Modelização

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In: A. B. Kleiman (org) A Formação do Professor: Perspectivas da Lingüística Aplicada, 2001. 1 Modelização didática e planejamento: Duas práticas esquecidas do professor? Roxane Helena Rodrigues ROJO (LAEL/PUC-SP) Os documentos oficiais mais recentes a respeito do Ensino Fundamental, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais, têm enfatizado e insistido na importância essencial do projeto educativo da escola, seja encarando a escola como “ uma construção coletiva e permanente” (Brasil [SEF/MEC], 1997: 48), seja colocando-o como “condição essencial para a efetivação dos princípios expressos nos PCN” (Brasil [SEF/MEC], 1998: 85). Claramente, a elaboração de projetos educativos de escola envolve – dentre outros aspectos, mas de maneira central – a capacidade de eleger metas e objetivos e de organizar ações para atingi-los, acompanhando sua consecução e re-organizando-as, na medida do necessário. Isto é, envolve centralmente, a capacidade de planejar. No caso do planejamento educacional, esse ainda exige a capacidade de definir, selecionar e organizar “conteúdos” que deverão ser tematizados por meio de ações didáticas distribuídas no tempo e no espaço escolar. Para tal, quase sempre a modelização didática 1 é necessária. Já que o projeto educativo de escola é um de seus princípios fundantes, cabe perguntar que espaço dedicam esses discursos oficiais à questão do planejamento e da modelização didática. No seu volume de Introdução, ambos os documentos abordam a questão do planejamento, buscando desvencilhá-la das concepções e práticas tradicionais a que foi associada. Encontram-se trechos como: “Esse projeto [o projeto educativo da escola] deve ser entendido como um processo que inclui a formulação de metas e meios, segundo a particularidade de cada escola, por meio da criação e da valorização de rotinas de trabalho pedagógico em grupo e da co-responsabilidade de todos os membros da comunidade escolar, para além do planejamento do início do ano ou dos períodos de ‘reciclagem’. [...] Assim, organiza-se o planejamento, reúne-se a equipe de trabalho, provoca-se o estudo e a reflexão contínuos, dando sentido às ações cotidianas, reduzindo a improvisação e as condutas estereotipadas e rotineiras que. muitas vezes, são contraditórias com os objetivos educacionais compartilhados ” (Brasil [SEF/MEC], 1997: 48-49). ou O projeto educativo não é um documento formal elaborado ao início de cada ano letivo para ser arquivado. [...] O processo de elaboração e de desenvolvimento do projeto educativo de cada escola pressupõe alguns aspectos, dentre os quais se destacam: [...] Agradecemos à FAPESP o suporte ao Projeto de Pesquisa que originou este trabalho, assim como ao grupo de pesquisa que se encarregou, juntamente conosco, de sua execução. 1 Como veremos mais em detalhe adiante, entendemos modelização didática como a construção de um modelo didático para o ensino de um dado objeto de conhecimento.

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Modelização didática e planejamento: Duas práticas esquecidas do professor?Roxane Helena Rodrigues ROJO

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  • In: A. B. Kleiman (org) A Formao do Professor: Perspectivas da Lingstica Aplicada, 2001.

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    Modelizao didtica e planejamento: Duas prticas esquecidas do professor?

    Roxane Helena Rodrigues ROJO

    (LAEL/PUC-SP)

    Os documentos oficiais mais recentes a respeito do Ensino Fundamental, tais como os Parmetros Curriculares Nacionais, tm enfatizado e insistido na importncia essencial do projeto educativo da escola, seja encarando a escola como uma construo coletiva e permanente (Brasil [SEF/MEC], 1997: 48), seja colocando-o como condio essencial para a efetivao dos princpios expressos nos PCN (Brasil [SEF/MEC], 1998: 85).

    Claramente, a elaborao de projetos educativos de escola envolve dentre outros aspectos, mas de maneira central a capacidade de eleger metas e objetivos e de organizar aes para atingi-los, acompanhando sua consecuo e re-organizando-as, na medida do necessrio. Isto , envolve centralmente, a capacidade de planejar. No caso do planejamento educacional, esse ainda exige a capacidade de definir, selecionar e organizar contedos que devero ser tematizados por meio de aes didticas distribudas no tempo e no espao escolar. Para tal, quase sempre a modelizao didtica1 necessria.

    J que o projeto educativo de escola um de seus princpios fundantes, cabe perguntar que espao dedicam esses discursos oficiais questo do planejamento e da modelizao didtica. No seu volume de Introduo, ambos os documentos abordam a questo do planejamento, buscando desvencilh-la das concepes e prticas tradicionais a que foi associada. Encontram-se trechos como:

    Esse projeto [o projeto educativo da escola] deve ser entendido como um processo que inclui a formulao de metas e meios, segundo a particularidade de cada escola, por meio da criao e da valorizao de rotinas de trabalho pedaggico em grupo e da co-responsabilidade de todos os membros da comunidade escolar, para alm do planejamento do incio do ano ou dos perodos de reciclagem. [...] Assim, organiza-se o planejamento, rene-se a equipe de trabalho, provoca-se o estudo e a reflexo contnuos, dando sentido s aes cotidianas, reduzindo a improvisao e as condutas estereotipadas e rotineiras que. muitas vezes, so contraditrias com os objetivos educacionais compartilhados (Brasil [SEF/MEC], 1997: 48-49).

    ou

    O projeto educativo no um documento formal elaborado ao incio de cada ano letivo para ser arquivado. [...] O processo de elaborao e de desenvolvimento do projeto educativo de cada escola pressupe alguns aspectos, dentre os quais se destacam: [...]

