O paradigma da consulta terapêutica na intervenção clínica...

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CARLOS FERNANDO BITTENCOURT NEUMANN O paradigma da consulta terapêutica na intervenção clínica com pacientes HIV-positivos em uma instituição pública Tese apresentada ao Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Psicologia Clínica Orientador: Prof. Dr. Gilberto Safra SÃO PAULO 2007

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CARLOS FERNANDO BITTENCOURT NEUMANN

O paradigma da consulta terapêutica

na intervenção clínica

com pacientes HIV-positivos

em uma instituição pública

Tese apresentada

ao Departamento de Psicologia Clínica

do Instituto de Psicologia

da Universidade de São Paulo

como parte dos requisitos necessários

para a obtenção do título de Doutor

em Psicologia Clínica

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Safra

SÃO PAULO

2007

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Neumann, Carlos Fernando Bittencourt.

O paradigma da consulta terapêutica na intervenção clínica com pacientes HIV-positivos em uma instituição pública / Carlos Fernando Bittencourt Neumann; orientador Gilberto Safra. -- São Paulo, 2007.

131 p. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em

Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Clínica) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

1. Consulta terapêutica 2. Psicanálise 3. Freud, Sigmund, 1856-1939 4. Winnicott, Donald Woods, 1896-1971 5. AIDS 6. HIV I. Título.

RC504

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Agradecimentos Para mim é inevitável invocar a lembrança de meu pai, alguém que

cruzou o oceano para chegar a este país e construir uma nova vida, tendo

trazido na dolorosa bagagem a ferida jamais completamente cicatrizada da

perda de sua família de origem, pais e irmão, na guerra.

Tratava-se de um assunto que ele não gostava de falar diretamente,

mas as estantes de livros de casa estavam sempre repletas de livros sobre

história, parecia-me seu contínuo esforço para entender, encontrar explicações.

Nunca, em momento algum, nos nossos anos de convívio, observei em

seus olhos uma expressão de ódio ou raiva, mas de dor, de decepção, de

lamento.

Amava a música clássica, especialmente a valsa vienense, era

espirituoso, amigo fiel.

Apesar de ter sido filho, sobrinho e neto de médicos, tinha horror à

Medicina e a sangue derramado, o que me parece muito compreensível.

Não deixava pedinte sem receber um trocado, sempre murmurando

baixinho que era muito triste ser doente e pobre, assim, associadamente.

Encontro a sua lembrança, continuamente, em meus dias de trabalho

sinto a sua herança emocional muito viva em mim.

Ele tinha incontáveis amigos, misturados entre o trabalho, vizinhos,

familiares.

Minha introdução no mundo passou pelo ambiente sustentado por este

senhor e fui encontrando também amigos e colegas, inicialmente pela

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vizinhança, pelas ruas, entre primos, no meu caso na maioria primas, depois

escolas, no plural, sendo como uma vida humana, repleta de gente,

completando-se na universidade e nos hospitais.

Seria impossível citar a todos, por isto vou me dirigir ao tecido desta

tese e lembrar de todos os colegas e pacientes que a habitam, representados

pelos que aqui citados foram com nomes de fantasia.

Por uma questão de tempo e espaço, tive de me restringir, apesar de

ter sido autorizado por muitos outros de incluir as suas histórias neste texto.

Em momentos-chave na vida precisamos, à semelhança do que no

passado ocorreu quando éramos chamados pelo pai para conversar,

debridando adesões viezadas e que nos levariam a equívocos, de um

interlocutor, sombra de um amigo fiel.

Aqui situaria a presença de meu orientador e da universidade em meu

trabalho. Gilberto Safra esteve sempre ao meu lado e do seu modo sereno e

amistoso, repleto de sabedoria, que transmite de modo simples e fraterno.

Junto com ele, Ivonise e Tânia apresentaram-me Winnicott, ampliando

a minha percepção sobre a minha própria clínica e sobre mim mesmo. Minha

experiência junto ao Departamento de Psicologia Clínica da USP deve-se ao

convite do Prof. Ryad Simon para ser um dos colaboradores de seu curso.

Dizia Freud que não devemos nos sentir onerados por dívidas de gratidão;

muito ao contrário, representam um privilégio.

Gostaria de citar o auxílio competente dos colegas da biblioteca do

Instituto de Psicologia e da biblioteca da Sociedade Brasileira de Psicanálise de

São Paulo. Meu agradecimento especial à Arlete, do PSC.

Longe de estar por último, gostaria de agradecer a esposa e filhos, pelo

amor, pelo convívio, pelo aprendizado, pelos necessários conflitos familiares

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que, felizmente, em nossa casa em que tédio é emoção desconhecida, não

passam de chuvas de verão, intensos, mas que trazem renovação.

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RESUMO Partiu-se da interrogação se a consulta terapêutica, tal como proposta por

Winnicott, poderia ser tomada como referência para o trabalho psiquiátrico de

um psicanalista em um hospital público, com pacientes HIV/AIDS. A consulta

terapêutica foi rastreada, desde os primórdios da psicanálise com Freud, até

suas bases matriciais em Winnicott, vindas da situação estabelecida ou jogo da

espátula e do jogo dos rabiscos. Apesar das dessemelhanças entre a consulta

médica e a consulta terapêutica, pode a primeira tomar a segunda como um

paradigma a ser perseguido e com o qual pode ser contrastada continuamente.

UNITERMOS: consulta terapêutica / psicanálise / enfoque psicanalítico/ Freud /

Winnicott / HIV/AIDS

ABSTRACT As psycho-analytical intervention the therapeutic consultation proposed by

Donald Winnicott from standard situation and squiggle game could be taken as

a paradigmatic model wich can be visualized by a psycho-analyst working as

clinical-psychiatrist with HIV/AIDS out-patients in a public hospital.

KEYWORDS

Psycho-analytical intervention / therapeutic consultation / Freud / Winnicott /

Psychiatry / HIV/AIDS out-patients / public hospital.

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Í N D I C E

1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 3

CAPÍTULO I. .................................................................................................. 3

PONTO DE PARTIDA E DESDOBRAMENTOS ......................................... 3 A CONSULTA TERAPÊUTICA E SUA RAZÃO DE SER............................ 4

CAPÍTULO II. ................................................................................................. 6

A CONSULTA TERAPÊUTICA A PARTIR DO DESENVOLVIMENTO DA PSICANÁLISE 6 A PARTIR DA HISTERIA ............................................................................ 6 DESCOBRINDO A CONSULTA COM CATARINA ..................................... 8 DE PACIENTE-OBJETO DA MEDICINA A RELAÇÃO HUMANA ............ 12 DEPOIS DA HISTERIA, A CRIANÇA E O PSICÓTICO............................ 16 DESDOBRAMENTOS DAS CONTRIBUIÇÕES INICIAIS DE FREUD ..... 19 A RELEVÂNCIA DA CONTRIBUIÇÃO DE WINNICOTT........................... 25 USOS RECENTES DO REFERENCIAL DA CONSULTA TERAPÊUTICA WINNICOTTIANA ..................................................................................... 26

CAPÍTULO III. .............................................................................................. 28

MATRIZES DOS DIFERENTES INSTRUMENTAIS DA CONSULTA TERAPÊUTICA WINNICOTTIANA ........................................................... 28

CAPÍTULO IV. .............................................................................................. 34

PERSPECTIVAS ABERTAS PELA TÓPICA WINNICOTTIANA ............... 34

CAPÍTULO V. ............................................................................................... 37

PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS ...................................................... 37 APLICABILIDADE DA PROPOSTA EM UM CONTEXTO MÉDICO ......... 40 CAMINHO PROPOSTO............................................................................ 44 A PROPOSTA WINNICOTTIANA ............................................................. 44

CAPÍTULO VI. .............................................................................................. 48

EM DIREÇÃO À CONSULTA TERAPÊUTICA.......................................... 48

CAPÍTULO VII. ............................................................................................. 50

DIMENSIONANDO O USO DOS CONCEITOS ........................................ 50

CAPÍTULO VIII. ............................................................................................ 53

A CONSULTA TERAPÊUTICA COMO PARADIGMA............................... 53

2 A EXPERIÊNCIA CLÍNICA....................................................................... 54

Dados Clínicos .......................................................................................... 54 Situação emocional ................................................................................... 54 A sua última consulta ................................................................................ 56

3 BREVES CONSIDERAÇÕES................................................................... 58

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PARA ALÉM DA REFERÊNCIA MÉDICA................................................. 61 Procurando o paciente, encontrando a relação......................................... 67 B. DUAS MULHERES ESTÃO À PORTA: ................................................ 71

4 DISCUSSÃO............................................................................................. 84

5 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 105

6 ANEXO ................................................................................................... 118

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1 INTRODUÇÃO CAPÍTULO I.

PONTO DE PARTIDA E DESDOBRAMENTOS Pode a Psicanálise contribuir para o contexto de trabalho médico em

uma instituição pública?

Em nosso estudo de mestrado (Neumann,2001), procuramos

responder a esta indagação através do estudo de casos e da investigação,

neles, através da experiência emocional compartilhada e da anotação dos

fenômenos clínicos, de elementos que poderiam ser expandidos pela

contribuição de um enfoque psicanalítico.

Dirigimos, no contexto daquele curto estudo, nosso enfoque não

propriamente às situações que tradicionalmente têm sido contempladas por

psicanalistas nos últimos anos, referentes à supervisão, de base psicanalítica

(Contel, 1992; Engel, 1985), ao trabalho de equipes multidisciplinares (Contel,

1993, 1999; Costa e Mello Filho, 1988; Parra et al, 1989; Pinho,1995), ou

mencionar a importância da análise pessoal do profissional da área de saúde

(Carvalho, 1994; Santos, 1993), pois estas situações já foram objeto de muitos

estudos e embasam inclusive muitas experiências atualmente em curso.

Nossa questão estava dirigida diretamente ao psicanalista.

Afinal, seria possível ao psicanalista trabalhar em um contexto

institucional público, na condição de profissional pertencente à instituição, e

não eventual supervisor, sem perder a especificidade do olhar psicanalítico?

Em estudo recente, Carvalho (1994) postula que muitas vezes o

profissional, ainda que tenha passado por uma análise pessoal consistente,

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acaba açambarcado pela dinâmica de funcionamento grupal, dinâmica esta

freqüentemente configurada enquanto suposto-básico, do tipo luta-e-fuga

(Bion,1961), por exemplo.

Após termos concluído ser a psicanálise uma potencial contribuição

para a expansão do entendimento clínico na instituição, parece-nos oportuno

indagar como isto se dá, com maior minúcia. Esta conclusão corrobora algo

postulado anteriormente por outros psicanalistas (Winnicott, 1971).

Seria através do que foi proposto por Winnicott (1971) como consulta

terapêutica?

A CONSULTA TERAPÊUTICA E SUA RAZÃO DE SER A indagação através do uso da consulta terapêutica se justifica

considerando-se que ela já é consagrada clinicamente como referência de um

instrumento do campo psicanalítico adequado ao setting institucional e um

dispositivo de investigação psicanalítica e de intervenção em condições em que

não é possível o enquadre psicanalítico tradicional como conhecido em

consultório particular, tendo justamente sendo criada com a finalidade de ser

uma ferramenta em que dirime questões sobretudo ligadas ao tempo à

necessidade de uma intervenção imediata (Brafman, 1997; Di Cesare, 2001;

Dupeu,1996; Lebovici,1987; Lins e Luz,1998; Pozzi, 1999; Silva,2002).

É importante dar ênfase ao fato de que o modelo proposto por

Winnicott vem calcado na tradição da escola inglesa de psicanálise que, por

sua vez, está muito influenciada por um clima geral empírico da cultura inglesa

(Rustin,2000), que a distingue das demais escolas, como por exemplo a

francesa, que dá enfoque maior às questões epistemológicas e de linguagem

(Rustin,2000).

Entretanto, na escola francesa, Dolto (1988) e Mannoni (1992,1999)

são exemplos de trabalho prático muito próximo ao executado por Balint (1994-

a) e Winnicott (1971).

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Trata-se, portanto, de um método eminentemente clínico, que fala

constantemente de setting como fundamental, e que considera refinamento

científico colher pequenos momentos no transcurso de um todo processual,

que é o acontecer de um tratamento clínico, buscando-o neste flashes, para de

uma cena minimalista extrair desenvolvimentos complexos que se vêem

pertinentes na medida em que podem desvelar os mecanismos do

funcionamento inconsciente por trás dos fatos clínicos, o que faz da

psicanálise, na medida em que estes fatos envolvem o observador de si e do

outro(psicanalista) numa teia emocional partilhada com seu paciente, uma nova

proposta de conhecimento científico e que portanto não deveria se coadunar à

metodologia das outras ciências, naturais ou humanas, na medida em que ela

própria se constitui como um novo paradigma de ciência.

Procurarei discutir, no decorrer deste trabalho, como podemos

considerar os aspectos científicos do método psicanalítico em suas

especificidades (Bleger,1957; Baranger, 1969; Rustin,2000)

Para Winnicott, este dispositivo da consulta terapêutica traz a

possibilidade de contemplar ao mesmo tempo investigação diagnóstica e

intervenção psicoterapêutica (Abram,2000), não se caracterizando como

psicoterapia ou psicanálise, apesar do enfoque psicanalítico embasá-la,

podendo muitas vezes resumir-se a um único encontro.

Winnicott a praticava no Paddington Children’s Green Hospital, onde a

desenvolveu a partir de suas observações de situação estabelecida(jogo da

espátula) e a utilizou em milhares de pacientes do ambulatório de Psiquiatria

de crianças (Newman, 2003), bem como nas consultas e intervenções de

triagem para crianças que procuravam o serviço de atendimento psicanalítico

na British Society of Psycho-Analysis (1942).

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CAPÍTULO II.

A CONSULTA TERAPÊUTICA A PARTIR DO DESENVOLVIMENTO DA PSICANÁLISE

A PARTIR DA HISTERIA Sigmund Freud iniciou sua vida como clínico-neurologista e psiquiatra,

no final do século dezenove, após lhe ter sido indicado, por Ernest Brücke, com

quem iniciou sua vida científica em um laboratório de neurofisiologia, que a

situação econômica de sua família obrigar-lhe-ia a afastar-se de uma carreira

em ciência básica, pela baixa remuneração e pelos empecilhos na universidade

para alguém de descendência judaica.

Pontuo estes elementos aparentemente periféricos, posto que

descoberta, acaso e surpresa são intrínsecos à vida humana e ao próprio curso

das descobertas científicas.

Considerando-se a referência psicanalítica, o aparente acaso passa

pelos caminhos dos ditames do inconsciente, mas proponho ao leitor seguir

meu percurso associativo e deixar este tópico para verificação posterior.

Freud viu-se diante das pacientes histéricas, as quais lotavam os

consultórios dos neurologistas e dos psiquiatras naqueles tempos (se ainda é

assim seria objeto de outra investigação), sendo incomodado por seus enigmas

e pela dificuldade de resolução de seus casos, com remissão de sintomas e

resolução à contento.

No seu percurso, procurou usar as técnicas da ocasião, em primeiro

lugar a sugestão e posteriormente a hipnose, tendo recorrido a um período de

estudos na Salpetrière, em Paris, onde teve marcante contato com o trabalho

de Jean Martin Charcot.

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Não por acaso, anos mais tarde, Freud homenageou os seus mestres,

Brücke e Charcot, dando a seus diletos filhos os nomes de Ernst e Martin.

Como por todos é bem sabido, o salto à Psicanálise a partir deste

período pré-psicanalítico, foi dado a partir da constatação que mesmo a cura

pela hipnose era efêmera e que o correlato evoluído de investigação de

material não imediatamente próximo à consciência indicava o uso da

associação-livre de idéias, a aplicação da chamada regra básica, que consistia

em que o paciente comunicasse ao terapeuta tudo o que se passava em sua

mente, principalmente o que fosse muito desagradável, daí vindo a

compreensão de que os sintomas funcionavam como uma solução de

compromisso, sendo a própria neurose desta forma vista como a conseqüência

última de um mecanismo de recalque, o qual protegia o indivíduo de ter

consciência da matriz de seus conflitos.

A partir daí, Freud inicia também uma investigação sobre os sonhos

que os pacientes lhe contavam, observando que neles estavam evidentes

distorções, tais como condensações e deslocamentos, interessando-se por

investigar os seus próprios sonhos, aplicando aos sonhos de um modo geral o

tratamento através da regra básica de associações e também pedindo ao

sonhador detalhes, associações espontâneas a partir destes pedaços de

sonhos e associações (deste processo advém a comparação com a análise

química ou bioquímica), descobrindo a realização de desejos oculta pelas

distorções oníricas.

Este modelo foi paralelizado às distorções presentes nos quadros

neuróticos e na determinação do aparecimento dos sintomas à semelhança

que nos sonhos havia a reunião, por imagens, de uma colagem de vivências

que protegiam, sonhador e neurótico, de percepção mais clara de seus

conflitos.

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Desta ampla investigação, dos mecanismos das neuroses e dos

sonhos, Freud prossegue para encontrar também expressões do inconsciente

nas parapraxias (1901) e nos chistes (1905).

Tão imerso estava em sua autoinvestigação (de seus próprios sonhos

ou sua auto-análise), bem como de suas hipóteses, que a princípio lhe fugiu a

constatação do fenômeno transferencial (1912), que se torna um impasse no

manejo do caso célebre de Ana O.

Olhando agora e retrospectivamente falando ao percurso freudiano até

este ponto, podemos observar que no período investigativo pré-psicanalítico já

se encontrava uma situação muito próxima do que se entende pela consulta

terapêutica, posto que se propõe um encontro a um paciente, com o intuito de

uma consulta sobre as suas queixas, pedindo-se que ele fale livremente, tendo-

se estabelecido que daí poder-se-ia encontrar uma associação com algo

desconhecido pelo paciente e pelo médico-terapeuta.

Neste momento, a passagem se dá a partir do abandono as técnicas

sugestivas e da hipnose, só que a ênfase recairia para a delimitação do

enquadre psicanalítico e os primórdios e primeiros casos tratados pela técnica

psicanalítica, prioritariamente casos de histeria.

DESCOBRINDO A CONSULTA COM CATARINA

Dentre os casos de pacientes histéricas, um em particular chama a

atenção, considerando o objeto de estudo de interesse neste trabalho, sobre

consulta terapêutica.

Trata-se do caso da jovem Catarina, descrito com os demais casos no

estudo sobre a histeria de 1893, já na sua circunstância de acontecimento

inusitado e acidental.

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Freud encontrava-se em período de férias nas montanhas e

descansava de uma caminhada, contemplando uma paisagem alpina,

embevecido, reflexivo, relaxado, quando é abordado por uma jovem, filha da

dona de uma das cabanas que prestavam assistência aos turistas, através do

fornecimento de refeições e outros serviços.

Tratava-se de uma jovem ao que parece naquele período entre o final

da adolescência e o início da idade adulta.

Ela o havia identificado como médico, pois tinha visto sua ficha na

recepção do estabelecimento onde ajudava, além de servir os clientes.

Não sabia quem ele era, só que se tratava de um médico e ela tinha

queixas de um conjunto de males físicos que ele rapidamente identificou como

sintomas histéricos.

Ali mesmo, aceitou ouvi-la com atenção, fazendo perguntas, pedindo a

ela esclarecimentos sobre os seus sintomas, suas associações livres e a sua

história pessoal.

Encantou-se com o fato de contar com o auxílio generoso, prestimoso

e não-resistente daquela jovem mulher, em tudo diferente de suas pacientes da

cidade, mulheres de mais idade e posição social mais elevada.

Pode-se inferir, também, que ele foi de pronto generoso, gentil,

delicado e acolheu o pedido de ajuda dela.

Ao cabo de uma conversa interessada, chegaram ao recalcado e se

tratava de algo deveras alarmante, posto que era o fato da jovem ter sido

vítima de uma tentativa real de abuso sexual por parte do pai e o fato revelado

à sua mãe levou à separação conjugal do casal. E mais: os sintomas haviam

sido desencadeados após a jovem ter surpreendido seu pai em cena sexual

com outra jovem muito próxima a ela, também da casa, uma moça que tinha

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certa influência sobre ela e naquela ocasião já estava vivendo maritalmente

com seu pai e grávida dele.

Para quem trabalhava na ocasião com a hipótese do recalcamento da

sexualidade explicar os sintomas da histeria e que a fantasia edipiana era

apenas uma fantasia, a concreta realidade de Catarina era um excesso

embaraçoso e Freud só vai esclarecer estes dados da história da moça em

uma nota de rodapé ao final de sua descrição, posto que em seu texto fala de

tia e tio ao invés de mãe e pai, revelando uma auto-censura que ele próprio,

com certa consternação, havia se imposto.

Dentro do tema do presente trabalho, o que parece relevante enfatizar

é a atitude de disponibilidade de Freud, o acolhimento e compreensão com que

tratou o sofrimento com seriedade e dedicação de quem deseja ajudar o seu

próximo, dentro das condições que dispunha naquela ocasião, que é o

aparente pequeno espaço de uma consulta e não de condições de setting

psicanalítico pré-combinadas, como freqüência semanal em determinado

número de sessões e em tais e tais horários, etc.

Há uma intenção de consulta por parte de quem se apresenta como

paciente e um uso do espaço de uma consulta por alguém que é médico e é

visto com tal, contando com este fato, com a situação de confiança

estabelecida, para ir, aos poucos e empregando sua habilidade e diligência,

tendo acesso à intimidade e aos sentimentos mais autênticos de seu paciente.

Havia, portanto, um incidente para além da consulta, para além do

sintoma, um algo apenas insinuado à percepção de ambos, mas que

necessitou ser vivido naquele instante por ambos para que, deste modo, vívido,

em sua essência e em sua fluência fosse captado, sentido, decifrado.

Algo a mais flui a partir da experiência com Catarina: Catarina se

parece mais com gente real, com gente que vive a realidade e não o território

virtual da neurose, Catarina não é uma mulher da corte, ensimesmada, vivendo

o desencanto da pequena burguesia e sua miserabilidade, Catarina é o registro

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milenar da mulher massacrada antes da percepção adulta de sua sexualidade,

predada, abusada, sua história corresponde mais à inegabilidade do que se

conhece historicamente e bem pouco a algo que seria uma hipótese conceitual

a ser investigada: ela é conhecida das guerras, das instituições públicas, das

periferias e de tantos outros lugares. Freud a conquista pela gentileza, pelo

amor, pelo respeito, não pela técnica e pela submissão.

Observe-se que este caso clínico está apresentado junto com os

demais casos de histeria e funcionaria aqui mais a intencionalidade explícita de

Freud de apresentá-lo como um caso colhido acidentalmente e que ainda

assim corroboraria sua hipótese do sintoma histérico decorrer de um recalque e

representar, ao mesmo tempo, uma solução de compromisso, aparecendo

inclusive como um estudo complementar.

O que me chamou mais atenção na situação narrada por Freud é sua

atitude generosa, compreensiva, empática, tranqüila e acolhedora diante do

sofrimento da jovem, apesar de não representar teoricamente nenhuma

novidade para ele todo aquele campo sintomático.

Observa-se que deu a ela todo o tempo que ela necessitou, aguardou

que associasse livremente, ajudou-a a fazê-lo.

