Mosaiko Inform 009

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Direitos Humanos inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral F Distribuição gratuita Nº 09 Dezembro 2010 Mosaiko Mosaiko pág. 13 Entrevista Padre Augusto Farias Ainda nesta edição pág. 9 “O YOVE veio para nos unir” Figura em destaque pág. 8 Dom José Manuel Imbamba na Enquanto houver gente acima da lei e Tribunais sujeitos ao Poder administrativo, nunca conseguiremos alcançar um nível acei- tável de respeito pelos Direitos Humanos.”

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Direitos Humanos na SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral

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Direitos Humanos

inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral F Distribuição gratuita

Nº 09 Dezembro 2010MosaikoMosaiko

pág. 13

Entrevista

Padre Augusto Farias

Ainda nesta edição pág. 9

“O YOvE veio para nos unir”

Figura em

destaque

pág. 8

Dom José Manuel Imbamba

na

“Enquanto houver

gente acima da lei e

Tribunais sujeitos ao

Poder administrativo,

nunca conseguiremos

alcançar um nível acei-

tável de respeito pelos

Direitos Humanos.”

Page 2: Mosaiko Inform 009

A enunciação é uma condição indispensável para o reconhecimento,

o respeito e a exigência dos Direitos Humanos. Mas não basta que tais

direitos sejam enunciados. É necessário que sejam criados mecanismos

e garantias de sua efectivação. Mas não basta que existam tais mecanis-

mos e garantias em teoria, na lei. É necessário que sejam efectivamen-

te realizados, funcionais. Assim, de facto, os meus Direitos Humanos só

existem, isto é, só são efectivos, enquanto não forem violados nem por

acção nem por omissão. Mas, por outro lado, só são efectivos enquanto

eu estiver seguro e livre do medo de que eles não serão violados. Con-

tudo, sucede que, infelizmente, entre os humanos – e quão não é entre

os angolanos – a realização efectiva, a não violação nem por acção nem

por omissão, dos Direitos Humanos não vêm trazidas como prendas em

bandejas. Em tudo, rigorosamente em tudo, são fruto de muito e árduo tra-

balho, algumas vezes marcado de desprezo não já dos inveterados preva-

ricadores – agentes do Estado fazendo uso desviado do seu poder – mas,

sobretudo, de gente de quem se esperaria solidariedade, com expressões

como “não vais mudar nada. Este mundo, que está irremediavelmente es-

tragado, começou antes de ti e vai continuar depois de ti. Tu e o que fazes

não passam de uma ilusão”. Não fora o trabalho desgastante e persistente

de muita gente, muita dela fora dos palcos criados pelos meios de comu-

nicação social, tudo estaria pior. A presente edição do Mosaiko Inform

apresenta-te algumas dessas pessoas, cujo trabalho deve ser merecedor

do teu apreço e da tua solidariedade. Em parte, o que usufruis é resultado

do seu trabalho anónimo e continuado.

José Sebastião Manuel, op

2Mosaiko

informMosaiko

ÍNDICE

Editorial ...........................................................02

José Sebastião Manuel, op

Informando

O estado dos Direitos Humanos na SADC ..03

Pe. Jacinto Pio Wacussanga

Estórias da História

Carta Africana dos Direitos Humanos

e dos Povos .....................................07

Lima de Oliveira

Figura em destaque

Dom José Manuel Imbamba ....................... 08

Centro Cultural Mosaiko

Construindo

“ O YOVE veio para nos unir” ......................09

Barros Manuel

Entrevista com

Pe. Augusto Farias .................................. 13

Mónica Guedes

Reflectindo

Revisão Periódica Universal:

uma reflexão sobre o processo de reforma

da ONU e a RPU em Angola ............... 16

Emílio José Manuel

Breves ............................................................ 20

e d i t o r i a l

Page 3: Mosaiko Inform 009

Nº 09 / Dezembro 2010 3

e d i t o r i a l I n f o r m a n d oO estado dos Direitos

Humanos na SADC A C o m u n i d a d e d e D e s e n v o l v i m e n t o d a

Áf r ica Aust ra l é composta por 15 Estados-

membros (apesar da suspensão temporár ia

de Madagáscar)1, fundada of ic ia lmente pelo

Tratado da SADC assinado em 1992 em Win-

dhoek. Fundada primariamente numa base de

cooperação estratégica, antecedida e marcada

pela luta contra a África do Sul sob o regime do

apartheid, a SADC evoluiu para um organismo

com uma clara estratégia de orientação para

o desenvolvimento regional2.

Falar de Dire i tos Humanos na região da

Áfr ica Austral é ambíguo, com prát icas contra-

ditórias que variam de país para país. Eventual-

mente, dentro do mesmo país, não existe uma

abordagem equil ibrada e harmonizada entre os

vários t ipos de Direitos Humanos, catalogados

t rad ic iona lmente no parad igma de d i re i tos

civis e polí t icos, direitos económicos, sociais

e cul tura is , d i re i tos ambienta is e d i re i tos à

transparência nos assuntos públ icos.

Definindo “Direitos Humanos na SADC”

Como parte do sistema regional da União

Af r icana, a SADC t raduz iu os ins t rumentos

internacionais e afr icanos (com especial re -

levância para a Carta Afr icana dos Dire i tos

Humanos e dos Povos). Dai, a chamada Carta

dos Direitos Sociais Fundamentais da SADC

cujo foco principal é sobre as relações justas

no trabalho dentro da região. Esta carta foca

de forma especial , a necessidade de se re-

moverem as barreiras para o invest imento e

a capacidade associat iva transfronteir iça dos

trabalhadores. Foca igualmente a necessidade

de se harmonizarem as polí t icas de trabalho e

remuneração, a nível de cada um dos países

membros.

Outro instrumento dos Direitos Humanos é

a Declaração sobre Género e Desenvolvimento

que coloca ênfase na desigualdade real entre

o homem e a mulher em muitos países mem-

bros. O ponto de part ida da Declaração radica

na igualdade entre o homem e a mulher, con-

sagrada nos documentos da ONU, sobretudo

na Convenção da ONU sobre a El iminação de

Todas as formas de Discr iminação contra a

Mulher (CEDAW)3. Todos os países da SADC

ou já assinaram e rat i f icaram esta convenção,

ou estão em vias de o fazer.

No entanto, os mecanismos estabelecidos

para a in tegração do género no combate à

pobreza, na afirmação dos direitos e no desen-

volvimento sustentável são ainda muito fracos

e aleatórios ao nível doméstico de cada país,

sem mecanismos de revisão, sem se olvidar os

contextos de desigualdade entre países com

elevado capital humano e recursos naturais e

outros países com escassos recursos naturais

e pobres em capital humano.

Segurança na SADC e Direitos Humanos

“A Segurança Humana é alcançada quando e

onde indivíduos e comunidades têm opções

1 Madagáscar foi suspenso da SADC de-pois do golpe de estado liderado pelo antigo major de Antananarivo Andry Ra-joelina (Vide From Wikipedia, the free encyclopedia, in http://en.wikipedia.org/wiki/Southern_African_Develop-ment_Community#Member_states

2 SADC, Towards the Southern African Development Community, a Decla-ration by the Heads of State and Go-vernment of Southern African states, in SADC, citado por Kaime, Thoko, SADC and Human Security, Fitting Hu-man Rights into the Trade Matrix, p 2.

3 Declaration on Gender and Develop-ment.

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4Mosaiko

informMosaiko

i n f o r m a n d o i n f o r m a n d o necessárias para acabar, mit igar, ou adaptar-

se às ameaças contra os seus Direitos Huma-

nos, ambientais e sociais; e têm a capacidade

e a l iberdade para exercer essas opções e

part iciparem activamente no processo de con-

secução dessas opções”4

A abordagem do concei to

de segurança holística é chave

para o desenvolvimento inte-

g ra l , c r iando-se o ambien te

propíc io para a observânc ia

dos Direitos Humanos, o for-

t a l e c i m e n t o d a s e s t r u t u r a s

democráticas e do primado da

lei , bem como a gestão trans-

parente dos recursos natura is . As d iversas

componentes, no novo conceito de segurança,

baseiam-se na soberania do povo e não de um

grupo ou ol igarquia. O conceito de segurança

passou do estágio de estato-cêntr ico, espe-

cialmente depois da II Guerra Mundial até ao

auge da Guerra Fria, para aquele centrado nas

necessidades e capacidades humanas. Assim,

a soberania e a defesa de uma nação, não se

baseiam mais, do ponto de vista de Estado,

no aparato mi l i tar e de segurança baseada

em meios de defesa preventiva e persuasiva,

mas sim no desenvolvimento e na criação da

segurança humana. Tal é relevante porque a

maior parte dos países que saiu da guerra civi l

ou dos chamados confl i tos domésticos para a

gradual estabi l ização enfrentam como área fo-

cal de violação dos Direitos Humanos, o sector

da segurança (mil i tares, paramil i tares, polícia,

mil ícias armadas, população armada).

