O PAPEL DO PROFESSOR NA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL...
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O PAPEL DO PROFESSOR NA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NAS ESCOLAS DE
EDUCAÇÃO INFANTIL
Mariana Natal PRIETO, Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp, Marília, SP.Elieuza Aparecida de LIMA, Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp, Marília, SP.
Cristiane Regina Xavier FONSECA-JANES, Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp,Marília, SP.
Eixo 04: Formação de Professores da Educação [email protected]
1. Introdução
Este texto apresenta caminhos percorridos em proposta de pesquisa de mestrado
em desenvolvimento cujo objeto de estudo é a organização temporal em Escolas de
Educação Infantil e suas implicações para a formação da humanidade nas crianças. O
desejo por este tema de pesquisa surgiu a partir da leitura do livro “O tempo no Cotidiano
Infantil: perspectivas e Estudos de Caso” organizado por Anna Bondioli, por meio do qual
nos apropriamos de detalhamento de investigações realizadas por um grupo de italianos
que, após um seminário sobre os tempos infantis, decidiu avaliar de que forma esse
tempo estava sendo distribuído em escolas dedicadas à primeira infância. Tais
apropriações nos impulsionaram a repensar a realidade de Escolas de Educação Infantil
(E.E.I.) brasileiras, em especial as que atendem crianças de até três anos de idade.
No cotidiano infantil, para Bondioli (2004), existe uma pedagogia “latente”, uma
pedagogia implícita que ensina muito às crianças e contribui para o seu desenvolvimento,
a qual se expressa na organização do tempo. Contudo, devido às relações estabelecidas
durante o período em que estão na escola, as vivências infantis podem ser positivas ou
negativas ao seu desenvolvimento infantil.
Tal afirmação demonstra que o modo como se organizam o tempo, os espaços e
as ações educativas propostas, além do papel assumido por adultos e crianças e o tipo
de direção dada às propostas desenvolvidas nesse período, constitui-se como elementos
que farão da rotina na E.E.I. positivo e motivador de aprendizagens que promovam o
desenvolvimento pleno da personalidade das crianças desde pequenininhas.
Para pensar a organização do tempo em Escolas de Educação Infantil faz-se
necessário refletir sobre questões essenciais para que essa organização aconteça de
forma consciente e intencional. Dentre essas questões, os conceitos de criança e de
desenvolvimento infantil aparecem como base para as práticas educativas dentro da
instituição. Junto a essas questões o papel do professor como organizador do tempo e do
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espaço é fundamental para o êxito das propostas educativas dirigidas às atividades, das
quais decorrem aprendizagem e desenvolvimento infantis em EEIs.
Dessa forma surge a problemática da pesquisa ora apresentada: de que maneira
a organização do tempo em Escolas de Educação Infantil pode contemplar o tempo da
instituição e o tempo da criança, de forma a promover aprendizagens e o
desenvolvimento infantil? A fim de responder a esse problema de pesquisa lançamos
como objetivo: compreender aspectos indicativos da organização do tempo em Escolas
de Educação Infantil municipais de Avaré (SP), focando os impactos dessa organização
para o processo de humanização na infância.
2. Fundamentação Teórica
Esta proposta de pesquisa tem por base os conceitos trazidos pela Teoria
Histórico-Cultural e seus representantes e estudiosos. Nessa perspectiva, o
desenvolvimento humano é histórico e social e se dá por meio das relações que o sujeito
estabelece, desde o nascimento, com os outros e com o meio a seu redor, conforme
afirma Leontiev (1978, p. 261): “O homem é um ser de natureza social, tudo o que tem de
humano nele provém de sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela
humanidade.”
No decorrer de sua vida, o sujeito vai adquirindo as capacidades que o farão
homem. Sobre essa assertiva, Leontiev (1978, p. 267) afirma que “o homem aprende a
ser homem” na medida em que se apropria de elementos da cultura produzida pelas
gerações anteriores e estabelece relações com o outro.
