O RETORNO DO INVENTOR

59
O RETORNO DO INVENTOR 9º ANO C - 2013

description

Livro realizado pelos alunos do 9º C - Colégio POLIEDRO - São José dos Campos - SP. Tal obra foi criada nas Oficinas de Texto criadas pelo Professor Sérgio R. L. Fascina - 2013.

Transcript of O RETORNO DO INVENTOR

Page 1: O RETORNO DO INVENTOR

O RETORNO DO INVENTOR

9º ANO C - 2013

Page 2: O RETORNO DO INVENTOR

© Todos os direitos reservados. Proibida a cópia total ou parcial desta obra.

Projeto desenvolvido na disciplina de Língua Portuguesa, pelos professores Sérgio Ricardo Lopes Fascina e Darci de Souza Baptista durante o primeiro semestre letivo do ano de 2013.

i

Feira do Livro 2013Oficina de Textos - Projeto Livro da Turma

Page 3: O RETORNO DO INVENTOR
Page 4: O RETORNO DO INVENTOR

Dedicamos esta obra aos escritores de todos os tempos,

os quais nos trouxeram seus mundos,

suas inspirações,

seus medos,

suas verdades e suas mentiras,

suas certezas e suas incertezas,

a fim de que pudéssemos, nas incertezas da vida,

ter a certeza de que

podemos criar!

Podemos mais!

DEDICATÓRIA 9º ANO C

iii

Page 5: O RETORNO DO INVENTOR
Page 6: O RETORNO DO INVENTOR

v

O F I C I N A D E T E X T O S - F E I R A D O L I V R O 2 013 - P O L I E D R O - S J C

Escritos nas areias do tempo

Ilustração - homenagem

à imagem de

Padre José de Anchieta

Pegadas, desenhos, areia... Um escritor. Um ser humano que es-creve, que cria. O mar que apaga. O tempo que nunca se esgota... o tempo que perpetua... Escrevemos nossas histórias em areias de praias diferentes, apagadas pelo mar de novas vivências, mas nunca esquecidas pelas areias que se movimentam na ampulheta do tem-po. Tempo no qual vivemos e no qual escrevemos nossos dias no pa-pel que nos cabe no mundo. Areias que acolhem nossas ideias, nos-sas escritas e que formam, mesmo que em minúsculas partes, uma vastidão de uma praia sem fim. Pequenos grãos, pequenas ideias, união. Imensidão. Realização. (...)

Desde que iniciei meu primeiro projeto de Oficina de Pensamen-tos, em 2001, ainda na cidade de Curitiba-PR, com uma turma de pequenos alunos que, hoje, são grandes homens e grandes mulhe-res e os quais são motivo de orgulho, nunca imaginei que tomasse tal tamanho e tal forma. Atualmente, com a Oficina de Textos, doze anos depois, aqui está a prova física a qual é a união de grãos de ideias de 242 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental - Colégio

Page 7: O RETORNO DO INVENTOR

vi

POLIEDRO - São José dos Campos - SP, formando 7 livros de pró-pria autoria e mostrando que é possível ir além do horizonte além mar.

Nos capítulos, palavras apagadas e reescritas com as borrachas das ondas das vontades de melhorar... Nas ilustrações, pérolas mol-dadas pelos ventos da criatividade, acompanhadas pelas asas inquie-tantes dos novos pássaros que me visitam, convivem e alçam voos para novos continentes, para suas próprias vidas.

Vagas de pensamentos que vêm de longe e que vão ao longe, le-vando o aroma de um oceano de escritas, de leituras e de momentos. Oceano de possibilidades, de conquistas. Imensidão de agradecimen-to a todos vocês, pássaros.

Voem! Subam! Levem consigo cada grão que lhes pertenceu, for-mando, nas areias do tempo, marcas de quem foram, de quem são e de quem sempre serão. Criadores de si mesmos!

Prof. Sérgio Ricardo Lopes Fascina

Língua Portuguesa - 9º ano - POLIEDRO 2013.

Page 8: O RETORNO DO INVENTOR

Da criação e outros fascínios

Posso contar-lhes uma pequena história? Aconteceu alguns anos atrás, quando eu lecionava Produção de Texto para uma turma da an-tiga “5ª série” (sentimos que estamos, de fato, envelhecendo, quando palavras e expressões com as quais nos acostumamos a vida inteira co-meçam, de repente, a provocar espanto nos mais jovens: “Nossa, ele ainda fala em 5ª série!” Nem vou começar a falar da vez em que um aluno do ensino médio comemorava, entre os colegas, o fato de ter ga-nhado uma moto dos pais como presente por seus dezoito anos re-cém-completados e cometi a sandice de perguntar-lhe: “Mas é moto mesmo ou é uma vespa?” Trinta e poucos rostos olharam para mim, mudos, à espera que eu confessasse, afinal, se provinha de Marte ou Saturno).

Mas são digressões e eu volto à pequena história. Eram meninos e meninas em torno dos onze anos de idade, habituados ao universo macio e aconchegante do chamado curso primário, ou ciclo básico do ensino fundamental, ou seja lá como queiram chamá-lo. E viam-se abruptamente perdidos numa floresta de mais de dez professores de diferentes disciplinas, que iam sucedendo-se no horário das aulas na velocidade da porta giratória de um hotel. Tinham dúvidas sobre

vii

Page 9: O RETORNO DO INVENTOR

tudo, naturalmente: desde a cor da caneta com a qual escreveriam o título de suas redações até se poderiam usar o mesmo nome do seu ca-chorrinho para dar nome ao cachorrinho do menino muito triste e muito sozinho que ia todo dia à escola e não sabia fazer redação e por isso ficava de recuperação todo ano, pobrezinho. Apesar das dúvidas, contudo, escreviam.

Menos um aluno. Que se recusava a escrever uma linha que fosse. Ou até o fazia, porém não ia muito mais longe do que isso. Ou, se fos-se mais longe, nunca chegava a lugares muito agradáveis. Odiava a ati-vidade da escrita como um condenado à prisão perpétua deve odiar o calendário. Tentei as abordagens mais diversas: permiti que ele come-çasse desenhando, antes de rascunhar o texto, pois talvez o apelo à imagem acionasse dentro dele a vontade de contar uma história. Mas ele desenhou coisas impublicáveis. Decidi, então, que ele poderia cri-ar seu texto oralmente, narrando para mim e os colegas as aventuras de suas personagens. Mas ele jogava os braços para trás do corpo, en-quanto permanecia lá em pé, diante da turma, e olhava para o chão, o teto, a parede do fundo, não necessariamente nessa ordem, até final-mente dizer que “lhe tinha dado um branco daqueles”.

Acuado por minha própria inexperiência ao lidar com uma situa-ção até então inédita para mim, comecei a angustiar-me com a falta de perspectivas para o caso. Eu estava diante não só da iminência de um fracasso escolar, como também de uma novidade, pois era absolu-tamente novo para mim que um aluno não só acumulasse seguidas no-tas zero, mas sobretudo que fosse indiferente por completo ao próprio desempenho. Faço questão de destacar, por outro lado, que seu fracas-so era relativo, já que obtinha resultados satisfatórios com outros pro-fessores. Reavaliei meu trabalho várias vezes naquele período, já dis-posto a admitir que a falha maior era minha. A verdade que se esboça-

viii

Page 10: O RETORNO DO INVENTOR

va, cada vez mais nítida, é que eu simplesmente não fora capaz de dar significado, na vida daquela criança, à tarefa de produzir um texto.

Foi então que algo inesperado aconteceu. Certo dia, uma das coor-denadoras do colégio onde trabalhava me chamou para conversar, an-tes da primeira aula. Contou-me sobre o drama que se iniciara recen-temente na família do garoto. O avô materno, a quem era muito liga-do, encontrava-se hospitalizado, em estado crítico. Não me ocorre ago-ra qual era a moléstia, mas certamente havia uma ameaça de contami-nação e a ordem da equipe médica foi proibir com veemência a visita de menores, cujo sistema imunológico ainda é vulnerável. O resulta-do, portanto, é que o meu aluno problemático estava impedido de aproximar-se de seu familiar mais querido. Foi fácil constatar que esse era o sentimento que os unia, pois ele só comparecera à escola por insistência dos pais e, uma vez obrigado a entrar na sala de aula, instalou-se na última carteira, meio que escondido atrás de um armá-rio. A cabeça mergulhada nos braços cruzados.

Enquanto os colegas trabalhavam em pequenos grupos com a ati-vidade do dia, fui até ele. Conversamos o mais discretamente possível. Ele contou-me que implorara a seus pais que o deixassem faltar à aula para poder acompanhá-los até o hospital, mas eles haviam sido irredu-tíveis e argumentaram que, na escola, pelo menos teria com o que se distrair. Mas ele era, naquele momento, todo feito de sofrimento. Es-crever seria a última coisa no mundo que estaria inclinado a fazer, e ainda assim foi o que lhe pedi que fizesse. Foi uma intuição. Se ele não podia entrar no quarto de hospital onde estava seu avô, o que ele escrevesse, sim, poderia.