Ele sabia que não estava conduzindo uma sessão de psicanálise, mas

capturando, através de seu método psicanalítico, um acontecimento emocional

e colaborando na lapidação de fazer com que a pessoa sofredora desse àquele

seu desconforto um sentido, através do conhecimento consciente dos

determinantes inconscientes que emprestavam patogenicidade àqueles fatos

narrados.

Está presente nele o discernimento da ação terapêutica e que ela

poderia se dar, mesmo fora de um setting clássico: é neste fato que proponho

podermos ver aqui, em estado nascente e germinal, a essência de uma

consulta terapêutica – também ela a devemos a ele!

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O lugar do trauma como um fato e não como uma fantasia(ainda que

como fantasia também tem seu lugar garantido) é algo, depois de décadas de

ensimesmamento, que a psicanálise parece considerar a readmitir, tendo

inclusive admitindo como tema de seu Congresso Internacional, no ano

passado, na cidade do Rio de Janeiro.

Os defensores de uma psicanálise essencialmente ortodoxa e restrita

ao consultório clássico costumam falar com desdém do trauma, localizando seu

desaparecimento ou sepultamento da teoria psicanalítica como associado ao

abandono da teoria de sedução, que data do período pré-psicanalítico de

Freud.

Acontece que a própria história humana não sepultou jamais o registro

real do trauma e a contemporaneidade só nos mostra sua evidência, em todos

os meios.

No terreno psicanalítico, cabe a menção novamente a Balint e

posteriormente a Winnicott, o primeiro postulando a falha básica e o segundo a

dimensão do colapso, como os registros mentais do contato traumático e da

impossibilidade da psicanálise propor-se para além da história.

Acredito que o compromisso de ambos com a prática médica e com o

coletivo humano não restrito à elite simpática à psicanálise são determinantes

para entendermos a rebeldia dos dois e sua negativa ao sepultamento da idéia

do trauma.

DE PACIENTE-OBJETO DA MEDICINA A RELAÇÃO HUMANA Parece possível observar que desde o início, com o empregar da

técnica de hipnose, havia já estabelecida uma crença de que o processo

catártico era em si mesmo já um processo terapêutico, que visava curar o

paciente, liberando-o, pelo que se chamava abreação dos conteúdos de

vivências patológicas encrustadas nas camadas pré-conscientes do aparelho

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psíquico. Portanto, usava-se o espaço de um encontro, consulta e exame com

intencionalidade terapêutica, estando aí dada a forma para o uso terapêutico.

No entanto, os resultados frustros da hipnose, apontaram dificuldades

efetivas de curar um doente de seus sintomas neuróticos.

O psicanalista em fundação de si-próprio se acautelou, passou a ser

mais cuidadoso e o paciente foi sendo convidado a se constituir como partícipe

ou co-autor de seu processo de cura, descoberta e decifração, através de

colaborar com as suas associações.

O que teria ocorrido é que a psicanálise teria buscado, talvez por

acepção de auto-julgamento culposo, de ter exposto excessivamente o seu

paciente como objeto de intervenção e pesquisa médica, paciente objetal, que

sofria a ação de ser hipnotizado do mesmo modo em que outro era

anestesiado, outro sido dissecadado e um outro sofria um fórceps para nascer,

este parecia ser o contexto de arrancar a patologia da pessoa, de se extrair

dente ou um tumor, isolar-se defensivamente do modelo médico, como o diabo

da cruz, por medo de jogar o nenê fora e ficar com a água do banho.

O esforço por dissociar-se da Medicina levou a psicanálise em direção

a um intimismo que inclusive passou a propor-se com um captar de algo

inefável, pouco sondável, imerso nas profundidades psíquicas, no recôndido do

qual temos tênue vislumbre através de transformações que são as únicas

possíveis, nas quais pesam incontáveis distorções.

No decurso deste trabalho, veremos adiante, por exemplo, uma

polarização na história da psicanálise na Inglaterra, que levou o grupo kleiniano

a se agregar em torno da concepção de fantasia inconsciente como diretriz do

psíquico, contrastando com os esforços do grupo encabeçado por Anna Freud

e sua preocupação com as levas de crianças órfãs produzidas pelas guerras.

Na história do campo da saúde mental, a partir da década de cinqüenta

a psicanálise foi tendo um enfraquecimento de sua influência por ir se tornando

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hermética e de pouco diálogo com os autores de orientação psicofisiológica(

Neumann,2001).

Fomos da rudeza da imposição impiedosa da catarse à arrogância de

nos constituirmos em uma espécie de Moisés, em contato com a divindade,

que é a nossa capacidade de intuição genial, a de longe mirar a terra prometida

do eterno miserável e incompleto humano.

Entre estes dois modelos, aos poucos a necessidade foi nos apontando

a obviedade de que nas relações humanas as coisas são construídas de modo

colaborador e complementar por pessoas humanas, falíveis, com lapsos e

limitações, mas que podem, respeitando-se, somar.

A psicanálise pode não ser intersubjetiva?, pergunta Mabilde(2003),

sustentando a idéia de que o tecido comum do fazer analítico entre analista e

analisando tal como o experimentamos hoje não nos permite uma abordagem

objetiva ou subjetiva, mas interativista.

Eizirick(2000) foi mais longe, afirmando que não se pode mais

considerar haver lugar para uma suposta neutralidade analítica.

Figueiredo(2006), discutindo se é possível pesquisar com um método

psicanalítico, aponta que a psicanálise se viu varrida pelos ares de um impacto

em seus praticantes, na medida em que estes têm sido forçados a atuar em

outras linhas de frente não marcadas pela ortodoxia tradicional e ela teve de

considerar a subjetividade por outros prismas. Não chegou a esta afirmação

sem ter tido de considerar os rabiscos sentidos entre Winnicott e seu

predecessor em coragem, o analista húngaro e discípulo de Freud Sandor

Ferenczi(Figueiredo,2002).

Não pretendo aqui desdobrar uma extensa discussão sobre o tema da

intersubjetividade, como tem sido discutido por inúmeros

autores(Dunn,1995;Costa,2000;Eizirick,2000;França,1997;Katz,2000;Mabilde,

2003;Nosek,2000;Pires,2004;Renik,2000;VollmerFilho,2000;Widlocher,2001;

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Zaslavsky,1997), a ponto de podermos ver neste tema um novo paradigma em

psicanálise.

Para a finalidade deste trabalho, evitando o discutível conceito de

Ogden(1994) do terceiro analítico, dos desdobramentos da idéia desde o

referencial kleiniano do casal Baranger(1961-1962;1993) e das idéias bionianas

de Ferro(1995;1997;1999), parece-me mais simples e nem por isto menos

visível tomar o ponto tal como nos legam os trabalhos eminentemente clínicos

de Assis(1999) e Manhães(2004), que vão construindo uma evidência sensível

de experiência compartilhada, sem grandes digressões epistemológicas, mas

no fazer clínico, apreensível nos movimentos vividos pelo par analítico, a

primeira através de várias vinhetas clínicas com diversos pacientes, a segunda

através do registro de sonhos de um analisando.

Isto podemos observar vendo o encontro entre Freud e a jovem

Catarina.

É importante dar ênfase ao fato de que este fazer a dois, este construir

a dois, esta co-laboração pode ser vista já na atitude freudiana de pesquisa dos

sonhos e das associações-livres concernentes ao tecido sintomático,

investigado como uma planta manifesta de uma raiz latente.

O modelo aqui é o da primeira tópica e de investigar o que se encontra

na fronteira entre o pré-consciente e o consciente. Presume-se que o vínculo, a

relação e a confiança possam ser suficientes para a mobilização surpreendente

e enigmática dos conteúdos de natureza inconsciente, sempre em moto de

expressão, ainda que operante esteja toda ordem de recalque.

Os resíduos diurnos nos sonhos, os acontecimentos mobilizadores de

emoções, a lida com as manifestações sintomáticas surgem como

potencialmente atraentes para a representação, por isto o brincar e o contexto

do transicional parecem fecundos para o acontecimento ou descoberta ou

colheita do que antes não pôde aparecer.

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Neste contexto em potencial se dá o encontro do par analítico.

Não parece um exagero sustentar que é esta primeira tópica muito

mais simples e visível, mesmo para um leigo em estudo psicanalítico, dando

consistência ao campo da transicionalidade, sem que seja necessário entrar

em um terreno movediço em que a psicanálise se enredou a partir de procurar

suplantá-la e muitas vezes desembocar em discutíveis hermetismos teóricos.

Se olharmos para como os psicanalistas em geral se referem a

conceitos como, por exemplo, identificação projetiva, descrevendo-a como algo

tão palpável como uma víscera, é oportuno lembrar que se trata de uma

formulação que tenta descrever uma fantasia onipotente, uma fantasia, frise-se

bem, pode-se compreender como ela foi perdendo o calço e o lastro da

compreensibilidade para um público nela interessado, mas dela alijado pela

insistência dos psicanalistas em sua própria concretude.

DEPOIS DA HISTERIA, A CRIANÇA E O PSICÓTICO

Freud também se interessou por investigar casos de neurose

obsessiva, como o do homem dos ratos (1909) e de neurose infantil persistente

no adulto como no caso do homem dos lobos (1918 [1914]).

Temos de lembrar que os grandes esquecidos pelos tratamentos

psicanalíticos a princípio foram os psicóticos e as crianças.

O caso de paranóia estudado por Freud não foi por ele atendido, posto

que teve acesso ao caso Schereber (1911[1910]) através da obra

autobiográfica do próprio paciente, publicada na ocasião.

Feitas estas considerações, o que me parece importante é dar ênfase

ao caso publicado em 1909, sobre uma fobia infantil, que vem a ser o

conhecido caso do pequeno Hans.

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No caso do menino, Freud encetou um recurso criativo próprio a quem

se decide claramente a abordar uma situação clínica através do enfoque

psicanalítico, sem assumir, entretanto, que fará um tratamento psicanalítico nos

moldes de seus pacientes histéricos ou obsessivos.

Ocorria ser o pai do menino alguém próximo ao círculo psicanalítico de

Freud e ser um professor que simpatizava com as idéias da psicanálise.

A este pai Freud propôs alguns encontros em que ele lhe contaria

como estava o menino e Freud o instruiria como proceder através de conversas

com o seu filho, dentro de um contexto em que hoje tratamos como supervisão

clínica.

É importante frisar que Freud viu nesta oportunidade uma chance de

verificar se as hipóteses que construíra sobre o psiquismo infantil, através da

experiência com o tratamento com adultos, encontrar-se-iam, mais próximas de

seu estadu nascendis, em uma criança de oito anos de idade como era Hans.

O menino desenvolvera uma fobia a cavalos, animais antes

extremamente amados pela criança. Os sintomas eclodiram após o nascimento

de um irmão menor. Na malha associativa da criança, chegou-se, após

investigação e associações-livres, ao dia em que testemunhou indiretamente o

nascimento do bebê pelo movimento na casa – parteira, toalhas manchadas de

sangue, gemidos de sua mãe, chôro do recém-nascido – tudo corroborando um

trauma ao pequeno Hans, trauma anterior claramente associado à rejeição

edipiana.

Em determinado momento, seu pai arriscou uma interpretação quando

o menino se queixava, tendo assistido a um banho de banheira do bebezinho

recém-nascido, definindo-o como um ser de cognição precária, que só chorava

e nada falava, sugerindo que Hans teria um desejo oculto de afogar aquele

intruso, quando o viu a chorar durante o banho.

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O menino confirmou a interpretação sem rodeios e o seu pai teve uma

reação moral, admoestando-o, ao que Hans responde para o encantamento do

pai da psicanálise:

“- Eu só estou falando que tenho vontade de fazer, não que eu vou

fazer e, de qualquer modo, acho que isto é uma coisa importante para o senhor

contar para aquele professor com quem vai conversar ao meu respeito”.

Freud escreve que jamais escutara de um adulto uma comunicação tão

intuitiva sobre a natureza do processo analítico.

O narrado, sujeito a uma tradução livre de minha parte, que penso não

descaracterizar sua essência, confirma que é possível uma resolutividade

satisfatória de uma situação clínica sem que se utilize o enquadre necessário a

um tratamento psicanalítico nos moldes de um consultório psicanalítico.

Nesta situação narrada, publicada no ano de 1909, há, portanto, quase

cem anos atrás, utilizado foi o enfoque psicanalítico sem que estivesse

presente o atendimento psicanalítico strictu sensu, mas pôde-se desvelar o

mecanismo da fobia, através do deslocamento dos impulsos hostis dirigidos

aos pais, sua vida sexual e a produção de um bebê-usurpador, para os animais

também(os cavalos), a exemplo dos pais, muito amados, sendo o medo

conseqüente a um temor pela retaliação destes mesmos sentimentos hostis. A

meu ver, teria sido esta a primeira vez em que se utilizou do recurso de

consultas terapêuticas, de modo deliberado, posto que tal recurso esteve

anteriormente presente como vimos acima no caso Catarina, dando-se o

devido desconto às condições achadas para isto pelo criador da psicanálise,

que as fez através de ter orientado o pai do menino.

Como no caso Catarina, o que move explícita e deliberadamente

Freud, é seu interesse em comprovar na criança a sua teoria da neurose, que

ele havia justamente fundamentado como já presente no universo psíquico

infantil, sendo assim ele estaria aproveitando a oportunidade que o pai do

menino, educador e simpatizante da psicanálise, estaria concedendo.

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O que ocorreu é que, para que desse ocasião à sua empresa, teve de

criar um dispositivo através do qual pudesse dar respostas e ajuda a um pai

aflito e preocupado com o sofrimento de seu filho, bem como reconhecedor de

sua limitação enquanto pai para ser terapeuta da criança.

Apesar de não desejar o papel de terapeuta da criança e de recusar-se

a ver o menino como pré-condição para prestar alguma ajuda, vê-se na

necessidade de fazer alguma coisa, ficando numa eqüidistância deste papel na

medida em que o dividia precariamente com o pai da criança.

Observamos aqui outro elemento de consulta terapêutica insipiente, na

medida em que cria um modo de propiciar uma ação terapêutica fora do

espaço clássico.

Tampouco parece ser uma orientação de pais, tal como hoje o

reconhecemos por exemplo no trabalho de Arminda Aberastury (1982 ).

Mais adiante, na história da psicanálise, estabeleceu-se que, mais além

da ação freudiana de supervisionar os pais, orientá-los (Aberastury,1982)

constitui ação psicoprofilática que muitos psicanalistas e psicoterapeutas

vieram a consagrar como importante recurso terapêutico.

Pretendo abordar como psicanalistas subseqüentes a Freud puderam

explorar este recurso, encontrando nas sendas clínicas não exploradas

diretamente pelo criador da psicanálise, sobretudo na assistência institucional

de crianças e psicóticos, importantes espaços e nichos clínicos para a

expansão da investigação psicanalítica.

DESDOBRAMENTOS DAS CONTRIBUIÇÕES INICIAIS DE FREUD

A psicanálise, em seu curso investigativo, sempre se viu demandada

de prosseguir o seu mergulho na seara consagrada ao desenvolvimento da

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pesquisa do psiquismo através do setting psicanalítico clássico, da análise

individual, ao mesmo tempo em que se via inquirida pela necessidade de que

os seus avanços pudessem beneficiar um número crescente de pessoas,

resultando deste último fato uma questão que vem se impondo, ao longo de

suas décadas de posteriores desenvolvimentos, uma espécie de pergunta que

não quer se calar.

Balint (1994) se queixa de que bastante cedo em sua carreira deu-se

conta de que se se mantivesse fiel aos parâmetros da técnica clássica

significaria aceitar uma seleção estrita de pacientes:

“ Bastante cedo em minha carreira dei-me conta de que se ater aos parâmetros da

técnica clássica significava aceitar uma seleção estrita de pacientes...”(in O analista não-

intrusivo, p.201, op.cit.)

Balint (1994 - a) oportunamente lembrou o fato de que foi o próprio

Freud, em sua comunicação no Congresso Internacional de Budapeste em

1918, quem primeiro previu que a sociedade com o tempo demandaria cuidado

com o neurótico ou doente de nervos, do mesmo modo em que

tradicionalmente cobrava este cuidado com o assim chamado com doença

orgânica:

“ Em 1956, por ocasião do centenário do nascimento de Freud, o seu trabalho

apresentado no Congresso de Budapeste “ Progressos em Terapia Psicanalítica” foi muito

especialmente referido por mostrar o que já em 1918 Freud havia previsto como uma futura

demanda por psicoterapia para grandes populações do assim chamados doentes dos nervos...”

Isto colocaria a questão de que profissionais de saúde pudessem ter

alguma formação psicoterápica, certamente com enorme influência da

psicanálise, para que pudessem estar aptos, mesmo não se tornando

psicanalistas, à lida com questões emocionais envolvendo o cuidado à saúde.

“ In 1956, on the occasion of the centenary of Freud´s birth, his Budapest Congress paper “Advances in

Psycho-Analytic Therapy” was very widely quoted to show that already in 1918 freud correctly predicted the coming

demand for psychotherapy for the broad masses…”(in Introduction, p. xxi, Psychotherapeutic Techniques in Medicine,

M. & E. Balint, Tavistock Publications, op. cit)

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Freud teria usado o modelo de que a psicanálise pura seria como o

ouro e as técnicas psicoterápicas dela advindas poderiam ser considerados

como metais compostos, com pinceladas de ouro.

Infelizmente, lamentou Balint (1994-a) que isto teria levado a uma

situação de inferioridade constitutiva, respaldado por preconceitos dos próprios

psicanalista, os quais se arvoravam na possessão de um bem que, para a sua

concessão, exigiam certo grau de submissão de seus pretendentes, o que por

si só constitui um considerável empecilho para o progresso de uma análise

pessoal destes pretensos candidatos à formação:

“ O fato é que esta valiosa conversão do puro ouro da psicanálise para algum metal

básico ainda não havia sido encontrada, apesar da grande necessidade que o fosse...” (1)

“…não-analistas, de um outro lado, aproximavam-se deste problema com uma

admissão, tanto insincera quanto ambivalente, de inferioridade” (2)

Balint, de modo muito especial, destacou-se em sua preocupação de

que as contribuições psicanalíticas pudessem ganhar um setting ampliado em

relação ao tradicional, procurando desenvolver ferramentas que habilitassem o

médico e outros profissionais, no exercício de uma função psicoterápica,

muitas vezes em contextos grupais e institucionais(1961, 1994, 1995, 1997).

Por exemplo, nesta mesma obra, p.ix:

“ O que se pode dizer sobre psicoterapia? Tem ela um lugar na Medicina? Tem ela

um a base científica em sua metodologia que pode ser ensinada? Se é este o caso, que

métodos são esses e quem os pode ensinar? O nosso livro tenta examinar estas questões, não

teoricamente, mas tendo como base material clínico” (3)

(1) “ The fact is that this valuable alloy between the pure gold of psycho-analysis and some baser metal has

not yet been found, however great need for it may have been…” (op.cit, p. xiii).

(2) “…Non-analysts, on the other hand, approached this problem with an admission, both insincere and

ambivalent, of inferiority.”(op.cit.xiii) (3) “What are the facts about psychotherapy? Has it a right to a place in Medicine? Have any

psychotherapeutic methods a scientific basis and can they be thaught? If so, what are these methods and who should

teach them? Our book attempts to examine these questions, not theoretically, but on the basis of concrete clinical

material”.

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Seus exemplos, como a resolução simples de um caso de asma em

uma criança relatada em Psicanálise e prática médica (1994), a partir da

visão de que se constituiria em setting expandido a investigação e abordagem

feita pelo profissional responsável pelo tratamento com supervisão

psicanalítica, do universo psíquico dos pais, ancorado em hipóteses

compreensivas psicanalíticas como falha básica (1993) e situação edipiana,

entendendo que o entorno da criança equivaleria ao material associativo de um

paciente em análise individual.

Para Balint, falha básica consistiria em cuidado psicossomático

negligenciado (1993; 1995).

Balint, com sua contribuição, reconhece a importância do

desenvolvimento das teorias e pesquisas psicanalíticas através da técnica

clássica, bem como uma necessidade crescente de levar a psicanálise a

aplicações para além deste contexto restritivo, contemplando a psicoterapia de

orientação psicanalítica, bem como o exercício de uma função psicoterápica

por um agente ele próprio não-necessariamente psicanalista ou psicoterapeuta,

pois no espontaneísmo de um cuidador intuitivo bem orientado poder-se-ia

detectar uma ação psicoterápica consistente e mutativa para a evolução de

muitos casos.

Balint indicou (1997) que uma guinada muito interessante a partir das

contribuições freudianas se deu a partir do estudo da melancolia, com o qual se

ocuparam Karl Abraham (1908,1924) e posteriormente uma analisanda deste,

Melanie Klein (1930,1935,1940,1946), que trouxe interessantíssimas

contribuições, que tanto lançaram novas luzes sobre o psiquismo infantil,

quanto sobre a possibilidade do tratamento psicanalítico de pacientes

psicóticos.

Klein, entretanto, ao contrário do insinuado por suas primeiras

contribuições (1921; 1922; 1922-a), não se ocupou muito de medidas

psicoprofiláticas e da aplicação de suas formulações para fora do enquadre

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psicanalítico clássico, o que também se observa em seus colaboradores mais

diretos.

Nisto os esforços de Anna Freud (contribuições de 1922 a 1980), a

despeito de apontar para outro tipo de abordagem psicanalítica, refutando

grande parte das formulações de Klein, exibem certa vitalidade no tocante de

uma ação social e uma preocupação com a coletividade que ficava à margem

dos consultórios dos psicanalistas que se notabilizaram como expoentes da

abordagem clássica.

Tanto isto é fato evidente, que se pode observar que desde cedo a

obra social e psicanalítica de Anna Freud se viu reconhecida e publicada nos

Estados Unidos, que desde o início da psicanálise na América do Norte vem

mantendo um grande grupo de psicanalistas fiéis ou interessados em sua

contribuição.

Não se deve esquecer que foram décadas marcadas pelas guerras

mundiais e seus impactos especialmente em gerações de crianças, para as

quais o engajamento de Anna Freud foi sempre muito apreciado. O fato de que,

por outro lado, a obra de Klein passou décadas praticamente incógnita nos

Estados Unidos, obra esta dedicada à pesquisa dentro da abordagem clássica,

é contraste relevante neste aspecto.

A idéia de que um ambiente permeável ao desenvolvimento humano

mais satisfatório, influenciado pela contribuição psicanalítica, ancorou projetos

terapêuticos importantes, desde Anna Freud, em Hampstead, e Frida Fromm-

Reichmann (1962), até recentemente as contribuições de Maud Mannoni

(1992).

Frida Fromm-Reichmann deu destaque à contribuição de Harry Stock

Sullivan (1931) e de Abraham (1927) e mostrou-se preocupada em uma

abordagem psicoterapêutica com pacientes psicóticos (1962), propondo um

espaço apropriado, que chamou de hospital psicanalítico, diferenciando-o de

um hospital psiquiátrico convencional.

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Maud Mannoni (1992) trouxe a proposta de um lugar para a viver,

preconizando que pacientes débeis mentais, psicóticos e autistas poderiam ser

beneficiados pela criação de um espaço que lhes prestasse ajuda

compreensiva para as suas necessidades especiais de desenvolvimento.

Inspirada na psicanálise, sua instituição se propõe a ser um entorno de

intermediação cujo fim último seria possibilitar a inclusão social destes casos

difíceis. Em entrevista, cita o processo adaptativo de um jovem autista junto a

uma obra da construção civil, onde executava funções manuais de pedreiro

com relativa presteza, tendo sido importante inclusive uma confrontação com a

norma social: foi admoestado que não poderia “comer como um bicho”, usando

as mãos, entre os colegas e pôde aceitar a interdição e fazer-se incluído.

