O ÔNUS DA CONTRAPROVA E A TUTELA DA EVIDÊNCIA: … · O CPC-2015, em seu Livro V, instituiu a...

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1 O ÔNUS DA CONTRAPROVA E A TUTELA DA EVIDÊNCIA: REFLEXÕES SOBRE OS PODERES PROCESSUAIS Denarcy Souza e Silva Júnior Sumário. Introdução. 1 Tutela de urgência e tutela da evidência: uma necessária distinção. 2 Revisitando o conceito de ônus da prova. 2.1 O ônus como um poder processual: situação jurídica processual não relacional. 2.2 O ônus da prova e o ônus da contraprova: similitudes e diferenças. 3 A tutela da evidência e o ônus da contraprova: provisoriedade inerente à cognição sumária. Conclusão. Referências. Resumo. O objetivo do presente trabalho é analisar a tutela da evidência documentada prevista no art. 311, inciso IV, do CPC-2015 e seus reflexos, notadamente no que diz respeito ao ônus da contraprova. Para tanto, foi feita breve incursão sobre o conceito de tutela provisória, objetivando identificar o lugar da fala. Revisitou-se, ainda, o conceito de ônus da prova, dando ênfase no ônus como um poder processual da parte, sem qualquer correlata relação de sujeição, exercitável no interesse próprio da parte, o que o afasta, sobremodo, do dever processual, ainda que em sentido amplo. Ademais, buscou-se diferenciar o ônus da prova do ônus da contraprova, demonstrando que aquele tem como objeto o mesmo fato constitutivo do direito do autor e não os fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do daquele direito. Deste modo, não há o que se confundir a tutela da evidência prevista no referido dispositivo legal com eventual julgamento antecipado do mérito, porque pensar dessa forma limitaria o poder processual do réu de produzir contraprova capaz de gerar dúvida razoável no juiz, limitação esta sem qualquer respaldo do texto normativo. A tutela da evidência prevista no art. 311, do CPC-2015 é uma tutela provisória, proferida em cognição sumária, à luz de uma acertada compreensão do ônus da contraprova, não se devendo confundi-la com julgamento antecipado de mérito. Palavras-chave: Processo Civil. Ônus da contraprova. Tutela da Evidência. Abstract. The objective of this paper is to analyze the documented tutelage of evidence prevised in the article 311, IV of the Civil Procedural Code of 2015 and its reflects, notedly when it comes to the onus of rebuttal. Therefore, a brief incursion was made on the concept of provisory tutelage, aiming to identify the speech’s place. The concept of onus of proof was revisited, emphasasing the onus as a procedural power of the litigant, without any correlate relation of subjection, exercisable on behalf of the litigant, which alienates him, greatly, of the procedural duty, even in a broad sense. Moreover, we aimed to differentiate the onus of the proof of the onus of rebuttal, showing that that one has as object the same constitutive fact of the author’s right and no the modificative, extinctive or deterrent facts of that right. Hence, there is no confusing the tutelaf of evidence prevised in the given legal disposition with an eventual antecipated judgement on the merits, because thinking that way would limit the procedural power of the defendant to produce rebuttal capable of generating reasonable doubt on the judge, such a limitation that have no support on the legal texts. The tutelage of evidence prevised on the article 311 of the Civil Procedural Code of 2015 is a provisory tutelage, given in summary cognition, in the light of a sure comprehension of the onus of rebuttal, which cannot be mistaken for na eventual antecipated judgement on the merits. Key-words: Civil Procedure. Onus of rebuttal. Tutelag of evidence. INTRODUÇÃO É tempo de um novo Código de Processo Civil. Com ele, vários institutos processuais foram revisitados e reescritos, muito pelo novo modelo de processo agora vigente, lastreado na cooperação entre os sujeitos do processo, na busca de uma tutela jurisdicional justa e efetiva. Esse novo modelo processual, comparticipativo, sustentado na garantia do contraditório, realmente, trouxe sérias mudanças ao sistema processual brasileiro, mas que não serão analisadas nesse curto ensaio.

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O ÔNUS DA CONTRAPROVA E A TUTELA DA EVIDÊNCIA: REFLEXÕES

SOBRE OS PODERES PROCESSUAIS

Denarcy Souza e Silva Júnior

Sumário. Introdução. 1 Tutela de urgência e tutela da evidência: uma necessária distinção. 2 Revisitando o

conceito de ônus da prova. 2.1 O ônus como um poder processual: situação jurídica processual não relacional.

2.2 O ônus da prova e o ônus da contraprova: similitudes e diferenças. 3 A tutela da evidência e o ônus da

contraprova: provisoriedade inerente à cognição sumária. Conclusão. Referências.

Resumo. O objetivo do presente trabalho é analisar a tutela da evidência documentada prevista no art. 311, inciso

IV, do CPC-2015 e seus reflexos, notadamente no que diz respeito ao ônus da contraprova. Para tanto, foi feita

breve incursão sobre o conceito de tutela provisória, objetivando identificar o lugar da fala. Revisitou-se, ainda, o

conceito de ônus da prova, dando ênfase no ônus como um poder processual da parte, sem qualquer correlata

relação de sujeição, exercitável no interesse próprio da parte, o que o afasta, sobremodo, do dever processual,

ainda que em sentido amplo. Ademais, buscou-se diferenciar o ônus da prova do ônus da contraprova,

demonstrando que aquele tem como objeto o mesmo fato constitutivo do direito do autor e não os fatos

modificativos, extintivos ou impeditivos do daquele direito. Deste modo, não há o que se confundir a tutela da

evidência prevista no referido dispositivo legal com eventual julgamento antecipado do mérito, porque pensar

dessa forma limitaria o poder processual do réu de produzir contraprova capaz de gerar dúvida razoável no juiz,

limitação esta sem qualquer respaldo do texto normativo. A tutela da evidência prevista no art. 311, do CPC-2015

é uma tutela provisória, proferida em cognição sumária, à luz de uma acertada compreensão do ônus da

contraprova, não se devendo confundi-la com julgamento antecipado de mérito.

Palavras-chave: Processo Civil. Ônus da contraprova. Tutela da Evidência.