Os estudos sobre Angola, enquanto país

pós-conf l i to , são omissos. No entanto , são

muitos os indicadores de que, apesar do desar-

mamento, desmobil ização e reintegração das

forças mil i tares da UNITA dentro da estrutura

do governo e do f im da guerra civi l na gene-

ra l idade, não houve uma reforma estrutura l

do sector de segurança. Podemos apontar os

seguintes motivos: guerra de baixa intensidade

entre a guerr i lha da província de Cabinda e as

Forças governamentais, o al to teor de inter-

venção mil i tar que só recentemente terminou

e ainda tem forças em terr i tór io congolês, os

reiterados abusos de polícias contra os civis,

as denúncias de organismos internacionais de

constantes violações sexuais contra as mulhe-

res congolesas nas províncias das Lundas, bem

como os maus tratos aos estrangeiros junto às

zonas de garimpo no leste do país.

Direitos económicos, sociais e culturais e a

gestão dos recursos

Na maior parte dos países da SADC existe,

mesmo de forma incipiente, o exercício da de-

mocracia, ao contrário de antes dos anos 90.

No entanto, nem sempre existe a interl igação

entre o exercício do voto como opção por um

projecto económico, social e cultural e a sua

implementação. A l igação ent re os d i re i tos

económicos, sociais e culturais e a segurança

humana é resumida na def in ição apresenta-

da pe lo PNUD sobre o aspecto : segurança

económica, segurança al imentar, segurança

de saúde, segurança ambienta l , segurança

pessoal, segurança comunitária e segurança

polí t ica.5

A maior parte dos países da Áfr ica Austral

está dotada de recursos naturais, mas é igual-

mente o lugar onde existe uma abjecta pobreza

e uma elevada incapacidade de serviços ao

cidadão. As razões do contraste entre r ique-

za natural abundante e pobreza elevada são

complexas de expl icar, mas de acordo com os

economistas, tal tem a ver com a excessiva

4 Lonergan, Steven, cited by Weissberg, Matthew, Conceptualising Human Se-curity, p.5, in http://www.american.edu/sis/students/sword/Back_Issues/1.pdf

5 United Nations Development Program-me, Human Development Report 1994, p. 24 -25.

http:hdr.undp.org/reports/global/1994/en, citado por Balule, Badala Tachilisa, The Legal Environment of SADC-Civil Society Interaction in Pursuance of Hu-man Security.

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5Nº 09 / Dezembro 2010

i n f o r m a n d o i n f o r m a n d odependência dos recursos naturais como fonte

primordial de renda nacional, minimizando-se

a produção interna e a cr iação de mecanis-

mos que levem à sustentabi l idade6. Mas para

além disso, o patr imonial ismo, a corrupção, o

enriquecimento fáci l e o cl ientel ismo são fe-

nómenos igualmente associados a economias

de recursos naturais, o que aumenta de forma

desproporcionada a dependência e a profunda

pobreza. A economia dos recursos naturais é

dominada pelas el i tes que manipulam as ren-

das, com uma má distr ibuição dos serviços.

Os recursos natura is mais sa l ien tes e que

se enquadram nesta categoria são o cobre, o

petróleo, os diamantes, a madeira, o coltan.

O modo como os recursos são canal izados

afecta gravemente o cumprimento dos direitos

económicos, sociais e culturais, com um en-

gajamento muitas vezes fraco dos actores da

sociedade civi l no sentido da transparência e

da responsabil idade corporativa das empresas

exploradoras e do próprio Estado inf luenciado

pelas el i tes.

Mecanismos de cumprimento

dos Direitos Humanos

Existem alguns mecanismos muito l imitados

para levar os países da SADC ao cumprimento

dos Direitos Humanos.

Para além do Secretariado que executa as

deliberações, não existe, de forma explícita, um

órgão, paralelo à Comissão Africana dos Direi-

tos Humanos e dos Povos que se encarregue de

monitorar e assegurar o cumprimento da parte

dos estados, da agenda dos Direitos Humanos.

Este órgão ser ia encarregado de moni torar,

em conjunto com a União Afr icana e com o

Conselho dos Direitos Humanos das Nações

Unidas, especialmente através do mecanismo

de Revisão Periódica Universal, sobre todas as

violações dos Direitos Humanos, bem como so-

bre os mecanismos da inst i tucional ização dos

vários t ipos de direitos dentro das estruturas

regionais da SADC e dos países membros.

O Tribunal da SADC e seu papel no reforço dos Direitos Humanos

O Tribunal da SADC foi estabelecido em

1992, pelo Ar t igo n.9 do Tratado da SADC,

como uma das inst i tu ições da organização;

os seus membros foram em-

possados somente em No-

vembro de 2005. A sede

es tá em Windhoek ,

trabalhando em três

línguas: inglês, por-

t u g u ê s e f r a n c ê s .

O Art igo 17, 2, do

Tra tado da SADC

prevê que para as-

segurar a sua inde-

p e n d ê n c i a , o s s e u s

membros serão guiados

n a s u a a c ç ã o s o m e n t e

pelo Tratado da SADC e não

deverão receber o r ien tações d e n e n h u m

Estado Membro ou outra autor idade externa

qualquer. O Tribunal é uma instância de recurso

quando não são possíveis outras vias.

Em Junho de 2010, o Tribunal foi suspenso

pelos Chefes de Estado para ser revista a sua

legislação. Tal foi visto como um golpe contra a

independência e a democracia, pois representa

um retrocesso no progresso de l i t igação ao

nível da SADC.

6 Este fenómeno é referido como sendo a “doença holandesa” visto que foi na Holanda onde tal se ma-nifestou depois da descoberta do petróleo nos anos 60. Vide Standing, André & van Vuuren, Hennie, Quem Amaldiçoou os Recursos Naturais na África Austral? P.8, in OPENSPACE, Extracção de Recursos e Transpa-rência, Volu.1, N.4, Junho de 2006.

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6Mosaiko

informMosaiko

i n f o r m a n d o e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a

Pe. Jacinto Pio Wacussanga

CONCLUSÃO

A pr imeira constatação é a de que não

existe, no quadro das estruturas da SADC, um

órgão directamente encarregado para monito-

rar os Direitos Humanos nos países membros.

No entanto, existem f lagrantes contradições

entre os mesmos países. Se no Congo, por

exemplo, existem sérias violações, por outro

lado existem países, como as I lhas Maurícias,

que são o exemplo do respeito pelos cidadãos,

do primado da lei .

Os instrumentos existentes que se referem

de forma explícita ou implícita aos

Direitos Humanos (Carta dos

D i r e i t o s S o c i a i s F u n -

damenta is da SADC,

D e c l a r a ç ã o s o b r e

Género e Desenvol-

v imento, e tc . ) são

c o n c e p t u a l m e n t e

incompletos e pra-

t icamente desajusta-

dos na abordagem glo-

bal e holíst ica da comple-

xidade dos Direitos Humanos,

tal como são definidos e art iculados

por sistemas globais e regionais. Além disso,

mui tos países cont inuam a pr imar por uma

governação e relação internacional baseada

no modelo estato-cêntr ico, onde a protecção

dos interesses das el i tes que governam tem

primazia sobre a segurança e o bem-estar do

povo. Esta distorção conceptual e prát ica tem

efei tos nocivos na observância dos Direi tos

Humanos, sobretudo quando estão em causa

os interesses das el i tes.

A Áfr ica Austral tem o maior potencial em

termos de recursos naturais, mas é paradoxal -

mente um dos lugares com o maior índice de

pobreza em Áfr ica. Para além da dependência

de receitas de recursos (fenómeno chamado

de “doença holandesa”), o cl ientelismo, o lucro

fáci l e a cultura de pouca transparência cr iam

problemas sérios na observância dos direitos

económicos, sociais e culturais.

