Newsletter Outubro 2013

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Edição # 27 5 de Outubro ,2013 Conselho Editor: Anabela Lemos, Daniel Ribeiro,Janice Lemos, Ruben Mama e Vanessa Cabanelas/ Layout & design: Ticha / Editor : Ruben Manna Propriedade da JA! Justiça Ambiental , Av:Mao Tse Tung no 549, 1o andar MaputoTel: 21496668 Foto:D.Ribeiro Talvez “Contra o Desenvolvimento” não seja um Rótulo assim tão Mau Foram 4 dias intensos os que passámos na Catembe a semana passada num Workshop sobre desenvolvimento que organizámos em parceria com o Transnational Institute (TNI) ,Center of Civil Society, da universidade de Durban (CCS) e a Friends of The Earth International (FoEI). Académicos e membros da sociedade civil nacionais e de vários países e continentes reuniramse connosco para discutir os atuais modelos de desenvolvimento e o papel que estes assumem, quer como catalisadores, quer como instrumentos ao serviço do capital. Houve uma rica partilha de vivências, experiências, perspectivas, ideias e ideologias, e, acima de tudo, como já foi dito, debateuse muito e mui abertamente o atual padrão de desenvolvimento. Sociedade civil, académicos e ativistas analisaram o atual estado da economia mundial, indicaram o beco sem saída para o qual caminhámos, falaram de alternativas, de “ubuntu”, de “bom viver”, de “Commons”*, de uma série de saberes e conjeturas que poderiam ajudar a humanidade a determinar um novo caminho, traçado mediante um novo conceito de progresso e evolução; um trajeto que nos leve rumo a um destino diferente daquele que tememos nos aguarde caso as coisas não mudem. Foi uma lufada de ar fresco e pôsnos a pensar no seguinte: Se calhar somos mesmo contra o desenvolvimento... Se o modelo de desenvolvimento vigente não serve o planeta e seus povos, se é a busca desenfreada por um crescimento económico sem tecto, sem princípios e dissociado e desinteressado na distribuição equitativa de qualidade de vida entre a humanidade, se serve somente o tal 1% da população que gere (e mal) os recursos do planeta, então talvez sejamos mesmo contra esse dito desenvolvimento. Talvez seja hora de pensarmos mesmo em alternativas. Talvez até já tenha passado da hora... seja como for, há que agir, e o primeiro passo é quebrar a ideia generalizada que desenvolvimento é sinónimo de progresso. Não é. O conceito de desenvolvimento surge depois da segunda grande guerra como ferramenta necessária para combater as assimetrias socioeconómicas de um planeta que hoje, continua desnivelado. Passaramse mais de 50 anos. Dizem alguns dos entendidos que o paradigma não só está obsoleto como provou ser uma falsa solução. Mas não nos vamos estender mais. Primeiro porque vamos dar continuidade a estas e outras questões de desenvolvimento e segundo porque pedimos a alguns dos nossos parceiros para escreverem algo sobre este e outros assuntos para as nossas próximas edições. Nos próximos meses partilharemos essas ideias convosco. Fiquem atentos. Antes do fecho da conferência fezse o lançamento do livro em inglês “Behond Development – Alternative visions from Latin America”, pelo grupo permanente de alternativas para o Desenvolvimento. O grupo é composto por ativistas e académicos da América Latina, que se juntaram para analisar e dignosticar os problemas criados pelo chamado desenvolvimento baseado em extrativismo e ao mesmo tempo desenvolver e propor políticas alternativas baseadas em igualdade social, racial, género e de uma nova relação com a natureza. A versão inglesa é a tradução da publicação “Más Allá del Desarollo” de 2011.Quem estiver interessado numa cópia digital, envie um email à JA.