Abstract. The objective of this paper is to analyze the documented tutelage of evidence prevised in the article 311,

IV of the Civil Procedural Code of 2015 and its reflects, notedly when it comes to the onus of rebuttal. Therefore,

a brief incursion was made on the concept of provisory tutelage, aiming to identify the speech’s place. The concept

of onus of proof was revisited, emphasasing the onus as a procedural power of the litigant, without any correlate

relation of subjection, exercisable on behalf of the litigant, which alienates him, greatly, of the procedural duty,

even in a broad sense. Moreover, we aimed to differentiate the onus of the proof of the onus of rebuttal, showing

that that one has as object the same constitutive fact of the author’s right and no the modificative, extinctive or

deterrent facts of that right. Hence, there is no confusing the tutelaf of evidence prevised in the given legal

disposition with an eventual antecipated judgement on the merits, because thinking that way would limit the

procedural power of the defendant to produce rebuttal capable of generating reasonable doubt on the judge, such

a limitation that have no support on the legal texts. The tutelage of evidence prevised on the article 311 of the Civil

Procedural Code of 2015 is a provisory tutelage, given in summary cognition, in the light of a sure comprehension

of the onus of rebuttal, which cannot be mistaken for na eventual antecipated judgement on the merits.

Key-words: Civil Procedure. Onus of rebuttal. Tutelag of evidence.

INTRODUÇÃO

É tempo de um novo Código de Processo Civil. Com ele, vários institutos processuais

foram revisitados e reescritos, muito pelo novo modelo de processo agora vigente, lastreado na

cooperação entre os sujeitos do processo, na busca de uma tutela jurisdicional justa e efetiva.

Esse novo modelo processual, comparticipativo, sustentado na garantia do contraditório,

realmente, trouxe sérias mudanças ao sistema processual brasileiro, mas que não serão

analisadas nesse curto ensaio.

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Na verdade, o objetivo do presente trabalho está em analisar algo que, num primeiro

momento, não chamou tanto a atenção da doutrina especializada, que pouco cuidou do referido

instituto e quando o fez limitou-se, com raríssimas exceções, a tratá-lo com um desdém pouco

comum ao ineditismo, porquanto seria de bom tom analisá-lo com os olhos do novo,

especificando o lugar da fala. Refiro-me ao ônus da contraprova, notadamente a sua aplicação

para a concessão da denominada tutela da evidência.

O CPC-2015, em seu Livro V, instituiu a Tutela Provisória (gênero), do qual são

espécies a Tutela de Urgência (antecipada e cautelar) e a Tutela da Evidência. Não se poderia

afirmar, não sem pecar pela imprecisão científica, que haveria, apenas por isso, algo de novo

no sistema processual civil brasileiro, já habituado às denominadas tutelas de urgência, como

também à tutela da evidência, que eram previstas de forma genérica no art. 273 e no Livro III

(Do Processo Cautelar) do CPC-73.

Inobstante os referidos institutos não serem inéditos, algumas hipóteses de concessão

da tutela provisória da evidência não encontram correspondência no diploma revogado.

Analisando-se o art. 311 do CPC-2015, percebe-se que os seus incisos II e IV não são releituras

do diploma revogado, mas sim algo novo que merece maior atenção da doutrina processual. É

bem verdade que o presente artigo limitar-se-á a analisar o inciso IV do referido dispositivo,

que cuida, como dito, do ônus da contraprova.

Por outro lado, não se poderia analisar o referido dispositivo sem antes fazer uma breve

distinção entre as espécies de tutelas provisórias, tampouco sem enfrentar o que se conhece por

ônus da contraprova, para, somente depois, analisar a sua importância para o entendimento da

tutela da evidência prevista no inciso IV, do art. 311, do CPC-2015.

A tarefa não se mostra das mais simples. É sempre tormentoso enfrentar institutos

processuais que apesar de se valerem de conceitos já tradicionais, inovam no ordenamento

processual e carecem de uma maior inquietação da doutrina processual. Na verdade, essa é a

finalidade do presente trabalho: fomentar a inquietude daqueles que constroem o direito

processual civil brasileiro. Mãos à obra.

1 TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA: UMA NECESSÁRIA

DISTINÇÃO.

3

Com o advento do novo Código de Processo Civil, as tutelas de urgência e da evidência

foram reunidas sob um mesmo título: o da tutela provisória. Dito de outro modo, a tutela

provisória é gênero do qual são espécies as tutelas de urgência e a tutela da evidência (que

independe de urgência). Ambas as tutelas têm em comum a provisoriedade do pronunciamento

judicial que as concede, que poderá ser ou não confirmado ao final do processo1, além da

necessidade de restar demonstrada a probabilidade do direito afirmado pela parte requerente.

Apesar de reunidas sob o mesmo gênero e de alguns processualistas defenderem até

mesmo a existência de fungibilidade entre elas2, as tutelas de urgência estão atreladas ao perigo

de dano ou ao risco ao resultado útil do processo (urgência), enquanto a tutela da evidência não

necessita da caracterização da urgência para a sua concessão, bastando a ocorrência de uma das

hipóteses previstas no art. 311, do CPC-2015.

É bom que se diga, para evitar mal entendidos, que para a concessão de qualquer tutela

provisória, e com a tutela da evidência não seria diferente, é necessário que o requerente

demonstre a probabilidade do direito que afirma ter e não apenas a urgência ou uma das

hipóteses previstas nos incisos do art. 311, antes referido. Mais que isso. Para a concessão de

uma tutela da evidência faz-se necessária a demonstração de uma probabilidade máxima da

existência do direito, só que em cognição sumária3, que poderá, ao final e depois da instrução

do processo, não se tornar definitiva.

Luiz Fux, um dos primeiros a propagar no Brasil a distinção entre as tutelas de urgência

e da evidência, tem que o direito evidente seria aquele evidenciado por provas, tal como o

direito líquido e certo que autoriza o mandado de segurança.4 Há, entretanto, aqueles que

vinculam a evidência do direito, apta à concessão da tutela de forma provisória, à noção de

defesa inconsistente.5

1 Não se desconhece que a tutela cautelar não é provisória, mas temporária, porque só tem lugar enquanto perdurar

a situação de perigo ao direito referido. Como o presente trabalho tem um corte metodológico específico não se

fará essa distinção ao longo do texto. Sobre a temporalidade como característica inerente às tutelas cautelares, o

que as diferiria da tutela antecipada: SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Direito Processual Civil. 3ª ed. v. 3.

São Paulo: RT, 2000. 2 Por todos: CÂMARA, Helder Maroni. Código de processo civil: comentado. São Paulo: Almedina, 2016, p. 424-

428. DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19ª ed. revisada e completamente

reformulada conforme o Novo CPC – Lei 13.105, de 16 de março de 2015 e atualizada de acordo com a Lei 13.256,

de 04 de fevereiro de 2016. – São Paulo: Atlas, 2016, p. 491. 3 Entendendo que a evidência serve tanto às tutelas definitivas como às provisórias: DIDIER JR, Fredie; BRAGA,

Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de direito processual civil. 10ª ed. v. 2, Salvador: Juspodivm,

2015, p. 617. 4 FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 311. 5 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 200-201. Referidos autores

4

De que forma for, a concessão da tutela provisória da evidência imprescinde, como

parece óbvio, da demonstração no caso concreto da evidência do direito afirmado e não apenas

da caracterização de umas das hipóteses previstas nos incisos do art. 311, do CPC-2015. Vozes

há que afirmam que o perigo (ou risco de perigo) está inserido na própria noção de evidência.

