Oásis - brasil247.com · lemingue, o exemplar da foto se contata em roer a carcaça de um...

51
#204 EDIÇÃO O FIM DO GELO NO ÁRTICO A DIMINUIÇÃO DA CALOTA POLAR VISTA EM TIME-LAPSE OÁSIS NA PRISÃO DOS GENOCIDAS Scheveningen, onde o importante é saber jogar xadrez SORRIR, CHAVE DA FELICIDADE Os benefícios do bom humor e do riso para a saúde SALVAR AS FLORESTAS A batalha pela preservação das matas tropicais

Transcript of Oásis - brasil247.com · lemingue, o exemplar da foto se contata em roer a carcaça de um...

#204

Edição

O FIM DO GELO NO ÁRTICO

A diminuição dA cAlotA polAr vistA Em timE-lApsE

OásisNA PRISÃO DOS GENOCIDASscheveningen, onde o importante é saber jogar xadrez

SORRIR, CHAVE DA FELICIDADEos benefícios do bom humor e do riso para a saúde

SALVAR AS FLORESTASA batalha pela preservação das matas tropicais

2/51OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

N os últimos anos, a maior parte das organizações ambientalis-tas em todo o mundo decidiram concentrar seus esforços nos estudos relacionados ao aquecimento global e aos modos pelos

é possível combate-lo. Claro, essa decisão não significou o abandono das suas outras áreas de atuação, tais como preservação da biodiversidade, poluição ambiental, ecologia, salvaguarda de espécies ameaçadas de ex-tinção, etc. apenas, as lideranças ambientalistas chegaram à conclusão que o aquecimento global é um fenômeno real, como já chegara, e constitui a maior ameaça que o planeta já enfrentou em toda a sua história, desde que o ser humano surgiu.

recentemente tivemos a confirmação: 2014 foi o ano mais quente desde que, há mais de um século, iniciaram as aferições científicas regulares das temperaturas mundiais. a situação é grave e até mesmo alarmante em to-das as partes do mundo, e os sintomas pipocam em todas os continentes.

2014 foi o ano mais quente desde que, há mais de um século, iniciaram as aferições científicas regulares das temperaturas mundiais. a situação é grave e até mesmo

alarmante em todas as partes do mundo

OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

3/51

Basta ver o que acontece neste momento aqui no Brasil, onde alguns dos mais importantes reservatórios hídricos estão a ponto de colapsar.

Mas a situação na região do Polo norte, talvez seja atualmente a mais crí-tica e ameaçadora. naquela região, por causas ainda não bem conhecidas, o aumento das temperaturas é o dobro daquele que pode ser observado no resto do mundo. a tal ponto que, dentro de poucos anos, a calota de gelo no oceano ártico – fundamental para o equilíbrio climatológico e hidrológico do mundo – simplesmente poderá desaparecer por completo durante os meses quentes.

nossa matéria de capa examina aspectos fundamentais desse problema. Ela contem dois vídeos importantes, e uma pequena galeria de imagens de belíssimos animais cujo habitat é a região do Ártico. Vários deles, infeliz-mente, ameaçados de extinção.

Am

bIE

NT

E

1/16

O FIM DO GELO NO ÁRTICO A diminuição da calota polar vista em time-lapseOáSIS . aMBiEntE

OáSIS . aMBiEntE

ecentemente tivemos a confirma-ção: 2014 foi o ano mais quente desde que, há mais de um século, iniciaram as aferições científicas regulares das temperaturas mun-

diais. A situação é grave e até mesmo alar-mante em todas as partes do mundo. Basta ver o que acontece neste momento aqui no Brasil, onde alguns dos mais importantes reservató-rios hídricos estão a ponto de colapsar. Apesar

Rvideo de animação resume o dramático encolhimento do gelo no oceano ártico nos últimos 27 anos. mostra que o aquecimento global é real e seus efeitos são assustadores

Por: Luis PeLLegrini

disso, a situação na região do Polo Norte é ainda mais crítica e ameaçadora. No vídeo-animação mais abaixo, produzi-do pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) norte-americana, vemos o progressivo encolhimento dos gelos árticos, de 1987 a novembro de 2014. Trata--se de um time-lapse realmente angustiante.

No vídeo, as diferentes cores representam a idade do gelo presente: em branco vemos o gelo mais velho (com 4 anos ou mais), im-portante pelo fato de ser mais espesso e po-tencialmente mais resistente ao aumento da temperatura durante o verão; em azul, o gelo mais recente, com menos de um ano de ida-de, formado no último inverno (entre 2013 e 2014). Este último gelo é o primeiro a se der-reter quando chegam os meses quentes (en-tre abril e setembro no Hemisfério Norte).

No passado, a cada inverno, o gelo marinho preenchia quase toda a bacia ártica, e uma parte dele se derretia durante o verão. Nes-ses tempos, normalmente, o gelo mais fino começava a mover-se em uma corrente fria, chamada Beaufort Gyre; nessa corrente, a parte gelada que conseguia permanecer as-sim durante o verão, tendia no inverno a se tornar mais espessa e menos vulnerável às mudanças climáticas.

5/51

6/51

Diminuição progressiva e contínua

Mas, a partir dos anos 2000, segundo a NOAA, a própria Beaufort Gyre se aqueceu, perdendo boa parte do seu papel de guardiã dos gelos. Se nos anos 80 o gelo mais velho constituía cerca de 26% do total, em 2014 esse índi-ce chegou a apenas 10%. Houve, é verdade, um pequeno aumento dos gelos entre os anos 2013 e 2014, mas nada significativo a ponto de estimular nosso otimismo: o de-clínio dos gelos árticos é constante e inexorável.

Consequências? São várias, e todas muito preocupantes. Em primeiro lugar, teme-se que o derretimento da calota

de gelo ártico libere os imensos depósitos de gás metano que se encontram no fundo do Oceano Ártico. O metano é um gás de efeito estufa de efeito vinte vezes maior do que o gás carbônico (CO2). Lançado na atmosfera, todo esse metano pode incrementar de forma exponencial o aquecimento global, elevando a temperatura média do planeta a níveis insuportáveis. Além disso, o derretimen-to das geleiras árticas, e da própria cobertura de gelo do norte do Canadá e da Groenlândia, lançaria nos oceanos uma gigantesca quantidade de água doce, aumentando o nível dos mares e diminuindo a salinidade deles. Neste caso, as consequências sobre a fauna e a flora marinha são imprevisíveis.

OáSIS . aMBiEntE

urso polar caminha na borda do gelo. Calota polar derrete cada vez mais

A camada de gelo como era observada em 1980 (abaixo) e em 2012 (acima). Foto nAsA por satélite

OáSIS . aMBiEntE

Vídeo 1: Idade do gelo ártico, 1987-2014

Há décadas, a maior parte da calota polar durante o in-verno no Ártico era constituída de gelo duro, espesso e perene. Hoje, encontrar áreas onde ainda exista esse gelo velho é extremamente raro. Este vídeo-animação mostra a quantidade relativa de gelo durante os diferentes anos e estações de 1987 até novembro de 2014. O vídeo foi pro-duzido pelo climate.gov team, que trabalhou com dados fornecidos pelo climatologista Mark Tschudi.

Clique aqui e veja o vídeo

Vídeo 2: Maior colapso de gelo já registrado da história é de tirar o fôlego

Imagine um pedaço inteiro do distrito de Manhattan, em Nova York, ou de toda a região central de São Paulo en-trando em colapso, com seus prédios desabando como fileiras de dominó. Esta é uma comparação que serve para dar uma referência humana ao devastador rompi-mento de blocos do glaciar Ilulissat, ocorrido há um ano, no oeste da Groenlândia, e que durou 75 minutos. Trata--se da maior partição de gelo já registrada em toda a his-tória. As imagens foram gravadas pelos documentaristas do projeto Pesquisa Extrema no Gelo Balog, e as cenas

7/51

A morsa é um dos mais extraordinários habitantes do Ártico Ártico derrete

8/51OáSIS . aMBiEntE

ato incontrolável da nature-za ao mesmo tempo provoca admiração e espanto e nos relembra como somos frágeis diante das forças do nosso planeta.

Clique aqui e veja o vídeo

estão no filme “Chasing Ice”, do fotógrafo James Balog.