    Agradecemos FAPESP o suporte ao Projeto de Pesquisa que originou este trabalho, assim como ao

    grupo de pesquisa que se encarregou, juntamente conosco, de sua execuo. 1 Como veremos mais em detalhe adiante, entendemos modelizao didtica como a construo de

    um modelo didtico para o ensino de um dado objeto de conhecimento.

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    Repensar sobre a sistemtica de planejamento, definindo metas a serem atingidas, em cronogramas exequveis, fazendo com que as propostas tenham continuidade, prevendo recursos necessrios, utilizando de forma plena, funcional e sem desperdcio, os recursos disponveis, definindo um acompanhamento e uma avaliao sitemtica e no realizar o planejamento como tarefa burocrtica,legalmente imposta, alienada, sem criatividade, desprovida de significado para os que dela participam... (Brasil [SEF/MEC], 1998: 85-88).

    No caso do primeiro documento (1997), enfatiza-se o carter coletivo, reflexivo e contnuo do planejamento. Fala-se do planejamento do incio do ano e de um outro planejamento que daria sentido s aes cotidianas. No entanto, para alm de definir esse ltimo como formulao de metas e meios, o documento no se preocupa em detalhar o que planejar, como se o sentido da palavra fosse transparente para seu interlocutor, o professor.

    No caso do segundo (1998), o professor suposto parece ser outro: aquele que encara o planejamento como tarefa burocrtica, imposta pelas Secretarias, mero preenchimento de formulrios para arquivo. Talvez por isso, o documento se preocupe em esclarecer (mas no em detalhar) quais os aspectos importantes para a realizao de um planejamento.

    Por minhas experincias com a formao de professores, creio que a realidade da ao do professorado fica entre um ponto e outro. Nem o desprezo total ao planejamento como mais uma burocracia a realizar, nem a autonomia para a relaizao de um planejamento efetivo. Meus encontros com professores da rede pblica tm mostrado um professorado preocupado em melhorar sua ao didtica e em implementar novas e melhores orientaes no processo de ensino-aprendizagem; quase sempre sem condies objetivas para faz-lo por exemplo, tempo escolar remunerado e reservado ao planejamento e reflexo coletivos e pouco formado para faz-lo.

    No que se refere especificamente formao do professor para a educao lingstica tpico desta coletnea -, ns, lingistas aplicados, temos dedicado parte considervel de nosso trabalho a essa tarefa, nos ltimos 25 anos. No entanto, muitas de nossas aes de reflexo junto aos professores tm-se voltado ao nosso campo especfico a linguagem, a lngua, as prticas de linguagem, o letramento e descurado, pelo menos parcialmente, dos aspectos propriamente didticos da implementao das teorias numa prtica escolar.

    Neste trabalho, pretendo justamente relatar parte de um processo de formao de professores do Ensino Fundamental, que teve lugar numa Escola Estadual de So Paulo. Eram 18 professores de diferentes disciplinas (Lngua Portuguesa, Matemtica, Cincias, Histria e Geografia) e sries (1a a 8a sries)2 que participaram, de 1999 at o incio de 2001, como bolsistas, de um projeto de

    2 A formao de professores teve lugar como parte das atividades mais amplas de um Projeto de

    Pesquisa Aplicada, dento da linha de fomento da FAPESP para a Melhoria do Ensino Pblico no Esatado de So Paulo (MEP/FAPESP), de ttulo Prticas de Linguagem no Ensino Fundamental: Circulao e apropriao dos gneros do discurso e a construo do conhecimento, 1999-2000, sob minha coordenao.

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    pesquisa aplicada, que visava analisar as prticas e o discurso das salas de aula e, a partir da reflexo sobre as mesmas, re-orientar as aes didticas.

    Foram objetivos bsicos a serem alcanados durante a formao desses professores, ao longo de dois anos:

    Discutir as concepes docentes sobre: aprendizagem, ensino, desenvolvimento, construo de conhecimento,

    buscando uma sntese das concepes e fundamentao terica (Vygotsky/Dolz/Schneuwly//Bronckart);

    linguagem, linguagem oral, linguagem escrita, leitura, produo de textos, literatura e gramtica, buscando uma sntese das prticas adotadas e fundamentao terica (Bakhtin, Schneuwly, Dolz, Rojo);

    Construir um referencial de uma prtica scio-construtivista de ensino-aprendizagem e de um trabalho enunciativo com linguagem oral e escrita, de modo a embasar o trabalho;

