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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO BRUNA TAISA DE DÉA ZILIO Itajaí (SC), outubro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

BRUNA TAISA DE DÉA ZILIO

Itajaí (SC), outubro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

BRUNA TAISA DE DÉA ZILIO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora MSc. Denise Schimitt Siquei ra Garcia

Itajaí (SC), outubro de 2007.

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AGRADECIMENTOS

Apesar do receio de poder esquecer alguém que também tenha sido importante para o desenvolvimento deste trabalho, gostaria de agradecer aos meus pais Adelmar e Ivana, pelos ensinamentos que me transmitiram e à minha querida irmã Tanna, pela intensa contribuição para o conteúdo deste trabalho.

Gostaria de agradecer também à Professora MSc. Denise Schmitt Siqueira Garcia pela atenta leitura, pelas valiosas sugestões e pela crítica construtiva feita ao trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os meus amigos, principalmente àqueles que me acompanharam durante toda essa trajetória pela UNIVALI e, em especial, Sarah e Janaina. Com certeza, vão deixar muita saudade.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), outubro de 2007.

Bruna Taisa De Déa Zílio Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Bruna Taisa De Déa Zilio, sob o

título DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO, foi submetida em 31 de outubro de 2007 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: Professora MSc. Denise Schimitt Siqueira

Garcia, Professor Especialista Fábio Bittencourt Garcia e Professora MSc.

Edlamar Provesi, e aprovada com a nota 9,6 (nove vírgula seis).

Itajaí (SC), outubro de 2007.

MSc. Denise Schimitt Siqueira Garcia Orientadora e Presidente da Banca

Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Casamento:

É o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e

da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais,

cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência1.

Direito sucessório ou Direito das sucessões:

É o direito que regra a sucessão mortis causa e não se confunde com as

sucessões feitas em vida, pelos titulares de direitos, normalmente disciplinados

pelo direito das obrigações, não sendo o único que trata dessa forma de

sucessão.

Direito real da habitação:

É o direito do cônjuge sobrevivente continuar residindo no imóvel que servia de

residência do casal, desde que seja o único da natureza a inventariar.

Herança:

É o conjunto de direitos, deveres e bens, deixados pelo de cujus, podendo

também ser chamada de monte, ou como é tratada juridicamente, de espólio.

Herança jacente:

É uma situação provisória, que surge quando há ignorância quanto à identidade

dos herdeiros.

Herança legítima:

É aquela baseada nas disposições legais de caráter supletivo aplicável na falta de

declaração de última vontade do testador, no caso de nulidade, anulação ou

1 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. v. 6. 28 ed. Saraiva: São Paulo, 2004. p. 19.

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caducidade do testamento, devendo ser obedecida à ordem de vocação

hereditária.

Herança necessária:

A herança necessária é destinada aos herdeiros necessários (descendentes,

ascendentes e cônjuge), também chamada de Legítima.

Herança testamentária:

É aquela baseada na vontade do testador, pois vai decorrer de um testamento.

Herança vacante:

É aquela que não foi disputada, com êxito, por qualquer herdeiro e que,

judicialmente foi proclamada de ninguém. Embora de imediato transfira a

titularidade do acervo hereditário ao Poder Público, não tem o poder de incorporar

a herança definitivamente ao patrimônio público2.

Herdeiro legítimo:

É aquele estipulado por lei, conforme ordem de vocação hereditária prevista no

art. 1.829 do CC/2002, e os companheiros estipulados na ordem de vocação

hereditária específica para eles no artigo 1.790 do CC/2002.

Herdeiro necessário:

Os herdeiros necessários são os descendentes, ascendentes e o cônjuge que

possuem a garantia da legítima.

Herdeiro testamentário:

São aqueles mencionados em testamento, recebendo parte da herança do

testador.

Legado:

2 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. v. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 116.

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É um bem individualizado e discriminado que advém de uma transmissão a título

singular em testamento.

Legatário:

São pessoas indicadas em testamento e que recebem o legado. Só poderão

existir na sucessão testamentária.

Legítima:

O testador da herança pode dispor de seus bens da maneira que quiser, com a

ressalva de que, se possuir herdeiros necessários, metade de seu patrimônio

obrigatoriamente é destinado a estes. É a parte indisponível, denominada

Legítima.

Pacto antenupcial:

É o contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes

dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, durante o matrimônio3.

Regime da comunhão parcial de bens:

É aquele que afasta da comunhão os bens que os cônjuges possuíam antes ou à

época do casamento. É considerado o regime legal, ou seja, na ausência de

pacto antenupcial em contrário, prevalece o regime da comunhão parcial de bens.

Regime da comunhão universal de bens:

O regime da comunhão universal de bens importa a comunicação de todos os

bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas.

Regime da participação final nos aqüestos:

Neste regime, existe a formação de massas de bens particulares que são

incomunicáveis na constância do casamento, porém, tornam-se comuns no

momento em que a sociedade é dissolvida.

3 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v. 6. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali, com anotações ao novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 173.

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Regime da separação de bens:

O regime da separação de bens é caracterizado pela incomunicabilidade dos

bens presentes e futuros dos consortes.

Regime matrimonial de bens:

O regime matrimonial de bens é o conjunto de normas que regulam as relações

patrimoniais decorrentes do casamento, entre os cônjuges e entre terceiros, e

começa a vigorar a partir de sua celebração.

Sucessão:

É conjunto de regras e complexo de princípios jurídicos relacionados à passagem

da titularidade do patrimônio de um indivíduo que deixa de existir aos seus

sucessores.

Sucessão legítima:

É aquela regrada pela lei, a qual estabelece uma ordem de vocação hereditária

que deve ser obedecida, dando ordem de preferência para uns em detrimento de

outros.

Sucessão testamentária:

Dá-se através da feitura de um testamento, ou seja, um contrato onde o de cujus

terá manifestado sua declaração de última vontade, indicando que receberá seu

patrimônio.

União estável:

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,

configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o

objetivo de constituição de família4.

Usufruto:

4 BRASIL. Lei n.º 10.046 , de 10 de janeiro de 2002, artigo 1.723.

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É o direito real sobre coisas alheias, confiando ao usufrutuário o exercício de dois

direitos instrínsecos da propriedade, quais sejam o direito de usar e fruir de uma

coisa, sem modificar sua essência, ainda que não seja o proprietário da mesma.

Usufruto vidual:

O CC/1916 descrevia o usufruto vidual como o direito que o cônjuge tinha ao

usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houvessem filhos, deste

ou do casal, e à metade, se não houvesse filhos, mesmo que sobrevivessem

ascendentes do de cujus, desde que o regime de bens adotado pelos cônjuges

não fosse o da comunhão universal e enquanto durasse o estado de viuvez.

Ocorre que, com a entrada em vigor do CC/2002, o instituto do usufruto vidual

passou a não mais existir.

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SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................... XII

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 4

DA SUCESSÃO EM GERAL............................... ............................... 4 1.1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DAS SUCESS ÕES .............4 1.2 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO DAS SUCESSÕES .......... .............................8 1.3 CONCEITO DE HERANÇA ............................ ................................................12 1.4 CLASSIFICAÇÃO DA HERANÇA....................... ...........................................13 1.5 CLASSIFICAÇÃO DOS SUCESSORES ................... .....................................17 1.6 TRANSMISSÃO DA HERANÇA......................... ............................................22

CAPÍTULO 2 ......................................... ........................................... 27

DOS REGIMES MATRIMONIAIS DE BENS................... .................. 27 2.1 CONCEITUAÇÃO................................... ........................................................27 2.2 DO PACTO ANTENUPCIAL........................... ................................................28 2.3 REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS........... ............................30 2.3.1 BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO UNIVERSAL ..................................................31 2.4 REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS............. ...............................33 2.4.1 BENS QUE INTEGRAM A COMUNHÃO PARCIAL ...................................................34 2.4.2 BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO PARCIAL ......................................................35 2.5 REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS .................... .......................................37 2.5.1 DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS ..........................................................39 2.5.2 DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS .......................................................41 2.6 REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQÜESTOS ...... ........................42

CAPÍTULO 3 ......................................... ........................................... 47

DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO ....................... ....................... 47 3.1 DO USUFRUTO..............................................................................................47 3.1.1 DO USUFRUTO VIDUAL .....................................................................................50 3.2 CONCEITO E FINALIDADE DO DIREITO REAL DE HABITA ÇÃO ..............51 3.3 O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASAMENTO ....... .........................53 3.4 O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL... ........................58

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................... 64

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................... 67

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RESUMO

A presente monografia, submetida à Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito, cujo título é “O Direito Real de Habitação no Ordenamento Jurídico

Brasileiro”, visa analisar o direito real de habitação no casamento e na união

estável, e teve por base pesquisa em doutrinas clássicas, bem como

doutrinadores contemporâneos. Para a investigação do objeto e alcance dos

objetivos propostos no presente trabalho, adotou-se o método indutivo,

operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos

operacionais e da pesquisa bibliográfica, que serão explanados na introdução do

presente trabalho, dividindo-se o relatório final em três capítulos. O enfoque do

tema parte de uma análise do direito das sucessões e sua evolução histórica,

classificando também os sucessores e a herança, bem como sua conceituação e

transmissão. Para melhor compreensão do tema escolhido, todos os regimes

matrimoniais de bens constam no trabalho, mencionando-se também o pacto

antenupcial. Enfatiza-se por fim, a figura do usufruto e do extinto usufruto vidual,

com enfoque especial no tema principal do trabalho, qual seja o direito real de

habitação no ordenamento jurídico brasileiro, tanto do cônjuge como do

companheiro sobrevivente.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto o estudo do instituto

jurídico do “Direito real de habitação no ordenamento jurídico brasileiro”, tomando-

se por base conceitos e implicações extraídos do Direito das Sucessões.

O estudo tem como objetivo institucional a produção de

monografia para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do

Vale do Itajaí - UNIVALI. Como objetivo geral, esclarecer o instituto do direito real

de habitação e, como objetivo específico, discorrer acerca da evolução histórica

do direito das sucessões, da herança, das modalidades de regimes de bens em

nosso país e por fim, deduzir como o direito real de habitação pode ser concedido

aos cônjuges e aos companheiros sobreviventes.

O tema é atual e relevante pois, com a promulgação do

Código Civil de 2002, foram introduzidas inovações acerca da sucessão dos

cônjuges e companheiros, bem como mudanças significativas no tocante aos

requisitos necessários para a obtenção do direito real de habitação.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos no presente trabalho, adotou-se o método indutivo5, operacionalizado

com as técnicas6 do referente7, da categoria8, dos conceitos operacionais9 e da

5 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2001. p. 87. O método indutivo consiste em ‘pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral’. 6 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 88. “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. 7 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 63. Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. 8 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 37. Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”.

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pesquisa bibliográfica, em conjunto com as técnicas propostas por Colzani10,

dividindo-se o relatório final em três capítulos.

A técnica, como um conjunto diferenciado de informações

reunidas, consistirá na forma de pesquisa bibliográfica de assuntos constantes em

artigos de revistas, em livros e na internet, ou de qualquer outra fonte tida como

jurídica e cujo conteúdo verse sobre o tema desta monografia.

A abordagem temática divide-se em três capítulos,

tendo sido respeitadas as regras impostas pela metodologia científica

adotada pela UNIVALI: da sucessão em geral, dos regimes matrimoniais de

bens e do direito real de habitação. E sobre este tripé, colocam-se os três

problemas para a pesquisa estabelecida no projeto:

a) Qual imóvel pode ser objeto do direito real de habitação?

b) Há necessidade de o cônjuge sobrevivente permanecer

em estado de viuvez?

c) Ao companheiro sobrevivente, também pode ser

concedido o direito real de habitação?

Diretamente relacionadas a cada problema formulado,

foram levantadas as seguintes hipóteses:

a) O imóvel destinado à residência da família, desde que

seja o único imóvel de natureza residencial a inventariar.

b) O CC/1916 previa a necessidade da permanênca do

estado de viuvez. Porém, com a entrada em vigor do CC/2002, o legislador deixou

de mencionar essa necessidade, presumindo-se assim que, se o cônjuge

sobrevivente contrair novas núpcias ou viver em união estável, lhe é cabível o

9 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 51.Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. 10 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba: Juruá, 2001.

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direito real de habitação sem qualquer prejuízo.

c) Em virtude da omissão do legislador no CC/2002 em

tratar do direito real de habitação em favor dos companheiros, o entendimento

majoritário é o da permanência da Lei n.º 9.278/96, em virtude da sua não

revogação. Essa lei, em seu artigo 7º, parágrafo único, confere ao companheiro

sobrevivente o direito real de habitação, condicionando-o porém, à permanência

do estado de viuvez.

Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o

instituto do Direito real de habitação, o presente trabalho foi dividido em três

capítulos.

Assim, o primeiro capítulo trata da sucessão em geral,

abordando sua evolução histórica, conceito e herança, bem como acerca da

classificação dos sucessores.

Os regimes matrimoniais de bens são abordados no

segundo capítulo, sendo classificados um a um, trazendo ainda um breve estudo

acerca do pacto antenupcial.

O instituto do direito real de habitação propriamente dito é

analisado no terceiro capítulo. É nesse ponto que a pesquisa ora apresentada

procura demonstrar os requisitos necessários para que o direito real de habitação

seja concedido, entre outros. A última parte deste capítulo refere-se ao direito real

de habitação na união estável e sua omissão no Código Civil de 2002.