Maud Mannoni foi a responsável pela fundação, em 1969, da Escola

Experimental de Bonneuil, localizada em Bonneil-sur-Marne.:

“ Não há psicanálise individual em Bonneil, mas tudo que lá se faz se funda na

Psicanálise”, explica a autora, em entrevista dada à Professora Maria Cristina

Kupfer, esta por sinal fundadora do espaço de Vida, na USP, inspirada na

experiência de sua predecessora, na revista Percurso, n.9-2/1992.

Há um intuito de se trabalhar com as famílias, não se trabalhar o tempo

todo com a escuta psi, chegar-se à linguagem das próprias crianças, com em

seu artigo Separation and Creativity(1999).

Mannoni foi muito influenciada por Françoise Dolto, que, vinda

psicanálise lacaniana, vendo no sintoma da criança o fantasma do imaginário

paterno (1999), trabalhava na ambientação da clínica pediátrica com uma

desenvoltura e simplicidade ímpares.

O diálogo de Dolto com a contribuição winnicottiana é aferível na

introdução de seu livro Psicanálise e Pediatria (1980), quando lidava com

uma criança com inequívocos e súbitos sintomas de angústia e com muita

tranqüilidade conseguiu ir explorando a situação em que os sintomas estavam

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relacionados com o fato da menina estar prestes a começar a dormir em um

quarto separada dos pais. É extraordinário ver uma psicanalista prescindir das

óbvias interpretações psicanalíticas possíveis, intuindo o conflito presente na

ocasião e sendo hábil para manejar a situação psicoprofilática e

psicoterapeuticamente.

A RELEVÂNCIA DA CONTRIBUIÇÃO DE WINNICOTT

Donald Winnicott caminhou da pediatria à psicanálise; mantendo-se

psicanalista, jamais se esqueceu das fileiras de pacientes lotando os

corredores dos ambulatórios, das enfermarias dos hospitais, dos que

aguardavam por uma consulta ou uma orientação no setor do atendimento de

crianças do Sociedade Britânica de Psicanálise (Winnicott,C,1984).

Empenhou-se em escutar estas pessoas e ver o que poderia fazer por

elas.

Sua extensa experiência, além de quantitativa (Winnicott,C,1984), o

que ele sempre fazia questão de lembrar, levou-o aos poucos a dar fé que na

simplicidade da sua sala de exame na instituição, no manejo da espátula, nos

rabiscos, havia bem mais do que simples volições.

O “pulo do gato” da contribuição psicanalítica winnicottiana só se deu

de modo mais referenciado a partir de seu artigo sobre os objetos e fenômenos

transicionais (1951).

Mesmo um psicanalista avesso à sua obra não lhe deixa de conferir

mérito por este artigo, pela originalidade e pela explicitação de que a criança

dispõe de sofisticado método de contato com suas vivências emocionais, com

o seu entorno, o seu não-eu, com as outras pessoas e com a ausência dos

entes queridos.

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É interessante lembrar que o próprio J.Jacan esteve envolvido em sua

versão para o francês, como é possível aferir na carta de Winnicott a Lacan

(carta 79 de O gesto espontâneo, de 11 de fevereiro de 1960): “ Caro Dr Lacan,

Estou muito contente em possuir o quinto volume de La Psychanalise e

escrevo para lhe agradecer por ter publicado uma tradução do meu ensaio sobre

objetos transicionais. Parece-me que alguém teve um imenso trabalho com os

detalhes da tradução,e esse alguém provavelmente foi o senhor. De qualquer modo,

devo ao senhor o fato de esse artigo estar disponível em francês.”(op.cit., pág.112)

Esta lembrança vem a propósito do que mencionei acima, do

diálogo do pensamento winnicottiano com o trabalho clínico de F.Dolto

e M.Mannoni, díscipulas de Lacan.

A noção da transicionalidade também conferiu ao psicanalista, desde o

envolvido com os jogos no atendimento de uma criança, até o profissional que

trabalhe em instituição ou fora de seu consultório clínico com pessoas que vêm

à consulta por aparentar males físicos, importante instrumental que lhes torna

claro que há algo mais, há demandas emocionais a serem apreendidas em um

espaço repleto de potencialidades traduzindo um encontro humano, sejam

dois, três, quatro ou mais, para coincidir com uma citação de John Rickman

(1950), extraída de Balint (1997): “ Toda a região da psicologia pode ser dividida em áreas de pesquisa de acordo com

o número de pessoas envolvidas. Portanto, podemos falar de psicologia monocorporal,

bicorporal, tricorporal, quadricorporal e multicorporal”(op.cit.,pág.532).

USOS RECENTES DO REFERENCIAL DA CONSULTA

TERAPÊUTICA WINNICOTTIANA A consulta terapêutica tem sido objeto de vários estudos e pesquisas, a

maior parte delas relacionadas à intervenção psicoterapêutica breve com

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crianças (Badoni, 2002; Brafman,1997; Catafesta, 1997; Di Cesari, 2001;

Dupeu, 1996; Goldman, 1993; Lebovici, 1987; Lins e Luz, 1989; Pozzi, 1999;

Mazet e Stoleru, 1990; Safra, 1984; Silva, 2002), naturalmente dentro do

campo inaugurado pelo próprio Winnicott (1971), com exceção de trabalhos

como o de Lowenkron (2003), este não voltado especificamente ao universo

infantil. A meu ver, podemos postular que estes trabalhos relacionam a

consulta terapêutica tendo por matriz o jogo dos rabiscos, que detalharemos

abaixo.

Apesar de sua referência de intermediação serem histórias, desenhos,

ou mesmos gravações que serão rediscutidas(Lowenkron), ao que se referem

precisamente é a uma função de intermediação assumida por outros

procedimentos que não propriamente os rabiscos, mas guardam uma relação

constitutiva com o rabiscar, na medida em que é por este “aplique” ou costura

que se materializam, pelo qual são intermediados, oferecendo aos participantes

a oportunidade de tomar posse através do criar.

Este criar, fazer e descobrir-se fazendo e apropriar-se temos podido

observar no desenvolvimento de projetos de pesquisa em que se utilizam

outros elementos, denominados de materialidade intermediadora (Ambrosio e

Vaisberg, 2002) – atividades como fabricação de velas (Mencarelli, Bastidas e

Vaisberg, 2002) ou arranjos florais (Vitali e Vaisberg, 2002) ou desenhos

(Agostinho, 2003) - , inspirados na proposição winnicottianna da experiência de

transicionalidade.

Aqui há uma intenção assumida dos autores de se servirem da

potencialidade do criar artístico através de oficinas grupais como modo de se

servir a um projeto de entrelaçamento de histórias, vivências e do propiciar

através da atividade um encontrar por meios não-diretamente verbais ou

interpretativos segundo o modelo clássico.

Novamente, é possível postular que por trás do criar artístico podemos

encontrar a matriz fundamental do rabiscar livremente.

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CAPÍTULO III.

MATRIZES DOS DIFERENTES INSTRUMENTAIS DA CONSULTA TERAPÊUTICA WINNICOTTIANA

A partir da formalização da técnica do jogo dos rabiscos (squiggle

game) Winnicott (1968) inaugura a possibilidade do uso de um instrumental

variado, aguçando a criatividade do profissional como potencial de encontrar

acessos intermediados para o contato com a psicodinâmica dos pacientes.

Os trabalhos citados acima recorreram a técnicas de desenho-história,

filmagens, jogo do rabisco e outros meios.

A dimensão da consulta terapêutica estaria relacionada a uma atitude

do profissional de propiciar, em uma consulta, além da resposta à solicitação

clínica, uma oportunidade de palmilhar, juntamente com o paciente, aspectos

emocionais presentes na situação clínica e subjacentes à queixa apresentada.

Para isto, sendo o profissional influenciado por uma abordagem

psicanalítica, estaria ele procurando escutar uma outra comunicação, latente,

para além do manifesto e imediatamente observável.

Winnicott, como exaustivamente é citado e sabido, iniciou sua carreira

profissional como médico pediatra. Sua afeição pelo universo infantil, somado à

sua sagacidade, perspicácia, inquietude intelectual, sensibilidade e cultura,

levou-o a percorrer os caminhos transicionais da pediatria até a psicanálise

(1948,1975).

Foi através de sua minuciosa observação clínica e intuição criativa que

propôs o dispositivo de observação que foi consagrado clinicamente como “o

jogo da espátula” e que na verdade, de um modo muito simples e genial,

apreendeu um movimento que todos aqueles que já tiveram contato com uma

criança pequena, lactante como ele denomina, um bebezinho (que tem

habilidades motoras, gestuais e expressivas, ainda freqüentemente sendo

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aleitado por sua mãe, sem o recurso da verbalização), reconhecem como muito

comum.

A situação dita estabelecida pelo analista-observador cria condições

tais que permitem à criança o esboçar de seu espontaneísmo em direção ao

apreender um objeto que lhe estimula a curiosidade. No caso do consultório

pediátrico é a espátula que, deixada à vista da criança, em um primeiro

momento, insinua-se como possessão exclusiva do pediatra e que é

introduzida concretamente ao sistema senso-perceptivo da criança, visual e

gustativamente, posto que, após período de hesitação, a pequena criança

investiga esta situação, nova para ela.

No Paddington Children’s Hospital, Winnicott tinha uma ampla sala em

que comportava o setting da consulta (Newman, 2003), caracterizada por uma

entrevista com uma criança no colo de sua mãe diante de uma quina de mesa

em que se encontrava pousada uma espátula brilhante metálica, instrumento

comum na época, diferente de como a conhecemos hoje, bem como a

assistência composta por outras mães e crianças, que aguardavam uma

espécie de consulta pública com ele.

Tentando estabelecer o controle de seu próprio processo de conhecer,

a criança, com os recursos que dispõe, em primeiro lugar o mira, depois o

apreende com as mãos, fita-o novamente, saliva ao apreciá-lo visualmente

tendo-o a seguir como uma possibilidade de introduzi-lo à boca, efetivamente o

faz, com mais vagar do que o pediatra, em geral apressado ao exame da

orofaringe na luta de vencer a resistência ativa da criança e evitar o natural

reflexo do vômito.

A criança degusta a espátula, aprecia-a até saciar-se dela, ocasião em

que permite que ela caia várias vezes de sua mão como que distraído, até que

vence os tenazes esforços do examinador que se apressa a cada queda

novamente entregá-la à criança que novamente a deixa a cair sucessivamente,

divertindo-se com o fato de que inventou um novo uso de um objeto

inicialmente ameaçador posto que não conhecido, possessão de um estranho

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que a tem inicialmente como ferramenta contra ele, ao final usa de sua queda

como inversão completa do jugo, processo do insipiente brincar, mas sem

dúvida nenhuma é veredito de que neste momento a criança está inserida na

medida em que é participativa e também detém certo controle participativo,

evoluindo de examinado a parceiro em um jogo que antes foi pré-estabelecido

pelo examinador.

Para a criança há a dimensão da descoberta e do novo, da surpresa de

um momento sagrado (Newman, 2003); para o examinador, que usou da

situação estabelecida como um standard investigativo, é uma medida do grau

de integridade psíquica, maturidade, disponibilidade ou bloqueio da criança,

conforme esteja ela mais ou menos espontânea, interativa ou ausente.

A espátula, depois descartada com o divertimento da criança com o

barulho de sua queda ao solo, funciona como uma espécie de objeto-

trampolim, posto que depois atrai a curiosidade da criança para o solo e para

os outros novos objetos circundantes.

A esta função de passagem e continuidade, Winnicott (1941) atribuiu a

concepção do transicional (1951), como também algo do que pode se servir

(uso objetal – Winnicott, 1968), bem como vincular um campo potencial de

exploração para amplificar aquisições de conhecimento novo, dando a esta

idéia o nome de espaço potencial, que agrega dentro(volições, desejos) e

fora(meio externo) do mundo psíquico, constituindo-se enquanto potencialidade

de experimento, sendo, assim, paradoxalmente nem dentro e nem fora, mas

caracterizado enquanto fenômeno observável, dentro do que seria

posteriormente caracterizado por Bleger (1963) como um enquadre do

acontecer psíquico.

Para Winnicott o acontecer clínico é lapidado pelo encontro humano e

é este o elemento amplificador ou potencial. De Bleger empresta-se aqui

apenas a proposição da necessidade de se ter um enquadre ou invariante para

que se possa preconizar o fazer científico: neste sentido a situação

estabelecida ou jogo da espátula parecem fornecer este dispositivo de

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invariância – consultório pediátrico, espátula à vista da criança, em um canto

da mesa, criança no colo da mãe, etc. Tenha-se claro que faz-se aqui uma apropriação da proposta de

invariante como enquadre e somente até aí acompanha-se Bleger, posto que

neste trabalho não se defende a sua postulação psicanalítica deste invariante

ser o lugar onde se depositam os núcleos psicóticos.

Para Winnicott o enquadre é situação, ou seja, lugar, na qual é

possível uma experiência acontecer. A situação aqui se relaciona com o

conceito de holding. A situação é holding que o analista oferta para a

experiência acontecer.

Propõe também, como muito bem apontou Massud Khan (1975), uma

nova noção conceitual que é a da hesitação, como um novo paradigma

psicanalítico, posto que lê o inicial titubeio como algo perfeitamente aceitável

diante de um desconhecido ou ainda não controlado, transcendendo idéias

rígidas como resistência ou bloqueio, noções estas impregnadas de uma

flagrante dimensão psicopatológica.

Através da narrativa minuciosa de um fenômeno que se repete

inexoravelmente, com importantes variâncias, todas elas merecendo estudo e

consideração adicional, Winnicott propôs uma alta sofisticação evidente no que

é comum e cotidianamente observável: da consulta pediátrica emerge a

observação psicanalítica, da Pediatria e da Medicina nasce a observação

psicanalítica.

Aliás, repete de outro modo um movimento esboçado pelo pioneirismo

de Freud (1983-5,1905), que foi da Neurologia à Psicanálise por intermédio das

pacientes histéricas inicialmente objeto de estudo de Charcot. O próprio Freud,

anos após, através do caso Hans (1909), também começou a se debruçar

sobre o universo psicológico da criança.

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O que estava relegado ao âmbito do exame de uma criança em uma

consulta pediátrica ganha o status de uma observação da qualidade de inter-

relação com uma criança que já vem protegida e inscrita em uma relação,

posto que envelopada no colo de sua mãe, permitindo também a esta certo

grau de visualização do processo da consulta.

Observou Winnicott (1971) que, no âmbito de uma consulta terapêutica

se dá, através de sua moldagem, tanto uma investigação diagnóstica, quanto

uma intervenção terapêutica.

Como intervenção direta com a criança, mais sofisticado e interativo,

Winnicott (1968) propõe atenção psicanalítica ao assim chamado “jogo do

rabisco”, em que é contemplada uma criança já de maior idade, que está no

período dos rabiscos e garranchos, ficando evidente possível uso terapêutico,

investigativo e participativo.

Aqui já existe uma interação mais direta e intencional entre a criança e

o investigador, inscrito na condição de parceiro nos garranchos e rabiscos,

propiciador de descobertas compartilhadas, havendo a dimensão psicoterápica

da relação.

Em todas estas experiências, desde o jogo de espátula e dos rabiscos,

até os projetos de intervenção mais recentes citados, há uma indiscutível

intencionalidade dos autores em propor uma estratégia estandardizada que se

crê facilitadora da descoberta, mediadora de uma experiência de inegável

dimensão psicoterápica reparadora, restituidora, ou de vislumbre do novo, com

a elogiável inventividade de inclusive prescindir da interação propriamente

verbal entre os participantes, o que durante muito tempo se chancelou como o

divisor de águas de poder ser chamado psicanalítico, dando-se costas às

evidências de que a ludoterapia (terapia pelo jogo ou pelo brincar) sempre vem

tecendo ganhos extraordinários por se apoiar nestes fenômenos que

justamente muitas vezes prescindem da verbalização.

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Entre o jogo da espátula e o jogo do rabisco há uma importante

diferença, portanto, posto que no primeiro toda a referência da situação

estabelecida é dada para que a criança escalonadamente, passo a passo, dela

se apodere; já no rabiscos o compartilhar é mais flagrante, também discorrendo

passo a passo, ou rabisco a rabisco.

Parece que seja possível encontrar estas duas dimensões em uma

consulta médica em que há disponibilidade de escuta e interesse por parte do

examinador, pois há uma situação estabelecida inicialmente como uma

consulta médica e, no decorrer do processo, médico e paciente efetivamente

dialogam, ficando neste segundo momento a possibilidade de se abrir um

campo para a vivência compartilhada – de uma situação estabelecida ao início

talvez se possa transicionar para a dimensão mais interativa encontrada no

jogo do rabisco.

Como se daria isto e que condições facultariam esta sofisticada

diferenciação?

Esta indagação abre uma possibilidade de investigação.

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CAPÍTULO IV.

PERSPECTIVAS ABERTAS PELA TÓPICA WINNICOTTIANA

Devo, em primeiro lugar, explicar a ousadia de falar em uma tópica

winnicottiana, algo um tanto estranho para quem está familiarizado com o

pensamento deste autor e sua natural repulsa por este tipo de termo, assim

como me deter mais atentamente no que menciono acima como uma vivência

compartilhada.

Winnicott, no desenvolvimento de seu modo original de propor um

manejo psicanalítico próprio que o destacou dos demais psicanalistas, cumpriu

o que Safra (2000) propôs fundamentar como um paradoxo de ruptura e

recaptura de uma tradição, aqui no caso psicanalítica.

Esteve Winnicott, após sua primeira análise com John Rickman,

crescentemente interessado nas formulações de Melanie Klein, as quais

indubitavelmente deram amplitude e aprofundamento às contribuições

germinais de Freud.

Enredado em anos de supervisão pessoal de seu trabalho com Klein

(Aguayo,2004), passou por uma segunda análise pessoal com Joan Rivière e,

em determinado momento, embebido e também intoxicado pela hermenêutica

e ortodoxia kleinianas, cria seu movimento pessoal de ruptura e de restauração

de seu próprio eu.

Esta inflexão se deu justamente no momento em que produziu o seu

artigo sobre os objetos e fenômenos transicionais, que a princípio seria

inclusive publicado como um capítulo no livro Os Progressos da Psicanálise(Aguayo, 2004), agrupado junto com autores hoje identificados

como sendo do grupo kleiniano.

É sabido o fato de Winnicott (1987) rejeitar formulações como posição

esquiso-paranóide e um excesso de ênfase ao que os kleinianos se referiam

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como mãe interna e preferência aos processos de introjeção e projeção, à luz

da ansiedade persecutória e de ameaça de aniquilação, que são as “jóias da

coroa” do pensamento kleiniano.

Anos mais tarde, chega a lastimar (Winnicott, 1987) o fato de que

Wilfred Bion, quando faz a formulação sobre o que aquele autor chamava de

rêverie, não observara que estava próximo do que ele Winnicott formulara

sobre a capacidade da mãe suficientemente boa, objeto externo real.

Confessou ele inúmeras vezes que a sua experiência clínica como

pediatra e testemunha do desenvolvimento crescente da maturidade da criança

a partir do consentimento materno à fantasia de criar o mundo e o próprio seio

presentes no lactente, sustentado pelo que chamou de holding da mãe assim

concebida como suficientemente boa, apresentava uma mãe que de fato existia

e não era fantasia, alguém que se deliciava com a idéia de ser atacada em seu

seio farto de leite por um bebê voraz que desejava ser acalentado em sua

fantasia onipotente, e não por um pequeno ser já repleto de impulso de morte e

de inveja, que se sentia extremamente ameaçado de ser retaliado por suas

fantasias sádicas.

Não havia, portanto, reconciliação possível entre o seu pensamento e o

do grupo kleiniano, bem como não havia possibilidade de ser aceito e acolhido

por aqueles que acompanhavam Anna Freud.

Nem lá, nem cá, nem dentro, nem fora, apenas a partir de um ponto em

que conseguisse ter a perspectiva crítica, que permitisse o movimento, visse

com a trajetória de procurar-se e procurar o outro, relacionando-se com ele,

sem fusão, sem identificação plena, sem fanatismo: o evoluir máximo seria o

concern, admitindo o que Klein esboçara com posição depressiva, a maior das

ferramentas a empatia e o respeito, o profundo respeito ao humano, no que

tem de genuíno e fundamental a cada ser.

O que chamo, portanto, paradoxalmente de tópica winnicottiana, não é

um lugar fixo, mas um deslocar-se pela cena clínica, saber dançar um pàs-de-

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deux, circular por planos de luz e sombra, seria mais uma abertura do analista

para a experiência de jogo em direção à possibilidade do self do analisando

acontecer.

Winnicott propõe hipóteses conceituais ao invés de conceitos fixos,

lega a perspectiva da transicionalidade como o deslocamento de dois corpos

que, na cena de sua experiência emocional própria, se determinem, se

mutualizem, compartilhem e descubram juntos novas perspectivas: a isto me

refiro como o vivencial compartilhado.

Dizendo de outro modo, permite o analista que a situação seja

apreendida pelo paciente em sua necessidade de viver uma experiência de

transicionalidade em direção a uma maior integração psíquica, processo este

compartilhado vivencialmente por ambos, paciente e analista, a partir da

aceitação do analista, bem como da mãe com o seu bebê, de ocupar um lugar

tal ou provisão de função através da qual possibilite o movimento aquisitivo da

experiência compartilhada, caminhando junto.

Como na célebre passagem de Macbeth, de W. Shakespeare, o

analista se move como a floresta, seu lugar (tópica) é o movimento, nisto

residindo o paradoxo de sua função, lugar e deslizamento.

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CAPÍTULO V.

PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

A proposta é aplicar o método delineado a partir da proposta da consulta

terapêutica de Winnicott e estudar, detalhadamente, na clínica de consultas

psiquiátricas praticadas em uma instituição pública, por um psicanalista que

trabalha na referida instituição na função de psiquiatra, o uso como paradigma

do núcleo central que é a experiência construída por uma parceria entre o

paciente e seu médico-terapeuta em que a dimensão emocional proporcione

um novo conhecimento, transformador para ambos.

No contexto deste estudo, vamos nos reportar tão-somente a enfocar o

trabalho clínico de um médico psiquiatra, o autor deste estudo, o qual é

psicanalista e membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São

Paulo.

Tratar-se-á de um estudo de casos clínicos, adotando o método de

pesquisa clínica em psicanálise (Freud, 1905; Bleger, 1963, 1966, 1971; Safra,

1996; Rustin, 2000; Vaisberg, 2002).

Os casos escolhidos seriam em pequeno número, no máximo três,

para permitir averiguação mais pormenorizada. Poderiam vir a ser crianças

e/ou adultos, do sexo masculino e/ou feminino, escolhidos entre os pacientes

que demandaram uma maior atenção por parte do médico psiquiatra, tendo

sido ou atendidos através de um maior número de consultas, ou por consultas

bem mais longas do que as tradicionais consultas ambulatoriais, as quais

geralmente são de abordagem mais breve. Decidimo-nos por dois adultos, um

homem e uma mulher, porque a criança inicialmente escolhida por questões de

mudança da família passou a ser seguida em outro serviço.