    Discutir e trabalhar os conceitos de gneros do discurso, de gneros do discurso como mega-instrumento de aprendizagem, de progresso curricular com base em gneros do discurso, de agrupamentos de gneros, de progresso espiral e de seqncia ou projeto didtico, de maneira a fundamentar as discusses abaixo;

    Discutir a prtica docente relativa seleo de contedos, elaborao de atividades e projetos ou seqncias/mdulos didticos, avaliao processual, etc., visando formar os professores para o trabalho com linguagem em sala de aula;

    Discutir a prtica docente em termos de interao em sala de aula, de modo a realizar uma anlise crtica e reflexiva das prprias atuaes (internamente persuasivas/autoritrias) em relao com o processo de construo social do conhecimento e das capacidades pelos alunos;

    Preparar atividades, projetos ou SDs, em cada um dos cinco agrupamentos de gneros (relatar, narrar, argumentar, instruir/prescrever e expor).

    A base terica adotada nessa discusso foi, portanto, uma teoria da aprendizagem vygotskiana (socio-histrica), que toma a teoria da enunciao bakhtiniana como uma boa elaborao para as questes da linguagem e do discurso, crucialmente envolvidas na aprendizagem. Foi tambm levada em conta a releitura didtica realizada sobre as obras destes dois autores pela equipe de Didtica de Lngua Materna da Universidade de Genebra, especialmente Dolz & Schneuwly.

    A parte da formao contnua que discutirei aqui diz respeito a cinco encontros quinzenais, de trs horas cada, que abarcaram cerca de dois meses, j ao final do Projeto, em outubro e novembro de 2000. Nessa parte da formao que estar em discusso, a partir de uma perspectiva enunciativa bakhtiniana (Teoria dos Gneros), caracterizamos, em conjunto e sob solicitao dos professores, um gnero do agrupamento argumentar o gnero do discurso artigo de opinio (descrio de gnero) , a partir de um corpus de textos. Discutimos tambm uma amostragem de textos de opinio de adolescentes e jovens adultos, retirados de um Frum de Discusso da WEB, que funcionou como base de uma avaliao de ZPD de um grupo com o qual se trabalharia o gnero artigo de opinio, a partir da tica e dos interesses das diversas disciplinas. A seguir, passamos modelizao didtica (Dolz & Schneuwly, 1998) do gnero.

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    Os resultados dessa experincia de formao mostram que, no processo de aprendizagem do professor, um dos pontos de estrangulamento o momento da modelizao didtica, ao qual a tradio cristalizada das prticas didticas impe srios obstculos.

    Passaremos a comentar cada uma das fases desse momento da formao de professores, pela ordem acima anunciada. Antes, porm, faremos uma breve digresso terica sobre as referncias que orientaram o planejamento desta formao.

    O valor da modelizao didtica na construo de programas e planejamentos

    Dentro da abordagem mais ampla concernente transposio didtica (Chevallard, 1985; 1988), a equipe de Didtica de Lngua Materna da Universidade de Genebra atribui um lugar de destaque modelizao didtica, ou seja, construo de um modelo didtico para o ensino de um dado objeto de conhecimento. Por exemplo, para Dolz, Schneuwly & de Pietro (1998), que supem os gneros do discurso como um dos objetos centrais no ensino de lngua materna, a construo de um modelo didtico para o ensino de um determinado gnero discursivo constitui um dos momentos centrais na construo de um plano ou programa de ensino. Ele que responsvel pela seleo (mais ou menos complexa) de caractersticas do objeto a serem ensinadas e por sua adequao, como diriam os PCN de Lngua Portuguesa 3o e 4o Ciclos do Ensino Fundamental, s possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos. Isto , o modelo didtico responsvel por um ensino operante na ZPD (Zona Proximal de Desenvolvimento, Vygotsky (1930; 1935)) criada pelas necessidades de ensino (do Projeto ou Programa), afinadas com as possibilidades de aprendizagem dos alunos.

    No dizer dos autores acima citados, o modelo didtico define princpios, orienta a interveno didtica e, enfim, torna possvel uma progresso entre os diferentes graus de aprendizagem. [...] O modelo define, com efeito, os princpios (por exemplo, o que um debate?), os mecanismos (reformulao, retomada, refutao) e as formulaes (modalizaes, conectivos) que devem constituir objetivos de aprendizagem para os alunos (Dolz, Schneuwly & de Pietro, 1998: 34-35).

    De fato, o momento da modelizao didtica constitui-se no mecanismo que transforma uma descrio de gnero (ou de qualquer outro objeto de ensino) num programa de ensino de gnero (no dizer dos autores, numa seqncia didtica). Para eles, contri-se o modelo didtico colocando-se em relao trs conjuntos de dados: comportamentos dos especialistas, comportamentos dos aprendizes e experincias de ensino (Dolz, Schneuwly & de Pietro, 1998: 35).

