O Bandeirante - n.206 - Janeiro de 2010

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Sedimentando o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Ano XVIII - n o 206 - JANEIRO de 2010 Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP O Bandeirante Jornal Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010). “A minha pátria é a língua portuguesa”. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP) está completan- do um ano de factual existência. Co- meçou a ser implementado facultati- vamente, em 1 o de janeiro de 2009, devendo ser implantado definitiva- mente, no Brasil, em 2013, tendo, portanto, quatro anos para a devida adaptação. Embora já tenha ocorrido um ano de sua vigência, há ainda muita dúvida a ser dirimida. É importante salientar que as alterações só se re- ferem à grafia dos vocábulos, não se atendo à pronúncia, concordância, regência ou mesmo à crase. Assim, apesar de sumir o trema – que não é considerado acento – a pronúncia das palavras continuará a mesma. Aliás, o trema em palavras estrangei- ras permanecerá como em Müller ou mülleriano. Como curiosidade, salienta-se que na ortografia oficial do português de Portugal, esse sinal diacrítico foi abolido a partir de 1 o de janeiro de 1946! Acentuação A alteração nos acentos só atin- giu as palavras paroxítonas, pou- pando as proparoxítonas, oxítonas e monossílabas tônicas. Assim o i e o u antecedidos de ditongos perderão o acento (exemplos: feiura, baiuca, Sauipe, boiuna, cauira...). Entretan- to, continuarão recebendo acento na posição final de palavras oxítonas (Piauí, tuiuiú, Itaú, baú, Jaú...). Será facultativo o acento circun- flexo para diferenciar as palavras forma e fôrma (exemplos: escolha a forma da fôrma do bolo ou escolha a forma da forma do bolo, esta menos preferível), assim como demos ou dêmos (respectivamente, 1 a pessoa do plural do pretérito perfeito do in- dicativo e 1 a pessoa do plural tanto do presente do subjuntivo quanto do imperativo do verbo dar). (...) Hifenização A nosso ver, uma das melhores conquistas do AOLP foi a padroniza- ção das regras concernentes à hifeni- zação ou não de palavras adiante de seus prefixos. (...) A regra básica da hifenização ou não, é, mnemonicamente: “os iguais se rejeitam e os diferentes se atraem”. Assim, colocar-se-á o hífen quando os prefixos terminados em vogal ou consoante forem seguidos, respecti- vamente pela mesma vogal ou mesma consoante (exemplos: anti-inflamató- rio, anti-inflacionário, ultra-análise, auto-observação, auto-ofensa, contra- ataque, contra-almirante, micro-on- das, micro-ônibus, auto-ônibus, semi- internato, mega-atleta, anti-italiano, ultra-amistoso, hiper-rico, meta-aná- lise, inter-racial, inter-relacionamen- to, sub-bloco, sub-base, sub-biblio- tecário, super-resistente, super-real, super-rigoroso, super-romântico, su- pra-adrenal, pseudo-observador, tele- educação...). Exceção: O prefixo co se junta ao vocábulo mesmo quando começar por o (exemplos: coordenar, cooptar, coobrigação, cooperativa...). (...) Afinal, poucos ainda sabem que nosso vernáculo está presente nos seis continentes, incluindo a Antár- tica; que é uma língua falada por 240 milhões de pessoas e, dentre as oito nações da Comunidade dos Pa- íses de Língua Portuguesa (CPLP), o Brasil tem o maior destaque nesse contingente. Isso faz com que o por- tuguês seja a 5 a língua com maior número de falantes do planeta e a 3 a do mundo ocidental! A Sobrames – SP regozija-se vi- brantemente com essa façanha. Viva a língua portuguesa; seus falantes e seus escritores! Fernando Antônio Nogueira Pessoa (1888-1935), juntamente com Luiz Vaz de Camões (1524-1580), é considerado um dos maiores poetas portugueses.

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Sedimentando o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Ano XVIII - no 206 - JANEIRO de 2010Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP

O BandeiranteJornal

Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).

“A minha pátria é a língua portuguesa”.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP) está completan-do um ano de factual existência. Co-meçou a ser implementado facultati-vamente, em 1o de janeiro de 2009, devendo ser implantado definitiva-mente, no Brasil, em 2013, tendo, portanto, quatro anos para a devida adaptação.