A amostra é intencional e visa apresentar casos de maior dificuldade

de manejo clínico e de maior perturbação emocional vivida pelo paciente.

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O estudo é retrospectivo, para que se analisasse algo já ocorrido e

transcrito, livre de uma intervenção imediata do autor, o que poderia gerar viés

questionável, bem como, tendo havido registro prévio em prontuário clínico,

permitir que os dados possam ser checados por outro pesquisador.

Utilizamos dados anotados no prontuário clínico da instituição, a qual

deve nos deu autorização formal para isto, bem como os pacientes assinaram

termo de consentimento esclarecido (Anexo 1), segundo os moldes das

Comissões de Ética e Científica da instituição, respeitando-se a legislação do

país que regulamenta os procedimentos de pesquisa envolvendo seres

humanos.

Através dos dados de prontuário, observamos os movimentos do

encontro ocorrido entre médico e paciente, em consultas psiquiátricas

ambulatoriais, à luz de tentar captar em um malha fina os fenômenos mentais

subjacentes, procurando destes chegar aos conceitos aos quais os

psicanalistas são afeitos, como transferência (Freud, 1912; Winnicott, 1975),

resistência e contratransferência (Freud, 1912; Winnicott,1975), tendo aqui por

base o enfoque winnicottiano, que nos propõe pensarmos através de uma

experiência transicional (Winnicott,1975), que se dá em um espaço potencial.

Adotamos a perspectiva de mirar um encontro clínico como se

constituindo na possibilidade de uma intervenção terapêutica e não-somente a

procura de um acertado diagnóstico médico e a tomada de condutas face a

este diagnóstico. Esclareça-se que o uso do plural não é recurso majestático,

mas indicativo da presença da coautoria reflexiva e necessária do orientador

desta tese.

Desta amplificação da clínica, para além da inclusão da competência

médica, esboça-se o campo de uma consulta terapêutica.

Neste tese tenho a intenção de investigar, através do exame

retrospectivo de algumas situações clínicas, à luz da idéia central da consulta

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terapêutica proposta por Winnicott, em que me parece ocorrer “um algo a

mais”, se é possível observar a presença destas duas condições, ou seja,

situação estabelecida e compartilhamento vivencial, provavelmente inscrito em

um plano para além do verbal, ou até a prescindir dele.

A inserção da presente proposta no campo psicanalítico se dá pelo fato

de que me apresento como um profissional que privilegia a vivência

compartilhada, ou seja, está atento ao relacionamento interpessoal presente o

encontro clínico intersubjetivo, entendendo-o como uma base fundamental para

a investigação da situação emocional relevante.

O presente tese é uma continuidade de minhas reflexões, de influência

marcantemente winnicottiana, contidas em minha dissertação de mestrado, na

qual estudei retrospectivamente consultas médicas psiquiátricas de pacientes

que demandaram muita atenção clínica.

Naquela ocasião, cheguei à conclusão de que os “pilares” de minha

formação psicanalítica, notadamente a escuta e a atitude de acolhimento, a

disponibilidade em arcar com as dificuldades e complexidades do manejo

clínico de cada caso estudado, visualizando as necessidades específicas de

continência de cada indivíduo na condição de paciente, viam-se retratados no

que Winnicott propôs como holding, observando que esta atitude terapêutica,

determinante para o acontecer de um encontro clínico amplificado, tinha me

norteado, sem que eu soubesse previamente a dimensão deste fato, na lida

daquelas situações muito difíceis.

Dizendo de outro modo, percebi que confirmei a minha hipótese inicial

de que agira não-somente como psiquiatra clínico, mas também que tinha me

ancorado em algumas habilidades de psicanalista.

O fato é que me vi sem uma intencionalidade prévia de ser psicanalista

para além de psiquiatra clínico, mas tinha uma impressão de que talvez em

algum momento pudesse sê-lo. Tratei de informar o leitor do trabalho que

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concretamente eu sou um servidor público naquela instituição, concursado,

contratado e atuante como psiquiatra clínico.

Continuo o meu trabalho na mesma instituição, pratico consultas

regulares como psiquiatra, não uso nenhuma espátula, prancha para rabiscos,

arranjo floral ou situação estandardizada além da consulta em si.

Porém, fui colhido pela impressão, calcada na conclusão de minha

dissertação de mestrado, de que a escuta atenta e a disponibilização do gesto

manifestados pelo holding estão presentes, bem como nas situações

anteriormente citadas em que havia intencionalidade clara e manifesta de

propor uma intervenção de caráter psicanalítico, na medida em que há escolha

de recursos apropriados habitualmente mencionados como materialidade

intermediadora (Vaisberg, Machado e Ambrosio, 2003) nos projetos do Ser e

Fazer.

Portanto, a idéia central esboçada era que tão somente a postura e o

interesse do profissional pode criar um campo mais alargado, mais além do

examinar médico concernente à situação.

APLICABILIDADE DA PROPOSTA EM UM CONTEXTO MÉDICO Não estou tratando de algo original ou desconhecido dos clínicos,

considerando que muitos colegas, sem nenhuma experiência com o estudo ou

formação em psicanálise, desta ou daquela corrente, sabem por sua própria

experiência atendendo seus pacientes.

O que ocorre é que este tema geralmente consta de comunicações

breves em encontros (Marson,2002) ou de lembretes escritos em editoriais de

revistas científicas (Moraes Filho,2003) ou capítulos de livros-texto, de

Medicina Interna ou de Psiquiatria.

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O que estou propondo é a investigação, com mais minúcia, do que

determina a emergência destes contextos mais alargados do que somente a

escuta, possivelmente até sem que haja uma intencionalidade consciente inicial

de descoberta por parte do examinador, considerando o mundo psíquico de

seus pacientes.

Tem sido evidente o esforço de muitos autores de incluir o acontecer

psíquico no estudo de suas práticas (Aruga, 2003; Gil, 2004; Herr, 2004;

Kielan, 2003; Orr, 2002; Quigley, 2003).

Desconfio que muito do que vai se estabelecendo entre o médico e seu

paciente é acidental ou próximo do que Winnicott chamaria de gesto

espontâneo (1987).

Safra (2000) aponta que o gesto é um fato observável muito pouco

estudado em psicanálise. Menciona que o gesto é inerente ao contato humano,

determinante do constituir-se humano, desde a experiência sensorial do

contato do bebê com sua mãe.

O contato humano, portanto, tomando esta referência, traz sentidos e

determinações: cria, inaugura, recupera, resgata.

Procurando ser mais claro, não acredito que eu, como tantos clínicos

praticantes, pratique consultas terapêuticas como Winnicott depois as

desenvolveu, com método de exame e intervenções intencionais visando

transformações psicanalíticas compartilhadas, porém me parece plausível de

verificação o fato de que uma consulta médica, ainda que não carregue a

intencionalidade clara de uma proposição de situação estabelecida do ponto de

vista winnicottiano, pelo interesse do profissional, receptividade por parte do

paciente tendo este as condições cognitivas e simbólicas para elaborar, possa

chegar muito próxima de uma dimensão de consulta terapêutica no sentido

winnicottiano.

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É provável que isto se dê pelo gesto humano do interesse em

responder a uma necessidade a ser descoberta, pela procura do paciente e

pelo oferecimento de uma disponibilidade intrínsica à presença do médico, tal

como se esboça na situação mãe-bebê.

Parece que isto pode ocorrer espontaneamente, como um

desdobramento aparentemente não visado quando se conhecem médico e

paciente e estão em primeiro lugar engajados em diagnóstico clínico e na

redução do impacto desagradável dos sintomas, considerando-se que a maior

parte das condições clínicas não são curáveis, apenas assistíveis e

controláveis parcialmente, sobretudo com o uso de medicamentos.

Com relação ao uso de medicamentos, prática corrente nas consultas

psiquiátricas, é interessante considerar que Winnicott, do mesmo modo que

propôs que não existiria esta coisa a que chamamos de comumente de bebê

(1941), sem que considerássemos a relação mãe-bebê, também propôs que

superássemos a distinção mente-corpo (1949) e observássemos que não

existiria o que chamamos de mente se não considerarmos a unidade sômato-

psíquica, sendo que a nossa percepção do fenômeno psíquico se dá pelos

nossos sentidos, vistos a partir dos elementos corporais.

Assim sendo, seria indispensável açambarcar o que aparece cindido

como somático ou sintomático em uma esfera mais integrada, que ele propôs

ser o Self.

Desde que a percepção psicanalítica se fundamente nesta visão, a

necessidade da lida com o que o “corpo demanda” não poderia estar cindida

deste todo – como vários enfoques psicanalíticos teriam consagrado quase

como um paradigma obrigatório de considerar a mente ou o psíquico de um

lado e o somático quase como uma excrescência, de outro - e, sendo uma

necessidade propiciar certo grau de conforto e condições contínuas de

estabilidade vivida a partir dos registros sensoriais do corpo, não haveria de

fato conflito ou esvaziamento do trabalho emocional se houver preocupação de

atenuar também a quota de sofrimento físico, ou mesmo dos fenômenos

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alucinatórios, dirimidos por agentes psicomarmacológicos, desde que inseridos

responsavelmente no âmbito da relação médico-paciente.

Suficientemente esclarecedora é a afirmação de Balint(1988) de que a

pessoa do médico é efetivamente a primeira droga que ele fornece ao paciente:

“ Durante vários anos organizou-se na Clínica Tavistock seminários de pesquisa

destinados a estudar as implicações psicológicas da clínica médica geral. Aconteceu que o

primeiro tópico escolhido como tema de discussão em um desses seminários foi o de

substâncias que habitualmente são prescritas pelos clínicos gerais. A discussão revelou

rapidamente – com certeza não é a primeira vez que isto ocorre na história da Medicina- que a

droga mais freqüentemente utilizada na clínica geral era o próprio médico, isto é, que não

apenas importavam o frasco do remédio ou a caixa de pílulas, mas o modo como o médico os

oferecia ao paciente- em suma toda a atmosfera na qual a substância era administrada e

recebida.” (op.cit, pg.1)

Prossegue nesta temática qualificando como alarmante a falta de

estudos sobre este tipo de “nova farmacologia”, sugerindo que “ a experiência e

o senso comum ajudarão o médico a adquirir a suficiente habilidade de

prescrever-se a si mesmo”.

Enfatiza este autor que o encontro humano fornece um importante

acontecimento, sobretudo nas modernas grandes cidades, em que as pessoas

de um modo geral se encontram desenraizadas e desamparadas.

A afirmação de Balint(1988) de que a pessoa do médico é efetivamente

a primeira droga que ele fornece ao paciente assinala o sentido da medicação

no campo transferencial da consulta. O medicamento pode além dos efeitos

químicos ter efeito afetivo, transicional, sexual.

Em seu artigo sobre consultas no departamento infantil da Sociedade

Britânica de Psicanálise (1942), inclusive chega a recomendar que vários casos

tivessem pelo menos um seguimento regular com psiquiatras, em não havendo

a possibilidade de serem absorvidos por programas de psicoterapia

psicanalítica, pelos mais diversos motivos, desde econômicos até geográficos.

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CAMINHO PROPOSTO Se estou certo no que estou a perscrutar, não estou falando de nada

novo, mas apenas propondo o estudo um pouco mais detalhado de um ato

deveras conhecido por muitos clínicos experimentados e que acreditam na

relação médico-paciente.

Procurarei apenas estudar através dos balizamentos deixados por

Winnicott, por considerar que sua contribuição se destaca das demais.

Uma hipótese que parece possível esboçar é a de que o encontro

humano é o que crie em potencial uma situação estabelecida inicial que pode

evoluir para um contexto terapêutico ou compartilhado, trazendo assim a

dimensão psicoterapêutica, presente em uma consulta terapêutica como vimos

acima, caracterizada pelo uso concreto de um facilitador material como

rabiscos, desenhos, etc..

A hipótese que se depreende disto é a de que a presença ou o gesto

criaria as condições em potencial para o desenvolvimento de um encontro

emocional significativo.

A PROPOSTA WINNICOTTIANA

Deve-se fazer uma clara distinção entre acolhimento e holding, porque

o conceito de holding não pode ser equiparado a acolhimento. Holding é

sustentar uma situação que permite ao paciente ao longo do tempo poder viver

um estado de não-integração sem risco de desintegração. O acolhimento pode

ser contemplado pelo holding, mas holding é mais que isso: é manejo de

tempo, é situação necessária para o gesto espontâneo necessário a criação do

objeto subjetivo, é manuseio da corporeidade do paciente.

A originalidade da contribuição winnicottiana está muito ancorada na

amplitude potencial que a noção de holding traz para o campo psicanalítico,

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como um estado de receptividade mental que concede a percepção de um

espaço a ser preenchido, encontrando sua expressão-experienciação na

atitude do analista entre o investigar e o receber.

Assim, a inscrição winnicottiana no campo analítico traz um frescor de

um vento caloroso e firme para a vela do barco psicanalítico.

Winnicott está inscrito no campo psicanalítico desde Freud,

considerando-se o fato de sua admissibilidade quanto à existência de um

inconsciente e de que na vereda do encontro clínico o fenômeno transferencial

é um fato indiscutível, ou seja, visa-se pela intervenção o que é desconhecido

ou “esquecido“ reprimido, bem como se considera que o passado emerge com

trajes da atualidade verificável pelas palavras e suas associações ou lapsos,

bem como por comportamentos ou outras expressões como encenações,

desenhos, etc.

Sua originalidade reside em sua concepção do desenvolvimento

humano, em que dá ênfase ao que conceitualiza por uma ambiência ampla que

ajuda o pequeno ser humano, imaturo e dependente a princípio, ajudado por

um ego auxiliar, em direção a um crescimento integrativo de seu próprio Self, o

que tende a se completar se não ocorrer nenhum grave acidente de percurso,

ou falha ambiental.

Aqui se entende o bebê humano, sua mãe, as condições psíquicas

desta, o ambiente familiar que enlaça este binômio mãe-bebê, até condições

sociais, materiais e culturais que entornam esta relação e podem nela fazer

alguma sombra (Safra,2000).

Acredito que a grande originalidade da abordagem de Winnicott vem do

seu destemor em relação ao contato com o ser humano.

Para ele, o que na experiência com o ser humano é visto como o mais

difícil, que é a agressividade em suas manifestações destrutivas e de fato

perigosas, a tendência antisocial, as perversões, o colapso psicótico e a

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alienação da profunda dissociação quanto à própria identidade, são frutos de

quebras e de falhas ambientais, entendendo-se ambiente com uma exagerada

carga humana e relacional (interpessoal).

Assim, entende-se porque, para ele, qualquer fenômeno humano

merece ser perscrutado desde a sua intrincada e obscura origem, vendo nela

um ponto de inflexão e quebra de algo que em tese poderia ter tido outro

caminho que não o desastre, tivessem sido outras as condições dadas.

Portanto, a origem deve ser reconstruída, desvelada, descoberta, e é

para onde o paciente tem uma tendência atávica a regredir (Winnicott, 1954),

se a ele for dada alguma esperança de que isto seja possível, ainda que com

os parcos vestígios que temos dificuldade em captar e cuja única chance para

isto é o compartilhamento vivencial dado pelo encontro clínico.

Aqui se marca que este encontro deve se dar na dimensão do que é

possível, seja através de um longo processo psicanalítico, que se dá ao longo

de muitos anos, com vários encontros semanais, seja através de uma

psicoterapia mais modesta, breve ou focal, ou o que, em sua dimensão mais

econômica, mas nem por isto menos potente, se dá através do dispositivo das

consultas terapêuticas (Safra,2000), a meu ver divididas em aquelas que têm

um instrumental já determinado, como vimos acima, e as que contam “apenas”

com a presença de alguém disponível a estar ali e escutar, residindo nesta

presença emocional efetiva a sustentação da situação de potencial terapêutico

ou psicoterapêutico.

No estudo que proponho, estou me dirigindo à minha prática

profissional como médico, no caso como especialista em Psiquiatria, estando

presente a princípio apenas com o óbvio interesse de atender pessoas com a

finalidade de coletar dados de suas histórias pessoais e classificá-los segundo

critérios diagnósticos que possam facultar o tratamento clínico, calcado no uso

de psicofármacos, o que consta do que eu chamaria de “pacote mínimo “ de

uma consulta psiquiátrica, possivelmente com potencial para inclusão de outras

emergências vivenciais, que pretendo sejam objeto do presente trabalho.

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Winicott dizia que em muitas situações era um psicanalista fazendo o que o paciente necessitava.

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CAPÍTULO VI.

EM DIREÇÃO À CONSULTA TERAPÊUTICA A questão que se coloca como um desdobramento natural do que se

pretende investigar é em que medida serve a proposta da consulta terapêutica

à prática da consulta psiquiátrica, ou no que a consulta psiquiátrica se

aproxima em sua dinâmica à proposta de Winnicott, em que se distancia e se a

pode ter como referência em sua prática.

Tendo ficado explicitado que a consulta terapêutica é uma prática com

limites e ressonâncias em relação à prática analítica aqui chamada como

clássica, cabe refletir se a consulta médica-psiquiátrica, ela também guarda

limites e ressonâncias com a proposta e a prática da consulta terapêutica

winnicottiana.

As matrizes da consulta terapêutica proposta por Winnicott estão

especificadas no jogo da espátula e no jogo dos rabiscos, sendo que podemos

ver que ambas as situações propõem ao paciente um uso da situação clínica

em si mesma, estando contido também um uso do próprio analista pelo

paciente.

Na situação estabelecida (espátula), o bebê paciente passa por três

períodos – hesitação na apresentação frente à espátula, com titubeio;

comunicação e gesto de captura; exploração plena, gozo e uso, com o

desfazer-se dela ao final.

Nos rabiscos, o paciente-criança inclui-se na parceria, imiscui o seu

produzir com o do analista, ambos percorrem o indeterminado pas-des-deux do

partilhamento, podendo a descoberta liberar o paciente de uma dissociação

que se desfaz na medida em que ele usa plenamente toda a cena e o seu

parceiro.

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Em ambas as matrizes há um oferecer e propiciar por parte do analista

(holding), um permitir o uso da situação, havendo na primeira um roteiro já

previsto de três fases que naturalmente podem sofrer variações, mas no

rabisco o apelo ao reconhecimento da pessoa do terapeuta e

conseqüentemente à transferência parece ser muito mais forte, sendo que

devemos considerar que no rabisco há a visibilidade de uma criança em uma

vivacidade de relação com mais recursos e no jogo da espátula investiga-se

um bebê, ainda ancorado de modo mais intenso em seu narcisismo

constitutivo, sustentado pelo colo concreto e real da própria mãe.

Poderíamos considerar que o paciente da consulta médica, trazendo

uma queixa, ainda que de reconhecida natureza mental, a especifica na esfera

somática, regredido e dependente como o bebê de colo, constituindo um

enquadre mais fixo de momentos – queixa, manifestação do seu sofrer;

expectativa do parecer do médico; expectativa de sair do encontro com

esperança de melhora e de retornar – e no fato de já haver um roteiro parecer

mais familiarizado à apreensão de uma espátula que seria o fato daquele

encontro lhe trazer alguma tranqüilização, caminhando da hesitação angustiosa

à perspectiva de ter usado o encontro para ter algum controle sobre o que

sofre, podendo prescindir dele na medida em que se sinaliza um outro

procurar, como quando o bebê se desfaz da espátula e passa a investigar o

chão, ou outro objeto presente na sala.

Assim, a questão de visibilidade da transferência só poderia se dar a

partir de uma modificação de campo e da possibilidade de estabelecimento de

um diálogo, já se vendo em um segundo momento com mais recurso a ponto

de poder explorar-usar o médico a ponto de lhe conferir uma dimensão de

parceiro de rabiscos.

Neste segundo momento o rabisco seria um diálogo livre-associativo,

uma espécie de sonho compósito de narrativas reais e dimensões de gestos e

sentimentos, parecendo que estes encontros seriam breves momentos no

decurso de um trajeto pontilhado por muitas queixas e regressões.

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CAPÍTULO VII.

DIMENSIONANDO O USO DOS CONCEITOS Aplica-se aqui a necessidade de alguns esclarecimentos quanto ao

modo como as idéias de Winnicott encontram-se empregadas ou “utilizadas".

Em primeiro lugar cabe a observação que naturalmente Winnicott

propunha seus conceitos como hipóteses conceituais, ou como emergentes ou

decorrentes de uma criteriosa observação de dados encontrados na clínica

(como no jogo da espátula), fruto de inúmeros casos anotados.

Portanto, trata-se de conceitos estabelecidos baseados em observação

no relacionar-se, em movimentos que permitiram que fossem atribuídos nomes

como, por exemplo, período de hesitação.

Ainda assim, no escopo do desenvolvimento científico de sua obra,

pode-se observar que os conceitos são abertos a uma espécie de jogo de

rabisco com outras experiências observadas ou mesmo inferências indutivas

plausíveis na medida em que encontrem aplicabilidade na cena clínica.

Parágrafos acima, assinalado foi que o conceito de um período de

hesitação permitiu um manejo clínico diferenciado ao que antes poderia ser

conceituado como resistência do paciente, a partir da contribuição germinal de

Freud.

Deste modo, cabe aqui a princípio localizar o campo da emergência

conceitual de Winnicott, bem como, posteriormente, indicar como se poderia

rabiscar a partir do proposto por Winnicott.

A segunda parte do parágrafo anterior pode parecer pretensiosa, mas

deve-se propor também investigar uma presumida extensão de um

conhecimento já consensual, se se entende que isto possa ser de relevância.

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Tem sido mencionado com freqüência o termo uso da consulta, uso do

terapeuta por parte do paciente e assim tem sido feito nesta tese, bem como

quando tem sido registrado aqui experiência ou vivência emocional

compartilhada.

Em O Brincar e a Realidade (Winnicott, 1971), no capítulo VI,

intitulado o uso de um objeto, argumenta Winnicott que a maior parte de

nossos pacientes já vem de um período de capacitação em que podem usar, o

que equivale dizer que têm capacidade de destruir objetos, o que permanece

como uma capacidade sempre presentificada.

O que Winnicott propôs foi que o ser humano evolui de um momento

em que se relaciona com o objeto através do uso projetivo para um momento

seguinte, se corre tudo bem, ou seja, quando há sustentação (holding) e não

falha ambiental, para um momento seguinte em que o objeto sobrevive à

tentativa de ser destruído e, deste modo, capacita-se, o objeto, fora do controle

onipotente por parte do sujeito, para ser por ele usado, porque adquiriu uma

resistência, uma vez que foi submetido à prova.

Foi o que teria ocorrido com a espátula, que pôde ser descartada, ou

mesmo com quem possibilitou (o pediatra, o psicanalista) ao lactante a

situação do uso da espátula, que de ameaçador passa a um elemento a mais

em uma cena em que a criança já adquiriu controle, ou já pôde usá-la.

Outro dado a ser sublinhado é que quase tudo o que Winnicott

escreveu aplica-se à observação de crianças pequenas, que usualmente são

espontâneas em seus movimentos e não já envolvidas por uma capa defensiva

ou pouco espontâneos como usualmente são os adultos, principalmente

quando consideramos os adultos que vêm a uma consulta médica, com

queixas precisas e na expectativa de alívio sintomático.

Quando Winnicott propôs o conceito de holding, ele o estabeleceu mais

do que um simples acolhimento compreensivo, e sim como uma grande

capacitação de sustentação de cuidados físicos e emocionais(Abram, 2000,

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p.135), sendo desta forma que foi proposto o estado mental do médico em uma

consulta, preocupado com a dor mental e o sofrer corporal de seu paciente.