O presente relatório da pesquisa se encerra com as

considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo.

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CAPÍTULO 1

DA SUCESSÃO EM GERAL

1.1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DAS SUCESS ÕES

O Direito das Sucessões tem suas origens no Direito

Romano e, para uma melhor compreensão acerca da evolução histórica das

sucessões, será utilizada, neste item, a obra “A Cidade Antiga”, de Fustel de

Coulanges.

Fustel de Coulanges11 descreve que:

Até onde nos é dado remontar a história da raça indo-européia (...), observamos que essa raça jamais acreditou que, depois desta curta existência, tudo terminasse com a morte do homem. (...) Encaravam a morte não como uma aniquilação do ser, mas como simples mudança de vida.

Os antigos realizavam os ritos fúnebres, que consistiam em

sepultar o corpo para que ele tivesse sua morada, pois ficaria perto dos vivos na

terra.

Para Coulanges12:

Para que a alma se fixasse à morada subterrânea destinada a essa segunda vida, fazia-se necessário que o corpo, ao qual a alma estava ligada, fosse coberto de terra. A alma que não tivesse sua sepultura, não teria morada. Seria errante.

Como a alma do falecido passava de um plano para outro, era necessário que o mesmo continuasse a desfrutar de bebidas e alimentos, bem como certas oferendas.

11 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret: 2002. p. 13. 12 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 16.

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Segundo Coulanges13:

Adornava-se o túmulo com grandes grinaldas de plantas e flores e, sobre o sepulcro, colocavam-se doces, frutas, sal, e ainda se vertiam o leite, o vinho e algumas vezes o sangue de uma vítima.

Uma vez que o cuidado de levar oferendas aos mortos era

obrigatório14, estabeleceu-se uma espécie de religião em torno da morte, onde os

vivos não tinham descanso até que os ritos fúnebres fossem novamente servidos.

Coulanges15 aduz que:

Os mortos eram tidos como entes sagrados. Os antigos davam-lhes os epítetos mais respeitosos que pudessem imaginar, chamavam-nos bons, santos, bem-aventurados. Tinham por eles toda a veneração que o homem pode ter pela divindade a quem ama e teme. No pensar deles, cada morto era um deus.

Outra forma de demonstrar respeito pelo morto era manter

um fogo aceso em um altar de cada casa.

Segundo Coulanges16, “o fogo só deixava de brilhar sob o

altar quando toda a família estivesse extinta; lar extinto, família extinta, eram

expressões sinônimas entre os antigos”.

Sacrifícios lhe eram oferecidos, sendo que estes se

resumiam em servir ao fogo sagrado, como se pode ser verificado pelas palavras

de Coulanges17:

(...) Primeiramente se lhe dava a lenha, vertendo a seguir sobre o altar o vinho ardente da Grécia, óleo, incenso e gorduras das vítimas. O deus recebia estas oferendas e devorava-as; satisfeito, radiante, levantava-se no altar e iluminava o seu adorador com os

13 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 19. 14 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 21. 15 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 21. 16 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 27. 17 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 29.

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seus raios. Era este o momento solene para invocá-lo: o hino da oração elevava-se do coração do homem.

O fogo sagrado pertencia somente a uma família,

representado seus antepassados, de modo que a cada cerimônia fúnebre era

realizada segundo os costumes individuais de cada família.

Coulanges18 descreve que:

Cada família tinha as suas cerimônias, que lhe eram próprias, e do mesmo modo as suas festas particulares, as suas fórmulas de oração e os seus hinos. Só o pai, o único intérprete e único pontífice da sua religião, é que tinha o poder de ensiná-la, e somente a seu filho, e ninguém mais podia ser instruído nas regras da sua religião caseira.

No mesmo sentido, acresce que “(...) é preciso atentar, com

particularidade, para o fato de essa religião doméstica só se transmitir de linha

masculina em linha masculina19”.

Da mesma forma que o direito ao culto religioso, aos ritos

fúnebres e ao culto do fogo sagrado passavam de pai para filho, o direito de

propriedade também era transmitido com a morte.

Disciplina Coulanges20:

O direito de propriedade, estabelecido para o cumprimento de um culto hereditário, não poderia extinguir-se ao cabo da curta vida do indivíduo. O homem morre, o culto permanece; o fogo nunca deve se apagar nem o túmulo ficar abandonado. Persistindo a religião doméstica, com ela permanece também o direito de propriedade.

Assim como era hereditária a religião doméstica, o filho

natural e necessário continuador do culto também herdava os bens deixados na

18 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 41. 19 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 42. 20 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 78.

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ocasião da morte de seu antecessor, surgindo assim, o princípio da

hereditariedade21.

Coulanges22 aponta a relação de herança quando afirma

que: “entre pai e filho não existe nem doação, nem legado, nem mudança de

propriedade. Há simplesmente continuação: morte parentis continuatur dominium.

Enquanto o pai vivia, o filho já era co-proprietário do campo e da casa”.

Esclarece Coulanges23 que, no direito sucessório antigo, a

filha não poderia herdar:

A regra estabelecia que o culto se transmitisse de varão para varão e, via de regra, que a herança seguisse o mesmo caminho. A filha não era considerada apta a dar continuidade à religião paterna, pois se casasse abjuraria do culto do pai para adotar o do esposo: não tinha, pois, nenhum direito à herança.

Discriminação sofria também, além da filha, qualquer outro

filho homem, depois do primogênito, que por ventura o casal viesse a ter. Ilustra

Coulanges24:

A velha religião estabelecia diferenças entre o primogênito e o segundo nato: “O primogênito (...) foi gerado para o cumprimento do dever com os antepassados; os outros nasceram do amor”. Em virtude dessa superioridade original, o filho mais velho tinha, depois da morte do pai, o privilégio de presidir a todas as cerimônias do culto doméstico; era esse filho que oferecia os banquetes fúnebres e pronunciava as fórmulas da oração: “porque o direito de pronunciar as orações pertence àquele que primeiro veio ao mundo”. O primogênito era, pois, o herdeiro dos hinos, o continuador do culto e o chefe religioso da família. Dessa crença nasceu uma regra de direito: só o primogênito podia herdar.

21 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 78/79. 22 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 79. 23 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p.80. 24 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. p. 90.

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Não havendo descendentes, podia a família extinguir-se com

a morte do paterfamilias. Em tal caso, o culto dos deuses do lar não subsistiria, e,

com isso, deixaria de existir.

1.2 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO DAS SUCESSÕES

Também chamado direito hereditário, o Direito das

Sucessões trata excepcionalmente da sucessão decorrente do falecimento do

indivíduo, fazendo com que seu sucessor se torne sujeito de todas as relações

jurídicas que àquele diziam respeito.

Elucida Rodrigues25:

A idéia de sucessão sugere, genericamente, a de transmissão de bens, pois implica a existência de um adquirente de valores, que substitui o antigo titular. (...) Assim sendo, o Direito das Sucessões se apresenta como o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores. A definição usa a palavra patrimônio, em vez de referir-se à transmissão de bens ou valores, porque a sucessão hereditária envolve a passagem, para o sucessor, tanto do ativo como do passivo do defunto.

Sucessão, no sentido amplo da palavra, significa o ato pelo

qual um indivíduo ocupa o lugar de outro, ocupando-se também, no todo ou em

parte, dos direitos que lhe eram atribuídos.

Escreve Gonçalves26:

(...) Direito das Sucessões é o conjunto de princípios e normas que regem a inserção de uma pessoa na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém de outra pessoa, em vista da morte desta última. O nome desse direito é de origem latina, “sub-cedere”, pois seus efeitos aproximam-se aos de uma cessão, por

25 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 03. 26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 17/18.

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ser forma de aquisição de bens e direitos, que passam de um sujeito aos que lhe sucedem (sub-cedere), em vista da morte do primeiro.

Para Cahali27, a sucessão “(...) apresenta-se como o

conjunto de regras e complexo de princípios jurídicos pertinentes à passagem da

titularidade do patrimônio de alguém que deixa de existir aos seus sucessores”.

Segundo Monteiro28:

A sucessão (...) tem, pois, como pressuposto, do ponto de vista subjetivo, a morte do autor da herança. Antes desse evento, o titular da relação jurídica é o de cujus (...). Depois dele, o herdeiro torna-se titular, sucedendo ao defunto, tomando-lhe o lugar e convertendo-se assim no sujeito de todas as relações jurídicas, que a este pertenciam. O herdeiro substitui, destarte, o falecido, assumindo-lhe os direitos e obrigações.

Para Diniz29, “o direito das sucessões vem a ser o conjunto

de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de

sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou testamento”.

Amorim30 destaca que:

Sucessão é o ato ou efeito de suceder. Tem o sentido de substituição de pessoas ou de coisas, transmissão de direitos, encargos ou bens, numa relação jurídica de continuidade. Implica a existência de um adquirente que sucede ao antigo titular de determinados valores.

27 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 24. 28 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. v. 6. 33. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 01. 29 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. v. 6 . 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 03. 30 AMORIM, Sebastião Luiz. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Inventários e Partilhas: direito das sucessões: teoria e prática. 12. ed., rev. e ampl. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 21.

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Na concepção de Wald31, “o direito sucessório ou hereditário

restringe seu campo de ação à transmissão de direitos ou deveres – oriunda do

falecimento do seu titular - que se transferem a terceiros (...)”.

Ainda, segundo Amorim32:

(...) ocorre por causa da morte de alguém, deixando os bens, direitos ou obrigações. É a sucessão hereditária causa mortis. Então, as pessoas qualificadas como herdeiras sucedem ao morto na posse e no domínio dos bens que constituem a herança. Dá-se a transmissão patrimonial em favor dos legitimados ao seu recebimento, que são os herdeiros previstos em lei ou em disposição testamentária.

De acordo com Viana33, “O Direito das Sucessões envolve o

complexo de normas que disciplinam a transmissão do patrimônio do de cujus,

que denominamos herança”.

Observa Venosa34, que existem dois tipos de sucessão:

Quando, pela morte, se transmite uma universalidade, ou seja, a totalidade de um patrimônio (...), dá-se a sucessão hereditária, tem-se a herança, que é uma universalidade, pouco importando o número de herdeiros a que seja atribuída. A sucessão a título singular, no direito hereditário, ocorre, por via do testamento, quando o testador, nesse ato de última vontade, aquinhoa uma pessoa com um bem certo e determinado de seu patrimônio.

A sucessão legítima é a deferida por determinação legal,

compreendendo a soma da herança se o autor morrer ab intestato, ou se nulo ou

caduco for o testamento por ele feito.

31 WALD, Arnold. Direito das sucessões. 11. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a legislação vigente e a jurisprudência dos tribunais, com a colaboração do Professor Roberto Rosas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 15. 32 AMORIM, Sebastião Luiz. Curso de direito das sucessões / organizador Douglas Phillips Freitas. Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 16. 33 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil: direito das sucessões. v. 6. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 21. 34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. v. 7. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 16.

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Cahali35 conceitua a sucessão legítima da seguinte forma:

(...) sucessão que se opera por lei, tratando da transmissão da herança às pessoas constantes da ordem de vocação hereditária, que é a seqüência de pessoas aptas a receber a herança, uns na falta dos outros, ou em concorrência.

Do mesmo modo, Cahali36 conceitua a sucessão

testamentária como a sucessão que:

(...) contém regras relativas à transmissão de bens, causa mortis, por ato praticado em vida pelo falecido, dispondo do destino de seus bens para após a sua morte, através de testamento, também chamado ato de última vontade.

A sucessão testamentária se opera por um ato de última

vontade feito em vida pelo autor da herança.

Para Venosa37:

No Direito Romano, a sucessão testamentária era a regra, daí a grande importância do testamento na época. Isso era conseqüência da necessidade de o romano ter sempre, após sua morte, quem continuasse o culto familiar. (...) A propriedade e o culto familiar caminhavam juntos, A propriedade continuava após a morte, em razão da continuidade do culto.

Assim sendo, o Direito das Sucessões diz respeito somente

à sucessão mortis causa, não devendo ser confundido com as sucessões

realizadas em vida pelos titulares dos direitos.

35 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 28. 36 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 28. 37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p. 17.

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1.3 CONCEITO DE HERANÇA

Conforme preceitua o artigo. 1.791 do CC/2002, “A herança

defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”. Assim

sendo, pode-se definir a herança como a universalidade de bens, direitos e

deveres (patrimônio ativo e passivo) deixados pelo de cujus, podendo ser tratada

por monte, ou, juridicamente falando, espólio.

Para Wald38, “a herança é, pois, o conjunto de bens, direitos

e deveres patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter

patrimonial, em que o falecido era sujeito ativo ou passivo”.

Segundo Cahali39:

O conteúdo da herança, objeto da sucessão, atualmente, tem caráter eminentemente patrimonial ou econômico, sendo a universalidade das relações jurídicas do finado, com essa natureza, transmitida aos seus herdeiros. (...) substitui-se o sujeito (o sucessor assume os direitos e obrigações do falecido), mantendo-se íntegra a relação jurídica mesmo após o desaparecimento do seu primitivo titular, não se aplicando, nestas condições, o preceito mors omnia solvit.

Cahali40 ainda chama a atenção de que integram o acervo

hereditário os bens imóveis, móveis e de qualquer outra relação jurídica de

direitos e obrigações, tais como telefones, aplicações financeiras, ações ou

quotas sociais, crédito perante terceiros e ainda o direito de propor ações, como,

por exemplo, uma ação judicial indenizatória. São excluídos da herança a tutela

ou a curatela eventualmente exercida pela falecido, o usufruto, o uso, o direito

real de habitação, a pensão previdenciária, etc.