As gerações humanas morrem e sucedem-se, mas aquilo que criarampassa às gerações seguintes que multiplicam e aperfeiçoam pelotrabalho e pela luta as riquezas que lhes foram transmitidas e ‘passam otestemunho’ do desenvolvimento da humanidade (LEONTIEV, 1978, p.267 – grifos do autor).
Com base nessa citação depreendemos que, ao apropriar-se de elementos
culturais, o sujeito aprende e se desenvolve e nesse processo se humaniza. Para os
representantes da Teoria Histórico-Cultural, a educação é o pilar central dessa
construção, pois o desenvolvimento se dará a partir do momento que houver
aprendizagens (VIGOTSKI, 2010; VIGOTSKII, 2014).
Fundamentados na premissa de que o desenvolvimento cultural do homem se dá
por meio de aprendizagens decorrentes da atividade humana, é necessário oferecer a
criança um ambiente rico em relações e atividades motivadoras para que seu
desenvolvimento seja impulsionado e se dê da maneira mais plena possível. Afinal, como
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já comentamos, esse ambiente traz estímulos implícitos, para os quais, muitas vezes,
não damos valor. Isso significa, pois, que tudo o que está ao redor da criança, pessoas,
objetos, relações, tudo a afeta os processos de aprendizagem e, consequentemente, de
desenvolvimento na infância.
Atualmente, por inúmeros motivos, muitas crianças permanecem a maior parte do
seu tempo nas Escolas de Educação Infantil. Com isso grande parte dos estímulos e
relações necessárias ao seu desenvolvimento é dada nesses ambientes, por este motivo
é de grande importância discutir acerca da organização temporal nessas instituições.
Amparados nos estudos de Bondioli (2004), destacamos a existência de dois
tempos nas E.E.I.: o tempo institucional que é construído historicamente e determinado
pela sociedade, e o tempo subjetivo que é individual da criança.
Assim sendo, durante a organização do tempo na Escola de Educação Infantil,
não deve se pensar somente no tempo institucional, mas, sobretudo, no tempo individual
das crianças, o seu tempo de desenvolvimento e conhecimento do mundo.
Na organização do tempo, é essencial que haja oportunidade para a criança agir e
se apropriar de capacidades especificamente humanas, com a garantia de que ela viva a
infância como criança que é. Nesse sentido, ao vivenciar o tempo institucional, a criança
deve ter a oportunidade de viver o seu tempo, no seu ritmo, que é único e indispensável
ao seu pleno desenvolvimento.
Pensar em uma organização temporal consciente exige pensar, sobretudo, o
conceito de criança que embasa a prática dentro da E.E.I. Mello (2002) aponta que o
espaço das Escolas de Educação Infantil reflete as concepções dos profissionais que
trabalham nesses ambientes. Observando a maneira como o espaço está posto é
possível saber qual a concepção de criança, de desenvolvimento infantil e de
aprendizagem que embasam o trabalho dentro da instituição, bem como qual a
importância dada à criança.
Ainda nesse texto, Mello (2002) destaca a importância de a E.E.I. respeitar a
história individual da criança e assim criar novos motivos para que ela se aproprie e
desenvolva capacidades tipicamente humanas, continuando a escrever sua história
dentro da instituição. Mello (2002, p. 2) enfatiza “[...] no espaço da creche tem que caber
a criança, sua história e as oportunidades de desenvolvimento tanto no plano físico como
no plano cognitivo.” Respeitando a história individual da criança esse espaço contribui
para a apropriação e o desenvolvimento dessas capacidades.
A fim de que façam escolhas que respeitem as necessidades das crianças e deem
a elas a oportunidade de vivenciar experiencias diversificadas que possam contribuir para
o seu desenvolvimento pleno, é essencial que os professores as enxerguem como
sujeitos de direitos, ativas em seu processo de aprendizagem, capazes de se relacionar
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com o outro e com o mundo a sua volta e de produzir teorias (MELLO, 2002; LIMA, 2005;
SINGULANI, 2009).
Afirmamos anteriormente, com base na Teoria Histórico-Cultural, que a educação
é a mola propulsora do desenvolvimento da inteligência e da personalidade de homens e
mulheres. Com essa defesa, na E.E.I., o professor é o responsável por organizar o tempo
institucional pensando em todos os momentos essenciais para um desenvolvimento
cultural harmônico em qualquer nível da escolaridade, em especial em turmas de
crianças pequenas.