Estima-se que a área atingida é equivalente à ponta sul de Manhattan: um pedaço em torno de 5 quilômetros de comprimento e 3,5 quilômetros de largura. Isso sem falar que a espessura do gelo que se soltou é de mais de 900 metros - 100 metros fora d’água e o restante submerso.

As espetaculares imagens e o som impressionante são de tirar o fôlego. O silêncio do deserto de gelo é, literal-mente, quebrado pela queda de gigantescos nacos de gelo que são devorados pelo mar. O barulho provocado pelo

narval

OáSIS . aMBiEntE

Galeria: Maravilhas do Ártico ameaçadas pelo aquecimento

Diferente do que muitos pensam, o Ártico não é uma espécie de deserto gelado. Pelo contrário, ele está cheio de vida, povoado por criaturas que souberam se adaptar às difíceis condições cli-máticas da região. Claro, em ter-mos de populações vivas, a maior parte delas está no mar. Mas o Ártico hospeda também vários mamíferos e pássaros. Esta gale-ria de imagens mostra algumas espécies de animais do Ártico, todas elas ameaçadas pelas mu-danças climáticas atualmente em curso na região.

No gelo perene do Polo Norte, no transcorrer dos milênios, essas espécies souberam construir um delicadíssimo ecossistema. Mas ele, cada vez mais, se transforma e perde sua eficácia, quase sem-pre por causa da intervenção do homem. Segundo re-cente relatório do Circumpolar Biodiversity Monitoring Programme, denominado Arctic Species Trend Index (ASTI), o número dos animais que povoam as regiões árticas aumentou globalmente cerca de 16% nos últimos 40 anos. Isso se deve sobretudo à difusão de severas leis restritivas relacionadas à caça. Apesar disso, nem todas as espécies vivem essa bonança. Algumas foram lit4e-

ralmente dizimadas por causa do aquecimento global. Quem ascende e quem descende nesse triste boletim das extinções? Quais são as táticas de sobrevivência desses habitantes do Polo Norte? Aqui segue uma galeria com dez casos curiosos de adaptabilidade e sobrevivência.

9/51

Casal de papagaios-do-mar

10/51

1 Papagaio-do-mar ou fradinho. Entre as espécies árticas que melhor se adaptam às novas condições climáticas e cujo número continua a crescer está o papagaio-do-mar, também conhecido como fradinho (Fratercula arctica), uma ave bela e engraçada que po-voa os penhascos da Groenlândia e do norte do Canadá. Um fator essencial para a sua sobrevivência é a abundância de pequenos pei-xes, moluscos e crustáceos. Como mostra a foto, esse pássaro consegue abocanhar vários peixinhos de uma única vez. Quando pesca, o papagaio-do-mar primeiro enche o papo para si mesmo, e depois reúne uma série de peixinhos no bico e os leva aos filhotes.

OáSIS . aMBiEntE

11/51

2 Baleia da Groenlândia (Balaena mysticetus). Ela é a prova viva da importância das campanhas em defesa dos cetáceos. Com efeito, o número dessas baleias, antes seriamente ameaçadas de extinção, aumentou. Entre 1970, quando iniciaram as campanhas, e 2004, seu número cresceu regularmente de cerca 3% ao ano. Para se defender dos ataques do homem, seu único inimigo, essa baleia não lança mão apenas do seu tamanho (entre 14 e 18 metros, a segunda maior depois da baleia azul). Ela usa também a sua astúcia: quando percebe a presença de navios, permanece escondida sob a superfície das grandes placas de gelo da calota polar. Quando pre-cisa respirar, não sai do seu refúgio mas arrebenta o gelo dando pancadas com seus grandes ossos do crânio, criando um buraco por onde consegue fazer passar o ar.

OáSIS . aMBiEntE

12/51

3 Águia-do-rabo-branco. Também se adapta bem às novas condições, e seu número cresce. Essa águia (Haliaeetus albicilla) é no entanto um rapace muito raro. Estima-se que em todo o Ártico restam apenas entre 20 e 30 mil exemplares. Na foto, uma águia-do--rabo-branco tenta agarrar um peixe, enquanto uma gaivota (Larus canus) se posiciona para tentar roubar-lhe a presa.

OáSIS . aMBiEntE

13/51

4 Raposa do Ártico (Alopex lagopus). Nos próximos anos, a existência dessa raposa estará seriamente ameaçada pela grande diminuição das populações dos lemingues, pequenos roedores árticos que constituem a sua principal fonte de alimento. Na falta de um lemingue, o exemplar da foto se contata em roer a carcaça de um cetáceo.

OáSIS . aMBiEntE

14/51

5 O caribu (Rangifer tarandus). Se, devido ao aumento da temperatura média, a população global dos animais árticos está em au-mento, o mesmo não se pode dizer das espécies que vivem no extremo norte da região, nas vizinhanças do Polo Norte. Ali, desde 1970, observa-se uma queda progressiva do número de vertebrados de cerca 26%. A culpa, segundo os especialistas, é mesmo do aquecimen-to global, fenômeno particularmente intenso naquela área. O animal que mais sofre com isso é o caribu, cujos rebanhos já diminuíram de uma terça parte.

OáSIS . aMBiEntE

15/51

6 Urso-marrom (Ursus arctos). Menos famoso do seu primo de pelagem branca (Ursus marinus), o urso marrom também corre sério perigo. As intervenções do homem em seu meio ambiente o privou de vastas porções do seu habitat natural, confinando a quase totalidade dos exemplares restantes a um areal estéril que corresponde a apenas 2% da área original que esses ursos ocupavam. Ainda mais dramática é a situação dos ursos brancos na Baía de Hudson, Canadá. Aqui, a rapidez com que o gelo derrete devido ao aque-cimento global aprisiona os últimos exemplares em porções exíguas do território, obrigando-os a longos jejuns e inclusive, como foi comprovado, a casos de canibalismo.

OáSIS . aMBiEntE

16/51

7 Lebre-do-Ártico (Lepus arcticus). O declínio de herbívoros como a lebre ártica é devido às mudanças que ocorrem na vegetação da tundra e à flutuação dos ritmos sazonais causada pelas mudanças climáticas. A chegada pontual da primavera é fundamental para este mamífero, aqui fotografado no momento em que muda a pelagem branca, adequada ao inverno, por uma bem mais escura e mi-mética, que no verão serve para proteger o animal contra os predadores.

OáSIS . aMBiEntE

17/51

8 Glutão ou carcaju (Gulo gulo). Mamífero da família dos mustelídeos, o glutão é um animal onívoro, embora a carne seja o principal elemento da sua dieta. Caçado sobretudo por causa da sua pele, é um animal que aprendeu que, para sobreviver, é preciso mostrar as garras. Quando sente fome, esse mamífero não hesita em atacar animais cinco vezes maiores que o seu tamanho, tais como alces, cervos e renas. Quando sobra um pouco de comida, o glutão a conserva sob a neve, depois de ter borrifado sobre os restos subs-tâncias malcheirosas que os tornam repulsivos aos outros carnívoros.

OáSIS . aMBiEntE

18/51

9 Morsa (Odobenus rosmarus). Os grandes pedaços de gelo flutuante nas proximidades do litoral ártico são o habitat preferido das morsas. Esses grandes mamíferos marinhos fazem os seus ciclos migratórios em função das variações sazonais da temperatura. Quando no verão o gelo se retira, as morsas migram para o norte. No inverno, quando o gelo se expande, elas voltam ao sul, perfazen-do entre a ida e a volta trajetos que podem chegar a três mil quilômetros.

OáSIS . aMBiEntE

19/51

10 Narval (Monodon monóceros). O narval, curioso cetáceo ártico dotado de uma lança frontal que pode chegar a três metros de comprimento, é outro animal particularmente ligado às variações da expansão e retração do gelo. A lança, que é na verdade um den-te modificado característico dos machos, condena esse animal a uma fuga constante dos caçadores inuit (os antigos esquimós) que o utilizam para a produção de peças artesanais, além de comerem a sua carne. Os biólogos ainda discutem a verdadeira função da lança: parece que mais que arma de combate, trata-se simplesmente de um adereço sexual útil para atrair a atenção das fêmeas.