“O direito da parte é tão cristalino que a demora na sua execução, por mera e inócua atenção

aos atos procedimentais do método, já se torna indevida”6, o que não infirma, antes impõe, a

necessidade da demonstração da probabilidade do direito.

Não se pode considerar, por exemplo, evidente o direito da parte pelo simples fato de

uma conduta desleal da parte contrária (CPC-2015, art. 311, I). Conduta desleal se pune com

aplicação de multa (e.g. art. 77, § 2º do CPC-2015), não com a concessão de uma tutela

provisória.

Ninguém adquire direito por uma conduta desleal da outra parte. O requerente tem ou

não o direito e para a concessão da tutela da evidência o direito tem que ser, ao menos, provável.

É bem verdade, que a deslealdade da parte adversa (abuso ou protelação) permite elevar o grau

da probabilidade ao nível da evidência, mas só a conduta desleal, insista-se, não autoriza a

concessão da tutela provisória.7

Insista-se, a tutela da evidência imprescinde da demonstração da probabilidade do

direito da parte, não apenas da configuração, no caso, de uma das hipóteses previstas nos incisos

do art. 311, do CPC-2015. Se tal demonstração vai se dar mediante a produção de prova

documentada ou pela ausência de prova a ser produzida pelo réu apta a gerar dúvida razoável,

não infirma a necessidade da demonstração, de forma fundamentada, da existência da

probabilidade, em grau elevado, do direito afirmado pela parte.

Embora diferentes, ambas as tutelas têm pontos de contato que autorizam conceituá-las

como espécies de um mesmo gênero (tutelas provisórias), o que, como anunciado na introdução

deste trabalho, talvez tenha feito parte da doutrina deixar de lado o necessário enfrentamento

propugnam que a defesa inconsistente está atrelada à defesa indireta de mérito infundada, o que voltará a ser

analisado no final do presente trabalho. 6 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19ª ed. revisada e completamente reformulada

conforme o Novo CPC – Lei 13.105, de 16 de março de 2015 e atualizada de acordo com a Lei 13.256, de 04 de

fevereiro de 2016. – São Paulo: Atlas, 2016, p. 523. 7 DONIZETTI, Elpídio. Idem ibidem, p. 524. Em sentido aparentemente contrário, defendendo a existência de

uma tutela da evidência punitiva: DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de.

Curso de direito processual civil. 10ª ed. v. 2, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 620-621.

5

das hipóteses de concessão da tutela da evidência genérica, previstas nos incisos do art. 311, do

CPC-2015, em especial aquela do inciso IV do referido dispositivo8.

O art. 311, IV, do Código de Processo Civil está assim redigido:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração

de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

[...]

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos

constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida

razoável.

Percebe-se do dispositivo transcrito, que a concessão da tutela da evidência na hipótese

prevista no inciso IV pressupõe que, além de o autor ter que provar documental e

suficientemente os fatos constitutivos do seu direito, o réu não oponha prova capaz de gerar

dúvida razoável no juiz. Vale dizer, o dispositivo atribui ao réu o ônus da contraprova do fato

constitutivo do direito do autor, e caso dele o réu não se desincumba, autorizada estará a

concessão da tutela provisória da evidência em favor do autor.

É justamente sobre o ônus da contraprova e a sua aplicação à tutela da evidência que há

um déficit doutrinário preocupante. Se é verdade que sobre o ônus da prova muito se escreveu

e se escreve9, sobre o ônus da contraprova ainda há um vácuo que pode dificultar a compreensão

do dispositivo em análise, daí a necessidade de se enfrentar a matéria de uma forma mais detida,

mas, ressalte-se, sem qualquer pretensão de se esgotar o tema.

Ademais, o próprio modelo comparticipativo de processo, com os deveres de

cooperação a ele inerentes, fez com que a doutrina, aqui e ali, baralhasse o conceito de ônus,

muitas vezes o confundido com dever, quando menos com uma situação passiva subjetiva, o

que também não corrobora a correta compreensão do ônus da contraprova e sua aplicação às

tutelas da evidência (provisórias).

Uma acertada compreensão de ônus e sua correlação com a prova é de extrema

importância para o alcance da norma inserta no art. 311, IV, do CPC-2015, sendo esse o

8 Tratando do tema apenas de passagem: BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil:

inteiramente estrutura à luz do novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2015. THEODORO JR, Humberto. Curso de direito

processual civil. 56ª. rev. atual. e ampl. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2015. MARINONI, Luiz Guilherme;

ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante

procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015. 9 Merece destaque a obra de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, que já se encontra em sua 3ª edição:

Prova e Convicção. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015. Como também a coletânea: DIDIER JR, Fredie

(Coord.); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (Org.) Novo CPC doutrina

selecionada, v. 3: provas. 2ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016.

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caminho que agora se buscará trilhar, não sem antes visitar conceitos caros à teoria geral do

direito e do processo, tão renegadas na atual quadra do direito processual civil.10

2 REVISITANDO O CONCEITO DE ÔNUS DA PROVA.

2.1 O ÔNUS COMO UM PODER PROCESSUAL: SITUAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL

NÃO RELACIONAL.

É lugar comum a doutrina buscar conceituar o ônus como uma situação passiva

subjetiva, muito próximo a um dever jurídico (em sentido amplo), mas que não se confundiria

com um dever jurídico em sentido estrito, porque o seu descumprimento não caracterizaria

qualquer ato ilícito, tampouco a imposição de alguma sanção jurídica, muito na esteira do que

defendia Carnelutti.11

Isso é tão verdade, que em recente obra, Vitor de Paula Ramos, assim conceitua ônus:

Ônus, em resumo, pode ser definido da seguinte forma: (a) é uma situação passiva

subjetiva, com estado de sujeição ‘brando’; (b) atribuído por regra jurídica imperativa;