Quanto aos mecan ismos de moni to r ia e

imp lemen tação de D i re i t os Humanos , não

existem de forma r igorosa. O Secretariado da

SADC é um organismo executivo, que

recebe informações e não tem

o mandato de abordar os

desaf ios dos Di re i tos

Humanos. O Tribunal

d a S A D C , d e p o i s

de inaugurado em

2 0 0 6 , e s t á n e s t e

momento suspen-

so para se rever a

sua legislação, o que

leva os observadores

a serem crít icos quanto à

duvidosa independência entre

os Estados da SADC e a respect iva ins-

tância.

Muito tem de ser fei to na área dos Direitos

Humanos ao nível da SADC, desde os aspectos

conceptuais (definição e institucionalizaçao de

instrumentos legais) à monitoria e acompanha-

mento de áreas e componentes sensíveis de

Direitos Humanos. Eventualmente, uma mobil i -

zação da sociedade civi l é crucial para que tais

mecanismos sejam considerados pelos l íderes

de Estado e de governo da SADC.

“ n ã o e x i s t e , n o

quadro das estru-

tu ra s da SADC,

um órgão directa-

mente encarrega-

do para monitorar

o s D i re i to s Hu-

manos nos países

membros.”

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7Nº 09 / Dezembro 2010

i n f o r m a n d o e s t ó r i a s d a H i s t ó r i aCarta Africana dos Direitos

Humanos e dos Povos

A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos é o conjunto de regras, denominadas arti-gos, que garantem os Direitos Humanos e Liber-dades Fundamentais da Pessoa Humana, inclusi-ve certos Direitos dos Povos. É também conhecida como um tratado regional de Direitos Humanos, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e da Convenção Americana dos Direitos Humanos. Todos fazem referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em Dezembro de 1948.

O que influenciou a elaboração da Carta Afri-cana dos Direitos do Homem e dos Povos foi a realização de diversas conferências, nas décadas de 1960 e 1970, pelas Nações Unidas, Governos africanos (já independentes do colonialismo euro-peu) e Organizações Não Governamentais. O ob-jectivo destas conferências era apresentar ideias para projectar um sistema regional africano que promovesse e protegesse os Direitos Humanos e liberdades fundamentais à luz das normas inter-nacionais.

No começo da década de 1980, a então Organi-zação de Unidade Africana (OUA) adoptou o pro-jecto da Carta Africana como instrumento legal que vincularia a todos os Estados Partes. No dia 27 de Junho de 1981, os Chefes de Estado e de Governo africanos, reunidos em cimeira no Quénia, apro-varam por unanimidade o instrumento que adop-taram por Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. A mesma só entrou em vigor em 1986, isto é, cinco anos depois da sua adopção.

De lá para cá, foram adoptados vários protoco-los para alargar os direitos específicos garantidos pela Carta Africana, nomeadamente: a Carta Afri-cana dos Direitos do Bem-estar da Criança (1999);

a Convenção da União Africana sobre a Prevenção e o Combate contra a Corrupção (2003); e o Proto-colo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos da Mulher em África, que entrou em vigor em Novembro de 2005.

Desde a sua entrada em vigor, todos os Esta-dos-membro da actual União Africana promete-ram respeitar os direitos e liberdades garantidos na Carta. Para fiscalizar o cumprimento do seu conteúdo, foi criada a Comissão Africana, com a missão de emitir recomendações devidas aos Es-tados Partes – que são muitas vezes ignoradas pelos seus governos.

A Comissão Africana, de facto, não é um órgão judicial e, por isso, muitos peritos apelaram para a criação de um Tribunal Africano dos Direitos Hu-manos e dos Povos. Em Junho de 1998, a então OUA adoptou um protocolo que tem como objecti-vo o estabelecimento deste Tribunal.

O Tribunal tem a função de complementar e re-forçar o trabalho da Comissão Africana e apreciar casos de violação de Direitos Humanos apresen-tados pela Comissão, pelos Estados e, em alguns casos, directamente pelas próprias vítimas ou pe-los seus representantes, incluindo as associações e ONG`s.

Apesar disso, subsistem enormes desafios no tocante ao cumprimento do que está escrito na Carta, porque se assiste ainda a muitas violações dos Direitos Humanos na maioria dos Estados Partes.

Só a boa-vontade dos próprios signatários é que poderá ditar o sucesso do seu cumprimento, porque todos os meios de garantia dos Direitos Humanos são públicos e a ninguém é autorizado fazer justiça por mãos próprias.

Lima de Oliveira

Page 8: Mosaiko Inform 009

Ficha Técnica

Mosaiko Inform

PropriedadeCentro Cultural Mosaiko

NIF: 7405000860

Nº registoMCS-492/B/2008

RedacçãoBelarmino Márcio Cardoso

Fernando da SilvaFlorência ChimuandoJúlio Candeeiro, op

Mónica Guedes

Colaboradores: Barros Manuel

Dom José Manuel ImbambaEmílio José ManuelLima de Oliveira

Pe. Jacinto Pio Wacussanga

Técnico GráficoGabriel Kahenjengo

ContactosCentro Cultural Mosaiko

Bairro da Estalagem Km 12 - Viana

Caixa Postal 6945 CLuanda - Angola

Telefones923 543 546 / 912 508 604

Endereço electró[email protected]

Sítio na internethttp://mosaiko.op.org

ImpressãoIndugráfica, LdaFátima - Portugal

Tiragem: 2 500 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

8

F i g u r a e m D e s t a q u e

Mosaikoinform

Mosaiko

Dom José Manuel Imbamba

José Manuel Imbamba nasceu a 7 de Janeiro de 1965, na localidade de Boma, Lwena-Moxico. É filho de Moisé José Massanga e de Maria Satembo.

Fez os seus estudos primários em Lwena e a partir de 1979 começou a sua caminhada vocacional, tendo partido, nesse mesmo ano, para o Seminário Menor de Malanje, onde frequentou o ensino secundário.

Em 1982 foi transferido para o Seminário Maior de Luanda, onde frequentou o ensino médio, no fim do qual foi transferido para o Seminário Maior do Uíje, onde frequentou o curso de Filosofia.

Em 1987 regressou ao Seminário Maior de Lu-anda, frequentando o curso de Teologia. Terminou os estudos com êxito em 1991, ano em que foi or-denado sacerdote na Diocese do Lwena. Aí trabalhou como Pároco da Sé Catedral, Delegado Diocesano da CARITAS, foi Director do Secretariado Diocesano da Pastoral, Vigário Geral da Diocese e professor de Filosofia e Língua Portuguesa no IMNE e IMS, res-pectivamente.

Em 1995 seguiu para Roma, onde se doutorou em Filosofia, com especialidade em Antropologia Filosófi-ca, na Pontifícia Universidade Urbaniana.

De 2001 a 2008 foi Secretário-Geral da Universida-de Católica de Angola, coordenador das cadeiras Éti-cas e professor de Justiça Social nos cursos de Direito, Engenharia Informática, Línguas e Literatura e Psi-cologia Clínica. Foi também professor convidado em diversas instituições: na Universidade Agostinho Neto, nos cursos de Mestrado, no ISCED do Lubango, no Instituto Superior João Paulo II, onde ministrava a ca-deira de Antropologia Filosófica e Axiologia, no Centro de Estudos Superiores D. Bosco, onde ministrava a ca-deira de Antropologia Filosófica e no Seminário Maior de Luanda, onde ensinava a cadeira de Ontologia.

A partir de 2005 até a altura da sua nomeação como Bispo dirigiu o Gabinete de Imprensa da CEAST – Conferência Episcopal de Angola e São Tomé.

Desde 2006 a 2009 foi membro do Conselho Cien-

tífico da UNESCO para o Diálogo Inter-Regional de Filosofia e desde 2008 da Revista Religiões e Estudos do Ministério da Cultura da República de Angola.

D. José Manuel Imbamba é autor do livro “Uma Nova Cultura para Mulheres e Homens Novos”. A obra, lançada em 2003, é dedicada “ao povo angola-no, cuja dignidade continua a ser pisada e esvaziada de valor, e a todos aqueles que se batem por uma cultura da paz, da palavra, do amor, da verdade e do desenvolvimento integral”.