OáSIS . aMBiEntE

REP

OR

TA

GEm

20/51

NA PRISÃO DOS GENOCIDASScheveningen, onde o importante é saber jogar xadrez

OáSIS . rEPortagEM

o grande portal de entrada da prisão de scheveningen, na Holanda

OáSIS . rEPortagEM

á tempos, uma piada particu-larmente ácida circulava nos corredores das Nações Unidas: Por que não abandonar todas as missões de paz por esse mundo a fora, tão dispendiosas, todos os programas de reconversão de

rebeldes, todos os projetos de “reconstrução” política que, do começo ao fim, demonstram ser fruto de uma grande ingenuidade, e que

H

trinta e três homens, entre os quais radovan Karadzic, o antigo líder dos sérvios da Bósnia, estão detidos na prisão de segurança máxima de scheveningen, na holanda. todos eles aguardam julgamento pelo tribunal penal internacional de haia, por crimes contra a humanidade

Por: ronen steinLieFonte: JornAL suddeutCHe Zeitung, Munique

desembocam num fiasco ou se transformam em miragens do Ocidente? Em vez deles, e com muito menos dinheiro, seria possível comprar uma ilha nos mares do Sul, com uma praia rodeada de palmeiras, onde os se-nhores da guerra e outros chefes militares da pior espécie beberiam coquetéis de manhã à noite. Quem sabe, a paz mundial não ganha-ria com isso?

Scheveningen é um bairro chique localizado na orla marítima de Haia, a cidade onde fica a sede do Governo holandês. Quando as nu-vens se abrem, os raios de sol varrem o mar, como se fossem holofotes. Embora ligeira, a pouca distância dali, a brisa que vem do mar ultrapassa a parede de tijolos vermelhoscom seis metros de altura.

A pé, leva-se muito tempo a fazer o percur-so. Primeiro, é preciso atravessar dois perí-metros de segurança fortemente guardados, entregar os objetos metálicos àentrada da velha penitenciária e se sujeitar a uma revista, antes de se passar por uma série de pesadas portas, abertas uma a uma, quan-do a anterior é fechada.

Em seguida, atravessa-se um pátio interior ornamentado com coníferas e rodeado de gradeamentos e arame farpado. Por fim, che-ga-se ao coração do complexo penitenciário, diante de uma casa isolada equipada com

21/51

22/51

outro pórtico de segurança e guardada por vigilantes, que voltam a fazer uma revista completa. Desta vez, os segu-ranças não estão vestidos com o uniforme holandês, mas com as camisas azul-celeste da ONU.

Três pisos cercados por muralhas muito altas, rodeadas de bonitos edifícios ao estilo holandês: uma prisão dentro da prisão. Mas também uma ilha. Os raros prisioneiros que aqui estão podem sair para o ar livre com uma frequ-ência duas vezes maior do que os presos sujeitos ao regi-me penal comum. Também têm direito a receber muito mais visitas: até sete dias inteiros por mês. Benesses com

as quais os assaltantes de bombas de ga-solina ou os traficantes de drogas só so-nhar: estes veem o pátio das janelas das suas celas, no edifício vizinho.

O sorriso de Karadzic

O vento que vem do mar penetra no edi-fício porque no interior há muitas portas que ficam abertas. Quem já teve ocasião de visitar uma prisão alemã ou um cen-tro de detenção preventiva fica admirado com a limpeza dasparedes e a ausência de grafitti: as pare-des são brancas, iluminadas até aos mais pequenos recantos, os tijolos cinza-cla-ros e as inúmeras câmaras de vigilância não têm o menor arranhão.Os 33 homens que dispõem dessas ins-

talações só para si são antigos criminosos de guerra, ditadores ou chefes militares, às vezes provenientes de regimes inimigos. Nesta penitenciária da justiça penal internacional vivem ao mesmo tempo sob a vigilância da ONU, que gere em Haia vários tribunais encarregados de julgar os criminosos de guerra, e do Tribunal Penal In-ternacional (TPI), que intentou processos contra alguns deles.

Três celas individuais estão reservadas a criminosos da ex-Iugoslávia, entre os quais dois antigos Presidentes.

Até esta data, as Nações Unidas nunca tinham autorizado a entrada de jornalistas para além destas paredes. “Por

OáSIS . rEPortagEM

uma cela-padrão da penitenciária de scheveningen

OáSIS . rEPortagEM

motivos de segurança.” E talvez também porque o espetáculo suscita questões a que não é fácil responder - questões de justiça e de equidade.

Desde junho de 2008, o centro de deten-ção alberga Radovan Karadzic, o antigo comandante dos sérvios da Bósnia. Ain-da hoje ele deve rir, sempre que pensa no modo como enganou os seus perse-guidores durante tantos anos, sob a falsa identidade de Dragan Dabic, terapeuta instalado em pleno centro de Belgrado. Quando chegou à prisão, os outros deti-dos o viram primeiro no pátio, dando o seu passeio. Nenhum quis perder o es-petáculo. O mundo tinha-lhe voltado as costas, mas diria-se que ele estava dando a volta olímpica após uma grande vitória, apesar de vestir a roupa simples que é fornecida aos pri-sioneiros.Era o novo ‘número 1’ de Scheveningen no ato de receber mensagens de encorajamento dos seus antigos generais”, recorda um dos seus advogados de defesa, que na altura tinha acesso privilegiado.

Que grande ocasião deve ter sido aquela para Sredoje Lukic, um simples policial municipal sérvio, preso sob o mesmo teto, alegadamente por um massacre de mu-çulmanos, executado por ordem dos seus superiores políticos na Bósnia. De um dia para outro, eis que o seu antigo Presidente, Radovan Karadzic, estava comen-do no mesmo refeitório. Estavam lado a lado, diante do

fogão da sala de jogos reservada aos detidos, sob um exaustor gigantesco, que faria morrer de inveja qualquer McDonald’s.

Durante a nossa visita, não fomos autorizados a ver a cozinha de Karadzic, apenas uma outra de configuração idêntica, que desde há algum tempo não é usada pelos presos. Parecia estar muito bem cuidada, como se a tare-fa aqui realizada tivesse sido levada muito a sério.

“Normalmente, há ruídos característicos quando se entra numa prisão”, comenta Klaus Hansen, que durante 12 anos desempenhou várias funções em estabelecimentos

23/51

o Palácio da Paz, sede da Corte internacional de Haia

24/51OáSIS . rEPortagEM

desvios dentro do centro, para nos afastar de todas as divisões ainda ocupadas: só seríamos autorizados a visitar salas va-zias...

Gbagbo em roupas íntimas

Os prisioneiros dispõem de células indi-viduais distribuídas por quatro andares: três estão reservadas a criminosos da ex--Iugoslávia, entre os quais dois antigos Presidentes, responsáveis por terem con-duzido a sua região a uma loucura assas-sina, através de apelos ao ódio. São presu-míveis criminosos, é bom ressaltar, já que todos os prisioneiros detidos aqui estão em prisão preventiva, aguardando o ve-redicto final do seu julgamento. Acontece que as coisas podem se arrastar, em Haia:

sete anos, em média.

O último andar alberga os detidos africanos citados para comparecer perante o TPl. Entre eles está um outro ex--Presidente, deposto há três anos por ocasiãode uma operação militar conjunta levada a cabo pelos franceses e pelas Nações Unidas, na Costa do Marfim. Quando chegou à prisão, Laurent Gbagbo chegou vestin-do apenas as roupas íntimas que usava quando fora pre-so.

Lá em baixo, no hall de entrada de ladrilhos escuros, onde os sofás velhos encostados uns aos outros dão a impressão

penitenciários clássicos na Dinamarca, antes de assumir funções aqui, “sonoridades metálicas. As chaves, as por-tas, vozes de homem... Aqui, não há nada disso, tudo é abafado.” Com a sua barba branca e o seu rabo de cavalo, este simpático dinamarquês é um dos especialistas civis encarregados de proteger a vida privada dos prisioneiros do mundo exterior.