Então ele começou com um bilhete, não mais extenso do que cin-co linhas. Usou palavras previsíveis, como “saudade”, “esperando” e “de volta”. Sugeri-lhe pedir a sua mãe que fosse a portadora da mensa-gem. No dia seguinte, narrou-me, visivelmente mais animado, que ela

ix

Page 11: O RETORNO DO INVENTOR

conseguira ficar com o avô por alguns minutos, tempo suficiente para ler as palavras do neto. Apesar de inconsciente sobre a cama, de algu-ma forma o garoto acreditava que seu avô as ouvira. Então, como quem não quer nada, perguntei-lhe como seria se, em vez de um mero bilhete, sua mãe levasse uma carta. Seus olhos iluminaram-se com a fagulha de uma ideia: queria contar ao velho amigo que fora seleciona-do para a equipe de futebol do colégio, e até competiriam com outras escolas. O pai não gostava de jogar bola; o avô é que lhe ensinara as re-gras do esporte, a história dos grandes times e, acima de tudo, ensina-ra a amar aquelas linhas brancas pintadas sobre o gramado.

Com o passar dos anos, fomos perdendo contato, o que é um pou-co o resumo da vida de todos nós. Lembro-me, entretanto, de que mui-tas cartas foram redigidas naquele ano e endereçadas àquele quarto hospitalar. E aumentaram em extensão e qualidade depois que o avô do menino recuperou a consciência e pôde ele próprio ler cada uma delas. Seu neto, aliás, estava convencido de que nelas estava o segredo da cura. Não sei se essa cura foi definitiva ou apenas uma ilusão à qual nos agarramos quando desejamos desesperadamente que um ser amado sobreviva. Como disse, perdemos contato. Todavia, meu cora-ção aquieta-se quando me lembro do essencial, em toda essa história – e o essencial é que as palavras escritas, para aquele meu aluno que se tornou tão especial, passaram a ter peso, sabor, cheiro, brilho, ca-lor, saudade. Passaram a significar.

Quando meu colega de área, Professor Sérgio Fascina, me propôs o trabalho de criação coletiva de uma obra de ficção, integrada ao nos-so projeto anual de Língua Portuguesa para o 9º ano, aceitei imediata-mente porque reconheci nessa ideia o objetivo maior da Produção de Texto no contexto escolar. O objetivo que transcende a aquisição de re-gras e exceções gramaticais, o domínio das técnicas de cada modalida-de redacional e a ampliação do vocabulário, embora todos esses ele-

x

Page 12: O RETORNO DO INVENTOR

mentos contribuam para a competência linguística de nossos alunos. Nada se compara, no entanto, ao fascínio da criação: essa maravilho-sa possibilidade de gerar outros mundos e viver outras vidas, uma via-gem que se inicia no olhar com que contemplamos nosso próprio mun-do e nossas vidas mesmas.

Prof. Darci de Souza Baptista Língua Portuguesa - 9º ano - POLIEDRO 2013.

xi

Page 13: O RETORNO DO INVENTOR

xii

Page 14: O RETORNO DO INVENTOR

CAPÍTULOS

xiii

CAPÍTULO 1 - AVIÃO DE PAPEL

CAPÍTULO 2 - CHORO DE AMOR

CAPÍTULO 3 - TRAIÇÃO DE AMIGO

CAPÍTULO 4 - A GRANDE CORRIDA

CAPÍTULO 5 - REALIDADE DE SONHO

CAPÍTULO 6 - VOLTA DO RENEGADO

CAPÍTULO 7 - PROCURA

CAPÍTULO 8 - INTERMINÁVEL FINAL

Page 15: O RETORNO DO INVENTOR

xiv

AUTORESCAPÍTULO 1 - Ana Carolina Mintz, Júlia Mendes, Letícia Teixeira, Nicole Spinardi

CAPÍTULO 2 - Ana Carolina Pacheco, Ângelo de Luca, Rafael de Vasconcelos, Vinícius de Oliveira, Vitória Camerano

CAPÍTULO 3 e 6 - Eduardo Resende, Guilherme Dutra, Gustavo Carnevale, João Abreu, Mateus Garcia, Nícolas Teixeira

CAPÍTULO 4 - Arthur Toledo, Bruno Santos, Guilherme Payão, Gustavo Canhisares, Lucas Jansen, Mario de Paula

CAPÍTULO 5 - Felipe Rodrigues, Júlia dos Santos, Leonardo Alves. Luíza Nogueira, Nícolas Fernando

CAPÍTULO 7 - Amanda Diniz, Daniela Alvez, Ana Caroline Ribeiro e Rebeca Zimmer-mann

CAPÍTULO 8 - Isabela Baltazar, Maria Clara Costa, Mariana Carvalho. Sophia Melo

Page 16: O RETORNO DO INVENTOR

Dobrei duas pontas daquela folha de jornal, fazendo-as se encon-trarem quase no meio. Dobrei de um lado, dobrei do outro. “Dessa vez tem que funcionar!” - pensava freneticamente. Subi na cadeira em que estava sentado, soltando um longo suspiro de convicção, deixei que o aviãozinho voasse de minhas mãos, indo diretamente ao chão,

AVIÃO DE PAPEL

15

Page 17: O RETORNO DO INVENTOR

encontrando-se com os outros milhares de aviões de papéis. Despen-quei na cadeira, novamente. 

- Desisto... – sussurrei. Fixei meu olhar na vela que parecia dançar à leve brisa que passa-

va pela janela aberta no cômodo ao lado.  Estou aqui no Sítio da Casca-vel, e, por mais que eu tente o dia todo ficar rasgando os meus jornais e dobrando-os para formar um avião, nenhum plana com facilidade! Ainda sinto que serei o herói dos céus, mostrarei aos homens que nós podemos dominá-lo. Ainda tenho projetos de poder fazer história, A História. 

Sei que o mérito de descoberta desse maravilhoso meio é dos  ir-mãos americanos Wright, que efetuaram o primeiro voo em 17 de de-zembro de 1903, uma data extremamente importante para mim, que ainda pretendo realizar o sonho de poder ser considerado o primeiro brasileiro a levantar voo de alguma aeronave funcionando a gasolina.

Sou o sexto filho de meus pais – Henrique Dumont e Francisca de Paula Santos – vindo na ordem: Henrique, Maria, Virgínia, Luís, Gabriela, eu, Sofia e Francisca. Da minha história, ainda não há muito que contar, com exceção de que minha paixão pelo ar vem desde crian-ça, quando, com apenas um ano de idade,  furava balõezinhos de bor-racha para ver o que tinham dentro.

Sempre que tenho uma idéia nova, anoto, em meus cadernos, al-guns rabiscos ou desenhos que depois me façam lembrar.

Aos sete anos, eu já guiava os locomóveis da fazenda, ajudando meu pai em seu trabalho diário e, aos doze, divertia-me como maqui-nista da locomotiva, mesmo que fosse  capaz de fadigar um homem com o triplo da minha idade. Nunca estive satisfeito com o chão, sem-pre explorava os céus com o olhar.  

16

Page 18: O RETORNO DO INVENTOR

“Vivi ali uma vida livre, indispensável para formar o temperamen-to e o gosto pela aventura. Desde a infância eu tinha uma grande que-da por coisas mecânicas e, como todos os que possuem ou pensam possuir uma vocação, eu cultivava a minha com cuidado e paixão. Eu sempre brincava de imaginar e construir pequenos engenhos mecâni-cos que me distraíam e me valiam grande consideração na família. Mi-nha maior alegria era me ocupar das instalações mecânicas de meu pai. Esse era o meu departamento, o que me deixa muito orgulhoso”. 

 Desde que li as obras do escri-tor francês Júlio Verne, nasceu um sonho de conquistar os céus, os mares e tudo o que o romancista dizia com tanta feli-cidade, talvez seja a minha vez de brilhar. Ele é o precursor do gênero de ficção científica, ten-do feito predições em seus li-vros sobre o aparecimento de novos avanços científicos, como os submarinos, máqui-nas voadoras e viagem à Lua. Já passava da meia-noite há muito tempo, e nada que eu fi-zesse iria me alegrar... era incrí-vel como isso estava me possu-indo cada vez mais, uma vez que  eu precisava conseguir fa-

17

Page 19: O RETORNO DO INVENTOR

zer meu primeiro projeto funcionar para que meu sonho começasse a tomar um passo de cada vez. Parecia estar perto, só faltava algum de-talhe tolo para que eu acertasse tudo.

- Querido, que horas são? – perguntou minha mãe com uma voz sonolenta. 

- Já passa da meia-noite. – minha voz saía rasgando da garganta. - E por que não foi dormir?Olhei em seu rosto, que era iluminado apenas pela vela a minha

frente, todo amassado pelo sono, com o cabelo preso e todo bagunça-do. Tentei sorrir ao ver a imagem de uma bela dama, lutadora e vence-dora, exemplo de  tudo o que quero para mim no futuro. Ela forçou um sorriso e se sentou ao meu lado, acariciando meus cabelos. 

