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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA 25 ROSA PEDRO Figura em Destaque - Pág. 07 MARIA LúCIA FURTADO Entrevista - Pág. 12 FACTORES DE EXCLUSãO DAS PESSOAS SEROPOSITIVAS Reflectindo - Pág. 16 DIREITOS DAS PESSOAS SEROPOSITIVAS

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Direitos das Pessoas seropositivas.

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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA

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ROSA PEdROFigura em Destaque - Pág. 07

MARIA LúcIA FuRtAdO Entrevista - Pág. 12

FActORES dE EXcLuSãO dAS PESSOAS SEROPOSItIVASReflectindo - Pág. 16

DiREitos DAs pEssoAs sERopositivAs

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índice

Quantas vEzEs não somos ChamaDos a intERviR PoRQuE uma PobRE sEnhoRa já não PoDE mais vEnDER E não ConsEguE ComPRaR DE mais ninguém simPlEsmEntE PoRQuE sE aPERCEbERam QuE é sERoPositiva?

Pe. Luís Fernandez

FichA técnicA

pRopRiEDADEMOSAIKO | Instituto para a Cidadania

niF: 7405000860nº DE REgisto: MCS – 492/B/2008

DiREcçãoJúlio Candeeiro, opLuís de França, op

Mário Rui Marçal, op

REDAcçãoMaria de Jesus Tavares

colAboRADoREsCecília Prudêncio

Cristovão Godinho

MontAgEM gRáFicAGabriel Kahenjengo

contActosBairro da Estalagem - Km 12 | Viana

TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546

Caixa Postal 2304 - Luanda | AngolaE-mail: [email protected]

www.mosaiko.op.orgwww.facebook.com/MosaikoAngola

iMpREssãoDamer Gráficas SA – Luanda

tiRAgEM: 2500 exemplares

DistRibuição gRAtuitA

Os artigos publicados expressam as opiniões dos seus autores, que não

são necessariamente as opiniões do Mosaiko | Instituto para a Cidadania.

coM o Apoio

MosAiko inFoRM nº 25 - DEzEMBRO 2014 tEMA: DiREitOs DOs sEROpOsitivOs

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editorialJúlio Candeeiro, op

informandoDireitos Humanos e siDA | Cecília Prudêncio

estórias da históriaONUsiDA | Maria de Jesus Tavares

figura de destaqueRosa pedroMaria de Jesus Tavares

construindoExperiências de vida de pessoas seropositivasMaria de Jesus Tavares

entrevista Maria Lúcia Furtado | Maria de Jesus Tavares

reflectindo Factores de exclusão das pessoas seropositivas Cristovão Godinho

breves

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editorial

Estimado leitor/a

Descoberto no início dos anos 1980’s, o VIH - Vírus de Imunodeficiência Humana - é o vírus responsável pela SIDA - Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. No mundo existem cerca de 35 milhões de pessoas infectadas pelo VIH que, infelizmente, tal como tantas outras doenças, ainda não tem cura.

Os direitos dos Seropositivos surgiram da necessidade de proteger as pessoas infectadas pelo VIH dos estigmas que as sociedades construíram à volta do vírus e, sobretudo, dos seus portadores. Com efeito, no início dos anos 1980s, altura em que foi descoberto, pouco ou nada se sabia so-bre o VIH e o facto de, no princípio, ter sido diagnosticada entre os homossexuais; o facto de ser uma doença sexu-almente transmissível, ou mesmo, o facto de utentes de drogas que partilhavam a mesma seringa fazerem parte dos grupos mais vulneráveis, deverá ter contribuído para os níveis de estigmatização que até hoje ainda conhecemos.

Da luta contra essa discriminação, surgiu o princípio fun-damental da Carta de Direitos dos Seropositivos - “nin-guém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do VIH/SIDA, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, reli-gião, sexo ou orientação sexual”. Este principio é funda-mental, pois a maioria das pessoas portadoras do VIH tive-ram ou têm mais medo do que as pessoas dirão do que dos reais efeitos da doença no seu organismo. Por esse motivo, a meta da ONUSIDA para 2014 é “ Zero descriminação”.

OS dIREItOS dAS PESSOAS SEROPOSItIVAS SãO dEVERES dE tOd@S nóS

Júlio Gonçalves Candeeiro, op

A presente edição do Mosaiko InForm traz à reflexão os Direi-tos das Pessoas Seropositivas, num número em que a figura de destaque é a senhora Rosa Pedro, uma mulher angolana que não teve medo de assumir e revelar publicamente que é seropositiva e decidiu dedicar-se a apoiar as outras pessoas que vivem com VIH. Em entrevista exclusiva ao Mosaiko In-form, a Dr.ª Maria Lúcia Furtado, Directora-adjunta do INLS - Instituto Nacional de Luta contra a Sida, fala-nos da proble-mática da SIDA em Angola e do papel da instituição que diri-ge. A Cecília Prudêncio fala-nos do VIH/SIDA na perspectiva dos Direitos Humanos e o Cristóvão Godinho convida-nos a reflectir sobre os factores de exclusão das pessoas seropo-sitivas. As “Estórias da História” apresentam-nos a ONISIDA e Maria de Jesus Tavares apresenta-nos também experi-ências impressionantes de angolanas que vivem com VIH.

O Mosaiko espera que este número seja um hino de louvor aos homens e mulheres que trabalham para assegurar os Direitos das Pessoas seropositivas. Seja esse numero, tam-bém, um reconhecimento às pessoas que convivem com o VIH e que de forma positiva, desafiam estigmas e constro-em um futuro melhor para si e para os seus. Que o combate ao estigma seja uma constante de todos, em especial dos Estados, estes cujo dever é produzir estatísticas reais com vista à definição e implementação das políticas públicas mais adequadas para se atingir o objectivo “zero novas mortes, zero novas infecções e zero discriminação”!

Abençoado 2015 para tod@s!

www.mosaiko.op.org

O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOSNAS ESCOLAS CATÓLICASEstuDos DE Caso: bEnguEla, huambo, luanDa E malangE

Relatório de pesquisa 2014

nOVA PubLIcAÇãO Adquira já!

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O dia 10 de Dezembro de 2014 marca o 66º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Deste dia destacamos dois aspectos: primeiro, a celebração do caminho percorrido em termos de reconhecimen-to da dignidade de cada pessoa e, em segundo lugar, questionamo-nos sobre os retrocessos verificados em termos de reconhecimentos de tais direitos.

No dia 1 de Dezembro, celebra-se o Dia Mundial da Lutra contra a SIDA. O relatório da OnuSIdA 2014 re-vela que 19 dos 35 milhões de pessoas que hoje vivem com Hiv/siDA não têm conhecimento do seu estado serológico. Este dado revela a importância de abordar este problema que afecta todo o mundo, e África, em particular.