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Newsletter mensal da organização não governamental moçambicana Justiça Ambiental

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Edição # 27 5 de Outubro ,2013

Conselho Editor: Anabela Lemos, Daniel Ribeiro,Janice Lemos, RubenMama e Vanessa Cabanelas/ Layout & design: Ticha / Editor : RubenManna

Propriedade da JA! Justiça Ambiental , Av:Mao­ Tse­ Tung no 549, 1o andar ­Maputo­Tel: 21496668 Foto:D.Ribeiro

Talvez “Contra o Desenvolvimento” não seja umRótulo assim tão Mau

Foram 4 dias intensos os que passámos na Catembe asemana passada num Workshop sobre desenvolvimento queorganizámos em parceria com o Transnational Institute (TNI),Center of Civil Society, da universidade de Durban (CCS) e aFriends of The Earth International (FoEI).Académicos e membros da sociedade civil nacionais e devários países e continentes reuniram­se connosco paradiscutir os atuais modelos de desenvolvimento e o papel queestes assumem, quer como catalisadores, quer comoinstrumentos ao serviço do capital. Houve uma rica partilha devivências, experiências, perspectivas, ideias e ideologias, e,acima de tudo, como já foi dito, debateu­se muito e muiabertamente o atual padrão de desenvolvimento. Sociedadecivil, académicos e ativistas analisaram o atual estado daeconomia mundial, indicaram o beco sem saída para o qualcaminhámos, falaram de alternativas, de “ubuntu”, de “bomviver”, de “Commons”*, de uma série de saberes e conjeturasque poderiam ajudar a humanidade a determinar um novocaminho, traçado mediante um novo conceito de progresso eevolução; um trajeto que nos leve rumo a um destino diferentedaquele que tememos nos aguarde caso as coisas nãomudem.

Foi uma lufada de ar fresco e pôs­nos a pensar no seguinte:Se calhar somos mesmo contra o desenvolvimento... Se omodelo de desenvolvimento vigente não serve o planeta eseus povos, se é a busca desenfreada por um crescimentoeconómico sem tecto, sem princípios e dissociado edesinteressado na distribuição equitativa de qualidade de vidaentre a humanidade, se serve somente o tal 1% dapopulação que gere (e mal) os recursos do planeta, entãotalvez sejamos mesmo contra esse dito desenvolvimento.

Talvez seja hora de pensarmos mesmo em alternativas.Talvez até já tenha passado da hora... seja como for, há queagir, e o primeiro passo é quebrar a ideia generalizada quedesenvolvimento é sinónimo de progresso. Não é. O conceitode desenvolvimento surge depois da segunda grande guerracomo ferramenta necessária para combater as assimetriassocioeconómicas de um planeta que hoje, continuadesnivelado. Passaram­se mais de 50 anos. Dizem algunsdos entendidos que o paradigma não só está obsoletocomo provou ser uma falsa solução.

Mas não nos vamos estender mais. Primeiro porque vamosdar continuidade a estas e outras questões dedesenvolvimento e segundo porque pedimos a alguns dosnossos parceiros para escreverem algo sobre este e outrosassuntos para as nossas próximas edições. Nos próximosmeses partilharemos essas ideias convosco. Fiquem atentos.Antes do fecho da conferência fez­se o lançamento do livroem inglês “Behond Development – Alternative visions fromLatin America”, pelo grupo permanente de alternativas parao Desenvolvimento. O grupo é composto por ativistas eacadémicos da América Latina, que se juntaram paraanalisar e dignosticar os problemas criados pelo chamadodesenvolvimento baseado em extrativismo e ao mesmotempo desenvolver e propor políticas alternativas baseadasem igualdade social, racial, género e de uma nova relaçãocom a natureza. A versão inglesa é a tradução dapublicação “Más Allá del Desarollo” de 2011.Quem estiverinteressado numa cópia digital, envie um email à JA.