- Você precisa descansar... - Eu vou... Depois que conseguir fazê-los voar! - Alberto, você precisa parar com... – ela percebeu que nada

do que falasse me faria mudar de idéia;  estava decidido. Seu olhar foi ao chão, vendo todos os aviões de papéis, formando

um grande entulho. Olhou-me atravessado e se levantou rapidamente atrás de alguma coisa, voltando com uma pequena folha de jornal, do-brando de um lado, dobrando do outro, fazendo os mesmos procedi-mentos que eu. Ao se levantar da cadeira, fechou os olhos como se en-feitiçasse o avião com seu amor e,  em seguida, deixou-o despencar nos ares, indo parar do outro lado da sala. Eu estava perplexo, horas tentando fazer e não conseguia uma única vez! Não consegui fingir o meu susto e ainda a olhava perplexo; riu baixo,   lançando-me  um sorriso. 

- Posso contar um segredo? Apenas confirmei com a cabeça. - Você é um garoto sonhador, como seu pai, seu avô, seu bisavô...

Mas há algo diferente entre você e eles – ela fez uma pausa,  olhando

18

Page 20: O RETORNO DO INVENTOR

para os lados para ter certeza de que ele não chegaria perto – quando você sonha, vai atrás e se dedica, quer, a todo custo, realizar o seu so-nho, no que está completamente certo. Seu pai quase desistiu de tudo, mas voltou atrás. Você puxou a mim, mas não sou tão sonhadora, na verdade, meu único sonho era me casar e ter lindos filhos e não foi di-fícil realizar esse sonho. – ela sorriu  e me roubou um sorriso – Já você,  querido, percebo que anda um pouco quieto, tentando demais e se  esquecendo do principal motivo, do principal necessário para funcionar... 

Olhei-a desentendido. - O amor, querido. Além do amor também é preciso acreditar, e

você não me pareceu acreditar quando fez esses outros milhares de aviões. Se o seu sonho é voar, você precisa mostrar que é capaz de rea-lizar esse sonho, mas não para eles – apontou para a janela – para você! Se você não acredita em si mesmo, quem acreditará? 

Senti um frio tocar a minha espinha. Ela tinha razão... como pude me esquecer de que, antes de mos-

trar a eles, era preciso mostrar a mim mesmo? Sorri, pegando um avião do chão, girando-o na mão. - Virar a noite não vai fazer você conseguir chegar a algum lugar,

meu amor. - Eu sei, mas sinto que está tão próximo! - Talvez o “próximo” esteja debaixo de seu nariz, querido... Já

olhou em volta? Tudo em volta está coberto de ar, sua maior paixão, por que não abusar um pouco mais dessa situação? – ela se levantou e beijou a minha testa. – Limpe isso antes de dormir! – apontou para os jornais no chão. 

- Não poderia se esquecer, não é? - Instintos de mãe. – piscou,  entrando em seu quarto. 

19

Page 21: O RETORNO DO INVENTOR

Fui atrás do lixo,  levando os jornais em forma de avião para jogá-los, e voltei para a mesa atrás da vela,  para me guiar até o quarto. Dei-tei-me na cama e fiquei olhando para o teto, pensando no que minha mãe dissera; eu também tinha um sonho. Não só o de conquistar os céus... Refiro-me a sonhos amorosos... Eu também sonhava que,   um dia,   encontraria uma linda moça e,   com ela,  teríamos lindos filhos. Caso não conseguisse realizar o primeiro sonho, tentaria este de reser-va.

Quem não adoraria estar rodeado de crianças,    ouvindo-as cha-marem-no de “papai”?

Principalmente se fosse para apresentar meu novo projeto a eles... o que seria algo mais incrível ainda. Mesmo que demore, sei que,  quando acontecer,  vai ser algo para ser lembrado, quero fazer história no Brasil, quero estar registrado. Mostrar que sou a prova viva de que o ser humano não tem limites e que ainda chegaremos à Lua, como o Júlio Verne citou em sua literatura... Aliás, seria muito le-gal que um dia alguém pudesse chegar lá. “Com o Capitão Nemo e seus convidados explorei as profundida-

des do oceano, nesse precursor do submarino, o Nautilus. Com Fileas Fogg fiz em oitenta dias a volta ao mundo. Na Ilha a hélice e na Casa a vapor, minha credulidade de menino saudou com entusiástico acolhi-mento o triunfo definitivo do automobilismo, que nessa ocasião não tinha ainda nome. Com Heitor Servadoc naveguei pelo espaço.”  Meus olhos passaram a percorrer o quarto pelo mínimo que a

vela iluminava, e encontrei uma parede com várias de minhas pipas e com vários de meus pequenos aeroplanos movidos por hélices aciona-das por molas de borracha torcida, o que me fez levar os pensamentos à França. País pelo qual sou apaixonado.

20

Page 22: O RETORNO DO INVENTOR

Por todas as obras literárias que leio, apaixono-me, sendo que a última que li foi a de Camille Flammarion e Wilfrid de Fonvielle, na qual pude conhecer a história da navegação aérea;  mostrou-me que,  na França,  o balão a hidrogênio havia sido inventado. 

Quem sabe, um dia, consigo. Quem sabe, um dia, ainda poderei ter o meu nome estampado na

capa de um livro, e, em êxtase instantâneo, poderei mostrar, a todos, quem realmente sou e quem realmente trouxe a liberdade dos céus a todos, e mostrar, para meus filhos, o mesmo que a minha mãe mos-trou a mim.

Voltei à cozinha, em passos rápidos; estava convencido de que, agora, conseguiria... Puxei mais uma folha de jornal, cortando-a em um quadrado perfeito, dobrei ao meio e levei as pontas a ele. Agora sa-bia. Virei de um lado, dobrei, virei do outro, dobrei. Estava quase pronto!

Mordi os lábios inferiores e enruguei os cenhos, finalmente. Le-vantei-me da cadeira e segurei o avião com precisão; ao jogá-lo, ele deslizou levemente pelos ares, fazendo um leve ziguezague à brisa. Sorri ao vê-lo pousar levemente no carpete. Ouvi aplausos, ali esta-vam meus pais, sorrindo, e seus olhos transpareciam confiança e orgu-lho.

Esse era o meu destino, e, agora, eu acreditava nisso.

21

Page 23: O RETORNO DO INVENTOR

Santos Dumont estava nervoso de tanto pensar em seu projeto que tirou o fim de semana de folga. Era uma noite quente de sábado, com muitas estrelas no céu, a noite perfeita para descanso. Havia um novo bar perto de sua casa o qual o inventor nunca tinha visitado; por falta de opções, decidiu conhecer o lugar.

CHORO DE AMOR

2

22

Page 24: O RETORNO DO INVENTOR

Quando chegou lá, estava bem movimentado, mais do que ele esperava, por ter sido inaugurado no mesmo mês. Não era um bar muito grande, mas cabia muita gente, aliás, havia tanta gente que ele até se sentiu desconfortável por estar tão mal vestido... Era dividido em três partes: tinha uma parte externa que estava lotada, uma área com sofás e com mesas, e o bar, onde ele viu uma mulher muito boni-ta, sentada.

Ela era alta, loira e tinha um par de olhos muito escuros e co-muns, eram quase pretos, mas o hipnotizaram. Não era nem um pou-co daquelas mulheres perfeitas que todos os homens querem, mas ha-via algo nela que chamava todos à atenção. Ele mesmo não conseguiu tirar os olhos da mulher um segundo, desde que chegou ao local.

Decidiu se sentar ao seu lado para conhecê-la: - Será que eu posso lhe pagar uma bebida? – disse ele, numa

tentativa de ser generoso! - Eu já tenho uma, mas obrigada pela oferta. O homem pediu uma bebida para ele e os dois começaram a

conversar. - Como é seu nome? - Maria D’ávila, e o seu? - Santos... Santos Dumont. - Santos Dumont? O do avião? - Sim, o próprio. Então, o que está achando da noite? - Começou a melhorar. Pelo que o homem percebera, ela se interessou por ele. Santos

nem podia acreditar! O futuro casal conversou a noite inteira e , de-pois, ele a deixou em sua casa, ela se despediu com um abraço e en-trou. No dia seguinte, Santos não parava de pensar nela, então, como já sabia onde a bela mulher morava, sem nenhuma vergonha, logo ba-teu na porta:

23

Page 25: O RETORNO DO INVENTOR

- Santos? O que você está fazendo aqui? – disse ela, surpresa! - Vim buscá-la para um passeio neste domingo à tarde! O que

você acha? - Eu acho uma ótima ideia; pode entrar enquanto me arrumo.

Fique à vontade. – disse ela, indo em direção ao quarto. Depois de um tempo esperando, ela veio à sala com um vesti-

do vermelho, parecido com o que estava na noite anterior, só era mais básico, sem todas aquelas pregas e detalhes que havia no outro. Era linda!