Embora já tenha ocorrido um ano de sua vigência, há ainda muita dúvida a ser dirimida. É importante salientar que as alterações só se re-ferem à grafia dos vocábulos, não se atendo à pronúncia, concordância, regência ou mesmo à crase. Assim, apesar de sumir o trema – que não é considerado acento – a pronúncia das palavras continuará a mesma. Aliás, o trema em palavras estrangei-ras permanecerá como em Müller ou mülleriano. Como curiosidade, salienta-se que na ortografia oficial do português de Portugal, esse sinal diacrítico foi abolido a partir de 1o de janeiro de 1946!

AcentuaçãoA alteração nos acentos só atin-

giu as palavras paroxítonas, pou-pando as proparoxítonas, oxítonas e monossílabas tônicas. Assim o i e o

u antecedidos de ditongos perderão o acento (exemplos: feiura, baiuca, Sauipe, boiuna, cauira...). Entretan-to, continuarão recebendo acento na posição final de palavras oxítonas (Piauí, tuiuiú, Itaú, baú, Jaú...).

Será facultativo o acento circun-flexo para diferenciar as palavras forma e fôrma (exemplos: escolha a forma da fôrma do bolo ou escolha a forma da forma do bolo, esta menos preferível), assim como demos ou dêmos (respectivamente, 1a pessoa do plural do pretérito perfeito do in-dicativo e 1a pessoa do plural tanto do presente do subjuntivo quanto do imperativo do verbo dar). (...)

HifenizaçãoA nosso ver, uma das melhores

conquistas do AOLP foi a padroniza-ção das regras concernentes à hifeni-zação ou não de palavras adiante de seus prefixos. (...)

A regra básica da hifenização ou não, é, mnemonicamente: “os iguais se rejeitam e os diferentes se atraem”. Assim, colocar-se-á o hífen quando os prefixos terminados em vogal ou consoante forem seguidos, respecti-vamente pela mesma vogal ou mesma consoante (exemplos: anti-inflamató-

rio, anti-inflacionário, ultra-análise, auto-observação, auto-ofensa, contra-ataque, contra-almirante, micro-on-das, micro-ônibus, auto-ônibus, semi-internato, mega-atleta, anti-italiano, ultra-amistoso, hiper-rico, meta-aná-lise, inter-racial, inter-relacionamen-to, sub-bloco, sub-base, sub-biblio-tecário, super-resistente, super-real, super-rigoroso, super-romântico, su-pra-adrenal, pseudo-observador, tele-educação...). Exceção: O prefixo co se junta ao vocábulo mesmo quando começar por o (exemplos: coordenar, cooptar, coobrigação, cooperativa...). (...)

Afinal, poucos ainda sabem que nosso vernáculo está presente nos seis continentes, incluindo a Antár-tica; que é uma língua falada por 240 milhões de pessoas e, dentre as oito nações da Comunidade dos Pa-íses de Língua Portuguesa (CPLP), o Brasil tem o maior destaque nesse contingente. Isso faz com que o por-tuguês seja a 5a língua com maior número de falantes do planeta e a 3a do mundo ocidental!

A Sobrames – SP regozija-se vi-brantemente com essa façanha. Viva a língua portuguesa; seus falantes e seus escritores!

Fernando Antônio Nogueira Pessoa (1888-1935), juntamente com Luiz Vaz de Camões (1524-1580), é considerado um dos maiores poetas portugueses.

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2 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010

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Iniciamos 2010 de cara nova. O Boletim O Bandei-rante passa oficialmente para nós, que dependemos, para torná-lo um delicioso prato literário, da colabora-ção de todos os confrades. Assim, iniciamos uma nova fase de recebimento de trabalhos, através de um novo e-mail, o [email protected] .

É muito importante o entendimento dos colegas no sentido de nos enviar os textos digitados correta-mente, em arquivos renomeados: nome do autor, nome do trabalho e data, facilitando, assim, nosso trabalho para montagem do boletim, das coletâneas e de outras necessidades.

