Método 2 - Psicologia

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Psicologia: O Método II Jorge Barbosa A recolha de dados é o processo central da testagem das hipóteses. Um conceito nuclear de todas as abordagens científicas é o de variável. O termo variável refere-se a tudo o que se altera ou pode ser alterado. Numa pessoa, as variáveis podem referir-se ao peso, à altura, ao QI, ao grau de felicidade, etc.. Podemos considerar algo que difere entre as pessoas ou algo que se modifica numa pessoa como sendo uma variável. Em geral, todas as formas de pesquisa científica em Psicologia se interessam a respeito da forma como as variáveis se relacionam umas com as outras. Os investigadores escolhem os seus métodos de pesquisa, em função da sua compreensão conceptual das variáveis em jogo. Um outro elemento fundamental de qualquer investigação científica são as condições logísticas necessárias para levar a cabo a investigação. Investigação Científica A investigação pode, também, ser realizada num ambiente naturalista. A observação naturalista permite descobertas que os investigadores dificilmente poderiam obter em ambiente laboratorial. Setembro, 2009 Um problema comum aos questionários e entrevistas é a tendência dos participantes a responder às questões de uma forma que lhes parece a mais adequada ou desejável socialmente, em vez de dizer o que pensam ou sentem de facto. 3 5

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Psicologia: O Método II

Jorge Barbosa

A recolha de dados é o processo central da testagem das hipóteses. Um

conceito nuclear de todas as abordagens científicas é o de variável. O

termo variável refere-se a tudo o que se altera ou pode ser alterado. Numa

pessoa, as variáveis podem referir-se ao peso, à altura, ao QI, ao grau de

felicidade, etc.. Podemos considerar algo que difere entre as pessoas ou

algo que se modifica numa pessoa como sendo uma variável. Em geral,

todas as formas de pesquisa científica em Psicologia se interessam a

respeito da forma como as variáveis se relacionam umas com as outras. Os

investigadores escolhem os seus métodos de pesquisa, em função da sua

compreensão conceptual das variáveis em jogo. Um outro elemento

fundamental de qualquer investigação científica são as condições

logísticas necessárias para levar a cabo a investigação.

Investigação Científica

A investigação pode, também, ser realizada num ambiente naturalista. A observação naturalista permite descobertas que os investigadores dificilmente poderiam obter em ambiente laboratorial.

Setembro, 2009

Um problema comum aos questionários e entrevistas é a tendência dos participantes a responder às questões de uma forma que lhes parece a mais adequada ou desejável socialmente, em vez de dizer o que pensam ou sentem de facto.

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2 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Observação naturalista: Observação realizada em ambiente do mundo real, sem manipulação ou controlo da situação. Variável: algo que pode ser alterado ou alterar-se Definição Operacional: descrição objectiva de como uma variável a investigar vai ser medida e observada. Hipótese: ideia derivada de uma teoria para explicar um ou mais fenómenos. Corresponde à predição que vai ser testada.

Condições Logísticas

Qualquer tipo de investigação –

descritiva, correlacional ou

experimental – pode ser levada a

cabo em diferentes condições:

por outras palavras, não são as

condições da investigação que

determinam o tipo de pesquisa a

realizar, ou realizada. As condições

mais vulgares são as laboratoriais e

as naturais.

Muitas vezes os investigadores

precisam de controlar variáveis

independentes (factores) que

podem influenciar o

comportamento dos sujeitos, mas

que não são o foco central da

pesquisa. Normalmente, este tipo

de investigações é levado a cabo

num laboratório, um ambiente

controlado, onde muitos dos

complexos factores do mundo real

são removidos.

Embora a pesquisa laboratorial nos

garanta um bom nível de controlo,

a verdade é que também

apresenta algumas limitações:

1. É quase impossível realizar

uma experiência em

laboratório, sem que os

participantes se dêem

conta de que estão a ser

objecto de um estudo.

2. As condições do

laboratório não são

naturais e podem induzir

os participantes a ter

comportamentos também

não naturais.

3. Os sujeitos que se dispõem

a deslocar-se a um

laboratório de uma

Universidade não

representam

adequadamente grupos

de diferentes estatutos

culturais.

4. Alguns aspectos do

funcionamento da mente

e do comportamento

humano são difíceis (ou

mesmo impossíveis) de ser

testados em laboratório.