(c) que descreve comportamento (positivo ou negativo) ‘apreciado’ pelo Direito, mas

não categoricamente exigido; (d) que dá ao sujeito onerado a possibilidade de escolha

entre opções igualmente lícitas, fazendo com que a não adoção do comportamento

‘desejado’ não seja, portanto, ilícita; (e) que não permite que o Direito utilize sua força,

seja mediante técnicas coercitivas, seja mediante técnicas subrogatórias, para forçar o

sujeito a adotar o comportamento ‘desejado’, já que (f) a consequência jurídica para a

adoção ou não adoção do comportamento está prevista na própria regra.12

Não parece, contudo, que esse seja o melhor conceito para ônus, muito porque parte de

uma ideia de que o ônus estaria ligado a uma relação jurídica, onde o onerado ocuparia o polo

passivo desta relação, sujeitando-se, ainda que de forma “branda”, a um suposto direito da outra

parte da relação (parte ativa). Talvez por isso, parcela da doutrina processual hodiernamente

vem defendendo a ideia de deveres probatórios, o que merece uma maior reflexão e extrapolaria

os limites deste trabalho.13

10 Analisando criticamente o abandono da teoria geral do processo como um excerto da teoria geral do processo,

DIDIER JR, Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 2ª ed. rev., atual. e ampl. Salvador:

Juspodivm, 2013. 11 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2015, p. 202. 12 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus e deveres probatórios das partes no novo CPC brasileiro. In: DIDIER JR, Fredie

(Coord.); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (Org.) Novo CPC doutrina

selecionada, v. 3: provas. 2ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 265. 13 Sobre os deveres probatórios, notadamente o dever de exibir documento, consultar: ATAÍDE JR, Jaldemiro

Rodrigues; SILVA, Juliana Coelho Tavares. Exibição de documentos: ônus ou dever da parte? In: DIDIER JR,

7

Marinoni e Arenhart perceberam, ao contrário do que tradicionalmente se propaga, que

o ônus não é uma situação jurídica passiva, mas sim um poder da parte de agir segundo os seus

próprios interesses, nada obstante a existência de uma norma pré-determinada, cuja

inobservância poderá trazer prejuízos à parte onerada.14

Mas no que consistiria esse poder da parte? Como conceituá-lo? Seria ele decorrente de

uma relação jurídica? Se sim, em que polo da relação jurídica figuraria o onerado? As respostas

a estas perguntas podem clarear ainda mais a noção de ônus e auxiliar na compreensão do

conceito de ônus da prova (contraprova).

Antes do mais, é bom que fique claro que o sentido de poder processual não é unívoco.

Há quem o entenda como correlato da sujeição, como uma situação jurídica relacional,

conforme tradicional doutrina de Carnelutti.15 Não será esse, contudo, o caminho que será

perfilhado nas linhas que se seguem.

Os poderes processuais, dentro dos limites deste trabalho, são situações jurídicas ativas

– sobre isso não há grande debate acadêmico. São posições de vantagem surgidas em

decorrência de algum fato processual, atribuídas a determinados sujeitos. Eles se explicam

independentemente da sua referência a outro sujeito, isso porque a relacionalidade é irrelevante

para caracterizá-lo.16

Seriam, pois, situações jurídicas processuais não relacionais, porque diversas da relação

jurídica, em razão da ausência de uma correlata situação de sujeição. Os poderes processuais

são, nesta ótica, situações jurídicas complexas unilaterais, que na lição de Marcos Bernardes de

Mello, assim podem ser definidas:

Há, porém, situações jurídicas em que, embora tenham na intersubjetividade

pressuposto necessário de existência, sua eficácia se limita, exclusivamente, a uma

esfera jurídica, donde não poder, por esse motivo, materializar ainda uma relação

jurídica.17

O exemplo característico dos poderes processuais está no ônus, este visto como

imperativo do próprio interesse. É de se notar, entretanto, que em se tratando de ônus, outra

Fredie (Coord.); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (Org.) Novo CPC doutrina

selecionada, v. 3: provas. 2ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 265. 14 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2015, p. 203. 15 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil, I. Trad. Hiltomar Martins Oliveira, São Paulo:

Classic Book, 2000, p. 116. 16 DIDIER JR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador:

Juspodivm, 2011, p. 123-124. 17 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia 1ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

163.

8

norma comina, caso não haja efetivo exercício do poder processual, uma consequência jurídica

negativa para o titular do ônus, característica que o difere dos demais poderes processuais.18

Não há, no ônus, uma situação de sujeição correlata, a sua satisfação é do interesse do

próprio onerado e não da parte contrária (senão seria uma relação jurídica).19 Sobre a distinção

entre ônus e dever (como relação jurídica), têm-se os sempre lúcidos ensinamentos de Pontes

de Miranda:

4) DEVER E ÔNUS – a) A diferença entre dever e ônus está em que (a) o dever é em

relação a alguém, ainda que seja a sociedade; há relação jurídica entre dois sujeitos, um

dos quais é o que deve: a satisfação é do interesse do sujeito ativo; ao passo que (b) o

ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos: satisfazer é do interesse do

próprio onerado. Não há sujeição do onerado; ele escolhe entre satisfazer, ou não ter a

tutela do próprio interesse.20

Ressalte-se, que o ônus não se caracteriza por aquilo que o titular da relação jurídica

sofre, mas como o que lhe é permitido fazer. É neste sentido que se fala de ônus da prova, vale

dizer, como uma posição ativa do sujeito.21 O ônus da prova não é, portanto, “uma situação

passiva subjetiva, com estado de sujeição brando”, mas sim um poder processual que será

exercido no interesse do onerado, daí se dizer que o ônus é em relação a si mesmo, não havendo

relação entre sujeitos.

Fincadas as premissas do que é “ônus” para a presente investigação, incumbe analisar

no que consiste o ônus da prova, como também, e principalmente, fixar as premissas do que é

conhecido como ônus da contraprova, objetivando aplicá-lo à tutela da evidência prevista no

inciso IV, do art. 311, do CPC-2015, dando os contornos, ainda que iniciais, a essa tutela da

evidência documentada.

2.2 O ÔNUS DA PROVA E O ÔNUS DA CONTRAPROVA: SIMILITUDES E

DIFERENÇAS.

Partindo-se do que foi analisado no tópico anterior, tomaremos o ônus como uma

situação jurídica processual não relacional, exercitável no próprio interesse do onerado, sem

18 DIDIER JR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador:

Juspodivm, 2011, p. 126-127. 19 Idem. ibidem. p. 125-126. 20 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código de processo civil, tomo IV. Rio de Janeiro:

Forense, 1979, p. 322. 21 DIDIER JR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador:

Juspodivm, 2011, p. 127.

9

qualquer correlata situação de sujeição. É, portanto, um poder processual que, caso não seja

exercido, outra norma comina uma consequência jurídica desfavorável ao titular do ônus.

Dito de outro modo, as regras referentes ao ônus da prova, notadamente aquela prevista

no art. 373, do CPC-2015, satisfazem um interesse das próprias partes, evitando que fiquem

sujeitas a um resultado desfavorável em razão de sua inação.22 Não se trata de um dever

probatório, como já se deixou assentado, mas de um ônus que é exercitável no interesse do

onerado, que não se encontra em relação de sujeição à outra parte.