Este artigo aborda a relação entre direitos humanos e siDA desde uma perspectiva social. Acreditamos que a siDA é um problema social, fruto de uma série de causas, entre elas, o preconceito. A declaração Uni-versal afirma que “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar…” (artigo 25). “Não se pode cons-truir a saúde e o bem-estar a partir da discriminação, exclusão e abusos com base nas diferenças”.

Geralmente, olhamos para a SIDA desde uma perspec-tiva individual, ou seja, concentramo-nos nas pesso-as com a doença e, em seguida, falamos sobre os seus direitos como pacientes. No entanto, como dissemos, acreditamos que a SIDA é também uma questão so-

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informandoDiREitos huMAnos E vih/siDACecília Prudêncio

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cial, porque muitos de nós fomos educados num medo constante da diferença. Tudo que é diferen-te parece que se apresenta como uma ameaça à nossa segurança. Então, as pessoas, os grupos e culturas de um modo geral são um “perigo” para a convivência harmoniosa “entre iguais”. As pes-soas seropositivas, ao serem diferentes, são vistas como se fossem uma ameaça ou perigo para a so-ciedade.

É um facto que muitos seropositivos continuam a ser vítimas de discriminação e estigma. Infeliz-mente, isso não se limita a um único grupo, ou a uma questão de atitudes, mas reflecte-se também na falta de políticas públicas que garantam o res-peito pelos direitos fundamentais das pessoas se-ropositivas como o direito à saúde, educação e tra-balho. Garantir, por exemplo, que uma pessoa por ser seropositiva não seja arbitrariamente expulsa do trabalho ou do centro de estudos ou que não lhe seja negado tratamento num centro médico.

O Estado como garante dos direitos humanos de-sempenha um papel fundamental no cumprimento da lei. O Estado tem a obrigação de assegurar a pro-tecção dos direitos fundamentais das pessoas que vivem com VIH. Deve promover programas de tra-tamento, de informação e sensibilização adequados para a população, não só para prevenir a propaga-ção da doença, mas também para consciencializar cada membro da sociedade para uma convivência harmoniosa e de respeito.

A defesa dos direitos humanos cabe ao Estado e à sociedade. A sociedade como tal, tem direitos e, na mesma medida, tem deveres, especialmente para com as pessoas mais vulneráveis.

Como sociedade, temos ainda um longo caminho a percorrer, mas é um sinal positivo constatar que, cada vez mais, aumenta a consciência de que so-mos sujeitos de direitos. Mas é importante que também aumente a nossa consciência em relação à responsabilidade que temos para com outros. Não podemos adoptar ou consentir em qualquer com-portamento que leve à discriminação ou exclusão de qualquer pessoa e, portanto, também das pesso-as seropositivas.

A nível internacional, a ONU tem um programa de protecção dos direitos das pessoas seropositivas. A

ONUsiDA trabalha em conjunto com o Gabinete do Alto Comissariado para a Protecção dos Direitos Hu-manos e com a Comissão de Direitos Humanos. Esta Comissão vela pela protecção dos Direitos Humanos em todo o mundo, encoraja os Estados a desenvol-verem políticas públicas que garantam os direitos das pessoas seropositivas. Dentre as suas acções destacam-se:

w a criação e desenvolvimento de leis, políticas e práticas para prevenir a violência, discrimina-ção e estigma das pessoas seropositivas e suas famílias;

w o acesso a bens e serviços de boa qualidade para evitar a transmissão do vírus e para tratar as pessoas afectadas e infectadas pela epidemia;

w a melhoria de serviços e apoios para educar as pessoas infectadas e afectadas pelo VIH/SIDA sobre os seus direitos e ajudá-las a pôr em prá-tica;

w desenvolver e apoiar mecanismos apropria-dos para monitorar e fazer cumprir os direitos humanos em relação aos mecanismos de VIH/SIDA.

As pessoas seropositivas têm direito a ser tratadas com dignidade; a conhecer o seu estado serológico; direito à opinar sobre a tomada de decisões sobre os processos que afectam o tratamento, têm o di-reito de não ficarem sozinhas , direito de sentir e expressar os seus medos e ansiedades e direito de verem as suas necessidades contempladas de forma abrangente.

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Como sociedade, temos ainda um longo caminho a percorrer, mas é um sinal positivo constatar que cada vez mais a aumenta a consciência de que somos sujeitos de direitos, mas é importante que também aumente a nossa consciência em relação à responsabilidade para com outros. Não podemos fazer nem consentir a qualquer comportamento que leva à discriminação ou exclusão, isto aplica-se também às pessoas seropositivas.

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Inicialmente, a OMs - Organização Mundial de saúde foi o organismo das Nações Unidas responsável pelo combate à epidemia da siDA. Ajudou os países a cria-rem programas nacionais de combate à doença, mas a propagação devastadora e implacável da epidemia tornou evidente que era necessário um esforço muito maior por parte da ONU. Decidiu-se então fazer um trabalho conjunto com objectivo de conjugar conhe-cimentos especializados e recursos de diversos orga-nismos. Para isso, em 1996, em vez de encarregar uma única organização, as Nações Unidas reuniram seis organismos para criar um programa conjunto e co-pa-trocinado para combater a epidemia. Assim surgiu a ONUsiDA, organismo que tem como missão orientar, reforçar e apoiar os esforços mundiais que existem para evitar a propagação da doença, atenuar o impac-to socio-económico da epidemia entre outros. Os co-patrocinadores deste programa são: UNiCEF - Fundo das Nações Unidas para a infância, UNEsCO - Orga-nização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-cia e a Cultura, pNUD - programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, FNUAp - Fundo das Nações Unidas para a população, OMs e BANCO MUNDiAL.

A ONUsiDA trabalha com base no princípio de que é preciso intensificar constantemente a luta contra o viH/siDA, se se quiser travar a epidemia e reduzir o seu impacto. Funciona a nível mundial, mas grande parte do seu trabalho mais decisivo é realizado a ní-vel nacional. É dirigido por um Conselho Coordena-dor do programa constituído por representantes de 22 governos do mundo e dos seus co-patrocinadores. Também fazem parte desse Conselho cinco elemen-tos que representam uma ampla diversidade de orga-

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estórias da históriaonusiDAMaria de Jesus Tavares

nizações não governamentais, entre as quais pessoas que representam aqueles/as que vivem com o viH. Apesar de estes elementos não terem direito a voto, esta é a única instituição da ONU em cujo Conselho directivo participam membros de ONG’s.