Os herdeiros chamados simultaneamente à herança detêm a

posse o domínio indivisível até a partilha, conforme preceitua o parágrafo único do

38 WALD, Arnold. Direito das sucessões. p. 16. 39 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 30. 40 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 33/34.

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art. 1.791 do CC/2002: “Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros,

quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-à pelas

normas relativas ao condomínio”.

Nesse norte, assevera Venosa41: “Como conseqüência da

indivisibilidade, do condomínio dos co-herdeiros, pode qualquer um deles

reclamar a herança, no todo ou em parte, de terceiros”. A indivisibilidade da

herança é princípio absoluto, embasado na noção de universalidade.

1.4 CLASSIFICAÇÃO DA HERANÇA

Como anteriormente visto, a herança é o objeto da sucessão

causa mortis, e é transmitida no momento da abertura da sucessão, ou seja, com

a morte do de cujus. É o patrimônio que é passado para os herdeiros legítimos

ou testamentários, desde que tenham capacidade para suceder.

De acordo com Diniz42, a capacidade para suceder diz

respeito à “aptidão para suceder ou para aceitar ou exercer direitos do sucessor

(...)”.

O testador da herança pode dispor de seus bens da maneira

que quiser, com a ressalva de que, se possuir herdeiros necessários, metade de

seu patrimônio obrigatoriamente é destinado a estes. É a parte indisponível,

denominada Legítima.

Acerca da Legítima, esclarece Gomes43:

A existência de herdeiros necessários impede a disposição, por ato de última vontade, dos bens constitutivos da legítima ou reserva. Pode dispor, entretanto, da outra metade, calculada

41 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p. 55. 42 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. v. 6. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 47. 43 GOMES, Orlando. Sucessões. 12. ed. rev., atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002 / por Mario Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 40/41.

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sobre o total dos bens existentes ao tempo do óbito, abatidas as dívidas e as despesas do funeral.

Neste sentido, elucida Oliveira44:

Havendo testamento, prevalece a sucessão testamentária, ante a primazia da vontade do testador sobre a disposição da lei. Mas com uma ressalva, que diz respeito à metade da herança, chamada de legítima, a que têm direito os herdeiros necessários. Compreende-se nesta especial categoria de herdeiros os descendentes e os ascendentes do falecido e, por disposição do novo Código Civil, também o cônjuge sobrevivente.

Sucessão legitima ou ab intestato é aquela determinada por

lei; é um direito constitucional em favor daqueles chamados herdeiros. Em caso

de inexistência ou ineficácia do testamento, são chamados a suceder os herdeiros

estabelecidos na ordem de vocação hereditária, sendo que na falta desses

herdeiros, todos os bens do de cujus irão para o Poder Público.

Ela representa uma presunção de vontade do falecido, e

pode ocorrer por direito próprio, também chamada “sucessão por cabeça”, ou por

direito de representação, a chamada “sucessão por estirpe”.

A sucessão testamentária é a decorrente de ato de última

vontade do falecido. É através dela que o de cujus dá alguma destinação ao seu

patrimônio, quando da sua morte. A herança deixada em forma de testamento é

chamada de testamentária.

A herança da qual não se conhecem os herdeiros, chama-se

jacente, e está prevista no art. 1.819 do CC/2002:

Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem

herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de

44 OLIVEIRA, Euclides de. A Reforma do Código Civil - Repercussões na Adminis tração Pública e no Controle Externo. Disponível em: <http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/07a11_04_03/4euclides_oliveira1.htm>. Acesso em 06/05/2007.

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um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.

Segundo Wald45, “é, pois, uma situação provisória, que

surge quando há ignorância quanto à identidade dos herdeiros”.

No mesmo sentido, Rodrigues46 complementa: “Beviláqua

(...) define a herança como jacente como aquela cujos herdeiros ainda não são

conhecidos”.

De acordo com Amorim47:

A herança é jacente quando os possíveis herdeiros não são conhecidos, quando não foi aceita por eles ou, ainda, quando foram excluídos por deserdação ou por indignidade, não havendo pessoas que tenha o direto de recebê-la por representação ou por substituição. (...) É a herança que jaz até que, depois de cumpridas as diligências e formalidades legais sem que haja a habilitação de sucessores, sejam os bens configurados como vagos ou vacantes, entregando-os ao domínio do Município, do Distrito Federal ou da União.

Assevera Venosa48 que “a herança é jacente quando não há

quem dela possa legitimamente cuidar”. Complementa Monteiro49 que “jacente

será a herança enquanto se aguardar a formação ou constituição de pessoa

jurídica, a que se atribuíram os bens”.

A herança jacente é um estado transitório, devendo ser

tomadas medidas acautelatórias, para que a riqueza não pereça. É feita sua

arrecadação até que os sucessores manifestem seu desejo de recebê-la ou não.

Sendo apenas uma situação provisória, a herança jacente

não representa o autor da sucessão, nem tampouco os herdeiros. É apenas uma

45 WALD, Arnold. Direito das sucessões. p. 44. 46 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 41. 47 AMORIM, Sebastião Luiz. Curso de direito das sucessões. p. 87. 48 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p. 64. 49 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . p. 51.

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massa de bens desprovida de personalidade, que fica sujeita à administração de

um curador responsável por sua conservação. Caso seja caracterizada a

jacência, pode ocorrer de os herdeiros se habilitarem posteriormente e receberem

os bens, ou, se decorrido o prazo legal sem habilitações por parte dos herdeiros,

é decretada a vacância da herança50.

Não se apresentando herdeiros ou interessados, contanto

que a sentença que abrir a sucessão transite em julgado, proceder-se-á, pelas

vias judiciais, à arrecadação dos bens do ausente e, uma vez superada a fase de

investigação e habilitação de herdeiros, sendo aquela frustrada e esta rejeitada, a

herança jacente tem seu fim com a declaração de vacância51.

Rodrigues52 afirma que: ”(...) herança vacante é a que não

foi disputada, com êxito, por qualquer herdeiro e que, judicialmente foi

proclamada de ninguém”.

Ensina Cahali53 que “a declaração de vacância, embora de

imediato transfira a titularidade do acervo hereditário ao Poder Público, não tem o

poder de incorporar a herança definitivamente ao patrimônio público”.

A congregação definitiva dos bens ao Poder Público ocorre

somente depois do trânsito em julgado da sentença que declarou a vacância,

sendo que os herdeiros, cônjuges e credores que quiserem reclamá-la depois de

transitada em julgado, só poderão fazê-lo por meio de ação direta.

Assim preceitua o art. 1.158 do CCB: “Transitada em julgado

a sentença que declarou a vacância, o cônjuge, os herdeiros e os credores só

poderão reclamar o seu direito por ação direta”.

Instrui Venosa54:

50 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. p. 75. 51 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 115. 52 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 43. 53 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 116.

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(...) nada mais é discutido no processo de jacência e vacância. A ação direta será movida contra a Fazenda Pública. Uma vez os bens atribuídos ao Estado, o patrimônio devia ser empregado no ensino universitário (Decreto-lei nº. 8.207/45, art. 3º). Os bens eram incorporados ao domínio da União, dos Estados ou do Distrito Federal, conforme o caso.

No mesmo sentido, elucida Diniz55:

Possibilidade de os herdeiros reclamarem os bens vagos, habilitando-se legalmente durante o prazo de 5 anos da abertura da sucessão, findo o qual o acervo hereditário incorporar-se-á ao patrimônio público definitivamente, e nenhum herdeiro poderá pleiteá-lo. Trata-se de um período de carência. Antes de perfazer o qüinqüênio, contado da data do falecimento do de cujus, o cônjuge sobrevivente, os descendentes e ascendentes do finado, bem como os seus colaterais até o quarto grau, notoriamente conhecidos, e os herdeiros testamentários e os credores, após o trânsito em julgado da sentença que declarou a vacância, só poderão reclamar o seu direito por ação direta (...).

Desta forma, entende-se que a sentença declaratória de

vacância, apesar de não ser de caráter constitutivo, representa o marco da

propriedade da herança pela entidade pública, contanto que transcorridos os

cinco anos da abertura da sucessão.

1.5 CLASSIFICAÇÃO DOS SUCESSORES

Quando da morte de alguém, verifica-se primeiro se o de

cujus deixou testamento acerca da destinação de seu patrimônio. Caso tenha

falecido sem disposição de última vontade, a lei promoverá a distribuição do

patrimônio respeitando a ordem de vocação hereditária.

54 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p. 68. 55 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. p. 82.

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Os herdeiros são as pessoas que adquirem por sucessão,

sendo que sua vocação se faz por classes, de acordo com o art. 1.829 do

CC/2002:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou sem, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Segundo Viana56, “herdeiro necessário é o parente com

direito a uma porção dos bens deixados pelo falecido, e da qual não pode ser

privado”.

A ordem de vocação hereditária aplicada no direito brasileiro

é a de caráter excludente, ou seja, se os herdeiros de uma classe forem

chamados a suceder, os da classe seguinte ficam automaticamente afastados.

Ensina Amorim57, citando Silvio Rodrigues:

(...) se o de cujus deixa descendentes e ascendentes, os primeiros herdam tudo e os últimos nada, pois a existência de herdeiros da classe dos descendentes exclui da sucessão os herdeiros da classe ascendente. Se deixa ascendente e cônjuge, aquele herda o patrimônio inteiro e este nada recebe. Se o cônjuge concorre com colaterais, o primeiro recebe todo o patrimônio e estes, nada. Tudo pela mesma razão, isto é, a de que havendo sucessíveis de uma classe preferencial são eles chamados à sucessão do de cujus, deixando de fora os herdeiros das outras classes.

56 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. p. 191. 57 AMORIM, Sebastião Luiz. Curso de direito das sucessões. p. 39.

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Assevera Roque58 que “os herdeiros necessários são

aqueles que não podem ser excluídos da sucessão, por vontade do testador”.

O CC/2002 prevê, em seu art. 1.845, que “São herdeiros

necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.

De acordo com Viana59, “Denominam-se herdeiros

necessários, legitimários ou reservatórios aqueles que não podem ser afastados

da herança, quando não são excluídos e justamente deserdados pelo testador”.

Na concepção de Gonçalves60, herdeiro “(...) legítimo é o indicado pela lei, em

ordem preferencial”.

Os herdeiros legítimos são as pessoas enumeradas na

ordem de vocação hereditária, também denominados por lei herdeiros

necessários: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Como possuem a

qualidade de necessário, a lei confere aos mesmos o direito à Legítima. O de

cujus, de maneira alguma pode, por arbítrio próprio, se furtar a transferir aos

herdeiros necessários a Legítima a que estes possuem direito61.

Assevera Cahali62:

Herdeiros legítimos são aqueles sucessores eleitos pela legislação através da ordem de vocação hereditária (artigo 1829), ou por regra especial, como ocorre na sucessão dos companheiros decorrente da união estável (CC, art. 1790).

Elucida Viana63: “Herdeiro legítimo é a pessoa que a lei

indica como sucessor no caso de sucessão legítima. É ela quem recolhe a

herança na sua totalidade ou quota-parte”.

58 ROQUE, Sebastião José. Direito das sucessões. São Paulo: Ícone, 1995. p. 151. 59 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. p. 34. 60 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. p. 05. 61 QUEZADO, Luís Humberto Nunes. Manual de direitos sucessórios. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7764>. Acesso em 24/03/2007. 62 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 56.

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Explana Gomes64: “Herdeiro legítimo é a pessoa indicada na

lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade

ou quota-parte da herança”.

Para Amorim65, “a parte da herança que toca aos herdeiros

necessários leva o nome de legítima. A metade restante constitui a porção

disponível”.

Legítima é a metade da herança que a lei transmite

obrigatoriamente aos herdeiros necessários. Isso significa dizer que, o de cujus,

só pode testar metade de seus bens, ou seja, a metade disponível, uma vez que a

outra metade (a Legítima) não é passível de disposição.

Caso o testador não possua parentes em linha reta (filhos e

pais), poderá então dispor livremente de seus bens66.

Explana Viana67 que:

(...) a legítima (...) é a porção da herança que o testador não pode dispor, porque a lei vem de reservá-la aos herdeiros necessários. Consiste na metade dos bens do testador, ao tempo de sua morte, constituindo a outra metade a quota disponível.

Herdeiros legatários diferenciam-se dos herdeiros

testamentários. Enquanto aqueles são recebedores de um bem certo e

discriminado, estes são os beneficiados pelo testador na disposição de última

vontade com uma parte ideal do acervo, sem discriminação de bens.

De acordo com Cahali68:

63 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. p. 70. 64 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 40. 65 AMORIM, Sebastião Luiz. Curso de direito das sucessões. p. 46. 66 ROQUE, Sebastião José. Direito das sucessões. p. 151. 67 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. p. 34/35. 68 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 57.

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Legatários, como visto, não se confundem com herdeiros, merecendo tratamento jurídico próprio, são os sucessores instituídos por testamento para receber determinado bem, certo e individualizado, e a título singular, podendo igualmente coincidir com a pessoa do próprio herdeiro legítimo ou testamentário, mas pelas disposições de última vontade, em relação ao legado, em face da sucessão, terá também esta qualidade própria e específica (...).