    Nesse sentido, no caso de se tomar um gnero discursivo como objeto de ensino como era o nosso caso, relativamente ao artigo de opinio , deve-se, primeiramente, descrever o gnero, por meio da contribuio das teorias lingsticas e discursivas/enunciativas e das experincias e usos de seus usurios especialistas (no nosso caso, jornalistas, manuais de redao, articulistas). Em seguida, deve-se avaliar o que os aprendizes em foco conseguem produzir e compreender de textos do gnero em questo, isto , avaliar a ZPD para este objeto especfico. Com base

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    em experincias de ensino anteriores e correlatas, coloca-se ento em relao os dois conjuntos de dados: o resultante da descrio do gnero, que capta as caractersticas e o funcionamento do gnero (no dizer dos autores: os princpios, mecanismos e formulaes), e o resultante da avaliao da ZPD dos alunos para textos no gnero (ou em gnero aproximado, que envolva caractersticas e funcionamento semelhante), que capta o desenvolvimento real e potencial dos alunos para os textos do gnero em questo. A partir deste processo de comparao entre os dois conjuntos de dados, seleciona-se o que se dever ensinar das caractersticas e do modo de funcionamento do gnero, para aquele conjunto especfico de alunos. O resultado desta seleo, num planejamento, compor os objetivos de ensino (e os indicadores de aprendizagem visados) e organizar o tempo e material escolar, componentes do projeto ou programa de ensino (seqncia didtica).

    Um projeto de ensino de artigos de opinio (ou artigos assinados)

    Foi exatamente essa seqncia de atividades j anunciada na introduo deste texto que adotamos no encaminhamento do perodo de formao dos professores que passaremos a relatar. Cabe, aqui, situar e historiar um pouco a gnese do episdio. Como j mencionei, esse processo de formao de professores fazia parte de um projeto de pesquisa aplicada MEP/FAPESP mais amplo, no carter de contraparte aplicada da universidade, cujo objetivo era descrever e analisar as prticas de linguagem e os gneros do discurso em circulao em salas de aula de diversas disciplinas e sries do Ensino Fundamental, numa escola pblica estadual no Ipiranga (na cidade de So Paulo). As aulas documentadas (filmadas) e analisadas eram discutidas no processo de formao, com o intuito duplo de refletir sobre as interaes, viabilizando melhor a construo dos conhecimentos. As sesses de formao embora fossem resultado e no objeto da pesquisa eram, s vezes, gravadas em udio, mas sempre diarizadas pelos pesquisadores da universidade.

    Ao fim do primeiro ano do projeto e da formao (incio de 2000), os professores-bolsistas decidiram elaborar um planejamento conjunto, interdisciplinar e temtico (Tema: Trabalho). Durante a execuo do planejamento, fomos constatando uma enorme dificuldade dos professores em planejar aes adequadas s intenes e, sobretudo nos 3o e 4o ciclos (5a a 8a sries), em integrar enfoques disciplinares. Na metade de 2000, aps seis meses de planejamento conjunto, o grupo decidiu abandonar as tentativas de planejamento interdisciplinar temtico e optar por projetos em torno de gneros adequados s reas de conhecimento (disciplinas). Com exceo de Matemtica cujos professores, contudo, permaneceram interessados e ativamente participantes do processo , havia gneros de interesse do conjunto das reas de conhecimento (Lngua Portuguesa, Histria, Geografia e Cincias): notcias, artigos de opinio e editoriais, seminrios.

    Optamos por trabalhar esses gneros para a elaborao de projetos de ensino que pudessem ser adequados s finalidades e objetivos das diferentes disciplinas. Todos foram abordados, sendo o artigo de opinio/assinado um dos ltimos e o primeiro em que se enfocou a modelizao didtica para a construo do projeto de ensino. dessa parte da formao que pretendo tratar aqui.

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    Os encontros com essa finalidade duraram cerca de dois meses, em cinco sesses de formao de trs horas cada, quinzenais, mas que contavam com outra reunio dos professores-bolsistas de mais trs horas antes de cada sesso, para a preparao das atividades. Portanto, toda essa parte da formao contou com dez sesses de formao (presenciais e distncia) e cerca de trinta horas (presenciais) de elaborao. Obedeceu-se, nas sesses presenciais, ao planejamento de atividades que figura nas prximas pginas.

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    Contedo Durao Objetivos Atividades Materiais Avaliao Organizao interativa

    Artigo de Opinio

    (Agrupamento

    Argumentar)

    01 sesso/03hs Descrio de gnero:

    Situao de produo

    Temtica

    Forma composicional

    Marcas lingsticas

    Analisar e comparar corpus de artigos de opinio quanto aos aspectos mencionados nos objetivos

    Encontrar aspectos gerais do gnero e diferenciais dos textos

    Corpus de artigos de opinio

    Dolz (1996)

    Rodrigues (2001)

    Acompanhamento, monitorao e diarizao das discusses dos grupos pela equipe de pesquisa

    Exposio e explicao no grupo

    Discusso no grupo

    Discusso em pequenos grupos

    Artigo de Opinio

    (Agrupamento

    Argumentar)

    01 sesso/03hs Descrio de gnero:

    Situao de produo

    Temtica

    Forma composicional

    Marcas lingsticas

    Analisar e comparar corpus de artigos de opinio quanto aos aspectos mencionados nos objetivos