Também estamos empenhados na construção de um site genuinamente nosso, dinâmico, culturalmente elevado, ágil, de fácil navegação, que mostre a Sobrames São Paulo para o mundo.

Outra ideia que estamos construindo é a elaboração de um Bandeirante Virtual, independente de O Bandeirante em papel, com textos e poesias iné-ditos dos confrades, sem limitação de tamanho. Pedimos a todos os colegas que nos informem seus e-mails e de colegas que gostariam de recebê-lo através do nosso endereço [email protected]

Boa leitura a todos!

Jornal O Bandeirante ANO XVIII - no 206 - Janeiro 2010

Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP. Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche. Jornalista Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Leopoldo Lopes, Luiz Jorge Ferreira, José Rodrigues Louzã, Sérgio Perazzo, Aida Lucia Pullin Dal Sasso Begliomini, Márcia Etelli Coelho, Roberto Antonio Aniche.Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.

Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.

Matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a

opinião da Sobrames-SP

Editores de O Bandeirante

Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009 Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -

Presidentes da Sobrames – SP

1o Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010) 3o Carlos Luiz Campana (1994-1996)4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)5o Walter Whitton Harris (1999-2000)6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)7o Luiz Giovani (2003-2004)8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)

Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. AnicheRevisão: Ligia Terezinha PezzutoDiagramação: Mateus Marins CardosoImpressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica

Carlos Augusto F. Galvão Roberto Antonio Aniche

Dr. Carlos Augusto GalvãoPsiquiatria e PsicoterapiaRua Maestro Cardim, 517Paraíso – Tel: 3541-2593

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O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 3 SUPLEMENTO LITERÁRIO

PRÊMIOS SOBRAMES

PRÊMIO RODOLPHO CIVILE DE ASSIDUIDADETrata-se de prêmio para os frequentadores mais assíduos da nossa Pizza Literária, dividido em duas categorias: capital e interior. Criado em 2007, homenageando o Dr. Rodolpho Civile, médico oftalmologista e constante em sua partici-pação. Os ganhadores são sempre duplamente laureados: pelo prêmio e pelo prazer de conviver um ano inteiro com todos os confrades, saboreando as pizzas em situações divertidas e com boa leitura.

PRÊMIO ALDO MILLETO POR MELHOR DESEMPENHOPrêmio por desempenho no exercício da arte de escrever, criado em 2007, englobando pontuação em trabalhos lidos nas Pizzas Literárias, textos e livros publicados. Homenageia o Dr. Aldo Milleto, médico psiquiatra, falecido em 2008.

PRÊMIO FLERTS NEBÓ DE MELHOR PROSACriado em 2000 para eleger a melhor prosa dentre todas as apresentadas nas Pizzas Literárias. Homenageia o Dr. Flerts Nebó, médico reumatologista, nascido em 1920 e um dos fundadores da Sobrames São Paulo.

PRÊMIO BERNARDO DE OLIVEIRA MARTINS DE POESIAPremia a melhor poesia dentre as apresentadas nas Pizzas Literárias do ano. Criado em 1997, homenageia o médico Bernardo de Oliveira Martins, ginecologista, nascido em 1919. Ingressou na Sobrames em 1991, falecendo em 1997, tendo escrito poesias brilhantes que mereceram este título.

O melhor combustível para o cérebro é o pó silencioso das madrugadas.

Valor agregado é o valor que os agregados do poder nos subtraem e, segundo eles, democraticamente.

Lula já entrou para a história e para coroar sua passagem pelo mundo só falta homenagear sua soberba modéstia e entrar para um mausoléu.

Toda experiência adquirida em anos não é suficiente, quando dela precisamos para uma simples ereção.

Em moleque tive um amigo recém-chegado do interior e que me ensinou a fazer e usar o estilingue. Às tardes sa-íamos em turma, matando os mais variados pássaros, quebrando luminárias públicas e algumas vidraças. Certa tarde o amigo matou um beija-flor e a seguir abriu-lhe o peito a canivete, extraiu o minúsculo coração e o engoliu, segundo ele costume de sua terra para jamais perder a pontaria.

Carolice ingênua ou pérfida ironia o fato de Amador Aguiar dar a seu conglomerado financeiro Bradesco o nome de Cidade de Deus? (Deus me livre).