Descentralização Governamental ao Serviçodos Megaprojectos de Mineração na Provínciade TeteNum período em que o governo de Moçambique procura atodo o custo implementar políticas de descentralização e,consequentemente, dar mais poder aos órgãos degovernação dos distritos e postos administrativos, ascorporações de investimento estrangeiro (especialmente asdo sector da indústria extractiva) agradecem a iniciativa.Fazem­no pois assim podem mais facilmente continuar acontrolar, condicionar e manipular o estado moçambicanoatravés de aliciamentos e subornos aos recém empoderadosfuncionários do aparelho de estado local. Este modo de agir“por detrás das cortinas” permite­lhes usar o estado comoescudo e salvaguarda­os de posteriormente poderem seracusados de injustiças, opressões às comunidades locais efalta de transparência, uma vez que essa responsabilidadebranqueada, paga como se de um serviço se tratasse, passa(à custa da falta de fibra moral de alguns) a ser do estado.Infelizmente, neste país não são poucos nem isolados oscasos destes “patriotas” que, seduzidos pela tentação dameretriz corporativa, abandonam a sua família: o povo.

Auditoria Independente aos Sistemas de Gestãoe monitoria Ambiental à MozalEm Outubro de 2010, a Coligação (Justiça Ambiental,Livaningo, Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, CentroTerra Viva, Kulima e Centro de Integridade Pública) submeteuqueixas a cerca de 24 instituições internacionais a que dealguma forma a Mozal, através do seu principal accionista, aBHP Billition, está ligada. Estas queixas baseavam­se naviolação de princípios e valores que a BHP Billiton diz seguir erespeitar e que contribuem para a sua imagem, tais comoresponsabilidade social e ambiental, transparência nadisponibilização de informação, etc.A Coligação obteve respostas positivas e as queixas foramaceites pelo Banco Europeu de Investimentos (EIB) e peloCompliance Advisory Ombudsman (CAO), do InternationalFinance Corporation (IFC), e resultaram numa primeira visitade representantes do EIB e da CAO a Maputo em Dezembrode 2010.O EIB procedeu a uma avaliação da queixa e dosfundamentos apresentados na queixa e de seguida a umaanálise aos sistemas de monitoria da qualidade do ar e dasamostragens feitas pela Mozal, da qual resultou um relatóriofinal em Abril de 2012, que apresentava uma série derecomendações, entre estas uma auditoria independente aossistemas de gestão ambiental e de monitoria das emissões daMozal que havia sido uma das principais exigências dacoligação.Apesar do imenso tempo que este processo levou, a auditoriavai finalmente ter lugar no próximo dia 28 de Outubro e visaráessencialmente uma análise técnica e independente aosactuais sistemas de gestão ambiental e monitoria.Um dos principais argumentos utilizado pela Mozal em 2010,na altura do famoso bypass foi que, com aquela reparação ofuncionamento dos centros de tratamento de fumos iriamelhorar consideravelmente e que, assim sendo, não haverianecessidade de bypasses tão frequentes. Este argumentorevelou­se falso, pois temos conhecimento que só no correnteano vários bypasses já tiveram lugar, e fomos inclusivamenteinformados pela Mozal de 1 deles. Não temos informação dequantos mais foram levados a cabo, mas desde o início docorrente ano temos tido inúmeras denúncias e jáquestionamos via email e carta a Mozal, que confirmou sim aocorrência de bypasses em Janeiro. Solicitamos à Mozal umalistagem de bypasses efectuados e a duração dos mesmos, onosso pedido não foi aceite, em resposta fomos convidados amais uma inútil visita guiada à Mozal.O MICOA mantem­se em silêncio, toda a correspondênciaentre a JA! e a Mozal é copiada ao MICOA, já solicitamos aintervenção deste Ministério inúmeras vezes para as maisdiversas questões e não temos tido sucesso.O Governo afirmou por diversas vezes que o famoso Bypassda Mozal foi um sucesso, pois foi levado a cabo dentro doprazo definido (6 meses) e sem graves danos à saúde públicae ambiente, curiosamente não houve qualquer estudoindependente sobre os potenciais impactos na saúde públicaou ambiente deste mesmo bypass, leva­nos a questionar deonde vem esta certeza de sucesso do nosso Governo... serábaseada apenas e mais uma vez na informação transparentee honesta da Mozal?