Os ocupantes da casa são odiados e temidos, mas, simul-taneamente, e esse é o grande problema, ainda são ve-nerados - por redes secretas de antigos fiéis, no seio das forças de segurança dos respetivos países. Foi por esse motivo que Klaus Hansen nos obrigou a muitos e penosos

Atual sede da iCC - international Criminal Court, em Haia

25/51OáSIS . rEPortagEM

Guitarras e um teclado à disposição

Os dois senhores da guerra da Bósnia e da Libéria, Rado-van Karadzic e Charles Taylor, tratavam-se por “Senhor Presidente”, até Charles Taylor ser transferido para a Grã-Bretanha, no outono passado, para cumprir o resto da pena. Ignora-se se os dois homens se encontraram mais vezes no ginásio ou na sala de música do rés do chão, onde algumas guitarras antigas e um teclado estão a disposição dos prisioneiros. (“Não tem importância, os detidos nunca estão contentes, estão sempre se queixan-do”).

de estarmos num estabelecimento para menores infratores alemães, cruzamos com duas mulheres africanas luxuosa-mente vestidas. São visitas que já se pre-param para ir embora. Os detidos estão a apenas alguns metros, mas eles se mantêm invisíveis.

A experiência social que aqui se de-senrola dá a impressão de ser feita em condições relativamente favoráveis: é certo que o espaço é limitado, os tetos baixos, a sala de ginástica do primeiro andar não é maior que meia quadra de basquete - as linhas de cores entrelaça-das, desenhadas no chão e relativas aos diversos desportos com bola, estão tão apertadas que o resultado vira um con-junto de rabiscos absurdos.

As janelas, minúsculas, estão colocadas a uma tal altura do chão que seriam necessários três homens sobre os om-bros uns dos outros para conseguirem ver alguma coisa através das grades. Uma cena que teríamos dificuldade em imaginar, dado que a idade média dos pensionistas é de 62,9 anos (“O nosso principal problema são os ataques cardíacos”, sussurra um dos empregados). Pelo menos, sempre tem uma sala de ginástica em bom estado e que até possuí equipamentos de cardiologia, num dos cantos, um luxo desconhecido em muitas prisões europeias.

A barra do tribunal de Haia, com os seus juízes

26/51OáSIS . rEPortagEM

coletivos beneficiam de tratamentos que raras vezes são aplicados na África. Pelo contrário, as suas vítimas não podem be-neficiar desses tratamentos caríssimos.

Mas em nenhum outro local o contraste e’ tão evidente como em Scheveningen, onde presumíveis responsáveis por genocídios são, literalmente, vizinhos de pisode delinquentes comuns. O que explica que Scheveningen se tenha tornado um destino muito valorizado: assim, Saif al--lslam Kadhafi, um dos filhos do ditadorlíbio Muammar Kadhafi, que ameaçam os rebeldes de fazer jorrar “rios de sangue” , passou subitamente ao perfil discreto e no outono de 2011 pediu, através de emissá-rios, um salvo-conduto para se deslocar a Haia. Preferia entregar-se ao TPI do que

cair nas mãos dos rebeldes do seu país. Escapava assim à pena de morte e garantia uma detenção em condições humanas.

Deveremos nos alegrar ou bradar aos céus? Um delin-quente como o filho de Kadhafi, que só quer cair nas mãos dos procuradores internacionais, pode parecer um absurdo. Afinal, a justiça internacional não foi feita para atenuar os riscos da profissão de ditador e, sim para ter um efeito dissuasor. Por outro lado, um cruel instigador de guerras que de repente põe termo às suas atividades e se precipita para a Europa longínqua, para ser algema-do? Também não está mal, é a magia da ilha.

Mais de um advogado penalista internacional manifestou suas dúvidas face a condições de detenção tão favoráveis. A justiça internacional esforça- se por cumprir as normas humanitárias mais exigentes, com o objetivo de servir de modelo a todos os países do mundo que mantêm os seus presos em condições desumanas. Por outro lado, há aqui uma contradição relacionada à gravidade dos atos cometi-dos que é difícil esquecer.

Tomemos o exemplo do Ruanda: 20 anos após o genocí-dio que enlutou o país, alguns dos presumíveis culpados ainda estão em prisão preventiva, nas mãos das Nações Unidas. Aqueles que contraíram AIDs devido a estupros

salão de debates do tribunal internacional de Haia

27/51OáSIS . rEPortagEM

uma vez por semana. Em Scheveningen, muitos esperam por ela todos os dias, e a conseguem. Essas visitas são sempre de manhã. Os advogados fazem fila em frente dos três parlatórios da penitenciária da ONU. Muitos vêm de Paris, de Londres ou de Bonn e ficam hospedados nos melhores hotéis. E há línguas que se desatam acobertadas pelo anonimato. Assim, Laurent Gbagbo, da Costa do Marfim, a quem os seus advogados franceses continuam a tratar por “Senhor Presidente”, chega a convocar duas reuniões por dia: precisa estar preparado, agora que o seu julgamento se aproxima.

O sérvio Radovan Karadzic, que nos últimos dois anos

Em Scheveningen, ha um quiosque que permite aos 33 presumíveis criminosos de guerra e também aos mais de 200 detidos holandeses, alojados nos outros edifícios do complexo penitenciário, comprar cigarros e doces a preço de ouro. Hoje, o quiosque oferece também um leque de especialidades dos Balcãs e da África. Ao contrário dos prisioneiros holandeses, os detidos das Nações Unidas podem comprar tudo o que quiserem, incluindo carne.

Advogados de Paris, Londres ou Bonn

Na Alemanha, os prisioneiros comuns colocados em pri-são preventiva recebem a visita do seu advogado cerca de

saif al-islam Kadhafi. o filho do ex-ditador da Líbia está aprisionado em scheveningen

esta foto histórica mostra a Primeira Conferência internacional da Paz, em Haia, Holanda, em junho de 1899

28/51OáSIS . rEPortagEM

seus partidários. Na realidade, são uns ven-cidos, em certos casos expulsos dos seus territórios. Como é óbvio, a sua hierarquia de opereta (“Karadzic, o novo número um”) também cumpre uma função: mantém ar-tificialmente em vida uma glória passada, da qual se alimentam sem pudor. Conta-se por aqui que um antigo general apareceu, armado com uma vassoura, na cela de um outro prisioneiro, que fora apenas um ofi-cial subalterno durante a guerra. “Serviço de quartos” - o general pretendia fazer a limpeza. O oficial ficou tão incomodado que, com toda a cortesia, tirou a vassoura e o esfregão das mãos do general.

A persistência dessas antigas relações hie-rárquicas torna ainda mais surpreendente

a harmonia que reina neste microcosmos, entre pesso-as que ontem eram inimigas. Descobrimos uma velha fotografia, simultaneamente bela e assustadora, tirada numa das salas dos detidos na altura em que o ex- Pre-sidente jugoslavo Slobodan Milosevic ainda lá estava, antes de morrer na sua cela, em 2006. A imagem correu toda a cidade de Haia. Hoje pode ser vista em privado, mas não pode ser publicada: as pessoas nela retratadas não querem que seja vista pelo mundo exterior. Apre-senta sérvios, croatas e albaneses, responsáveis militares de todos os campos inimigos do conflito bósnio, a posar alegremente em volta da ceia de Natal. Alguns passam o braço pelos ombros dos vizinhos, como se fossem velhos amigos.

teve muitas oportunidades para ouvir o seu antigo trata-mento de “Senhor Presidente” - porque as fiéis testemu-nhas da defesa foram convocadas para comparecer no TPI para a ex-Iugoslávia - tem a ousadia de falar no seu “gabi-nete”. É uma divisão diminuta, uma antiga cela individu-al, com uma mesa, quatro cadeiras, um telefone fixo e um computador que lhe permite aceder à base de dados do Tribunal, embora não ao mundo exterior.

Presidentes imaginários

Naturalmente, todos estes senhores Presidentes só estão em funções nas suas imaginações ou nos panfletos dos

trecho de praia em scheveningen

29/51OáSIS . rEPortagEM

sérvio ou croata, mas se sabe jogar xadrez.”

Vinte celas à espera de Kony, Ianukovitch, Bashir

É verdade que esta paz é artificial, porque a prisão é um local de coexistência imposta. Por outro lado, a própria vida impõe uma coabitação, não apenas nos Balcãs como no Congo ou no Médio Oriente. Antigamente, os nacio-nalistas dos Balcãs classificavam a Iugoslávia como uma “prisão dos povos”. Atiçavam o ódio, argumentando que mais valia derramar sangue do que continuar a aceitar o fato.