- O que achou? – perguntou a mulher. - Está maravilhosa... Então, vamos? – perguntou Santos. Concordou com a cabeça e os dois saíram em direção ao par-

que. No trajeto, suas conversas eram focadas em seu projeto, pois ela estava realmente interessada nisso e ele adorava ter alguém ao seu

24

Page 26: O RETORNO DO INVENTOR

lado que entendesse do assunto. Foi uma tarde longa, divertida e com assuntos superinteressantes.

Durante aquele mês, eles ainda saíram juntos, várias vezes; vi-raram melhores amigos, depois, namorados... criaram uma ligação muito forte em pouco tempo, mas uma certeza ele tinha: de que se apaixonou por ela desde a primeira vez em que a viu. Depois de muito tempo juntos, ele estava acabando seu trabalho e, quando a convidou para jantar em sua casa, comentou algo, já que os dois adoravam con-versar sobre isso:

- Maria, eu estou quase acabando o projeto, acho que vai real-mente dar certo.

- Sério? Não acredito! Você mantém tantos segredos sobre isso... já estou há tanto tempo esperando para ver... Por favor, mos-tre-me onde você os guarda.

Eles passaram por uma abertura no chão que havia por baixo do tapete e foram até o porão; lá estavam todos os trabalhos dele. Ma-ria ficou maravilhada e não conseguia dizer uma palavra, não conse-guia parar de olhar para tudo aquilo:

- Nossa, isso é magnífico! Não consigo acreditar que você es-condeu de mim por todo esse tempo.

- Desculpe-me, é que sou realmente inseguro com o que faço... Você é a única pessoa que sabe.

- Isso é inacreditável! Mas eu confio em você... Vai dar certo. Eles subiram as escadas; ambos estavam muito cansados, en-

tão logo foram dormir. A sua linda namorada passaria a noite na casa de Santos. Ele subiu na sua frente, pois, como de costume, ela foi pe-gar um copo de água para levar ao quarto.

Muito tempo depois, aquela formosura ainda não tinha apare-cido... Dumont achou estranho e foi olhar o que estava acontecendo. Quando foi até a cozinha, não achou ninguém... começou a procurá-

25

Page 27: O RETORNO DO INVENTOR

la pela casa inteira e não achou nem sequer uma sombra. Ele já estava agoniado quando se lembrou de que tinha um lugar que ainda não olhara. Desceu correndo para o porão e viu uma cena que o magoou muito. Maria estava roubando seus projetos, colocando todos os pa-péis em uma bolsa grande, o mais rápido que podia.

- O que está acontecendo aqui? – Santos disse, inconformado. Maria, sem dar nenhuma resposta, saiu correndo e pulou a janela, mas deixou a bolsa para trás. Ele nem tentou correr atrás de sua ama-da... apenas se sentou no chão e começou a chorar de raiva, de tristeza, de amor, tanto fazia. Apenas começou a chorar. Nun-ca imaginou que Maria pudesse fazer aquilo, pois ele a amava com todo coração e ela só que-ria o lucro de seu projeto. Aqui-lo realmente o abalou.

Depois daquele dia, ele nunca mais foi capaz de amar tanto alguém como fez com Ma-ria e passou a se dedicar apenas ao seu trabalho.

26

Page 28: O RETORNO DO INVENTOR

Em uma chuvosa tarde de sábado, na França, um homem chamado Pierre andava encapuzado, na calçada. Esse homem acabara de se en-contrar com uma mulher, alta e loira...

Ele contava uma história na qual seus pais haviam sido mor-tos por ingleses e, por isso, odiava a Inglaterra , querendo muito se vingar. Pierre, também conhecido por Gustave (nome do arquiteto

TRAIÇÃO DE AMIGO

3

27

Page 29: O RETORNO DO INVENTOR

que criou a Torre Eiffel), era arquiteto e frequentava uma mercearia que, por coincidência, Santos Dumont também frequentava. Certa vez, na fila de pagamento, eles se conheceram:

- Olá. - disse Santos Dumont. - Oi, Como vai? - Bem, e você?- Bem também. O que faz? - Sou arquiteto, e você? - Sou projetista, e será que você poderia me ajudar em meus pro-

jetos? - Claro, o que você projeta? - Eu crio algumas invenções. Agora, por exemplo, estou projetan-

do um chuveiro de água quente. Você quer me ajudar?-Claro!Então eles foram a caminho da casa de Santos, um cada vez mais

apreciando as ideias do outro. Quando chegaram à casa do aviador, o homem ficou impressionado com as invenções as quais haviam sido criadas por Dumont, até que ele viu algo que o chamou à atenção, algo enorme coberto por uma lona.

-O que é isto? - perguntou Pierre. - Nada não. - respondeu Santos Dumont. - Vamos! Não precisa esconder de mim. - Bem, eu planejo revelar este projeto apenas ao público. - Mas...

- Por favor, não insista.Gustave estava inconformado com a situação e ficou abalado. De-

pois de subirem do porão, onde o brasileiro guardava suas invenções, Dumont, então, percebeu que estava atrasado para uma reunião. Quando os dois saíram da casa, o francês percebeu que o brasileiro não havia trancado a porta.

28

Page 30: O RETORNO DO INVENTOR

- Bem... Até depois de amanhã, pois agora eu tenho uma reunião, e ela vai demorar bastante. – disse Santos Dumont, suspirando.

- Portanto, até lá. – disse o homem.Quando Pierre chegou a casa, ficou pensando, durante a noite in-

teira, um modo através do qual poderia se vingar da Inglaterra, e, ao mesmo tempo, vinha à tona sua vontade de descobrir o que poderia haver debaixo daquela lona. Perguntava-se se o que a mulher lhe ti-nha dito era verdade...

(...) No dia seguinte, mais curioso do que nunca, aproveitando-se das

circunstâncias, ele foi até a casa de Dumont, abriu a porta e se dirigiu até o lo-cal onde estava a lona, e, quando a puxou, lá estava: uma espécie de aeronave, com o nome 14bis escrito em sua lateral; ficou muito indignado com aquilo. Logo ele avistou o projeto e, a cada folha que via, mais se surpreendia e ima-ginava como poderia usar o 14bis contra a Inglaterra. Não demorou muito e ele já começava a desenhar ar-mas e bombas nos dese-nhos de Santos. De repente, o brasileiro chegou furioso e viu “seu

29

Page 31: O RETORNO DO INVENTOR

amigo” mexendo em seu projeto, com o 14bis totalmente descoberto. O então ladrão, Pierre, surpreso com a chegada de Dumont, logo per-guntou:

- Por que voltou tão cedo? - O que está fazendo aqui? - disse o aviador, zangado.- Eu posso explicar...- Saia de minha casa agora, antes que eu chame a polícia!

O homem saiu correndo em direção à porta, com o projeto escon-dido em seu casaco, porém o criador do 14bis percebeu isso e o impe-diu de furtá-lo, tomando o projeto dele. O brasileiro se assustou com o que viu e sentiu medo.

Lembrou-se do triste epsodio com Maria, do qual nunca se es-queceria...

Após trocar as alterações feitas pelo ladrão, ele foi até a polí-cia e fez a denúncia de que um francês, chamado Pierre, entrara em sua casa e tentara roubar seus projetos. Gustave foi preso e Dumont ficou mais aliviado para colocar em ação o 14bis...

No dia 7 de novembro de 1906, o brasileiro inventor preparava-se para ser o primeiro sul-americano a voar em algo mais pesado que o ar. Para isso, marcou para dia 19 a sua primeira exibição sobre a qual ficou preocupado, não sabia se iria dar certo.

Dito e feito, no dia 19 estava ele lá com seu 14 bis pronto para vo-ar! Estava nervoso, porém ele começou a acreditar cada vez mais em seu projeto, reviu os cálculos cautelosamente e deixou de lado a proba-bilidade de que o voo poderia não dar resultado e o avião não voar.

Ao ajeitar-se para dirigir a sua “máquina voadora”, ficou feliz, pois era um sonho que tinha desde que era criança. As pessoas que es-tavam assistindo à tentativa começaram a fazer a contagem regressi-va. E a única coisa que ele fez foi fechar os olhos e pilotar a máquina.

30

Page 32: O RETORNO DO INVENTOR

Quando os abriu, sentiu o vento no rosto e viu que estava voando. Mesmo sendo por pouco tempo, Santos achou que era uma eternida-de. Ao pousar, todos saíram correndo em sua direção, perguntando a ele qual era a sensação de voar pelos céus. O piloto só disse que estava maravilhado e que todos deviam ter essa oportunidade um dia...

Do outro lado da cidade, após pagar a fiança, o ladrão estava an-dando na calçada e viu o “homem que dominou o céu” nas fotos dos jornais; logo bateu um desejo enorme de vingança. Aproveitou-se quando Dumont estava conversando com várias pessoas, foi até a casa dele novamente e copiou o projeto 14 bis. Pierre, com muita rai-va, destruiu o próprio 14bis. Quando terminou seu trabalho sujo, saiu da residência rapidamente, para que fosse mais difícil para o brasilei-ro perceber quem havia destruído o avião.

