto Bipolar, Núcleo, Suporte Natural

5. Descrição da Estrutura do Suporte

6. Análise dos Negativos de Debitagem, Façonnage e Retoque

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150

Morfologia, Número de Sequencias, Dimensão, Posição, Localização,

Delineamento do Gume.

7. Análise das UTFs Transformativas

Caracterização do Plano de Corte e do Plano de Bico (Ângulo e Forma)

Preensão

Funcionamento