“Acho que existe uma regra tácita entre os detidos, segundo a qual não se fala de politica”, confidencia o escocês Fraser Gilmour, diretor--adjunto da prisão e perito civil das Nações Unidas, tal como o dinamar-quês Klaus Hansen, com quem tem em comum a longa cabeleira. “Ten-tamos criar uma miscelânea, uma pequena sociedade sem segregação”. Por isso, os responsáveis das Nações Unidas não hesitam em colocar os ultranacionalistas sérvios e croatas em celas vizinhas. Desenganem-se aqueles que pensavam que bastava enviar os responsáveis pela guerra dos dois campos para uma ilha de-serta para que eles se matassem uns aos outros, deixando assim em paz o resto da Humanidade. Como confirma Fraser Gilmour, em Scheveningen nunca houve brigas.

Na barra do tribunal, estes homens continuam a desem-penhar o papel de irredutíveis: nunca nenhum deles mos-trou sinais de arrependimento. Mas pode dizer-se que toda a retórica que utilizam, ainda e sempre, para arengar às suas hostes no exterior, se torna muito relativa quando os responsáveis militares estão reunidos entre si. “Têm mais pontos em comum do que pontos de divergência”, afirma Klaus Hansen, responsável pela vigilância a estes presos. E prossegue: “Fazem uma frente unida contra o inimigo comum - a Justiça. Na prisão. tudo se resume a coisas muito simples: não se trata de saber se alguém é

tribunal internacional de Haia

30/51OáSIS . rEPortagEM

das, apenas uma cela vazia. Esta foi recentemente remodelada e está pronta para receber um detido. Em Scheveningen, ainda há cerca de 20 dessas celas disponíveis. Por exemplo, para receber o chefe mili-tar Joseph Kony, que arregimentou exércitos de crianças- soldados. Em Uganda, e que tem um mandado de captura emitido pela ONU; ou para Viktor Ianukovitch, antigo Presiden-te da Ucrânia, cuja violenta resposta às manifestações está neste momen-to sendo investigada por Haia; ou ainda para Omar al-Bashir, Presi-dente do Sudão, também com man-dado de captura.

Os dirigentes e vigilantes desta pri-são não seriam os únicos a se con-gratular por poderem lhes dar as

boas vindas.

Do poder à prisão: quatro casos

RADOVAN KARADZIC - 69 anos. Preso desde 2008, o antigo líder político dos sérvios da Bósnia é acusado de crimes contra a humanidade e de crimes de guerra, co-metidos entre 1992 e 1995 na Bósnia- Herzegovina, du-rante a guerra na antiga Iugoslávia, o conflito mais mor-tífero (cerca de 100 mil mortos) desde o fim da SegundaGuerra Mundial.

Talvez seja o vento do Mar do Norte que lhes arrefece os ânimos. Nas celas individuais de Scheveningen, pode-se entreabrir as janelas, o olhar pode vaguear e, quando se permanece imóvel e se permite que o silêncio se instale na divisão, é certo que, de inicio, a exiguidade do local se tor-na opressiva, já que as celas medem apenas 10,4 m2. Uma cama, uma mesa, sanitários abertos. Mas a porta não está fechada e pode-se circular livremente pelas outras salas até às 20h30.

Os visitantes não são autorizados a visitar celas ocupa-

radovan Karadzic, ex-ditador da sérvia

31/51OáSIS . rEPortagEM

RATKO MLADIC - 70 anos. Preso desde 2011. Conhecido como o “carniceiro de Srebrenica”, o antigo comandante--em-chefe do Exército da República Sérvia da Bósnia é acusado de ter massacrado entre 6 mil e 8 mil homens e adolescentes bósnios muçulmanos daquela cidade, reivin-dicada pelos sérvios em 1995, bem como da morte de 10 mil civis durante os 43 meses que durou o cerco a Saraje-vo.

ratko Mladic, o carniceiro de srebrenica

LAURENT GBAGBO - 69 anos. Preso desde 2011. Pre-sidente da Costa do Marfim de 2000 a 2011, vai ser jul-gado por quatro crimes contra a humanidade. Está indi-ciado, na qualidade de coautor direto, pelo assassínio de 166 pessoas, por violações e violência sexual sobre pelo menos 34 mulheres, por atos de perseguição contra pelo menos 291 vítimas e por atos de barbárie contra 94 pes-soas, com o objetivo de se manter no poder, na sequência das eleições presidenciais de novembro de 2010.

Laurent gbagbo, ex-tirano da Costa do Marfim

32/51OáSIS . rEPortagEM

CHARLES TAYLOR - 66 anos. Preso em Scheveningen entre 2006 e 2013. O antigo Presidente da Libéria pôs em prática um plano de massacres, de violações e de escravatura sexual com o objetivo de controlar as minas de diamantes (os “diamantes de sangue”) da Serra Leoa, entre 1996 e 2002. Em 2012 foi considerado culpado de cri-mes de guerra e crimes contra a huma-nidade, tornando-se assim no primeiro ex-chefe de Estado a ser condenado pela justiça internacional desde os julgamentos de Nurembergue. Conde-nado a 50 anos de prisão, encontra-se atualmente cumprindo pena numa prisão britânica.

Charles taylor, ex-ditador da Libéria

PS

ICO

LOG

IA

33/51

SORRIR, CHAVE DA FELICIDADEOs benefícios do bom humor e do riso para a saúde

OáSIS . PsiCologia

OáSIS . PsiCologia

eu senso de humor é uma das ferra-mentas mais poderosas que você tem para se certificar de que seu humor e seu estado emocional diários dão suporte à boa saúde”, afirma o médi-co Paul E. McGhee, president do The S

o bom humor é contagiante. o som de gargalhadas é muito mais contagioso do que qualquer tosse, fungada ou espirro. quando o riso é compartilhado, une as pessoas e aumenta a felicidade e a intimidade. o riso também desencadeia mudanças físicas saudáveis no organismo. o humor e o riso fortalecem seu sistema imunológico, aumentam sua energia, diminuem a dor e protegem você contra os efeitos nocivos do estresse. melhor que

tudo, esse medicamento que não tem preço é divertido, livre e fácil de usar

Por: equiPe oÁsis

Laughter Remedy, em Wilmington, EUA.McGhee está certo: O riso é um poderoso antídoto para o estresse, a dor e o conflito. Nada funciona de modo mais rápido ou con-fiável para trazer o corpo e a mente de volta ao equilíbrio do que uma boa risada. O hu-mor ilumina seus fardos, inspira esperança, conecta você com os outros e o mantém liga-do à terra, concentrado e alerta.Com tanto poder de curar e renovar, a capa-cidade de rir com facilidade e grande frequ-ência é um tremendo recurso para superar os problemas, melhorando seus relaciona-mentos, e dar suporte à saúde física e emo-cional.

O riso é bom para a saúde

O riso relaxa o corpo inteiro. Uma boa risada alivia a tensão física e o estresse, deixando seus músculos relaxados por até 45 minutos depois.

O riso estimula o sistema imunológico. Ele reduz a liberação dos hormônios do estresse e aumenta o número de células imunes e an-ticorpos que combatem as infecções, melho-rando assim sua resistência às doenças.O riso provoca a liberação de endorfinas, substâncias químicas associadas ao bem-es-tar do corpo. As endorfinas promovem uma sensação geral de bem-estar e podem até aliviar temporariamente a dor.

34/51

35/51OáSIS . PsiCologia

Os  benefícios  do  riso  

Benefícios  físicos  para  a  saúde  

Aumenta  a  imunidade  

Reduz  os  hormônios  do  estresse  

Diminui  a  dor  

Relaxa  os  músculos  

Previne  doenças  cardíacas  

Benefícios  mentais  para  a  saúde  

Acrescenta  alegria  e  entusiasmo  à  vida  

Reduz  a  ansiedade  e  o  medo  

Alivia  o  estresse  

Melhora  o  humor  

Amplia  a  resiliência  

Benefícios  sociais  

Fortalece  relacionamentos  

Atrai  outras  pessoas  para  nós    

Aprimora  o  trabalho  em  equipe  

Ajuda  a  resolver  conflitos  

Promove  a  união  do  grupo  

 

 

OáSIS . PsiCologia

O riso protege o coração. Ele melhora a função dos va-sos sanguíneos e aumenta o fluxo sanguíneo, ajudando a proteger você contra um ataque cardíaco e outros proble-mas cardiovasculares.

