Migração: entre o risco e a liberdade

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16 | Geral | 26 de junho a 2 de julho de 2014 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br Winial Pierrette, 40, é haitiano, mas está no Brasil há 2 anos. Ele trabalha como pedreiro e aluga um quarto no Brás. “Ganho R$ 800,00 e R$ 500,00 vai para o aluguel. Não sobra quase nada para comer ou enviar para a famí- lia no Haiti”, afirmou o haitiano que deixou os 2 filhos e a mãe e veio para o Brasil em busca de oportunidades de trabalho. Mas Winial mostrou-se insatis- feito com as condições de trabalho que encontrou por aqui. “Até no Haiti, quando o Brasil joga é uma festa e as empresas liberam as pes- soas. Aqui, o patrão libera, mas de- pois temos que pagar as horas não trabalhadas em dobro. Acho isso uma injustiça”, lamentou. O trabalhador haitiano é um dos mais de 20 mil que migraram devido à destruição causada pelo Migração: entre o risco e a liberdade Haitiano agradeceu a solidariedade dos brasileiros durante encerramento da 29ª Semana do Migrante, na Catedral da Sé NAYÁ FERNANDES REPORTAGEM NO CENTRO Rezar a vida na celebração eucarís- tica é atitude sábia de quem vive, no cotidiano, o seguimento de Je- sus. Ver os nomes e alguns rostos dos operários mortos nas obras dos estádios da Copa do Mundo da Fifa espalhados pela escadaria da Catedral da Sé, me fez pensar isso. E digo rezar a vida num contexto de dor e morte. Muitos dirão que uma coisa não tem nada a ver com a outra, que acidentes acontecem sempre. É verdade. Todos os dias morrem inocentes, muitas vezes, para sus- tentar o lucro e o luxo. Dos 14 mortos nos estádios, pelo menos 7 eram migrantes, a maioria do nor- deste, uma das regiões mais pobres do Brasil. Mas as discussões sobre os gastos excessivos na Copa aos poucos vai dando lugar à euforia de uma possível vitória. Enquanto isso, no Catar, sede da Copa em 2022 já morreram 1.200 imigrantes, enquanto tra- balhavam na construção dos estádios e em obras de infraes- trutura. O relatório é da Inter- national Trade Union Confede- ration. A estimativa da entidade é que, no total, 4 mil operários morram até o começo dos jogos. Lá os trabalhadores enfrentam jornadas longas de trabalho num clima que se aproxima dos 50ºC. A maioria da mão-de-obra barata é formada por imigrantes do Nepal, Índia e Paquistão. Por Nayá Fernandes LEVANTAMENTO DOS DADOS DOS OPERÁRIOS MORTOS NAS OBRAS DOS ESTÁDIOS DA COPA FEITO PELO SERVIÇO PASTORAL DOS MIGRANTES (SPM) PONTO DE VISTA terremoto em 2010 que ainda assola o seu país. E, mesmo tendo críticas às “injustiças brasileiras” ele pediu à reportagem para transmitir aos brasileiros um agradecimento pela solidariedade com os haitianos que chegaram em grande número nos últimos meses e ocuparam as de- pendências da Casa do Migrante, que pertence à Missão Paz, no Gli- cério, centro da capital paulista. “Queremos procurar os meios de comunicação para agrade- cer oficialmente a acolhida e as doações que recebemos”, disse Winial que estava desem- pregado, e por isso, ia todos os dias para a Missão Paz ajudar os compatriotas que chegaram. Outro agradecimento foi di- rigido à Missão Paz ao Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) e aos demais institutos e pastorais que trabalham diretamente na acolhida e assistência aos mi- grantes. Quem o fez foi o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, pre- sidente da celebração na qual se recordou o Dia do Migrante, do- mingo, 22, na catedral da Sé. A missa aconteceu durante a 29ª Semana do Migrante, 15 a 22 de junho, que teve como tema: “Migração e Liberdade” e lema: “Migrar é Direito: Tráfico Huma- no é Crime!”. Países latino-ame- ricanos, Haiti, África, e, diversas regiões brasileiras participaram da celebração que chamou atenção para situações de exploração e so- frimento que vivem os migrantes, mas também para a grande riqueza cultural e humana que eles trazem. “Os migrantes vivem situa- ções de sofrimento na partida e na chegada”, lembrou o Carde- al que fez um apelo a todas as igrejas e comunidades para que acolham os migrantes e que eles se sintam em casa. A resposta ao pedido pode colaborar para que eles estejam menos expostos ao tráfico, à prostituição, ao traba- lho análogo à escravidão, ao uso e tráfico de drogas, situações às quais são mais vulneráveis. Com uma lata de água na cabeça, carregando um facho de cana, uma casinha feita de ma- deira ou vestidos com roupas tí- picas entraram em procissão os migrantes que deram a conhecer os motivos pelos quais migram e as diversas formas de violação dos direitos humanos pelos quais passam. Por fim, um canto emo- cionado foi dirigido à Maria, mãe de Deus e dos migrantes enquan- to imagens de diferentes títulos de Nossa Senhora foram trazidas até o altar. Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO Antônio José Pita Carlos de Jesus Fabio Hamilton Cruz Fábio Luiz Pereira José Afonso de Oliveira José Antônio da Silva José Elias Machado Marcleudo de Melo Muhammad Ali Maciel Ronaldo Oliveira dos Santos Causas e consequências da migração são apresentadas em símbolos durante a missa no domingo, 22; a falta de água, por exemplo

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A 29ª Semana do Migrante denunciou o tráfico e as diferentes formas de exploração que vivem os migrantes. Winial, haitiano ao mesmo tempo que falou das injustiças sofridas, agradeceu aos brasileiros pela solidariedade.