    Encontrar aspectos gerais do gnero e diferenciais dos textos

    Corpus de artigos de opinio

    Dolz (1996)

    Rodrigues (2001)

    Resultados dos seminrios dos pequenos grupos

    Seminrios dos grupos

    Avaliao e discusso dos seminrios

    Capacidades argumentativas de adolescentes

    Participaes em Frum da WEB

    01 sesso/03hs Descrio das capacida-des argumentativas de a-dolescentes, a partir de suas participaes em Frum de Discusso WEB

    Analisar e comparar corpus de EMails enviados ao Frum;

    Avaliar ZPD dos autores para capacidades argumentativas

    Levantar necessidades e possibilidades de ensino

    Corpus de Emails retirados de Frum de Discusso WEB (UOL)

    Acompanhamento, monitorao e diarizao das discusses dos grupos pela equipe de pesquisa

    Exposio e explicao no grupo

    Discusso no grupo

    Discusso em pequenos grupos

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    Contedo Durao Objetivos Atividades Materiais Avaliao Organizao interativa

    Modelizao did-tica para projeto de ensino de artigo de opinio

    01 sesso/03hs Elaborar um modelo di-dtico do gnero artigo de opinio e um projeto de ensino do gnero

    Selecionar as carac-tersticas do artigo de opinio a serem ensi-nadas no projeto, a partir das caracters-ticas dos textos argu-mentativos dos ado-lescentes

    Montar um programa de ensino, envolvendo as mesmas rubricas deste quadro, para as caractersticas selecionadas

    Grade de plane-jamento

    Brkling (2001)

    Resultados dos seminrios dos pequenos grupos

    Seminrios dos grupos

    Avaliao e discusso dos seminrios

    Modelizao did-tica para projeto de ensino de artigo de opinio

    01 sesso/03hs Elaborar um modelo di-dtico do gnero artigo de opinio e um projeto de ensino do gnero

    Revisar o programa de ensino montado

    Grade de plane-jamento

    Acompanhamento, monitorao e diarizao das discusses dos grupos pela equipe de pesquisa

    Exposio e explicao no grupo

    Discusso no grupo

    Discusso em pequenos grupos

    Redao dos resultados

    QUADRO 1: Planejamento da formao de professores

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    No havendo espao neste trabalho para detalharmos a primeira fase desse episdio de formao (a descrio de gnero duas primeiras sesses), apenas gostaramos de afianar que os professores-bolsistas, nesta fase, realizaram um trabalho bastante completo e aprofundado de descrio do gnero artigo de opinio, cujos resultados se refletem, por exemplo, nas questes que puderam ser colocadas a eles, quando da avaliao da ZPD dos adolescentes para capacidades argumentativas, a partir de um corpus de Emails retirados de Frum de Discusso da UOL (ver QUADRO 2).

    Cabem, no entanto, alguns esclarecimentos sobre essa primeira fase. Em primeiro lugar, a descrio de gnero, que ocupou as duas primeiras sesses de formao, escolheu basear-se no mtodo sociolgico bakhtiniano (Bakhtin/Volochnov, 1929: 124), cujos conceitos encontram-se aprofundados em Bakhtin (1953/1979). Nesse sentido, discutiu-se, em primeiro lugar, a situao de produo de artigos de opinio (includas nisso as caractersticas temticas), inclusive com consultas a Manuais de Redao de jornais de grande circulao, para, em seguida, dedicarmos ateno aos elementos da forma composicional argumentativa dos artigos relacionados situao de produo , envolvendo operaes de tomada de posio (tese); sustentao da tese por meio de argumentos de fora diferenciada; refutao de posies e argumentos contrrios e negociao (concesso) de posies. Por fim, discutimos os elementos lingsticos relevantes, relacionados a estes movimentos argumentativos, tais como a dixis de pessoa, tempo e lugar (ancoragem); a modalizao (responsabilizao enunciativa); os operadores argumentativos e a seleo lexical. Em segundo lugar, para faz-lo, selecionamos um pequeno corpus de cinco artigos de opinio, de mesmo tema (Ser que a lei educa?) e de autoria de articulistas variados, retirados dos nmeros Revista E de nov/1997 e mar/1998, SESC Publicaes, publicados quando da controvrsia sobre o novo Cdigo de Trnsito. Como suporte terico a estas discusses e anlises, indicamos a leitura e discutimos os trabalhos de Dolz (1996) e de Rodrigues (2001).

    Para realizarmos a segunda parte da formao para a modelizao didtica , depois de descritas as propriedades e o funcionamento dos artigos de opinio, selecionamos um novo corpus de 18 Emails, argumentativos ou opinativos, de autoria diferenciada, retirados de Frum de Discusso da UOL que tinha por tema Msica na WEB e que visava discutir as restries impostas a sites e softwares como o NAPSTER, por exemplo, por parte das gravadoras, para a importao de msicas na rede virtual. A participao no Frum principalmente, mas no exclusivamente, de adolescentes usurios. A partir do mesmo instrumental de anlise, na terceira sesso, solicitou-se uma descrio destes textos (Emails), como maneira de avaliar a ZPD deste grupo de autores para as capacidades argumentativas, a partir do Guia de Discusso que figura no QUADRO 2 da prxima pgina3:

    3 O Guia de Discusso foi acompanhado de uma tabela para organizao do projeto, cujas colunas

    correspondiam s mesmas rubricas do Quadro 1: Contedo, Durao, Atividades, Materiais, Avaliao e Organizao interativa.