Pouco tempo depois, Pierre viajou para os EUA, para ver se en-contrava um comprador para o que havia roubado. Até que encontrou dois irmãos apaixonados pelo céu, os irmãos Wright. Ele foi conhecen-do-os e propôs-lhes uma oferta pelo que havia obtido de forma suja e ilícita. Eles aceitaram a proposta. Após modificarem o projeto e cons-truírem o ‘’seu próprio avião’’, eles voaram.

Enquanto isso, Santos Dumont reconstruiu o 14bis, que voaria so-mente mais tarde...

Em 1908, a notícia de que dois homens voaram se espalhou rapi-damento pelo mundo... tal herói não era Santos Dumont, e sim os Wrights, que afirmavam ter ‘’voado’’ em 1903, porém sem público...

Só em 1908 eles voaram com plateia para comprovar seu feito (ainda assim com o uso de uma catapulta). Deste modo, espalhou-se a ideia errada pelo mundo de que os estadunidenses voaram primeiro.

O ladrão sentiu-se vingado, porém ainda queria mais... Com o passar do tempo, o meliante voltou para a França e lá...

31

Page 33: O RETORNO DO INVENTOR

Chega o dia da corrida; todos estão presentes em Paris, na França, para prestigiar a corrida de máquinas voadoras. Estão apreen-sivos, porque nunca viram como essas máquinas voavam. Entre os competidores, estava lá o glorioso e internacional Santos Dumont, que estava confiante na corrida, pois demorou anos para produzir no-vamente o protótipo que usaria nesse dia. Tudo estava a seu favor.

A GRANDE CORRIDA

4

32

Page 34: O RETORNO DO INVENTOR

Dada a largada, todos os aviões decolaram com dificuldades e estavam a aproximadamente quarenta metros do chão, fato que preo-cupou a todos. A corrida era longa, uma vez que cruzariam a Europa de ponta a ponta, com várias escalas, porquanto acabava o combustí-vel e também não poderiam armazená-lo nas aeronaves, já que, se co-locassem nelas galões de combustível extra, voariam mais baixo e com menos velocidade.

Durante o evento, vários pilotos não conseguiram manter a al-titude e também a direção do aparelho no percurso, chegando a se per-der no meio do oceano. Enquanto isso, na disputa pelo primeiro lu-gar, estava ele, Santos Dumont, e Pierre atrás. Este estava com pouco combustível porque o tanque de gasolina do ladrão estava com um va-zamento.

Depois de um tempo, esse vazamento começou a trazer sérias consequências à máquina voadora do sujeito invejoso, pois era ape-

33

Page 35: O RETORNO DO INVENTOR

nas uma cópia da máquina de Santos Dumont e, para piorar sua situa-ção, havia um grande risco de explosão.

Com esse fato inesperado pelo ladrão, o verdadeiro criador da máquina, que estava em primeiro lugar, percebeu esse risco e decidiu aproximar-se para que Pierre escapasse desse risco, pulando de seu avião ao avião do competidor trapaceiro.

O invejoso quase caiu, mas o aviador experiente fez uma ma-nobra com a qual recuperou a direção de voo, o que acabou causando um prejuízo ao brasileiro.

Dumont fez de tudo para mantê-lo na rota, porém o projeto era incorreto e inacabado, de sorte que o avião estava com partes fal-tantes que não foram roubadas do projeto, e por isso começou a se desmantelar e caiu próximo à chegada. Todos viram isso, inclusive sua amada Maria, que estava escondida para não ser vista depois de ter também prejudicado Dumont. Ela, nesse instante, parou e pensou sobre o que havia feito e sobre o que estava acontecendo... Pensou um pouco em seu antigo amor e em que seu amado se sentia melhor ven-cendo a corrida do que salvando a vida de uma pessoa. Ficou aí um grande mal-entendido entre todos os presentes...

Logo após, os competidores se aproximavam da chegada, onde ninguém estava orgulhoso com a atitude de Santos, mesmo sa-bendo que a culpa da morte do competidor Pierre não tinha sido sua.

34

Page 36: O RETORNO DO INVENTOR

MANCHETE!

Santos Dumont conquista os ares com sua máquina voadora!

REALIDADE DO SONHO

5

35

Page 37: O RETORNO DO INVENTOR

– O QUÊ?! – disse o padre – Como esse homem ousa desafiar o Deus Todo Poderoso?! Isso é um sacrilégio! Esse herege merece a mor-te!

– Mas Padre, tu não achas que estás exagerando? Quero dizer, ele apenas voou por alguns segundos.

– Tu estás insinuando que estou exagerando?! Por acaso queres morrer na cruz ao lado dele?!

– Perdoa-me minha ousadia, Padre, não tinha a intenção de insul-tar-te ou de insultar a Deus.

– Perdoo-te por tua insolência. Todavia, não podemos deixar esse homem impune! Vamos persegui-lo em nome de Deus!

Enquanto isso, Santos Dumont já caía nos braços de Morfeu.

(...)

Eu me via num lugar bem escuro; não conseguia enxergar nada. De repente, os postes se acenderam e eu percebi que estava na rua. En-tão, percebi que estava correndo, sem rumo, seguido por muitas pes-soas com vestimentas brancas.

Sem pensar, escondi-me em um beco. Mas um dos perseguidores me achou. Não consegui ver sua face, mas reparei que ele estava segu-rando uma cruz. Lentamente, ele foi chegando mais perto, enquanto eu recuava. Então me deparei com um muro. Ele chegava mais e mais perto, enquanto meu coração disparava, quando ele me alcançou...

– Cocoricó! – o galo cantou, eram seis horas de uma manhã estra-nha... silenciosa por demais.

– Mas que sonho mais bizarro! Se eu não me engano, eles eram padres. Eu tenho que parar de me preocupar tanto com a Igreja. Mas vamos simplesmente esquecer isso, porque, em apenas algumas ho-ras, eu estarei com minha amada Maria D’ávila... - mas mal sabia Du-

36

Page 38: O RETORNO DO INVENTOR

mont que esse seria seu último encontro com a linda jovem... Ela, depois da corri-da, voltou a se aproxi-mar do inventor, pe-dindo milhões de des-culpas e explicando que tudo não passara de um mal-entendi-do. Como o brasileiro era benevolente, dei-xou tudo de lado e voltaram a se relacio-nar...

Dumont se ves-tiu como se estivesse indo a um baile da re-aleza. Pegou sua ma-leta, seu chapéu e seu relógio e partiu para o centro da cidade. Estava andando pela calçada quando, de repente, foi cercado por um mar de repórteres. Ele tentou fugir, mas, àquela altura, já não podia escapar. Num instan-te, Dumont perdeu a visão e sentiu seu corpo ser levado, seu sentidos se esvaíam, sua última sensação era de ser carregado.

Quando recuperou seus sentidos e sua visão, percebeu que estava em um lugar escuro, úmido e mal-cheiroso. Ele percebeu que havia um monte de brinquedos roídos e destruídos. Estava na antiga fábrica

37

Page 39: O RETORNO DO INVENTOR

de brinquedos. Suas mãos estavam amarradas a uma cadeira e ele es-tava cercado por homens em vestes religiosas formais. Dumont dedu-ziu que fossem ministros da Igreja. De alguma forma, aquela cena lhe parecia muito familiar... parecia algo relacionado aos dias anteriores.

– Mas o que está acontecendo? – perguntou Dumont.– Eu é que faço as perguntas, senhor Dumont. – disse o Padre,

que também estava presente. Dumont não tinha esquecido seu sonho, então já lançou:

– Mas eu sempre fui fiel à Igreja, Padre. Paguei o dízimo sem atra-sos, esforcei-me para não cometer altos pecados...

– Não te esforçaste o suficiente, pois cometeste um dos piores! Tu desafiaste a Deus! Tu invadiste os jardins do Paraíso com tua má-quina herege! Sacrilégio! Tu mereces a morte!

Inteligentemente, Dumont pegou o canivete que ganhou de D’ávi-la, o qual estava no bolso de trás de sua calça.

– Então, o que preferes? Colaborar conosco e sobreviver ou ser um herege teimoso e ter uma morte lenta e dolorosa?

– O que eu prefiro? Eu prefiro fugir! – e, nesse mesmo instante, ele se livrou das cordas e correu em direção à saída.

Os ministros bloqueavam a saída e estavam cercando Dumont, mas este alcançou uma corda e subiu para o próximo andar, enquanto os ministros subiam as escadas. Sem outra escapatória, Dumont se lançou da janela e aterrissou em uma pilha de feno. Fugindo sem olhar para trás, o sol já estava se pondo quando Dumont chegou à ci-dade, mas os ministros haviam-no seguido até lá.

Santos, já ofegante pela corrida, escondeu-se num beco, onde es-perou que ninguém o achasse.

– Acabou! Agora pagarás por teus pecados!

38

Page 40: O RETORNO DO INVENTOR

– Droga! – xingou, enquanto recuava inutilmente até chegar ao fim do beco, o mesmo beco sem saída de seu pesadelo. Ele não tinha escapatória.