Por exemplo, os estudos

laboratoriais sobre certos

tipos de stress só podem

ser realizados se o

investigador abdicar

completamente de

princípios éticos e adoptar

um comportamento

condenável.

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Investigação Científica

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3 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Teoria: uma ideia geral ou um conjunto de ideias relacionadas entre si que tentam explicar certas observações. Variável: algo que pode ser alterado ou alterar-se Definição Operacional: descrição objectiva de como uma variável a investigar vai ser medida e observada. Hipótese: ideia derivada de uma teoria para explicar um ou mais fenómenos. Corresponde à predição que vai ser testada.

Condições Logísticas (cont.)

A investigação pode, também, ser

realizada num ambiente

naturalista. A observação

naturalista permite descobertas

que os investigadores dificilmente

poderiam obter em ambiente

laboratorial. Por exemplo, o

modelo bioecológico do

desenvolvimento de

Bronfenbrenner baseia-se

essencialmente em investigação

naturalista. A observação

naturalista consiste na observação

do comportamento em ambientes

do mundo habitual dos sujeitos. Os

psicólogos realizam observações

naturalistas em acontecimentos

desportivos, em centros de dia, em

locais de trabalho, em centros

comerciais e em outros locais que

as pessoas frequentam. Suponha

que queria estudar o nível de

civismo que existe na sua escola.

O mais provável é que tivesse de

incluir algumas observações

naturalistas sobre como as pessoas

lidam umas com as outras no bar,

na cantina, no recreio, na sala de

aula, na biblioteca, etc.

Observação naturalista foi o que

foi usado numa pesquisa, referida

no documento anterior, sobre as

conversas que os pais mantêm

com os filhos num Museu de

Ciência. Como já foi dito, os

investigadores (Crowley e outros,

2001) descobriram que os pais

davam três vezes mais explicações

a rapazes do que a raparigas.

Sugeriram, a partir deste estudo,

que os rapazes mostram mais

interesse pelas ciências do que as

raparigas, em parte, porque são

mais estimulados a isso do que

elas.

Num outro estudo do mesmo

género, descobriu-se que pais

americanos de origem mexicana,

que tinham completado o 12º ano,

davam muito mais explicações

aos seus filhos num museu de

ciência, do que pais americanos

de origem mexicana, com menor

formação académica.

Um dos problemas da observação

naturalista é o de muito

dificilmente dar origem a

conclusões inovadoras. Para se

chegar a esse tipo de conclusões,

é necessário muito tempo de

estudo e sobretudo um muito bom

problema científico, susceptível de

ser estudado num ambiente

naturalista.

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Investigação Científica

Page 4: Método 2 - Psicologia

4 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Uma forma de estudar variáveis psicológicas é o estudo de caso. Os investigadores, muitas vezes recorrem aos estudos de caso para compreender indivíduos que sofrem de perturbações psicológicas. Mas poderiam igualmente utilizar o estudo de caso para abordar as razões que tornam um indivíduo particular numa pessoa psicologicamente saudável.

Imagine que lhe era pedido que fizesse um estudo de caso sobre o bem-estar psicológico. Pense na pessoa mais saudável e feliz que conhece. E agora imagine as seguintes questões:

• O que é que faz dessa pessoa um bom exemplo para um estudo de caso?

• Como iria recolher os dados para esse estudo?

• Que tipo de questões lhe faria?

• Com esse estudo, o que é que poderia aprender, em termos gerais sobre a saúde psicológica?

Algumas teorias psicológicas importantes resultaram de investigação

descritiva, que consiste fundamentalmente no tratamento de

observações e registos de comportamentos. Só por si, a investigação

descritiva não consegue chegar à causa dos fenómenos, mas pode

revelar informações importantes a respeito de comportamentos e

atitudes das pessoas. Os métodos de investigação descritiva incluem

Observação, Questionários e Entrevistas, Testes Estandardizados e

Estudos de Caso.

Observação

Imagine que quer estudar como é que as crianças resolvem conflitos

entre si, quando estão a fazer um jogo. Está, portanto interessado em

dados sobre a resolução de conflitos. O primeiro passo será deslocar-se

a um sítio onde as crianças costumam jogar e observar o que as

crianças fazem: quantas vezes ocorrem e como decorrem as resoluções

de conflitos. Tirará notas cuidadosas e pormenorizadas de tudo o que

observar.