Parece coisa de criança a briga por energia nuclear à qual falta bom senso. Que todos tenham acesso a ela e façam o uso que quiserem, sendo os primeiros a sofrerem represália se a usarem para a guerra. Simples assim.

Tornar a corrupção crime hediondo é promover a mais sofisticada tecnologia em disfarçá-lo. Incentivar a ciência é mais uma contribuição dos nossos notáveis dirigentes à felicidade popular.

E se eu morresse hoje você choraria muito?Que brincadeira mais idiota, não tem mais o que fazer?Não, é sério, é que eu imagino como você se comportaria.Depois de 30 anos juntos você ainda tem dúvidas?Tenho.Bem, choraria muito, muito mesmo, lágrimas de crocodilo.No dia seguinte saio para nunca mais voltar

O Melhor Combustível...

Leopoldo Lopes

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4 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 SUPLEMENTO LITERÁRIO

Soneto Desconjunto de um Resto de Sono

Alvorecer!

Acordei tendo na boca um gosto esquisito.Um resto amargo do peso de um pesadelosem imagens claras do símbolo ou do mito.Verdade é, em tal naufrágio, agarrei teu cabelo

pra não afundar de vez em meus profundos receios.Mergulhei então meu rosto entre teus seios,esperando encontrar o cardume de vãos momentos,ondas do mar d’alma feitas tormentas e tormentos.

E assim, em praia distante, fui levado sem aportar,ilha de sal, crista de areia, dunas de calmaria.O sono dos anjos caiu em mim como nunca cairia.

Silêncio de profundezas a revolver e escavardias sem tu, sem ti, sem nós, sem eu e sem mim,dias sem berço, sem começo, nem meio, nem fim.

Clareia o dia muito lentamente...Pássaros pouco a pouco a se agitar...Ouvimos o sabiá alegre a trinar,os canários a dobrar jovialmente,

os bem-te-vis, muito alto a assobiar,e as maitacas em bando a chilrear.Todos eles começando a voarnas árvores, jubilosos, a cantar.

Música de aves ao alvorecer.Mesmo nas cidades em que vivemos,com tão pouco verde na natureza,

ainda conseguem nos oferecer e com elas, felizes convivemosa saudar o amanhecer com beleza!

Sérgio [email protected]

José Rodrigues LouzãMédico aposentado em São Paulo

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O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 5 SUPLEMENTO LITERÁRIO

Acordei com muita calma e comecei a escutar um barulho anormal. Havia um ruído de fundo constante, incômodo e um ou outro som mais alto. Espreguicei, bocejei, esfreguei os olhos ou o que parecia ser e coloquei a cabeça para fora.

O dia estava claro, ensolarado apesar do horário. A agitação iniciou muito cedo.Crianças corriam de um lado para o outro, brincando de pega-pega. Não sabia ao certo quais eram visitantes e

quais eram moradoras de tão animadas que estavam.Algumas pessoas cabisbaixas, chorosas pareciam transportar sobre suas cabeças o peso do mundo, outras serelepes

transbordavam alegria.Os pequenos jardins estavam em festa. Uma variedade enorme de cores e aromas produzidos pelas azaleias,

margaridas, rosas, cravos, flores do campo e tantas outras, formando um belo tapete perfumado e bonito. Uma brisa refrescante roçava minha face, trazendo esses agradáveis perfumes da natureza que rapidamente se dissipavam no ar. Respirei fundo, estiquei meu esbelto corpo, leve, bonito..., também assim é demais , para ser mais honesto digamos “bem apresentado” e observei a vizinhança.

Do lado esquerdo, vi o Pedrinho todo limpinho, arrumadinho, dentes escovados, bem penteado, sentado entre as margaridas, procurando atentamente seus pais que não tardariam a aparecer como todos os anos desde 1985. Do lado direito, Ana, “a Louca”, como era conhecida na sua época de juventude, observava com um profundo amor o velhinho magro e triste que insistia em acender uma vela que o Pedrinho, vindo rapidamente do outro lado, insistia em apagar. Ana não se conteve e deu uma gargalhada debochada como era de seu feitio. Em frente o Janjão, a Tica e o Juninho sabiam que não receberiam ninguém, pois os seus há muito já haviam partido.