Quando tinha certeza de que iria morrer ali, uma voz familiar dis-se:

– Rápido! Segure minha mão!Ele segurou a mão do estranho sem pensar duas vezes e saiu dali.

Quando se virou para agradecer, percebeu que o estranho era D’ávi-la!!

– Amor! Você salvou minha vida! Obrigado!– Deixe os agradecimentos para depois, agora você precisa encon-

trar um lugar seguro, corra! Você não tem muito tem... – Dumont a in-terrompeu com um beijo apaixonado.

– Eu sei... se alguma coisa acontecer comigo, saiba que eu a amo, e que nunca a esquecerei... Adeus.

D’ávila deixou escapar uma lágrima e Dumont a limpou, antes de pular para o outro lado do muro e começar a correr, sem rumo ou dire-ção.

Quando olhou para trás, viu que os ministros já o haviam alcança-do e, após alguns minutos de corrida, viu-se encurralado em um pe-nhasco.

– Desista! Tu não tens para onde fugir! Agora aceita tua morte como o herege que és! E vais para o inferno!

– De fato não tenho para onde ir, mas, ao menos, se morrerei, morrerei fazendo o que eu faço de melhor, voando! – exclamou Du-mont e pulou, enquanto os ministros e padres o observavam, atôni-tos.

Essas foram suas últimas palavras.Pelo menos nesta vida.

39

Page 41: O RETORNO DO INVENTOR

Santos Dumont acordou num lugar cheio de luz, depois de tan-to sofrimento, e se sentiu melhor do que nunca. Percebeu que suas roupas estavam limpas e macias. Não sentia mais a dor da queda... Percebeu que havia um senhor de cabelos brancos e de roupa branca ao seu lado. O brasileiro estava no chão, até que o senhor estendeu a mão.

VOLTA DO RENEGADO

6

40

Page 42: O RETORNO DO INVENTOR

- Não tenha medo; sou um amigo. Dumont segurou sua mão... Ela dava uma sensação de segu-

rança e de bem-estar. Levantou-se. - Quem é o senhor? - Sou seu anjo. - Eu estou morto, não é? - falou para o senhor, com um tom

calmo, já sabendo a resposta. - Sim, mas este não é o paraíso. - Isso é o quê, então? - É um plano espiritual. - Por que não posso entrar no paraíso? - Você ainda tem mais uma missão. – terminar o que você co-

meçou deveria ser a missão... Santos pensou... – Sabe o que fazer, ape-nas veja ali embaixo e você entenderá. – o aviador olhou para baixo, através de um buraco no chão largo de mármore branco e deu para ver um lugar escuro.

Determinado, esperando mais explicações, pediu: - Você pode me falar como e o que eu vou terminar? - Vai descobrir em breve. – ele olhou para o anjo com impaci-

ência... anjo que apontou para a escuridão. Ao olhar, lembrou-se do lugar. Tinha a sensação de um “deja-

vú”, pois já o conhecia. Percebeu que era noite, com lua cheia e fria, como o corpo de um defunto e com cheiro também de morto. Via-se num cemitério, um cemitério cheio de lápides e de estátuas velhas. Ouviam-se vozes cantando em uma língua desconhecida a distância.

Dumont começou a acreditar que essa era sua missão. O som foi aumentando, as vozes em coro tétrico... sentiu que não era boa coi-sa. Ao enxergar mais perto, instintivamente, escondeu-se, mas se lem-brou de que estava morto e não tinha de quem se esconder. Viu uma lápide que era recente e uma cova aberta com corpos ali. “Recente-

41

Page 43: O RETORNO DO INVENTOR

mente enterrados, deduzo pelo chei-ro...” pensou o avi-ador, vendo figu-ras encapuzadas, as quais estavam perto de uma cova. Uma delas deu um passo à frete e or-denou que paras-sem de cantar. - Amigos! – o que parecia o líder falava bem alto p a r a c h a m a r à atenção todos os encapuzados. - Hoje à noite, vamos ressuscitar o espírito que nos ajudará em nossa busca pela imortali-dade, em nome de

Lúcifer... Que nos dará poder, que nos ajudará a ter o que é nosso e de mais de ninguém. – o líder tirou o capuz.

Dumont o reconhecera! Foi um dos seguidores da seita religiosa que o matara. Agora

ele sabia qual era sua missão: impedir o plano de ressuscitar esse espí-rito das trevas.

42

t

Page 44: O RETORNO DO INVENTOR

Nesse meio tempo, o que comandava o grupo estava agora fa-zendo o que Dumont entendeu como um ritual, para ressuscitar o morto. O aviador olhou mais perto. (...) Todos ficaram quietos... ape-nas o mais experiente cantava, aproximando-se da cova com corpos já em avançado estado de putrefação. Santos ficou surpreso com o que o homem fez. O suposto religioso sacou uma faca e arrancou, um por um, os corações das vítimas.

- O que ele está fazendo?! - Sacrifício para seu salvador das trevas; em troca, oferece a

vida de um espírito – respondeu o anjo. - Que espírito? - O fato de ser anjo não que dizer que sei de tudo, pode ser

qualquer um. Nosso herói se perguntou: “Quem pode ajudar esse grupo e o

que eles querem?”. - Levante! – gritou o homem do mal; de repente, uma mão sur-

giu da cova de um morto-vivo. Ele saiu da terra. Ao se levantar, Du-mont reconhecera-o: era o ladrão.

- O mestre deu a você mais uma chance; se falhar, voltará para as profundezas.

- Sim, tudo pelo mestre. – disse em uma voz mais demoníaca do que antes.

- Você nos ajudará em nossa causa, eliminar os aviadores exis-tentes e criar novos, que nos obedeçam, e, assim, dominaremos o mundo! Utilizaremos as máquinas voadoras como máquinas de des-truição em massa! Já temos os projetos, precisamos de que você os execute. Daremos os materiais, tempo, o que precisar, e você não pre-cisará voltar para aquele buraco.

43

Page 45: O RETORNO DO INVENTOR

Estou escrevendo aqui para contar uma coisa sobre minha vi-da… uma que ninguém sabe. Logo após minha morte, a perícia foi até minha residência para pegar pertences e levá-los ao museu da avia-ção, mas acabaram achando meu projeto, que, infelizmente, não con-segui mostrar ao mundo na sua totalidade.

PROCURA

7

44

Page 46: O RETORNO DO INVENTOR

         Após um tempo discutindo, a perícia resolveu entregar o meu plano. Odiei a ideia, pois somente eu poderia mostrar esse trabalho à população. Então, decidi voltar à Terra, como um espírito, para resga-tar minha invenção. Tive que bolar um plano para poder entrar na orbe terrestre, mas não contava com os imprevistos que viriam a se-guir.     Assim que amanheceu, consegui passar pelo Umbral e eu come-

cei a me aproximar da crostra terrestre. Depois de algumas horas ten-tando entender que eu não era mais uma pessoa encarnada, eu desci mais. Senti-me muito estranho, pois não conseguia conversar com as pessoas e estava me sentindo sozinho.

45

Page 47: O RETORNO DO INVENTOR

Enquanto me adaptava, ia experimentando diferentes sensa-ções na nova dimensão onde me encontrava. Quais? Por exemplo, a sensação de atravessar a parede não era muito boa… Parecia que eu não me recomporia do outro lado! Durante um bom tempo, fiquei va-gando pela cidade até que eu encontrei uma placa mostrando onde era o museu.

Tive que esperar até anoitecer, para que ninguém notasse que o projeto havia desaparecido, pois minha intenção era retirar meus do-cumentos daquele lugar.. Mas como? Como eu faria algo no plano físi-co se agora eu era apenas uma consciência?

Tinha anoitecido, fiquei esperando todos saírem para entrar, mas esperei um tempão para abrir a porta. Eu não podia mais abri-la, tinha esquecido de que eu era um espírito, e lembrei que eu podia atravessar paredes. Consegui entrar e fui direto à procura do meu apa-relho. Foi então que vi alguns guardas-noturnos conversando sobre um novo projeto que havia chegado:       - Você já viu o que acabou de chegar?       - Projeto?       - Sim! É um projeto do Santos Dumont o qual a polícia encon-

trou na casa dele assim que ele morreu. Por falar nisso, tudo já está no cofre.               Saí andando por todas as salas, à procura do cofre e, final-

mente, achei. Porém não achei as chaves para abrir… fiquei possesso! Até que, porque eu era um espírito… escorreguei e caí dentro do cofre. Tudo era muito grande e o local parecia mais uma enorme sala de pre-ciosidades! Logo após ter visto o que me pertencia dentro de um caixa ao longe, peguei a papelada e saí do cofre. Assim que eu saí, vi que ha-via muitos guardas e, então, comecei a dar voltas pelo museu. Vi proje-tos de Bartolomeu de Gusmão, o planador controlável de George Cayley, Samuel Pierpont e vários outros… Fiquei deslumbrado com

46

Page 48: O RETORNO DO INVENTOR

tantos modelos diferentes que eu nunca tinha visto. Só tinha ouvido falar.