É fundamental que o professor, alicerçado na premissa de que a criança é sujeito
ativo e capaz, planeje, organize e execute situações pedagógicas de forma intencional e
conscientemente, possibilitando condições da realização de uma gestão de tempo que
possa ser promotora de aprendizagens e, consequentemente, de um amplo
desenvolvimento cultural na infância. Fundamentado em conhecimentos sobre como se
dá o desenvolvimento infantil, acercadas atividades principais possíveis de serem
apropriadas e vivenciadas nos primeiros anos de vida, o professor tem possibilidades de
criar situações motivadoras da apropriação de novas necessidades de conhecimento na
criança dentro da E.E.I.
Em consonância com essa proposição, Mello (2006, p.194) destaca:
[...] o papel do educador é especialmente complexo porque ele precisaconhecer as regularidades do desenvolvimento psíquico da criança, adinâmica do ambiente social da criança e, finalmente as possibilidadesde sua atividade pedagógica para usá-las de maneira adequada econduzir a criança a níveis cada vez mais elevados de atividade,consciência e personalidade.
Tendo consciência de que a criança é sujeito capaz e de que ela se relaciona com
o mundo e aprende de modo especial na infância, o professor poderá pensar melhor
sobre a organização e divisão do tempo na creche, do tipo de material oferecido e do tipo
de atividades propostas com esses materiais nesses espaços. Assim, é possível ressaltar
a ideia de que “a função do adulto é de ser leitor das necessidades das crianças e
organizador do contexto para garantir que este responda a necessidades das crianças”
(MELLO, 2002, p. 33).
Tais proposições evidenciam a essencialidade da atitude atenta do professor para
o que acontece e o que favorece as aprendizagens e desenvolvimento na infância, em
todos os momentos da rotina educativa. Essa atenção é necessária para que os
momentos importantes para o desenvolvimento infantil sejam garantidos e efetivados
com qualidade.
Para ampliar essas discussões, outro ponto parece importante: o educador não
está ao lado da criança para realizar as ações por ela, mas para oferecer a ela todas as
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possibilidades de explorar ativamente o mundo que a rodeia, fazendo, assim, as
conexões necessárias para sua aprendizagem positiva e para o seu desenvolvimento: “O
educador não faz pela criança nem para criança, não é controlador, [...] [ou] vigia, mas
mediador de sua experiência no mundo” (MELLO, 2002).
A partir dessa compreensão de organização do tempo e da concepção de criança
e de desenvolvimento, a presença do adulto e as relações que este estabelece com as
crianças são essenciais. A intervenção intencional e consciente do professor em todos os
momentos da Educação Infantil se faz necessária, considerando o diálogo e a escuta
como elementos da prática pedagógica e da própria imagem de criança que a
fundamenta.
Na escola, os tempos gestados para a liberdade de expressão da criança
possibilitam que ela possa experimentar e vivenciar o mundo a sua volta. Isso significa a
proposição de situações, tempos, espaços e materiais provocadores de atividades
motivadoras de aprendizagens e de um pleno desenvolvimento cultural da criança na
E.E.I. Nesse processo educativo, a figura do professor é primordial e precisa ser
continuamente repensada e debatida, por ser o profissional habilitado a,
intencionalmente, planejar e desenvolver formas plenas de acesso à cultura mais
elaborada, dentre as quais está a organização do tempo institucional e a atenção ao
tempo da criança.
2.1 Procedimentos Metodológicos
A fim de cumprir o objetivo proposto de compreender aspectos indicativos da
organização do tempo em EEIs municipais de uma cidade do interior paulista, focando os
impactos dessa organização para o processo de humanização na infância, esta pesquisa
de cunho qualitativo, foi planejada para ser desenvolvida em três momentos.