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    QUADRO 2: Encaminhamento para a modelizao didtica do artigo de opinio

    Dezoito de seus alunos de 7 srie participam de um Frum na WEB sobre msica digitalizada. Voc vai comear um projeto de ensino-aprendizagem de artigos de opinio e resolve dar uma olhada nas opinies que eles mandam para a rede. Com base em seus 18 textos, avalie a ZPD de seus alunos para a produo de textos de opinio e construa um modelo didtico sobre o qu ensinar para melhorar suas capacidades de leitura e produo de artigos de opinio. Siga o roteiro: (discusso em grupos interdisciplinares de 6 professores cada, resultando em 3 projetos)

    1. De que estes alunos so capazes?

    2. Conhecendo os artigos de opinio pela descrio de gneros que voc j fez, avalie o que eles ainda precisam aprender, em termos de:

    a. adequar-se e refletir sobre a situao de produo do gnero;

    b. escolher uma ancoragem enunciativa para a produo de seu texto;

    c. providenciar uma ampliao das informaes sobre o tema;

    d. tomar uma posio e sustent-la;

    e. refutar outras posies antagnicas;

    f. abrir negociaes para um possvel acordo entre pontos de vista;

    g. organizar uma argumentao;

    h. marcar lingisticamente esta organizao;

    i. modalizar seu discurso.

    3. Levando em conta as capacidades de sua turma, descritas no item 1, quais destes contedos de ensino (que voc levantou no item 2) voc escolheria abordar no seu projeto de ensino?

    a) Quanto tempo voc precisaria para isso?

    b) Como voc distribuiria os contedos pelas aulas necessrias? Faa uma tabela.

    c) Que objetivos voc teria para cada uma das aulas?

    d) Que atividades voc proporia?

    e) De que materiais voc necessitaria para essas atividades?

    f) Qual dispositivo de avaliao de aprendizagem voc usaria em cada uma das atividades propostas?

    g) Como voc encaminharia a organizao interativa das aulas?

    h) Complete sua tabela, com as colunas referentes s questes 6 a 10.

    4. Agora, leia o relato sobre como uma colega sua fez o mesmo projeto, numa 6 srie da rede particular, no texto de Brkling (2001). Discuta o texto com seus colegas para o prximo encontro.

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    Este Guia de Discusso obteve as seguintes respostas do grupo de professores-bolsistas, a primeira (QUADRO 3) referindo-se ao Guia de Discusso e a segunda (QUADRO 4), Grade de Programao fornecida:

    QUADRO 3: Resultado das discusses propostas no Guia

    RESPOSTAS DAS PERGUNTAS DO TEXTO MSICA NA WEB

    1) Os alunos so capazes de opinar, porm a maioria com argumentos fracos e alguns at sem argumentos. Os nmeros 4, 14 e 17 so timos. Com exceo destes, os demais apresentam dados pouco consistentes.

    2a) Precisam ter conscincia de que o artigo de opinio deve ser escrito para convencer os outros. De forma a convencer o leitor.

    2b) Mesmo que inconscientemente, eles se utilizam de ancoragem enunciativa implicada (primeira pessoa) e conjunta (verbos no presente), relacionada com o aqui e agora.

    2c) Falta fornecimento de maiores informaes para que os leigos leiam e entendam o assunto.

    2d) Em geral, eles tomam posio; porm, no conseguem sustent-la.

    2e) Alguns refutam, embora no de forma modalizada, usando, inclusive, alguns palavres. Outros, por sua vez, no refutam nada.

    2f) De modo geral, eles no abrem negociaes. O nico que tentou foi o texto 7.

    2g) Escolherem dados mais consistentes que possam ser articulados por meio de suportes concretos, para se chegar a uma concluso ou a uma contra-argumentao (restrio).

    2h) Usar articuladores para objeo, refutao etc., como, por exemplo: visto que, em virtude das, mas, porm, contudo, entretanto etc.

    2i) Precisam aprender a negociar, abrir espao para contra-argumentao, usando mais palavras como: pode-se dizer que, parece que, talvez possamos dizer que etc.

    3) Primeiramente, faramos uma seleo minuciosa de um tema de interesse geral. A partir da, providenciar uma ampliao de informaes sobre o tema (item c), visando uma maior coleta de dados. Assim, acreditamos, os alunos tero condies de tomar posies e sustent-las.

    4) *Escolha do tema (1 aula);

    * Ampliar informaes (atravs de uma pesquisa em casa sobre o assunto);

    * Apresentao oral das informaes (1 aula);

    * Tomada de posio e sustentao (2 aulas).

  • In: A. B. Kleiman (org) A Formao do Professor: Perspectivas da Lingstica Aplicada, 2001.