Este tipo de observação científica exige um importante conjunto de

competências. A não ser que seja um observador treinado que ponha

em prática regularmente as suas competências neste domínio da

observação, o mais certo é que não saiba para onde olhar, que não se

lembre do que viu e pode ter dificuldade em comunicar as suas

observações a outras pessoas. Para além disso, pode ser conveniente

Investigação Descritiva

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5 Jorge Barbosa, Setembro 2009

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dispor de mais do que uma pessoa

para realizar a observação, de

modo a garantir o rigor das

observações realizadas.

Por outro lado, as observações

têm de ser sistemáticas, para que

possam ter alguma eficácia e,

sobretudo, é necessário ter ideias

claras a respeito daquilo que se

pretende observar.

Um pormenor técnico importante:

antes de se iniciar qualquer

observação científica, é

absolutamente indispensável que

sejam definidos os instrumentos de

registo (escrito, gravação sonora,

gravação em vídeo, etc.)

Questionários e

Entrevistas

Às vezes, a forma mais rápida e

melhor de obter informações sobre

as pessoas é mesmo perguntar-

lhes por elas. Uma técnica é a da

entrevista. Outra técnica,

semelhante, mas especialmente

destinada à recolha de

informações a respeito de muitas

pessoas, é o inquérito por

questionário. Através de um

conjunto de perguntas

estandardizadas, os questionários

recolhem informações sobre

atitudes ou crenças das pessoas

em causa. Num bom questionário,

as perguntas são claras,

permitindo que os sujeitos

respondam sem ambiguidade.

Os questionárfios e entrevistas

podem aplicar-se a um conjunto

muito vasto de problemas, desde

as crenças religiosas aos hábitos

sexuais.

Algumas questões das entrevistas

e dos questionários podem ser não

estruturadas e abertas, do tipo,

“como avalia a sua satisfação

com o tipo de funções que

desempenha no seu local de

trabalho?”. Com este tipo de

questões, obtém-se uma resposta

única de cada sujeito. Outras

perguntas dos questionários ou

entrevistas são mais estruturadas e

questionam sobre coisas muito

específicas, por exemplo,

“quantas vezes partilhou com o(a)

seu (sua) melhor amigo (a)

problemas pessoais no último mês?

– 0, 1-2, 3-5, 6-10, 11-30, todos os

dias?”.

Um problema comum aos

questionários e entrevistas é a

tendência dos participantes a

responder às questões de uma

forma que lhes parece a mais

adequada ou desejável

socialmente, em vez de dizerem o

que pensam ou sentem de facto.

Exemplo: um questionário, levado

a cabo pela Organização Gallup,

nos USA, em 1999, sobre quais os

problemas mais sérios que a

escola enfrentava, revelou que:

43% dos americanos referiram as

drogas, 40%, o sexo, 39% a

disciplina na sala de aula, 28% a

violência, e 25% a pressão social

para os alunos serem populares.

Page 6: Método 2 - Psicologia

6 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Testes Estandardizados

Um teste estandardizado tem duas

características: as respostas do sujeito

correspondem a um único resultado, ou

conjunto de resultados, que diz algo a respeito

desse sujeito; o resultado do indivíduo é

comparado com resultados de um grande

grupo de pessoas, para determinar a sua

posição relativa no interior desse grupo. Os

testes estandardizados mais comuns são os

testes de QI (quociente de inteligência).

Os resultados nos testes estandardizados são,

muitas vezes, apresentados em percentis.

Suponha que obteve um resultado no exame

do 12º ano que se situa no 92º percentil. Este

resultado significaria que 92% das pessoas do

grande grupo (os que fizeram o mesmo exame)

tiveram um resultado inferior ao seu.

A principal vantagem dos testes

estandardizados é que fornecem informações

sobre as diferenças individuais. No entanto, o

problema é que não são bons para predizer

resultados futuros em situações diferentes das

testadas. Um outro problema dos testes

estandardizados é que se baseiam na crença

de que o comportamento das pessoas é

estável e consistente, apesar de a inteligência e

a personalidade – os principais alvos dos testes

estandardizados – poderem variar de acordo

com a situação. Por exemplo, um determinado

sujeito pode obter resultados mais fracos num

teste de inteligência numa sala de aula, do que

os que obteria se o fizesse sossegadamente em

casa; em contrapartida, um outro sujeito seria

mais descuidados na realização do teste em

casa, pelo que obteria melhores resultados na

sala de aula.