Caminhei, flutuei um pouco, fui até a capela cheia de gente numa mistura de sons em que se sobressaíam alguns pai-nossos e ave-marias.

Agachada em um canto, uma menininha chorava desconsolada. Seu pai afagava seus cabelos longos e com os olhos vermelhos procurava conter as suas próprias lágrimas com palavras doces e suaves. Pairando no ar, um pouco acima de suas cabeças, flutuava uma jovem mulher que não sabia direito o que lhe tinha acontecido, parecendo mais perdida e desamparada do que eles.

Voltei rapidamente para o meu canto na esperança de receber minhas visitas, mas ainda não havia ninguém.Sentei-me um pouco cansado das andanças e relembrei com ternura breves momentos da minha vida. O nasci-

mento da Sandy, em seguida do Cacá, o fim do meu primeiro casamento, tão rápido e inesperado quanto o início dele, depois meu segundo, terceiro e quarto casamento. Por último a Bia, que mulher, que formosura, perto dela eu sumia . É o que chamam de mulherão. Não havia quem não a olhasse e cobiçasse quando passávamos. Encantava a todos os homens com sua beleza, juventude e desenvoltura. Foi também o que me atraiu nela. Fiquei completamente apaixonado e entregue a seus caprichos. E olha que foram muitos. Grandes viagens, jantares, algumas joias caras, incontáveis finais de semana, agitação diurna e noturna. Alguns até a culpam pela minha inesperada partida. Mas, eu nunca acreditei, pois sempre confiei no grande amor que ela tem por mim.

Distraio-me com a constante movimentação. É um entra e sai de gente como nunca vi. Apesar de tudo, estava sozinho. Não havia recebido ainda nenhuma visita. Onde estaria a Bia , com suas juras de

amor eterno sussurradas em meu ouvido em nosso último jantar à luz de velas na marina de Ilhabela? A Sandy e o Cacá com certeza deverão estar acordando agora com ressaca depois da balada de ontem à noite, ou quem sabe se perderam no caminho. Também não estão acostumados a virem me visitar aqui tão longe de casa.

O dia vai transcorrendo e eu me inquieto cada vez mais. Observo o céu. Está carregado de nuvens escuras que rapidamente vão se acumulando, prenunciando uma tempestade que em poucos minutos desaba com força total. As poucas pessoas que ainda insistiam em ficar correm para se abrigar ou tentam sair do parque.

A chuva que se precipitou lavou da minha mente a última esperança de rever hoje meus entes queridos. Acalmo-me e percebo que isso não me incomoda mais. Se não puderam vir hoje, quem sabe na próxima semana venham me fazer uma surpresa. Afinal para quem mora aqui como eu, todo dia é dia de finados.

Um Dia Especial

Aida Lucia Pullin Dal Sasso BegliominiEngenheira em Segurança do Trabalho em São Paulo

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6 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 SUPLEMENTO LITERÁRIO

Estou pronto para ir às estrelas.Coloquei as meias sujas dos últimos passos,Limpei com a areia a lente cinza dos óculosE arrumei ideais sobre ideias e lembranças inúteisEntre planos esquecidos, emudeci alguns dos meus gritosE violentei minhas sombras projetadas na parede da salaCom sílabas tônicas retiradas de uma música afônicaSaída de um rádio sobre a estante.

Estou pronto para ir às estrelas.Rabisquei com os dedos sujos de dedosRotas estranhas que vão se perder em suas axilas,Desaparecer em suas costas largas e embaraçar entre seus cabelos como Anônimos pontos cardeaisRetornam a mim. Eu, agora sombra pregada na parede, ando em círculosTendo contra mim o vento e o tempo, ambos velhos e cabisbaixos,Surdos a música afônica que sai pela boca do rádioE escapa pela fresta da janela.