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    O descompasso entre as respostas dadas aos itens 1 e 2, responsveis pela avaliao da ZPD dos escreventes, e as propostas de ensino presentes nos itens 3 e 4, de sada, j nos surpreendeu. Fazia parte de nossas crenas, enquanto formadores, que a atividade de planejar aes didticas, uma vez detectada a necessidade de ensino e as possibilidades de aprendizagem e conhecido o objeto de ensino, caracterstica da profisso e no precisaria, portanto, ser objeto de formao, dado que seria sobejamente conhecida. Da nossa surpresa que a dificuldade no se encontrasse na descrio do gnero ou na avaliao das possibilidades de aprendizagem (ZPD) tarefas essas que julgvamos mais difceis e objetos de formao, perfeitamente realizadas pelos professores-bolsistas , mas justamente na modelizao didtica, ou seja, na seleo de o qu e como ensinar.

    Esse descompasso materializou-se no programa de ensino, visivelmente empobrecido dadas as discusses anteriores, que figura no QUADRO 4 adiante:

    LucianaDestacar

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  • In: A. B. Kleiman (org) A Formao do Professor: Perspectivas da Lingstica Aplicada, 2001.

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    QUADRO 4: Preenchimento do Grade de Planejamento do Projeto de Ensino de Artigo de Opinio

    Contedo Durao Objetivos Atividades Materiais Avaliao Organizao interativa

    Escolha do tema 1 aula Despertar o interesse do aluno

    Diviso em grupos, onde cada um escolhe seu tema e a classe escolher o melhor

    Giz; lousa A classe avaliaria, escolhendo o tema mais controverso

    Organizao interativa

    Coleta de informa-es sobre o tema

    Extraclasse

    (livre)

    Conhecer melhor o assunto, atravs de pesquisa

    Pesquisa extraclasse em materiais diversos

    Livros, revistas, jornais, Internet etc.

    Diversidade de materiais apresentados

    Participao dos grupos entre si

    Apresentao da coleta de informa-es

    1 aula Ampliar o conhecimento sobre o tema

    Exposio oral e esquema na lousa feito pelo professor

    Uso da lousa Diversidade e pertinncia dos dados

    Troca de informao

    Tomada de posi-o e sustentao

    2 aulas Refutar, convencer e sustentar sua opinio

    Discusso oral Oralidade Melhor argumen-tao

    Troca de opi-nies

    Negociao

  • In: A. B. Kleiman (org) A Formao do Professor: Perspectivas da Lingstica Aplicada, 2001.

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    O que mais surpreende, no planejamento elaborado, a visvel ausncia de ensino; a hiper-valorizao da alimentao temtica; a crena de que a discusso oral da temtica pode ser responsvel por bons textos; e o passe de mgica existente entre estas providncias e a produo de artigos de opinio, alm da pobreza do material didtico pensado.

    Ora, esses mesmos professores haviam detectado que esses alunos conseguiam assumir posio, mas tinham dificuldades em sustent-la; no refutavam ou negociavam posies. Tinham uma ancoragem primria (implicada, conjunta); no modalizavam; tinham dificuldades de seleo lexical e, como mal argumentavam, no usavam operadores. Tanto a ensinar! E ento, o projeto de ensino se resume a uma alimentao temtica, feita solitariamente, em casa, pelos alunos sem ensino, portanto , com uma discusso conjunta animada pelo professor, da qual, magicamente, decorre a capacidade para produzir artigos de opinio.

    Por outro lado, os materiais e suportes didticos com que se pode contar na escola so giz, lousa e trocas orais, embora a escola disponha de uma boa biblioteca, bastante atualizada, que inclusive dispe de assinaturas de jornais e revistas; de um centro de informtica com 25 unidades para uso dos alunos, conectadas em rede intranet e outro, com 12 unidades de ltima gerao, conectadas em rede intranet e na Internet, para uso dos professores; scanners; retroprojetores; videos; TVs de 29 polegadas etc. No entanto, estes materiais e suportes variados so pensados pelos professores como somente acessveis aos alunos em suas casas. E, a sim, a diversidade de materiais suporte objeto de avaliao.

    Tambm h pouca ou nenhuma clareza das organizaes interativas necessrias a cada uma das atividades.

    Visto isso, nossa proposta, na sesso seguinte, foi a de brincar de ligue as colunas, ou seja, as avaliaes realizadas nos itens 1 e 2 do QUADRO 3 com as propostas de ensino que figuram no QUADRO 4. Isso para indicar-lhes que as trs primeiras aulas do QUADRO 4 decorriam meramente do item 2c e que todo o restante das dificuldades avaliadas em 1 e 2 deveriam ser magicamente superadas por meio da discusso oral proposta para as duas aulas finais, mas no planejada. Tratava-se de um programa de animao de sala de aula, mas no de ensino.