Em Angola, além do programa de prevenção e tra-tamento de pessoas infectadas, a ONUsiDA apoia também a elaboração de políticas nacionais, como o Programa de Desenvolvimento da Luta contra a Sida e o Programa de Aceleração de resposta 2014/2015, fazendo advocacia a nível estratégico e dispensado apoio técnico. Tem em carteira o desenvolvimento de um “Programa de Prevenção da Transmissão Verti-cal”, com o objectivo de atingir as mulheres em idade reprodutiva para a prevenção primária. A prevenção da transmissão vertical é segura para as mulheres grávidas, que devem fazer a testagem do viH nos centros pré-natais e, caso o resultado seja positivo, têm acesso ao tratamento.

Segundo o ONUsiDA, estima-se que em 2013, em An-gola, existiam cerca de 250 000 pessoas vivendo com Hiv, o que corresponde a uma taxa de prevalência de de 2.4%. Este número inclui 30 000 crianças, 130 000 mulheres e 90 000 homens. Por outro lado, estima-se que no mesmo ano existiam em Angola 120 000 crian-ças - com menos de 18 anos - órfãs devido à epidemia.

“... em 2013, em Angola, existiam cerca de 250 000 pessoas vivendo com HIV, [...]. Este número inclui 30 000 crianças, 130 000 mulheres e 90 000 homens.”

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Há 10 anos a fazer o tratamento, Rosa pedro é uma das muitas mulheres seropositivas que existem em Angola, mas, ao contrário de tantas outras, não se deixou abater pela doença.

Nascida em 1970, separada e mãe de dois filhos, um dos quais já falecido, começou a sentir-se doente desde o ano 2000 e desconfia que naquela altura já tinha o viH.

Em 2004, cansada de tanta dor e sofrimento, decidiu fazer o teste. O resultado foi positivo, o que não a sur-preendeu porque há muito que se mentalizava quanto ao seu estado serológico. Mesmo assim, confessa que não foi fácil, existia o medo da reacção das pessoas ao saberem que tinha viH, o medo da morte.

Felizmente, apoio não lhe faltou e através de uma co-lega de trabalho - Rosa trabalhava numa clínica - teve ajuda imediata de uma missionária suíça, enfermei-ra de profissão, que trabalhava e apoiava as pessoas que vivem com viH. A enfermeira levou-a a fazer o teste, acompanhou-a e esteve sempre presente nos momentos mais cruciais da sua vida, orientando, ali-mentando-a física e espiritualmente. Para além de a instruir e a ajudar a compreender melhor o que é e como lidar com o VIH, desafiou-a para dar o seu teste-munho na igreja, isto no final de 2004. Confessa que foi difícil, no inicio, porque sempre que começava a falar, chorava e isto despertava tristeza nas pessoas - umas também choravam, outras consolavam-na. Mas à medida que o tempo foi passando, foi perdendo o

medo, ganhando confiança e, a partir de 2005, come-çou a representar a missionária em várias activida-des, a pedido desta. “Tudo o que te fiz, vais fazer aos outros” era o que lhe dizia esta enfermeira missioná-ria, que lhe transmitiu muita força e coragem para enfrentar o estigma e a discriminação.

Passou a fazer parte de um grupo de acção bíblica, mais tarde foi convidada por outra senhora a criar um grupo de mulheres para tratarem de assuntos re-lacionados com as suas vidas. Receberam formação da CARITAS, do UNICEF e de mais algumas organiza-ções. Em 2006, fundaram a associação a qual deram o nome de Mwenho que significa “vida” em sete lín-guas nacionais. São mulheres que lutam muito pela vida e que aprenderam a viver de um modo novo.

Em 2010, tornou-se coordenadora da Associação e, em 2013, foi eleita por unanimidade em assembleia, presidente da Mwenho. Hoje, Rosa trabalha a tempo inteiro a educar as outras pessoas sobre o viH. Em 2011, depois de muitas dificuldades, a associação foi registada e o seu trabalho reconhecido a nível nacio-nal. Hoje, ela vê-se como activista e não pensa procu-rar outro emprego. Concluiu uma variedade de cursos sobre o viH e siDA. Este ano ganhou um concurso pro-movido pela Embaixada dos Estados Unidos da Amé-rica para fazer uma formação de líderes naquele país.

Rosa pedro, acredita que o mais importante é o que se faz e como se faz - “com o coração”.

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figura em destaqueRosA pEDRo Maria de Jesus Tavares

Eu consegui mudar a forma de pensar das pessoas: antes elas discriminavam-me, mas agora a minha casa é um centro de referência para informação sobre o VIH.

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uMA EXPERIÊncIA EM LuAndA

A Associação MwENHO cuja palavra significa viDA em sete línguas nacionais de Angola, é uma organi-zação não-governamental de âmbito nacional que surgiu por iniciativa de um grupo de senhoras infec-tadas e afectadas pelo VIH/SIDA, como o objectivo de mobilizarem outras mulheres em torno dos assuntos que as afectam, em particular as mulheres grávidas. Reúnem-se semanalmente, fazem visitas domicilia-res diárias, palestras nas unidades de saúde, merca-dos e acompanham a própria pessoa infectada com VIH, tanto em casa como no Hospital, até que ela se sinta bem.

A Associação tem registado muitas mudanças nas mulheres com quem trabalha, dando apoio para que ganhem coragem, habilidades suficientes e seguran-ça para responderem e se defenderem, se necessário fôr, na hora de enfrentarem a família. Porque, segun-do a presidente desta Associação “a mulher tem de estar segura para a família se sentir segura quando ela estiver a falar; isto faz com que não haja discri-minação, porque se ela começa a chorar vai ser pos-ta de parte”.

Muitas mulheres - e também homens - têm passa-do pela MwENHO. Alguns vão-se embora e outros

ficam a trabalhar na própria Associação como é o caso da jovem que partilhou sua experiência com o Mosaiko inform.

É seropositiva há dois anos, tem o curso médio de ciências económicas e jurídicas e trabalha na área de monitoria e avaliação da associação.

Apanhou a doença ao envolver-se com alguém in-fectado. Relacionou-se com um jovem em Abril, fez o teste seis meses depois, ou seja, em Novembro de 2012. Decidiu fazer o teste depois de ouvir rumores sobre o estado serológico do jovem. Quando soube que o resultado era positivo, ficou assustada e de-sesperada por causa do estigma e discriminação que ainda existem em relação ao VIH/SIDA. Graças a um jovem que conheceu nas suas idas ao Hospital Espe-rança, chegou à Associação Mwenho onde conta que foi bem recebida e conheceu outras mulheres que já vivem com a doença, algumas há mais de 20 anos. “Aí a minha moral começou a subir. A primeira vez que cheguei aqui estava desempregada, com medo e sabia muito pouco sobre o VIH/SIDA”. Tive de mos-trar o local onde vivo e pediram-me para aparecer na associação duas vezes por mês. “Só sei que desapa-reci, desisti, mas elas não”, pois a presidente da As-sociação foi à sua procura.