É esta preocupação do médico que permite aproximação ao que

Winnicott postulou como preocupação materna primária, considerando o

período de dependência máxima da criança de sua mãe (Newman,

2003,p.139), posto que a situação do paciente que recorre em sofrimento ao

médico também é a de depender completamente dele para lhe dar um

diagnóstico e tratá-lo de acordo com os conhecimentos médicos.

O médico, portanto, tem de primeiro suportar uma situação de

sofrimento emocional intenso, com risco de falha de graves proporções, como

também, sobrevivendo à própria descrença e desespero do paciente, deve

permitir ao paciente que o use como alguém a quem vai despejar todo o seu

desconforto, possibilitando então ao paciente a descoberta de uma parceria, de

um compartilhamento emocional, com uma vivência real, que pode ser sentida

de modo significativo.

Deste modo, pode-se observar a aplicação de um arcabouço conceitual

descrito por Winnicott tendo em mente o mundo psíquico da criança, em um

contexto expandido, podendo-se, nestes rabiscos a partir de Winnicott, postular

que ele tratava do humano, demasiadamente humano.

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CAPÍTULO VIII. A CONSULTA TERAPÊUTICA COMO PARADIGMA

Considerando a consulta terapêutica proposta por Winnicott algo com

objetivo e modo de realização já de há muito fundamentada por este autor,

considerando os inúmeros trabalhos pertinentes a este campo já explicitados e

referenciados no corpo e nas referências deste presente estudo, cabe discutir a

medida em que esta proposta pode se constituir em paradigma para as funções

clínicas de um profissional em sua seara clínica não detendo propriamente as

prerrogativas e condições de uso pleno da consulta como proposta original de

Winnicott(1976).

Mais do que um standard, pode-se considerar que o que o autor

realmente estimava é que a experiência tivesse um caráter de propiciar uma experiência emocional significativa, o que pode ser considerado como uma

intensa partilha emocional e o fato de que cada um dos atores-pessoas

envolvidos na cena pudesse beneficiar-se da tecitura ampla e complexa do

encontro, angariando a partir daí um tipo de conhecimento que se constitui em

patrimônio pessoal adquirido de modo inquestionável: suas marcas a partir do

encontro modificariam de modo definitivo um e outro, ainda que não do mesmo

modo para um e outro. Acima discutimos este aspecto relacionado à

horizontalidade e verticalidade dos papéis na relação analítica.

Portanto, esta questão não é possível ser definida como uma empiria,

mas tem fulcro e consistência com experiência humana singular, como emoção

vivida, como uma ética da existência e do respeito ao outro.

Antes de qualquer coisa, é necessário ser educado, olhar para o outro,

saber que ele está lá, dar-lhe ouvidos, emprestar-lhe os seus sentidos, sua

atenção, estando assim presente na presença do outro…

Por essas colocações considero ser psicanalista é uma atitude.

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2 A EXPERIÊNCIA CLÍNICA Dados Clínicos

Luiz Henrique é portador do vírus HIV e foi encaminhado por seu

médico clínico infectologista para uma consulta psiquiátrica cerca de dois anos

atrás. Na ocasião, queixava-se de uma irritabilidade extremada, caracterizada

por falta de paciência e reação desproporcional a pequenas contrariedades,

que acarretavam repentes de manifestações raivosas, geralmente no plano

verbal, mas com quase risco de ser agressivo até fisicamente. Além disto,

exibia incontestáveis queixas depressivas, como labilidade emocional e chôro

fácil, desânimo, desinteresse, sentimento de abandono, tendência à não-

adesão ao necessário tratamento com antiretrovirais, o que significava que sua

doença poderia evoluir perigosamente, se algo não fosse feito.

Situação emocional

Já de início, a própria conduta médico-psiquiátrica a ser adotada trazia

impasses significativos, pois o percebia uma pessoa impulsiva e irritável,

característica do campo maníaco, pois inclusive sua expressão verbal poderia

ser descrita como hipomaníaca, pois falava sem parar e com considerável

elação irritada do afeto, bem como trazia características depressivas.

Prescrever um antidepressivo tão-somente poderia exacerbar sua irritabilidade;

pensar em tratar uma mania também parecia impróprio, pois a clínica era de

tênue hipomania, sendo ainda necessário observar que, como já usava os

antiretrovirais e outras medicações, também estava colocada a importância de

medicá-lo com o mínimo possível, em função da interação potencial dos

fármacos, a qual levaria à toxicidade.

Medicá-lo era necessário, pois já vinha de longo tratamento

psicoterápico, sendo que o encaminhamento psiquiátrico também partia da

colega psicóloga. Assim sendo, optamos por um antidepressivo em baixa dose

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e um tranqüilizante, medicações comuns em clínica psiquiátrica e já

consagradas por seu amplo uso clínico, o que também nos garantia mais

segurança.

Como se vê, em primeiro lugar tive de acudir ao médico que falava de

dentro de mim e que estava engajado naquela situação também.

Havia uma grande pressão emocional, o desespero do paciente diante

de reações que tinha e não controlava, observando-se como um corpo em

queda livre, ou um carro no rumo de um precipício.

Minha situação era de estar sob esta imensa pressão, mas

diferentemente dele ter de encontrar algo para fazer, ainda que de resultado

incerto, arcando com o risco.

Sem conhecer muito bem quem estava ali comigo, tinha de ter uma

espécie de fé de que deveria ouvi-lo atentamente, dar a ele toda atenção que

me era possível empenhar, estar ali presente emocionalmente, apesar da

incerteza de acertar imediatamente no manuseio clínico.

É mais ou menos como a situação da mãe diante do choro de seu

pequenino bebê.

Ele foi ouvido atentamente, recebido de forma respeitosa e empática,

tendo sido as dúvidas (médicas) dirimidas, colocando-se o psiquiatra à

disposição para reavaliá-lo antes de seu retorno, se fosse necessário.

Nos retornos que foram se seguindo, ao longo dos meses, manifestava

ele que estava mais controlado, que podia observar com perplexidade pessoas

à sua volta que, como ele anteriormente, também procediam de modo

impulsivo e imponderado, mostrando-se alegre e efusivo, demonstrando serem

estas características pessoais, livrando-se do excesso de angústia passou a

trabalhar melhor e sentir-se mais compatibilizado com o seu tratamento,

vivendo sem tanto sofrimento como antes.

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A sua última consulta

Conversamos com brevidade sobre sua evolução e, de repente, Luiz

Henrique passou a contar detalhes de sua vida íntima, sendo que o seu relato

foi muito abrangente e forneceu um background antes não mencionado para

sua história de queixas clínicas.

Luiz vive há alguns anos com um companheiro que no momento o

sustenta economicamente e ele o menciona como um amigo, com quem só

tem amizade e que vem sendo a pessoa central na sua vida nestes últimos

anos. Jamais tiveram um envolvimento de relacionamento sexual. Antes de

morarem juntos, Luiz morava só e este amigo o convenceu a vir morar com ele.

Para isto, Luiz teve de se desfazer de alguns pertences e de um cachorro, que

era seu companheiro cotidiano, pois no novo prédio animais eram proibidos.

Assim que se mudaram, o amigo passou a se relacionar com um outro

homem, que aos poucos acabou se instalando no apartamento. Luiz o

detestava e conviviam se suportando reciprocamente. Luiz narrou vários

episódios em que fica caracterizado que o amante de seu amigo na verdade

fazia uma extorsão contínua deste, com evidente conluio do amigo. Luiz se

sentiu muito traído, ainda que não tivesse envolvimento com o amigo, mudou-

se de lá e o amigo ia vê-lo todos os dias, implorando para que voltasse, com o

que acabou consentindo, O amigo o “enrolava”, sempre prometendo que ia se

separar, o que nunca acontecia. Luiz sentia que o amigo precisava de sua

presença, pois ele funcionava como um “escudo”, uma vez que o amante do

amigo fazia contínuas ameaças de usar violência, se não atendido em seus

pedidos de dinheiro e bens que o amigo lhe “presenteava”.

Na sua associação livre, Luiz veio a falar de sua casa, mencionando a

profunda afeição à sua mãe e o horror a seu pai, um homem violento e

alcoólatra. Luiz neste momento mencionou que tem bebido, que se surpreende

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com o fato de gostar de ir a bares, pois como criança tinha aversão a bares,

por causa de seu pai.

Contou que em períodos como Carnaval costumava ficar até dez dias

sem tomar as suas medicações, o que o expunha a risco, para poder beber

continuamente, sendo que associava a bebida ao consumo de outras drogas,

como cocaína. Era um ato de insubordinação assumido.

Nestas ocasiões, viajava e passava períodos fora da casa do amigo.

Em outras ocasiões, ausentava-se para ficar alguns dias em casa de

sua mãe, quando a situação com o amigo e o amante deste lhe parecia

insuportável. Na casa de sua mãe, recebia conforto dos irmãos e não se

drogava.

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3 BREVES CONSIDERAÇÕES Parece de grande importância o fato de que o paciente pôde introduzir,

em sua consulta, um tipo de comunicação que vai além de apresentar tão-

somente a evolução do tratamento de uma queixa clínica que apresentara a

princípio, permitindo o surgimento de uma temática que apresenta questões

emocionais de seu dia-a-dia, as quais podem situar mais nitidamente quem é

enquanto um sujeito que tem um vida emocional complexa e peculiar à sua

individualidade.

Estamos no âmbito do estabelecimento de uma intimidade com o seu

médico, evidente na comunicação dos fatos emocionais.

Pode-se supor que o médico agora é sentido como alguém a quem

demonstra confiar, talvez por anteriormente sentir-se atendido e respeitado,

acolhido(holding).

Portanto, pode-se supor que uma atitude receptiva por parte do

médico possa ser suposta como um fator facilitador para que o paciente se

visse estimulado a depositar, na relação com quem o assiste, seus sentimentos

mais íntimos de temor, ameaça de solidão e desamparo.

Podemos supor que há um uso que o paciente faz da consulta médica

(situação estabelecida) e do contexto de encontro, próximo do que Winnicott

indicou em seu artigo sobre o uso do objeto (Winnicott,1968), como se fosse

ela(consulta ou a possibilidade de falar algo para seu médico) a espátula que a

pequena criança toma e começa a sugar.

Quando a criança suga a espátula, está, regressiva e

transferencialmente, dando a ela um uso regressivo posto que fixa no presente

algo que é uma necessidade que vem do passado (mamar/sugar como forma

de apropriar-se e aliviar-se de tensão) e uso transferencial posto que atualiza

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algo do passado para o presente, tomando uma figura do presente como igual

a uma figura do passado. É importante lembrar que para Winnicott,

transferência tem sua dimensão completa se apercebida em sua dimensão

regressiva (Winnicott,1954), sendo a regressão ao ponto de fixação uma

necessidade de quem regride, ou ainda, que a situação estabelecida em um

setting psicanalítico propicia a regressão.

Podemos ver que sua associação-livre leva-nos a observar em seu

psiquismo a colisão violenta entre a figura de um pai ameaçador com o qual se

percebe identificado e uma mãe indefesa representando a criança

desamparada que sente ter sido e continuar a ser, o que lhe é aterrorizante.

Também pode ser percebida a sua preocupação e como tenta fugir de

uma situação de maior desespero, ora procurando auxílio efetivo (cuidados

médicos, cuidados maternos, cuidados familiares), ora mergulhando em uma

atuação auto-destrutiva evidente.

É relevante notar que o próprio paciente, por suas próprias palavras,

conduz-se a ter maior visibilidade do que está acontecendo com sua própria

vida, sem que o médico nada tivesse verbalizado.

Aqui encontramos um dos pilares da proposta de Winnicott, que é o

manejo através do silêncio do analista (1963), posto que suas palavras

poderiam atrapalhar que o paciente pudesse ouvir-se falando ele próprio,

chegando assim à posse de um conhecimento que pode sentir construído a

partir de si-mesmo.

O que é relevante para o psicanalista que tem afinidade com a

contribuição winnicottiana é, por seu turno, sentir-se presente como um agente

facilitador da descoberta que pode ser feita pelo próprio paciente.

Mencionou sua mãe como alguém com quem tem uma relação

emocional afeiçoada, bem como com a família que sempre o recebe bem e

neste momento podemos conjecturar que transferencialmente também se

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refere à experiência que está vivendo com alguém que o recebe e o assiste: o

seu médico.

Podemos observar um movimento de transferência positiva, como é

comum na referência da linguagem psicanalítica assim anotar.

Observa-se que pode contar com naturalidade e sem medo ou

reservas que não consegue se controlar em períodos como o carnaval(o que

nem de longe cogita comentar com o seu clínico infectologista), em que chega

a abandonar o tratamento por alguns dias, sendo lícito supor que está a contar

como fica mais difícil lidar com suas dificuldades quando em ambiente em que

está ausente os seus cuidadores – médicos, familiares, amigo.

Como não há, na consulta, um ambiente de valoração moral, é possível

ver este fato (não-adesão) dentro de um contexto psicodinâmico de reação de

alguém que se sente boa parte do tempo submetido e aguilhoado por um tipo

de relacionamento com aspectos muito sofríveis, com o parceiro, ao qual se

dedica, mas por quem se sente traído.

O parceiro do amigo, visto como mau e abusador, pode ser cogitado,

neste contexto relacional, como uma representação de um superego arcaico

rígido e perseguidor (Klein,1946).

Esta é uma breve análise da situação que o paciente parece

apresentar, colocando-se a escuta psicanalítica do psiquiatra a serviço do

paciente estabelecer, assim, um espaço em que é recebido e pode ser ouvido

e abordado considerando-se certa ação psicoterápica, pois há o intuito do

médico, neste momento, de dar valor à experiência emocional em curso.

Observo que estas anotações aqui apresentadas não foram feitas ao

paciente. Trata-se de uma análise psicanalítica a posteriori, fora, portanto, do

que de fato aconteceu. Na cena da consulta, esteve presente a atenção, a

escuta e o respeito ao sofrer humano.

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Meu sentimento é o de que pude sair de um contato inicial de muita

tensão e indefinição para uma vivência de ter conversado livremente com ele.

Fico por aqui, observando que esta foi uma curta abordagem da

situação clínica, entretanto pertinente ao que foi inicialmente proposto, uma vez

que parece ser possível observar um âmbito psicoterapêutico que se

desenvolve em um encontro clínico que aparentemente não tinha esta

intencionalidade explícita, ainda que sem assinalações verbais psicanalíticas.

Estudar o que propicia o aparecimento desta dimensão parece ser uma

contribuição útil para a reflexão acerca do potencial de contribuição

psicanalítica psicoterápica para a esfera do trabalho institucional.

PARA ALÉM DA REFERÊNCIA MÉDICA Na discussão do presente trabalho, fui ceifado por uma boa quantidade

de indagações que me exigiam transpor o modelo eminentemente médico com

o qual espontaneamente apresentei o caso clínico acima.

Esclareço que não poderia deixar de falar, inclusive no contexto deste

trabalho, que se propõe como sendo de clínica psicanalítica, de dentro também

da referência do discurso médico que apresenta a relação médico-paciente

como uma relação do tipo sujeito-objeto, posto que este projeto é proposto

como um trabalho que possa intermediar discurso médico e referencial

psicanalítico, portanto que possa ser lido por médicos sem estranheza, uma

vez que busca partir de uma linguagem com a qual este tipo de profissional

está familiarizado.

Não obstante isto estar mais ou menos claro para mim, que me

apresento realizando um trabalho médico, estou propondo rastrear a existência

de um tipo de clínica que possa ser reconhecida como psicanalítica, daí a

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necessidade de buscar uma possibilidade de explicitar a experiência emocional

dentro da referência do modelo de relação sujeito-sujeito.

Como fazer esta tradução ou esta passagem? O viver psicanalítico

estaria presente em minha prática e de que modo?

Quem seria esta pessoa que está presente junto comigo? Que lugar

me deu em sua vida? O que esperaria de mim?

Como o recebi? Como teria vivido o impacto emocional do contato com

ele? Teria ele causado alguma modificação em mim? Teria eu propiciado algo

de efetivo para a sua situação de sofrimento humano?

Como ele chegou até mim? Qual a sua história de vida?

E mais: em que instituição trabalho, qual a minha inserção nela, e de

que modo isto poderia trazer alguma influência em nossa relação?

Com estas perguntas procuro esclarecer que muitas coisas não estão a

princípio estabelecidas e, portanto abre-se um campo de investigação e de

pesquisa psicanalítica.

Como um livre exercício inicial, tentarei percorrer estas indagações e

procurarei trazer alguma reflexão nova à narrativa acima.

Começarei informando que a instituição pública em que trabalho é o

Instituto de Infectologia Emílio Ribas ao qual sou vinculado desde 1996,

ocasião em que a princípio fui contratado em regime de urgência, através da lei

733, que rege contratações em caráter provisório no prazo de um ano, tendo

me efetivado, a partir de concurso público, em 1998, após o período de um ano

ausente de minhas funções de acordo com o contrato inicial, que não pode ser

prorrogado.

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Quando comecei meu trabalho na instituição, como psiquiatra clínico,

estava recém-chegado à cidade de São Paulo, posto que me graduei e vivi por

vinte anos no interior do estado de São Paulo.

Entre os anos de 1984, em que me formei, até 1996, quando resolvi

mudar-me para São Paulo, excetuando-se os anos de residência médica entre

1985 e 1988, minha atenção, profissionalmente falando, esteve centrada em

um direcionamento à formação como psicanalista, que institucionalmente

concluí junto ao Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

em 1995.

Enfatizo isto para apresentar o fato de que fiquei muitos anos retirado,

por vontade própria, da cena médica, à qual acompanhava à distância através

de relatos de colegas, pacientes e de leituras.

O Instituto Emílio Ribas é um hospital de Infectologia, ou de moléstias

infecciosas e contagiosas. Por que trabalharia um psiquiatra em um hospital

desta especialidade foi uma pergunta freqüente que ouvi de colegas naqueles

anos iniciais. Por que o hospital necessitava contratar psiquiatras?

O Instituto de Infectologia Emílio Ribas passou por um processo

relativamente rápido, a partir do início da década de oitenta, quando se iniciou

a epidemia da Síndrome da Imunodeficência Adquirida (AIDS) em que se

notabilizou como centro nacional de referência para o tratamento de pacientes

HIV-positivos e dos portadores da forma clínica da doença que hoje respondem

por quase a totalidade dos casos lá atendidos.

Como não havia visto antes de iniciar lá o meu trabalho nenhum

paciente portador do vírus ou da doença manifesta, vi-me de volta ao exercício

profissional da Medicina em uma realidade totalmente desconhecida ou nova

para mim.

Rapidamente observei que havia uma grande incidência de quadros

depressivos, psicóticos e de perda cognitiva que o seu manejo exigia a

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presença do psiquiatra no auxílio dos infectologistas, bem como sentia que

minha formação psicanalítica poderia ser de complementariedade no contato

com pacientes e colegas às voltas com toda sorte de dificuldade de manejo

clínico.

Meu trabalho na instituição consiste em responder a pedidos de

consulta e avaliação de pacientes, feitos pelos infectologistas ou pelos

psicólogos da instituição, contemplando pacientes internados nas enfermarias

nos vários andares do hospital, enfermarias de adultos e pediátricas, Pronto-

Socorro, Hospital-Dia e Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como atender

a consultas em ambulatório. A maioria destes pedidos gera um seguimento

posterior e mais pacientes para o ambulatório de Psiquiatria, sendo cerca de

um terço deste minha responsabilidade.

Luiz foi um de meus primeiros pacientes na instituição. Chegou muito

ansioso, senti que com facilidade poderia se sentir maltratado e estabelecer

comigo uma relação de dependência e hostilidade, o que infelizmente é muito

comum no serviço público e por que não dizer mesmo na Medicina privada.

Chegou assustado e encontrou diante dele um médico pouco

experiente com sua doença, mas me senti muito disposto a ouvi-lo, dizendo-me

intimamente que era o que a princípio podia oferecer-lhe.

Não tinha atendido também muitos pacientes homossexuais, não era

familiarizado com este contexto do relacionamento humano, mas percebi que

ele não me procurava para tratar deste aspecto tão importante de sua vida que

é a sua sexualidade, nem tinha qualquer dúvida quanto a ela.

Não sendo eu homossexual, estava bem claro que ele sabia disto e foi

muito generoso em não me impingir qualquer carga que me visse como tendo

qualquer preconceito em relação a este fato. Senti que o encontro me

possibilitou perceber que a natural repugnância heterossexual ao homoerótico

– facilmente aferido em termos do registro como bizarro ou pejorativo – não se

implantou entre nós.

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Senti que se tranqüilizava na medida em que os contatos prosseguiam.

Devo confessar que a medicação usada seria considerada por um psiquiatra

mera perfumaria, mas eu também fui me sentindo mais tranqüilo na medida em

que ia reavaliando-o nas consultas subseqüentes, surpreendendo-me mesmo

com a sua boa evolução.

O tema dos nossos encontros foi migrando de seus sintomas para me

familiarizar com sua história pessoal.

É de outro estado, tendo deixado em sua cidade de origem toda a

família constituída por irmãos com quem tem uma relação fraterna e sua mãe

com quem tem uma relação muito afeiçoada, sendo o pai o grande vilão,

carrasco da mãe, responsável pelas brigas na família e alguém a quem sua

mãe é apegada apesar de tudo. Esta é a sua versão, o seu registro e até que

ponto isto é verdade fatual penso que para um psicanalista nem é tanto

relevante assim, sendo importante o fato de que isto está incrustrado e

impresso em seu imaginário.

Trabalha junto com o seu companheiro, que é cabeleireiro, fazendo no

salão pequenos serviços administrativos, à semelhança de sua função de

cuidador da casa. Com o companheiro vive uma relação de afeição e de

ausência de experiência sexual, que o parceiro vivia com outro homem, que o

paciente sentia que o extorquia. Parece como uma revivescência do que narra

ocorrer em sua casa, entre seu pai e sua mãe.

O lugar do companheiro parece ser como o da mãe, que o paciente

deve defender e proteger com o seu afeto. Quando a situação se torna para ele

insuportável, ele some de casa, vai para as baladas, se droga ou simplesmente

se ausenta, que foi como lidou com o seu sofrer em sua casa de origem ,

ausentando-se, mudando-se de lá.

Nos momentos em que se ausentou muitas vezes se expôs a uma

atividade autodestrutiva, como sexo sem cuidado, que parece ter culminado na

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contaminação pelo vírus HIV anteriormente e agora consiste em períodos de

abandono do tratamento.

Sinto que me confere o lugar de confiabilidade de sua mãe, o lugar de

afeição de seu companheiro, porém, à diferença deste, pode comigo conversar

sobre aquilo que para ele é tão difícil de se resignar.

Sinto que, do mesmo modo com o que se passa com o seu

companheiro, ele me protege de sua própria agressividade.

É surpreendente para mim constatar que tudo isto está se processando

sem que em nenhum momento eu estivesse movido pela intenção de fazer

qualquer interpretação verbal, portanto eu também me resigno a deixar de lado

um tipo convencional de abordagem psicanalítica reconhecida.

Por que assim eu o fiz e tenho feito?