Preceitua o referido art. 373 do CPC-2015, que o ônus da prova incumbe ao autor quanto

ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo

ou extintivo do direito do autor. É de se perguntar: essa regra tem como destinatário o juiz ou

as partes?

A doutrina, de há muito, responde a essa pergunta dividindo a regra do ônus da prova

em duas, a saber: (a) ônus subjetivo da prova; e (b) ônus objetivo da prova.23 Mais recentemente

passou-se a dar muito mais importância ao denominado “ônus objetivo da prova”, como regra

de julgamento, tendo como destinatário o juiz em estado de dúvida, logo, depois de já ter

passado pela fase da convicção.

Entretanto, essa maior relevância atribuída ao ônus objetivo da prova não retira a

importância de as partes saberem, de forma prévia, a quem incumbe o ônus da prova. Mesmo

que a omissão da parte não resulte, necessariamente, em seu prejuízo, não se pode negar que a

parte tem o direito de ter ciência prévia “daquilo que lhe cabe fazer para estar em posição de

receber um julgamento favorável”24, ainda que no processo possam existir outras provas por

ela não produzidas.

O ônus subjetivo da prova, que tem como destinatário as partes responde à pergunta:

quem tem interesse em provar o que no processo? O ônus da prova, nesta perspectiva, indica

que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável. Diz-se

risco porque a produção da prova não é um comportamento necessário para o julgamento

22 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 259. 23 No sentido do texto consultar, ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 9ª ed. v. 2. São Paulo: RT,

2005, p. 407-416. Em sentido contrário, AMENDOEIRA JR., Sidnei. Manual de direito processual civil. 2ª ed. v.

1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 516. 24 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 260.

10

favorável, sendo perfeitamente possível a parte que não se desincumbiu do ônus da prova se

sagrar vencedora da demanda.

A produção da prova aumenta as chances de um resultado favorável, não o impõe. A

parte que se desincumbiu do ônus da prova não necessariamente se sagrará vencedora da

demanda, mas terá aumentada a sua chance de êxito, porque estará mais próxima de convencer

o juiz acerca das suas alegações. Por outro lado, mesmo detendo o ônus da prova e dele não se

desincumbindo, a parte pode ter seus interesses tutelados, porque a sentença pode ser

fundamentada em outras provas constantes dos autos, produzidas de ofício pelo magistrado e

até mesmo pela parte contrária.25

Conhecedoras das regras do jogo processual, as partes poderão exercer seus poderes

processuais para maximizar os seus interesses26. Sabendo de antemão a quem incumbe o ônus

da prova, poderão agir para aumentar as chances de êxito na demanda, como também poderão

sopesar as consequências de eventual inação na formação do convencimento do juiz.

Não parece correto, por essa razão, que a importância do ônus da prova fique segregada

ao ônus objetivo da prova, como regra de decisão, no estado de dúvida do magistrado quando

do julgamento da causa. O agir estratégico no processo, no intuito de maximizar os interesses

das partes, notadamente naquilo que diz respeito ao ônus da prova, deve ser analisado com mais

cuidado, o que esbarra nos limites desse trabalho.27

Mais que isso! Limitar o ônus da prova a uma regra de decisão não leva em consideração

que para a formação do estado de dúvida, o magistrado já deveria ter passado pela fase do

convencimento, que sempre deve levar em consideração não só a natureza dos fatos em

discussão e a quem incumbe prová-los, mas também a natureza do caso concreto submetido

para julgamento.28

Parece intuitivo que há situações de direito substancial que dependem de que o

convencimento judicial se forme a partir da verossimilhança do direito sustentado pela parte,

ou seja, a partir de um juízo de normalidade. Nesses casos a ausência de prova não leva o juiz

a um estado de dúvida, que seria dissipada pela aplicação do ônus da prova como regra de

25 É o que se denomina princípio da comunhão da prova ou da aquisição da prova. Neste sentido, PINHO,

Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 219. 26 ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2014. 27 Para um maior aprofundamento da teoria dos jogos aplicada ao processo, consultar: ROSA, Alexandre Morais

da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. 28 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 261.

11

decisão, julgando-se improcedente o pedido em razão da não produção de prova pela parte

interessada. O juiz, nessa análise, não finaliza a fase de convencimento em estado de dúvida,

pois se convencer que a verossimilhança é o bastante não se confunde com dúvida.29

Percebe-se que, ao se admitir que a técnica da verossimilhança tenha a ver com a

formação do convencimento judicial, fica fácil explicar porque o juiz, ao considerar o

direito material em litígio, não deve se preocupar com a prova de determinados fatos,

considerados de impossível esclarecimento. Se o juiz, para decidir, deve passar por um

contexto de descoberta, é necessário que ele saiba não apenas o objeto que deve

descobrir, mas também se esse objeto pode ser totalmente descoberto. Apenas nesse

sentido é que o convencimento, considerado como expressão do juiz, pode ser

compreendido.30

Tomando-se o problema nesta perspectiva, mais ainda se destaca a necessidade de

emprestar maior relevância ao ônus subjetivo da prova, visto como uma advertência à parte do

risco da não produção da prova, ainda que não necessariamente saia prejudicada por não ter se

desincumbido do seu ônus. Nem mesmo o princípio da aquisição da prova (comunhão) ou a

possibilidade de o juiz produzir prova de ofício, com todas as ressalvas acerca desse poder31,

retiram a importância desse alerta à parte onerada.

Delineado o conceito de ônus da prova, incumbe, ainda, investigar o que seria o ônus

da contraprova para, somente depois, passar a analisar a sua aplicação à tutela da evidência

documentada prevista no inciso IV, do art. 311, do CPC-2015. Como salientado alhures, a

doutrina pouco se preocupa com o ônus da contraprova, sendo bastante tormentosa a sua

conceituação ou eventual distinção com o ônus da prova.

Para uma correta compreensão do que é o ônus da contraprova, tem-se que diferenciá-

lo do ônus da prova que incumbe ao réu no processo, inclusive diante de outro ônus, o da

impugnação especificada dos fatos. É correto dizer, que em sede de defesa, o réu pode aduzir

tanto defesas processuais, quanto defesas de mérito. Estas últimas divididas em: (a) defesas

indiretas de mérito; e (b) defesas diretas de mérito.

As defesas indiretas de mérito consistem na arguição de fatos novos, modificativos,

extintivos ou impeditivos do direito do autor – sem que haja, necessariamente, contestação

sobre o fato constitutivo -, sobre os quais o réu tem o ônus da prova, apto a aumentar suas

chances de vitória no processo, conforme preceitua o art. 373, do CPC-2015. Já no que diz

29 Idem. ibidem. p. 261. 30 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2015, p. 196. 31 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias. In: Revista

Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 23, n. 90, abr./jun. 2015.