O riso e o bom humor ajudam você a ficar emocionalmente saudável

O riso faz você se sentir bem. E a boa sensação que expe-rimenta quando ri permanece com você, mesmo depois que o riso diminui. O bom humor o ajuda a manter uma visão otimista e positiva diante de situações difíceis, de-cepções e perdas.

Mais do que apenas um alívio perante a tristeza e a dor,

o riso lhe dá coragem e força para encontrar novas fontes de significado e esperança. Mesmo nos tempos mais difí-ceis, um riso – ou até mesmo um simples sorriso – pode fazer você se sentir melhor. E o riso é realmente conta-giante – basta ouvir um para ativar seu cérebro e prepa-rar você para sorrir e se divertir.

A ligação entre o riso e a saúde mental

O riso dissolve emoções angustiantes. Você não pode sentir-se ansioso, irritado ou triste quando está rindo.O riso o ajuda a relaxar e recarregar-se. Ele reduz o es

36/51

37/51OáSIS . PsiCologia

Os benefícios sociais do humor e do riso

O bom humor e a comunicação divertida fortalecem nos-sas relações ao desencadear sentimentos positivos e pro-mover a conexão emocional. Quando rimos com outra pessoa, uma ligação positiva é criada. Ela funciona como um forte amortecedor contra o estresse, as divergências e a decepção.

• Rir com os outros é mais poderoso do que rir sozinho• Criar oportunidades para rir• Assista a um filme ou programa de TV engraçado.• Vá a um clube de comédia.

tresse e aumenta a energia, permitindo-lhe manter o foco e realizar mais.

O bom humor muda a perspectiva, permitindo que você veja as situações de modo mais realista e menos ameaça-dor. Uma perspectiva bem-humorada cria distanciamento psicológico, que pode ajudá-lo a evitar se sentir sobrecar-regado.

OáSIS . PsiCologia

• Leia as páginas de cartuns e piadas.• Procure pessoas engraçadas.• Compartilhe uma boa piada ou uma história engraça-

da.• Confira a seção de humor da sua livraria.• Convide os amigos para um jogo ou uma reunião em

sua casa.• Divirta-se com seu animal de estimação.• Divirta-se com as crianças.• Faça alguma coisa boba.• Arranje tempo para atividades divertidas (por exem-

plo, boliche ou karaokê).

O riso compartilhado é uma das ferramentas mais efica-zes para manter as relações vivas e emocionantes. Todo

compartilhamento emocional constrói laços de relacio-namento fortes e duradouros, mas compartilhar o riso e a diversão também acrescenta alegria, vitalidade e resis-tência. E o humor é uma maneira poderosa e eficaz para curar ressentimentos, desavenças e mágoas. O riso une as pessoas em momentos difíceis.

Incorporar mais humor e diversão em suas interações di-árias pode melhorar a qualidade de suas relações com os entes queridos, bem como suas conexões com os colegas de trabalho, familiares e amigos. Usar o humor e o riso nos relacionamentos permite:

38/51

OáSIS . PsiCologia

• Ser mais espontâneo. O bom humor o afasta de seus problemas.

• Deixar de lado a postura defensiva. O riso o ajuda a esquecer julgamentos, críticas e dúvidas.

• Soltar inibições. Seus temores e resistências são postos de lado.

• Expressar seus verdadeiros sentimentos. Emoções profundas são autorizadas a aflorar.

• Trazer mais humor e risos à sua vida.• Quer mais risadas em sua vida? Arranje um animal de

estimação...

A maioria de nós já experimentou a alegria de brincar com um amigo peludo, e animais de estimação são uma forma gratificante para trazer mais risos e alegria à sua

vida. Mas você sabia que ter um animal de estimação é bom para a sua saúde física e mental? Estudos mostram que os animais podem protegê-lo da depressão, estresse e até mesmo doenças cardíacas.O riso é seu direito de nascença, uma parte natural da vida. Crianças começam a sorrir nas primeiras semanas de vida e riem em voz alta alguns meses após nascerem. Mesmo se não cresceu em um lar onde o riso era um som comum, você pode aprender a rir em qualquer fase da vida.

Principie separando momentos especiais para buscar o

39/51

OáSIS . PsiCologia

humor e o riso, como você poderia fazer com o trabalho externo, e construa-os a partir daí. Futuramente, você vai querer incorporar o humor e o riso à estrutura da sua vida, encontrando-os naturalmente em tudo o que faz.Aqui estão algumas formas de começar:

Sorria. O sorriso é o início do riso e, como este último, é contagioso. Pioneiros da “terapia do riso” consideram que é possível rir até sem vivenciar um evento engraçado. O mesmo vale para sorrir. Quando você olha para alguém ou vê algo mesmo que ligeiramente agradável, pratique o sorriso.

Conte suas bênçãos. Literalmente, faça uma lista. O sim-ples ato de considerar as coisas boas em sua vida vai dis-tanciá-lo de pensamentos negativos que são uma barreira para o bom humor e o riso. Quando você está em estado de tristeza, tem um caminho mais longo para chegar ao humor e ao riso.

Quando ouvir o riso, mova-se na direção dele. Às vezes, o humor e o riso são privados, uma piada compartilha-da entre um grupo pequeno, mas em geral não é assim. Mais frequentemente, as pessoas ficam muito felizes de compartilhar algo engraçado, porque isso lhes dá uma oportunidade de rir de novo e se alimentar do humor en-contrado. Quando você ouvir o riso, procure-o e pergun-te: “O que é tão engraçado?”

Gaste tempo com pessoas brincalhonas e divertidas. Es-sas são pessoas que riem com facilidade, tanto de si mes-mas quanto dos absurdos da vida, e que rotineiramente encontram o humor em eventos do dia a dia. Seu ponto

40/51

OáSIS . PsiCologia

de vista divertido e suas risadas são contagiosos.Traga o humor para as conversas. Pergunte às pessoas: “Qual é a coisa mais engraçada que aconteceu com você hoje? Esta semana? Na sua vida?”

Desenvolva seu senso de humor: Leve-se menos a sério.Uma característica essencial que nos ajuda a rir é não nos levarmos muito a sério. Todos nós conhecemos o ra-bugento clássico que encara tudo com seriedade mortal e nunca ri de nada. Não tem graça ali!

Alguns eventos são ocasiões claramente tristes e impró-prias para rir. Mas a maioria dos eventos na vida não

carrega uma devastadora sensação de triste-za ou alegria. Eles caem na zona cinzenta do cotidiano, dando a você a escolha de rir ou não.

Formas de se ajudar a ver o lado mais leve da vida

Ria de si mesmo. Compartilhe seus momen-tos embaraçosos. A melhor maneira de se levar menos a sério é falar de momentos em que você se levou muito a sério.

Tente rir das situações, em vez de lamentá--las. Procure o humor em uma situação ruim e descubra a ironia e o absurdo da vida. Isso o ajudará a melhorar seu humor e o humor das pessoas ao seu redor.

Cerque-se com lembretes para alegrar-se. Mantenha um brinquedo em sua mesa ou no carro. Ponha um cartaz engraçado em seu escritório. Escolha um protetor de tela de computador que faça você rir. Enquadre fotos de você e sua família ou amigos se divertindo.

Mantenha as coisas em perspectiva. Muitas coisas na vida estão além de seu controle, particularmente o com-portamento de outras pessoas. Embora você possa pen-sar que levar o mundo nas costas é admirável, no longo prazo isso é irreal, improdutivo, insalubre e até mesmo egoísta.

Lide com o estresse. O estresse é um grande impedimen

41/51

OáSIS . PsiCologia

to para o humor e o riso.

Preste atenção nas crianças e imite-as. Eles são especialistas em brincar, levar a vida com leveza e rir.Lista de verificação para descontrairQuando você se encontra tomado por aquilo que parece ser um problema horrível, faça estas perguntas a si mes-mo:

• Realmente vale a pena ficar chateado com isso?

• Vale a pena perturbar os outros?• Isso é tão importante assim?• Isso é tão ruim assim?• A situação é irreparável?• Será que isso é realmente problema

meu?