Convidado a intervir durante a III Semana Social Nacional (uma iniciativa da CEAST e organizada pelo Centro Cultural Mosaiko), que decorreu de 6 a 10 de Fevereiro de 2007, José Manuel Imbamba tratou da questão da Justiça Social na Revelação e na Tradi-ção. Da sua comunicação realçamos a seguinte de-claração “A vida humana é sempre um projecto social que se deve realizar com o concurso responsável de todos, para que possam gozar os mesmos direitos e benefícios e cumprir os respectivos deveres. Esta é a razão de ser da sociedade com as suas leis, institui-ções e estruturas, que concorrem para o desenvolvi-mento e realização de todos os seres humanos (…)”.

Actualmente, é Bispo da Diocese de Dundo e Ad-ministrador Apostólico da Diocese de Saurimo. A nível da CEAST é membro do Conselho Permanente, Dele-gado da CEAST no SCEAM (Simpósio das Conferên-cias Episcopais de África e Madagáscar), Presidente da Comissão Episcopal da Comunicação Social.

Como bispo do Dundo e Administrador Apostólico da Diocese de Saurimo bate-se muito pela melhoria das condições sociais básicas dos povos daquelas paragens e contribui, através da sua acção pastoral, para o resgaste de valores numa sociedade onde a violência doméstica, o suicídio e o fenómeno “feitiço” contribuem para a degradação das sociedades das Lundas Norte e Sul.

Centro Cultural Mosaiko

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9Nº 09 / Dezembro 2010

C o n s t r u i n d o

Em 2007, os Padres Espiritanos voltaram a residir na Missão Católica da Ndjinga após 30 anos de ausência por motivos da guerra fratri-cida que assolou o país. A situação encontrada naquela região reclamava por uma urgente in-tervenção que promovesse a paz e o desenvol-vimento integral e integrado, na Missão da Nd-jinga, em particular, e nos Municípios do Bocoio e Balombo. A Missão Católica da Ndjinga, na pessoa do Pe.José Tchivangulula, fez algumas diligências pedindo apoio à CRS (Catholic Relief Service) e dela recebeu apoio para implementar o Projecto que ajudasse naquela região a unir as pessoas.

Este projecto iniciou-se a 30 de Setembro de 2008 e recebeu, sob proposta do Bispo Emérito da diocese de Benguela, D. Óscar Braga, a de-nominação de Projecto “Yakela Otchili, Vindikiya Esunga”, com a sigla Y.O.V.E.

Y.O.V.E, em português, quer dizer “Lutar pela Verdade e proteger a Justiça”. Foi por este facto que o projecto definiu como objectivo principal “ajudar as pessoas que vivem nas comunidades

rurais dos municípios do Bocoio e do Balombo

a conhecerem e defenderem os seus direitos a

fim de serem capazes de criar iniciativas locais

que contribuam para o desenvolvimento político,

económico, social, religioso e cultural das suas

comunidades”. (Relatório do Departamento de Justiça e Direitos Humanos do Mosaiko, 2008)

O Y.O.V.E. procura, no seu trabalho a nível local, unir, pela mediação, os cidadãos em con-flitos, procura propor caminhos para o melhor funcionamento das várias instituições. O Y.O.V.E vai sendo um espaço de auscultação, debate e

resolução “em conselho” dos problemas econó-micos, sociais e culturais, entre outros, que os cidadãos e instituições vão enfrentando nas lo-calidades da região.

No primeiro semestre de 2009, o Centro Cul-tural Mosaiko foi solicitado pelo Y.O.V.E para formar 40 activistas em Direitos Humanos, Re-solução de Conflitos e Liderança Participativa. Depois daquela formação, em 12 meses de tra-balho levado a cabo através da divulgação dos Direitos Humanos com palestras, teatros, semi-nários, sensibilização, acompanhamento e re-solução pela mediação de casos de conflitos, o projecto começou a consolidar-se administrativa e institucionalmente.

No seu trabalho com as comunidades, até fim de 2009, o projecto Y.O.V.E formou em Direitos Humanos, Resolução de Conflitos e Liderança Participativa cerca de 26.275 mulheres e 21.660 homens (perfazendo um total de 47.935 pes-soas) entre Administradores Comunais, Rege-dores, Sobas, Catequistas, Pastores, membros de Partidos Políticos, Professores, Enfermei-ros, mulheres da Promaica, mulheres da OMA,

“O Y.O.v.E vEIO PARA NOS UNIR!”

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10Mosaiko

informMosaiko

c o n s t r u i n d o

O caso Tchavaia

terminou com a

detenção do acu-

sado pela Polícia

e as duas senho-

ras, hoje, vivem

em paz. Elas di-

zem que: «Sem a

intervenção dos

activistas do Pro-

jecto YOvE não

haveria justiça

nem viveríamos

em paz»

mulheres da LIMA, jovens da JMPLA, agentes da Polícia Nacional e militares das Forças Armadas Angolanas.

Porque razão o povo dos municípios do Ba-lombo e Bocoio diz “o YOVE veio para nos unir”? Vamos analisar algumas das razões que estão na base deste elogio:

1) Caso Tchavaia

No dia 19 de Fevereiro de 2009, quinta-feira, às 20 horas, ocorreu um incêndio na aldeia da Tchavaia (Missão da Ndjinga) causado por um cidadão residente naquela aldeia.

O incêndio destruiu totalmente a residência de uma senhora, de 59 anos de idade, onde ela tinha todos os seus haveres, ficando ela e a sua filha sem casa, cama, comida e cerca de 50.000,00 Kwanzas.

A questão complicava-se porque recebia-se informações dos populares daquele bairro de que no momento do incêndio recorreu-se ao Posto Policial do Monte-Belo para participar a ocorrência e não houve nenhuma reacção. Mes-mo assim, a vítima recorreu ao Posto Policial do Monte-Belo no dia seguinte (sexta-feira) para expor o sucedido, mas os agentes da Polícia não compareceram ao local para fazer o levantamen-to dos danos e o suposto autor andava à solta, passeava pela vila da Comuna do Monte-Belo, falando convencido de que ninguém o ia prender e ainda acrescentava que ia concluir o seu pla-no de matar a sua ex-esposa e a ex-sogra, víti-

mas do incêndio. O caso chegou ao conheci-mento dos activistas do Y.O.V.E que no dia 24 de Fevereiro acolheram as duas senhoras que pediam socorro para serem protegidas porque corriam o risco de serem massacradas pelo se-nhor, que, desde que queimou a casa, aparecia todos os dias no bairro drogado, bêbado e com faca na mão.

Os activistas recorreram ao Comandante Mu-nicipal da Polícia Nacional do Balombo. O caso terminou com a detenção do acusado pela Po-lícia e as duas senhoras, hoje, vivem em paz. Elas dizem que: «Sem a intervenção dos activis-

tas do Projecto YOVE não haveria justiça nem

viveríamos em paz».

2) Caso de acusação de feitiçaria

No dia 5 de Março de 2009, pelas 8h00, apa-receu no escritório do Y.O.V.E uma senhora de 50 anos de idade. Expôs o seu problema dizendo que tinha sido acusada de feiticeira, juntamente com o marido e o seu tio de 78 anos de idade. Os populares da aldeia da Tchavaya acusavam-nos de serem responsáveis pela falta de chuva na região. Os acusadores convocaram uma reunião em casa do soba para os devidos esclarecimen-tos, mas, faltando provas, o caso não procedeu. Mesmo assim, essas pessoas que acusavam não recuaram e continuaram a acusá-los de feiti-ceiros. Os acusados sentiam-se envergonhados e abalados psicologicamente com este nome de feiticeiro que lhes foi imposto.

Sendo assim, eles não sabiam como apagar esse nome feio que lhes tinha sido atribuído. Os activistas do Projecto Y.O.V.E organizaram, en-tão, uma sessão sobre Direitos Humanos, Reso-lução de Conflitos e Liderança Participativa no dia 07 de Março de 2009, onde todos os partici-pantes concluíram que não fazia sentido aquele tipo de atitude e reprovou-se com veemência aquela onda de acusação de pessoas como

Page 11: Mosaiko Inform 009

11Nº 09 / Dezembro 2010

c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o

As pessoas di-

zem «o trabalho

dos Direitos Hu-

manos precisa de

ser consolidado

para continuar a

unir-nos».

sendo feiticeiras. A partir daquela data os habi-tantes da aldeia da Tchavaya pediram desculpas públicas à senhora ofendida, fizeram uma espé-cie de juramento perante os activistas compro-metendo-se a abandonarem tal prática e decidi-ram aderir logo ao projecto Y.O.V.E. Na aldeia, hoje, reina a harmonia, a amizade, a paz e a união.