Depois de um tempo vagando, como uma boa alma penada que eu era, percebi que os guardas se retiraram para comer. Foi aí que aproveitei e fui correndo com os planos em mãos, quando um vigia viu o projeto se mexendo sozinho… Com medo, ficou paralisado, sem saber que, na verdade, era eu quem o estava segurando. O problema é que ele não me via! Cambaleando, saiu correndo para contar para os outros guardas o que estava acontecendo, mas, na hora em que eles chegaram, eu já estava na porta, indo embora.           A noite estava linda, as estrelas brilhavam muito, nunca vi

algo parecido com aquilo, e me bateu uma saudade, um aperto no co-ração por não poder mais ficar na Terra. Queria poder andar nos avi-ões modernos, mas, infelizmente, eu não podia. Então eu recebi um si-nal, avisando que eu tinha que subir, tinha que voltar para o meu lu-gar e, quando eu estava subindo, fiquei pensando o que ia fazer com esse projeto…

Queria deixar bem claro que dei minha vida à aviação e que fiz de tudo para proporcionar maneiras de o homem sair do chão, de o homem “voar” e de se sentir li-vre. E eu acho que consegui m o s t r a r i s s o para o mundo! Além disso, o mais importan-t e : c o n s e g u i mostrar do que eu sou capaz.

47

Page 49: O RETORNO DO INVENTOR

No velho museu de aviões, em Paris, onde as mais famosas an-tiguidades da aviação estão, o vulto da história anda por entre eles. Al-berto Santos Dumont admira outras grandes invenções, como as suas, as quais foram roubadas por Pierre, aquele ladrão miserável.

Mas tudo iria mudar, e Dumont sabia disso... Pelo menos, como espírito, pressentia!

INTERMINÁVEL FINAL

8

48

Page 50: O RETORNO DO INVENTOR

Pierre estava voltando, aliás ele já estava ali. Lógico que ele sabia que nem ele, nem o ladrão poderiam mor-

rer novamente. Contudo, havia uma regra entre as almas penadas que ainda vagavam por este mundo para um acerto de contas: se você con-seguisse derrotar seu inimigo, sua alma se libertaria, enquanto a ou-tra seria obrigada a vagar por aí, sem rumo e sem salvação, revivendo toda a dor que causou aos outros enquanto vivo.

Dumont se virou lentamente e viu, depois de anos e anos, seu velho inimigo desfigurado pelo tempo. Como que automaticamente, reviu imagens de uma época passada, tempo em que toda a angústia começou, quando sua maravilhosa invenção foi roubada, tempo em que seu grande amor foi diluído. Uma raiva enorme foi subindo pelo corpo dele, consumindo cada parte de sua mente e se voltando a uma única lembrança, tudo aquilo era culpa do “homem” que se encontra-va a sua frente. Todas as perseguições religiosas, as guerras, a finalida-de errônea de seu projeto, tudo isso seria culpa de Pierre, e aí Dumont se lembrou de tudo o que o infeliz causou, incluindo a sua morte, pois ele era o espírito do mal que controlava aquele maldito padre das tre-vas. E, como por um impulso, ele falou entre os dentes, colocando, aos poucos, todo o calor do ódio que sentia por Pierre:

– Você está vendo isso? Todas as guerras, bombas, mortes de inocentes? Todas as catástrofes mundiais? É tudo culpa sua! O meu projeto do 14 Bis era para o bem! Mas você o roubou e o usou para es-palhar o ódio e a destruição! - o ladrão sorriu. Sorriu! Ele, na verdade, deu uma leve gargalhada sarcástica, balançou a cabeça e Dumont ju-rou que já tinha visto aquela cena antes.

– Minha culpa? Há, há! Você devia é me agradecer! (...) Ódio? Destruição? Não são coisas boas, mas foram necessárias para a evolu-ção da humanidade, é um preço que se paga. E eu levei todo o crédito por você! As pessoas acreditam que eu inventei e que eu ensinei os ir-

49

Page 51: O RETORNO DO INVENTOR

mãos Wright a voar... E que o causador, assim como você acha, de tais catástrofes, fui eu, porém quem inventou foi você. Digamos que, se eu não roubasse seu projeto e você levasse o crédito por ele, inevitavel-mente iriam utilizá-lo nas guerras e o culpado passaria a ser você!

Alberto ficou chocado, pois, de uma forma ou de outra, aquele mi-serável tinha razão, a culpa também era dele: é lógico, quem inventa-ra a máquina fora ele! Não queria aceitar, mas Pierre só antecipou o que era inevitável, pois o ladrão não fora o único a pensar em uma fi-nalidade horrível para o projeto de Dumont.

Como ele poderia aceitar que, na verdade, todas as guerras e ca-tástrofes eram culpa dele? Que quem ocasionou toda a angústia e per-seguição as quais ele sofreu fora ele mesmo? Não iria aceitar!

Uma dor inexplicável surgiu em seu peito. De fato, se já não estivesse morto, iria se matar com as próprias mãos.

Então outra imagem aterradora veio a sua mente, que só fez seu coração não existente se despedaçar ainda mais; ele pensou em sua amada, aqueles olhos negros na pele clara e cabelos loiros tão den-sos que pareciam raios de luz tão fortes como os raios do sol. Ele a per-dera para aquele ladrão, ele a corrompera e também a roubara! E, des-sa vez, não fora culpa de Santos Dumont! Voltando um segundo mais tarde para a realidade, ele falou mais uma vez, cuspindo ódio di-ante do ladrão:

–Agradecer-lhe? Pelo quê, exatamente? Por você literalmente destruir a minha vida? Você causou minha morte e também destruiu o meu amor!

– Destruí? Ela nunca o amou e você simplesmente não enten-de isso! Eu a usei para chegar até você! Há, há! Ela já estava corrompi-da muito antes de você a conhecer! Ela trabalhava para mim e foi quem me ajudou a roubar o tão precioso projeto de Alberto Santos Du-mont!

50

Page 52: O RETORNO DO INVENTOR

Ele ficou sem chão; mais uma vez, o ladrão tinha razão. Re-compondo-se como que por milagre , disse:

– Chega de falar! Nós dois sabemos muito bem por que esta-mos aqui e por que voltamos para este mundo. Temos que acabar logo com isso e eu proponho um duelo ; um duelo usando exatamente o motivo da confusão.

– Você? – Não! Aviões! Eu os inventei, mas você implantou armas ne-

les, então é isso que iremos usar! Pierre não pensou duas vezes, olhou em volta e viu que tinha

modelos a sua escolha. Então, correu em direção a um P-47 Thunder-bolt, um dos aviões mais utilizados na Segunda Guerra Mundial e com um incrível poder de fogo. Quando entrou, foi logo reconhecer os comandos da nave para poder decolar.

Já Alberto ficou meio perdido, pois sempre se recusou a en-trar em um avião armado, mas não tinha escolha. Olhou por todos os lados e viu aquelas máquinas gigantes, com turbinas. Lógico que não eram nada modernas para as pessoas da época em que eles se encon-travam, aquilo era praticamente um museu, porém, para ele, tudo aquilo era moderníssimo, e quanto tempo fazia que Dumont não pilo-tava! Certamente havia uns bons anos.

Vendo que seu adversário já estava se preparando para pilo-tar, ele viu, no fundo do galpão, jogado em um canto, um Breguet 14, um  biplano  francês, que foi uma aeronave de  bombardeiro  usada na Primeira Guerra Mundial. 

De repente, uma sensação de nostalgia tomou conta de Dumont, pois ele já vira um avião daqueles quando estava na França, muito an-tes de ser utilizado na Primeira Guerra... Foi quando o maior pesadelo de sua vida aconteceu: seu projeto e seu sonho foram utilizados para propagar o mal, e foram Breguets 14 como aquele, com bombas, que

51

Page 53: O RETORNO DO INVENTOR

sobrevoaram populações, levando a morte para ser atirada em outros países, matando inocentes.

Mas ele tinha que acabar logo com isso, uma vez que ansiava por descansar em paz, e, afinal, ele não estaria matando nenhum inocen-te, mas, sim, fazendo um favor à humanidade e a si mesmo.

Tomando coragem, correu para o avião, enquanto ouvia seu inimi-go já decolando. Alberto tentou reconhecer os comandos, porém não lembrava muito bem, e, como que automaticamente, começou a aper-tar os botões e o Breguet começou a se movimentar, dirigindo-se para a pista de decolagem e foi ganhando velocidade em direção ao céu.

Quando já estava a uns vinte metros do chão, tomou conheci-mento do que estava fazendo, mas Dumont tinha se esquecido da sen-sação de voar e, por um momento, ele se sentiu vivo novamente.

Enquanto isso, Pierre, que viu seu inimigo tendo dificuldades para controlar seu avião, decidiu atacar e começou a atirar nele. Alber-to, despertando de seus pensamentos, desviou-se dos tiros e aumen-tou sua altitude. Foi tomado pela coragem e pela raiva, lançando uma bomba na direção do ladrão, o qual se desviou com facilidade e ber-rou:

– Você terá que fazer muito melhor que isso se quiser me der-rotar, meu caro inimigo!