Actualmente, vai ao Hospital semestralmente, não faz terapia retroviral porque as suas células de de-fesa estão fortes. Tem apenas que se cuidar, cum-prir com as orientações médicas para não apanhar siDA.

Depois de fazer o teste recebeu aconselhamento de uma activista sobre o modo como se devia comportar e foi aprendendo a viver com a doença. De momen-to é simplesmente portadora do vírus e sabe que,

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construindoExpERiênciAs DE viDA DE pEssoAs sERopositivAsMaria de Jesus Tavares

...as pessoas infectadas não se devem limitar a ir ao hospital quando necessário. Devem aderir aos programas, buscar mais informações para saber como viver com VIH/SIDA. Essas informações vão ajudar a lidar melhor com a doença.

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quando decidir engravidar deve consultar primeiro o médico para o acompanhamento necessário.

A jovem em questão partilhou o problema que vive, apenas com dois tios com quem desabafa quando está muito deprimida. Segundo ela compreendem a sua situação e têm-lhe dado muito apoio. Quanto à mãe e irmãs prefere não contar ainda porque saben-do o que elas pensam sobre a doença tem medo da reacção e do comportamento para com ela dentro de casa. Afirma que ainda não se sente preparada para enfrentar o estigma e a discriminação. “Algum dia, quando tiver a minha casa e um parceiro em quem confiar, vou fazer questão de contar a ver-dade”. Sente que a infecção foi de forma dolosa, foi aconselhada a processar o jovem, mas preferiu levar adiante a sua vida deixando o moço viver a dele.

É de opinião que as pessoas infectadas não se devem limitar a ir ao Hospital quando necessário. Devem aderir aos programas, buscar mais informações para

saber como viver com viH/siDA. Essas informações vão ajudar a lidar melhor com a doença. É importan-te procurar os grupos de ajuda. Anteriormente exis-tiam muitos grupos de ajuda mútua, mas hoje não, pois as pessoas não querem vir, acham que vão lá gastar dinheiro... Mas não é isso, as pessoas vão ao grupo ganhar mais conhecimentos e experiências.

uMA EXPERIÊncIA nO HuAMbO

A outra experiência de vida partilhada com o Mosai-ko Inform é de uma operária da empresa Habitec, localizada no Huambo. É nesta província que vive esta jovem que é acompanhada pelo Centro Elavoco (que, em umbundu, significa “esperança” ). Aberto ao público desde 2009, além de ser uma unidade de testagem voluntária do VIH e outras doenças sexual-mente transmissíveis, este centro realiza palestras de sensibilização e distribuição gratuita de material de prevenção nas comunidades de maior concentração populacional.

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construindoExpERiênciAs DE viDA DE pEssoAs sERopositivAs

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construindo

Em 2011, esta jovem optou por partilhar o seu estado serológico com o Director Administrativo da empresa em que trabalha, por causa da necessidade que tinha de faltar ao trabalho para ir à consulta e ao mesmo tem-po levar o filho que estava sempre doente. A reacção do Director não foi negativa, disse que teria de autorizar sempre que ela solicitasse. As colegas, quando soube-ram, não se afastaram, apesar de conversarem entre elas. Até que uma colega ganhou coragem e perguntou-lhe se era seropositiva, porque tinha uma irmã que por causa da doença andava muito deprimida e a pensar no suicídio.

Aí, ela revelou que vivia com o problema há 10 anos, mas que, ao contrário da irmã da colega, ela conseguia tra-balhar e levar a vida adiante.

Descobriu que tinha VIH quando o bebé ficou doente. A criança nasceu saudável, mas depois dos 10 meses de vida começou a adoecer. A mãe levou o filho várias ve-zes ao médico, mas o bebé não melhorava. Desesperada de tanto gastar dinheiro, sem ver resultados, pediu ao marido que fossem para o Huambo, porque em Luanda

as coisas só se resolviam com dinheiro.

Chegados ao Huambo, dirigiram-se a uma clínica onde fizeram exames ao bebé. Depois dos exa-mes, o médico chamou o pai em particular e pe-diu-lhe que regressasse sozinho, no dia seguinte, para comprar medicamentos.

No dia seguinte o marido despediu-se dizendo que ia pagar a consulta e buscar os medicamen-tos, mas não voltou para casa e a criança ficou sem tratamento. Segundo a jovem, andou atrás do marido para saber o que estava a acontecer e ele recusava-se a responder.

Cansada e determinada em saber o que tinha o filho, procurou ajuda. Falou com alguém que trabalhava no sanatório que imediatamente se disponibilizou em acompanhá-la ao hospital. No hospital foram atendidas por uma médica que mal viu a criança disse “minha filha, isto é SIDA! Eu respondi, SIDA?!” A médica continuou “minha filha, não vou te esconder”. Eu disse que queria

ExpERiênciAs DE viDA DE pEssoAs sERopositivAs

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ter provas. Fizeram tes-te do VIH ao bebé e deu positivo. A mãe pediu en-tão à médica para fazer também o teste, porque o bebé, tinha sido desma-mado pouco tempo antes e ela podia também estar infectada e precisava de conhecer a origem da do-ença do filho. O teste dele também deu positivo.

Apesar de muito triste e deprimida conversou com a própria mãe e a jovem que a tinha levado ao hos-pital, que por sinal tam-bém era sua parente. Ela conta que a mãe entregou o resultado do teste ao seu pai que decidiu ir fa-lar com os pais do seu ma-rido. O marido não reagiu, mas decidiu confrontar a parente que tinha apoiado a mulher para pedir satisfações questionando a veracidade do teste.

“A nossa relação acabou assim, sem nunca ter-mos discutido sobre o assunto. O bebé começou a tomar os antiretrovirais, eu tomava apenas vi-taminas. Havia momentos em que o bebé parecia

recuperar mas depois piorava. Assim foi acontecen-do até ele não aguentar mais e falecer. Adoeceu aos 10 meses de vida e morreu com 3 anos e 3 meses”.

Apesar de todo o sofrimento vivido, a jovem conti-nuou com a sua vida. Conheceu alguém que se mos-trou interessado em namorar com ela. Ela diz que conversou com o jovem sobre o seu estado serológi-co, mas infelizmente ele não acreditou e continuou a insistir, até que por fim acabou por aceitar o pedido de namoro. No inicio tudo corria bem até ao momen-to em que o namorado depois de ouvir os rumores no bairro começou a comportar-se de maneira negati-va, o que fez com que ela terminasse a relação. Mais tarde, por intermédio de um amigo que os apoiou muito, conversando e acompanhando ao hospital, o casal reatou a relação que já durava há dois anos e tiveram um filho. Actualmente, têm vidas separa-das, mas desta vez o pai do filho não a reponta e nem abandonou o filho.