3) Caso de agressão física

No dia 23 de Março de 2009, pelas 13h35, apareceu no escritório do Y.O.V.E um cidadão de 57 anos de idade. Ele veio expor o problema que se passou com ele, dizendo que tinha sofri-do uma agressão física.

Inquirido sobre quem tinham sido os agres-sores e os motivos da agressão, explicou: “Os

agressores são ambos líderes do Comité do

MPLA na Comuna do Tchingongo”. Explicou tam-bém que o seu sobrinho já tinha ido à Polícia para fazer a queixa, mas aqueles agentes da Polícia do Posto do Tchingongo não reagiram. Por isso, acharam por bem aparecer no escritó-rio “dos Direitos Humanos” a fim de explicarem o sucedido.

Recebida a informação, naquele mesmo instante, uma equipa “dos Direitos Humanos” deslocou-se para o Comando da Polícia, con-tactou imediatamente o Comandante e o Chefe da Investigação Criminal. Estes declararam que tinham conhecimento da situação e que iriam re-solver o problema segundo a lei. Os activistas fizeram algumas recomendações que levaram o Comandante e o Chefe de Investigação Criminal a chamarem a atenção aos supostos agressores para que a partir dessa data não se verificassem actos do género a serem praticados por eles. O povo comenta que o projecto Y.O.V.E veio para unir as pessoas e ajudar a apagar as mágoas sofridas durante a guerra. Graças às palestras dos activistas, hoje, as pessoas exibem as suas

propagandas políticas sem causar conflitos nem tumultos. As pessoas dizem «o trabalho dos Di-

reitos Humanos precisa de ser consolidado para

continuar a unir-nos».

4) Caso das quatro aldeias

No dia 14 de Setembro de 2009, os activistas dos Direitos Huma-nos, quando se e n c o n t r a v a m em actividade de sensibilização, receberam informação de que quatro aldeias, nomeadamente Kalonundu, Ngolo I, Ngolo II e Munana apenas viram os pro-fessores no momento da matrícula, em Janeiro. Depois, os alunos nunca tinham tido aulas. Os activistas reuniram com os sobas e organizaram algumas aulas de alfabetização para as crianças daquelas aldeias enquanto o grupo pressionava a Repartição Municipal da Educação do Balombo para a regularização da situação daquelas crian-ças que ficavam sem aulas. A regularização da situação culminou com a substituição de todo o pessoal que funcionava na repartição municipal. Hoje, felizmente, todas aquelas aldeias já têm professores que trabalham com pontualidade e regularidade.

5) Casos de saúdea) Na mesma Comuna do Cubal do Lumbo,

“os Activistas dos Direitos Humanos” avisaram o Administrador Comunal sobre a crise de cólera que assolava aquela região. Quando tomou co-nhecimento, o Administrador Comunal, participou o caso à Direcção de Saúde que, além de tomar as devidas medidas de combate, disponibilizou meios de prevenção às populações pondo em vigor medidas de saneamento básico naquelas

aldeias, o que permitiu erradicar a epidemia.

Page 12: Mosaiko Inform 009

12Mosaiko

informMosaiko

c o n s t r u i n d o b) Ainda naquela área, na Balança, as

mulheres da PROMAICA deram a conhecer aos “Activistas dos Direitos Humanos” que sofriam por falta de uma maternidade perto. Os partos eram atendidos por enfermeiros particulares que cobravam cinco mil kwanzas quando corria bem e três mil e quinhento kwanzas quando o parto corria mal, isto é, quando a criança morria. As mulheres da Promaica pediam para que fossem respeitados os Direitos da Mulher. A missão do Bocoio manifestou-se sensível com a situação e decidiu construir um posto médico que está a ser subvencionado pelo Estado.

c) Um senhor tinha a esposa doente. Por isso, foram ao Posto de Saúde de um senhor que vive no bairro do Tchi-lungu. A esposa fez análise e pagou mil trezen-tos e cinquenta kwanzas. O enfermeiro entregou apenas o resultado e não quis entregar a receita

e obrigou que o doente se tratas-se no seu Posto de Saúde, pa-gando mais três mil e quinhentos kwanzas. Como a paciente con-fessou que não tinha tal dinhei-ro, o enfermeiro decidiu não en-tregar a receita

ao senhor que tinha a esposa doente. O caso foi apresentado aos activistas do Y.O.V.E que, por sua vez, o encaminharam às autoridades da saúde do Município do Bocoio para inspecciona-rem o funcionamento dos Postos de Saúde pri-vados que muitas vezes violam os direitos dos cidadãos. A inspecção confirmou que tal Posto visava apenas extorquir o dinheiro das pesso-

as que a ele recorriam, situação que levou a inspecção a tomar dili-gências que terminaram com o encerramento de-finitivo do referido Posto Médico.

O Y.O.V.E, neste ano, participou da pri-meira fase de formação sobre “os Direitos fun-

damentais e sua pro-

tecção em Angola”, que decorreu no mês de Maio, em Viana, Luanda. O projecto organizou no Balombo um seminário sobre a “nova Constituição”, entre outras activi-dades que visam contribuir de forma directa ou indirecta para a diminuição dos conflitos partidá-rios e até mesmo da violência doméstica e dos conflitos familiares. Os líderes religiosos e dod partidos políticos mostram-se muito satisfeitos e estimulam o grupo a prosseguir com o seu traba-lho em Direitos Humanos.

O Y.O.V.E vai desempenhando um papel de grande relevância a nível local; o projecto trans-formou-se em Associação com a mesma deno-minação Y.O.V.E. No dia 24 de Outubro de 2009 fez-se a proclamação da Associação Y.O.V.E, de âmbito local, na Comuna de Xindumbo. Actual-mente, a Associação continua a trabalhar enquan-

Barros Manuel

Os líderes reli-

giosos e dos par-

tidos políticos

mostram-se muito

satisfeitos e esti-

mulam o grupo a

prosseguir com o

seu trabalho em

Direitos Humanos

Page 13: Mosaiko Inform 009

E n t r e . . . v i s t a

13Nº 09 / Dezembro 2010

MI: A Comissão “Justiça e Paz” da Gabela existe desde 1996. Pode contar-nos como é que ela surgiu?

PF: A Comissão “Justiça e Paz” começou a ser pen-sada a partir dos acontecimentos dolorosos de 1992, na Gabela, que ensanguentaram esta ci-dade e outros municípios do Kuanza Sul. O Pá-roco da altura já tinha pensado nalgumas pesso-as e estava a dar a primeira formação. Quando tomei conta da Paróquia, em Fevereiro de 1995, assumi esse compromisso, mas não conhecia as pessoas. O grupo esteve em formação quase um ano. Só em 1996 foram escolhidos os ele-mentos que nos pareceram ter perfil e capaci-dade para assumir tão grande responsabilidade naquele momento tão melindroso.

MI: Quais são os objectivos da Comissão?

PF: Num primeiro momento a Comissão foi cons-tituída para ser sentinela contra os atropelos que se cometiam diariamente pelas tropas de ambos os lados da guerra e também por gente que se considerava dona de tudo e de todos. Era necessário que se denunciassem situações gritantes num tempo em que reinava o medo de retaliações e vinganças. Numa segunda fase, alargou-se o âmbito da nossa acção de modo a envolver mais gente tornando as pessoas mais conscientes dos seus direitos e deveres e com capacidade crítica para intervir nos diversos âmbitos da vida e da sociedade.

MI: Como avalia a dinâmica dos Direitos Humanos durante e depois da guerra?

PF: A paz, só por si, não trouxe a consciên-cia às pessoas dos seus direitos e liber-dades. Se durante a guerra havia uns atropelos, surgiram outros depois dos acordos: ajustes de contas, acusações de feitiçaria, ameaças de expulsão dos populares das terras onde habitavam por parte dos fazendeiros que compra-ram essas terras, mas com esse povo lá colocado pelo Estado. As mudanças socio-políticas só por si não resolvem nada enquanto as pessoas não toma-rem consciência da sua dignidade e en-contrarem por si ou por outras vias os meios para se defenderem.