Os herdeiros legatários são aquelas pessoas contempladas

na disposição de última vontade do falecido com um bem certo e determinado,

enquanto os herdeiros instituídos são os que foram aquinhoados em testamento

com um montante proporcional na totalidade da herança; são também chamados

de herdeiros testamentários69.

Elucida Cahali70:

Herdeiros testamentários ou instituídos são aqueles indicados como beneficiários da herança por disposição de última vontade, podendo, inclusive, ser também legítimos quando se quer favorecê-los mais do que aos autos da mesma classe de preferência, com quem eventualmente estejam concorrendo.

Na concepção de Gomes71, herdeiro testamentário seria o

sucessor a título universal nomeado em testamento. Por outro lado, na visão de

Gonçalves72, herdeiro “testamentário ou instituído é o beneficiado pelo testador no

ato de última vontade com uma parte ideal do acervo, sem individuação de bens”.

É importante salientar que se for estabelecido como herdeiro

testamentário um nascituro, este possuíra apenas expectativa de direito, ficando

esta expectativa vinculada ao seu nascimento com vida.

69 ROSSI, Luiz Alberto. Herdeiros, legatários e cônjuges. Disponível em: <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/HERANCA.pdf>. Acesso em 25/03/2007. 70 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 56. 71 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 40. 72 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. p. 05.

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1.6 TRANSMISSÃO DA HERANÇA

De acordo com o art. 1.784 do CC/2002, “aberta a sucessão,

a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

A transmissão da herança aos seus sucessores ocorre no

momento da abertura da sucessão, ou seja, dá-se com o óbito do titular dos bens.

Ocorre o chamado droit de saisine, com origem no direito francês, afirmando que

o falecido transmite seus bens ao vivo, por conseqüência automática e imediata,

independentemente da abertura do inventário73. Aliás, distingue-se da data da

abertura do inventário, uma vez que esta representa o momento em que os

interessados procuram o Judiciário para efetivarem a transferência dos direitos

hereditários.

Assegura Wald74 que “a própria lei estabelece uma

presunção de aceitação, que confirma e se consolida com a aceitação expressa

ou tácita”.

Neste sentido, Venosa75 é claro ao explanar que na herança,

“o sistema da saisine é o direito que têm os herdeiros de entrar na posse dos

bens que constituem a herança. No entanto, ninguém pode ser herdeiro contra

sua vontade. O herdeiro pode deixar de aceitar, renunciar à herança”.

Como ninguém deve ser herdeiro contra a própria vontade,

resta comprovada a necessidade da aceitação da herança para que venha ela

incorporar ao seu patrimônio definitivamente.

Para Gomes76, a “aceitação é o negócio jurídico pelo qual o

herdeiro, legítimo ou testamentário, adquire concretamente o direito à herança,

transmitida ipso jure com a abertura da sucessão”.

73 OLIVEIRA, Euclides de. Curso de direito das sucessões / organizador Douglas Phillips Freitas. Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 17. 74 WALD, Arnold. Direito das sucessões. p. 36. 75 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.28. 76 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 22.

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A aceitação da herança pode ocorrer de forma tácita,

expressa ou presumida, senão vejamos:

Elucida Gonçalves77:

Aceitação ou adição da herança é o ato pelo qual o herdeiro anui à transmissão dos bens do de cujus, ocorrida por lei com a abertura da sucessão, confirmando-a. Pode ser expressa (por declaração escrita), tácita (resultante de conduta própria de herdeiro (...)), ou presumida (quando o herdeiro permanece silente, depois de notificado (...)).

Segundo Cahali78, “será expressa a aceitação quando feita

por declaração escrita, por termo nos autos, por escritura pública ou escrito

particular“.

Wald79 nos ensina que a aceitação da herança pode ser

presumida quando, “devidamente intimado o herdeiro não se manifesta no prazo

de um mês, que se lhe concedeu para manifestar a sua vontade com relação à

herança. Decorridos os 30 dias, entende-se que a herança foi aceita”.

Ilustra Monteiro80 que “a aceitação, ex vi legis, pode ser

tácita, quando resulta da prática de atos somente compatíveis com o caráter de

herdeiros”.

Pode o herdeiro escolher renunciar à herança, que seria sua

destituição na condição de herdeiro, não gerando qualquer direito ao renunciante,

pois seria considerado como se nunca tivesse herdado.

Assegura Gomes81:

77 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. p. 07. 78 CAHALI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 90. 79 WALD, Arnold. Direito das sucessões. p. 37. 80 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . p. 39. 81 GOMES, Orlando. Sucessões. p. 21.

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Admite o Código, finalmente, a renúncia da herança. Ora, ninguém pode renunciar a direito de que não seja titular. Se ao herdeiro é licito manifestar renúncia, é porque já adquiriu o direito renunciado desde a abertura da sucessão.

Nesse mesmo sentido, Wald82 pondera que “no caso de

renúncia pelo herdeiro, ocorre situação análoga àquela que existiria se o herdeiro

renunciante tivesse morrido antes de se abrir a sucessão”.

Rodrigues83, explanando sobre a renúncia da herança,

afirma que “é o ato solene pelo qual uma pessoa, chamada à sucessão de outra,

declara que a não aceita”.

A renúncia nunca poderá ser realizada nas formas tácita ou

presumida, devendo sempre ser expressa, por escritura pública ou ainda termo

nos autos do inventário. Se for provado vício de vontade (erro, dolo, coação ou

violência), os efeitos da renúncia poderão ser retratados.

Elucida Venosa84:

A renúncia da herança (...) é declaração unilateral de vontade, só que necessita de vontade expressa e escrita. A forma prescrita em lei é a escritura pública ou o termo judicial. A escritura deve ser levada aos autos de inventário. O termo é feito perante o juízo do inventário. A lei nada fala a respeito da homologação judicial da renúncia. É de toda conveniência a homologação, uma vez que, para a renúncia, há necessidade de capacidade especial de alienar e essa capacidade deve ser aferida pelo juiz.

A renúncia à herança é um ato jurídico unilateral e formal. É

através da renúncia que o herdeiro manifesta a sua vontade de não aceitar a

herança, mantendo-se estranho à sucessão aberta85.

82 WALD, Arnold. Direito das sucessões. p. 40. 83 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 33. 84 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.35. 85 ROQUE, Sebastião José. Direito das sucessões. p. 34

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Segundo Diniz86, uma vez formalizada a renúncia, esta

passará a produzir os seguintes efeitos:

1º) O renunciante é tratado como se nunca tivesse sido chamado à sucessão; conseqüentemente, não será contado para efeito do cálculo da porção disponível do de cujus.

2º) O quinhão hereditário do repudiante, na sucessão legitima, transmite-se ipso iure aos outros herdeiros da mesma classe (...), e, se não houver herdeiros, os bens arrecadam-se como vagos e acabam no erário público. Essa regra só se aplicará à sucessão testamentária se o testador não determinou substituição.

3º) Os descendentes do renunciante não herdam por representação na sucessão legitima; porém, se ele for o único da classe ou se os demais desta também repudiarem a herança, seus filhos poderão ser chamados à sucessão, por direito próprio e por cabeça.

4º) Na sucessão testamentária, a renúncia do herdeiro torna caduca a disposição de última vontade que a beneficie, a não ser que o testador tenha indicado substituto ou haja direito de acrescer entre os herdeiros.

5º) O que repudia a herança não está impedido de aceitar legado.

6º) O renunciante pode administrar e ter usufruto dos bens que, em razão de seu repúdio, forem transmitidos a seus filhos menores sob pátrio poder.

Retratação da renúncia significa negar a renúncia

anteriormente manifestada. A renúncia é irretratável, ou seja, uma vez renunciada

a herança, não existe a possibilidade de reconsideração posterior da decisão,

salvo nos casos em que ela ocorrer mediante erro, dolo, coação ou violência,

casos em que será feita por meio de ação ordinária87. Se a renúncia não vier

acompanhada de nenhum desses vícios, será considerada ela irretratável.

86 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. p. 66/67. 87 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . p. 45.

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“No tocante à aceitação, pode esta ser retratada

independentemente da ocorrência daqueles vícios da vontade. Basta não se

verifique prejuízo para os credores”, menciona Monteiro88.

A retratação da aceitação só pode ocorrer de forma

expressa, e à vista de termo judicial a ser confeccionado nos próprios autos de

inventário, ou de escritura pública, dispensando qualquer ação judicial específica

para assim proceder. Pode ser ela exercida a todo tempo, de forma unilateral,

independentemente até mesmo da ocorrência de qualquer vício de vontade89.

No próximo capítulo, será abordado acerca dos regimes

matrimoniais de bens, sua conceituação e espécies.

88 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . p. 45. 89 BUSSO, Sérgio. Aceitação e renúncia da herança e exclusão da suces são. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3669>. Acesso em 24/03/2007.

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CAPÍTULO 2

DOS REGIMES MATRIMONIAIS DE BENS

2.1 CONCEITUAÇÃO

O regime matrimonial de bens é o conjunto de normas que

regulam as relações patrimoniais decorrentes do casamento, entre os cônjuges e

entre terceiros, e começa a vigorar a partir de sua celebração. Abrange uma das

conseqüências jurídicas decorrentes do matrimônio.

Afirma Monteiro90 que “regime de bens vem a ser, portanto,

o complexo de normas que disciplinam as relações econômicas entre marido e

mulher, durante o matrimônio”.

Gomes91 discorre acerca dos regimes de bens: é “o conjunto

de regras aplicáveis à sociedade conjugal considerada sob o aspecto dos seus

interesses patrimoniais. Em síntese, o estatuto patrimonial dos cônjuges”.

Quando do casamento, faz-se necessário que o regime de

bens que irá gerir as questões de ordem patrimonial entre os consortes esteja

definido. É indispensável a vivência de um regime de bens, pois o matrimônio não

pode subsistir sem ele92.

90 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 2. 34. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 149. 91 GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 173. 92 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 192.

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O CC/2002 adota, em seu art. 1.639, como regra geral, a

livre opção quanto ao regime de bens a ser escolhido pelos cônjuges:

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhe aprouver.

Assevera Dias93:

Têm os nubentes a liberdade de (a) ficarem em silêncio, sujeitando-se ao regime da comunhão parcial; (b) escolherem um dos regimes pré-fabricados pelo legislador; ou (c) criarem, por intermédio de pacto antenupcial, o regime que quiserem, definindo, da forma que melhor lhes aprouver, o destino dos bens passados, presentes e futuros.

Desta forma, se os cônjuges aspirarem adotar outro regime

que não o da comunhão parcial, devem realizar o pacto antenupcial.

2.2 DO PACTO ANTENUPCIAL

Se os nubentes pretendem escolher o regime de bens,

podem se valer de uma convenção realizada através de escritura pública, também

denominada pacto antenupcial, que, conforme o entendimento de Rodrigues94, “é

o contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes

dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, durante o matrimônio”.

Poderá ser efetivado depois da celebração religiosa, conquanto que seja anterior

ao pedido de registro.

Elucida Rodrigues95:

Fora a hipótese de adoção do regime de comunhão parcial, que a lei presume ser o escolhido pelas partes quando estas nada convencionam (...), a seleção de qualquer outro regime de bens

93 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 193. 94 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v. 6. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali, com anotações ao novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 173. 95 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.173.

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depende de ajuste entre os nubentes, levado a efeito através do pacto antenupcial.

Gonçalves96 afirma que se o pacto antenupcial “não foi feito,

ou for nulo, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão

parcial (...), por isso chamado também de regime legal ou supletivo”.

No mesmo sentido, Madaleno97 assevera que “não havendo

convenção antenupcial ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará entre os cônjuges

o regime da comunhão parcial”.

“A capacidade para estipular pacto antenupcial obedece à

regra habilis ad nuptias, habilias ad pacta nuptialia. Quem tem aptidão para casar

é capaz de estipular pacto antenupcial”, explana Gomes98.

O Princípio da Liberdade dos pactos antenupciais permite

aos nubentes a livre escolha do regime que lhes convier, para regulamentar os

interesses econômicos decorrentes do ato nupcial, podendo os nubentes escolher

entre os regimes legais ou podem combiná-los formando um regime misto ou

especial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que respeitados os

princípios de ordem pública, os fins e a natureza do matrimônio99.

Discorre Diniz100 acerca do pacto antenupcial:

(...) embora o pacto antenupcial seja um negócio de conteúdo patrimonial, não é um contrato idêntico aos disciplinados no Livro das Obrigações. Dada sua natureza institucional, porque uma vez realizado o matrimônio, que é a condições que subordina o inicio de sua eficácia jurídica, os nubentes não mais podem alterá-lo a

96 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: direito de família. v. 2. 7. ed. ver. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 55. 97 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo Código Civil / coordenação Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 4. ed. 2. tir. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 177. 98 GOMES, Orlando. Direito de família. p. 178. 99 YOKOHAMA, Izaura Uliana. Os princípios dos regimes de bens no NCC. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6167>. Acesso em 29/03/2007. 100 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famíl ia. v. 5. 17. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p.147.

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seu bel-prazer, conservando-se até a dissolução da sociedade conjugal, a fim de proteger interesse da família ou de terceiro que venha a se relacionar economicamente com os cônjuges, salvo se houver autorização judicial para sua alteração, baseada em pedido motivado de ambos os cônjuges e mediante apuração da procedência dos motivos invocados, ressalvando-se, porém direito de terceiros.