Quando questionada sobre a coragem que tem ela responde “tenho dois filhos para criar e não me posso dar ao luxo de ir abaixo”.

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construindoExpERiênciAs DE viDA DE pEssoAs sERopositivAs

“... esta jovem optou por partilhar o seu estado serológico com o Director Administrativo da empresa em trabalha, por causa da necessidade que tinha de faltar ao trabalho para ir à consulta e ao mesmo tempo levar o filho que estava sempre doente. A reacção do Director não foi negativa, disse que teria de autorizar sempre que ela solicitasse”.

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Neste espaço, entrevistamos a Dr.ª Maria Lúcia Furtado que, desde 2005, é Directora Geral Adjunta do iNLs - instituto Nacional de Luta contra a siDA

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entrevistaMARiA lÚciA FuRtADo

Maria de Jesus Tavares

Qual é a missão do inls - instituto nacional de luta contra a siDA?

O INLS - Instituto Nacional da luta contra a SIDA, cria-do através do Decreto Nº 7/05, de 9 de Março de 2005 e adequado pelo Decreto Nº 277/14, de 25 Setembro de 2014, é o órgão técnico que executa as políticas traçadas pelo Ministério da Saúde no domínio da luta contra as ITS - Infecções de Transmissão Sexual, VIH/SIDA e Hepatites Virais.

O INLS tem como missão principal coordenar todas as intervenções, visando o controlo das ITS, VIH/SIDA e Hepatites Virais em Angola.

como é o que inls procura realizar essa missão?

Através das suas atribuições o INLS procura:

a) Assegurar a implementação das políticas, pro-

DiRECtORA GERAL ADJUNtA DO iNLs - iNstitUtO NACiONAL DA LUtA CONtRA A siDA

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gramas e planos nacionais de luta contra as ITS, VIH/SIDA e Hepatites Virais;

b) Propor normas de actuação clínica, laborato-rial, investigação biomédica, pedagógica e la-boral no que se refere às ITS, VIH/SIDA e Hepa-tites Virais;

c) Definir e coordenar as acções de formação, in-formação, educação, comunicação, aconselha-mento, tratamento e seguimento no domínio das ITS, VIH/SIDA e Hepatites Virais;

d) Colaborar com os organismos internacionais que actuam na área das ITS e VIH/SIDA e Hepa-tites Virais.

Qual é a sua experiência de trabalho na área de vih/siDA?

Desde 2003 que trabalho nesta área. Na altura, no PNLS - Programa Nacional de Luta contra a SIDA, es-trutura que dependia organicamente da DNSP - Di-recção Nacional de Saúde Pública. Tendo em conta a demanda, ou seja, o número crescente de pessoas infectadas, a necessidade de se iniciar o tratamento com antirretrovirais, a necessidade de dar respostas aos inúmeros compromissos, tanto a nível nacional como internacional, entre outros factores, houve en-tão a necessidade de se criar uma estrutura capaz de responder às exigências de luta contra esta pandemia.

Daí que, através do Decreto 07/05, de 09 de Março, tenha sido criado o INLS onde , desde a data de sua criação, faço parte da Direcção com o cargo de Direc-tora Geral Adjunta.

As minhas responsabilidades consubstanciam-se, fundamentalmente em:

w participar em Conselhos de Direcção do Minis-tério da Saúde;

w analisar e avaliar os programas e resultados das intervenções no controlo da infecção do VIH/SIDA no país;

w coordenar actividades de pesquisa para melhor conhecer a tendência e caracterizar a infecção no país e, assim, poder redefinir e readequar as estratégias no controlo da epidemia, a luz de evidências científicas;

w integrar o grupo que elabora os projectos para

a mobilização de recursos a nível internacio-nal;

w coordenar a monitoria e avaliação das inter-venções do plano estratégico a nível nacional.

Quantos centros de rastreamento existem no país e em que zonas?

Até Outubro de 2014, existiam no país 1 068 serviços de Aconselhamento e Testagem. Os primeiros oito serviços foram criados em Luanda. Estes serviços es-tão actualmente localizados em todos os municípios do país.

Quais são as províncias mais afectadas pelo vih?

Segundo estudos sero-epidemiológicos realizados em mulheres grávidas nas consulta pré-natais, em 2011, a nível nacional, verificou-se que a prevalência nas províncias variou de 0,4% a 3,8% nas áreas rurais e de 0% a 8,2% nas zonas urbanas. A prevalência é maior de 3% em 11 províncias, nomeadamente: Ca-binda, Huambo, Huíla, Luanda, Lunda Sul, Namibe, Benguela, Cunene, Lunda Norte, Kuando Kubango e Bié. A mediana nacional regista-se em duas provín-cias: Bengo e Moxico. A taxa de prevalência é menor de 3%, em cinco províncias, nomeadamente, Kwanza Norte, Malange, Zaire, Kwanza Sul e Uíge.

Qual é o número estimado de pessoas infectadas (homens e mulheres) em An-gola?

Reduzir as Determinantes Sociais de Saúde que mais influenciam no aumento de casos de VIH e SIDA, como por exemplo, o analfabetismo, tabus, crenças culturais, poligamia… (que muito influenciam negativamente na passagem de mensagens e educativas para mudança de comportamentos e adopção de estilos de vida saudáveis), a pobreza e o desemprego que levam a prostituição e promiscuidade…

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A estimativa é de 252 453 para a população entre os 15-49 anos de idade sexualmente activa.

Qual a percentagem de pessoas que têm acesso ao tratamento com anti-retrovirais? Em que localidades é que o tratamento é disponibilizado?

Desde 2004 -data em que teve inicio a oferta gratuita de assistência às pessoas infectadas pelo VIH e SIDA - até Outubro de 2014, em todo país, estão registados em tratamento com antiretroviral 75.807 Pessoas Vi-vendo com VIH e SIDA (PVVIH), .

Cerca de 50% estão registados nos serviços das uni-dades de saúde de Luanda. Estes serviços estão loca-lizados em todos os Hospitais de referência dos três níveis de atenção do Sistema Nacional de Saúde, in-cluindo algumas clínicas privadas e serviços militares e policiais do país. De 3 serviços inicialmente criados, em Luanda, em 2004, aumentamos para 317 serviços até Dezembro de 2014, para atender adultos a vive-rem com VIH e SIDA. Para atender crianças infectadas existem 140 serviços.