MI: Qual foi sendo o contributo da Comissão para a promoção dos Direitos Humanos na Gabela?

PF: Para além de ajudar a resolver situações pon-tuais que nos eram colocadas, a Comissão pro-curou ao longo destes anos criar nas pessoas e nas comunidades a consciência cívica atra-vés do conhecimento dos Direitos, Deveres e Liberdades de todos os cidadãos, e que estão consignadas na Constituição da República e nos demais diplomas legais através dos quais se organiza a vida do povo. Todos estes encon-tros de formação em seminários, especialmente

c o n s t r u i n d oAs Comissões “Justiça e Paz” existem em Angola e assumem um papel relevante nas comunidades onde estão presentes. É o exemplo da Comissão “Justiça e Paz” da Gabela. Criada em 1996 “a Comissão procurou ao longo destes anos criar nas pessoas e nas comunidades a consciência cívica através do conhecimento dos Direitos, Deveres e Liberdades de todos os cidadãos”. Desde 1999, o Mosaiko tem vindo a facilitar seminários de formação aos membros desta Comissão. Para saber mais sobre o seu percurso, entrevistamos o Padre Farias (PF), que foi responsável pela Comissão durante treze anos.

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14Mosaiko

informMosaiko

organizados para isso, eram depois multiplica-dos nas comunidades através dos membros da Comissão que se deslocavam, aos domingos, com os missionários e aí se reuniam com o povo. Recordo um desses encontros realizado numa capela enorme da Igreja Assembleia de Deus Pentecostal por duas senhoras da nossa Comissão. No final, quando passei para as re-colher, esperavam-me alguns fiéis dessa Igreja para me agradecer esse ensinamento dado por elas acerca da obrigação que todo o cidadão tem de exercer o seu direito de voto. Foi uma grande pregação, diziam eles.

MI: Como foi sendo a relação entre a Comissão e as autoridades locais no âmbito dos Direitos Humanos?

PF: Houve uma grande evolução. Quando iniciámos havia suspeita e até ameaças veladas. Quando as pessoas foram chamadas e aceitaram ser formadas e começaram a conhecer os Direitos Humanos e a vantagem da participação activa dos cidadãos na vida pública, começaram a mu-dar e têm pela Comissão uma grande conside-ração e pedem a sua colaboração em várias in-tervenções do governo local. Hoje, a Comissão Paroquial “Justiça e Paz” é uma instituição com crédito e muito apreciada localmente, embora ainda haja gente que mantém reservas porque tem medo de perder algumas regalias bem sus-peitas.

MI: A partir de quando é que a Comissão começou a solicitar a colaboração do Mosaiko?

PF: Creio que foi em 1999. A Comissão começava a dar os seus primeiros passos a partir duma formação inicial ainda muito incipiente. A de-manda e sobretudo os desafios começaram a aumentar mas não havia capacitação e matu-ridade para enfrentar certas situações. Depois era importante que esta consciência cívica não se ficasse apenas por um pequeno núcleo, mas

que outras pessoas da Igreja também fossem formadas para haver uma maior consciência cívica colectiva. Como conhecia desde a pri-meira hora da sua chegada a Angola, os Fra-des Dominicanos, e os visitava algumas vezes, tomei conhecimento directo do seu trabalho de formação e sensibilização para os Direitos Hu-manos. Depois dum contacto sobre o que era o Centro Cultural Mosaiko, apresentei numa das reuniões da Comissão a proposta de iniciar uma formação mais ampla e consistente. Esta ideia foi imediatamente acolhida porque as pessoas estavam mesmo à espera disso.

MI: Quem eram os participantes dessa formação?

PF: Foi muito interessante a nossa caminhada tan-to dentro da Comissão como na relação com o Mosaiko. Primeiro pensou-se em ser uma for-mação para membros mais activos da Paróquia. Alguém na Comissão levantou a ideia de alargar o âmbito a membros de outras Igrejas. Mas foi a Direcção do Mosaiko que nos sugeriu que fos-se uma formação aberta a líderes de todos os serviços municipais e com intervenção pública: directores de serviços, Polícia, FAA, partidos políticos, sobas, associações locais, Igrejas. Essa sugestão foi bem acolhida pela Comissão porque era isso mesmo que todos queriam, mas não sabiam a quem o Centro destinava essa formação.

MI: Que avaliação faz das instituições de defesa dos Direitos Humanos do Estado, nomeada-mente a IX Comissão da Assembleia Nacional, a Procuradoria da Justiça e a Procuradoria Ge-ral da República?

PF: As instituições não fazem nada. Quem faz ou não são as pessoas que lá trabalham. A Co-missão Paroquial “Justiça e Paz” da Gabela tem casos concretos em que recorreu directa-mente à Presidência da Assembleia Nacional, ainda não havia a IX Comissão, e foi atendida

e n t r e . . . v i s t a

PERFIL DE

Pe. Augusto Farias

Natural de Agadão, Portugal.

Fez o Curso do Seminário no

Instituto Superior de Estudos

Eclesiásticos do Porto e Licen-

ciatura em Teologia Pastoral,

na Pontificia Universidad de

Salamanca.

Chegou a Angola em 1971,

realçando-se as seguintes fun-

ções exercidas: Vigário coope-

rador na Missão do Dumbi,

Cassongue (4 anos); Director

do Secretariado Diocesano da

Pastoral do Sumbe e Pároco

de Porto Amboim (8 anos);

Pároco da Gabela (14 anos).

Actualmente vive no Seminá-

rio da Boa Nova, no Bairro da

Estalagem, Viana. É respon-

sável pela animação espiritu-

al do Seminário e é Superior

Regional dos Missionários da

Boa Nova em Angola.

Page 15: Mosaiko Inform 009

15Nº 09 / Dezembro 2010

imediatamente e com intervenção directa na sua reivindicação. Estou a referir-me ao caso dos desalojados da linha de Cambambe/Gabe-la em que se demoliram as casas sem alterna-tivas e apresentando o caso na comunicação social como grande sucesso. Outros casos apresentados ao Ministro da Justiça, ainda não havia Provedor de Justiça, e que tiveram intervenção rápida e eficaz. Outros casos, porém, apresentados à Assembleia Nacional não só não mereceram a devida apreciação, mas até serviram para questionar a acção da Comissão. Por isso, repito, quem faz ou não são as pessoas. Que haja estas instituições é muito bom e sinal de que se quer avançar, mas mais importante é que as pessoas se em-penham nesta matéria.

MI: No âmbito da organização do novo executi-vo, foi criada a Secretaria de Estado para os Direitos Humanos. O que é que espera desse órgão na prestação de apoio ao trabalho de organizações cívicas dos DH espalhados pelo país?

PF: Atendendo ao país em que vivemos e com todos os antecedentes de guerra que houve seria muito oportuna esta nova instituição governamental. Mas como disse antes, os or-ganismos e instituições só por si não fazem nada. Quem pode intervir são as pessoas que as compõem. Tenho medo, porém, que seja mais uma super estrutura onde umas tantas pessoas se estão a “arranjar” com bons venci-mentos e outras benesses em nome dos des-graçados que continuam a ser espoliados dia-riamente dos seus direitos e liberdades, tanto mais que isso de Direitos Humanos vai mexer com pessoas da nomenclatura que são intocá-veis, como é o caso dos generais e outros se-nhores que estão a tornar-se donos de tudo. Entretanto, se esta Secretaria de Estado tiver pessoas capazes e com capacidade interven-

tiva já tem no terreno muitos parceiros que a poderão ajudar no desempenho das suas fun-ções. Seria até o organismo normal para onde as Comissões Paroquiais e Diocesanas de “Justiça e Paz” e outras organizações cívicas poderiam encaminhar muitos casos. Poderia agilizar muitos processos que algumas vezes ficam pelo caminho e sem resposta, porque fazendo parte do governo direccionaria essas casos para quem de direito dentro do próprio Executivo. Temos de esperar para ver, mas oxalá que funcione. Seria bom para todos e em todo o país e não apenas no Kuanza Sul.

MI: Como perspectiva a promoção, protecção e defesa dos Direitos Humanos em Angola?