    Um projeto de ensinar a planejar

    Encaminhamos a discusso na direo de compreendermos porque um resultado to elaborado em termos de descrio de gnero e de avaliao de ZPD resultava num programa to convencional e to professor-animador. Uma pergunta chave foi onde foi parar a tarefa chave do professor: planejar seu ensino? A diarizao da formao indica algumas respostas, tambm chave, por exemplo:

    Fora o planejamento de incio do ano, em janeiro ou fevereiro, que elenca os contedos que vamos abordar no ano, no fazemos planejamentos assim pequenos de atividades especificas. Estas, tomamos/selecionamos do livro didtico adotado; ou

    As diretrizes, subsdios e cursos da CENP mostram o valor que tm, na produo de textos, as discusses dos temas e a troca oral; ou

    LucianaDestacar

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  • In: A. B. Kleiman (org) A Formao do Professor: Perspectivas da Lingstica Aplicada, 2001.

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    A gente fez o planejamento um pouco como ns [leia-se, os melhores dentre ns, dado o enunciador da fala e sua valorizao social na escola professora de LP, coordenadora de rea e ciclos] estamos habituados a fazer a produo de textos e que temos obtido resultados bons.4

    Estas falas indicam trs pontos de estrangulamento bsicos, de carter didtico, que deveriam ser levados em conta em qualquer processo de formao de professores:

    a) o professor abriu mo de uma de suas atribuies bsicas a de ser dono da voz, isto , a de planejar seu ensino de acordo com as necessidades e possibilidades de seus alunos , em favor do que feito pelos autores dos livros didticos, assumindo, de bom grado, uma posio de animador de sala de aula, cujo planejador e executor o discurso do livro didtico;

    b) as orientaes oficiais que circulam na rede pblica estadual (propostas da CENP) corroboram e colaboram com este infeliz papel assumido;

    c) as prticas cristalizadas na tradio de sala de aula acabam se sobrepondo a toda formao recente que se possa ministrar e parasitam novas prticas.

    Alm disso, a proposta inicial de planejamento elaborada, mostra que o professor, mesmo que trabalhe numa escola como essa, que foi bastante equipada5 e que dispe de recursos raros na rede pblica, ainda v o espao de sala de aula como lousa-giz-voz, no colocando em circulao novos recursos e tecnologias. Isso mostra que a poltica de equipar escolas com tecnologias de ltima gerao por si s no leva apropriao dessas tecnologias. Isso exigiria uma reorganizao do tempo e do espao escolar: em 50 minutos de aula, em salas superlotadas de 48 alunos, ningum consulta suportes ou visita salas ambientes, com tempo suficiente de aproveitamento da aula em si. Por outro lado, a ausncia de materiais e suportes tambm remete ao domnio absoluto do livro didtico em sala de aula: material comprado e distribudo pelo governo a cada aluno, elaborado levando em conta a organizao do tempo e do espao escolar, o LD accessvel a cada um na sala, de maneira prtica, simples, adequada e, sobretudo, sem exigir a preparao e organizao dos materiais alternativos que o professor no tem tempo remunerado para viabilizar. Assim, quando estes entram em sala, entram pelas mos dos alunos, quando isso possvel.

    Um terceiro campo de discusso que esses resultados abrem o da pouca clareza sobre as organizaes interativas (discusso em grupos, trocas em duplas, debate com moderador, exposio oral etc.) que cada atividade didtica exige para ser levada a efeito. E isso, apesar de que boa parte da formao em foco ter discutido justamente as formas de interao em sala de aula. A voz que ecoa nessa parte do planejamento a que encontramos, como dizem os prprios professores, em alguns documentos oficiais estaduais, que enfatizam a participao e a troca oral como uma espcie de panacia didtica.

    4 Obviamente, estes resultados, opinies e justificativas foram rediscutidos, gerando uma nova

    programao, desta vez, de ensino, que, infelizmente, no temos espao de comentar. 5 Inclusive pela concesso de equipamentos feita pela FAPESP, dentro do Projeto.

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  • In: A. B. Kleiman (org) A Formao do Professor: Perspectivas da Lingstica Aplicada, 2001.

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    Finalmente, o campo de debate mais importante aberto para ns por esse episdio foi o do papel do lingista aplicado na formao de professores. Ao ver os resultados das descries de gnero e dos textos dos alunos, a avaliao da ZPD, estvamos convencidos de haver cumprido nosso papel de formadores, enquanto lingistas aplicados refletir com os professores sobre o funcionamento da lngua e da linguagem e relacionar essa discusso com os processos de ensino-aprendizagem de lngua e linguagem.

    Qual no foi nossa surpresa, ao descobrirmos in loco e ao vivo algo que j sabamos a partir do j-dito que quase nada dessas aprendizagens transita para a prtica de sala de aula. E que isso se d por razes de ordem didtica.

    Assim, na discusso sobre nossa proposta de formao, tambm a equipe de pesquisa reviu alguns de seus supostos sobre as capacidades do professor:

    a) em que pese a satisfao que temos todos (eles e ns) na aprendizagem de novas arquiteturas lingsticas e discursivas ou mesmo de construtos das teorias da aprendizagem, isso no ensina a ensinar;

    b) a questo didtica, no caso de um lingista aplicado, dever ser muito mais seriamente levada em conta, embora essa seja uma de nossas reas adjetivas e no a substncia de nossa formao.

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