Os testes estandardizados são vistos com muito

criticismo (ver conceito de criticismo científico

no documento anterior) sobretudo quando

aplicados a membros de grupos minoritários,

alguns dos quais foram precipitadamente

considerados atrasados mentais em função de

resultados obtidos em testes estandardizados

de inteligência. Sujeitos de culturas diferentes

podem ter experiências que os levem a

interpretar e a responder às questões de uma

forma muito diferente da das pessoas para

quem o teste foi estandardizado.

Estudo de Caso

O estudo de caso é uma análise em

profundidade de um único indivíduo. Os

estudos de caso são sobretudo realizados por

psicólogos clínicos, quando, por razões práticas

ou éticas, os aspectos singulares da vida de um

indivíduo não podem ser duplicados e testados

em outros indivíduos. Na expressão Psicólogo

Clínico, o termo clínico quer dizer isso mesmo:

que o psicólogo procura os aspectos singulares

de uma determinada pessoa. Erradamente,

muitos associam o termo clínico exclusivamente

à medicina. De facto, o diagnóstico clínico,

mesmo que se apoie em testes estandardizados

(análises ao sangue ou testes de QI) é o que

valoriza a singularidade do indivíduo, no

domínio da psicologia, da medicina ou em

outro qualquer. Um estudo de caso fornece

informações acerca dos objectivos, das

esperanças, das fantasias, dos medos, etc., de

uma determinada pessoa. Freud, por exemplo,

desenvolveu toda a sua teoria da Psicanálise

com base em estudos de caso de indivíduos

que sofriam de problemas psicológicos.

Mas os estudos de caso não se aplicam

exclusivamente ao estudo de problemas ou de

doenças. Por exemplo, Erik Erikson, em 1969,

realizou um estudo de caso sobre a vida de

Page 7: Método 2 - Psicologia

7 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Mahatma Gandhi, para tentar descobrir como

é que ele tinha desenvolvido a sua poderosa

identidade espiritual, sobretudo na juventude.

Juntando as peças do desenvolvimento da

identidade de Gandhi, Erikson descreveu as

contribuições da cultura, da história, da família

e vários outros factores que poderiam afectar o

desenvolvimento da identidade em outras

pessoas.

Os estudos de caso fornecem informações

detalhadas das vidas das pessoas, mas

devemos ser muito cuidadosos quando

queremos generalizar essa informações. O

sujeito do estudo de caso é único, com uma

formatação genética e de história de vida que

mais ninguém possui. No entanto, os estudos de

caso podem ser úteis para gerar ideias que

mereçam ser testadas em outras investigações

empíricas.

Page 8: Método 2 - Psicologia

8 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Algumas investigações psicológicas relacionam-se com observações sistemáticas

de variáveis numa amostra de indivíduos. Estes estudos procuram identificar as

relações entre duas ou mais variáveis, tendo em vista descrever como é que

essas variáveis se alteram umas às outras. Este tipo de pesquisa é, por vezes,

chamado investigação correlacional, em virtude da utilização da técnica

estatística de correlação na análise dos dados. Quanto mais dois fenómenos

estiverem correlacionados, mais eficientemente poderemos predizer um

fenómeno a partir do outro. A característica distintiva do estudo correlacional é

que as variáveis que interessam são medidas, mas não manipuladas, pelo

investigador. Isto é: o investigador mede simplesmente as variáveis que

interessam para ver como se relacionam; não é feita qualquer tentativa para

alterar o valor de qualquer variável.

O grau de correlação entre duas variáveis é expressa num valor numérico

chamado coeficiente de correlação, representado pela letra r). Admitamos que

temos dados sobre a relação entre o número de horas que as pessoas dedicam

ao voluntariado (variável x) e nível de satisfação com a vida dessas pessoas

(variável y). Admitamos agora que esses dados produzem um coeficiente de

correlação de +.70. Esta correlação significaria que as duas variáveis (x e y)

seriam frequentemente verificadas juntas na mesma pessoa. No entanto, não

seria tão frequente quanto essas pessoas gostariam que fosse (ver quadro ao

lado). A regra para determinação da força de correlação é simples: quanto mais

próximo o número estiver de 1.00, mais forte é a correlação; inversamente,

quanto mais próximo estiver de 0.00, mais fraca é a correlação.