Os consortes poderão realizar o ato pessoalmente ou

através de procurador com poderes especiais, embora, na prática, seja

inconveniente a representação por meio de advogado, uma vez que o pacto

antenupcial discorre acerca de questões pessoais e integrativas do próprio

casamento101.

2.3 REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

A comunhão universal de bens é o regime matrimonial em

que o casamento torna todos os bens dos cônjuges comuns, incluindo os

anteriores às núpcias, bem como as obrigações que cada cônjuge possuía antes

do casamento.

De acordo com o art. 1.667 do CC/2002, “o regime da

comunhão universal de bens importa a comunicação de todos os bens presentes

e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo

seguinte”.

Explana Gomes102:

No regime da comunhão universal os bens tornam-se comuns, assim os que cada cônjuge possuía ao casar, como os adquiridos depois do casamento. Instaura-se o estado de indivisão, passando a pertencer a cada qual a metade ideal do patrimônio. Os bens trazidos ou adquiridos compenetram-se de tal modo que, ao se

101 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p. 627. 102 GOMES, Orlando. Direito de família. p. 195.

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dissolver a sociedade conjugal, não se reintegram no patrimônio do cônjuge que os trouxe ou adquiriu.

A lei do regime da comunhão universal de bens engloba

tudo que entra para o monte dos bens do casal; ou seja, tudo o que é adquirido,

torna-se comum no exato momento em que é feita a aquisição, sendo os

consortes meeiros em todos os bens do casal, mesmo que um deles nada tenha

trazido ou adquirido durante o casamento103.

Em síntese, tudo o que entra para o patrimônio do casal

passa a fazer parte da comunhão, incluindo as dívidas passivas, exceto as que

são excluídas em dispositivos especiais do CC/2002.

2.3.1 Bens Excluídos da Comunhão Universal

No entanto, pode-se observar que o art. 1.667, do CC/2002,

menciona algumas exceções no tocante à comunicação dos bens, quando

adotado este regime.

Os bens afastados da comunhão vêm discriminados no art.

1.668 do CC/2002, quais sejam:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

103 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famíl ia. p. 155/156.

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Discorre Rizzardo104, acerca do inciso I do artigo acima

mencionado: “(...) a incomunicabilidade se restringe às liberalidades e à herança

com tal restrição (...). Não se comunicam os valores e outros bens adquiridos com

o produto da alienação de bens incomunicáveis, isto é, os sub-rogados”.

No caso do inciso II, Venosa105 esclarece:

(...) não haverá comunicação do direito do herdeiro fideicomissário, enquanto não se realizar a condição ou decurso de prazo, pois sem isso o agente não terá ainda a propriedade do bem, mas mero direito eventual. Note, no entanto, que, se a propriedade consolidar-se em mãos do fiduciário em virtude da pré-morte do fideicomissário, a propriedade do primeiro passa a ser plena e ocorre desse modo a comunicação.

Dias106, tratando do inciso III do mesmo artigo, ilustra: “(...)

na comunhão universal, comunicam-se as dívidas provenientes de despesas

referentes ao casamento e as que reverterem em proveito comum”.

No que tange ao inciso IV, Rodrigues107 assevera que:

“merece registro observar a inutilidade, se não inadequação, da restrição contida

no inciso IV. Isso porque inexistirá na futura legislação a modalidade específica de

doação antenupcial como negocio jurídico nominado (...)”.

O inciso V menciona os incisos V, VI e VII do art. 1.659 que

são excluídos da comunhão. Descreve Pereira108: V – os bens de uso pessoal, os

livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada

cônjuge; VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Os bens próprios ou os que não fazem parte da comunhão

não são passíveis de partilha quando ocorre a dissolução das núpcias. Cada qual

104 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 644/645. 105 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. v. 6. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 195. 106 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 209. 107 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 206. 108 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. p. 226.

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se conserva com o respectivo titular que os trouxe à época do casamento ou os

adquiriu em seu curso.

2.4 REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

O regime da comunhão parcial é aquele que afasta da

comunhão os bens que os cônjuges possuíam antes ou à época do casamento. É

considerado o regime legal, ou seja, na ausência de pacto antenupcial em

contrário, prevalece o regime da comunhão parcial de bens.

De acordo com Diniz109, esse regime:

(...) estabelece uma solidariedade entre os cônjuges, unindo-os materialmente, pois ao menos parcialmente seus interesses são comuns, permitindo, por outro lado, que cada um conserve como seu aquilo que já lhe pertencia no momento da realização do ato nupcial.

A regra quanto à instituição do regime da comunhão parcial

de bens, quando do silêncio dos nubentes tem amparo no art. 1.640 do CC/2002:

“Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará,

quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial de bens”.

Nesse sentido, discorre Dias110: “Quedando-se em silêncio

os noivos, nada manifestando antes do casamento, a lei supre a omissão e

determina a incidência do regime da comunhão parcial de bens”.

No referido regime, cada um dos cônjuges conserva para si

o que já possuía antes da realização do matrimônio, até mesmo os bens que

receber por doação ou sucessão após o casamento, bem como os sub-rogados

em lugar daqueles.

109 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famíl ia. p. 151. 110 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 193.

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2.4.1 Bens que Integram a Comunhão Parcial

Os bens que fazem parte do patrimônio comum do casal,

quando adotado com regime da comunhão parcial de bens, vêm discriminados no

art. 1.660, do CC/2002, que prevê:

Art. 1.660 . Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por Título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

O inciso I do referido artigo discorre acerca do patrimônio

comum que será formado pelos bens adquiridos no decorrer da vida em comum.

Para Rizzardo111: “Presume a lei que a aquisição se faz com o fruto do trabalho

do marido e da mulher”.

O inciso II, diz respeito aos prêmios ganhos em loterias,

sorteios, disputas, jogos, etc. Rizzardo112 faz menção ao inciso III, no que diz

respeito aos bens recebidos por doação ou sucessão. Via de regra, esses bens

caracterizam-se como próprios, sendo incomunicáveis. Porém, nada impede que

o testador ou doador atribua expressamente a liberalidade a ambos os cônjuges,

configurando a comunhão.

111 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 639. 112 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 639.

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O inciso IV do mesmo artigo ressalta que o montante da

contribuição de cada cônjuge no investimento de um bem não é relevante, uma

vez que a partilha envolverá partes iguais. Por último, em se tratando do inciso V,

pode-se ressaltar que os frutos ou rendimentos dos bens próprios se comunicam

durante o casamento, de modo que os aluguéis de um imóvel particular, ou que

um dos cônjuges já possuía antes do matrimônio, dizem respeito a ambos os

cônjuges, deles podendo usufruir de forma igualitária113.

Em suma, comunhão de bens só existirá nos bens

adquiridos a título oneroso depois do casamento, ainda que forem registrados em

nome de apenas um dos consortes; os adquiridos por fato eventual, como loteria;

os adquiridos por doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges e

ainda, entram para a comunhão as benfeitorias realizadas nos bens particulares

de cada cônjuge114.

2.4.2 Bens Excluídos da Comunhão Parcial

É natural que a esfera dos bens que não integram o

patrimônio no regime da comunhão parcial de bens seja mais abrangente do que

no regime da comunhão universal de bens. Desta forma, estabelece o art. 1.569

do CC/2002:

Art. 1.659 . Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

113 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 640. 114 BORGHI, Hélio. União estável e casamento: aspectos polêmicos. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 58.

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IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

O inciso I do artigo acima mencionado, de acordo com

Rizzardo115, ilustra que “nas doações e sucessões, quaisquer bens recebidos são

particulares, não se comunicando com o outro cônjuge”.

O inciso II configura o princípio da sub-rogação, excluindo da

comunhão os bens que vieram durante o casamento, porém adquiridos com o

produto da venda daqueles já existentes ou possuídos antes do matrimônio.

No tocante ao inciso III, é necessário tomar conhecimento da

época em que as dívidas foram contraídas, sendo que só não se comunicarão ao

outro cônjuge se forem anteriores ao casamento.

Acerca do inciso IV do referido artigo, podemos constatar

que só responde pela reparação dos danos decorrentes de atos ilícitos o consorte

que lhes deu ensejo, não importando a época em que ocorreram tais danos, salvo

se os danos ocorreram no exercício da profissão da qual provém o sustento da

família. Neste caso, a indenização será suportada pelo conjunto dos bens.

Os bens de uso pessoal a que se refere o inciso V são as

jóias, enfeites, roupas e até mesmo alguns móveis de que a pessoa necessita e

usa. São aqueles que são utilizados no dia-a-dia, para a vivência do indivíduo.

De acordo com Rizzardo116, o disposto no inciso VI do artigo

citado “se restringe unicamente aos proventos, salários, vencimentos, ou

115 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 634. 116 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 636.

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rendimentos de atividade pessoal, seja no comércio ou em outros setores, não

incluindo os bens adquiridos com os proventos”.

O inciso VII do referido artigo classifica “meio-soldo” como a

metade do soldo percebido por militar reformado, enquanto “montepio” significa a

pensão devida aos herdeiros de servidor falecido117.

Venosa118 leciona que mesmo “cessando o regime da

comunhão parcial pela morte, separação, divórcio ou anulação do casamento, os

bens que não se comunicaram continuam pertencendo a cada consorte”.

Esses bens não são compartilhados com o outro cônjuge, da

forma que cada um conserva excepcionalmente para si os bem que tinha ao

casar.

2.5 REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS

O regime da separação de bens é caracterizado pela

incomunicabilidade dos bens presentes e futuros dos consortes. Os cônjuges que

optarem por adotar o regime da separação de bens, deverão valer-se de pacto

antenupcial.

O CC/2002 assim prevê:

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão

sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.

Neste regime estão previstas as dívidas, sendo que

responderá por elas o cônjuge que as contraiu.

117 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 206. 118 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 189.

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De acordo com Rodrigues119, “por meio do pacto antenupcial

em que (os nubentes) ajustam a separação, circunscrevem os efeitos dessa

união, a fim de impedir que ela se estenda também ao campo patrimonial”.

Explana Viana120:

O que caracteriza este regime é a completa distinção entre os patrimônios dos dois cônjuges, não se comunicando os frutos e aquisições e permanecendo cada qual na propriedade, posse e administração dos seus bens.

Para Lisboa121, “separação é o regime matrimonial por meio

do qual não se opera a comunicação dos aqüestos”.

De acordo com Rizzardo122, as características deste regime

resumem-se em:

a) Propriedade plena e exclusiva pelos cônjuges dos bens existentes antes do casamento, e dos adquiridos na sua constância.

b) Administração exclusiva dos mesmos pelo respectivo cônjuge proprietário.

c) Livre disposição pelo cônjuge proprietário quanto aos bens moveis e imóveis, sem a outorga ou o consentimento do outro na alienação ou oneração.

d) Em princípio, responsabilidade única na satisfação das obrigações pelo cônjuge que as contraiu, a menos que destinadas ao proveito comum.

119 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 216. 120 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil: direito de família. v 2. 2 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 138. 121 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das s ucessões. v. 5. 3 ed. rev., atual. e ampl. da 2ª edição do livro manual elementar de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 100 122 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 659.

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e) Os eventuais créditos entre os cônjuges, especialmente os decorrentes de participação nas despesas com obras em bens imóveis particulares, regulados pelo direito obrigacional aplicável a estranhos.

f) Contribuição mutua ente o marido e a mulher nas despesas da família, na proporção dos respectivos rendimentos.

Leciona Fonzone123: “con la separazione dei beni ciascun

coniuge conserva la titolarità esclusiva dei beni, non solo acquistati

precedentemente al matrimonio, ma anche in costanza di esso”.

Dentro do regime da separação de bens, há duas hipóteses

expressamente previstas de separação: a obrigatória e a convencional.

2.5.1 Da Separação Obrigatória de Bens

Em determinadas situações, a lei estabelece o regime da

separação de bens como uma imposição, caso em que este regime passa a ser

obrigatório, denominado também como regime da separação legal de bens.

Desta forma, prevê o art. 1.641, do CC/2002:

Art. 1.641 . É obrigatório o regime da separação de bens no

casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II - da pessoa maior de sessenta anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

As causas suspensivas que o inciso I menciona estão

elencadas no art. 1.523 do CC/2002. No entanto, ao observar o parágrafo único

123 FONZONE, E. Compendio di diritto di familgia: in apendice. Napoli: Simone, 1995. p. 83. “Com a separação dos bens, cada cônjuge conserva a titularidade exclusiva dos mesmos, não somente os adquiridos anteriormente ao casamento, mas também, durante a constância do mesmo”.

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do referido artigo, é admissível que os noivos requeiram ao Juiz não serem

aplicadas as causas suspensivas se forem atendidas as condições ali indicadas,

de modo que, se deferido judicialmente o pedido, poderão casar escolhendo o

regime que lhes agradar124.

No caso do inciso II, a imposição do regime de separação de

bens para pessoas com mais de sessenta anos dá-se exclusivamente para evitar

que o casamento se dê por interesse econômico. Porém, existe uma ressalva: se,

nessa hipótese, suceder união estável de mais de dez anos consecutivos ou da

qual tenham nascidos filhos, não se aplica a regra, podendo os nubentes escolher

livremente o regime matrimonial de bens125.

No entanto, o regime da separação obrigatória de bens é

uma questão um tanto controvertida, sendo que alguns doutrinadores defendem a

comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, enquanto outros

se mostram totalmente contra.

Rizzardo126 descreve que “há uma súmula do Supremo

Tribunal Federal, de nº. 377, nos seguintes termos: ”No regime de separação

legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento“”.