Resta­nos agora esperar os resultados desta auditoria e queestes contribuam de facto para a melhoria significativa dofuncionamento da Mozal, no que se refere aos seus sistemasde gestão ambiental e monitoria e ainda da partilha deinformação com a sociedade civil.É ainda importante relembrar que independentemente dosresultados desta auditoria, o facto desta ter lugar constitui ummarco importante, demonstra que ainda existem mecanismosque poderão funcionar em defesa dos direitos humanos e daintegridade do meio ambiente. Internamente todas as nossastentativas de resolução da questão do bypass resultaramnum completo falhanço, caracterizado pela completa falta deabertura, interesse e imparcialidade da parte dos orgãosresponsáveis. Aquando do bypass de 2010, a coligaçãosubmeteu a questão à Assembleia da República quetransformou a questão numa disputa partidária; ao TribunalAdministrativo e foi indeferido por questões técnicas apenase à Procuradoria da República, ao Gabinete do PrimeiroMinistro e à Presidência da República que nem sequer sedignaram a responder.

Cerca de meia hora depois apareceram alguns oleiros eofereceram­se para nos mostrar as suas machambas e áreasde produção de tijolos. Seguidos pela nossa equipa, foramexplicando, amargurados, como ganhavam a vida com aquelaatividade. Paulatinamente, mais e mais gente foi aparecendo,contando a sua história.– Estamos a pedir ajuda, esta empresa em vez de fazer otrabalho dela à vontade... Por mais que não queiramajudar a população não precisam de nos prejudicar e nospôr na miséria... Onde é que nós vamos conseguirdinheiro para sobreviver se o nosso negócio e as nossasmachambas foram levadas? Isto é uma desgraça. –Lamentou um dos afectados pela tirania da Vale.Mas como um mal nunca vem só, deixem que vos contemostambém o que aconteceu quando no dia seguinte tentámosvisitar Cassoca – uma povoação que vive, à espera deeventual reassentamento, no coração da área de concessãode uma mina de carvão a céu aberto em atividade há jáalguns meses.Quando entramos na concessão da Jindal África, vimo­nosimediatamente emboscados pelas entidades governamentaislocais, que, como passarei a explicar, em detrimento das maisde 4000 pessoas que vivem na área da mina, estão a serdesavergonhadamente instrumentalizadas pela empresaindiana.

– Autorização? Nós recebemos ordens do governo para nãoreceber ninguém nesta comunidade sem ordens deles e todosos que quiserem entrar aqui deverão apresentar umacredencial carimbada por eles. – rematou o Sr. Modestoenquanto os funcionários da Vale filmavam e tiravam fotos danossa retirada do local, sem a nossa devida permissão.

– Disseram­nos para não deixar entrar ninguém que nãotivesse um documento do governo provincial e/ou distritalporque o governo está na política de descentralização e ochefe do posto não permite que o régulo fale convosco. –disse o homem que se apresentou como técnico daadministração, mas que mais tarde a equipa soube que eracomandante do posto.Descentralização? Que tipo de descentralização é essa emque o poder é atribuído aos órgãos locais de acordo com aconveniência? Com que autoridade é que o chefe do postonos pode impedir de visitar quem nos queira receber numapopulação? De falar com um régulo? De tirar fotos a quemnos dê permissão para o fazer? Mas foi exatamente isso queaconteceu... Infelizmente, parece que em algumas zonas donosso País estão de volta as guias de marcha para nosdeslocarmos.A Jindal, mais propriamente Manoj Gupta, o seuadministrador em Moçambique, já havia insinuadopublicamente que acreditava que o descontentamento dapopulação era fruto de incitação ao desacato plantado pororganizações da sociedade civil. Disse, aliás, à Voz daAmérica, que além disso, as famigeradas manifestações dofim de Julho ocorreram porque a população estavaembriagada.Ou seja, a culpa da Jindal estar a operar uma mina a céuaberto que viola os direitos à livre circulação e a umambiente sadio, que desapropriou as comunidades de suasmachambas, que ainda não reassentou ninguém apesar dapromessa feita às comunidades que a exploração não teriainício antes do reassentamento, que já exporta carvão semum estudo de impacto ambiental aprovado (apesar deveementemente negado por Manoj Gupta, é um facto quenos foi confirmado pela direção do MICOA) e toda aresponsabilidade por todos esses “corta­matos”, é de tudo e