Investigação Correlacional

1.00 – relação perfeita: os dois factores ocorrem sempre juntos.

.76-.99 – relação muito forte: os dois factores ocorrem juntos muito frequentemente.

.51-.75 – relação forte: os dois factores ocorrem frequentemente juntos.

.26-.50 – relação moderada: os dois factores ocorrem juntos ocasionalmente.

.01-.25 – relação fraca: os dois factores raramente ocorrem juntos.

.00 – relação nula: os dois factores nunca ocorrem juntos.

Page 9: Método 2 - Psicologia

9 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Correlações Positivas e Negativas

O valor numérico de um coeficiente de correlação

situa-se sempre entre –1.00 e +1.00. O número da

correlação refere-se à força da correlação, e o sinal

(+ ou -) refere-se ao sentido da relação entre as

duas variáveis. Assim, os valores negativos não

indicam um valor mais baixo do que um valor

positivo. Uma correlação de -.65 é tão forte quanto

uma correlação de +.65; o coeficiente de

correlação de -.87 está mais próximo de -1.00,

indicando, por isso, uma correlação mais forte do

que o coeficiente de +.45.

O sinal de mais ou de menos indica-nos o sentido da

relação entre as duas variáveis. Uma correlação

positiva é uma correlação em que os dois factores

variam no mesmo sentido. Ambos os factores

tendem a aumentar, ou tendem a diminuir em

conjunto. Assim, reutilizando um exemplo anterior,

quanto mais as pessoas se dedicam ao

voluntariado, mais satisfeitos estão com as suas

vidas. Uma correlação positiva significa também

que as pessoas que dedicam pouco tempo ao

voluntariado também manifestam menos satisfação

com as suas vidas. As duas correlações são, neste

caso, positivas. Uma correlação negativa, pelo

contrário, é uma relação em que quando uma

variável aumenta, a variável associada diminui. Por

exemplo, poderíamos encontrar que um maior

número de horas gastas a ver televisão está

associado a uma menor satisfação com a vida que

as pessoas levam. Neste caso, as duas variáveis

estariam negativamente correlacionadas.

Correlação e Causalidade

Na tentativa de dar sentido ao nosso mundo, muitas

pessoas utilizam as correlações de uma forma muito

errada. Analisemos os seguintes títulos possíveis de

jornal:

• Investigadores associaram o consumo de café

ao cancro no pâncreas;

• Cientistas encontraram associações entre pêlos

nas orelhas e ataques de coração;

• Psicólogos descobriram relações entre o estado

civil e saúde.

Ao ler estes títulos, muitas pessoas poderão

precipitar-se a pensar que o café provoca cancro,

que os pêlos nas orelhas provocam ataques do

coração, e por aí fora. Mas as palavras a negrito

são sinónimos de correlação, mas não de

causalidade. Lembremos que correlação significa

simplesmente que duas variáveis se modificam em

conjunto. Ser, por isso, capaz de predizer um

fenómeno a partir de um outro que lhe esteja

associado nada diz a respeito da relação causal

entre os dois. Por vezes, uma variável exterior às

duas variáveis associadas pode explicar melhor a

relação entre as duas. Chama-se a isto o problema

da terceira variável.

Para compreender o problema da terceira variável,

vejamos o seguinte exemplo (referido em certos

manuais). Uma investigadora mediu duas variáveis:

o número de gelados vendidos numa cidade e o

número de crimes violentos cometidos nessa mesma

cidade durante um ano. Encontrou que a venda de

gelados e a prática de crimes violentos apresentam

uma correlação de +.50. Esta correlação significa

que quanto mais gelados se vendem, mais crimes

violentos são praticados. Mas será legítimo dizer que

“o consumo de gelados gera violência”?. Claro que

não. O que acontece é que quando está calor

(terceira variável) aumentam os crimes violentos e o

consumo de gelados.