Primeiramente, houve o levantamento bibliográfico e estudo teórico com base nos
princípios da Teoria Histórico-Cultural e em outros pesquisadores que contribuíram com a
ampliação dos conhecimentos sobre o tema. No conjunto dos estudos, sistematizamos
fundamentos sobre tais como os conceitos de criança, desenvolvimento infantil, atividade,
aprendizagem, tempo na Educação Infantil.
Para isso, foram consultadas fontes digitais, como o Catálogo Athenas da
Universidade Estadual Paulista – Unesp, o Catálago Dédalus da Universidade de São
Paulo – Usp, o Catálogo Acervus da Universidade de Campinas – Unicamp, o Catálogo
Parthenon da Universidade Estadual Paulista - Unesp e o Scielo (Brasil) tendo como
referências livros e capítulos de livros, artigos, dissertações e teses. Esse primeiro
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momento contribuiu para conhecermos o que já foi escrito sobre o tema pesquisado e,
também, para um aprofundamento de conceitos essenciais à reflexão pretendida.
Posteriormente, em campo, realizamos observações da rotina de cinco Escolas
Municipais de Educação Infantil de Avaré (SP). Em cada escola, a observação aconteceu
em uma turma de crianças na faixa etária de três anos de idade. De acordo com André e
Ludke (1986), a observação é um dos instrumentos de produção de dados em pesquisas
qualitativas, ao permitir ao observador uma proximidade maior com os sujeitos da
investigação, o que contribui para novas descobertas sobre as hipóteses levantadas no
estudo. O registro dessas observações foi realizado em diário de campo.
Em campo, além das observações, concomitantemente, realizamos entrevista
semiestruturada com as professoras de cada turma. Na compreensão de André e Ludke
(1989), a entrevista proporciona um caráter de interação entre pesquisador e pesquisado
o que garante uma melhor apreensão das informações que se deseja captar.
O terceiro momento da pesquisa, ainda em andamento, consiste em analisar os
dados produzidos a partir dos subsídios teóricos escolhidos.
3. Desenvolvimento
Devido ao fato de a pesquisa estar em andamento, neste texto, apresentamos
resultados preliminares dos estudos já efetivados. Os trabalhos já empreendidos de
revisão da literatura pertinente à área indicam que não há quantidades expressivas de
trabalhos científicos com foco no tema.
Para as buscas utilizamos fontes digitais, como o Catálogo Athenas da
Universidade Estadual Paulista – Unesp, o Catálogo Dédalus da Universidade de São
Paulo – Usp, o Catálogo Acervus da Universidade de Campinas – Unicamp e o Scielo
(Brasil). Para a efetivação das buscas usamos expressões como: “tempo and rotina and
espaço”; “tempo and Educação Infantil” e “Educação Infantil and Teoria Histórico-Cultural”
que nos permitiram refinar as buscas com o propósito de encontrarmos trabalhos
relevantes quanto ao tema pesquisado.
A fim de selecionar trabalhos pertinentes à pesquisa em questão, após o
levantamento e a reunião das referências, fizemos a leitura dos resumos buscando
informações relevantes e que contribuíssem com nosso tema de investigação. Com
essas ações, escolhemos estudos referentes à Educação Infantil, focados,
especialmente, em crianças de até cinco anos de idade. Dos estudos localizados,
filtramos também aqueles indicavam ter por base o enfoque histórico-cultural, teoria que
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embasa nossa pesquisa, e, ainda, títulos compostos por pelo menos uma das expressões
de busca.
Dessa seleção, sistematizamos os seguintes resultados: no Catálogo Acervus da
Universidade de Campinas, do total de 144 títulos, a maior parte fazia referência às áreas
da Saúde, Educação Física, Meio Ambiente e Noções espaciais. Com base nos critérios
de seleção elencados acima, aproveitamos, assim, 7 trabalhos.
Já no Catálogo Athena da Universidade Estadual Paulista, localizamos um total de
75 referências das quais, grande parte tratava sobre Currículo, Formação de professores,
Ensino Fundamental, Aquisição da linguagem, Educação Física, Música e Dança, Projeto
Político Pedagógico, Educação Especial, Saúde, Noções Matemáticas e Formação de
Leitores. Devido ao foco dos nossos estudos, aproveitamos 16 trabalhos, cujos títulos
eram pertinentes ao tema pesquisado.