PF: Creio haver todos os mecanismos jurídicos e legais para uma progressiva melhoria dos direitos e liberdades de todos os cidadãos. Há já imensas instituições a trabalhar nesse sentido: Igrejas, ONG`s, rádios, jornais…e até organismos do Estado, quer formando a cons-ciência popular quer agindo em determinados casos. Mas acontece que há ainda muita im-punidade. Enquanto houver gente acima da lei e Tribunais sujeitos ao Poder administra-tivo, nunca conseguiremos alcançar um nível aceitável de respeito pelos Direitos Humanos. Isso não se consegue em parte nenhuma do mundo e aqui ainda com mais dificuldades. É sempre um tema pendente e um desafio à nossa frente. Mas não se podem baixar os braços, porque a defesa dos pobres e oprimi-dos é uma tarefa legada pelo nosso Deus e a primeira condição para que o Reino de Deus vá acontecendo entre os Homens. Creio, po-rém, que esta e outras Comissões precisam de muito apoio, mesmo jurídico, para poderem acompanhar certos casos que é necessário encaminhar para os Tribunais.

Mónica Guedes

e n t r e . . . v i s t a e n t r e . . . v i s t a

Enquanto houver

gente acima da lei

e Tribunais

sujeitos ao Poder

administrativo,

nunca conseguire-

mos alcançar um

nível aceitável de

respeito pelos

Direitos Humanos

Page 16: Mosaiko Inform 009

R e f l e c t i n d o

16Mosaiko

informMosaiko

r e f l e c t i n d o

Para falarmos do mecanismo de Revisão Períódica Universal (RPU) criado no âmbito das reformas em curso na Organização das Nações Unidas (ONU)1 temos que abordar o processo que desencadeou no RPU.

A Organização das Nações Unidas nasceu oficialmente em 24 de Outubro de 1945, data da promulgação da Carta das Nações Unidas, assi-nada na época por 51 países. Criada logo após a 2ª Guerra Mundial, o foco de actuação da ONU é a manutenção da paz e do desenvolvimento em todos os países do mundo.

A missão da ONU parte do pressuposto de que os diversos problemas mundiais – como a pobreza, o desemprego, a degradação ambien-tal, a criminalidade, o HIV/SIDA, a migração e o tráfico de drogas – podem ser mais facilmente combatidos por meio de uma cooperação inter-nacional. As acções para a redução da desigual-dade global também podem ser optimizadas sob uma coordenação independente e de âmbito mundial, como as Nações Unidas.

No dia 10 de Dezembro de 1948 foi adopta-da, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pela aprovação de 48 Estados, com 8 abstenções. A inexistência de qualquer ques-tionamento ou reserva feita pelos Estados aos princípios da Declaração, bem como de qualquer voto contrário às disposições, confere à DUDH o significado de um código e de uma plataforma comum de acção.

A Declaração consolida a afirmação de uma ética universal ao consagrar um consenso sobre

valores de cunho universal a serem seguidos pe-los Estados.

A DUDH reuniu duas categorias de Direitos Humanos (duas “gerações”): os Direitos Civis e Políticos, dum lado, e os Direitos Sociais, Eco-nómicos e Culturais, do outro. A DUDH marca uma nova era de direitos para os indivíduos e in-fluencia o direito costumeiro internacional, bem como as constituições modernas.

Foram criados dois Pactos: o Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto sobre os Di-reitos Económicos, Sociais e Culturais. Os dois “Pactos”, segundo a vontade da Assembleia Ge-ral, deviam criar um quadro jurídico, uma obriga-ção contratual, porque os países podiam/deviam aderir. Nestes dois Pactos, as duas gerações de Direitos Humanos foram separadas. Foram adoptados pela Assembleia Geral em 1966 e abertos a assinaturas. Só em 1976 foi atingida a quota mínima de 35 membros para que estes pudessem entrar em vigor.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas

Aos 15 de Março de 2006, a Assembleia Ge-ral (AG) da ONU, o corpo central inter-governa-mental, votou substituir a Comissão dos Direitos Humanos (CHR), pelo Conselho de Direitos Hu-manos (HRC) aprovado pela resolução A/60/L.48 da AG. O Conselho de Direitos Humanos (HRC)2 é, na ONU, o corpo chave inter-governamental responsável pelos Direitos Humanos, é respon-sável por todos os mandatos, mecanismos, fun-ções e responsabilidades previamente confia-

Revisão Periódica Universal: uma reflexão sobre o processo

de reforma da ONU e a RPU em Angola

A DUDH marca

uma nova era de

direitos para os

indivíduos e

influencia o

direito costumeiro

internacional, bem

como as constitui-

ções modernas.

1 Sobre a reforma da ONU consultar a we-bpage: http://www2.ohchr.org

2 Sigla em Inglês.

Page 17: Mosaiko Inform 009

R e f l e c t i n d o r e f l e c t i n d odas à extinta Comissão de Direitos Humanos.

O Alto Comissário para os Direitos Huma-nos (OHCHR)3 age como um Secretariado para o Conselho de Direitos Humanos, como fez para a Comissão dos Direitos Humanos.

O Conselho de Direitos Humanos é um corpo político de 47 membros, com base em Genebra, em substituição da Comissão dos Direitos Huma-nos. Enquanto a Comissão dos Direitos Huma-nos era um órgão subsidiário do Conselho Social Económico (ECOSOC), o Conselho de Direitos Humanos foi elevado a um órgão subsidiário da Assembleia Geral. O seu papel é endereçar in-fracções de Direitos Humanos, incluindo infrac-ções sistemáticas, e promover a coordenação eficiente e integral dos Direitos Humanos dentro do sistema da ONU.

O mecanismo de Revisão Periódica Universal: RPU

A Revisão Períodica Universal (RPU) é o me-canismo mais inovador do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Este mecanismo determina que todos os Estados-membros da ONU (192) sejam submetidos, periódicamente,

a uma revisão em Direitos Humanos, em ciclo de 4 anos (48 países por ano). De acordo com a Resolução 60/251 da Assembleia Geral e a Re-solução 5/1 do Conselho de Direitos Humanos, esta revisão visa avaliar o cumprimento por par-te dos Estados das obrigações e compromissos internacionais assumidos em matéria de Direitos Humanos. A Sociedade Civil desempenha um papel crucial para que a RPU e o Conselho de Direitos Humanos tenham êxito.

O RPU foi criado para combater a selectivi-dade e hiper-politização que sofreu a Comissão de Direitos Humanos, a pouca cooperação e atenção a todo o espectro de Direitos Humanos.

O RPU tem como objectivos: a) melhoria da situação dos Direitos Huma-

nos; b) cumprimento das obrigações de Direitos

Humanos; c) constatação dos desenvolvimentos positi-

vos e desafios; d) melhoria da capacidade do Estado e da

assistência técnica; e) partilha das melhores práticas; f) cooperação no campo dos Direitos Hu-

3 Sigla em Inglês, o uso das inciais em Inglês servem para diferenciar a Comissão dos Direito Humanos e o Conselho de Direitos Humanos, porque as duas sigla teriam as mesmas inciciais – CDH.

Nº 09 / Dezembro 201017

Page 18: Mosaiko Inform 009

r e f l e c t i n d omanos, em particular com instituições das

Nações Unidas.

As fases do processo

O processo de revisão obedece quatro fases:

Fase 1 – elaboração dos relatórios; Fase 2 – diálogo interativo; Fase 3 – adopção do relatório final; Fase 4 – acompanhamento da implementação

das Recomendações e preparação para a próxima revisão.

Fase 1 – Elaboração de Relatórios 4

Três relatórios servem de base para a revi-são de cada país: um relatório nacional elabora-do pelo Estado em Revisão, um relatório com in-formações provenientes da Sociedade Civil e um

relatório com informação das Nações Unidas re-ferente ao Estado em Revisão. As Organizações Não Governamentais (ONG`s) e outros actores podem enviar informações ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que por sua vez resumirá as informações recebi-das num relatório.

É necessário fazer referência à existência e ao papel da TROIKA, isto é, os três Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos que servem de relatores. O papel da TROIKA, antes da revisão, é o de receber as questões coloca-das antecipadamente e transmití-las, através do Secretariado ao Estado em Revisão. Depois da revisão, prepara o relatório do Grupo de Traba-lho, com a assistência do Secretariado e a ampla participação do Estado em Revisão.

Fase 2 – Diálgo interactivo

O Grupo de Trabalho (GT)5 , composto pelos 47 Estados-membros e Observadores do Conse-lho de Direitos Humanos, reune-se em Genebra para consideração dos relatórios elaborados na fase 1.