12

respeito às defesas diretas de mérito, também denominadas de “negativas”, o réu não detém

qualquer ônus da prova, porque a ele incumbe, apenas, a negativa especificada dos fatos

articulados pelo autor em sua inicial.

Ocorre, que se o réu se limitar a negar, ainda que especificadamente, os fatos

constitutivos do direito do autor e ao mesmo tempo o autor produzir prova apta a influir na

formação do convencimento do juiz, as chances de o réu sair derrotado no processo aumentam

consideravelmente. É dessa constatação e da própria lógica do sistema processual que decorre

o poder que o réu tem de, quando contestar o fato constitutivo do direito do autor, requerer

prova em relação a ele (fato constitutivo).

Repare que o ônus (como um poder processual) da contraprova não diz respeito aos

fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor (defesa indireta de mérito),

mas sim ao próprio fato constitutivo do direito (defesa direta de mérito), quanto estes fatos

forem impugnados na peça de defesa. É de se notar, que a contraprova não objetiva,

exclusivamente, invalidar formalmente a prova do fato constitutivo, como normalmente ela é

pensada. Diz ela respeito ao próprio fato constitutivo, e não apenas à sua prova.32

Percebe-se que a distinção entre a prova dos fatos modificativos, impeditivos e

extintivos e a contraprova não recai sobre a prova propriamente dita, mas sim sobre o fato que

a prova objetiva demonstrar. Isso é tão verdade, que quando réu não contesta o fato constitutivo

do direito do autor, mas afirma um fato apto a impedir que o fato constitutivo produza efeitos,

ou fatos que desemboquem na extinção ou modificação do direito, não há o que se falar em

contraprova, isso porque não houve sequer contestação ao fato constitutivo.33

Bem pensadas as coisas, só há razão para se falar de contraprova quando o autor

produziu alguma prova do fato constitutivo, ou, ao menos, quando exista algum argumento de

prova capaz de evidenciar a sua existência. Mesmo que na contestação o réu só saiba que o

autor requereu determinada prova, tem ele o poder de requerer a contraprova do fato

constitutivo, ainda que a prova requerida pelo autor sequer tenha sido, neste instante processual,

admitida.34

32 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2015, p. 207. 33 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 262. 34 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2015, p. 208.

13

Não há se confundir, portanto, o ônus da prova previsto no art. 373, do CPC-2015, com

o ônus da contraprova. Quanto aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do

autor, tem o réu ônus de prova; quanto ao fato constitutivo do direito do autor, não. Mas tem o

réu o poder processual de requerer a produção de contraprova sobre o fato constitutivo, apta a

aumentar suas possibilidades de vitória no processo, mesmo que ainda não haja sido deferida a

prova requerida pelo autor.

A contraprova recai sobre o fato constitutivo do direito do autor, e não apenas sobre a

prova por ele produzida. Embora o réu não tenha ônus de prova no que diz respeito ao fato

constitutivo do direito do autor, até porque não o alegou, tem que perceber que apenas negar o

fato constitutivo, ainda que especificadamente, no jogo processual pode ter um custo, o de não

convencer o juiz sobre a inexistência daquele fato, o que deve ser sopesado.

Nesta toada, resta ainda mais evidente que o “ônus” não se equipara a um dever, ainda

que em sentido amplo, tampouco que ele seria exercido em estado de sujeição e não no interesse

do próprio onerado. Seria um contrassenso afirmar que o réu se sujeita a produzir contraprova

do direito do autor, longe disso. O ônus da contraprova, como aqui defendido, é exercido no

interesse do réu, que já sabe de antemão que quando contestar o fato constitutivo do direito do

autor tem o poder de requer prova sobre esse fato, ainda que em sentido contrário, apta a influir

na formação do convencimento do juiz.

O ônus da prova do fato constitutivo do direito do autor a ele incumbe, o que não retira

do réu o ônus da contraprova, com o objetivo de convencer o juiz de que o fato constitutivo não

ocorreu da forma como afirmada. Uma tal constatação aumenta, sobremodo, a possibilidade de

vitória do réu, que não se limitará a negar os fatos constitutivos e ficar a mercê de que o autor,

o juiz de ofício ou até mesmo terceiros produzam a prova apta a retirar o juiz do estado de

dúvida, única forma de se utilizar o ônus da prova como regra de decisão.

Com efeito, a contraprova apta a incutir no juiz um estado de dúvida razoável foi

atribuída ao réu para evitar a concessão da tutela da evidência prevista no art. 311, IV, do CPC-

2015, ainda que com algumas limitações probatórias. É sobre esse ônus da contraprova, seus

limites e alcances para a concessão da tutela provisória da evidência, que cuidará a parte final

deste trabalho.

3 A TUTELA DA EVIDÊNCIA E O ÔNUS DA CONTRAPROVA: PROVISORIEDADE

INERENTE À COGNIÇÃO SUMÁRIA.

14

Já foi objeto do presente trabalho uma sucinta distinção entre as tutelas provisórias de

urgência e da evidência. Foi afirmado, para dar consistência ao sistema das tutelas provisórias,

que as duas espécies tem um ponto de contato, qual seja, ambas são provisórias, porque

concedidas em cognição sumária e podem, ao final do processo, não ser confirmadas, logo, não

se tornariam definitivas.

Com essas afirmações não se está negando nem a temporalidade da tutela cautelar,

tampouco a sua referibilidade ao direito em perigo, mas tão somente dando ênfase ao plano de

cognição que o CPC-2015 prevê para a concessão das tutelas provisórias. São elas concedidas

em cognição sumária, provisórias, portanto.

A tutela da evidência prevista no art. 311, do CPC-2015 assim deve ser enfrentada, como

uma antecipação dos efeitos da tutela pretendida ao final do processo, numa decisão de caráter

provisório, que pode ou não ser confirmada ao final. A provisoriedade é a principal

característica deste tipo de tutela da evidência, fundada na probabilidade máxima do direito

afirmado, o que dispensa, inclusive, a urgência para a sua concessão.35

Essas ressalvas se mostram importantes porque parte da doutrina vem afirmando que a

tutela da evidência prevista no inciso IV, do art. 311 do CPC-2015, acaso concedida, confunde-

se com um julgamento antecipado de mérito (CPC-2015 art. 355, I), logo, seria ela uma tutela

definitiva (em cognição exauriente) e não provisória (cognição sumária).36

Para um melhor entendimento dessa parcela da doutrina, alguns esclarecimentos se

fazem necessários. Essa corrente defende que para a aplicação da tutela da evidência prevista

no inciso IV, do art. 311 do CPC-2015, dependem três requisitos: (a) que a evidência seja

demonstrada pelo autor e não seja abalada pelo réu mediante prova exclusivamente documental;

(b) que o autor traga prova documental ou documentada suficiente dos fatos constitutivos do

seu direito; e (c) ausência de contraprova documental suficiente do réu, que seja apta a gerar

35 Isso não significa afirmar que no caso concreto a urgência não possa se fazer presente, mas apenas que ela não

é necessária para a concessão da tutela da evidência. Pode o autor demonstrar que além da probabilidade do seu

direito, existe, no caso concreto, urgência, o que deve ser considerado pelo magistrado para a concessão da medida.