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16 | Geral | 26 de junho a 2 de julho de 2014 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br

Winial Pierrette, 40, é haitiano, mas está no Brasil há 2 anos. Ele trabalha como pedreiro e aluga um quarto no Brás. “Ganho R$ 800,00 e R$ 500,00 vai para o aluguel. Não sobra quase nada para comer ou enviar para a famí-lia no Haiti”, afirmou o haitiano que deixou os 2 filhos e a mãe e veio para o Brasil em busca de oportunidades de trabalho.

Mas Winial mostrou-se insatis-feito com as condições de trabalho que encontrou por aqui. “Até no Haiti, quando o Brasil joga é uma festa e as empresas liberam as pes-soas. Aqui, o patrão libera, mas de-pois temos que pagar as horas não trabalhadas em dobro. Acho isso uma injustiça”, lamentou.

O trabalhador haitiano é um dos mais de 20 mil que migraram devido à destruição causada pelo

Migração: entre o risco e a liberdadeHaitiano agradeceu a solidariedade dos brasileiros durante encerramento da 29ª Semana do Migrante, na Catedral da Sé

Nayá FerNaNdesreportageM No CeNtro

Rezar a vida na celebração eucarís-tica é atitude sábia de quem vive, no cotidiano, o seguimento de Je-sus. Ver os nomes e alguns rostos dos operários mortos nas obras dos estádios da Copa do Mundo da Fifa espalhados pela escadaria da Catedral da Sé, me fez pensar isso.

E digo rezar a vida num contexto de dor e morte. Muitos dirão que uma coisa não tem nada a ver com a outra, que acidentes acontecem sempre. É verdade. Todos os dias morrem inocentes, muitas vezes, para sus-tentar o lucro e o luxo. Dos 14

mortos nos estádios, pelo menos 7 eram migrantes, a maioria do nor-deste, uma das regiões mais pobres do Brasil. Mas as discussões sobre os gastos excessivos na Copa aos poucos vai dando lugar à euforia de uma possível vitória. Enquanto isso, no Catar, sede

da Copa em 2022 já morreram 1.200 imigrantes, enquanto tra-balhavam na construção dos estádios e em obras de infraes-trutura. O relatório é da Inter-national Trade Union Confede-ration. A estimativa da entidade é que, no total, 4 mil operários

morram até o começo dos jogos.Lá os trabalhadores enfrentam jornadas longas de trabalho num clima que se aproxima dos 50ºC. A maioria da mão-de-obra barata é formada por imigrantes do Nepal, Índia e Paquistão.

Por Nayá Fernandes

levaNtaMeNto dos dados dos operários Mortos Nas obras dos estádios da Copa Feito pelo serviço pastoral dos MigraNtes (spM)

poNto de vista

terremoto em 2010 que ainda assola o seu país. E, mesmo tendo críticas às “injustiças brasileiras” ele pediu à reportagem para transmitir aos brasileiros um agradecimento pela solidariedade com os haitianos que chegaram em grande número nos últimos meses e ocuparam as de-pendências da Casa do Migrante, que pertence à Missão Paz, no Gli-cério, centro da capital paulista.

“Queremos procurar os meios de comunicação para agrade-cer oficialmente a acolhida e as doações que recebemos”, disse Winial que estava desem-pregado, e por isso, ia todos os dias para a Missão Paz ajudar

os compatriotas que chegaram.Outro agradecimento foi di-

rigido à Missão Paz ao Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) e aos demais institutos e pastorais que trabalham diretamente na acolhida e assistência aos mi-grantes. Quem o fez foi o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, pre-sidente da celebração na qual se recordou o Dia do Migrante, do-mingo, 22, na catedral da Sé.

A missa aconteceu durante a 29ª Semana do Migrante, 15 a 22 de junho, que teve como tema: “Migração e Liberdade” e lema: “Migrar é Direito: Tráfico Huma-

no é Crime!”. Países latino-ame-ricanos, Haiti, África, e, diversas regiões brasileiras participaram da celebração que chamou atenção para situações de exploração e so-frimento que vivem os migrantes, mas também para a grande riqueza cultural e humana que eles trazem.

“Os migrantes vivem situa-ções de sofrimento na partida e na chegada”, lembrou o Carde-al que fez um apelo a todas as igrejas e comunidades para que acolham os migrantes e que eles se sintam em casa. A resposta ao pedido pode colaborar para que eles estejam menos expostos ao tráfico, à prostituição, ao traba-

lho análogo à escravidão, ao uso e tráfico de drogas, situações às quais são mais vulneráveis.

Com uma lata de água na cabeça, carregando um facho de cana, uma casinha feita de ma-deira ou vestidos com roupas tí-picas entraram em procissão os migrantes que deram a conhecer os motivos pelos quais migram e as diversas formas de violação dos direitos humanos pelos quais passam. Por fim, um canto emo-cionado foi dirigido à Maria, mãe de Deus e dos migrantes enquan-to imagens de diferentes títulos de Nossa Senhora foram trazidas até o altar.

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

antônio José pita Carlos de Jesus Fabio Hamilton Cruz Fábio luiz pereira José afonso de oliveira

José antônio da silva José elias Machado Marcleudo de Melo Muhammad ali Maciel ronaldo oliveira dos santos

Causas e consequências da migração são apresentadas em símbolos durante a missa no domingo, 22; a falta de água, por exemplo