O Estado sob Revisão apresenta oralmente o seu relatório, responde a perguntas e recebe comentários e recomendações.

Fase 3 – Adopção do Relatório Final

O relatório que foi preparado durante a sessão do GT, pelo Secretariado do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, é adoptado formalmente na segunda sessão re-gular do Conselho de Direitos Humanos, após o Diálogo Interativo (Março, Junho ou Setembro). É nesse momento que os Estados sob Revisão aceitam ou rejeitam, de maneira definitiva, cada uma das Recomendações.

Durante esta fase as ONG`s com estatuto Consultativo junto do Conselho Económico, So-cial e Cultural podem participar da sessão de adopção do Relatório. Esse é o único momento onde as ONG`s presentes na sessão, em Ge-nebra, têm direito a voz. Assim, participar da sessão regular pode ser tão ou mais importante que participar do Diálogo Interativo. A sessão de adopção do relatório é transmitida ao vivo pela internet. Caso alguma ONG não possa participar,

Mosaikoinform

Mosaiko18

As Organizações

Não Governamen-

tais e outros

actores podem en-

viar informações

ao Alto Comissa-

riado das Nações

Unidas para os

Direitos Humanos

4 RoadMap: Folheto informativo: Passo-a-Passo para a Participação da Sociedade Ci-vil na Revisão Períodica Universal da ONU – RPU. Produzido pela Conectas Direitos Humanos e International Service for Human Rights (ISHR).

5 Nota: o Grupo de Trabalho se reune 3 vezes ao ano – Fevereiro, Maio e Dezembro. Em cada sessão são revisados 16 Estados.

Page 19: Mosaiko Inform 009

r e f l e c t i n d o r e f l e c t i n d opode pedir que parceiros, em Genebra, assistam presencialmente à sessão e a mantenham infor-mada.

Fase 4 – Acompanhamento da implementação das

Recomendações e prepara-ção da próxima Revisão

Todos os Estados são revisados de 4 em 4 anos e a implementação das recomendações é a base de revisão seguinte. Nesta fase as ONG’s devem desempenhar o papel de disseminar o conteúdo do relatório a nível do país e monitorar como têm sido implementadas as recomenda-ções endereçadas ao Estado em Revisão.

A Revisão Periódica de Angola

Angola, enquanto membro da ONU, tem par-ticipado no processo de reforma em curso e na criação do Conselho de Direitos Humanos.

Em 2009, para a elaboração do seu relató-rio, o Estado angolano convidou especialistas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, para realizarem uma forma-ção sobre elaboração de relatórios períódicos. Participaram desta acção formativa representan-tes dos diferentes Ministérios do Governo, Insti-tutos e Organizações Não Governamentais.

De modo a responder à demanda de interac-ção com o sistema da ONU, o Governo angolano criou uma Comissão inter-governamental para a elaboração de relatórios, que é constituida por: Ministério das Relações Exteriores (coordena-ção), Ministério da Justiça, Ministério do Interior, Procuradoria Geral da República e Secretaría do Estado para os Direitos Humanos. Esta Comis-são tem a incumbência de elaborar os relatórios oficiais sobre a situação dos Direitos Humanos em Angola.

O processo de revisão de Angola ocorreu em

Fevereiro de 2010 com a apresentação do Rela-tório. Os Estados-partes endereçaram ao Esta-do angolano 166 Recomendações - e em Junho de 2010, o Estado angolano acolheu o Relatório das recomendações.

As ONG`s angolanas também participaram deste processo. Em 2009, vinte ONG`s, após uma capacitação sobre o Sistema de Protec-ção de Direitos Humanos da ONU e da União Africana, com enfoque no Conselho de Direitos Humanos, nomeadamente, o Mecanismo de Re-visão Períodica Universal e o Sistema Africano de Protecção dos Direitos Humanos, decidiram criar um grupo de trabalho, o qual culminou com a produção de um relatório subscrito por dez or-ganizações.

O processo da PRU em Angola não foi in-clusivo nem participativo, e muito menos foi di-vulgado, partilhado ou discutido o seu conteúdo, como manda a ONU, e que deve acontecer nas fases I e IV das regras orientadoras do RPU.

O relatório apresentado pelo Estado angola-no não foi publicado nem publicitado dentro do país, nem tão pouco debatido, quer em fórum, quer através da abertura de contribuições com grupos temáticos.

Até ao momento o Relatório apresentado bem como as 166 Recomendações endereçadas ao Estado angolano não foram tornados públicos em Angola. Contudo, estes documentos estão disponíveis online, na página da ONU, nas cinco línguas de trabalho, Inglês, Francês, Espanhol, Russo e Árabe, mas não estão disponíveis na língua oficial de Angola – o português.

O Estado angolano deve realizar um conjunto de acções durante quatro anos, altura da próxi-ma Revisão Periódica Universal, para melhorar a situação dos Direitos Humanos.

As 166 Recomendações devem ser acolhidas e devem ser realizadas acções concretas para ultrapassá-las.

Emílio José Manuel

Nº 09 / Dezembro 201019

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b r e v e s O Relatório de 2010 – “A Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para

o Desenvolvimento Humano” – foi lançado no dia 4 de Novembro de 2010 pelo Secretário-Geral Ban Ki-moon, a Administradora do PNUD Helen Clark e o laureado com o Nobel Amartya Sen, que ajudou a ide-alizar o IDH para o primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano em 1990 com o falecido economista Mahbub ul Haq, fundador da série.

“O Relatório revela que, em geral, as pessoas têm actualmente mais

saúde, maior riqueza e melhor educação do que antes”, realçou H. Clark. A maior parte dos países em vias de desenvolvimento fez progres-

sos profundos, ainda que frequentemente subestimados, na saúde, na educação e nos padrões de vida básicos nas décadas mais recentes, com muitos países mais pobres a apresentarem os maiores ganhos, é o que revela uma nova e pormenorizada análise das tendências de longo prazo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Relatório do Desenvolvimento Humano 2010.

O mesmo prossegue a tradição de inovação na medição pela intro-dução de novos índices que abordam factores de desenvolvimento cru-ciais não directamente reflectidos no IDH: o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade (IDH-D); o Índice de Desigualdade de Género (IDG) e o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM).

Os primeiros 10 países na classificação do IDH de 2010 são Norue-ga, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Irlanda, Liechtenstein, Países Baixos, Canadá, Suécia e Alemanha. No final da classificação do IDH de 2010 para os 169 países analisados estão, por ordem: Mali, Burkina Faso, Libéria, Chade, Guiné-Bissau, Moçambique, Burundi, Ní-

ger, República Democrática do Congo e Zimbabwe.

PNUD lança Relatório de Desenvolvimento Humano 2010

Liu Xiaobo, Prémio Nobel da Paz 2010

Construindo Cidadania direitos Humanos

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Cidadania aCtiVa PromoVendo os direitos Humanos

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O Prémio Nobel da Paz 2010 foi atribuído a Liu Xiaobo, pela “sua

longa e pacífica luta por direitos humanos fundamentais na China”, de acordo com a declaração de atribuição emitida pela Academia Nobel, no dia 8 de Outubro de 2010.

O regime chinês imediatamente bloqueou as notícias sobre o assun-to na TV e na internet, censurando mensagens na rede com o nome do dissidente.

Há dois anos, Liu foi co-autor de um documento exortando o governo chinês a conceder mais liberdade ao país e a acabar com o domínio ab-soluto do Partido Comunista sobre a política chinesa. Devido a essa car-

ta, o Prémio Nobel 2010 foi condenado no ano passado a 11 anos de prisão, pena que cumpre actualmente numa cadeia de Pequim.

O anúncio em canais televisivos como a americana CNN foi ime-diatamente censurado; sites da internet que fazem a cobertura da pre-miação foram bloqueados, como também não foi possível o envio de mensagens de texto por telemóvel sobre “Liu Xiaobo”.

Liu tem defendido uma mudança política pacífica e gradual, em vez da confrontação com Pequim. O dissidente participou dos protestos da Praça da Paz Celestial duramente reprimidos pelo governo em 1989.

O presidente do comité do Nobel disse que Liu é um símbolo da luta pelos Direitos Humanos na China.

Para mais informações visite: http://hdr.undp.org