Neste sentido: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado [livro eletrônico]: com

remissões e notas comparativas ao CPC/73. São Paulo: RT, 2015. 36 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de direito processual civil.

10ª ed. v. 2, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 629. Em sentido contrário, defendendo que não há a referida confusão:

THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual civil. 56ª. rev. atual. e ampl. v. 1. Rio de Janeiro: Forense,

2015.

15

dúvida razoável em torno do fato constitutivo do direito do autor ou do seu próprio direito

(defesa indireta de mérito).37

Ausente a contraprova documental suficiente e não dispondo o réu de nenhum outro

meio de prova igualmente suficiente, já seria, na visão dos referidos autores, caso de julgamento

antecipado do mérito por desnecessidade de produção de outras provas (CPC-2015 art. 355, I).

Por outro lado, se a contraprova documental for insuficiente, mas o réu requerer a produção de

outros meios de prova, não estaria autorizada a concessão da tutela provisória da evidência, que

pressupõe que se trate de causa em que a prova de ambas as partes seja exclusivamente

documental.38

Não parece, contudo, que esse entendimento seja o melhor. Muito embora o inciso IV,

do art. 311, do CPC-201539, realmente exija para a concessão da tutela da evidência que a

petição inicial esteja instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do

direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável, não há o que se

falar de confusão deste instituto com o do julgamento antecipado do mérito.

O que pretende o referido inciso é a concessão de uma tutela da evidência (tutela

antecipada) em razão de o réu não ter se desincumbido do ônus da contraprova, e com isso ter

aumentado as chances de sua derrota ao final do processo. A análise anteriormente realizada

sobre o ônus da contraprova pode clarear essa afirmação, mesmo porque a contraprova tem

como objeto o fato constitutivo do direito do autor e não a prova de eventual fato modificativo,

extintivo ou impeditivo daquele direito.

Explicando melhor. Em tendo o autor produzido prova documental (ou documentada)

suficiente do fato constitutivo do seu direito, ele (o direito) já se mostra provável. Caso o réu,

na sua defesa, não produza prova (pré-constituída, documental ou documentada) apta a infirmar

a evidência (do direito) criada pela prova documental juntada pelo autor com a inicial,

autorizada estará a concessão da tutela provisória da evidência (tutela antecipada).

37 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de direito processual civil.

10ª ed. v. 2, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 629. 38 Idem. ibidem. p. 629. 39 Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de

risco ao resultado útil do processo, quando:

[...]

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a

que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

16

Daí a se afirmar que essa espécie de tutela da evidência confunde-se, sempre que

concedida, com um julgamento antecipado de mérito, não se mostra a melhor interpretação.

Para se chegar a essa confusão duas premissas teriam que ser aceitas: (a) que essa tutela da

evidência pressupõe que as provas de ambas as partes ao longo de todo o processo sejam

exclusivamente documentais (ou documentadas); (b) que o requerimento de produção de outros

meios de prova, que não documentais, impedem a concessão da tutela da evidência.

Essa interpretação, entretanto, não parece encontrar amparo no texto do inciso IV, do

art. 311, do CPC-2015.40 Não se mostra correta, data venia, a afirmação de que para a concessão

deste tipo de tutela da evidência todas as provas aptas a formação do convencimento do juiz

tenham que ser documentais (ou documentadas), tal qual o procedimento do mandado de

segurança41, tampouco que o requerimento de produção de outros meios de prova sejam

suficientes para impedir a concessão da tutela da evidência.

Isso não quer dizer, contudo, que se o réu não se desincumbir do ônus da contraprova

(seja com provas pré-constituídas ou com o requerimento de produção de outros meios de

prova), não esteja autorizado o julgamento antecipado do mérito. Mas esse julgamento

antecipado não se confunde com a tutela da evidência prevista no inciso IV, do art. 311, do

CPC-2015, e se dará em razão da desnecessidade de produção de prova nova, conforme

preceitua o art. 355, I, do CPC-201542.

Na verdade, a tutela da evidência referida deve ser concedida justamente quando o réu

não oponha contraprova documental suficiente para incutir dúvida razoável no juiz, mas

requeira a produção de outros meios de prova aptos a infirmar a existência do fato constitutivo

do direito do autor. Como o autor produziu prova documental desde logo, o seu direito se mostra

mais provável naquele instante processual (cognição sumária), o que não quer dizer que com a

produção da prova requerida pelo réu (ônus da contraprova) ou em eventual prova determinada

40 Não se desconhece a distinção entre texto e norma, sendo esta produto da interpretação. Entretanto, texto e

norma não são cindidos, não se podendo atribuir qualquer sentido ao texto. Sobre os limites da atribuição de sentido

com ênfase na pré-compreensão, consultar: Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica

filosófica; tradução de Flávio Paulo Meurer; revisão de tradução de Enio Paulo Giachini. 14ª ed. Petrópolis: Vozes.

Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2014. 41 Defendendo que a hipótese cuida de uma tutela da evidência fundada em direito líquido e certo, equivalente

àquela do mandado de segurança, CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. rev. e

ampl. São Paulo: Atlas, 2016, p. 191. 42 Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:

I - não houver necessidade de produção de outras provas;

17

de ofício pelo magistrado (frente aos argumentos lançados pelo réu na sua peça de defesa), ao

final, em cognição exauriente, o pedido não possa ser julgado improcedente.43

Do texto do inciso IV, do art. 311, do CPC-2015 não se extrai qualquer limitação ao

ônus da contraprova. Pode o réu exercê-lo, enquanto poder processual, em atenção aos seus

próprios interesses, requerendo a produção de qualquer meio de prova em direito permitido,

mas já sabe, de antemão, que se não produzir contraprova documental ao fato constitutivo do

direito do autor que tenha sido provado documentalmente, poderá ver a tutela ser concedida de

forma antecipada, dentro dos limites das tutelas provisórias e não, ainda, de forma definitiva.

