O Dilema Dos Refugiados Na Europa

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O dilema dos refugiados na Europa O mundo passou a semana comovido com a foto do menino sírio, Ayan Shanu, encontrado em uma praia na Turquia. A tragédia marcou pela imagem e pela gravidade do problema. As consequências da guerra civil na Síria vão desde o acirramento dos confrontos regionais (Arábia Saudita e Irã), contribuição para a consolidação de um dos maiores grupos terroristas modernos (Estado Islâmico), uso de armas químicas até a catástrofe humanitária – sejam as vítimas da guerra ou os refugiados. O enfoque da semana foi a mobilização mundial clamando por uma solução para a crise dos refugiados na Europa. Certamente a foto de Ayan é uma imagem triste e chocante. É compreensível a reação da opinião pública, mas não podemos de deixar contextualizar a gravidade dos problemas, as possibilidades de solução, e raiz de tudo isso. Raiz do problema Vou começar tratando da causa da crise. Por que os refugiados estão fugindo da Síria? A resposta é obvia e pode gerar estranheza nos leitores, mas é necessária para analisarmos os desafios. A guerra civil na Síria já desabrigou e deslocou 11 milhões de pessoas, em uma população de 20 milhões; ou seja, mais da metade do país não está vivendo em sua residência original. A maior parte desses 11 milhões estão deslocados dentro do próprio país, um total de 7 milhões, e outros 4 milhões estão divididos principalmente entre: Líbano, com mais de 1.3 milhões; Turquia, acima de 1 milhão; e Jordânia, mais de 700 mil. Jordânia e Turquia são estados com uma autoridade central mais estruturada para lidar com o fluxo de refugiados. Já o Líbano com uma população de 4.7 milhões e um governo central mais fraco, recebeu 1.2 milhões de refugiados — mais de 20% da sua população. Diferentemente dos seus pares árabes e turcos, os países do Golfo (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Catar, Bahrein e Omã) não ofereceram nenhum abrigo para refugiados sírios. Esses países preferiram doar dinheiro ao invés de abrir suas fronteiras. O Kuwait é o quinto maior doador entre 2012 e 2015, mas nenhum deles aceitou sequer abrigar um refugiado em seu território. Os países do Golfo não reconhecem refugiados — não assinaram a Convenção de 1951 sobre refugiados. A grande preocupação dos países do Golfo é com a segurança e estabilidade. O que aconteceria casos tivessem que absorver e assimilar tantos imigrantes? Regimes que sobreviveram a Primavera Árabe não querem arriscar atrair para si ondas desestabilizadoras, ainda mais nesse momento de grande instabilidade que passa a região. Ordem de prioridade Os números de desabrigados e refugiados são exorbitantes. Entretanto, não fazem parte de uma realidade nova, afinal os refugiados são um dos produtos da guerra síria desde o seu inicio. Inclusive, como mostrei acima, os países mais próximos do conflito já vem lidando com a

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O dilema dos refugiados na Europa

O mundo passou a semana comovido com a foto do menino sírio, Ayan Shanu, encontrado em uma praia na Turquia. A tragédia marcou pela imagem e pela gravidade do problema. As consequências da guerra civil na Síria vão desde o acirramento dos confrontos regionais (Arábia Saudita e Irã), contribuição para a consolidação de um dos maiores grupos terroristas modernos (Estado Islâmico), uso de armas químicas até a catástrofe humanitária – sejam as vítimas da guerra ou os refugiados. O enfoque da semana foi a mobilização mundial clamando por uma solução para a crise dos refugiados na Europa. Certamente a foto de Ayan é uma imagem triste e chocante. É compreensível a reação da opinião pública, mas não podemos de deixar contextualizar a gravidade dos problemas, as possibilidades de solução, e raiz de tudo isso.

Raiz do problema

Vou começar tratando da causa da crise. Por que os refugiados estão fugindo da Síria? A resposta é obvia e pode gerar estranheza nos leitores, mas é necessária para analisarmos os desafios. A guerra civil na Síria já desabrigou e deslocou 11 milhões de pessoas, em uma população de 20 milhões; ou seja, mais da metade do país não está vivendo em sua residência original. A maior parte desses 11 milhões estão deslocados dentro do próprio país, um total de 7 milhões, e outros 4 milhões estão divididos principalmente entre: Líbano, com mais de 1.3 milhões; Turquia, acima de 1 milhão; e Jordânia, mais de 700 mil. Jordânia e Turquia são estados com uma autoridade central mais estruturada para lidar com o fluxo de refugiados. Já o Líbano com uma população de 4.7 milhões e um governo central mais fraco, recebeu 1.2 milhões de refugiados — mais de 20% da sua população.

Diferentemente dos seus pares árabes e turcos, os países do Golfo (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Catar, Bahrein e Omã) não ofereceram nenhum abrigo para refugiados sírios. Esses países preferiram doar dinheiro ao invés de abrir suas fronteiras. O Kuwait é o quinto maior doador entre 2012 e 2015, mas nenhum deles aceitou sequer abrigar um refugiado em seu território. Os países do Golfo não reconhecem refugiados — não assinaram a Convenção de 1951 sobre refugiados. A grande preocupação dos países do Golfo é com a segurança e estabilidade. O que aconteceria casos tivessem que absorver e assimilar tantos imigrantes? Regimes que sobreviveram a Primavera Árabe não querem arriscar atrair para si ondas desestabilizadoras, ainda mais nesse momento de grande instabilidade que passa a região.