De acordo com Gomes127, “o regime da separação

obrigatória dos bens no casamento conduz à separação limitada, só não se

comunicando os bens presentes”.

Ainda, segundo Rizzardo128:

O fator determinante na comunhão dos aqüestos está na conjugação de esforços que se verifica durante a sociedade conjugal, ou na affectio societatis própria das pessoas que se unem para uma atividade específica.

124 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p. 194. 125 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famíl ia. p. 165. 126 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 661. 127 GOMES, Orlando. Direito de família. p. 203. 128 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 661.

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Com a exceção das hipóteses acima mencionadas, os

nubentes que quiserem adotar o regime da separação de bens deverão valer-se

de pacto antenupcial, momento em que o regime deixará de ser obrigatório,

passando a ser chamado de regime de separação convencional de bens.

2.5.2 Da Separação Convencional de Bens

A separação convencional de bens pode apresentar-se

como absoluta ou pura e limitada ou relativa, de acordo com a vontade dos

nubentes.

Os nubentes têm a possibilidade de optarem pelo regime

convencional da separação de bens através de pacto antenupcial, sempre que

cada um dos cônjuges queira conservar, para si, o domínio, a posse e a

administração dos bens presentes e dos bens que ainda serão adquiridos

futuramente, bem como a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores

ao casamento.129

A separação absoluta estabelece a incomunicabilidade de

todos os bens adquiridos antes e depois do matrimônio, inclusive frutos e

rendimentos. Já a separação relativa circunscreve-se aos bens presentes,

comunicando-se os frutos e rendimentos futuros130.

Nada impede que, na separação convencional de bens, os

consortes estabeleçam comunhão de determinados bens, se assim o desejarem,

bem como a forma que esses bens serão administrados. No silêncio do pacto

antenupcial, cada um dos cônjuges conserva a administração e fruição de seus

próprios bens.131

Cabe salientar que a liberdade de alienar ou onerar

restringe-se somente quando for consensual a adoção do regime de separação

129 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo Código Civil. p. 191. 130 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famíl ia. p. 166. 131 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 204/205.

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de bens. As benfeitorias que por acaso venham a ser realizadas nos bens um dos

cônjuges, integram o respectivo patrimônio.

No que parece convir Orlando Gomes132: “Não obstante a

completa separação de patrimônios, existe, sempre, ente os cônjuges comunhão

de interesses indicativa da existência de uma sociedade elementar”.

O art. 1.688 do CC/2002 traz a regra quanto à contribuição

das despesas do casal:

Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as

despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

Desta forma, há uma repartição em assumir as

responsabilidades de acordo com a capacidade econômica, a menos que se

acorde de forma diversa no pacto antenupcial.

2.6 REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQÜESTOS

O regime da participação final nos aqüestos foi introduzido

no Código Civil de 2002, substituindo o antigo regime dotal que a antiga lei previa.

Neste regime, existe a formação de massas de bens

particulares que são incomunicáveis na constância do casamento, porém, tornam-

se comuns no momento em que a sociedade é dissolvida.

De acordo com Dias133, “aqüestos são os bens próprios de

cada um dos cônjuges amealhados durante o casamento e mais os bens

adquiridos por eles em conjunto”.

132 GOMES, Orlando. Direito de família. p. 202. 133 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 211.

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O art. 1.672 do CC/2002 prevê:

Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada

cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

Para Moraes134, esse regime é uma forma híbrida, com

forma parecida ao que ocorre quando o regime é o da separação de bens, na

constância do matrimônio, chegando perto da configuração prevista para o

regime da comunhão parcial, no momento em que a sociedade conjugal é

dissolvida.

Na verdade, trata-se de um regime de separação de bens

no qual cada cônjuge tem a livre e independente administração de seu

patrimônio, podendo dele dispor, em se tratando de bens móveis e, necessitando

da outorga do consorte, se bens imóveis. Somente se ocorrer a dissolução da

sociedade é que serão verificados os bens de cada um dos separandos,

cabendo a cada um deles a metade dos bens adquiridos onerosamente por eles

na constância do matrimônio.135

Vaz Ferreira136 fala de um regime de comunidade diferida,

estando os bens sob o domínio de cada esposo que tem aptidão para deles

dispor livremente.

Taquini137 conceitua o regime da participação final nos

aqüestos como uma comunidade conjugal, onde cada cônjuge administra da

forma como bem entender seu próprio patrimônio, bem como eventuais bens

134 MORAES, Bianca Mota de. Comentário ao artigo 1.672 do CC. In: LEITE, Heloísa Maria Daltro (Coord.). O novo Código Civil, do direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002. p. 353. 135 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo Código Civil. p. 206. 136 VAZ FERREIRA, Eduardo. apud MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo Código Civil. p. 185. 137 TAQUINI, Carlos H. Vidal. apud MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo Código Civil. p. 184.

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que adquirir na constância do matrimônio, mesmo que estes passem a fazer

parte da massa incomunicável por ocasião do término do casamento.

Bens particulares seriam os que cada um dos cônjuges já

possuía ao contrair núpcias, enquanto os bens comuns são os adquiridos

durante a vigência do casamento por ambos os consortes. Patrimônio próprio é a

soma dos bens chamados particulares de cada, mais os amealhados em seu

nome durante a união.

Cabe exclusivamente a cada um dos cônjuges, durante a

constância do casamento, a administração do bens que possuíam ao contrair

núpcias, os que forem adquiridos por herança ou doação e os adquiridos

também à titulo oneroso, podendo comercializá-los da forma que bem

entenderem, se forem móveis.

Segundo Rodrigues138, só é possível “vender os imóveis

com a autorização do outro, ou mediante expressa convenção no pacto

dispensando a anuência”.

Quem escolhe casar sob esse regime mantém a titularidade

do seu patrimônio. Sendo assim, o consorte tem liberdade para alienar bens

móveis, a fiança. No caso de alienação de bens imóveis, se faz necessária a

autorização do outro consorte.139

Nesse sentido, prevê o art. 1.656 do CC/2002: “No pacto

antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á

convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares”.

No tocante aos débitos contraídos por um dos cônjuges

após o casamento, estes não se comunicam, de modo que apenas o consorte

que os contraiu responderá por eles, salvo se houver prova de que foram

revertidos, totalmente ou em parte, em proveito do outro, como preceitua o art.

1.677 do CC/2002: “Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um 138 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 218. 139 BONATTO, Maura de Fátima. Direito de família e sucessões. 1 ed. São Paulo: Desafio Cultural, 2003. p. 34.

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dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial

ou totalmente, em benefício do outro”.

Caso um dos consortes quite a dívida do outro, utilizando

para tanto bens de seu patrimônio, há época da dissolução do matrimônio, o valor

do referido pagamento será atualizado e imputado à meação do consorte que

gerou o débito.

Prevê o art. 1.686 do CC/2002: ”As dívidas de um dos

cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus

herdeiros”. Este dispositivo refere-se à meação, isto é, à situação após o término

da sociedade conjugal. “Caberá ao devedor ou ao cônjuge provar que há valor de

debito que supera a meação”, expõe Venosa140.

Rizzardo141 leciona que, “no caso dos bens adquiridos pelo

trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges, em função do art. 1.679 (CC/2002),

uma quota igual no condomínio, ou no crédito por aquele modo estabelecido”.

Na forma prevista no art. 1.683 do CC/2002, quando da

dissolução da sociedade conjugal, calcula-se o acervo que foi adquirido durante o

casamento, fazendo a compensação entre os bens titulados em nome de cada

um dos cônjuges, apurando ocasionais diferenças.

Cada um dos cônjuges fica com a totalidade de seus bens

particulares, com a metade dos bens comuns, com os bens próprios e terá direito

à metade da diferença do valor dos bens que o outro adquiriu em nome próprio,

na constância da união.

Pode-se perceber que caso ocorra a dissolução do

matrimônio, o cônjuge passa a ter uma dívida para com o outro, a ser quitada com

140 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 203. 141 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 655.

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a divisão de seus bens, em dinheiro ou com a venda de seu patrimônio para

honrar a participação do outro142.

Esclarece Diniz143:

Trata-se de um regime misto, pois durante a vigência do matrimônio aplicam-se-lhe as normas da separação de bens, pelas quais cada cônjuge possui seu próprio patrimônio, tendo a titularidade do direito de propriedade sobre os bens adquiridos, que comporão uma massa incomunicável de bens particulares. (...) Com o termo do casamento, efetuar-se-á a partilha conferindo-se a cada consorte a metade dos bens amealhados pelo casal, à título oneroso, como ocorre o regime da comunhão parcial. Esse direito à meação é irrenunciável, inacessível ou impenhorável na vigência do regime matrimonial.

Para Venosa144 “esse regime de bens transforma o

casamento em um complexo negócio patrimonial. Se houver conflito na

dissolução do vínculo matrimonial, as questões a serem levantadas serão

infindáveis”.

Desta forma, pode-se perceber que o direito de cada um dos

cônjuges não é sobre o monte do outro, mas fica limitado a uma participação final

sobre o valor de possível saldo, desde que compensados os acréscimos de

ambos os cônjuges.

No próximo capítulo, será tratado sobre o direito real de

habitação, do usufruto e dos requisitos legais para seu surgimento.

142 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p. 219. 143 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de famíl ia. p. 162/163. 144 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 201.

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CAPÍTULO 3

DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

3.1 DO USUFRUTO

O instituto do usufruto é freqüentemente confundido

com o direito real de habitação, sendo que o aquele confere à seu titular a

faculdade de fruir, temporariamente, a utilidade da coisa que grava,

enquanto que este, confere ao titular o uso gratuito da casa de morada.

Usufruto é o direito real sobre coisas alheias, confiando ao

usufrutuário o exercício de dois direitos instrínsecos da propriedade, quais sejam

o direito de usar e fruir de uma coisa, sem modificar sua essência, ainda que não

seja o proprietário da mesma.

Para Mauro145, o usufruto é “um direito real em função do

qual certa pessoa assume, temporariamente, os poderes de uso e fruição sobre

coisa alheia”.

Leciona Diniz146:

(...) usufruto não é restrição ao direito de propriedade, mas à posse direta, que é deferida a outrem, que desfruta do bem alheio, retirando-lhe os frutos e utilidades por ele produzidos, perdendo o proprietário da coisa o jus utendi e o fruendi, que são poderes inerentes ao domínio. Não perde, porém, o proprietário a substância, o conteúdo de seu direito de propriedade, que lhe fica na nua propriedade.

145 MAURO, Laerson. 1000 perguntas de direito das coisas. 5 ed. Rio de Janeiro: Thex, 2001. p. 248. 146 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. p. 314.

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Bodnar147 descreve o usufruto como sendo “a faculdade

temporária conferida a alguém de usar determinado bem ou dele retirar seus

frutos e utilidades, sem comprometer-lhe a sua substância”. A idéia de não

comprometimento da substância é fundamental à noção de usufruto.

As faculdades do proprietário vêm discriminadas no art.

1.228 do Código Civil de 2002:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Na concepção de Gagliano148:

(...) o proprietário pode-se desvestir das faculdades reais de uso e gozo (ou fruição) e conferi-las, por contrato devidamente

registrado (em se tratando de imóvel, por exemplo), a uma outra pessoa, que passará a exercer o direito de desfrutar a coisa (usufruto).

No usufruto, o proprietário passa a chamar-se nu-

proprietário, e perde a posse sobre a coisa objeto de usufruto. Ainda que

pertencente ao nu-proprietário, este não poderá tirar proveito real da coisa

enquanto subsistir o usufruto, uma vez que só conserva a expectativa de

recuperar a plenitude de exercer seu direito.

O CC/2002 regulamenta o usufruto em seu art. 1.391:

Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis

ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

O usufruto pode ser vitalício ou temporário, sendo que no

primeiro caso, extingue-se apenas com a morte do usufrutuário, que é apontado

147 BODNAR, Zenildo. Curso objetivo de direito de propriedade. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2005. p. 116. 148 GAGLIANO, Pablo Stolze. Código civil comentado: direito das coisas, superfí cie, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do pro mitente comprador, artigos 1.369 a 1.418. vol. XIII / coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 117.

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individualmente. Usufruto temporário é aquele que pode ser constituído por tempo

determinado, por um prazo pré-estabelecido.

O CC/2002 prevê, em seu art. 1.391, acerca da necessidade

de registrar em cartório o usufruto de bens imóveis:

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Cumpre ressaltar que seria possível a cessão do direito de

exercer o usufruto, a título oneroso ou gratuito. Assim sendo, o usufrutuário

poderá arrendar ou emprestar, em comodato, a coisa objeto deste direito real a

um terceiro, como dispõe o art. 1.393 do CC/2002:

Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o

seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.

Desta forma, uma vez sendo o usufruto por regra inalienável,

é também impenhorável, apenas sendo aceitável a constrição desse seu

exercício, como é o caso dos frutos dele provenientes149.

Wald150 explana:

O direito do usufrutuário não pode ser cedido, mas admite-se a cessão do exercício deste direito, que pode ser de onerosa ou gratuita, e só prevalece enquanto perdurar o direito do usufrutuário, caducando, assim, quando se trata de usufruto vitalício e falece o usufrutuário.

O direito ao usufruto, em benefício do companheiro

sobrevivente, dedica-se a criar certa segurança para ambos, com o escopo de

evitar as intermináveis demandas entre o companheiro sobrevivente e os

familiares do falecido.