Tendo em conta os potenciais problemas com a

terceira variável, por que razão continuam os

investigadores a realizar estudos de natureza

correlacional? Há algumas boas razões para isso:

Page 10: Método 2 - Psicologia

10 Jorge Barbosa, Setembro 2009

1. Algumas questões importantes só podem ser

investigadas através de estudos correlacionais.

Essas questões envolvem variáveis que não

podem ser manipuladas, como sexo biológico,

traços de personalidade, factores genéticos,

etc.

2. Por vezes, as variáveis que interessam são

acontecimentos do mundo real que influenciam

as vidas das pessoas, como o efeito de uma

catástrofe, de um atentado, etc.

3. A pesquisa correlacional também se aplica nos

casos em que não seria ético levar a cabo

experiências de manipulação de variáveis,

como, por exemplo, experimentar como a

variação do consumo de cigarros em grávidas

afecta as condições em que nasce a criança.

4. Os estudos correlacionais são também úteis

quando o objecto da investigação é post hoc

(após os factos) ou histórico, como a

investigação sobre as condições de vida de

comunidades que tiveram sucesso.

Uma forma de combater os efeitos perniciosos da

terceira variável é incluir essas variáveis em estudos

que adoptam uma abordagem multivariada – um

método que envolve mais do que as duas principais

variáveis em estudo. Por exemplo, podemos medir o

efeito do consumo do tabaco no cancro da laringe,

controlando o consumo do álcool, a dieta, o peso

corporal, o ambiente familiar, etc.. Mesmo assim, a

correlação não pode ser assumida como

implicando causalidade; os estudo de correlação

só demonstram a probabilidade de um

acontecimento ser precedido por um outro, sendo

o conceito de causalidade referido a esta

probabilidade.

Uma outra forma de contornar o problema da

terceira variável é realizar estudos longitudinais. O

estudo longitudinal consiste na recolha de medidas

de variáveis ao longo do tempo. Os estudos

longitudinais correspondem a um tipo especial de

observações sistemáticas e de obtenção de

medidas de variáveis pertinentes ao longo de um

certo tempo. Pretende-se demonstrar que a

probabilidade de a variável x anteceder a variável

y é mais ou menos constante no tempo, indicando

uma possível relação causal, correspondente ao

valor da probabilidade determinada.

Foram estudos multivariados e estudos longitudinais

que permitiram demonstrar, por exemplo, que o

consumo de tabaco pode provocar cancro, na

medida em que as duas variáveis (consumo de

tabaco e cancro) mantêm entre si uma correlação

positiva significativa; controlando terceiras variáveis,

como estilo de vida, dieta, etc., verificou-se que elas

se reforçam mutuamente, mas não invalidam a

probabilidade associada exclusivamente ao

consumo do álcool. Note-se que não é correcto

dizer que o consumo de tabaco provoca cancro,

mas que o consumo de tabaco tem uma

probabilidade elevada de provocar cancro. Este é

o tipo de relação causal que é possível estabelecer

a partir de estudos correlacionais.

Page 11: Método 2 - Psicologia

11 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Variável independente – factor manipulado numa experiência.

Variável dependente – Factor que se altera, em resultado da manipulação da variável independente.

Grupo experimental – grupo em que a experiência é manipulada.

Grupo de controlo – grupo similar ao grupo experimental que é sujeito a experiência não manipulada.

Validade – repercussão das conclusões retiradas da experimentação

Investigação Experimental

Como vimos, se duas variáveis estiverem correlacionadas, é possível que exista

uma relação causal entre elas. Mas a correlação não nos dá a certeza sobre o

sentido dessa relação causal. Será que X causa Y, ou será que é Y que causa X?

Por exemplo, várias investigações científicas verificaram que a vida com

significado (com sentido) é positivamente correlacionada com o bem-estar

psicológico. Poderíamos, então, afirmar que existe uma relação causal provável:

as pessoas que encontram sentido para as suas vidas têm mais saúde psicológica

(são mais felizes, digamos). No entanto, algumas investigações também

demonstram que quem tem bem-estar psicológico mais facilmente encontra

sentido para a sua vida; e pessoas, por exemplo deprimidas, têm muita

dificuldade em encontrar esse tal significado para as suas vidas. Ora, este é o

problema central dos estudos correlacionais. Em muitos casos, parece-nos óbvia

a forma como as duas variáveis se relacionam, como é o caso da relação entre

o consumo de tabaco e o cancro: ninguém se atreve sequer a pensar que é o

cancro que provoca o consumo de tabaco. No entanto, este atrevimento, do

ponto de vista estritamente correlacional, estatístico, é legítimo.