No Catálogo Dédalos da Universidade de São Paulo, encontramos 114 trabalhos.
Entre eles apenas 8 eram pertinentes ao nosso tema de pesquisa, os demais abordavam
assuntos tais como: Saúde, Linguagem, Nutrição, Educação Especial, Comunicação,
Escrita, Matemática, Educação Física, Políticas de Ensino a Distância, Ciências,
Formação de Professores e Sociologia da infância.
Quanto ao Catálogo Parthenon, também da Universidade Estadual Paulista,
identificamos um total de 462 trabalhos, dos quais a maior parte fazia referência às áreas
da Saúde, Coordenação, Ensino Fundamental, Informática, Construção de regras,
Engenharia, Formação de Professores, Educação Especial, Avaliação, Escrita, Música,
Dança, Noção de espacial, Arquitetura, Saúde Bucal, Nutrição, Educação física,
Antropologia, Sexualidade, Psicologia e Trabalho Infantil. Por não serem pertinentes ao
tema pesquisado, selecionamos apenas 13 trabalhos deste Catálogo. É importante
comentar que, dos textos aproveitados, 12 apareceram nas buscas feitas no Catálogo
Athena.
Finalizando no Scielo identificamos 27 trabalhos. Dos títulos encontrados grande
parte tratava de assuntos tais como: Saúde Bucal, Saúde, Linguagem, Ensino
Fundamental, Formação de Professores e Linguagem. Sendo assim aproveitamos
apenas 1 trabalho.
Os dados apresentados confirmam a indicação feita acima de que não há
quantidades significativas de trabalhos sobre o tema da pesquisa ora discutida.
Entretanto, os títulos encontrados nos dão a oportunidade de compreender um pouco
mais sobre a organização do tempo e do espaço nas Escolas de Educação Infantil tendo
por base o enfoque da Teoria Histórico-Cultural.
Destacamos as contribuições sobre as rotinas na Educação Infantil apresentadas
por Barbosa (2000). Nesses estudos, a autora aponta a necessidade de repensarmos as
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rotinas dentro das Escolas de Educação Infantil. Para tanto, busca compreender
aspectos do surgimento das rotinas, de que forma elas adentraram as Escolas de
Educação Infantil e como atuam no dia a dia das crianças e adultos que vivem e
convivem diariamente nessas instituições.
De seus estudos evidenciamos algumas discussões sobre os usos dos tempos
nas rotinas da Educação Infantil. Aprendemos com a autora (BARBOSA, 2000) sobre
como o modo como vivenciamos o tempo é essencial para a formação social e para as
relações que estabelecemos com os outros. Essa estudiosa evidencia o fato do controle
do tempo, nas Escolas de Educação Infantil, estar nas mãos dos adultos e o quanto,
muitas vezes, esse controle desrespeita a criança. Barbosa (2000, p. 174) ainda afirma
que a “[...] temporalização na vida das crianças está [assim] relacionada à estruturação
do tempo coletivo, mas deve-se fazer isso sem deixar de respeitar os tempos pessoais.”
Em conformidade com as discussões sobre como o tempo é, não ocasionalmente,
usado como forma de controle das crianças, apontamos as proposições de Vieira (2000)
sobre a relação intrínseca entre espaço e tempo. Em seus estudos enfatiza a existência
do tempo cronológico, dado pelo relógio e o tempo histórico, construído pelos sujeitos.
Ratifica que, espaço e tempo são indissociáveis e, que o tempo serve para organizar os
espaços. Daí, reflexões sobre como o tempo serve para organizar os espaços e como a
organização das escolas diminui o espaço da criança, lhe tirando a liberdade, a
criatividade e a imaginação. Além disso, as proposições da pesquisadora permitem a
tomada de consciência sobre a maneira como o espaço encontrado é organizado por
meio de um tempo hierárquico, determinado pelo adulto que tem mais poder, onde o
objetivo é controlar e doutrinar as crianças.