Qual tem sido a relação do inls com as organizações da sociedade civil que trabalham nas questões de vih?

As Organizações da sociedade civil são um dos prin-cipais parceiros na luta contra a SIDA. Estas organiza-ções trabalham nas comunidades e é nas comunida-des onde vivem as pessoas mais carenciadas e com muita dificuldade para beneficiar de programas de Informação, Educação e Comunicação incluindo pro-gramas de prevenção e adesão ao tratamento com antirretroviral…

Existe na estrutura orgânica do INLS - uma área para as parcerias - que serve de elo de ligação entre orga-nizações da sociedade civil e o Governo. Existe tam-bém um Mecanismo de Coordenação Nacional que é o órgão que coordena e faz a gestão dos fundos exter-nos (FUNDO Global).

Quais são as principais violações aos direitos dos se-ropositivos que se verificam em Angola?

As principais violações dos direitos dos seropositivos

em Angola, manifestam-se, entre outros, na:

w Rejeição no mercado de emprego, caso seja portador de VIH

w Obrigatoriedade de fazer o teste anti-VIH para obtenção de vistos para alguns países, para candidaturas a Bolsas de Estudo,

w Obrigatoriedade de fazer o teste anti-VIH para o acesso a crédito bancário

Quais são os principais instrumentos legais de pro-tecção das pessoas seropositivas?

São a Lei Nº8/04, de 1 de Novembro de 2004 (Lei so-bre o VIH - Vírus de Imunodeficiência Humana e a SIDA - Síndrome de Imunodeficiência adquirida e o Decreto nº 43/03, de 4 de Julho de 2003 que aprova o regulamento sobre o HIV/SIDA, Emprego e Formação profissional.

Em que medida estes mecanismos se observam na vida das pessoas afectadas?

Nos termos do Decreto 1/03, de 10 de Janeiro de 2003, que cria a Comissão Nacional de Luta contra a SIDA e Grandes Endemias, coordenada pelo Presidente da República e constituída por Departamentos Ministe-riais do Executivo, cada sector faz a sua parte segun-do a sua responsabilidade e atribuições nesta Comis-são, tanto a nível central como a nível provincial.

Qual tem sido o envolvimento das famílias no acom-panhamento às pessoas com vih?

Ultimamente já se nota mais aceitação por parte das famílias, apesar de ainda não podermos demonstrar estes resultados cientificamente, ou seja, temos que promover a investigação científica para provar estes comportamentos.

como é que o Estado angolano apoia as famílias afec-tadas pelo vih?

O apoio do Estado angolano às famílias passa funda-mentalmente através:

w das condições jurídicas já criadas;

w das estratégias, planos e programas aprovados;

entrevistaMARiA lÚciA FuRtADo

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w do acesso universal e gratuito ao tratamento com antirretrovirais, seguimento médico, laboratorial e psico-social às PVVIH - Pessoas vivendo com o VIH;

w da integração de intervenções no combate ao VIH na maioria dos Ministérios que compõe o Execu-tivo Angolano.

Quais considera serem hoje os princi-pais desafios para uma maior inclusão das pessoas com vih na sociedade an-golana?

Continuam entre os principais desa-fios:

w Convencer a sociedade sobre a existência do VIH e SIDA;

w conhecer a história natural do VIH e SIDA;

w conhecer as principais vias de transmissão;

w transmitir as competências e ha-bilidades para o uso das evidên-cias demonstradas cientifica-mente;

w cumprir com a medicação e o horário evitando as resistências e a necessidade de troca cons-tante de esquema terapêutico;

w incluir as pessoas vivendo com VIH em Grupos de Ajuda Mútua para apoiarem outras pessoas infectadas na aceitação de seu estado seroló-gico, na adesão ao tratamento e na adopção de comportamentos saudáveis….

w Reduzir as Determinantes Sociais de Saúde que mais influenciam no aumento de casos de VIH e SIDA, como por exemplo, o analfabetismo, tabus, crenças culturais, poligamia… (que mui-to influenciam negativamente na passagem de mensagens e educativas para mudança de comportamentos e adopção de estilo de vida saudáveis), a pobreza e o desemprego que le-vam a prostituição e promiscuidade…o alcoo-

lismo… o êxodo populacional… a urbanização… saneamento básico…

Que recomendações faz aos diferentes actores so-ciais para melhorar a situação dessas pessoas?

Os actores sociais devem rever /reactivar/implemen-tar os programas no âmbito das suas responsabilida-des sociais. Implementar intervenções para reduzir o estigma e discriminação no local de serviço, na famí-lia, na comunidade.

Aumentar os apoios para as Organizações da socie-dade civil - as empresas, principalmente as petrolífe-ras e diamantíferas, devem apoiar mais as acções de luta contra a SIDA, fundamentalmente nas áreas em que elas têm as suas actividades de exploração que coincidentemente são as províncias com taxas de prevalência mais altas do país.

entrevistaMARiA lÚciA FuRtADo

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reflectindoFActoREs DE Exclusão DAs pEssoAs sERopositivAsCristovão Godinho

A Síndrome de Imunodeficiência Humana (SIDA) é causada pelo Vírus de Imunodeficiência Humana (VIH). Em Angola, fontes oficiais afirmam que desde o surgimento dos primeiros casos em 1985 até 2014, o VIH já havia infectado cerca de 200 mil pessoas, aproximadamente 2% de cerca de 18 milhões da po-pulação. Importa dizer que, os dados da população ora apresentados eram especulativos, na medida em que, antes de Maio de 2014, Angola não realizava o censo populacional há mais de 39 anos.

Neste sentido, com a apresentação dos resultados definitivos do censo em Dezembro de 2015 e, com a realização de novos estudos sobre a prevalência do VIH/SIDA em Angola, os dados sobre essa pandemia vão se alterar, podendo mesmo vir a aumentar se ti-vermos em conta o aumento exponencial das taxas de positividade do VIH que vai de 0,9% estimado em 1989 a 3,4% em 1999. Com base nestas taxas o pró-prio INLS - Instituto Nacional de Lutra contra a SIDA, já estimava que, até 2010, poderia existir no país mais de 1 milhão de pessoas infectadas.

dIREItOS E dEVERES dOS SEROPOSItIVOS À LuZ dA LEGISLAÇãO EM VIGOR EM AnGOLA

A forma como a sociedade olha para as pessoas infec-tadas pelo VIH prende-se em grande medida com o preconceito sobre as formas de transmissão do vírus, o estigma e a discriminação.