A investigação experimental é precisamente o tipo de pesquisa que, em

Psicologia, pretende estabelecer o sentido da relação causal entre duas ou mais

variáveis. Uma experiência, em Psicologia, consiste num procedimento

cuidadosamente regulado, onde são manipuladas uma ou mais variáveis que,

segundo a hipótese ou hipóteses formuladas, se acredita terem influência no

comportamento que está em estudo. Se o comportamento se altera na

sequência da manipulação de uma variável, dizemos então que a variável

manipulada é a causa da alteração do comportamento. Se a manipulação da

variável não altera o comportamento, não podemos confirmar a hipótese.

Page 12: Método 2 - Psicologia

12 Jorge Barbosa, Setembro 2009

Variáveis Independentes e Variáveis Dependentes

As experiências têm dois tipos de variáveis:

• As variáveis independentes são os factores

que são manipulados pelo experimentador.

O termo independente quer significar que

esses factores podem ser manipulados,

independentemente de outros factores,

para determinar os seus efeitos. Por

exemplo, num estudo em que se pretenda

demonstrar que o bom humor gera

felicidade nas pessoas, o humor seria a

variável independente (bom humor contra

humor neutro – nem bom nem mau; não

pode ser contra mau humor, porque pode

acontecer que o mau humor gere

infelicidade, não sendo certo que o bom

gerasse felicidade). As medidas da variável

independente (humor) seriam bom humor e

humor neutro (desde que se contemple a

medida humor neutro, nada impede que a

experiência contenha uma outra medida, a

de mau humor)

• As variáveis dependentes são o factor que

se altera numa experiência, em resultado

das alterações da variável independente.

No estudo anterior, a manipulação do

humor (ora bom, ora neutro) poderia

provocar o efeito felicidade quando se

verificasse a dimensão bom humor. A

felicidade seria então a variável

dependente. Se a medida da variável

dependente (neste caso, felicidade) não se

altera com a manipulação da variável

independente, então a hipótese não é

confirmada.

Grupos experimentais e Grupos de controlo

As experiências podem envolver um ou mais grupos

experimentais e um ou mais grupos de controlo:

• O grupo experimental é aquele onde a

variável independente é manipulada;

• O grupo de controlo é um grupo em tudo

similar ao grupo experimental, onde não é

manipulada a variável independente. O

grupo de controlo serve assim como linha

de base do comportamento dos sujeitos,

permitindo a comparação dos seus

resultados com os do grupo experimental,

como forma de verificar se os

comportamentos observados no grupo

experimental podem efectivamente ser

relacionados com a manipulação da

variável independente, ou se pouco ou

nada diferem dos resultados do grupo onde

a variável não foi manipulada.

Validade da Investigação Experimental

Validade refere-se ao impacto das conclusões

retiradas de uma experiência.

A validade ecológica refere-se à extensão da

representatividade dos resultados experimentais à

vida do quotidiano. Isto é: será que os métodos e as

conclusões experimentais são generalizáveis ao

mundo real?

Imagine que um investigador está interessado em

estudar a influência do humor na resolução de

problemas. Escolhe, então, um grupo de sujeitos

que vai ouvir música alegre (indutor de boa

disposição) e um outro que vai ouvir música triste

(indutor de humor negativo). Depois, dá a cada

participante uma caixa de legos e pede-lhes que

Page 13: Método 2 - Psicologia

13 Jorge Barbosa, Setembro 2009

construam o maior número de coisas de que sejam

capazes com cada jogo, enquanto ouvem a

música de fundo que lhes foi destinada.

Suponhamos agora que os sujeitos do grupo que

ouviu música alegre encontrou um maior número

de soluções para as peças do jogo do que o grupo

que ouviu música triste. Poderia, então, o

investigador confirmar a hipótese segundo a qual o

humor influencia a capacidade de resolução de

problemas, sendo que o bom humor aumenta essa

capacidade, ou o mau humor diminui, ou as duas.