Sobre esse assunto, Souza (2013) ressalta o papel do professor como
organizador da rotina, que inclui a organização do tempo, do espaço e das propostas
educativas e sua atuação como mediador entre os objetos da cultura e a criança.
Evidencia ainda o fato de a rotina nas Escolas de Educação Infantil, por esse autor
investigado, revelarem uma educação disciplinadora, utilizada mais como instrumento de
controle do que como instrumento de aprendizagem, que seria sua real função. Dessa
forma, afirma ser preciso rever concepções e repensar a elaboração das rotinas, para
que estas cumpram sua função de organizar o tempo, o espaço e as propostas
educativas.
Com base nesses trabalhos percebemos que, no interior da Escola de Educação
Infantil, existem dois tempos e que estes devem ser organizados de tal forma a favorecer
as ações das crianças e não como forma de controle. Afinal, para se apropriar das
características especificamente humanas, é essencial liberdade de ações, atitudes e
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expressões, para que a criança experimente o mundo e a cultura produzida pela
humanidade, no seu ritmo, que é único e individual.
Os estudos de Ribeiro (2009) afirmam assim a essencialidade do professor como
responsável por mediar as relações entre as crianças e os objetos da cultura, de forma
que sejam apropriados pelas crianças, formando nelas as qualidades humanas. Para
tanto, cabe a esse profissional a organização intencional das propostas educativas, do
espaço e do tempo a fim de permitir uma participação ativa das crianças em seu
processo de humanização.
Ratificando tal proposição, Marcolino (2013) defende a importância da
intencionalidade na prática educativa afirmando que durante a Educação Infantil devemos
criar “condições intencionais” que promovam a aprendizagem e o desenvolvimento na
infância (MARCOLINO, 2013, p. 29).
É necessário, pois, que a organização dos espaços nas Escolas de Educação
Infantil respeite o tempo individual da criança: um espaço organizado intencionalmente
permite que o tempo de espera da criança dê lugar ao tempo de ação, pois não precisam
mais esperar pela atenção do professor (SINGULANI, 2009).
Com base nas proposições de Vieira (2009) reafirmamos a necessidade de
enxergar a gerência do tempo dentro das Escolas de Educação Infantil como um dos
aspectos a ser considerado na organização do fazer educativo, uma vez que a
fragmentação do tempo pode prejudicar as possibilidades de aprendizagem e,
consequentemente, de um pleno desenvolvimento das crianças.
Pelo exposto, o trabalho de levantamento, reunião, seleção, estudos sobre a
produção bibliográfica sobre o tema de investigação contribuiu para, à luz de
pressupostos da Teoria Histórico-Cultural e de outras contribuições da literatura, ratificar
a ideia da necessidade de organização consciente e intencional do tempo dentro das
Escolas de Educação Infantil como elemento e aspecto essenciais para a atuação ativa
da criança e do professor, propiciando aprendizagens motivadoras de aprendizagens e
da plenitude do desenvolvimento na infância.
4. Conclusões
Diante do apresentado e nos limites desta breve exposição, as ações já realizadas
na pesquisa ora apresentada são fundamentais para refletir sobre o tempo institucional e
o tempo da criança a partir das ações docentes, com vistas à promoção do pleno
desenvolvimento infantil.
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A partir desses encaminhamentos investigativos desejamos contribuir com as
discussões sobre Educação Infantil no que se refere à organização temporal nas Escolas
a fim de que o tempo institucional respeite o tempo da criança e que suas necessidades
possam ser atendidas e se ofereça uma prática educativa guiada à plenitude da formação
humana na infância.
Para que as Escolas de Educação Infantil garantam um pleno desenvolvimento da
criança na infância, torna-se precípuo o entendimento de que todos os participantes da
prática educativa, adultos e crianças, são protagonistas das situações e arranjos
ocorridos no ambiente escolar. Daí a relevância de reflexões e estudos afetos à gerência
e organização bem pensadas do tempo e dos espaços escolares a fim de permitir que,
dentro das instituições dedicadas a infância, as crianças tenham a oportunidade de se
apropriar da cultura mais elaborada produzida e deixada pelas gerações anteriores e, por
meio dela, humanizar-se.
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