Estou pronto para ir às estrelas.Satisfaço-me em lembrá-la como antesLábios abertos e estilhaços de risos, flutuando até mim.Eu com as mãos ocupadas pelas palavras. Livrando-as da chuva calma que enfileira pintosEscrevo algo como tantos outros algos que escreviTalvez uma despedida para ninguém ou um pequeno adeusE nunca os completoFica difícil exilar-me nas estrelasHá a angústia de espera que me enche de nódoas Umas nuvens vagabundas escondendo a saídaE um barulho rouco de uma músicaAlgo como um choroQue sai da boca do rádioNo momento maravilhoso em que caloAs mãos e a fala.

Uma parte de si acolhe bem os visitantes.A outra, recebe mais do que pode cuidar.Uma parte acelera os passos dos habitantes.A outra, no trânsito lento, quase a parar. Uma parte de si comunica-se com o mundo inteiro.A outra, fecha-se na angústia da solidão.Uma parte sonha com trabalho e dinheiro.A outra, desespera-se na prisão. Uma parte de si alimenta-se de poesia.A outra, violenta os desvalidos.Uma parte destaca-se pela gastronomia.A outra, jejua com os esquecidos. Uma parte passeia na fria garoa.A outra, desaloja lares nas enchentes.Uma parte encara a vida numa boa.A outra, descuida dos seus doentes. Há tempo São Paulo começou a sorrirna ambivalência de um eterno aprendiz.Uma parte busca progredir.A outra, simplesmente ser feliz.

Exílio

Fragmentos de São Paulo

Luiz Jorge [email protected]

Márcia Etelli [email protected]

Poema laureado no II Prêmio Literário Canon de Poesia 2009

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O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 7 SUPLEMENTO LITERÁRIO

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Novos Associados

Notícias

MÁRCIA ETELLI COELHO é médica formada pela Escola Paulista de Medicina (atual UNIFESP) em 1979, com especializações em homeopatia e geriatria. Recebeu Menção Honrosa na Jornada Médico-Literária Paulista 2009 pelo poema “Realiza-ções”. Autora de diversos livros, entre eles Andarilho, Corpo, espelho d´alma...

Bem-vinda à nossa Regional!

II PRÊMIO DE POESIA CANON

O confrade Luiz Jorge Ferreira teve sua poesia “Exílio” como uma das vencedoras do II Prêmio Literário Canon de Poesia 2009, sendo publicada nessa mesma antologia. Parabéns por mais esta brilhante conquista!

CONCURSOS E PRÊMIOS

Encontramos um link interessante e desafiador, mantido pela Editora Scortecci: http://www.concursosliterarios.com.br/ com diversos concursos para poesias, prosas, etc... e que podem ser um verdadeiro desafio para irmos além das fronteiras da nossa Pizza Literária. Aos confrades, visitem o site e mãos à obra!

QUANDO CAEM AS CINZAS

O confrade Carlos Augusto F. Galvão lançou, em Belém do Pará, seu mais novo romance: “Quando Caem as Cinzas”, com apoio da Regional Paraense da Sobra-mes na pessoa de seu presidente, Dr. Alípio Bordallo, e com a presença do presidente nacional da Sobrames, Dr. José Maria Chaves. O livro, escrito há 15 anos, trata de outra página ainda obscura da história do Pará: a Guerrilha do Araguaia. O lançamento aconteceu nas dependências do Sindicato dos Médicos de Belém do Pará, no dia 8 de dezembro de 2009.

NOVO E-MAIL DA SOBRAMES-SP

[email protected]

Este é o seu novo canal de comunicação com a Sobrames-SP para envio de todos os textos, trabalhos, sugestões, comentários e críticas. Os materiais para possíveis publicações tanto em O Bandeirante como em O Bandeirante Virtual deverão ser salvos em arquivos .doc, .odt. ou .txt, devem conter o e-mail do autor no final do trabalho, que devem ser renomeados como:

Nome do autor – Nome do trabalho – ddmmaa.doc (ou txt ou odt)

Page 8: O Bandeirante - n.206 - Janeiro de 2010

8 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 SUPLEMENTO LITERÁRIO

Pedidos a Papai Noel

O menino que pede é um moreninho que mora em Itaquera, aliás, nossos melhores atores vêm do extremo leste da cidade. Estuda no Céu Aricanduva, onde já provou cerca de trinta receitas de miojo, ovo cozido e banana. Alguém disse que isso faz bem para a memória, talvez o prefeito.