Usar o humor e a brincadeira para superar desafios e melhorar a sua vida

A capacidade de rir, brincar e se divertir com os outros não só torna a vida mais agradável, mas também ajuda a resolver problemas, conectar-se com os outros e ser mais criativo. As pessoas que incorporam o humor e a brinca-deira ao seu cotidiano descobrem que isso renova a elas e a todos os seus relacionamentos.

A vida traz desafios que podem tirar o melhor de você ou se tornam brinquedos para sua imaginação. Quando você “se torna o problema” e se leva muito a sério, pode ser

difícil pensar de forma anticonvencional e encontrar no-vas soluções. Mas quando você brinca com o problema, muitas vezes pode transformá-lo em uma oportunidade de aprendizagem criativa.

Brincar com problemas parece ocorrer naturalmente para as crianças. Quando estão confusas ou com medo, elas transformam seus problemas em uma brincadeira, o que lhes dá uma sensação de controle e uma oportuni-dade de experimentar novas soluções. Interagir com os outros de forma brincalhona ajuda a manter essa capaci-dade criativa.

42/51

OáSIS . PsiCologia

Aqui estão dois exemplos de pessoas que tiveram proble-mas cotidianos e os transformaram por meio do riso e da brincadeira:

Roy, um homem de negócios semiaposentado, estava animado por finalmente ter tempo para se dedicar ao golfe, seu esporte favorito. Mas quanto mais ele jogava, menos se divertia. Embora seu jogo tivesse melhorado substancialmente, ele se enfurecia com cada erro come-tido. Roy sabiamente percebeu que seus companheiros de golfe afetavam sua atitude, então parou de jogar com pessoas que levavam o jogo muito a sério. Quando joga-va com amigos que se concentravam mais em se divertir

do que em sua pontuação, ele ficava menos crítico em relação a si mesmo. A partir de então, o golfe ficou tão agradável quanto Roy esperava que fosse. Ele melhorou sua pontuação sem se esforçar mais. E a pers-pectiva mais otimista que estava recebendo de seus companheiros e do jogo se espalhou para outras partes de sua vida, incluindo seu trabalho.

Jane trabalhava em casa desenhando car-tões, um trabalho que adorava, mas a par-tir de certo momento sentiu que ele havia se tornado uma rotina. Duas meninas que gostavam de desenhar e pintar moravam ao lado. Jane convidou as pequenas vizinhas para brincar com todos os materiais de arte que tinha. No início, ela só as observava, mas com o tempo juntou-se a elas. O riso, as

pinturas e as brincadeiras com as meninas transforma-ram a vida de Jane. Brincar com elas não apenas acabou com a solidão e o tédio que sentia; despertou sua ima-ginação e ajudou sua arte a florescer. O melhor de tudo, isso reavivou a jovialidade e a centelha na relação de Jane com o marido.

Quando o riso, o humor e as brincadeiras passam a in-tegrar sua vida, sua criatividade floresce e novas desco-bertas para brincar com os amigos, colegas de trabalho, conhecidos e entes queridos lhe ocorrem diariamente. O bom humor leva você para um lugar mais alto, de onde pode ver o mundo de uma perspectiva mais relaxada, po-sitiva, criativa, alegre e equilibrada.

43/51

44/51OáSIS . natura

SALVAR AS FLORESTASA batalha pela preservação das matas tropicais

NA

Tu

RA

OáSIS . natura

asso Azevedo é ambientalista brasileiro especializado na preservação das flo-restas e importante ativista na área da sustentabilidade. Seu trabalho ajudou na redução de 75% observada na taxa de deflorestação da Amazônia brasileira, e inspirou esforços similares em vários

T

o ambientalista tasso azevedo nos atualiza a respeito da luta em prol da preservação das florestas nos dias de hoje. estimuladas pelas terríveis perdas dos anos 90, novas leis (e dados transparentes) estão ajudando a desacelerar o ritmo do desmatamento no Brasil. será que isso é o suficiente? ainda não. ele tem cinco ideias sobre o que devemos fazer a seguir, e se pergunta se as lições aprendidas no Brasil podem ser aplicadas em um problema ainda maior: as mudanças climáticas globais

Vídeo: ted – ideAs WortH sPreAdingtrAdução: ALine FreixoreVisão: gustAVo roCHA

45/51

outros lugares do mundo. Mais informação: tassoazevedo.blogspot.com

É fundador da ong Imaflora, em 1995, uma importante entidade de certificação ambien-tal no Brasil. Em 2003, foi indicado como primeiro diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro. Nessa função, ele mostrou como a saúde da floresta amazônica está direta-mente conectada à estabilidade econômica no país, bem como à questão da geração de energia. Implementou também novos pa-drões de incentivos para a sustentabilidade florestal. Estas medidas, segundo os especia-listas, contribuíram para a redução, no Bra-sil, da taxa de deflorestação e das emissões de gás de efeito estufa. Hoje, Tasso Azevedo foca a sua atenção nas questões ligadas às mudanças climáticas em nível global.

o ambientalista florestal tasso Azevedo

Vídeo integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo

46/51OáSIS . natura

Tradução integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo:

Quando os portugueses chegaram à América Latina, há cerca de 500 anos, eles se depararam com uma incrível floresta tropical. E entre toda essa biodiversidade jamais vista, encontraram uma espécie que rapidamente chamou sua atenção. Quando cortamos a casca dessa espécie, vemos uma resina vermelha escura, que era muito boa para pintar e tingir tecidos para fazer roupas. Os indígenas chamavam essa espécie de pau-brasil, e é por isso que esta terra se tornou a “terra do Brasil” e, mais tarde, Brasil. Este é o único país do mundo que tem o nome de uma árvore. Então, vocês imaginam que é muito legal viver na floresta no Brasil, entre outros motivos.

Os produtos da floresta estão em todo lugar. Além de todos esses produtos, a floresta também é muito importante para a regulação do clima. No Brasil, quase 70% da evaporação que gera as chuvas vêm das florestas. Só a Amazônia bombeia para a atmosfera 20 bilhões de toneladas de água todo dia. Isso é mais do que o rio Amazonas, o maior rio do mundo, despeja no mar por dia, que são 17 bilhões de toneladas. Se tivéssemos que ferver água para ter o mesmo efeito da evapotrans-piração, precisaríamos de seis meses de toda capacidade de geração de energia do mundo. É um grande serviço que ela nos presta.

O mundo tem cerca de 4 bilhões de hectares de florestas. Isso é, mais ou menos, a área da China, EUA, Canadá e Brasil juntos em termos de tamanho, para se ter uma ideia. Três quartos dessa área estão na zona temperada, e apenas um quarto, nos trópicos, mas este um quarto, um bilhão de hectares, acomoda a maior parte da biodiversidade, além de algo muito importante: 50% da biomassa viva, o carbono. Há dois mil anos, tínhamos 6 bilhões de hectares de florestas - 50% mais do que temos hoje. Perdemos 2 bilhões de hectares nos últimos 2 mil anos. Mas, só nos últimos 100 anos, perdemos a metade disso. Isso se deu quando deixamos de desmatar as florestas temperadas para desmatar as florestas tropicais.Pensem nisso: em 100 anos, nós perdemos a mesma quantidade de

florestas nos trópicos que perdemos de florestas temperadas em 2 mil anos. Esta é a velocidade da destruição que estamos cau-sando.

O Brasil é uma peça importante desse quebra-cabeça. Nós te-mos a segunda maior floresta do mundo, depois da Rússia. Sig-nifica que 12% de todas as florestas do mundo estão no Brasil, a maior parte na Amazônia. É a maior área de floresta que te-mos. É uma área muito vasta e ampla. Vejam que seria possível acomodar vários países europeus lá. Nós ainda temos 80% de área florestal coberta. Essa é a boa notícia. Mas perdemos 15% em apenas 30 anos. Se as coisas continuarem assim, muito em breve perderemos esta poderosa bomba de água que temos na Amazônia, que regula o nosso clima.

O desmatamento estava crescendo rapidamente e acelerando no final dos anos 90 e começo dos anos 2000. Vinte e sete mil quilômetros quadrados em apenas um ano. São 2,7 milhões de

OáSIS . natura 47/51

Tradução integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo:

hectares. Quase metade da Costa Rica, todos os anos.Naquele momento, entre 2003 e 2004, aconteceu de eu estar vindo trabalhar no governo. Junto com outros colegas de equipe do Departa-mento de Florestas Nacionais, fui designado para me unir a uma equipe formada para descobrir as causas do desmatamento e fazer um plano para combatê-lo a nível nacional, envolvendo governos locais, a socie-dade civil, empresas, comunidades locais, em um esforço que pudesse confrontar essas causas.