Na nossa última ida a Tete, numa das nossas visitas de campo dirigimo­nos à Unidade 6 do Bairro do Bagamoyo, no Distrito deMoatize, para nos inteirarmos da atual situação dos oleiros cujas terras foram invadidas pela mineradora Vale Moçambique.Quando chegámos ao local, deparámo­nos com quatro trabalhadores da Vale, fardados e acompanhados pelo Sr. Modesto, ochefe da Unidade 6. Estavam a monitorar os trabalhos que um bulldozer estava a realizar na área. A máquina estava a abrirvaletas para a posterior montagem de uma rede de vedação numa área onde a comunidade outrora tinha machambas efabricava tijolos.

Ainda nem 15 minutos fazia de termos chegado, apareceuuma Toyota Hilux da Jindal com um grupo de indivíduos quese identificaram como sendo: chefe do posto, lídercomunitário e técnico da administração.

Cordialmente, pedimos autorização para fotografar o limite daárea que não seria incluída pela Vale, mas aqueles elementosda empresa mineradora e o chefe da Unidade 6 não opermitiram, alegando que primeiro teriamos que comunicarcom os seus superiores.

De salientar que, em muitos destes projetos, tal como na Jindal, há uma prática que começa a ser recorrente e para a qualgostaríamos de chamar a vossa atenção:Com o apoio do seu aliado Estado, as corporações “compram” a última linha de defesa de comunidades inteiras aliciando osseus líderes comunitários com empregos, bens e regalias.Fica então a pergunta: Quem defende este povo?

Se assim não fosse, retórica à parte, já teria intercedidoem defesa dos oleiros de Moatize, dos reassentados emCateme e no Bairro 25 de Setembro, das populações deCassoca e Nyantsanga, entre muitos outros país a fora.Mas não, o governo prefere proteger a Jindal, a Vale, aWambao Agriculture, a Chikweti, a Ntakua, a Portucel, aHoyo­Hoyo, a Matanusca e infelizmente muitosoutros......,e rotular todos aqueles que como nós chamama sua atenção para o modo como isto está a ser feito de“contra o desenvolvimento”........ Mas isso é outra história...

Pequenos Gestos Fazem Toda a Diferença

e todos, menos da Jindal. Óbvio.É a isto que nos referimos quando falamos de branqueamentode responsabilidades, porque o nosso governo, seja central,seja local, provincial ou distrital, é muito permeável e estámuito pouco interessado em defender o povo moçambicano.

A JA, juntamente com várias outras organizações, passou parte da semana passada num workshop na Catembe. De manhã, aprimeira visão que tínhamos era o contraste entre a imponente cidade de Maputo do outro lado da baia, e na praia da Catembe,os pescadores com seus barcos e suas redes a pescarem na praia.

"Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último riofor poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro."Indios Cree

Os pescadores continuaram o seu trabalho, tirando darede peça a peça, com um olhar triste e cansado, asgarrafas de cerveja, os plásticos... o lixo de Maputo.Àqueles a quem serve o capuz pergunto: Isto parece­voscorreto? Acham que as garrafas de cerveja são para seratiradas das janelas dos carros? Sim, das janelas dos carros!Acham que a vossa preguiça de por o lixo no lixo é maisimportante do que o direito que os outros têm de andar napraia sem se cortarem ou levarem com uma “voadora” nacabeça?