A questão que se levanta ao nível da validade

ecológica destes resultados é a que tem a ver com

as seguintes reflexões:

• Será que o tipo de humor, estudado nesta

experiência é semelhante àquele que

caracteriza o humor das pessoas na sua

vida do quotidiano?

• Até que ponto encontrar soluções para um

jogo de legos corresponde à criatividade

que interessa para a vida das pessoas em

contexto não experimental?

Em resumo, a validade ecológica é aquela que é

determinada pela adequação do método e das

características das variáveis experimentadas à vida

do quotidiano das pessoas. Há investigação

científica muito interessante em Psicologia sem

grande validade ecológica. Essas investigações

normalmente procuram estudar processos mentais,

em situações em que os problemas a resolver pelos

sujeitos são muito específicos e pouco comuns na

vida do dia a dia. As conclusões que se tiram neste

tipo de investigações dizem normalmente respeito a

sujeitos ditos epistémicos, isto é, sujeitos abstractos,

pretensamente universais, de conhecimento.

A validade interna diz respeito à medida em que a

variável dependente depende da manipulação da

variável independente. A este nível, pretende-se

verificar até que ponto foram evitados

enviesamentos experimentais ou erros lógicos. O

instrumento de verificação da validade interna é de

natureza matemática. A ausência de validade

interna de uma experiência torna ilícitas quaisquer

conclusões que sejam tiradas dela, sendo mesmo

irrelevante qualquer debate sobre a validade

ecológica.

Enviesamento Experimental

Os investigadores podem influenciar subtilmente

(muitas vezes, inconscientemente) os resultados dos

participantes. O enviesamento experimental

acontece quando as expectativas do

experimentador influenciam os resultados da

experiência.

Um estudo clássico, pouco referido, é o que

Rosenthal, em 1966, fez a respeito das capacidades

intelectuais de ratos em labirintos. Distribuiu ratos, ao

acaso, por estudantes, a quem pediu que testassem

a sua capacidade de resolução de problemas em

labirintos. Ao acaso também, informou que metade

dos ratos era brilhante em labirintos e a outra

metade tinha muitas limitações em tarefas de

labirintos. Cada um destes dois grupos de ratos foi

entregue a cada grupo de estudantes que

testaram, possuidores destas informações, a

facilidade com que cada rato percorria o labirinto

em diferentes condições de exigência variável, mas

igual para todos os ratos. Os resultados foram

espantosos. Os ditos ratos brilhantes tiveram mais

sucesso do que os ditos menos inteligentes. Note-se

que Rosenthal distinguiu a inteligência dos ratos de

forma completamente aleatória, sendo que, à

partida, não havia razões para pensar que de facto

havia ratos mais inteligentes uns do que outros.

Estes resultados põem em evidência um

enviesamento experimental típico nas tarefas de

avaliação de competências. As expectativas dos

experimentadores, neste caso os estudantes,

afectam o desempenho dos ratos em labirintos.

Outras experiências mostram o mesmo efeito

Page 14: Método 2 - Psicologia

14 Jorge Barbosa, Setembro 2009

quando se avaliam competências de humanos. Só

que a experimentação destes efeitos com humanos

pode levantar muitas questões éticas, sobretudo se

for realizada em contexto de sala de aula com

alunos e professores reais.

Tal como os investigadores, os sujeitos das

experiências podem também ter expectativas,

acerca do que é suposto fazerem durante a

experiência, que originam enviesamentos

experimentais. Estas expectativas também podem

afectar os resultados. Um dos enviesamentos mais

frequentes é o efeito placebo, que acontece

quando as expectativas dos participantes, mais do

que a manipulação experimental, produz um

resultado experimental significativo. No efeito

placebo, referido, por exemplo, em farmacologia,

uma substância inerte pode ter resultados idênticos

aos efeitos de um medicamento com substâncias

activas. Em psicologia, nas investigações sobre a

dor, por exemplo, também é, muitas vezes, difícil

contornar os enviesamentos experimentais, com

origem nos sujeitos. O mesmo acontece em

investigações sobre estratégias de aprendizagem. O

investigador pode ser iludido pelos resultados, se os

sujeitos tiverem expectativas, sobre como devem

proceder, que não coincidem com o que está a ser

testado.

Jorge Barbosa

Vila Nova de Gaia, 2009

Page 15: Método 2 - Psicologia

Bibliografia

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