Estão comprovadas, pelo menos quatro formas de transmissão do VIH, nomeadamente:

w O uso descuidado de objectos perfuro-cortan-tes (lâminas, facas, tesouras, corta unhas) que manejamos no dia-a-dia,

w a transmissão durante a gestação caso a mu-lher seja diagnosticada VIH positiva e não te-nha o devido acompanhamento médico e me-dicamentoso,

w a transfusão de sangue infectado ou transplan-te de órgãos; e, por último,

w as relações sexuais não protegidas com alguém infectado.

As pessoas menos informadas na maioria dos casos relacionam a infecção do VIH/SIDA com a prática de actos sexuais “promíscuos”, ou seja, a pratica sexual com vários parceiros ou parceiras e a prática de sexo mediante pagamento.

Está constitucionalmente consagrado que Angola tem como fundamento a dignidade da pessoa huma-na (CRA, art. 1) e, por consequência, todos são iguais perante a Constituição e a Lei (CRA, art. 23º). Nesta ordem de ideias, a infecção pelo VIH não retira os di-reitos de qualquer cidadã(o) e tão pouco o/a deve dei-xar à margem do convívio social.

Para prevenir os actos que atentem contra a dignida-de do cidadão infectado pelo VIH, vigoram dois diplo-mas legais no ordenamento jurídico angolano, nome-adamente: Lei nº 8/04, de 1 de Novembro sobre VIH/

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A forma como a sociedade olha para as pessoas infectadas pelo VIH prende-se em grande medida com o preconceito sobre as formas de transmissão do vírus, o estigma e a discriminação. [...]Para prevenir os actos que atentem contra a dignidade do cidadão infectado pelo VIH, vigoram dois diplomas legais no ordenamento jurídico angolano, nomeadamente: Lei nº 8/04, de 1 de Novembro sobre VIH/SIDA e Decreto 43/03, de 4 de Julho sobre o VIH/SIDA, emprego e formação profissional.

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SIDA e Decreto 43/03, de 4 de Julho sobre o VIH/SIDA, emprego e formação profissional.

A lei 8/04 tem como objectivos:

w Garantir a protecção e promoção integral da saúde das pessoas mediante a adopção de medidas necessárias para a prevenção, controlo, tratamento e investigação do VIH/SIDA;

w Estabelecer os direitos e deveres das pessoas infectadas pelo VIH ou doentes da SIDA, do pessoal da saúde e outros em situação de risco ou contágio bem como da população em geral.

Lei 8/04, artigo 5º - Direitos

Toda pessoa infectada pelo VIH tem direito a:

a) Assistência sanitária pública e a medica-mentos anti-retrovirais (ARV);

b) Informação sobre as redes e programas de

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reflectindo

apoio psicossocial e de aconselhamento exis-tentes;

c) Inserção na comunidade sem discriminação;

d) Trabalho, emprego e formação profissional;

e) Confidencialidade em relação à informação re-ferente ao seu estado de saúde;

f) Acesso ao sistema de educação sem discrimi-nação;

g) Privacidade da sua vida;

h) Livre circulação em locais públicos;

i) Protecção pelos organismos competentes quando se encontre em situação que ponha em perigo a sua integridade física.

Atenção! Salvo melhor opinião, os direitos aqui enun-ciados são meramente exemplificativos, visto que, os direitos dos cidadãos infectados não se restringem a estas dez alíneas. O legislador angolano, quando ela-borou a norma do artigo 5º, fê-lo olhando para os níveis de estigma e discriminação contra as pessoas infectadas. Todavia, não

FActoREs DE Exclusão DAs pEssoAs sERopositivAs

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afastou deste grupo os demais direitos e liberdades dos cidadãos em geral.

A não discriminação implica que o seropositivo merece por parte das entidades públicas e privadas, da família e da sociedade em geral, um tratamento igual a aquele que é dado a quem supostamente não é seropositivo.

O apoio da família ao seropositivo é preponderante para a auto-estima deste, diante da sociedade em geral. Para que esse apoio seja mais eficaz, a informação mediante campanhas de sensibilização e consciencialização con-tra o estigma e a discriminação desempenham um papel importantíssimo. Para que isso seja conseguido é impor-tante a intervenção, não só do Estado, mas também dos vários actores sociais (ONG’s, Igrejas, Escolas, etc.).

dIScRIMInAÇãO nO AcESSO AOS REcuRSOS FInAncEIROS

Uma das formas de acesso a recursos financeiros é por via do crédito bancário. Infelizmente, em Angola, há ban-cos que, ao arrepio da lei, exigem o teste de VIH como requisito para o acesso ao crédito. De acordo aos casos de que se tem conhecimento, essa exigência não é feita directamente, visto que, os bancos que assim procedem, não põem essa exigência no formulário de requisitos disponíveis nos seus balcões. Fazem-no no momento da entrevista, ao submeter o candidato à suposta prova de vida.

O direito à confidencialidade garante que o estado sero-lógico de uma pessoa apenas a ela diz respeito. Está aqui também subjacente o direito à privacidade. Assim, o si-gilo deve ser respeitado por todos, pois quem violar este dever de confidencialidade será responsabilizado crimi-nalmente por difamação e, civilmente, por ofensa à honra e ao bom nome. Se o autor da divulgação for profissional de saúde ou outro profissional que no exercício das suas funções conheça ou atenda pessoas infectadas pelo VIH/SIDA, poderá ainda sujeitar-se conjuntamente a respon-sabilidade disciplinar. Os exemplos mais correntes deste tipo de violação são aqueles casos em que a pessoa vai a um Centro de Saúde fazer o teste de VIH e, se o resultado for positivo, quem o atendeu divulga o resultado. Se por “azar” estiverem ali pessoas conhecidas do utente e fi-

zerem comentários sobre o assunto no bairro ou na aldeia, automaticamente começa um ciclo de preconceito, estigma e discriminação.

As pessoas seropositivas devem beneficiar das mesmas oportunidades dos demais cidadãos no que toca ao acesso à educação a todos os níveis. Infelizmente, tem havido práticas que violam esta norma, sobretudo no acesso a bolsas de es-tudo para o exterior do país. Qualquer angolano que, por via do iGNABE ou outra instituição, con-seguir uma bolsa de estudos para o exterior do país, um dos requisitos exigidos é o teste de VIH/SIDA. Se o resultado for positivo, o candidato é logo afastado. O nº 1 do artigo 22º da Lei 8/04 determina que “é proibida a realização de tes-tes para diagnóstico de infecção por VIH/SIDA de forma obrigatória” (...). As únicas excepções são:

w Quando, por consideração do médico, o qual consta no expediente clínico, exista necessidade de se efectuar o teste para

reflectindoFActoREs DE Exclusão DAs pEssoAs sERopositivAs

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reflectindoFActoREs DE Exclusão

DAs pEssoAs sERopositivAs

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fins exclusivamente relacionados com a saúde do paciente, a fim de contar com um melhor diagnóstico para o seu tratamento;

w Quando se trate de doação de sangue e hemo-derivados, leite materno, sémen, órgãos e teci-dos humanos;

w Quando se requeira para fins processuais pe-nais e com prévia ordem da autoridade judicial competente.