É exatamente na marginal que mais vezes assistimos a estetriste episódio protagonizado por gente porca (perdoem­memas é a verdade) e inconsequente que parece não sabermelhor, mas que decerto não faz isto em casa. Ora, se nãofaz em casa porquê que faz na rua? Devia ser ao contrário.O espaço público é uma casa partilhada com 25 milhõesde pessoas e todos temos a responsabilidade de amanter limpa.Aqueles que gostam de porcaria, que decorem as suascasas com as garrafas, plásticos, pacotes e beatas com asquais gostam de enfeitar a via pública, e divirtam­se aarremessar garrafas de cerveja da sua sala de estar para asua cozinha. Então ninguém poderá dizer nada, pois sóvocês terão de viver com a vossa imundice.E o nosso governo? O que tem feito para parar com estesabusos? Educação cívica nas escolas? Campanhas públicaspara sensibilizar a população? Nada. Como sempre, NADA.Fazemos um apelo a quem ainda tenha consciência erespeito pelo próximo: Pense um pouco nos outros. Pense navida destes pescadores e no nosso meio­ambiente e nãoatire garrafas para o mar, para o chão, pelas janelas doscarros... Ponha­as nos contentores de lixo ou leve­as paracasa e deposite­as no seu caixote do lixo.Será assim tão difícil? Será pedir muito? Não lhe deixaria

orgulhoso se as praias da nossa capital fossem um exemplode limpeza para o país?Faça a sua parte. Pequenos gestos fazem toda adiferença, seja para o bem ou para o mal.

Uma dessas manhãs, cedo, decidi dar um passeio eaproximar­me para assistir à recolha das redes. Assim que arede puxada pelos vários pescadores (como a maioria de nóscertamente já viu fazer em várias praias da nossa costa)chegou à margem, além do pescado, garrafas de cerveja,garrafas de sumo, latas, plásticos, lixo e mais lixo e mais lixo...Um dos pescadores, apercebendo­se da minha presença,aproximou­se com uma garrafa na mão e perguntou­meagressivamente:“Está a ver isto?”“É o que vocês da cidade fazem. Atiram garrafas decerveja, plásticos e todo o lixo para o mar, e nós, em vezde estarmos a tirar o peixe da rede, estamos é a tirar domar o vosso lixo, e o nosso peixe está cada vez mais adesaparecer.”Respondi que não era eu, que era ambientalista e que merevoltavam essas atitudes dos nossos cidadãos. Que amaneira indiscriminada como as garrafas, os plásticos, ospacotes, as beatas dos cigarros e outras porcarias sãoatiradas impávida e serenamente para o chão, na praia, narua, na estrada, no passeio, no estádio, no jardim e emqualquer outro lugar, são uma vergonha nacional, umacompleta falta de civismo e respeito, não só pela natureza epelo meio ambiente, mas também pelo próximo. O maischocante é que é aceite. É considerado normal na nossasociedade.Prometi que ia escrever algo sobre a situação.Assim que comecei a explicar quem sou e o que faço e a dizerque compreendia e concordava com o que eles sentiam, asua expressão mudou e um dos pescadores perguntou se erajornalista. Respondi que não, mas que tínhamos um pequenoboletim e que ia escrever algo nele sobre o assunto.

*No conceito dos anciões os bens comuns (“thecommons”) referem­se a o que pertence a um pertence atodos.Por seu lado para Jonathan Rowe, (Jornalista Americano epioneiro dos bens comuns) são aqueles que “estão fora domercado económico e institucional do Estado, e que todosnós normalmente utilizamos sem pedágio ou preço. Aatmosfera e os oceanos, línguas e culturas, os reservatóriosde conhecimento e sabedoria humana, os sistemas informaisde apoio das comunidades , a paz e o sossego queansiamos, os elementos essenciais à vida ­ estes são todosaspectos do bem comum, e têm a qualidade terem sempreexistido. Uma geração após a outra, e disponível para todos.Para o ambientalista canadense Richard Bocking “theCommons " – é tudo aquilo a que temos direito apenas porsermos membro da da família humana: "O ar querespiramos, a água doce que bebemos, os rios, os mares,florestas e montanhas, a herança genética através da qualtoda a vida nos é transmitida, a diversidade da vida em si."É obrigação dos governos assegurar o direito aos benscomuns, que constitui um direito humano, e quando estesgovernos não protegem os bens comuns em nosso nomeeles falham perante nós, os bens comuns e as geraçõesfuturas.Dr. Martin Luther King Jr. disse: " Pode ser verdade que a leinão consegue mudar o coração, mas pode restringir os semcoração"