O Papai Noel já é nosso conhecido e havia atuado junto com os duendes alcoolizados e mamãe Noel de mau humor. A história, na realidade começa após o Natal anterior.

O nosso velhinho hipertenso e gordo ficou impressionado e ao mesmo tempo revoltado por não ter entregue ne-nhum brinquedo no Natal em que havia participado em troca de uns trocados e ainda torcera o tornozelo. Engessado, ficou o tempo todo na porta de sua casa e acreditem: ele pensava!

Viu crianças passarem com inúmeros presentes e roupinhas limpas, felizes e sorridentes, mas viu também outras crianças remexendo o lixo, como cães farejadores em busca de alimento. E pensou em mudar alguma coisa no mundo: se não podia mudar a sua obesidade, a hipertensão e a sua velhice, poderia deixar de ser apenas um velho rabugento e ajudar as pessoas.

Passou a frequentar a missa do domingo na Basílica de Nossa Senhora da Penha, semana após semana, tentando entender o significado do Natal, o que seria realmente para a humanidade o nascimento do Menino Jesus. Prestava atenção o tempo todo no que o Monsenhor falava, às vezes queria perguntar, mas não se faz pergunta em missa. O que significava aquela tal de Hosana, seria uma mulher vestida de anjo, um balão subindo aos céus, levando aos povos a notícia de que o Rei dos Reis havia nascido?

Foi num desses devaneios que ele dormiu sentado no meio da igreja, no meio da missa, no meio da homilia. E de repente foi atingido por um raio de luz que lhe ofuscou a vista, vindo de um dos vitrais da igreja, assim como acon-teceu com Saulo de Tarso. E justamente no momento em que foi acordado o Monsenhor gritava:

– Vinde a mim as criancinhas!Ele não reconheceu de onde veio nem de quem era aquela voz, assustado que estava do raio de luz. Acordou mais,

forçou a vista e os ouvidos:– Oremos irmãos. Naquele tempo...Acreditou que fora realmente avisado que tinha de ajudar as crianças que remexiam no lixo, procurando algum

alimento, que não tinham natais, que sequer sabiam porque existia Natal. No resto do ano, ajuntou o que sobrava de dinheiro do auxílio-doença, pedia ajuda aos amigos, até ao

médico que lhe fornecia rapidamente os laudos da previdência.E lá estava no final do ano, com roupa de Papai Noel, sentado na escadaria da igreja velha da Penha, dividindo os

degraus com os mendigos. Não lhe saía da cabeça a luz que o cegara momentaneamente, as palavras vindas dos céus, dizendo sobre as criancinhas. Enquanto pensava, distribuía presentinhos baratos, da loja de um real, para as crianças pobres que saíam do posto de saúde, chorosas por tomarem vacina ou injeção.

Aí chegou o menino da história, com seus doze anos e vinte e oito quilos, muitas, muitas cáries e muito mais fome e tristeza. O menino ficou olhando o Papai Noel sentado e os mendigos, com olhar triste. Papai Noel perguntou:

– Por que essa tristeza?– Porque você nunca me dá presente, eu mando carta e acho que você joga fora.– Me dá outra cartinha que vou te dar o presente.Para nosso espanto, o menino tirou um papel amassado do bolso, com mancha de margarina Doriana e a entregou

ao Papai Noel, fazendo cara de dar dó. Papai Noel pegou a carta, olhou, mudou de posição, pegou os óculos. A cada segundo, o coração do menino acelerava, os olhos do Papai Noel ficavam mais sérios, o olhar do menino ficava mais triste. O papai Noel olhava o papel, olhava o menino, balançava a cabeça. Caiu uma lágrima do menino.

Papai Noel elevou o olhar para os céus gritando:– Eli, Eli, lamá sabachtháni?E com profunda tristeza olhou o menino, desapontado, com toda a esperança perdida, rolando ladeira da Penha

abaixo.– Não posso dar o seu presente.E abaixou a cabeça para não ver o seu desespero, as suas lágrimas de tristeza, o choro e a pobreza mascarados

pela fome e pelo desamparo.– Não posso dar o seu presente. Não consigo entender sua letra.

Roberto Antonio [email protected]