149 TARTUCE, Flávio. Da possibilidade de alienação do usufruto ao propri etário. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7588>. Acesso em 03/09/2007. 150 WALD, Arnoldo. Direito das sucessões. p. 147.

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50

Por fim, recaindo o usufruto sobre coisas fungíveis e

consumíveis, o usufruto passa a se chamar “usufruto impróprio” ou “quase-

usufruto”.

3.1.1 Do usufruto vidual

O Código Civil de 1916, em seu art. 1.611, § 1º, descrevia o

usufruto vidual como o direito que o cônjuge tinha ao usufruto da quarta parte dos

bens do cônjuge falecido, se houvessem filhos, deste ou do casal, e à metade, se

não houvesse filhos, mesmo que sobrevivessem ascendentes do de cujus, desde

que o regime de bens adotado pelos cônjuges não fosse o da comunhão universal

e enquanto durasse o estado de viuvez151.

Ocorre que, pela sistemática do Código Civil de 2002, o

cônjuge passou a ser herdeiro necessário do de cujus, motivo pelo qual se tornou

desnecessária essa proteção anteriormente garantida.

Ilustra Diniz152:

O usufruto vidual (...), admitido, pela sua natureza assistencial, pelo art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916, não mais vigora hoje, pois o cônjuge sobrevivo é herdeiro necessário e concorre com descendentes e ascendentes. A reserva de usufruto em favor do cônjuge supérstite, além de não ser satisfatória à economia e à circulação da riqueza, retiraria daquele que tanto colaborou na formação do patrimônio familiar o direito de receber pelo óbito do outro a plena propriedade de sua parte no resultado econômico da sociedade conjugal que se dissolveu.

O CC/2002 mantém exclusivamente o direito real de

habitação e extingue o usufruto vidual, que foi compensado com a inclusão do

cônjuge na ordem de vocação hereditária.

Segundo Pereira153:

151 GOZZO, Débora; VENOSA, Silvio de Salvo. Comentários ao Código civil brasileiro , v. VXI: do direito das sucessões / Débora Gozzo (Arts. 1.784 a 1.856), Silvio de Salvo Venosa (Arts. 1.857 a 1.911); coordenadores Arruda Alvim e Thereza Alvim. – Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 197. 152 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das suce ssões. p. 139.

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Levando em conta a nova posição do cônjuge na ordem de vocação hereditária, o novo Código Civil aboliu o usufruto vidual, que, em conseqüência, não mais incidirá sobre as sucessões abertas a partir de 11 de janeiro de 2003.

Nas palavras de Pinto154:

Esta a grande mudança, porquanto o cônjuge sobrevivente perdeu o complicado usufruto vidual mas recebeu por direito de herança e por cabeça, uma quota hereditária igual a dos descendentes, ao lado dos quais tornou-se co-herdeiro necessário.

É importante salientar que a figura do usufruto vidual não

existe mais, nem para o cônjuge sobrevivente, tampouco para o companheiro

sobrevivente. Os operadores do direito preferiram excluir essa possibilidade, uma

vez que o CC/2002 não fez constar essa garantia.

3.2 CONCEITO E FINALIDADE DO DIREITO REAL DE HABITA ÇÃO

Originário do Direito Romano, onde era considerado um

direito pessoal, o direito real de habitação hoje encontra previsão legal a partir do

art. 1.414 do CC/2002:

Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.

Portanto, o direito real de habitação é considerado um

direito real155 restrito ao titular, denominado também habitador, independente do

153 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p. 137 154 PINTO, Braulio Dinarte da Silva. Novo Código Civil: Os limites e o alcance do direit o real de habitação. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/42292,1>. Acesso em 10/09/2007. 155 FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado . São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1052. “A diferença entre direito real e direito pessoal, é que os direitos reais são normatizados pelo direito das coisas e os direitos pessoais pelo direito das obrigações. O direito real consiste no poder jurídico da pessoa titular do direito subjetivo sobre a coisa, oponível contra terceiros, conforme conceito da Escolha Clássica. Direito real é poder imediato do titular sobre a coisa objeto do direito

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regime de bens de seu casamento, de usufruir do bem com o único e exclusivo

intuito de torná-lo sua moradia e de sua família, desde que seja o único bem de

natureza residencial a ser inventariado, de forma que o titular detém esse direito

de maneira vitalícia. Por se tratar de direito real sobre coisa alheia, é necessário

que esteja estabelecido na matrícula do imóvel.

Gozzo156 discorre acerca do direito real de habitação:

O direito real de habitação encontra-se regulamentado nos arts. 1.414 a 1.416 do Código Civil, aplicando-se a ele as disposições relativas ao usufruto. Por esse direito, seu titular pode habitar gratuitamente a casa “alheia” (muitas vezes o cônjuge sobrevivente é comproprietário do imóvel, daí o uso das aspas), não podendo alugá-la ou emprestá-la. Ele só pode usar o referido imóvel para habitá-lo.

O direito real de habitação é um direito real que, embora diferente

do instituto do usufruto, tem características semelhantes e um tratamento parecido.

Contudo, é um direito menos abrangente, pois configura apenas o direito de moradia,

enquanto que o usufruto confere ao titular o direito também de alugar e obter

vantagens sobre os frutos que o bem iré render157.

Na concepção de Varjão158, o direito real de habitação “é a

utilização gratuita de imóvel alheio. Seu titular deverá morar com a família no

imóvel e não poderá alugá-lo, emprestá-lo”.

Soares Neto159 define a habitação como: “um direito real

sobre coisa alheia, e assim como o uso, é considerada um usufruto em miniatura.

Trata-se de direito personalíssimo e espécie de direito real de uso”.

O cônjuge ou companheiro sobrevivente poderá continuar a sem intermediação, não há sujeito passivo nesta relação, que pode se estabelecer sobre coisas corpóreas e incorpórea”. 156 GOZZO, Débora; VENOSA, Silvio de Salvo. Comentários ao Código civil brasileiro. p. 196. 157 ROQUE, Sebastião José. Direito das sucessões. p. 69. 158 VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União estável: requisitos e efeitos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999. p. 136. 159 NETO, Júlio Soares. A retenção e a instituição positiva do direito de h abitação. Disponível em: <http://www.irib.org.br/biblio/boletimel1225.asp>. Acesso em 04/09/2007.

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residir no imóvel, mas não transferir a posse direta do mesmo a terceiros, gratuita

ou onerosamente. A moradia não precisa ser exclusiva do cônjuge ou

companheiro, podendo este morar acompanhado de filhos, parentes ou novo

cônjuge ou companheiro, de acordo com a redação do CC/2002160.

Portanto, têm-se que o direito real de habitação é limitado

ao uso da coisa, devendo consistir apenas na possibilidade que tem o habitador

de residir no imóvel com sua família, não podendo ser cedido à título gratuito ou

oneroso, uma vez que é um direito de moradia, e não de usufruto.

O CC/1916 previa, em seu art. 1.611, 2º, que para que o

direito real de habitação possa ser conferido ao cônjuge sobrevivente, os

nubentes tenham escolhido, à época da celebração do matrimônio, o regime da

comunhão universal de bens.

Referido diploma legal também menciona da necessidade do

cônjuge sobrevivente permanecer viúvo para que o direito continuasse a existir.

Ocorre que os requisitos acima mencionados não foram

renovados com a entrada em vigor do CC/2002, uma vez que o cônjuge

sobrevivente hoje não precisa mais permanecer em estado de viuvez, bem como

não há restrições para a aquisição do direito real de habitação em virtude da

escolha do regime de bens, quando do casamento. Tais mudanças serão

comentadas nos próximos itens deste capítulo.

3.3 O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASAMENTO

Buscando uma melhor compreensão acerca das

mudanças ocorridas com a entrada em vigor do CC/2002, é necessário que

se faça um estudo da matéria frente ao CC/1916. Neste sentido, se destaca

160 PINTO, Braulio Dinarte da Silva. Novo Código Civil: Os limites e o alcance do direit o real de habitação. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/42292,1>. Acesso em 10/09/2007.

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o art. 1.611, § 2º da Lei n.º 3.071/16, que foi introduzido no ordenamento

jurídico com a vigência do Estatuto da Mulher Casada (Lei n.º 4.121/62):

Art. 1.611. Á falta de descendentes ou ascendentes será deferida

a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.

§ 2o Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão

universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

Durante a vigência do CC/1916, é possível denotar que dois

eram os requisitos para que o cônjuge sobrevivente obtivesse o benefício do

direito real de habitação. Tais requisitos são explanados por Rizzardo161:

O primeiro elemento imposto para o reconhecimento do direito está na natureza do imóvel, que deve ser residencial. Incabível a pretensão em outros bens, ou imóveis, mesmo que de maior valor. (...) a segunda condição é que seja o bem o único imóvel a inventariar de tal natureza. Não pode haver mais de um imóvel residencial.

Quando o CC/1916 estava em vigor, o cônjuge sobrevivente

não era considerado herdeiro necessário e, conseqüentemente, não concorria na

herança juntamente com os descendentes e ascendentes. Possuía tão somente o

direito de usufruto e de habitação.

O § 1º do art. 1.611 do CC/1916 assim prevê:

§ 1o O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era

o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus.

161 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002 . 2 ed. Rio de Janeiro, 2005. p. 57.

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Percebe-se então que não era possível cumular o usufruto

vidual com o direito real de habitação, posto que para o primeiro, o regime de

bens escolhido pelos cônjuges não poderia ser o da comunhão universal,

enquanto que para o segundo, exigia-se que o regime fosse necessariamente

aquele.

Porém, de acordo com Magalhães162, o CC/2002 modificou a

situação do cônjuge sobrevivente no que diz respeito ao direito sucessório: “O

Código Civil Brasileiro atual privilegiou o cônjuge sobrevivente conferindo-lhe o

status de herdeiro necessário, além de legitimá-lo em concurso com os

descendentes e ascendentes do de cujus”.

No diploma legal de 2002, o direito real de habitação está

previsto no art. 1.831, que assim dispõe:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Pode-se perceber que o dispositivo agora em vigor deixa de

mencionar a necessidade de o cônjuge sobrevivente permanecer em estado de

viuvez, bem como o desvincula dos regimes matrimoniais de bens.

Nas palavras de Cahali163:

Mantendo o benefício da moradia, mas agora desvinculado do regime de bens como na legislação anterior, o novo Código preserva o direito real de habitação em favor do viúvo, como vantagem paralela à qualidade de herdeiro destinatário de parte da herança, e independente desta.

Atualmente, é faculdade do beneficiado constituir ou não

162 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito das sucessões no novo código civil brasilei ro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 97. 163 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 217.

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nova família, seja por casamento ou união estável, uma vez que a restrição do

CC/1916 não foi renovada, de acordo com os ensinamentos de Veloso164:

O direito real de habitação no Código Civil de 1916, artigo 1.611, § 2º, com redação determinada pela Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, era vitalício, mas submetido a uma condição resolutiva: extinguia-se com o novo casamento do titular, e havia fundada opinião na doutrina de que tal direito devia cessar, igualmente, se o viúvo constituísse nova família pela união estável.

No mesmo sentido, discorre Pereira165 acerca da mudança da redação do referido artigo:

A nova lei previu, ainda, com maior extensão, o direito real de habitação sobre o imóvel residencial familiar (art. 1.831): este continua sujeito a uma das condições do direito anterior (“desde que seja o único daquela natureza a inventariar”), mas passa a ser reconhecido em favor do cônjuge “qualquer que seja o regime de bens”. Diferentemente do Código de 1916, o novo não reproduziu a cláusula restritiva “enquanto viver e permanecer viúvo”, daí se extraindo que a cessação do estado de viuvez (ou a constituição de união estável) não mais extingue aquele direito.

Ainda, no que diz respeito à desnecessidade de

permanência no estado de viuvez, discorre Oliveira166:

Além do direito à herança, o cônjuge tem assegurado o direito real de habitação, qualquer que seja o regime de bens, sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. Não mais se condiciona esse direito de habitação à permanência do estado de viuvez, de modo que subsiste independentemente da existência de uma nova relação (casamento ou união estável).

164 VELOSO, Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In: DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil . 3. ed. 2. tir. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 283. 165 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessõe s. p. 149/150. 166 OLIVEIRA, Euclides de. Alterações na ordem da vocação hereditária, pelo no vo código civil. Disponível em: <http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/07a11_04_03/4euclides_oliveira2.htm>. Acesso em 06/05/2007.

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No que diz respeito à mudança quanto à vinculação do

direito ao regime da comunhão universal, arrazoa Hironaka167 :

O direito real de habitação, no Código Civil de 1916, só era reconhecido ao sobrevivo casado sob o regime da comunhão universal, o que agora não se exige. Ao contrário, há expressa previsão no sentido de se reconhecer o direito ao supérstite, qualquer que seja o regime de bens até então vigente.

Sobre o art. 1.831 do CC/2002, leciona Carvalho

Neto168: “Agora vale o direito real de habitação em qualquer regime de

bens, mesmo que não seja o de comunhão universal”.

Ainda, de acordo com os ensinamentos de Leite169:

Sensível melhora ocorreu, se considerarmos a ausência de limitação (presente no Código anterior) relativamente ao regime de bens (não mais necessária à caracterização desse direito), bem como o igual silêncio quanto à permanência na viuvez. É que a intenção manifesta do legislador – via direito real de habitação – não é punir, ou suprimir direitos do cônjuge sobrevivente (como ocorria anteriormente, fazendo depender o benefício da manutenção da viuvez), mas sim, proteger os membros da família, assegurando-lhes o direito de habitação, quando ele é o único imóvel daquela natureza a inventariar.

