O que vem pela frente edição 1151-52

5
1 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SPCRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA Tel. (11) 92357060 ou (48) 96409331 e-mail: [email protected] EDIÇÃO 1151/52Ano 28; 2ª e 3ª semanas Junho 2013. O que vem pela frente. JOSÉ MARTINS. No fim da tarde da chuvosa e fria sexta-feira do inverno brasileiro, um dia depois das maiores manifestações populares da história do país, os protestos ainda continuavam muito fortes em todas as regiões. Como um raio no céu azul e democrático da quinta economia do mundo. De que vale um Produto Interno Bruto (PIB) muito grande, crédito da Caixa sem limites, e uma pobreza maior ainda? Um grande mistério da globalização do capital nos últimos anos nas grandes e pequenas economias do mundo: quanto maior o PIB, maior a pobreza da população. E as tensões sociais aumentam junto. AS VOZES DAS RUAS A harmonia da Escola não bate com o ritmo das ruas. O luxo nos carros alegóricos não esconde a pobreza extrema dos milhões de passistas. Ideias fantasiosas, e algumas aburguesadamente idiotas, como “economia emergente”, “quinto PIB do mundo”, fim da pobreza extrema”, “país rico é país sem pobreza”, “um país de classe média” e tantas outras bobagens, desmancham nos protestos nas ruas. Nem a bolsa-famíliasalvará mais as fantasias! Quem quiser entender a razão e objetivo dessas manifestações decifrar essas vozes desconexas que entopem de vida as avenidas e recuperam para si a cidade alienada do capital deve primeiro ouvir isso que elas estão dizendo: o país é pobre, muito pobre, mais pobre do que dez ou cinquenta anos atrás. Dá para concordar? Em nossos boletins mais recentes deste ano (a partir dos problemas colocados no boletim Economia do Crioulo Doido) procuramos demonstrar essa realidade das grandes economias emergentes”; mas a erupção das manifestações dos últimos dias foi mil vezes mais didática e convincente que todos esses nossos boletins: “cinza é a teoria, verde é a árvore da vida.” (Goethe) O homem subterrâneo irrompe na avenida e anuncia o buraco negro da política. Não haverá mais a política e a governabilidade burguesa que pareciam tão sólidas até poucos dias atrás. Pode-se abafar temporariamente as revoltas atuais, é muito natural, mas será muito difícil voltar a fazer funcionar, como até uma semana atrás, a mesma lengalenga das eleições viciadas, das votações fajutas e representações inoperantes de uma democracia corroída pela realidade social. Doravante, com novas e imprevisíveis formas de manifestações da população que virão, a política serpenteará em direção a extremos também totalmente imprevisíveis, criando um quadro de insustentável governabilidade burguesa e imperialista. A política das ruas deve substituir a política tradicional.

description

No fim da tarde da chuvosa e fria sexta-feira do inverno brasileiro, um dia depois das maiores manifestações populares da história do país, os protestos ainda continuavam muito fortes em todas as regiões. Como um raio no céu azul e democrático da quinta economia do mundo. De que vale um Produto Interno Bruto (PIB) muito grande, crédito da Caixa sem limites, e uma pobreza maior ainda? Um grande mistério da globalização do capital nos últimos anos nas grandes e pequenas economias do mundo: quanto maior o PIB, maior a pobreza da população. E as tensões sociais aumentam junto. - JOSÉ MARTINS

Transcript of O que vem pela frente edição 1151-52

Page 1: O que vem pela frente   edição 1151-52

1

Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP.

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA Tel. (11) 92357060 ou (48) 96409331 e-mail: [email protected]

EDIÇÃO 1151/52– Ano 28; 2ª e 3ª semanas Junho 2013.

O que vem pela frente. JOSÉ MARTINS.

No fim da tarde da chuvosa e fria sexta-feira do inverno brasileiro, um dia depois

das maiores manifestações populares da história do país, os protestos ainda

continuavam muito fortes em todas as regiões. Como um raio no céu azul e

democrático da quinta economia do mundo. De que vale um Produto Interno

Bruto (PIB) muito grande, crédito da Caixa sem limites, e uma pobreza maior

ainda? Um grande mistério da globalização do capital nos últimos anos nas

grandes e pequenas economias do mundo: quanto maior o PIB, maior a pobreza

da população. E as tensões sociais aumentam junto.