Ordem de prioridade

Os números de desabrigados e refugiados são exorbitantes. Entretanto, não fazem parte de uma realidade nova, afinal os refugiados são um dos produtos da guerra síria desde o seu inicio. Inclusive, como mostrei acima, os países mais próximos do conflito já vem lidando com a situação há algum tempo. Então, por que o assunto ganhou relevância? Obviamente, o crescente número de vítimas mobilizou o mundo. A comoção global deveria focar primeiramente na causa do problema, ainda mais porque a essa causa produz muito mais mortes que aquelas representadas pela foto de Ayan. Desde o inicio do ano, o número total de refugiados no mundo que morreram na jornada de fuga foram de 3.729. O número de refugiados tentando chegar na Europa, via Mediterrâneo foi de 2.701 em 2015, e 2.223 em 2014. Só no Mediterrâneo, esse ano, foram 300 vítimas por mês ou 10 fatalidades por dia. Não é pouca coisa. Por outro lado, se compararmos com número de mortos na guerra síria, as vítimas das travessias são ínfimas. Já se contabiliza mais de 230.000 mortos desde 2011. Ou seja, o foco do problema deve ser a guerra na Síria. Não somente porque é a causa da crise dos refugiados, mas porque é a causa de uma crise muito maior e que mata muito mais.

Solução Europeia? 

A Alemanha tem sido a líder e o laboratório na busca por soluções para a crise dos refugiados. A proposta alemã, para a União Europeia, foi a criação de um sistema de quotas distribuindo os imigrantes de acordo com uma fórmula que soma o tamanho do país (1/3 do peso) e sua capacidade econômica (2/3 do peso representado na forma de receita de impostos). Esse é o modelo vigente dentro da Alemanha e explica a origem da proposta. Dentro desse modelo, por exemplo, a população alemã com 16.1% do total europeu e gerando 20.6% do PIB do bloco, teria uma quota de 19.1% dos imigrantes. A Romênia com uma população de apenas 4.2% teria uma quota de 2.1% devido à sua capacidade financeira.

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Parece simples, ainda mais para a opinião pública que não quer mais ter que lidar com imagens aterrorizantes, como a de Ayan. Só faltou combinar os refugiados! Você que sobreviveu e fugiu de uma guerra civil, atravessou mares e não naufragou, cruzou fronteiras clandestinamente, e finalmente chegou ao continente próspero, agora será enviado para algum país que não era o que você sonhava ou queria. Isso já está acontecendo. Refugiados tem recusado ficar nos países de entrada e também não aceitam serem alocados para cidades ou regiões não desejadas. Alguns dos imigrantes se recusaram a ir para Dresden e preferem ficar em Munique. Se a Alemanha é o exemplo de como solucionar  a crise de refugiados, ao mesmo tempo o país também expõe um dos maiores desafios do problema. As autoridades alemãs já registraram mais de 200 ataques contra imigrantes no país. Se nem mesmo a rica Alemanha sabe como vai lidar com tantos imigrantes e como vai sustentar um sistema capaz de não sobrecarregar determinadas regiões do país, o que dizer dos outros países europeus que já assumem publicamente não terem condições de arcar com os custos dessa absorção e, pior, não serem capazes politicamente de gerenciar as tensões causadas pelo choque de culturas.

“Ah, Heni… mas os alemães e os outros europeus não deveriam ser xenófobos ou anti-imigrantes”. Com certeza não! mas o Assad também não poderia massacrar sua própria população, o Estado Islâmico não deveria decapitar pessoas inocentes, não poderiam haver guerras, crimes, etc. Pois é… Soluções românticas são tão deslocadas da realidade quanto soluções utópicas porque não se preocupam com os desafios existentes na hora de lidar com os problemas. Ignorar as consequências de soluções unidimensionais é jogar lenha na fogueira e começar a preparar um nova crise, sem solucionar a anterior.

Consequências e Riscos 

O maior perigo é a inserção de mais um fator desestabilizador no frágil processo de integração europeu. As crises econômica e política, o crescimento do sentimento anti-europeu e a ascensão de partidos nacionalistas já são problemas suficientemente complexos para o Bloco. A questão dos refugiados e imigrantes vai exacerbar todos esses temas. Absorver e incorporar tamanha quantidade de pessoas vai custar caro, ainda mais no modelo de bem estar social europeu. A busca por uma solução entre os membros do bloco, no que diz respeito as regras de asilo e refugiados, coloca em cheque um dos princípios do projeto europeu, a livre circulação e abertura de fronteiras. Não menos problemático será o processo de assimilação cultural e social. A Europa nunca foi especialmente competente em se desapegar das suas raízes culturais e nacionais, e absorver imigrantes sem gerar atrito e tensão social.

O mundo tem que parar de tratar do sintoma e deve focar na causa do problema. É insustentável acreditar que a realidade social e política europeia vai conseguir absorver tantos imigrantes sem gerar problemas ainda maiores. A abertura europeia aos refugiados apenas vai incentivar milhares de vítimas de crises dos outros países da África e Oriente Médio a buscarem abrigo na região. A lista de países em situação caótica é vasta e cresce a cada dia. Além da Síria, temos Iraque, Nigéria, Afeganistão, Eritreia, Sudão, Líbia, Somália, Mali, Tunísia e outros. Todas essas crises não tem perspectiva de melhora no curto e médio prazo. Se a Síria, com somente 4 milhões de refugiados, está causando tamanho problema para a Europa e a para estabilidade do Oriente Médio, o que os seus outros 7 milhões de desalojados internos, somados às dezenas de milhares vindos desses outros países em crise, causariam ao tecido social, segurança e política europeia?

Colapso!