Primeiro porque não me parece descabido fazê-lo, por ser claro o fato

de que o paciente me procura para consultas médicas, segundo porque o lugar

na instituição de quem trabalha psicoterapicamente é dos psicólogos e me

cabe proceder como se espera que o médico psiquiatra proceda na retaguarda

do infectologista e do psicólogo, e não disputar com estes profissionais, mas

somar com eles e complementar e auxiliar o trabalho deles.

Sinto que isto não me diminui e nem me descredencia como

psicanalista. Em relação aos psicólogos, o fato de me verem com um

psicanalista que está vinculado à instituição como psiquiatra funciona como um

facilitador da relação e lhes dá segurança em me pedir que avalie os seus

pacientes. É assim que se dá meu contato com Luiz, pedido e incentivado por

estes outros colegas.

Em um determinado momento, ele contou de desavenças que teve

com o dermatologista, que era uma profissional inserida como uma espécie de

corpo estranho neste arranjo, à semelhança do amante de seu companheiro.

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Procurando o paciente, encontrando a relação Uma objeção ainda pode ser feita, considerando o relato do caso

clínico até aqui, reiterando-se que há o intuito de se desobjetivizar a relação

constituída entre médico e paciente em direção a apontá-la como uma relação

interpessoal, o que efetivamente daria fundamento para inserir este trabalho no

campo psicanalítico, dentro da referência explicitada em sua introdução.

Esta objeção é: afinal, onde está o paciente?

Ele só existe neste relato a partir da informação de dados sobre ele,

portanto objetificado, não propriamente como um sujeito pessoal, uma pessoa,

para além do que sobre ele é informado.

Aqui recorrerei a um recurso comumente usado nos trabalhos

psicanalíticos e procurarei descrever o nosso encontro através de algumas

vinhetas clínicas.

Nas vinhetas clínicas aparecerão, espera-se, dois personagens, como

em uma cena de teatro, desta forma criando-se a condição para que um leitor

ou observador externo à cena possa ver surgir sua impressão própria sobre ela

e não apenas ser conduzido pelo relato narrativo do autor em sua trama

testemunhal.

Este recurso, um tanto artificioso, posto que novamente é a recordação

do autor, traz, ainda assim, outro aspecto relevante da cena analítica, que é a

impossibilidade de vê-la fora de um encontro bipessoal, encontro de duas

pessoas, de duas personalidades, cada qual com um papel nesta cena, dado

inextricavelmente pela relação interlaçada de diálogos, emoções e surpresas

que revelam o desconhecido só aferível pelo contraponto, pelo pàs-de-deux

humano, extremamente e inalienavelmente humano, por uma dialética dentro

da qual só se pode falar de bebê através da existência de sua mãe e só se

pode falar de mãe pela existência de seu bebê.

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Vê-se, assim, que há um fundamento ontológico, dado pela existência

e papel atribuído a cada personagem na cena relacional, na qual um depende

e é determinado em sua função pela existência do outro na relação, surgindo

deste fato humano o berço do conhecimento a partir do enfoque psicanalítico,

podendo-se assim apreender a dialética engendrada, que fundamenta a

epistemologia da experiência psicanalítica como um conhecimento pela

vivência, pela ocupação de um papel, em um lugar pedido, criado, desejado,

concebido pela presença do partner, do outro e por sua necessidade em se

constituir como sujeito do conhecimento através do sempre relacionar-se

complementarmente.

Primeiro encontro:

- Luiz Henrique, eu o chamo à porta do consultório, vendo levantar-se

um homem magro, alto, mulato, empertigado, de bigode, trejeitos efeminados

que já o apresentam como homossexual. A leitura prévia de seu prontuário já

havia me informado ser ele HIV positivo e que o encaminhamento para a

consulta comigo havia partido de sua médica infectologista. Ele entra

rapidamente, como que tentando esquivar-se da curiosidade dos outros

pacientes que aguardavam consultas, comigo e com outros especialistas do

ambulatório e, depois de minha apresentação e pergunta do que está

ocorrendo que o trouxe para a consulta, não consegue conter algumas

lágrimas e me responde sem rodeios: -

- Eu não estou me agüentando, eu brigo com todo mundo, não tenho paciência para

nada, não paro de chorar e nem sei porque estou assim. É lógico que eu conheço os motivos,

mas o pior é que eu não consigo fazer nada além de brigar e chorar..

Fiquei muito assustado e preocupado com a situação: ele falava sem

parar, estava muito ansioso, chorava. Minha mente médica registrava os

diagnósticos de depressão e hipomania.

- Eu já usei muita droga, bebo bastante, mas nunca fiquei assim, eu não estou

me agüentando.

Seu apelo era veemente, eu só compreendi que tinha de oferecer-lhe

algo, dizer-lhe que tentaríamos fazer alguma coisa e que se o que tentássemos

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não fosse de melhora para ele ou piorasse a situação, ele poderia me procurar

antes do retorno que reconversaríamos.

Luiz, estou sentindo que você está muito ansioso, desesperado mesmo, além de

deprimido, por isto nós temos que tomar medidas para que você pelo menos se tranqüilize um

pouco, porque não pode continuar como está. Do ponto de vista da abordagem médica, seria

bom que você iniciasse com um tranqüilizante e um antidepressivo. Como você nunca usou

estas medicações, vamos tomar o cuidado de dá-las em uma dose muito baixinha e se você

não se sentir bem, pode me procurar na semana que vem que a gente reavalia, está bem?

Esclareço que com o dito procurei lidar com o desamparo dele e com o

meu, utilizando para isto do critério médico de oferecer um diagnóstico e

conduta de modo claro e direto, ao mesmo tempo em que acenava com o limite

e o incerto, mas abria a possibilidade de que o nosso contato fosse direto,

facilitado e não obedecesse à burocracia dos agendamentos se ele

continuasse se sentindo mal.

Esta é uma prática à qual me habituei ao longo destes vinte anos de

exercício da Medicina e é muito comum, funcionando como um bom seguro.

Toda a consulta se passou com os meus silêncios que consentiam que

falasse tudo o que quisesse, olhos nos olhos, havendo uma intenção

deliberada minha de mostrar-lhe que eu estava lá para procurar acompanhá-lo

e entendê-lo, ainda que fôssemos muito diferentes como pessoa eu estava ali

para servi-lo com o melhor de mim que pudesse oferecer-lhe. Ele voltou

apenas em seu retorno e estava muito melhor, apesar das doses ínfimas de

medicação.

Nosso último encontro:

- Doutor Carlos, lembra que eu lhe contei sobre o caso do meu amigo (trata-se da

pessoa com quem mora e trabalha, a quem dedica grande afeição platônica, o

que contrasta com seus modos exagerados e parece quase inconcebível)? Pois

então, eu estava até com medo de que acontecesse alguma coisa, porque ele é muito bandido

e nós estávamos a ponto de nos pegarmos e acontecer algo...Eu estava farto de vê-lo explorar

e abusar do meu amigo, que fazia o que ele queria e lhe dava tudo o que ele pedia, grana para

ele gastar com as negas dele...Por isto fui viajar no Carnaval, chutei o balde, larguei tudo, parei

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com os remédios, dei, liberei geral e fiquei uns tempos depois na casa da minha mãe. Ela e

meus irmãos sempre são bons para mim e eu agüento ficar lá até começar a ficar com

saudades dele e me encher com o que meu pai faz com a minha mãe(parece igual à narrativa

do caso do amigo com o amigo, guardadas as devidas proporções) e ele me telefonou e estava

muito assustado, pedindo que eu voltasse logo, porque tinham assassinado o caso dele, que

era bandido mesmo e eu acho é que deve ter dado cano em algum traficante ou coisa

assim...Fiquei muito preocupado que acontecesse alguma coisa com o meu amigo, voltei para

a casa dele, ele estava muito sofrido, eu entendi, procurei ajudar e agora acho que ele está

superando. Foi trágico, mas tenho que dizer que fiquei feliz porque era o que aquele filho da

puta merecia. No trabalho agora está tudo bem, eu estou cuidando da contabilidade do salão e

a gente fica junto, o senhor sabe, não rola nada entre nós mas eu gosto de só ficar perto dele...

Eu me espantei com toda a narrativa, os dados da história contada, os

fatos chocantes, mas ia me dizendo interiormente que muitas coisas estavam

contidas no que estava me comunicando, como um confidente privilegiado eu

estava muito além da posição de um médico que estava sendo comunicado

sobre não-adesão transitória ao tratamento, abuso de drogas, comportamento

promíscuo e de risco, mas via um sentido emocional muito forte no relato e

observava que, a exemplo do reencontro com o seu amigo, ele também voltava

para o reencontro comigo e com o seu tratamento, onde também não rolava

nada do ponto de vista da sexualização explícita, mas se dava um encontro em

que o companheirismo, a fidelidade e a amizade davam o tom da parceria.

Como eu já sublinhara, eu não fizera qualquer interpretação de

conteúdo psicanalítico, apenas possivelmente consegui ocupar o lugar que ele

deixara lá reservado para mim.

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B. DUAS MULHERES ESTÃO À PORTA:

Duas mulheres vieram bater à porta da sala onde atendo

ambulatorialmente na instituição, sendo que a visita da segunda se seguiu

imediatamente à procura da primeira.

A primeira foi uma das psicólogas que atendia uma paciente que dizia

estar muito perturbada. Visivelmente ansiosa, ela me pedia um “ help” , pois

não sabia mais como agir com uma outra mulher, que era definida por ela com

“pirada” e com idéias de suicídio.

Minha prática é pedir que a paciente me procurar para um “encaixe”

em minha agenda. Este tipo de situação e pedido é freqüente entre psicólogos

e psiquiatras na instituição.

Minutos depois já estava lá a paciente, uma mulher nos seus quarenta

e poucos anos, baixo poder aquisitivo, visivelmente agitada, com delírios de

persecutoriedade e uma efusividade maníaca.

Tratava-se no hospital há muito tempo e, sem que se soubesse bem

um porquê, passara a ficar assim.

Passo a transcrever alguns dados coletados de seu prontuário na

instituição. Sua psicóloga anotou que em outubro de 2002 o filho da paciente

havia sido alertado que sua mãe dera todo o seu salário, cerca de setecentos

reais, a um desconhecido no ônibus que se queixara de dificuldades

financeiras para ela, que se mostrava excessivamente preocupada com os

problemas de outras pessoas a ponto de tais atos como o descrito. A quantia

não fora recuperada, porque o desconhecido não foi encontrado.

Diagnóstico psiquiátrico simples de psicose reativa e medicada com

antipsicóticos e tranqüilizantes, freqüentou minha sala por algumas semanas

até que os sintomas foram se atenuando.

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Eu a instruí de que enquanto não estivesse bem teria de vir ter comigo

semanalmente, sem se importar com agendamento. Quando chegava, os

funcionários já vinham bater `a minha porta, anunciando a sua presença e

procurando garantir-lhe pronto-atendimento, de modo que não desse

escândalo e não perturbasse o ambiente na sala de espera, em que havia

pacientes de outros médicos e especialidades.

Um psiquiatra e o seu paciente psicótico, minha tranqüila obrigação;

uma pessoa dizendo para a outra que estaria sempre lá esperando por ela,

acreditando que pudesse ajudá-la a livrar-se daquele mal estar que, se tudo

desse certo, não duraria muito.

No final de janeiro de 2003, retornando de minhas férias, soube que ela

estivera no Pronto-Socorro do hospital, agressiva, tendo sido internada por seu

irmão em um hospital psiquiátrico. Isto informado pela própria, que me

esperava para ser atendida em um de meus primeiros dias de atividade

daquele ano: sua internação havia se dado durante as minhas férias.

Retomei seu seguimento, segundo o que havíamos anteriormente

combinado, ou seja, independentemente de sua data de retorno, poderia me

procurar se não estivesse se sentindo bem. Esta é uma norma que repito à

exaustão aos meus pacientes, em todo o retorno, frisando-a especialmente

quando sinto estar diante de um paciente mais instável, que demandará mais

reavaliação. Isto implica ver alguns pacientes quase toda semana, o que

burocraticamente seria um transtorno para uma agenda rígida, por conta de

pouco tempo físico e muitos pacientes a serem vistos, entre casos novos e

reavaliação.

A experiência tem demonstrado que o que importa não é o conversado,

o que se diz e se argumenta, mas o fato do paciente saber que eu estou lá, tal

dia e hora e, independentemente de quantos pacientes há para serem vistos,

ele também será visto e pode contar em ser recebido, mesmo que na entrada

do hospital alegue que a consulta não está agendada diante de um funcionário

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por vezes predisposto a dificultar o seu acesso. Nestes encontros parece

funcionar mais para o paciente a vivência de que alguém pode fazer algo por

ele e não se escudará de vê-lo. Isto o faz ser generoso com o médico, entender

que a consulta inclusive poderá ser muito breve, qualquer problema que vier a

surgir, com uma insônia, um tremor, uma dúvida, novamente será atendida em

outra consulta extra, basta procurar.

Nos meses subseqüentes houve relativa acalmia, até que na páscoa,

em maio, teve uma forte discussão com o pessoal da capelania da instituição,

ficando a paciente transtornada pois supôs que um outro paciente estava

sendo desconsiderado em suas necessidades.

Neste período outro fato que precisa ser anotado é que justamente, na

época da páscoa, fui forçado a tirar licença-médica de sessenta dias do

hospital, por um problema de saúde meu, que interrompeu nosso seguimento

justamente quando teve recidiva dos sintomas psicóticos.

Na minha volta, reencontro-a encaminhada pela sua psicóloga e

observei nela uma tendência a se sentir perseguida, incompreendida e

envolver-se em querelas, com certa somatização ansiosa. Fui obrigado a

aumentar a medicação antipsicótica.

Em julho daquele ano, começa a queixar-se que as pessoas estavam-

na explorando e abusando financeiramente dela.

Com o tempo, foi me situando em relação à sua vida. Ela havia sido

empregada na casa de uma família de condição econômica mais abastada e

cuidara com babá de várias crianças em casa de seus antigos patrões, que

tinham por ela muita estima e gratidão.

O senhor a quem chamava de seu irmão era na realidade seu ex-

patrão e era ele quem lhe auxiliava materialmente, comprando remédios

quando faltava medicação no hospital, cedendo a ela um imóvel no qual residia

e, depois, inclusive, ajudando no sustento de três filhos adotivos que ela tinha,

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todos soropositivos. Como morava cercada por pessoas mais pobres e que

observavam que nada lhe faltava, via-se envolvida em empréstimos que não

eram pagos nunca e percebia-se extorquida inclusive pelo filho adolescente

mais velho. Portanto, apesar de fragilizada e clinicamente psicótica, seus

sintomas de algum modo dialogam com uma representação, ainda que com as

devidas distorções, o com o qual efetivamente estava envolvida.

Permaneceu lábil, fragilizada, hipomaníaca, queixando-se dos filhos,

acordada nas madrugadas envolvida com excesso de serviço doméstico,

dormindo durante o dia depois do almoço.

Nos retornos conversávamos sobre suas preocupações com os seus

filhos, cheguei a atender a filha adolescente com clínica de depressão e

irritabilidade, o caçula com quadro de transtorno de hipercinesia e desatenção,

medicando-os inclusive, com melhora de sintomas e de sua adaptabilidade.

Sentiu-se muito grata. Par e passo continuava ser atendida por sua psicóloga.

Seu quadro sintomatológico prosseguiu instável, ela com queixa de

irritabilidade, até o final daquele ano, obrigando-me a aumentar sua medicação.

Parecia estar muito bem quando a vi em maio de 2005. Eu a via

freqüentemente pelo hospital, uma vez que vinha quase que cotidianamente,

respondendo suas vindas por consultas suas, inclusive com outros

especialistas, bem como com as demandas com os seus filhos, também

pacientes do hospital.

Quando nos encontramos à porta do hospital, pelos corredores,

sempre é afetuosa, faz questão de me apresentar às outras pessoas, falando

de mim como uma espécie de anjo da guarda, demonstrando enorme gratidão

e respeito pessoal.

Sua história me infunde, por outro lado, grande admiração. Com os

recursos que dispõe, muitas vezes instável e angustiada, encontra força para

se manter e ainda cuidar de três filhos adotivos, três adolescentes.

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E ainda arcar com minhas ausências, pois concretamente este ano tive

de me afastar novamente, pois tive de submeter a uma cirurgia.

Quando nos reencontramos, nos jardins de entrada do hospital, após

minha ausência, nova manifestação de carinho e afeição por parte dela, que se

dizia aliviada por rever-me.

Mas sobre o que tem sido as conversas, com qual freqüência?

A maior parte das consultas não se encontra registrada em seu

prontuário, posto que não foram agendadas. O assunto predominante é a

narrativa de suas angústias, de suas preocupações, por vezes de seus

sintomas.

Se eu faço longas digressões, interpretações? Não, falo inclusive muito

pouco, escuto-a com atenção e ela sabe disto. Sempre agradece por ser

simplesmente ouvida.

Qual o lugar que ocupo em sua vida e ela na minha vida?

Institucionalmente temos papéis bem definidos, de paciente e médico,

paciente e seu terapeuta, cuidador.

Mas não é apenas isto: ela sabe que eu estou lá, eu sinto que este tipo

de experiência dá sentido ao que faço, me faz sentir mais vivo e importante,

pois sou importante para uma pessoa, que também é muito importante por me

fazer sentir vivo e com uma função, alguém que assim passa a ter um nome

próprio, falado a partir da boca de alguém que lhe dá importância.

Não é uma prerrogativa sacerdotal ou paternalista, somos parceiros e

não há invasão de intimidade, mas respeito.

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Vou colhendo o que ela me informa, ser psiquiatra é simples, é questão

de diagnóstico e prescrição, mas vou aprendendo muito e ela vai se sentindo

acompanhada.

Em geral, quando narro as coisas deste modo, costumam me perguntar

o que eu faço, o que eu falo, quantas vezes eu a vejo.

Disse Winnicott que o bebê precisa que a mãe esteja presente, muitas

vezes como o analista, apenas sentindo a sua respiração. Parece pouco, mas

não é.

O que fiz ?

Apenas tenho estado lá.

Posso supor que sua vida vem da tentativa de reparação de um

acidente, não sei desde quando, mas o que é mais visível é que ela agora

apresenta, através da presente situação, um pedir através de seu gesto de

procurar e apresentar o seu desespero, comportamentalmente extravasado

inclusive com distorções e inadequações, exibindo também as fragilidades

estruturais de seu self.

O acompanhá-la, sem dor, culpa ou angústia e com cuidado por ela

muito percebido, posto que necessitado, fornece uma possibilidade de que

apreenda, como a pequena criança, a sua espátula, bem como rabiscar e

ensaiar comigo seus dilemas, em um contexto em que se sente respeitada e

protegida.

Não há propriamente interpretação, há gesto, num escrever dinâmico

de atitudes, em uma procura de efetivamente responder às suas necessidades.

Isto é vivido materialmente por ela através de pequenas conversas, de

prescrições.

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RELEMBRANDO SUA CHEGADA

“- Ai, Carlos, você está ocupado? Sem que eu pudesse responder, prossegue

Fabiana, nome que adoto para a minha colega psicóloga, que emenda falando rindo de modo

entre tenso e brincando:

“-Sabe o que é, eu queria que você visse uma paciente que eu atendo, mas, sabe

como é, é meio urgente, será que você poderia vê-la ainda hoje?

Eu estava muito ocupado, em minha mesa havia uma pilha de

prontuários correspondentes a pacientes que aguardavam lá fora da sala, na

sala de espera, alguns já há algumas horas, outra fila com pacientes que

seriam encaixados com motivos variados, urgências, pedidos de receita médica

de medicação que freqüentemente acaba antes do retorno agendado na

instituição; em suma, eram dias muito difíceis, minha agenda de atendimentos

estava saturada, esta minha colega é campeã de surgir com este tipo de

pedido, freqüentemente brinco com ela de tentá-la evitar no corredor do

hospital. É certo que minha primeira reação naquele dia não foi um sorriso

gentil, mas uma expressão de contrariedade.

Veio o golpe de misericórdia por parte dela:

“- Ela pirou, tá completamente maluca, nem você e nem os outros psiquiatras têm

vaga na agenda, eu sei que hoje só está você aqui no hospital”.

Nestas horas tenho o hábito de esquecer e lembrar: esqueço que

deveria sair tal hora do hospital, lembro que lá fora me aguarda alguém que

está sofrendo muito e que meu trabalho e meu compromisso com o humano e

me sentir humano demanda atenção, concentração, respeito.

Minutos após a minha anuência, bate à porta da sala um funcionário e

anuncia:

“- Aquela paciente da psicóloga está aí, doutor!”

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Peço que entre.

Mariana, quarenta e poucos anos, estatura mediana, magra, cabelos

castanhos claros desgrenhados, roupas largas, inquieta, estridente, fala em

disparada: “-Doutor, vim aqui de desespero mesmo, mas não sei o que o senhor vai poder

fazer comigo: na minha vida tá tudo muito ruim, vai tudo mal, não acredito mesmo em

nada, tenho vontade de morrer, de me matar, ninguém me ajuda, sou sozinha eu mesma e Deus, e até ele, ele que me perdoe, parece que se esqueceu de mim”.

Prossegue acelerada, por vezes rindo ironicamente:

“- Não tenho vontade mais de viver, tenho vontade de acabar com tudo. O que me

segura são as crianças, mas, Deus me perdoe, não tenho mais paciência, eles tão sofrendo

muito comigo, bato neles sem muito motivo, grito, xingo tudo eles”.

Eu não me desesperei, mas busquei no meu repertório pessoal algo

que me dava alguma certeza de saber o que era aquilo: não o diagnóstico

psiquiátrico do que me parecia estar no campo que os psiquiatras chamam de

arco da bipolaridade, chorar e agredir, entristecer-se e guerrear, mas algo que

me aproximava de entender o aperto dos seus sapatos nos seus calos.

Há pouco tempo eu havia mudado de cidade, havia contraído muitas

dívidas, tinha tido o patrimônio pessoal e os projetos ameaçados, por vezes me

perguntava como iria arcar com as responsabilidades de sustento de crianças

pequenas, isto me ocorreu como um filme rapidamente em minha cabeça a

acompanhar sua narrativa.

Lá naquela sala, esquecendo compromissos fora dali, eu me sentia

humanizado, conhecendo uma realidade pessoal que em outra função não

conheceria desta forma, reencontrando a mim mesmo e uma certeza me

invadia: eu sobrevivi, ela vai sobreviver, eu vou dar um antipsicótico, um

tranqüilizante e um antidepressivo para ela, eu vou falar para ela vir aqui a

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semana que vem, que eu acreditava realmente que ela melhoraria, e que a

veria quantas vezes fossem necessárias até que ela se sentisse melhor.

O tempo do contato foi exíguo, o tamanho da vivência não.

Ela sabia que o tempo seria pouco, era um encaixe, ela viu o tamanho

da fila de gente que aguardava ainda para ser atendida, em um gesto de

generosidade aceitou o que eu pude lhe dar, sorriu agradecida e se foi.

Na semana seguinte encontrava-se ainda muito ansiosa, mas estava

bem melhor, apesar dela mesma não reconhecer muito este fato:

“- Dr Carlos, a minha vida sempre foi assim, tudo muito difícil, tudo muito sofrido,

parece que as pessoas não acreditam em mim como eu digo. Mas ninguém está dentro de mim

para saber, não é mesmo?”

