meu coração bate teu, e isso é foda

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uns escritos de campo santo leituga, esse livreto publicado pelo selo candeeirocafe em outubro 2013

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meu coração bate teu, e isso é foda

campo santo leituga

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Eu nunca tive um terno italiano blues

e fico triste, coração meu

Parte de mim sobra de tudo

mas eu nunca tive um terno

nem sequer vagabundo

(e a moça com a cabeça aberta,

na louça, sorri)

Ah, eu nunca tive um terno italiano blues!

Meu bem, tu partiu

Céu azul, flores perfumadas

são as lágrimas de um coração ateu

que acredita em tudo

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Bodas de ouro

Amor amar

O concreto rígido estoura minha cabeça

O sangue espelhado é sobremesa

A consciência elétrica está aberta

Meu miolo migalhas de pão

arremessadas aos pombos

de um domingo febril, coração!

Vida, Vida, Vida

No meio da minha hemorragia

lembro-me do Tibete

lembro-me do inferno

Tenho o teu sorriso

lá onde está o infinito

(mas há dias que não sinto)

Moscas fazem vermes

Há tanta vida em mim!

Sonho, sonhar

Miríade de miragens e em uma o teu olhar

Placas metálicas versão minha cabeça

Você com pedra na mão a estraçalhar minha face

pedindo perdão,

e lá no fim...

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O cu e o amor na terra do Babilônia

I

Saliva, meu amor

Saliva pra lubrificar o nosso amor

Para seu drama de cu

não ser dolor

Pra também não rimares

mais versos de horror

Ah, conjugar o verbo amar:

Cinquenta reais a mais

e tudo se torna belo, sublime, celestial

em nossa técnica de conjugar

o verbo sacanear

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II

Noite de carnaval

Toda vez que vejo aquele rabo,

tenho a impressão que o samba vem aí!

A felicidade está de pau duro

Ejaculou na imensa vagina lunar

Brilha a lua o esporro do sol

Salve o sexo nos seres feitos de pedra,

pois hoje é noite de carnaval!

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III

Se monotonia é sinônimo de felicidade,

eu sou feliz em parte.

Monstros reluzentes nas vitrines

Céu rasgado de ponta a ponta

Um milhão de gigantes grávidas

concebem mísseis de confete atômicos em flor

nas milícias do rei Momo

que fazia odes anacrônicas

dedicadas à cabeça decapitada de João Batista

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IV

quarta- feira edgard neto, leituga

Meu peito coração pernas abertas

estrada de putas, fanáticos, malandros

reis lunáticos

pernas fêmeas férteis indeléveis

meu coração é um pudendo feminino

meu príapo imensidão

IMENSIDÃO

em meu peito

a ti

não basta

são pernas, coração

o homem a mulher

amplidão

Somos seres cheios de nada

e a devassidão nos rege

regnus mundi

Falanges de áridos caralhos pleiteiam solenes mulheres de burca

em plena quarta-feira de cinzas

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Abaporojucaiba

I

O estupro

O genocídio

Que linda miscigenação!

Ando pelas ruas feito mula

Anulado

Sou mulato

Iracema

América do sul

Toda a beleza parou lá no centro do cu

Não existe pecado na banda de baixo!

Índios lobotomizados cavalgam em mulas loucas em

pleno palácio da América Bárbara Latina

Sem pátria

Sem patrão

Só a maloca, né não?

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II

vim da Selva, sou leão, sou demais pro seu quintal

Vamos ao desfile do sete de setembro na Presidente Vargas

Ver o sangue derramado de crianças límpidas na praça

Ver seu coro esticado em um imenso varal

Ver seu amor inocente incendiado no reverso das tripas

do primeiro ódio de um dia de Domingo

Ver as cabeças das putas jorrarem pus e esperma

A partir das sete

abrindo o dia da independência

na avenida da entregação

Eu quero estar fora Ao mesmo tempo dentro Em lugar algum

Queimarei a bandeira da nação

e instalarei um novo senso indígena

para a retransmissão de um pensamento yorubá

Tomaremos os palácios Falaremos de tudo dentro do nada

Não há portas

e meu sangue afogará toda a cidade

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Realidade

as ruas com suas caras vazias

as ruas com suas toneladas de nóias

as ruas e seus cães passando fome

as ruas e todo dia é dia de domingo

as ruas e eu não precisamos imaginar tudo

as ruas são mais solitárias que as coroas putas

as ruas há muito não usam mais pó de arroz

meianoite

eu sou a tristeza deplorável das ruas

daqui eu vejo

a linda menina loira mira o espelho

os cacos atravessam sua alma

derretida

diluída

no fundo do palácio

trancada

a velha mira a morte e sorri –

e as ruas permanecem iluminadas por nós ou por nada!

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Planeta vermelho

Velocidade!

mais uma cabeça estourada

mais uma mãe em pranto

mais um ódio

(hoje contabilizei 20 mortes no meu corpo)

Luzes da cidade

a RioBahia – silêncio

O sol sempre surge com cheiro de sangue.

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Uma imagem memorável (ou Bill Evans pedindo paz)

I

Eu pensei em sair da grade, escorreguei feito geleia por entre as

frestas, uma estranha paz me alucina... o barulho dos homens

trabalhando as facas os gritos o crime hediondo: os meninos

jogam bola com o crânio dos mortos. O mundo não é essa

parede ilustrada onde “vencer” é somente parede e espada sem o

fio, sem navalha. Vou seguindo vento ao Sol, a minha MENTE

em estado de calefação acompanha as massas, uma tempestade de

sangue se dispersa e se reagrupa por entre as bordas do desespero

alheio; a linda cumulus nimbus de sangue fez chover uma horda de

estranha paz... requiem para as últimas ilusões e

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II

aos amigos

Gotas solenes caem sobre a cidade. Não é água, elemento algum

das jornadas estelares. São sensações. É o jazz. É o teu sorriso.

Sim, aquele sorriso da vida te flertando com estranha doçura!

Sim, um jato cruza as paredes do ar e o sol machuca meus olhos

– saiba que não são lágrimas em meus olhos, saiba que durmo

tranquilo, enquanto o assassino sangra as dobras do meu delírio.

Você nem percebeu como as ruas estão estranhas, como todos

surgem de nossas entranhas, e como essa gente toda é estranha...

louca vida: barulho, confusão, confissões de crimes nos ouvidos

de prostitutas magistrais, Henri em algum canto do Ceasa

tentando me convencer de que fudeu com aquele tanto de

mulher, enquanto Eu e Fante temos uma conversa de como

sobrevivemos daquele terrível tombo. Os homens se tornam

doces dessa forma, bro!

Bill Evans está por trás de cada gota. A cidade é sempre

observada de algum ângulo impertinente, porém vagaroso como

a noite em que Chet me deu um soco de gravidade e ternura!

Ainda há muitos cigarros e solidão sólida em nossa alma. (o bar

de Jabur e a nossa amizade me vem aos olhos): Me segura, mulher,

pois se eu cair da cadeira, eu mergulho no abismo do chão, mas, em contra

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partida, mergulho mais fundo ainda, mergulho na palma da tua mão... e

sei!, e como sei dessas coisas. Quantas vezes mergulhamos no

raso e nos mantemos tetraplégicos, Irrecuperáveis!

Eu gostaria de finalizar com o raio de sol através da garoa que se

finda e, por sobre a lama, o baba e as meninas com bolinhas de

sabão... segredo, mistério- elementar!

certas tardes

a cidade sorri!

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Publicado em Outubro de 2013 (1ª edição, ebook)

Capa, fotografia: luís mathias

candeeirocafe.wordpress.com