AS VOZES DAS RUAS – A harmonia da Escola não bate com o ritmo das ruas. O

luxo nos carros alegóricos não esconde a pobreza extrema dos milhões de

passistas. Ideias fantasiosas, e algumas aburguesadamente idiotas, como

“economia emergente”, “quinto PIB do mundo”, “fim da pobreza extrema”, “país

rico é país sem pobreza”, “um país de classe média” e tantas outras bobagens,

desmancham nos protestos nas ruas. Nem a “bolsa-família” salvará mais as

fantasias! Quem quiser entender a razão e objetivo dessas manifestações –

decifrar essas vozes desconexas que entopem de vida as avenidas e recuperam

para si a cidade alienada do capital – deve primeiro ouvir isso que elas estão

dizendo: o país é pobre, muito pobre, mais pobre do que dez ou cinquenta anos

atrás. Dá para concordar? Em nossos boletins mais recentes deste ano (a partir

dos problemas colocados no boletim “Economia do Crioulo Doido”) procuramos

demonstrar essa realidade das grandes “economias emergentes”; mas a erupção

das manifestações dos últimos dias foi mil vezes mais didática e convincente que

todos esses nossos boletins: “cinza é a teoria, verde é a árvore da vida.” (Goethe)

O homem subterrâneo irrompe na avenida e anuncia o buraco negro da

política. Não haverá mais a política e a governabilidade burguesa que pareciam

tão sólidas até poucos dias atrás. Pode-se abafar temporariamente as revoltas

atuais, é muito natural, mas será muito difícil voltar a fazer funcionar, como até

uma semana atrás, a mesma lengalenga das eleições viciadas, das votações

fajutas e representações inoperantes de uma democracia corroída pela realidade

social. Doravante, com novas e imprevisíveis formas de manifestações da

população que virão, a política serpenteará em direção a extremos também

totalmente imprevisíveis, criando um quadro de insustentável governabilidade

burguesa e imperialista. A política das ruas deve substituir a política tradicional.

Page 2: O que vem pela frente   edição 1151-52

2

AS VOZES DOS CAPITALISTAS – os capitalistas já se movimentam para

conservar a governabilidade dos mortos. As pressões das classes dominantes 1

para a mudança da política econômica e, posteriormente, a ordem política atual,

aumentaram mais que nunca nesta semana. Eles veem a situação econômica

nacional com enorme preocupação. Dizem que a indústria sofre com um cenário

particularmente difícil, pressionada pelo aumento nos custos de produção (leia-se

salários) e pela taxa de lucro reduzida. Dizem que o país vive uma situação de

pleno emprego e excesso de consumo. Os trabalhadores podem achar isso muito

bom, mas eles acham isso extremamente perigoso, pois as empresas, para manter

os seus funcionários, pagam salários maiores; esse custo adicional, usando suas

palavras, acaba fatalmente (sic) sendo repassado para os preços, elevando a

inflação e desvalorização do real frente ao dólar. Isso acontece porque o governo

pratica uma “política expansionista”: quanto mais estímulos de crédito (leia-se

baixa taxa de juros) o governo concede para estimular o consumo, menor será o

desemprego, maiores serão os salários e menores serão os lucros. Com os lucros

em queda, os investimentos não avançam, a economia não cresce, e assim por

diante. Só não dizem por que esse fatalismo dos capitalistas não aceitarem nem

uma minúscula redução da taxa de lucro, correspondente aos minúsculos

reajustes dos salários. E não aceitarem, muito menos, uma redução da taxa de

juros, medida salutar nas contas públicas, dado que mais da metade dos gastos da

União é com despesas financeiras, pagamento de juros que incidem sobre a

dívida pública. Existe melhor maneira de reduzir os gastos públicos do que

reduzir a taxa básica de juros? Eles dizem que isso aumenta diretamente a

inflação. Conversa mole. A inflação aumenta porque os capitalistas não mantem

inalterados os preços nem com um minúsculo reajuste salarial.

Além do mais, já observamos. em boletins anteriores que esse diagnóstico

dos capitalistas é completamente errado. Não existe pressões inflacionárias (em

2010 a inflação anual foi maior que a atual e ninguém disse que havia um grande

descontrole), nem existe nenhuma desvalorização cambial descontrolada.