“- Eu acredito, Mariana, que realmente a barra tá muito difícil para você, estou vendo

mesmo, mas sinto que você já melhorou um pouquinho do que você estava na semana

passada, não é mesmo?”

“- Se o senhor está dizendo, então eu tenho de acreditar...”, replicou ela entre

desconfiada, irônica, mas terna.

Sua psicóloga me encontrou no corredor e parecia muito aliviada e

ainda brincou:

“- Pode deixar, que esta semana não vou pedir nada para você por enquanto”.

Posso dizer que tanto ela quanto eu tivemos uma postura que

privilegiou completamente o aspecto suportivo, mas acredito firmemente que

contemplamos o que realmente era a necessidade da paciente, talvez

tenhamos dito por nossa atitude tão-somente “ nós acreditamos, nós sabemos,

nós já sentimos o que você está sentindo agora” e possivelmente ela

reconheceu que nós nos importávamos com o que acontecesse com ela.

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Nada foi combinado, o gesto se esboçou espontaneamente.

ALGUM TEMPO DEPOIS “- Estou ficando maluca com o Edinho, o meu filho, ele é muito agressivo, sabe que o

meu irmão(adotivo) me ajuda, mas não é para ficar comprando tênis caro, eu tenho de ficar de

olho senão ele enche de pancada o pobre do meu filho mais novo, só de vingança de eu não

fazer o que ele quer, outro dia ele me roubou, Dr Carlos, sabia onde eu tinha deixado o

dinheiro e o talão de cheque, e eu não percebi nada, depois veio meu irmão perguntar como

que eu tinha gastado tudo que o banco tinha devolvido meus cheques e que eu fui descobrir,

chorei muito, não me conformo até agora, mas não folgo mais com ele não...”

Sua observação demonstra que não se sente mais tão desamparada a

ponto de se desesperar, mas percebe a ponto de se preocupar e já esboçar

sua própria defesa.

Tempos depois trouxe a filha adolescente, com quem vinha tendo

muitas dificuldades na lida. Pareceu-me, nas suas condições, um início de

percepção de que aquela criancinha bonitinha, apêndice dela, era agora vista

como alguém independente e que ela realmente não entendia. Como a jovem

realmente apresentava sinais evidentes de muito sofrimento, depressão grave

e mesmo algum risco, vi-me obrigado a também medicá-la, felizmente também

com sucesso, possivelmente pavimentado pela confiança que tiveram em mim.

Aqui parece ter sido revivida a história da própria paciente, neste momento

reeditada na filha.

Passado algum tempo trouxe o filho menor, que apresentava

dificuldades escolares típicas de desatenção e hipercinesia. Novamente

mediquei com sucesso. Aqui a reedição é da inquietude da própria paciente,

possivelmente vomitada pelo comportamento hipercinético do filho.

Os filhos, cada qual com sua particulariedade, representa aspectos da

própria paciente. O filho mais velho representaria o roubo de sua saúde pelo

desespero da incontinência.

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Como numa tela em branco, a experiência emocional favorável a isto

vai permitindo os rabiscos da transferência e da representação. A figurabilidade

é permissiva à apreensão, com no jogo lúdico.

ULTIMAMENTE

“- Oh meu amor, meu querido, você e o Dr Gustavo, o neurologista, são tudo pra mim,

Deus no céu e vocês na terra...”

“- Olha, eu falo pra todo mundo de vocês daqui, que vocês é muito bom, que vocês

me curaram, que hoje eu sou uma pessoa feliz graças a vocês”

Ela abraça, é carinhosa, adverte:

“- Falo pras pessoas que é um amor diferente, não tem nada de maldade, é como

irmão, é como pai, é como amigo, assim é que eu sinto vocês, e não deixo de vir aqui nunca.”

Ela vem ao hospital continuamente, muitas vezes me procura fora de

dia, com algum pequeno pedido, faço um encaixe como da primeira vez, mas é

alguém altivo e confiante que entra na sala, não mais aquela pessoa

desesperada e com ímpetos de se matar. Freqüentemente se engaja na

tentativa de ajudar um outro paciente recém-chegado ao hospital, algumas

vezes tem altercações com outras pessoas, não é o paraíso, mas quanta

diferença!

Sinto que deu a mim e aos outros colegas um lugar sagrado, um lugar

de respeito e acho que foi este lugar em que a recebemos e a tratamos. Aqui

há uma dimensão transicional do oferecido ali onde a ilusão o procurava e a

realização de um encontro, marcado necessariamente não pelas palavras, pela

argumentação e pela racionalidade, mas pelo despojamento e pelo gesto.

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O QUE EU SOU PARA ELA E O QUE ELA É PARA MIM?

Esta pergunta inaugura a perspectiva de que está em jogo muito mais

do que os papéis de médico e de paciente.

Eu entrei em cena como o médico, ela passou a falar e eu comecei me

dizendo que ali estava uma mulher desequilibrada, alguém sofrendo muito,

desesperada, pedindo ajuda.

Possivelmente ela me via como o médico que cuidaria de sua loucura,

de sua insuportável loucura, com a qual não podia lidar.

Poderia dizer que esta dimensão colocaria frente a frente mãe e seu

bebê, mas também se trata da emergência de um máximo de dor, de um risco

de morrer, de se ver irremediavelmente destruída, aniquilada.

Ela temia a morte, eu temia estar sendo visto como alguém muito

poderoso, para bem, idealizado, ou para mal, fracassado.

Uma ação simples: precisava fazer algo, teria de desfazer tanto risco,

mas me sentia humano e limitado a responder a tanta expectativa, devia

permanecer no mínimo que podia fazer.

No sentido da ajuda messiânica eu falhei, mas aprendi com ela que

bastava ser modestamente humano, que isto era suficiente, um companheiro

que não se assustasse, não se acovardasse, ainda que receoso estivesse,

prometia casar-se com ela, assim como ela estava, sem lhe pedir mais nem

menos.

Da verticalidade mãe e bebê para a horizontalidade de somos amigos,

somos companheiros, como ela depois iria nomear, um amor diferente, sem

“outra intenção” ou , mais concretamente, sexualidade genital, com a qual

havia se infectado.

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A dimensão transferencial, portanto, transiciona do primitivo psíquico

para o genital não-concreto ou simbólico.

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4 DISCUSSÃO

CONVERSANDO LIVRE-MENTE

Como é de se sentir no desenvolvimento e exposição dos casos acima,

cada um deles representa um desafio e, a cada mergulho ou rememoração, eu

me vejo desde a primeira descrição do paciente enquanto tipificado ou colhido

de seu prontuário com informações sobre sintomas clínicos-psiquiátricos, até a

dimensão de localizá-los, emocionalmente vivos, desde as minhas memórias

de diálogos reconstruídos até a dor emocional que é tê-los de volta, com seu

campo conflitivo próprio e compartilhado.

Egresso de uma formação psicanalítica clássica e diante da

necessidade de responder inicialmente como médico nas funções de psiquiatra

ao atendimento de pacientes considerados graves, encaminhados

invariavelmente em um contexto de urgência, por infectologistas ou psicólogos

que trabalham na instituição, sempre me indagava que tipo de trabalho eu

estava a executar.

Quando procurei o Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo, eu já havia decidido, tendo eu

próprio sido formado pela própria USP, universidade pública, deveria tomar por

projeto um trabalho que executava justamente em uma instituição também

pública, como um modo de pagar o investimento educacional que tivera, bem

como me voltar a uma obrigação que acredito termos com os nossos

semelhantes, como profissionais da saúde que estamos lidando com uma

população que não chegará ao consultório particular, por motivos

eminentemente econômicos, mas que nem por isto deve ser recebida com um

auxílio terapêutico de “ segunda”.

Por experiência própria, sentia que a clínica clássica de psicanálise não

seria aplicável, apenas de modo adaptado e longínquo, pois não eram cabíveis

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interpretações psicanalíticas clássicas e as condições de setting não poderiam

ser satisfatoriamente preenchidas.

Senti também que não teria qualquer campo ou incentivo nos

Departamentos de Psiquiatria das universidades, pois estes têm estado

ocupados mais e mais com a Psiquiatria de base neurofisiológica, seguindo

preceitos científicos da chamada Medicina baseada em evidências, esta

extremamente apegada ao modelo biológico de pesquisa em ciência natural,

atualmente mais dirigida por estudos duplo-ego de psicofármacos ou mesmo

reprodução de protocolos similares transnacionais, que têm dado título de

mestre e doutor a tantos jovens médicos que não têm a mínima informação

acerca de técnicas psicoterapêuticas que não as das terapias cognitivo-

comportamentais, as únicas que hoje são mais prestigiadas nos referidos

departamentos.

No meu estudo de mestrado(Neumann,2001), pude observar que o

enfoque psicodinâmico em nosso meio teve seus últimos estertores no início da

década de setenta, e estou me referindo a estudos publicados nos bancos de

dados Medline e Lilacs.

Nesta ocasião já havia descoberto que em uma pós-graduação em

Psicologia encontraria quem me ajudasse a elaborar um projeto para refletir

sobre a minha angústia acerca de que tipo de trabalho estava eu executando,

meio que às cegas, intuitivamente.

Nos seminários de créditos, através de Ivonise Catafesta, Gilberto

Safra e Tânia Vaisberg, fui efetivamente apresentado à obra de Donald

Winnicott, este grande ausente em meus estudos de formação psicanalítica,

este grande presente ao meu modo de trabalhar desde o início, acabei

tardiamente por descobrir, tendo a descoberta encerrado a questão de ser ela

tardia.

Uma sala ampla, em um corredor de atendimento no hospital, sala esta

que possui um biombo que em seu terço distal esconde uma mesa

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ginecológica, pois é usada também por outra especialidade em outro horário, é

onde atendo a uma média de quinze pacientes uma vez por semana, a maior

parte deles que está em seguimento há alguns destes dez em que trabalho no

Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

As consultas não tem horário preciso, os pacientes são atendidos pela

ordem de chegada, mas sabem que serão atendidos, ainda que tarde.

A sua quase totalidade é medicada e tem indicação para isto.

Os colegas que encaminham estes pacientes se sentem seguros de

que um psiquiatra está os vendo naqueles aspectos em que a maioria deles se

julga completamente sem condições de assisti-los.

Desde sempre me preocupei em fazer algo mais do que simplesmente

prescrições de psicofármacos.

Na procura de fundamentar uma referência para refletir sobre esta

experiência ou vivência clínica, excluí a psicanálise clássica, a psicoterapia

breve, por impossibilidade de setting a primeira e de agenda a segunda.

Restava apelar para a proposta da consulta terapêutica de Winnicott,

que, pela conceituação de transicionalidade acolheu generosamente o meu

pedido, mas a quem não poderia me remeter como uma prescrição de faça-se

tal-como, tanto porque a cópia seria intrínsica e ontologicamente falsidade,

bem como as condições da atualidade obrigarem a mais concessões pelas

necessidades deste tipo de trabalho.

Usar a consulta terapêutica, então, como referência paradigmática,

trouxe um novo alento e um incentivo ao meu trabalho nesta área de fronteira

em uso de funções de psiquiatra com coração de psicanalista.

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Os pacientes deste trabalho foram escolhidos entre os que

demandaram um grande número de encontros e que senti foram me pedindo

mais e mais que os ouvisse, que tentasse me aproximar mais deles.

Sinto que compreenderam os dilemas e as dificuldades do lugar que

tenho estado, acolhendo as adaptações e as imperfeições e mesmo penúrias

de um atendimento em instituição pública, sempre superlotada de situações

também urgentes, tendo me desculpado por longas esperas e contatos muitas

vezes curtíssimos.

Se tenho sido atento e preocupado, sou por eles recebido de modo

alegre, receptivo, amoroso, ainda que a tonalidade das suas falas

invariavelmente comunicar extrema angústia, parecem muito gratos e, se me

dizem se sentirem confortados, é assim que também me sinto diante do

privilégio que sinto de poder receber a sua confiança e me sentir convidado à

sua intimidade.

Isto é algo que invariavelmente colho nestes anos de experiência com

a situação psicanalítica, seja no maior conforto relativo do consultório

particular, seja no maior desconforto relativo do trabalho na instituição: a

experiência é de prazer e gratificação, não de dor extrema, proximidade da

morte e angústia máxima, ainda que estes registros estejam inscritos no campo

vivencial compartilhado.

LEMBRAR PARA ESQUECER, ESQUECER PARA LEMBRAR

O título deste trabalho alude ao fato de ser um trabalho em uma

instituição com pacientes que são soropositivos.

Ser soropositivo significa uma realidade fática de contaminação e em

potencial uma predisposição a risco, uma busca transgressora de limites, um

impulso de ruptura e uma lida ou até adição a certa cota de autodestrutividade,

ou uma busca sob o domínio da agressividade e da destrutividade.

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Dito desta maneira, vai ficando dúbia a faticidade da soropositividade

ou a ilustração, através deste contexto específico, de aspectos profundos da

natureza humana e de seu jogar com a agressividade e destrutividade em

potencial.

É relevante apontar o fato de que as relações humanas passaram por

uma mudança de paradigma a partir do advento da AIDS.

No contexto da relação entre homens e mulheres, a potencialidade

apontava para a produção de bebês, a fertilização e a reprodução; no caso de

relações prematuras o temor era justamente a prevenção da concepção e o

seu planejamento.

Quando se contextualizava o mundo homossexual, a questão em foco

era predominantemente o preconceito e a necessidade de ensinar a sociedade

a aceitar o diferente.

A possibilidade de um relacionamento humano gerar doença e morte

de um modo físico e concreto, fático, trouxe para a ordem das coisas, em

escala multiplicativa, algo que era constante apenas quando se averiguava o

teor sadomasoquista contido em alguns relacionamentos humanos.

Vemos aí o risco, o que é de toda história do homem, o expor-se,

parecendo ser lícito concordar com o que Freud, em Além do princípio do

prazer, chamou de pulsão de morte.

Portanto, a partir daí, a capacidade de um ser humano destruir o seu

semelhante, ou se destruir, infectando-o sexualmente, infectando-se em

relações sem cuidado, trouxe novos desafios éticos para o contato entre as

pessoas: sexualidade é mais do que concepção e pode abarcar destruição;

mesmo os bebês podem já nascer infectados; é necessário enfrentar o

preconceito tão arraigado da homossexualidade para nos aproximarmos de

seres humanos que precisam muita atenção e respeito, precisam sobreviver

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com dignidade, para contribuir para a sociedade com a sensibilidade que a sua

condição lhes dá.

Estamos acostumados a um equacionamento psicossomático

tradicional, que é o de ver o corpo sendo palco da angústia, ou um sistema de

órgãos ou funções fisiológicos ser tomado em um contexto simbólico, do ponto

de vista das emoções, como, por exemplo, muito amiúde se diz que é

necessário tempo para digerir o que é novo.

As demandas da atualidade nos chamam para a relação, para o

estabelecer relações com responsabilidade e respeito, para aprender com o

que é diferente de nós, para aprender estabelecendo laços de afeição.

Neste sentido, equacionamento psicossomático tradicional(o refletir no

corpo) é muito pobre, considerando-se a necessidade do aprender e do

descobrir pelas relações, a ponto de ser necessário esquecer o nome das

doenças e se desprezar o máximo apreço pelas técnicas(palavra do mundo

objetificado) para, por fim, encontrar as pessoas, encontrar cada ser humano

em sua singularidade que somos capazes de apreender em nossas relações

com cada qual.

O ser terapeuta tem a ver com o apreender o que é humano,

demasiadamente humano, bem como de não negar a realidade fática,

entretanto vendo mesmo aí, no acontecimento, a sua dimensão

representacional do imaginário, do simbólico, do inconsciente que se faz

consciente, na proposição psicanalítica, através da figurabilidade transferencial

através de um campo em potencial, tecido complexo e interpessoal.

Daí o recurso psicanalítico do lembrar para esquecer e do esquecer

para lembrar, um paradoxo só realizável no paroxismo de uma vivência

emocional significativa.

Parto aqui da postulação de que só se realiza o que se vive e que só

se vive o que se sente mais que visceral ou somatopsiquicamente, o que tem

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sua dimensão de realização individual cuja parteira é a relação entre seres

humanos.

A clínica é uma dimensão procurada da vida.

Procurar a pessoa para além do paciente, procurar-nos vivos ali, na

experiência parideira, junto com aquele que fática e institucionalmente se

convencionou chamar de paciente.

Ele está lá conosco, tem um diagnóstico e mesmo uma história de vida

presumível, tipificável, mas para o encontrarmos temos de nos esquecer destas

coisas, daí ele ressurge, é uma pessoa, vive a dramaticidade de sua própria

vida, nos vemos enredados e sentimos o seu drama, nós que íamos orientá-lo

e prescrever-lhe drogas, ele que veio com a finalidade aparente de ser por nós

acompanhado, começamos a viver com ele uma história, não sabíamos dela

previamente, de repente estamos escutando ele falar e não temos mais a

lembrança de seu diagnóstico, dali a pouco ele se encarrega de nos lembrar,

esquecemos, lembramos, nos aproximamos dele e de nós mesmos, esta

experiência é uma dança, um ballet, um pás-de-deux.

AINDA MAIS FREUD

O leitor que acompanha este trabalho pode observar que a linguagem

adotada tende a ser cada vez mais simples, neste momento em que super-

elocubrações poderiam estar sendo esboçadas.

O dialogar com a história da psicanálise foi percorrido, uma

fudamentação foi esboçada e o paciente continua lá na nossa frente, o que ele

quer não é este tipo de explicação, é conversar sobre ele, para o paciente

“psicanálise é aquele troço de subconsciente”.

Dezenas de colegas titulados, que atendem por estas cercanias, pelas

colinas dos bairros de Perdizes, Pinheiros e em bolsões da zona sul desta

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cidade, invariavelmente próximos do Rio Pinheiros, que certamente não é o

Tâmisa e nem o Sena, ainda que muitos assim o sintam, se ofereceriam para

corrigir o nosso iletrado e ignorante paciente.

Pois acredito que deveriam ouvi-lo com atenção, posto que ele está

mais do que correto.

Na verdade, acredito que se trata de mistificação falar coisas do tipo

comunicação de inconsciente para inconsciente.

Cabe lembrar que Freud trouxe, em sua fundamentação, noções

estabelecidas pela neurociência, como consciente, consciência, chamando

atenção ao fato de que as bases para as volições conscientes ou perceptivas

estavam acumuladas pela memória em estratos não propriamente conscientes,

aos quais sugeriu os nomes de pré-consciente, quando estavam no interstício

do nascer perceptivo, ou inconscientes, se arquivados mais abaixo e não-

imediatamente acessíveis.

Sua tópica, organizada a partir de um vislumbre do funcionamento

onírico e de vigília, embasou sua formulação sobre a formação dos sintomas,

dos recalques, das parapraxias.

O nosso fazer psíquico, passe ele pelas imagens, pelos sentidos, pelas

palavras, pelo brincar, pelo acting-out, sempre está entre o interstício do

acontecer perceptivo e sua publica-ação, pré-consciente ou “subconsciente” e

a consciência.

É inevitável imaginar que este movimento, desde o perceptivo, como

em um mexer de blocos alinhados uns aos outros, como nas camadas que

compõem o solo da terra, tendem a provocar toques nas camadas não-

imediatamente perceptivas ou inconscientes se considerarmos o psíquico.

O que se processa no que se percebe ou está no interstício vai

mexendo no território de baixo, e o fazer cotidiano, com suas variações de

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planos, vai dando movimento e vida, bem como provocar o que está mal-

acomodado e tende a emergir.

Transformações, descobertas, modificações seriam tanto gestadas por

pequenos movimentos tênues e mesmo às cegas, como também por

terremotos súbitos e aparentemente inexplicáveis, posto que aparentemente

vêm do nada, do que não se vê e que se descobre somente quando se está

face a face.

Observe-se, então, como o fazer psicanalítico encontra salvaguarda

nas metáforas, como a arte, mais do que a ciência encontra na biologia.

O interstício do fazer psicanalítico está na conversa, na vivência, é

claro que isto também é um fato biológico e científico, mas amalgamado pelo

paradoxo de ser humano.

Este fato parece trazer a necessidade de aceitarmos um borramento da

percepção transferencial e um dirigir-se ao fazer compartilhado, em que o

tendente transferencial se ressignifique, se transforme a ponto de que ao cabo

possamos colher a sua transformação mais do que termos a consciência clara

do que está ocorrendo quando éramos mais atores do que pensadores.

A percepção só surge a posteriori, ou, seja, após reexaminarmos o que

já ocorreu, como o foram as hipóteses apresentadas sobre os casos clínicos

para desvelar um processo que já havia ocorrido e que não poderíamos

formular antes do doloroso esforço da rememoração.

FALANDO DOS CONTRASTES

Este estudo foi iniciado com a proposta de ter na consulta terapêutica

uma referência, posto que se colocava a reflexão sobre o fundamento de um

trabalho que vem sendo executado, por cerca de uma década, no Instituto de

Infectologia Emílio Ribas.

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Assumindo as funções na instituição como médico psiquiatra, sabia

estar fora das condições de setting clínico do ponto de vista da prática

psicanalítica clássica. Tampouco podia me socorrer na proposta de fazer

mesmo psicoterapia breve, pois a demanda quantitativa não permitia uma

agenda restrita, com consultas de tempo definido.

A contribuição winnicottiana apontava que o setting na realidade era a

atitude do terapeuta, mais do que obediência a cânones e, ainda mais

enfaticamente, recomendava contemplar a necessidade, dando ênfase ao

manejo que privilegiasse, pelo registro de uma experiência emocional de

interesse genuíno e empático, disponibilizando recursos em servir a quem

sofre, sendo isto realmente o que interessa, um ato humano, uma procura,

como terapeutas somos servidores, como as mães capacitadas para dar

sustento psíquico e material aos seus bebês.

A proposta de Winnicott da consulta terapêutica leva em conta a

emergência da transferência, o gesto do terapeuta e do paciente de

encontrarem uma reorganização possível para o self do paciente, sempre em

potencial desta busca, bem como uma intencionalidade do analista em, seja

através de rabiscos, seja através de uma situação estabelecida, criarem no

tempo e espaço as condições para que este self aconteça, a pessoa seja ela

mesma de modo mais abrangente e verdadeiro e não empostado, fictício,

defensivo.

Isto começou com Freud, de modo intuitivo, investigativo, atento às

necessidades de seus pacientes, ainda que muitas vezes preso às limitações

de sua época e de seu próprio pioneirismo.

A proposta de Winnicott do trabalho com as consultas terapêuticas

trouxe um alento frente à constatação de que nem sequer a terapia breve podia

ser utilizada no trabalho institucional, posto que a demanda quantitativa não

permitia agendamentos com espaçamento no formato de consultas com

horários marcados, disponibilidade de tempo, mas esta mesma condição

apontava que a própria execução de consultas terapêuticas ficava fraturada,

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uma vez que a serenidade de usar dos rabiscos como molde de troca, ou outro

recurso de intermediação, bem como um molde como a da situação

estabelecida ou jogo da espátula, no contexto de um médico premido por

situações clínicas de emergência, distanciava os recursos entre o conforto do

analista que se sabe em seu setting e o profissional em um ambiente humano

emocionalmente mais árido.

Entretanto, longe de limitar, como a proposta não exigia cópia e isto

seria empostação ou falsidade constitutiva, tomar a proposta de Winnicott

como inspiração ou paradigma, foi permitindo um outro uso dela, certamente

ao qual ele não se oporia, que é o de contrastar e, deste modo, palmilhando

suas dessemelhanças, chegar talvez a um território novo e interessante.