É importante salientar que o exercício do direito real de

habitação não pode ser alterado em virtude dos herdeiros com os quais o cônjuge

sobrevivente está concorrendo na totalidade da herança. Se forem descendentes

ou ascendentes, o cônjuge terá o direito da mesma forma. Não existirá a

concorrência de colaterais com o cônjuge sobrevivente no direito real de

167 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil : parte especial: do direito das sucessões. vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856). Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 222. 168 CARVALHO NETO, Inácio de; HARUMI, Érika. Novo Código Civil: direito das sucessões. Curitiba: Juruá , 2002. p. 67. 169 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil: direito das suces sões. Vol. XXI (arts. 1.784 a 2.027). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 230.

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habitação, uma vez que aqueles são excluídos dos direitos sucessórios em

virtude da existência deste.

Cahali170 complementa:

A habitação deferida em favor do viúvo é um direito personalíssimo e resolúvel, extinguindo-se com a morte do titular. Impede a fruição ampla, assim entendida a possibilidade de alugar, ceder em comodato etc., mas apenas compreende o direito de continuar utilizando diretamente a residência, sem qualquer ônus perante os titulares do domínio.

A respeito das características do imóvel, Pinto171 esclarece:

Não importa o valor do bem, sobre o qual será exercido o direito real de habitação. Nem importa o tamanho do imóvel que será objeto da garantia. Não se pode, nunca, usar a falácia de que o cônjuge sobrevivente não necessita de um bem daquele tamanho ou daquele valor para morar. Não cabe aos demais herdeiros, que serão privados do gozo daquele imóvel, determinar quais as condições de habitação do cônjuge supérstite.

Assim sendo, conforme os dispositivos contidos no

CC/1916, revogado com os dispositivos do Código Civil vigente, pode-se perceber

que houve um expressivo avanço nos direitos do cônjuge sobrevivente.

3.4 O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

A Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade

familiar, conforme disposto em seu artigo 226, § 3º, que dispõe:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

170 CAHALI, Francisco José; GISELDA, Maria Fernandes Novaes Hironaka. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 218. 171 PINTO, Braulio Dinarte da Silva. Direito real de habitação no novo Código Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7945>. Acesso em 10/09/07.

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§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união

estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

No mesmo norte, o CC/2002 especifica os requisitos para a

configuração da união estável em seu art. 1.723:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável

entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Uma vez que a união estável é regulamentada pelo

ordenamento jurídico brasileiro, o legislador também incluiu no CC/2002 o

direito de sucessão ao convivente sobrevivente, quando da morte de seu

companheiro. Com previsão legal no art. 1.790 do CC/2002, o companheiro

está apto a participar da sucessão, nos seguintes termos:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da

sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-

lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da

herança.

No caput do artigo acima transcrito, nota-se que o

legislador deixou claro que o companheiro sobrevivente só participará da

sucessão em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a duração

da união estável.

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Em que pese o reconhecimento da entidade da união

estável, a partilha do quinhão hereditário do de cujus para o companheiro

sobrevivente difere da partilha do cônjuge.

Elucida Monteiro172:

Na sucessão do autor da herança, o companheiro, embora não incluído na ordem de vocação hereditária, nem possuindo o atributo de herdeiro necessário, como ocorre com o cônjuge sobrevivente, tem direito à participação na herança, tal como previsto no art. 1790, inteiramente deslocado dentro da sistemática do Código Civil.

Cahali173 discorre acerca da mudança da legislação:

Questão tormentosa a ser enfrentada pelos tribunais, à luz dos caminhos traçados pela doutrina, será definir se o direito real de habitação (...) em favor do companheiro sobrevivente ainda prevalece diante do novo Código (...).

O art. 7º da Lei n.º 9.278/96, em seu parágrafo único,

assegurou o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente:

Art. 7° - Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência

material prevista nesta lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único - Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Referido artigo entrava em conflito com os direitos

anteriormente garantidos ao cônjuge sobrevivente no CC/1916, uma vez que na

172 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. v. 6. 35. ed. Revisada e atualizada por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 99. 173 CAHALI, Francisco José; GISELDA, Maria Fernandes Novaes Hironaka. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. p. 232.

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união estável não existe distinção entre os regimes de bens, diferentemente do

que acontece no matrimônio.

Ocorre que não há norma disciplinando o direito real de

habitação ao companheiro sobrevivente no CC/2002, fato este gerador de

conflitos de opiniões, uma vez que alguns doutrinadores sustentam que o

companheiro perdeu esse direito real, em face do silêncio proposital da

nova legislação, enquanto outros afirmam que o direito permanece ao

convivente sobrevivente, em virtude da não revogação da Lei n.º 9.278/96.

Rodrigues174 explana acerca dos dois entendimentos:

(...) o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, foi previsto em lei especial (Lei n.º 9.278/96, art. 7º, parágrafo único), e como esse benefício não é incompatível com qualquer artigo do novo Código Civil, uma corrente poderá argumentar que ele não foi revogado, e subsiste. Em contrapartida, poderá surgir opinião afirmando que o aludido art. 7º, parágrafo único, da Lei n.º 9.278/96 foi revogado pelo Código Civil, por ter este, no art. 1.790, regulado inteiramente a sucessão entre companheiros, e, portanto, não houve omissão quanto ao aludido direito real de habitação, mas silêncio eloqüente do legislador.

Uma vez que a Constituição Federal reconheceu como

entidade familiar a união estável, o direito real de habitação deve ser

atribuído também ao companheiro sobrevivente. Caso contrário, a proteção

à entidade familiar estaria violada, de acordo com os ensinamentos de

Gama175:

(...) deve-se considerar a aplicação do dispositivo no art. 226, caput, da Constituição Federal, a fim de considerar que a família fundada em companheirismo é merecedora de especial proteção do Estado.

174 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das sucessões. 25. ed. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 119. 175 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. São Paulo: Atlas, 2003. p. 129.

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Uma característica que merece destaque quando da

concessão do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, nos termos

da Lei n.º 9.278/96, segundo Venosa176:

(...) a mesma não faz referência à situação do sobrevivente, ou seja, depreende-se que tal direito pode ser concedido ao companheiro, ainda que o falecido tenha morrido estando casado, porém separado de fato.

Cabe ressaltar, para fins de aquisição do direito real de

habitação, não é estritamente necessário que o de cujus, antes da sua morte,

residisse no imóvel comum dos conviventes. Nesse sentido, já foi decidido pelo

Tribunal do Rio Grande do Sul177:

SUCESSÕES. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. Os postulados constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade e mútua assistência, normas inspiradoras do direito real de habitação conferido no art. 7º, parágrafo único, da Lei n.º 9.278/96, garantem à companheira supérstite o direito de continuar a residir no imóvel comum, mesmo que, seja por motivos de saúde, seja por razões outras não evidenciadas nos autos, o falecido ali não mais residisse. Negaram provimento. Unânime.

Em suma, seria um retrocesso negar ao companheiro

sobrevivente o direito real de habitação, uma vez que a entidade familiar tem

proteção jurídica do Estado.

Nos ensinamentos de Leite178, o direito real em questão

deve ser conferido ao sobrevivente em razão da proteção da família, ou seja, é a

entidade familiar que necessita do benefício do direito real de habitação, não

podendo ficar desamparada em virtude de um formalismo (casamento).

176 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 122. 177 APELAÇÃO CÍVEL N.º 70009478322, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS. RELATOR: MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 27/10/2004. 178 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil: direito das suces sões. p. 233.

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Desta forma, pode-se concluir que o direito real de habitação

também é um direito conferido aos que vivem em união estável,

independentemente de previsão legal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação, da doutrina e da jurisprudência, o instituto do Direito real de habitação

no ordenamento jurídico brasileiro.

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua diversidade,

amplitude e importância, notadamente pelo fato de o direito real de habitação ser

um instituto que garante proteção ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente.

Para seu desenvolvimento lógico, o trabalho foi dividido em

três capítulos. No primeiro, teve-se uma explanação acerca da evolução do direito

das sucessões, de como os ritos fúnebres eram importantes para os

antepassados, e como eles acreditavam na necessidade de continuar oferecendo

alimentos aos que já haviam sido sepultados, pois sua alma passava de uma

plano para outro. O direito ao culto religioso e aos ritos fúnebres era passado de

pai para filho, bem como o direito da propriedade.

Atualmente, tem-se a concepção de que sucessão significa

o ato pelo qual um indivíduo ocupa o lugar de outro, ocupando-se também, no

todo ou em parte, dos direitos que lhe eram atribuídos. Na concepção desses

direitos está a herança, que é um todo unitário, indivisível até o momento de sua

partilha. É o conjunto de bens, direitos e deveres patrimoniais, podendo ser

entendida também como a universalidade das relações jurídicas de caráter

patrimonial, em que o de cujus era sujeito ativo ou passivo. Os beneficiados com

essa universalidade de relações jurídicas que é a herança são chamados

herdeiros, classificados legítimos, necessários, legatários e testamentários.

No segundo capítulo, pesquisou-se acerca dos regimes

matrimoniais de bens, que são o conjunto de normas que regem as relações

econômicas entre marido e mulher, na constância do casamento. Viu-se também

que o pacto antenupcial é o contrato solene, efetivado antes do casamento, por

meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas,

na vigência do matrimônio. O pacto antenupcial serve para que os nubentes

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possam escolher qual o regime de bens que vigorará durante a sua união. Caso

os nubentes optem por não realizar o pacto antenupcial, o regime de bens que

vigorará será o da comunhão parcial de bens, por ser o regime legal.

Ainda sobre os regimes matrimoniais, pode-se perceber a

diversidade acerca das imposições que a escolha de determinado regime traz

para o casamento. No regime da comunhão universal de bens, por exemplo,

comunicam-se todos os bens que cada um possuía antes de casar, bem como os

futuros, que serão adquiridos conjuntamente, com raras exceções. O regime da

comunhão parcial de bens determina que só os bens adquiridos na constância do

casamento se comuniquem, diferentemente do que ocorre com o regime da

separação de bens, onde nenhum bem se comunica, nem os que cada cônjuge

possuía ao contrair núpcias, nem os adquiridos na sua constância. Por fim, no

regime da participação final nos aqüestos, existe a formação de massas de bens

particulares que são incomunicáveis na constância do casamento, porém, tornam-

se comuns no momento em que a sociedade é dissolvida. Referido regime foi

introduzido com a vigência do CC/2002, substituindo o antigo regime dotal.

No terceiro e último capítulo, intensificou-se a pesquisa

sobre o bem delineado contorno jurídico do Direito real de habitação no

ordenamento jurídico brasileiro, partindo do conceito de usufruto e usufruto vidual,

para uma melhor compreensão acerca do tema principal. O direito real de

habitação é o direito real conferido ao titular de usufruir do bem com o intuito de

torná-lo sua moradia e de sua família, desde que seja o único bem de natureza

residencial a ser inventariado, de forma que o titular detém esse direito de

maneira vitalícia.

O direito real de habitação já era conferido ao cônjuge no

CC/1916, em seu art. 1.611, § 2°, e permaneceu no C ódigo atual no art. 1.831.

Ocorre que, diferentemente do que ocorria no CC/1916, o CC/2002 não faz

restrição alguma quanto ao regime de bens escolhido pelos cônjuges, nem quanto

à necessidade de o cônjuge sobrevivente permanecer viúvo. O CC/2002 é omisso

no que diz respeito do deferimento deste instituto ao companheiro sobrevivente.

Porém, a CF, em seu art. 226, § 3º, reconheceu a união estável como entidade

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familiar e, em razão da não revogação da Lei n.º 9.278/96, art. 7º, § único,

subentende-se que o companheiro sobrevivente também faz jus ao direito real de

habitação, entretanto, com a condição de não constituir casamento ou nova união

estável.

Ao considerar as hipóteses apresentadas, conclui-se que:

Resta confirmada a primeira hipótese, eis que o imóvel

objeto do Direito Real de Habitação deve ser o imóvel destinado à residência da

família, desde que seja o único desta natureza a inventariar.

Verificou-se que o CC/1916 previa a necessidade da

permanência do estado de viuvez. Porém, com a entrada em vigor do CC/2002, o

legislador deixou de mencionar essa necessidade, presumindo-se assim que, se o

cônjuge sobrevivente contrair novas núpcias ou viver em união estável, lhe é

cabível o direito real de habitação sem qualquer prejuízo, confirmando-se assim, a

segunda hipótese.

Em virtude da omissão do legislador no CC/2002 em tratar

do direito real de habitação em favor dos companheiros, o entendimento

majoritário é o da permanência da Lei n.º 9.278/96, em virtude da sua não

revogação. Essa lei, em seu art. 7º, parágrafo único, confere ao companheiro

sobrevivente o direito real de habitação, condicionando-o porém, à permanência

do estado de viuvez, restando confirmada a terceira e última hipótese.

Por fim, fica registrado que a presente monografia não

tem caráter exaustivo, isto é, com a mesma não se tem a pretensão de

tratar de todas as questões que norteiam o instituto do Direito Real de

Habitação, razão pela qual deve servir apenas de ponto de partida para o

necessário e contínuo acompanhamento da evolução de entendimento

doutrinário e jurisprudencial acerca desta tão relevante matéria do Direito

das Sucessões.

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