Alberto foi tomado pela raiva e deu meia-volta a toda velocida-de, sobrevoou o galpão de aviões e se virou para o rival.

O ladrão voou mais alto e, fazendo uma manobra altamente arriscada, deu uma “cambalhota” no ar, indo parar na frente de Du-mont. Os dois, sincronizadamente, começaram a atirar, vindo um ao encontro do outro, e, quando estavam prestes a se chocar, Alberto abaixou seu avião enquanto o ser negativo ia ganhando altitude. Logo após, eles fizeram a mesma manobra novamente, voaram um pouco mais alto e se posicionaram um de frente para o outro, recomeçando

52

Page 54: O RETORNO DO INVENTOR

a descarregar mais projetis de ódio. Porém, Dumont perdeu o contro-le e os dois aviões se chocaram, causando uma grande explosão e ter-minando a batalha épica dos dois inimigos.

(...) Ele não poderia crer, ele perdera para Pierre. Novamente, fora

derrotado e, dessa vez, perdeu com sua própria invenção. Isso era humilhante... o que ele faria? Por onde ele vagaria pelo

mundo? Foi quando ele percebeu algo muito estranho: onde estava o inimigo?

Olhou para baixo e lá só viu o resto dos dois aviões em chamas... Alberto novamente se lembrou de que estava apenas como espírito... Era apenas mais um vulto na noite. Olhou para trás e viu que seu ini-migo não estava melhor que ele.

Era isso! Os dois perderam e não tinham salvação! “Que ótimo”, Dumont pensou; além de passar uma eternidade va-

gando por aí, teria de ficar junto à última pessoa no mundo de quem queria ficar perto, o causador de toda a confusão, o ladrão.

Mas, quem sabe, nem tudo estaria perdido? Ele foi em direção ao vulto no céu, foi em direção ao seu mai-

or inimigo, e os dois começaram a batalhar, com trocas de raios de energias... uns mais claros, de Dumont, e outros totalmente negros, os do inimigo maldoso. Contudo, como eram duas almas perdidas, não se machucavam, muito menos sentiam alguma coisa, mas ne-nhum deles tomou conhecimento disso, afinal, estavam tomados por tamanho ódio que mal conseguiam pensar.

Suas vidas se transformaram em uma caça um ao outro. Desde o roubo do projeto, os dois eram culpados pelas mortes de

inocentes, porém ninguém admitia isso. O ódio os cegou e o que eles não viram foi que, no mundo, há guerra, pois os homens só colocam culpa no outro e alimentam ódio no coração, deixando-os cegos ao

53

Page 55: O RETORNO DO INVENTOR

fato de que o assunto é, muitas vezes, tão simples e tão fácil de ser re-solvido.

Eles gastaram suas vidas fazendo isso e, agora, passariam uma eternidade fazendo o mesmo, brigando, colocando a culpa um no ou-tro.

E, até hoje, pode-se escutar, no antigo galpão de aviões, como sus-surros no vento, a briga sem fim de Alberto Santos Dumont e de Pier-re, ladrão do 14 Bis.

54

Page 56: O RETORNO DO INVENTOR

Tive um rendimento grande, pois aprendi uma forma diferente de criar um texto. Aplicando o método do mapa de ideias ou mapa conceitual, o qual consiste em colocam, em ordem, as ideias para um texto melhor. Esse méto-do me ajudou muito na organiza-ção de fatos e melhorou muito mi-nha escrita.

MATEUS AFRÂNIO

Em questão de aprendizado, estou aproveitando este trabalho ao máximo para adquirir maior conhecimento possível. Além de estar aprendendo a matéria, tam-bém aprendi sobre Santos Du-mont e , é claro, sobre aviação!

ANA CAROLINA PACHECO

A experiência de escrever um livro foi ótima, pois sempre so-mos os leitores e “estar do outro lado” é muito bom! Isso, no futu-ro, servirá bastante, pois , para

passar para o ensino superior, é necessário escrever um bom tex-to e o livro ajudou a melhorar a escrita. Por fim, fazer esse traba-lho foi muito diferente de todos, afinal, quando eu teria a oportuni-dade de escrever um livro? Todas as etapas foram ótimas e cada um participou do seu jeito, dando um excelente resultado!

JÚLIA MENDES

Com este trabalho, aprendi muito mais sobre aviação, como trabalhar em grupo e como ultra-passar limites da minha imagina-ção. Aprendi que o avião não é só uma máquina que voa. Aprendi sobre sua história. Aprendi que não devemos fazer tudo sozi-nhos... quando temos amigos para nos ajudar. Por fim, aprendi a não estabelecer limites à minha imaginação; devo imaginar uma infinidade de ideias!

FELIPE GATTO

DEPOIMENTOS

PRÓLOGO

55

Page 57: O RETORNO DO INVENTOR

Objetivo compartilhado com os alunos (produto final)Um livro (romance) por sala de aula, onde os alunos, em grupo,

produzissem um capítulo que comporia uma obra única por turma, se-guindo um enredo criado por eles.

JustificativaAo se trabalhar com produção de textos em todos os anos do ensi-

no fundamental, médio, superior e até em níveis mais avançados, nota-se a necessidade imprescindível de uma atividade que contem-ple um produto final e que seja para um público real, dentro de uma demanda real. Tal fato é muito presente em diversas referências bi-bliográficas da área, o que leva docentes a criarem projetos educacio-nais que incitem o despertar da escrita no meio discente, num traba-lho paralelo ao de formação teórica sobre gêneros discursivos e teorias adjacentes, além de sobre o uso da Língua Portuguesa.

Para tal, aproveitando o ensejo da Feira do Livro 2013, o que se apresenta, através desta obra finalizada, é a proposta de produção de um livro (romance) por sala de aula dos alunos 242 do 9º ano.

Além de uma prática de produção de texto, houve o imprescindí-vel objetivo de a atividade proporcionar interações entre os pares e en-tre as áreas, como aconteceu durante todas as etapas, como preconiza-do nos PCNs. Nesse contexto, houve a parceria da gramática, explo-rando as estruturas linguísticas e textuais, com a área de artes, quan-do da confecção da capa e das ilustrações da obra; com a área de litera-tura, estudando gêneros, nuances, estilos e possibilidades literárias; e com a área de desenho geométrico a qual possibilitou instalações reali-

PROJETO LIVRO DA TURMA 2013

lvi

Page 58: O RETORNO DO INVENTOR

zadas com poliedros, também sobre o tema central proposto para este ano letivo. Ademais, tal atividade reforçou a prática da interação en-tre alunos atuantes, centro das ações, num compartilhamento cons-tante de ideias dentro de cada grupo e entre grupos, assim como entre os grupos e seus professores.

Além de todo o contexto de produção já descrito, apresentou-se a manipulação de ferramentas digitais no processo, uma vez que existiu produção tanto manualmente como digitalmente, inclusive com a con-fecção de mapas mentais e conceituais, fato que alinha o projeto com as mais utilizadas técnicas de escrita no mundo acadêmico e profissio-nal. Outrossim, houve grande pesquisa sobre o tema de 2013 “PALA-VRAS NO AR: O HOMEM, A LITERATURA E O SONHO DE VOAR” e a necessidade da versão definitiva em formato digital, utilizando a tecnologia a favor do maior engajamento estudantil. Finalizando, to-dos fizeram um texto manuscrito com relatos onde os alunos pude-ram expor etapas, angústias e conquistas neste ano letivo, e durante a confecção do livro.

O resultado está nas suas mãos, prezado leitor.Deleite-se com palavras escolhidas para você.

A todos, meu sincero agradecimento,

Prof. Sérgio Ricardo Lopes Fascina 25 de maio de 2013

“Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo de vencer é tentar mais uma vez.” - Thomas Edison

lvii

Page 59: O RETORNO DO INVENTOR

Uma folha de papel e um menino sonhador: primeiro ele dobra duas pontas e quase as faz se encontrar no meio; depois de outras duas dobraduras – pronto! –, o aviãozinho já pode decolar. Mas a pequena aeronave faz uma curva no ar e despenca no chão... a criança que um dia foi Alberto Santos Dumont chega a pensar que seu sonho é uma ilusão bem tola; ainda bem que ele conta com sua mãe, cujas palavras de incentivo e carinho o impedem de desistir.

Anos depois, lá está ele em Paris, prestes a comover toda a Europa com seu projeto 14 Bis. Já não é mais um menino; agora adulto, alterna as horas dedicadas ao seu invento com as horas passadas ao lado de uma bela e misteriosa mulher, Maria. Por que ela insiste em conhecer os detalhes da nova máquina voadora?

O mistério, o suspense e a aventura intensificam-se ainda mais quando entra em cena Pierre, um inimigo que fará o desafio de Santos Dumont de voar parecer pequeno. Enquanto isso, como pano-de-fundo, os palcos da Segunda Guerra Mundial e do portal espiritual entre a vida e a morte. Embarque nas páginas escritas pelos alunos do 9º C para voar com o pai da aviação!

CONTRACAPA

lviii