Na sua consulta, Winnicott, com sua notória habilidade e sensibilidade,

explorava a situação clínica, tendo clara a dimensão transferencial e o seu

gesto de aproximação que possibilitava a apreensão ou constituição do arranjo

emocional de crescimento para o paciente.

Muito diferente disto, ainda que tendo consciência de ser

inexoravelmete acometido pela dimensão transferencial, esta sempre evoluía

de modo borrado, não claramente apreendida de modo emocional, ainda que

dedutível racionalmente.

Por exemplo, Luiz me dar um lugar entre pai e mãe, dependendo de

sua necessidade emergente, bem como Mariana poder falar de sua

necessidade de sublimar uma tempestuosa necessidade engolfante de amor

para poder constituir uma relação que sobrevivesse era por mim percebido em

meio a uma explosão de sintomas muito graves com os quais se tinha de haver

bem mais do que rastrear seus conteúdos.

A isto chamei não ter o que, contrastando, me pareceu ser o “conforto”

do psicanalista, em que uma constância permitiria aos poucos o desenrolar das

fantasias e sua interpretação.

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Ao contrário, ali no bombardeio dos sintomas, para os quais havia sido

convocado formalmente como médico e não como terapeuta e de cuja força

dos sintomas não me poderia evadir, deveria prender a respiração e acodir

concretamente como cuidador.

Às cegas, sabedor de que evitava as águas profundas, por outro lado

detinha a desconfiança de que, cedo ou tarde, teria de me haver com outras

complexidades.

Então, o que parece é que há dois tempos, um que se evita e se lida

com o que é necessidade máxima, outro que vai se descobrindo aos poucos

enredado em outra trama.

O psicanalista em contexto clássico ou mesmo praticando a consulta

terapêutica nos moldes de Winnicott, tem um leme, uma meta; o profissional no

contexto institucional mal sabe o que está fazendo, o que está acontecendo,

sabendo apenas que terá a sua responsabilidade, apesar da sua ignorância.

Se na consulta terapêutica o profissional acolhe o paciente, no

atendimento institucional tem de acontecer algo a mais: o fato de que o

paciente também tem de acolher aquele profissional que está diante dele,

também desamparado, pressionado, como o próprio paciente se sente, pelos

seus sintomas.

O setting do terapeuta institucional reside ainda mais em seu repertório

subjetivo, de tolerância emocional consigo próprio e com o seu paciente, de dar

suporte a esta dupla dor, bem como de conseguir um mínimo de mobilidade de

seus recursos imaginativos e criativos, arregimentados in extremis para lidar

com o forte duplo desamparo. Por isto também me parece doloroso relembrar,

mesmo em um contexto de escrever, como neste trabalho.

Contrastando, diria que o analista mais seguro de seu método, seja

interpretativo ou do gesto, está mais em busca de seu próprio espaço, de seu

lugar.

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Já na instituição, o primeiro movimento do paciente equivale ao chôro

do nenê, só nos restando correr a acodir, diferentemente de escutar, dar um

tempo, aguardar.

Porém, na medida em que vou escrevendo, também vou me dando

conta que possivelmente estou forçando uma diferença.

Sendo mais claro: a experiência institucional vai alimentando

fortemente em mim um sentimento de que concretamente estamos às escuras

a maior parte do tempo e que, se do processo alguma percepção mais

comunicável vai se organizando é porque na feitura de um tipo de trabalho

como o presente, conseguimos criar uma condição virtual de congelar alguns

fragmentos de cena clínica e a eles voltar repetitivamente até que parece

possível a ilusão da análise em situação mais serena e confortável.

Trata-se de um fenômeno muito próximo do que acontecia quando

Freud obrigava os seus pacientes a repetir incontáveis vezes fragmentos de

sonhos até que um detalhe antes suprimido surgisse como novidade.

ÀS CEGAS

Winnicott, com sua experiência, valeu-se do molde da situação

estabelecida e de sua intuição em rabiscar; Freud propôs um modelo para a

decifração dos sonhos ou do conteúdo simbólico dos sintomas através das

associações livres.

Ambos apresentavam-se relativamente seguros quanto a palmilhar um

terreno submetido às vicissitudes da transferência e da necessidade de

percorrer uma arqueologia psíquica em direção à descoberta de algo não

imediatamente cognoscível ou consciente.

Freud propunha a regra fundamental; Winnicott os rabiscos, o gesto.

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Ambos partiam de uma mediação, entendida como o resíduo diurno ou

o manifesto; Winnicott dá a este fato a dimensão do transicional, do campo em

potencial, sendo interessante cogitar que esta seria uma dimensão do

acontecer de interstício entre pré-consciente e consciente.

Freud parte de estudos de caso; Winnicott esboça a proposta da

consulta terapêutica como uma possibilidade para a lida no contexto

institucional, ficando claro, pelas limitações contemporâneas da clínica

psicanalítica clássica mesmo nos consultórios particulares, que este âmbito

possível, talvez a última fronteira do acontecer psicanalítico, fornece

fundamento para a aplicabilidade de um enfoque psicanalítico em que se pode

responder a necessidades dos pacientes sem que se peça que os mesmos

preencham necessidades do molde clássico.

Propõe-se última fronteira porque ela é factível em situações em que

se dispõe de exigüidade de espaço e/ou tempo.

Considere-se, entretanto, que em certas condições, não temos mesmo

a possibilidade de vermos preenchidas mesmo as condições mais simples da

consulta terapêutica, seja por não dispormos de uma condição de

intermediação como usar desenhos, rabiscos, ou mesmo expor o paciente

investigado à espátula, como fazia Winnicott.

Uma sucessão de pacientes, de sexos, idades, queixas e quadros

clínicos diversos não permite uma uniformidade na condução da intervenção,

bem como expõe o profissional a um tipo de urgência que não permite que o

mesmo tenha uma saída senão procurar tomar medidas imediatas de atenuar o

sofrimento, aplicando critérios diferentes para situações diferentes.

Aqui nasce a idéia da consulta enquanto paradigma, enquanto

possibilidade de contraste.

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Este contraste só é possível a posteriori, ou seja, há concretamente

uma cegueira do profissional na situação institucional investigada neste estudo,

com borramento da transferência e uma necessidade de estar em campo,

expor-se experimentalmente, permitir que o paciente nos utilize em sua

máxima urgência.

No contexto psicoterápico, pode-se aguardar o momento de que o

analista tenha um esboço mental do que está acontecendo para, assim,

apresentá-lo na forma de uma interpretação ao paciente; na consulta

terapêutica, há condições de constância e estabilidade dados por algum

enquadre ou molde.

No contexto aqui estudado, deve-se responder na medida do possível

e depois ver se se tem alguma idéia do que ocorreu: a isto foi denominado

estar às cegas, se contrastado com o que foi anteriormente descrito.

Pode parecer uma irresponsabilidade, mas antes deste tipo de

julgamento acrescente-se que é uma fatalidade que assim o seja, pois esta é a

necessidade da situação, que requer “nervos de aço”, se acompanharmos o

compositor popular, ou ainda coragem e uma boa dose de fé não no sentido

religioso, mas de acreditar no ato humano, no gesto, na reciprocidade.

ANCORAGEM HUMANA: PSICANÁLISE?

Este trabalho vai abrindo possibilidade para indagações.

Por exemplo, os trabalhos psicanalíticos sempre me pareceram uma

grande mentira, se consideramos o fato de que os psicanalistas em geral falam

com grande segurança sobre fatos para os quais não se tem um faticidade

material e é precisamente isto que é usado como argumento por gente

cientificamente consistente para rechaçar ou mesmo ridicularizar as

formulações psicanalíticas.

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Coisas que psicanalistas escrevem muito tranqüilamente como

“ataques ao seio”,”transferência erótica”,”perversão”, para ficar apenas em

algumas formulações, ou pedem leitores que aceitem-nas ou a elas estejam

iniciados, ou que tenham compreensões facilmente factíveis.

A acuidade clínica, a partir de Freud, pressupõe que o que não seja

vivenciado emocionalmente e seja empostado ou imposto seja considerado o

que ele chamou de psicanálise silvestre: as teorias, deste modo, seriam

modelos para compreender a experiência humana ou facilitadores para este

processo e não equações matematicamente demonstráveis.

Assim, só seria compreensível o que se vivencia e, considerando-se o

vivenciar humano, só se vive em companhia, só se experimenta sentimentos se

com alguém se está, só se aprende com um outro, desde o começo, com a

mãe.

Só se é pai e mãe com o filho; só se é médico, terapeuta, ou analista

com a companhia do paciente; só se sente tratado o paciente na companhia

emocional de um outro ser vivo, não apenas um intelecto capaz.

A este fato denomina-se aqui ancoragem humana e ela só pode ser

recíproca ou solidária.

Neste contexto é que se fundamenta o enfoque psicanalítico e não em

uma teoria psicanalítica: este fato traz em seu bojo a atitude e o gesto humano

como uma estética que permeia o palmilhar de um inesgotável caminho de

expansões, experiências e possíveis descobertas, tateando na penumbra,

correndo riscos de modo inevitável.

REPLICAÇÃO OU DIÁLOGO

Quando introduzida a proposta da consulta terapêutica, procurou-se

rastrear seu aparecimento na história da psicanálise, visível inicialmente em

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Freud nos casos de Catarina e Hans, sua justificativa como um recurso

possível quando condições de setting não favoreciam outro tipo de intervenção

psicanalítica, daí a ênfase recaindo em como Winnicott a vislumbrou e praticou

e como outros autores têm, ao longo do tempo, encontrado outras saídas

possíveis para praticá-la, adaptando práticas à especificidade de cada grupo de

paciente e suas necessidades.

No desenvolvimento do presente estudo, foi a consulta terapêutica

adotada como um paradigma, referência a contrastar e dialogar, ficando claro

que sua replicação seria algo não concernente à clínica do setting institucional

estudado, bem como incompatível com a atitude calcada na proposta de

Winnicott, que só admite o psicanalista enquanto um ser humano não-falso ou

não-copiador, que cresce com aquisições calcadas em sua própria experiência.

O borramento da transferência e a urgência em uma ação terapêutica

não permitem o uso de uma situação estabelecida nos moldes descritos por

aquele autor, nem tampouco o rabiscar livre dos dois parceiros concernente à

outra matriz da consulta terapêutica.

No entanto, a mola mestra da atitude de holding, desprovida de

preconceitos, o oferecimento da situação clínica como uma folha em branco,

em um movimento de busca, pode muito bem ser anotada como de inspiração

winnicottiana, mais do que sensivelmente seguidora estrita do modelo proposto

por aquele autor.

Por isto a alma, mais do que a materialidade, empresta o recurso e

postula-se estar no campo psicanalítico aberto por aquela proposta.

Outro dado que autoriza esta postulação é o fato dos meandros da

clínica insinuarem-se para a vivência emocional dos participantes, terapeuta e

paciente, constituindo-os como atores colaborantes, na medida em que suas

vivências íntimas, ainda que não analisadas através do recurso interpretativo

verbal, encontram-se palmilhadas, esboçam-se, dão um colorido de encontro

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gratificante, ainda que o que havia engendrado o encontro fosse a dor mais

profunda, esta não ignorada, não escamoteada, mas colhida e acolhida.

DORES E NAVEGAÇÕES

Nos dias de hoje, encerro o meu dia de atendimento ambulatorial na

instituição por volta das dezessete horas, tendo começado o meu expediente

por volta das oito da manhã, perfazendo em média vinte atendimentos, entre

consultas, receber alguém que faltou em seu horário e necessita uma receita,

alguém que pede um laudo para apresentar em perícia médica, alguns casos

novos, a maior parte retornos, pacientes que tiveram seu primeiro encontro e

os sigo ao longo dos anos.

Procuro atender a todos, minha agenda de encaixes supera em muito

os que faltam e, destes, é certo que procurarão outro dia como encaixes.

Sempre atendo algum parente de funcionário da instituição, converso com

algum colega que me procura para pedir que atenda um outro paciente, etc.

Quando saio do hospital estou invariavelmente muito cansado, física e

mentalmente.

Geralmente sigo para o meu consultório e tenho como hábito ter um

pouco de tempo para mim, vou sorver um café, tomar um suco, freqüentemente

posso me deitar um pouco em meu consultório particular, agora fora dos limites

físicos do hospital e dar um cochilo antes de receber meus pacientes

particulares de psicoterapia.

O corpo cansado e a mente exausta são rendidos pelo sono agradável,

a sensação de dever cumprido, aos poucos o cansaço vai indo embora, vejo-

me até tendo idéias para completar este texto.

Decidi-me por descrever estes fatos para chamar atenção ao fato de

que somática e psiquicamente, somatopsiquicamente, vai junto comigo,

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depositado em mim, algo que suponho que aconteça com muitos de meus

pacientes, um estado de dor e exaustão, não infreqüentemente é disto que se

queixam, através de sintomas categorizáveis como ansiedade, depressão, etc.

Posso dizer que tive a sorte um dia de ter tido uma mãe e uma babá

que me ninaram, pais que me proveram de cuidados materiais e emocionais,

muitos professores, meus analistas e supervisores, orientadores e mais

visceralmente uma mulher e filhos.

Foram-me dadas condições de ter e constituir uma experiência

emocional que me garantem ter um certo grau de fé e expectativa de que

posso arcar com condições mais difíceis e que podem ser metabolizadas,

sustentadas, vivenciadas, com ganhos sensíveis.

Saindo revigorado do meu cochilo, renovo a vivência de singrar por

mares que se tornam navegáveis.

AS CONSULTAS, A PSICANÁLISE

O acontecer humano é perene, registrá-lo é objeto de arte e

sensibilidade; quando há sofrimento, há que se arcar e sentir.

Vou dando moldes finais a este texto com a sensação de que o

processo psicanalítico tem nas consultas a sua unidade mínima e no acúmulo

destas unidades o seu infinito de vida.

Na maior parte das vezes concretamente temos de arcar com um

sofrer na dúvida de nosso limite em agüentá-lo e ser sincero em relação a este

fato é que confere humanidade à tarefa de nos vermos em uma função em que

o sofrer do outro também nos dói, nos envolve, traz amargor e suportá-lo

também depende de que este mesmo que nos procura também nos suporte e

aceite os nossos limites.

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Assim, a psicanálise não se constitui no encontro do ignorante sofredor

e de um sábio que pode decifrar todo momento, é apenas o exercício de uma

unidade mínima chamada consulta, que pode se dar de diferentes modos, mas

que tem o seu interesse na medida em que se constitui pela experiência de

dois, que se sustentam e se suportam, como na vida, quando há relação

efetiva entre dois seres humanos.

Completando, ter pacientes é uma experiência de aprendizado

insubstituível.

REVENDO

Olhando para o percurso desta tese, foi rastreada a proposta da

consulta terapêutica, o seu emergir e justificativa no rastro do trabalho clínico

dos psicanalistas a partir de Freud, sua expansão pelo molde winnicottiano da

situação estabelecida(jogo da espátula ou standard situation) e do jogo dos

rabiscos(squiggle game) e a utilização destas referências por inúmeros

colegas, sempre emprestando da consulta winnicottiana a noção de um molde

como referência de intencionalidade no propiciar o fazer psicanalítico.

De um modo geral, estes autores já dispunham de uma boa dose de

convicção em relação a disporem de um molde, que chamado foi de enquadre

talvez até cometendo certa confusão de termos, pois não era bem como

adotado por Bleger.

Semelhante convicção não havia; pelo contrário, a partida se deu pela

dúvida, a qual nos foi situando mais como o contrastar, mais como o paradigma

do que propriamente a convicção de dispor de um molde.

Neste caminho, a dúvida e a cegueira foi conduzindo a um

desenvolvimento da noção de que o ato da consulta, na atitude do terapeuta e

sua disponibilidade em emprestar seu recurso a uma somatória com o paciente

e o seu sentir, constitui o byte na digitalização emocional do viver psicanalítico.

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O que distingue, então, os vários fazeres psicanalíticos, pois podemos

afirmar que, em relação a ser psicanalista e fazer psicanálise, há diferenças

quanto a ser, ou como ser, isto é, como fazer?

Muito possivelmente, deixando momentaneamente de lado a

subjetividade do psicanalista, pode-se mirar que no seu fazer o processo

psicanalítico cursa com variáveis intermediações, que iriam da certeza de se

ter um esboço de molde a uma busca de um horizonte, de um norte possível

em um caminhar obscuro aos caminhantes, terapeuta e paciente.

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118

6 ANEXO

ANEXO 1

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO

EM PROJETO DE PESQUISA

ANEXO 2

PARECER DO COMITÊ CIENTIFICO

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ANEXO 1

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO

EM PROJETO DE PESQUISA

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SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO

COORDENADORIA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

INSTITUTO DE INFECTOLOGIA EMÍLIO RIBAS

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (coordenador Dr Wladimir Queiroz)

Av. Dr Arnaldo, 165 – Cerqueira César – São Paulo – SP

CEP. 01246-900 – TEL: 3896-1406

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

ESTUDO DA CONSULTA TERAPÊUTICA EM UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA

1. PROPOSTA DO ESTUDO:

Você tem sido acompanhado há algum tempo pelo Dr Carlos Fernando B.

Neumann, médico psiquiatra aqui do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

As consultas com seu médico psiquiatra têm feito parte do seu tratamento geral,

juntamente com seu médico clínico infectologista, que foi quem lhe indicou que passasse a

fazer também tratamento com a Psiquiatria. Este serviço de apoio do especialista

psiquiatra se chama interconsulta psiquiátrica.

O Dr Carlos é também psicanalista, tendo se especializado na técnica que se tornou

mundialmente conhecida, criada por Freud há cerca de cem anos.

A finalidade deste estudo é tentar medir a influência da psicanálise no seu atendimento,

refletindo-se na postura do psiquiatra e em como você tem se relacionado com ele.

2. PROCEDIMENTOS A SEREM SEGUIDOS NA PESQUISA:

O estudo consistirá apenas na releitura dos atendimentos pelos quais você já passou,

através dos registros feitos pelo Dr Carlos e, eventualmente, de observações também de

seu médico clínico infectologista.

Uma das finalidades da pesquisa é de verificar se um bom trabalho de equipe está sendo

executado com o auxílio de seu psiquiatra. Na verdade é o trabalho dele que está sendo

avaliado, tomando por base o tratamento que você tem recebido.

Para isto é que o seu consentimento é necessário, pois serão examinados os dados que

constam em seu prontuário médico, os quais são registros de seus parâmetros clínicos e ,

sendo um tratamento na área de saúde mental, envolve a recordação de fatos de natureza

psicológica, que têm grande importância emocional .

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Você não passará por nenhum exame biológico ou procedimento invasivo, de manipulação.

Não tomará nenhum remédio psiquiátrico, além daqueles que eventualmente você já esteja

usando.

3. RISCOS:

Não há nenhum risco para você. Seu médico se compromete a manter a estrita

confidencialidade e sigilo. Você será identificado com um nome de fantasia e poderá

solicitar ser retirado do estudo a qualquer momento. Uma eventual desistência não lhe

trará nenhuma conseqüência prática ou mudança em seu tratamento.

Seu médico se compromete a lhe fornecer todas a informações que você quiser, a

qualquer tempo.

4. CUSTOS E BENEFÍCIOS:

Nem você, nem o seu médico receberão qualquer compensação econômica por estarem

envolvidos neste projeto, que não deve exceder cerca de seis meses, após todos os

devidos consentimentos, tanto de sua parte, como da instituição hospitalar.

Esta pesquisa destina-se apenas para finalidade científica, podendo envolver futura

publicação de resultados em revista de circulação apenas no meio científico.

5. SUA AUTORIZAÇÃO:

Sendo assim, se você está de acordo em colaborar com a execução desta pesquisa,

deve assinar abaixo dando o seu consentimento.

Quando o paciente for menor de idade, deverá assinar a autorização o seu

responsável legal.

6. DÚVIDAS:

Caso você tenha qualquer dúvida quanto à parte ética da pesquisa, você pode

entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisas, Dr Wladimir Queiroz, telefone

3896-1406.

7. CONTATO COM O PESQUISADOR:

Carlos Fernando BIttencourt Neumann, ramal 1198

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Declaro estar ciente e de acordo com a participação do(a) menor, sob minha responsabilidade,

no estudo acima referido, estando informado que:

1. O objetivo e os procedimentos da pesquisa foram devidamente esclarecidos para mim;

2. Tive oportunidade de fazer perguntas e de avaliar as respostas dadas;

3. Que os dados levantados neste estudo são absolutamente confidenciais e serão utilizados

de modo a não permitir a identificação do(a) menor sob minha responsabilidade;

4. Que minha participação é voluntária;

5. Que tenho a liberdade de recusar a participar ou retirar meu consentimento, em qualquer

fase da pesquisa, sem qualquer tipo de ônus.

Nome do Responsável:............................................................................................................

Assinatura:.................................................................................................................................

Nome do(a) menor:...................................................................................................................

Data de Nascimento:.................................................................................................................

Assinatura:..............................................................................................................................

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Declaro estar ciente e concordar em participar no estudo acima referido, estando informado

que:

1. O objetivo e os procedimentos da pesquisa foram devidamente esclarecidos para mim;

2. Tive oportunidade de fazer perguntas e de avaliar as respostas dadas;

3. Que os dados levantados neste estudo são absolutamente confidenciais e serão utilizados

de modo e não permitir minha identificação;

4. Que minha colaboração é voluntária;

5. Que tenho a liberdade de recusar a participação em qualquer fase da pesquisa, sem

qualquer tipo de ônus.

Nome:.............................................................................................................................................

Assinatura:....................................................................................................................................

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São Paulo, 13 de fevereiro de 2006

Comissão Científica

Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Prezados colegas,

Venho, através desta, encaminhar duas cópias do projeto de pesquisa

intitulada “ESTUDO DA CONSULTA TERAPEUTICA EM UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA”,

para vossa apreciação, contando que com vosso parecer favorável, juntamente com o da

Comissão de Ética e Pesquisa, possa iniciar o trabalho de ampliação amostral, segundo os

termos propostos em um pequeno ensaio-piloto contido neste projeto.

Trata-se de objeto de tese de doutorado, junto ao Departamento de Psicologia Clínica, do

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, tendo por base um estudo de casos,

através de um viés psicanalítico, de trabalho que venho desenvolvendo como servidor do

Instituto Emílio Ribas, no qual desempenho funções junto ao setor de especialidades.

Este projeto foi em submetido ao exame de qualificação em 12 de dezembro de 2005, no

Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São

Paulo, tendo sido aprovado pela banca examinadora.

Coloco-me `a disposição destas Comissões, para os esclarecimentos que se fizerem

necessários. Esclareço que o material constante desta proposta de pesquisa não teve

qualquer circulação, só tendo passado pelas mãos de meu orientador, o Prof. Titular Dr

Gilberto Safra e pelos examinadores que constituíram a referida banca, posto que achei

mais conveniente, a exemplo do que fizera anteriormente com o meu estudo de mestrado,

apresentá-lo após já ter sido apreciado criticamente.

Contando com vosso apoio , remeto aqui meus protestos de consideração e respeito.

Atenciosamente,

-----------------------------------------------

Carlos Fernando B.Neumann

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ANEXO 2

PARECER DO COMITÊ CIENTIFICO

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