Fora esses casos acima citados, todas outras formas de exigência do teste de VIH/SIDA são ilegais. As pes-soas infectadas pelo VIH/SIDA devem:

a) Praticar a sua sexualidade com responsabilida-de;

b) Adoptar hábitos e comportamentos que limi-tem a possibilidade de contágio de outrem;

c) Usar o preservativo nas relações sexuais;

d) Informar às pessoas com quem têm ou preten-dam ter relações sexuais o seu estado serológi-co;

e) Informar sobre a sua situação ao pessoal de saúde que o atende, para que os serviços se ad-ministrem adequadamente e sejam tomadas as competentes medidas de biossegurança;

f) Informar ao seu cônjuge ou parceiro sexual a sua condição serológica.

A alínea a) é uma responsabilidade que é chamada a todas as pessoas sexualmente activas. As alíneas b) a f) vão na mesma linha de pensamento. Neste sentido, a transmissão do viH/siDA de forma dolosa constitui crime conforme o nº 1 do artigo 15º dessa mesma lei e, cuja punição vem prevista nos termos do artigo 353º do Código Penal, ou seja, o legislador angolano equiparou a transmissão dolosa do VIH ao crime de envenenamento, cuja penalidade vai de 20 a 24 anos de prisão maior.

Nenhum trabalhador deve ser prejudicado no seu em-prego em função do seu estado serológico e nem se deve exigir o teste de viH como pré requisito para o acesso ao emprego. A Pessoa infectada com o viH tem direito ao emprego e à formação profissional como qualquer outra pessoa. A confirmação desta regra vem prevista no nº 1 do artigo 6º deste Decreto. “ Não é permitido em circunstância alguma a realização do teste para detenção de anti-corpos anti-Hiv como pré requisito na admissão ao emprego, nem o controlo forçado do Hiv/siDA no local de trabalho, salvo a pe-dido do candidato ou do trabalhador, exceptuando se os casos legalmente exigidos”. Infelizmente, ainda há muitas entidades empregadoras que de forma aberta ou simulada exigem o teste de VIH aos candidatos, há trabalhadores que são despedidos por serem seropo-sitivos e, outros que por situações graves de discrimi-nação são obrigados a abandonar o emprego. A AJpD, tem um consultório de apoio jurídico aos seropositi-vos e, por essa razão tem conhecimento deste tipo de violação dos direitos dos cidadãos infectados com o viH. Muitos desses casos, são de difícil resolução por falta de regulamentação da lei sobre o viH/siDA. Em suma, o trabalhador seropositivo que vir os seus direitos violados em função do seu estado serológico, pode recorrer as instituições do Estado competentes para resolver a situação. Entre elas: A Inspeção Geral do Trabalho que, por sinal tem um inspector (ponto focal) que trata especificamente destes assuntos. Pode também intentar uma acção judicial junto da sala do trabalho do tribunal provincial ou ainda pedir apoio às ONG especialistas nesta matéria com vista a ajudarem no encaminhamento do caso as autoridades competentes.

O apoio da família ao seropositivo é preponderante para a auto-estima deste, diante da sociedade em geral. Para que esse apoio seja mais eficaz, a informação mediante campanhas de sensibilização e consciencialização contra o estigma e a discriminação desempenham um papel importantíssimo. Para que isso seja conseguido é importante a intervenção, não só do Estado, mas também dos vários actores sociais (ONG’s, Igrejas, Escolas, etc.).

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O Mosaiko | Instituto para a Cidadania organizou, entre os dias 23 e 26 de Setembro 2014, no salão paroquial da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Luanda, as Jornadas da Cidadania com o tema Educação e Direitos Humanos, cujo objectivo foi contribuir para uma opinião pública mais atenta e participativa nas questões de Cidadania e Direitos Humanos. As Jornadas contaram com o apoio da Embaixada da Suíça em Angola.

Os participantes tiveram a oportunidade de acom-panhar o lançamento da campanha dos Amigos do Mosaiko, com uma breve apresentação da insti-tuição e das suas áreas de acções e ainda alguns testemunhos de pessoas ligadas a Grupos Locais de Direitos Humanos que trabalham com o Mosaiko. O programa incluíu um Ciclo de Conferências - apre-sentadas por Victor Barbosa, Maria Helena Miguel e Henri Valot - e um Concurso de Fotografia, cuja vota-ção final decorreu na página facebook do Mosaiko.

A atribuição do prémio para as fotografias mais votadas aconteceu no último dia das Jornadas, que contaram com 141 participantes, nomeadamente membros do Corpo Diplomático, entidades religio-sas, funcionários públicos, estudantes e professo-res interessados na temática das jornadas.

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brevesMOSAIKO PROMOVE JORnAdAS dA cIdAdAnIA 2014SObRE “EducAÇãO E dIREItOS HuMAnOS”

ConstruindoCidadania Rádio Ecclesia | 97.5 FM

Sábado às 08H30 e domingos às 22H00

No dia 18 de Novembro de 2014, o Mosaiko realizou em Luanda, no Instituto Superior João Paulo II, o lan-çamento da versão preliminar do relatório de pesqui-sa sobre “O Ensino dos Direitos Humanos nas Escolas Católicas. Estudos de caso: Benguela, Huambo, Lu-anda e Malange”, que foi apresentado pela Drª Mary Daly, assessora principal da pesquisa.

Na actividade que contou com uma ampla cobertura mediática, estiveram presentes mais de uma cente-na de participantes, entre os quais representantes do Ministério da Educação, do Ministério da Justiça e Di-reitos Humanos, do UNICEF, de entidades religiosas, do Instituto Superior João Paulo II, de diversas ONG’s, de várias Escolas (Santa Marta, Complexo Escolar do Cazenga,...) e da Comissão Nacional das Escolas Cató-licas, além de professores, estudantes e outras pes-soas interessadas na temáticas.

Esta pesquisa teve como objectivo principal docu-mentar e estudar as experiências de alunos e profes-sores em matéria de ensino, conhecimento e exercí-cio dos Direitos Humanos, partindo dos conteúdos da disciplina de EMC - Educação Moral e Cívica. A recolha de informação foi feita com base em 43 grupos focais com alunos/as da 6ª e 9ª Classe e entrevistas a pro-fessores de EMC e a outros informantes-chave.

LAnÇAMEntO dO RELAtóRIOPRELIMInAR dA PESquISA SObRE O “EnSInO dOS dIREItOSHuMAnOS ...”