Por outro lado, o referido dispositivo não cuida exclusivamente de hipótese onde o réu

não oponha defesa direta de mérito (quando o fato constitutivo do direito do autor restar

comprovado documentalmente), mas apenas defesa indireta sem oferecer prova documental

suficiente para gerar dúvida razoável, protestando pela produção de outros meios de prova,

como parcela da doutrina parece entender.44

Como defendido ao longo de toda essa investigação, não há que se confundir o ônus da

prova com o ônus da contraprova. O dispositivo em análise preceitua a tutela da evidência tendo

como pressuposto, entre outros, o não exercício do ônus da contraprova, que tem como objeto,

insista-se, o fato constitutivo do direito do autor e não a alegação de fatos novos como matéria

de defesa (modificativos, extintivos ou impeditivos daquele direito).

Em o réu não impugnando o fato constitutivo do direito do autor, mas alegando outros

modificativos, extintivos ou impeditivos, a ele incumbe o ônus da prova desses fatos novos (por

ele alegados) e não a contraprova do fato que sequer foi impugnado. O que não significa, a bem

da verdade, que a tão só ausência de defesa direta de mérito autoriza a concessão da tutela da

evidência. Caso a defesa indireta de mérito reste comprovada (ônus da prova), muito

provavelmente o pedido, ao final, será julgado improcedente, não havendo espaço para a

incidência do inc. IV do art. 311 do CPC-2015.45

Resumindo, a concessão da tutela da evidência prevista no art. 311, IV, do CPC-2015

não deve ser confundida com o julgamento antecipado do mérito (CPC-2015, art. 355, I), pelos

seguintes motivos: (a) a sua concessão pressupõe probabilidade do direito afirmado e provado

43 Em sentido contrário ao texto, BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente

estrutura à luz do novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2015. 44 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 202. 45 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado [livro eletrônico]: com remissões e

notas comparativas ao CPC/73. São Paulo: RT, 2015, p. 310.

18

documentalmente pelo autor já na inicial (cognição sumária); (b) que o réu não tenha se

desincumbido, de logo, do ônus da contraprova (produzindo prova pré-constituída juntamente

com a defesa), apto a incutir no julgador dúvida razoável; e (c) que a despeito da não produção

de contraprova ao fato constitutivo do direito do autor (que tenha sido provado

documentalmente), o réu, no exercício do ônus da contraprova, tenha requerido a produção de

outros meios de prova na fase instrutória do processo.

O julgamento antecipado do mérito pressupõe desnecessidade de produção de prova

nova, ao contrário da tutela da evidência em análise, que tem como pressuposto, justamente, a

necessidade de produção de outros meios de prova na fase instrutória do processo, transferindo-

se as consequências nefastas da demora processual à parte que não se desincumbiu, ainda no

início do procedimento, do ônus da contraprova (ou da prova, em se tratando de defesa indireta

de mérito), mas requereu, no exercício legítimo do seu poder processual, a produção de outros

meios de prova.

Destarte, a correta compreensão do ônus da contraprova, e a sua aplicação à tutela da

evidência, facilitam, sobremodo, na interpretação do alcance da norma inserta no art. 311, IV,

do CPC-2015. Não há se baralhar institutos. Tem o réu o ônus, enquanto poder processual, de

produzir a contraprova (de início ou na fase instrutória), mas já sabendo que se dele não se

desincumbir com provas pré-constituídas (documental ou documentada), terá contra si a

demora processual, porquanto se antecipe a tutela pretendida em favor do autor, só que em

cognição sumária (tutela provisória).

CONCLUSÃO

Na alvorada de um novo Código de Processo Civil, vários conceitos jurídicos já

consolidados e, talvez por isso, esquecidos, devem ser revisitados para a correta compreensão

dos institutos previstos na nova legislação, ainda que eles não sejam de todos inéditos. É olhar

o novo com olhos renovados. Foi o que buscou o presente trabalho: revisitar conceitos jurídicos

já tradicionais na cultura jurídica brasileira, dedicando-lhes uma atenção necessária em tempos

de novidade legislativa e necessária dedicação acadêmica.

As tutelas da evidência não cuidam propriamente de uma novidade na tradição jurídica

brasileira, mas merecem atenção acadêmica diante da importância que lhes foi dada no novo

diploma processual, notadamente naquelas hipóteses que não eram previstas expressamente na

19

legislação revogado. É o caso da tutela da evidência prevista no art. 311, inciso IV, do CPC-

2015, que trouxe de volta a discussão acerca do ônus da contraprova e a sua importância na

formação do convencimento judicial.

Embora muito se tenha escrito sobre o ônus da prova, o ônus da contraprova, ao que

parece, não mereceu igual atenção da doutrina especializada, daí a imperiosa necessidade de

analisá-lo no presente trabalho, mesmo porque sua correta compreensão é imprescindível para

a aplicação da norma inserta no referido inciso IV, do art. 311, do CPC-2015. Para tanto,

revisitou-se o conceito de ônus da prova, dando ênfase na noção de ônus como um poder

processual, afastando-o do dever processual, por não possuir qualquer correlata relação de

sujeição.

Perceber o ônus da prova como um poder processual, identificando-o como uma

situação jurídica processual não relacional, ao que parece, limita a interpretação que pode ser

dada ao referido dispositivo do novo código, não havendo como confundir essa tutela da

evidência com o julgamento antecipado do mérito, até porque não se extrai do texto do inciso

IV, do art. 311, do CPC-2015, qualquer limitação no exercício do ônus da contraprova pelo réu,

tampouco limitações procedimentais necessárias a essa conclusão.

A contraprova tem como objeto o fato constitutivo do direito do autor e não os fatos

modificativos, extintivos ou impeditivos daquele direito. Em o réu detendo o ônus de produzir

contraprova ao fato constitutivo, poderá exercê-lo por qualquer meio de prova admitida em

direito, não apenas com eventual contraprova documental ou documentada. Entretanto, em

atenção à tutela da evidência prevista no referido texto normativo, se o autor tiver provado

documentalmente o fato constitutivo do seu direito e o réu a ele não opuser contraprova

documental apta a gerar dúvida razoável no juiz, autorizada estará a concessão da tutela

provisória da evidência, que poderá ou não ser confirmada ao final do processo, não havendo

sobreposição dessa tutela com o julgamento antecipado do mérito, que pressupõe cognição

exauriente.

Longe de se buscar um ponto final, o presente artigo intencionou fomentar o debate,

lançando um olhar renovado ao ônus da contraprova e sua aplicação para a tutela provisória da

evidência. É tempo do novo, enfrentemo-lo com olhares renovados e desarmados.

REFERÊNCIAS

20

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 9ª ed. v. 2. São Paulo: RT, 2005, p. 407-

416.

AMENDOEIRA JR., Sidnei. Manual de direito processual civil. 2ª ed. v. 1. São Paulo:

Saraiva, 2012.

ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues; SILVA, Juliana Coelho Tavares. Exibição de documentos:

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