Também não existe diminuição significativa da produção industrial; ao contrário,

nos últimos meses a produção voltou a crescer, mesmo que discretamente, como

ocorre com as demais economias dominadas dos BRICs.

Mas essa é uma observação puramente técnica. No mundo real da

economia política, isso pode ser de menos importância, dependendo da situação

do ciclo econômico. Assim, na avaliação dos capitalistas, o país vive uma

situação de crise econômica devido aos altos salários e a política expansionista

de baixas taxas de juros. A solução? Deve-se implantar urgentemente uma

política de austeridade fiscal, com cortes radicais nos gastos públicos nas áreas

da saúde, educação, moradia, aposentadoria, salários dos servidores públicos e

outros serviços públicos de atendimento direto à população. Dizem que isso é

necessário e, com a orientação econômica atual não há nenhum sinal que isso

será revertido. Com os desdobramentos políticos nos próximos dias em Brasília, 1 As principais classes dominantes: a poderosa burguesia industrial da Federação da Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP), que reúne tanto as grandes indústrias de capital nacional, quanto das

empresas imperialistas globais; a burguesia financeira da Federação Brasileira de Bancos (Febraban); os

proprietários fundiários e rentistas do agronegócio da Confederação Nacional da Agricultura e

Pecuária (CNA); e outras frações menos poderosas.

Page 3: O que vem pela frente   edição 1151-52

3

com a posição da Presidenta severamente abalada, pode-se prever com certa

segurança que a cabeça de Mantega será finalmente decepada e oferecida aos

deuses capitalistas para acalmar o mercado e dar um folego de conclusão de

mandato para a trôpega burocrata-presidente.

BURGUESIA ORGANIZADA – Porque as classes dominantes querem essa

mudança aparentemente irracional da política econômica? Não se pode negar,

que as classes dominantes, como ensinava Lenin, têm uma enorme capacidade de

organização e de estratégia política (e militar): sabem exatamente qual o objetivo

que querem alcançar e com quais meios podem contar para alcançá-lo. E sabem

se antecipar aos fatos que ainda não se manifestaram na ordem do dia. Quanto ao

novo choque econômico global que ocorrerá no decorrer dos próximos dois, a

burguesia cucaracha brasileira é informada pelos centros de inteligência

imperialistas de Washington, Frankfurt e Tóquio, que a trolha do próximo

choque global será muito grande. E que devem reforçar suas trincheiras

econômicas, políticas e geopolíticas para significativas batalhas de classes. As

vozes atuais das ruas mais que confirmam no Brasil esse cenário.

É verdade que a política econômica anticíclica de Mantega, ministro da

Fazenda, garantiria a economia nesta marcha lenta por mais um ou dois anos, até

a chegada do próximo choque global. É feita de maneira inteligente para o curto-

prazo. Mas os capitalistas veem desde agora uma fragilização da capacidade

fiscal do governo, na medida em que as gigantescas desonerações fiscais dos

últimos dois anos e a redução da lucratividade das empresas impactam

fortemente na capacidade de arrecadação da União. E presenciam com muita

preocupação a deterioração financeira de grandes empresas como Petrobras, Vale

do Rio Doce e outras mequetrefes como as empresas de Eike Batista, etc. A bolsa

não para de cair. Tem muita coisa graúda que já começa a apodrecer. Por isso, o

remédio de começar imediatamente a aplicar o remédio: reduzir os gastos

correntes para compensar a redução do lado das receitas. Pelo lado do Banco

Central, apertar a política monetária: aumentar os juros, reduzir o crédito e

começar a salvar os bancos e outras empresas que certamente sofrerão abalos

fundamentais com a mudança da política econômica. A dose desse remédio vai

depender da luta de classes e da capacidade militar do governo controlar as ruas.

O paciente deve ser encaminhado para a cirurgia sem mais demora. Na

prática, procuram assim antecipar os acontecimentos e garantir a estabilidade

política do Estado, a governabilidade e seus lucros, rendimentos e outras rendas

da propriedade privada. Mas “antecipar os acontecimentos” não quer dizer que a

tarefa será fácil. Muito pelo contrário, é extremamente insegura e perigosa, como

já começamos a observar. Essa estratégia de cortar gastos correntes do governo,

elevar a taxa básica de juros, e desvalorizar gradualmente o real, terá duas

consequências instantâneas. A primeira seria interromper as politicas atuais

anticíclicas de contenção da economia e levá-la para uma perigosa desaceleração

da produção. A situação mundial não permite barbeiragens neste momento. O

Brasil poderia, assim, protagonizar o papel de anunciar com alguns trimestres de

antecedência o próximo grande choque global. Analisaremos posteriormente

outras possíveis consequências dessa aventura da burguesia brasileira sobre o

Page 4: O que vem pela frente   edição 1151-52

4

mercado mundial, particularmente China, Argentina, e restante da América do

Sul. O peso do Brasil no mercado mundial anote-se, é muitas vezes maior que

pequenas economias europeias como Portugal, Grécia e Espanha somadas.

A segunda consequência dessa desesperada (e necessária) movimentação

do capital, será o agravamento ainda maior das causas econômicas que estão na

origem das grandes manifestações das ruas nas últimas semanas. A tensão social

vai atingir uma temperatura máxima, alguma coisa parecida com o que aconteceu

na Argentina, no decorrer da crise periódica de 2000 e 2001. Quer dizer, os

ataques aos salários diretos e indiretos de todos os trabalhadores no Brasil serão

devastadores. Quanto aos salários indiretos, que se referem exatamente aos

subsídios aos serviços de transporte urbano, saúde, moradia, educação, etc. serão

os mais atingidos. Deve-se esperar também redução generalizada de salários

diretos (o que vem no holerite no fim do mês) tanto para os trabalhadores do

setor público quanto do setor privado. Não se deve esquecer que, pelo

diagnóstico da doença observado acima, os dois problemas de base são os

supostos pleno emprego e elevados salários dos trabalhadores. O remédio é

indicado é um fortissimo redutor de emprego e de salários. Nos planos de

austeridade aplicados a um bom tempo em Portugal, Espanha, Grécia, Itália, etc.,

está ocorrendo exatamente todas essas coisas. Na Espanha, a taxa de desemprego

já atinge mais de 25% da população e mais de 50% dos trabalhadores jovens

(entre 16 e 25 anos).

Como eles estão se organizando para essa carnificina? Nas próprias

manifestações isso já pode ser verificado, com os “defensores da pátria” gritando

por “não violência” e os “filhos da revolução” respondendo por “não burguesia”.

Os pacíficos “defensores da pátria” atacando e expulsando das manifestações os

vândalos “filhos da revolução”. Neste momento em que encerramos este boletim

recebemos seguidas mensagens de companheiros em várias partes do Brasil que

relatam ataques sanguinários da polícia burguesa e bandas fascistas de dentro das

manifestações contra manifestantes revolucionários que ocupam as ruas para

protestar contra esse Estado podre até as raízes. É para novos e inevitáveis

ataques militares contra os filhos da revolução que os pais e os filhos defensores

da pátria já estão preparando um renovado Estado totalitário – não confundir com

ditadura militar, fórmula ineficiente às necessidades atuais – para conservar, na

aproximação de uma nova crise periódica capitalista global, essas excrescências

históricas como propriedade privada, mercado, moeda, salário, capital e Estado.

No próximo boletim observaremos com mais detalhes a forma concreta de

governo que eles já estão procurando organizar para a execução dessas

campanhas sanguinárias de conservação da propriedade capitalista e do poder da

burguesia. Apenas uma antecipação do assunto: o ex-presidente Luiz Ignácio da

Silva se reuniu nesta sexta-feira com Henrique Meireles, representante da fração

bancária da burguesia, para discutir as mudanças na política econômica. O Guido

Mantega só aguarda o telefona do seu chefe para começar a limpar as gavetas da

sua mesa no ministério da Fazenda. E a atual presidenta também, para ser

reconfortada pelo chefe com a promessa solene que ele fará tudo para que ela

pelo menos termine seu atual mandato.

Page 5: O que vem pela frente   edição 1151-52

5

Para receber semanalmente em seu email análises econômicas

como esta que você acabou de ler, assine e divulgue o boletim

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA, do 13 de Maio, Núcleo de Educação

Popular, S.Paulo.

Em 2013, estamos completando 27 ANOS DE VIDA.

Vinte e sete anos informando e educando a classe trabalhadora!

ASSINE AGORA A CRÍTICA Ligue agora para (11) 9235 7060 ou

(48) 96409331 ou escreva um e-mail para [email protected] e

saiba as condições para a assinatura!