Estabelecemos um plano composto de 144 ações em áreas diferentes. Agora, discorrerei sobre cada uma delas - não, apenas darei alguns exemplos do que fizemos nos anos seguintes. Primeiro, nós montamos um sistema junto com a agência espacial nacional que nos permitia ver de fato onde o desmatamento acontecia, quase em tempo real. Atualmente, nós usamos o sistema DETER no Brasil, onde a cada mês, ou a cada dois meses, recebemos informações sobre onde o desmata-

mento acontece. Assim podemos agir no momento em que ele acontece. Toda a informação é totalmente transparente para que outros possam copiá-la em sistemas independentes. Isso nos permite, entre outras coisas, apreender 1,4 milhão de me-tros cúbicos de toras retiradas ilegalmente. Parte disso nós ser-ramos e vendemos, e toda a renda vai para um fundo que ajuda projetos conservacionistas de comunidades locais como fundo dedicado.

Isso nos permitiu realizar uma grande operação para interrom-per a corrupção e outras atividades ilegais, o que acabou na pri-são de 700 pessoas, incluindo muitos servidores públicos. Em seguida, fizemos a conexão de que as áreas que vinham realizan-do o desmatamento ilegal não receberiam qualquer crédito ou financiamento. E eliminamos isso junto aos bancos e fizemos a ligação com os usuários finais.

Dessa forma, os supermercados, abatedouros, etc., que com-pram produtos de áreas desmatadas ilegalmente também po-dem ser responsabilizados pelo desmatamento. Nós fizemos todas essas conexões para ajudar a reduzir o problema. Tam-bém trabalhamos muito em questões de posse de terras. Isso é importante para resolver conflitos. Cinquenta milhões de hecta-res de áreas protegidas foram criados, o que é uma área do ta-manho da Espanha. E, desses, 8 milhões eram terras indígenas.Agora começamos a ver os resultados. Nos últimos 10 anos, o desmatamento no Brasil caiu 75%.

Se compararmos com a média do desmatamento que tivemos na última década, significa que salvamos 8,7 milhões de hecta-res, que é o tamanho da Áustria. Mas, o mais importante é que isso evitou a emissão de 3 bilhões de toneladas de CO2 na at-mosfera. É a maior contribuição para reduzir a emissão de gases

48/51OáSIS . natura

Tradução integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo:

do efeito estufa até hoje, como uma ação positiva. Pode-se pensar que com esses tipos de ações para reduzir, para eliminar o desmatamento, haveria algum impacto econômico, porque você elimina a atividade econômica local ou algo assim. Mas, é interessante notar que ocorre exatamente o oposto. No período em que tivemos o maior declínio do desmatamento, a economia cresceu, em média, o dobro da década anterior, quando a atividade estava crescendo. É uma boa lição para nós. Talvez não tenha ligação alguma, e foi algo que aprendemos com a redução do desmatamento.

É claro que tudo isso é muito bom e é uma baita conquista, e obvia-mente deveríamos estar muito orgulhosos. Mas, isso não chega nem perto do suficiente. Se pensarmos no desmatamento da Amazônia em 2013, que alcançou mais de meio milhão de hectares, o que significa que, a cada minuto, uma área do tamanho de dois estádios de futebol foi derrubada na Amazônia só no ano passado. Se contarmos o des-matamento que ocorre em outros biomas do Brasil, ainda estaremos falando da taxa de desmatamento mais alta no mundo. É como se fôssemos heróis da floresta, mas campeões do desmatamento ao mes-mo tempo. Não podemos ficar satisfeitos, nem perto disso. Por isso, acredito que o próximo passo é lutar para reduzir a zero a perda de florestas no Brasil, e fazer disso uma meta para 2020. Esse é o nosso próximo passo.

Eu sempre tive interesse pela relação entre a mudança climática e as florestas. Primeiro, porque 15% das emissões de gases de efeito estufa vêm do desmatamento, sendo uma grande parte do problema. Mas as florestas também podem ser uma grande parte da solução, já que são a melhor maneira conhecida de depositar, capturar e armazenar o carbono. Existe outra relação entre o clima e as florestas que chamou minha atenção em 2008, e fez com que eu mudasse de carreira das florestas para trabalhar com mudança climática. Fui visitar o Canadá, na Colúmbia Britânica, junto com os dirigen-

tes dos serviços florestais de outros países com os quais temos um tipo de aliança, como Canadá, Rússia, Índia, China e EUA. Quando estávamos lá, ficamos sabendo desse besouro que está literalmente devorando as florestas do Canadá. O que vemos aqui, aquelas árvores marrons, elas estão todas mortas. São ár-vores mortas graças às larvas do besouro. O que acontece é que esse besouro é controlado pelo clima frio do inverno. Por muitos anos, eles não têm tido um clima frio o bastante para controlar a população desse besouro. E ele se tornou uma doença que está matando bilhões de árvores. Eu retornei com a ideia de que a floresta é, na verdade, uma das vítimas mais antigas e mais afe-tadas pela mudança climática.

Então pensei que, apesar do trabalho com meus colegas para re-almente ajudar a eliminar o desmatamento, talvez perderemos

OáSIS . natura 49/51

Tradução integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo:

a batalha para a mudança climática mais tarde, com enchentes, calor, incêndios e assim por diante. Decidi deixar o serviço florestal e começar a trabalhar diretamente na mudança climática; achar um jeito de pen-sar e entender o desafio, e seguir a partir daí.

O desafio da mudança climática é muito direto. A meta é muito clara. Queremos limitar o aumento da temperatura média do planeta a dois graus. Existem muitos motivos para isso. Não vou me aprofundar nisso agora. Mas, para alcançar esse limite de dois graus, que torna a nossa sobrevivência possível, o IPCC, ou Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, definiu que o nosso orçamento de emissões é de mil bilhões de toneladas de CO2, deste momento até o final do século. Se dividirmos isso pelo número de anos, teremos um orçamento médio de 11 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Mas o que é uma tonelada de CO2? É, mais ou menos, o que um carro pequeno que percorre 20 quilômetros por dia emitirá em um ano. Ou um voo de ida de São Pau-

lo para Johanesburgo ou para Londres. Ida e volta seriam duas toneladas. Onze bilhões de toneladas é o dobro disso.

As emissões atingem hoje 50 bilhões de toneladas, e estão crescendo. Esse número está crescendo, e talvez chegue a 61 em 2020. Precisamos reduzi-lo a 10 até 2050. Enquanto isso acontece, a população passará de 7 para 9 bilhões de pessoas; a economia crescerá de 60 trilhões de dólares em 2010 para 200 trilhões. O que precisamos fazer é ser muito mais eficientes, de maneira que possamos passar de sete toneladas de carbono per capita por pessoa, por ano, para algo em torno de uma tonelada. Será preciso escolher entre voar de avião ou ter um carro.

A grande pergunta é: será que somos capazes? Essa foi exata-mente a mesma pergunta que ouvi quando estava desenvolven-do um plano para combater o desmatamento. É um problema tão grande, tão complexo. Será que podemos mesmo resolvê-lo? Eu acredito que sim. Pensem nisso: o desmatamento causou 60% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil na últi-ma década. Hoje, está em pouco menos de 30%. No resto do mundo, 60% é energia. Se pudermos combater o problema da energia da mesma forma como combatemos o desmatamento, talvez tenhamos uma chance.

Existem cinco coisas que acho que devemos fazer. Primeiro, precisamos separar a ideia de desenvolvimento das emissões de carbono. Não precisamos eliminar todas as florestas para criar mais empregos, áreas agrícolas e economia. Foi o que com-provamos quando reduzimos o desmatamento. e a economia continuou a crescer. O mesmo poderia acontecer com o setor energético. Em segundo lugar, precisamos colocar os incentivos no lugar certo. Hoje, 500 bilhões de dólares por ano vão para subsídios de combustíveis fósseis. Por que não colocamos um

50/51OáSIS . natura

Tradução integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo:

preço no carbono e o transferimos para energias renováveis? Em ter-ceiro lugar, precisamos calcular e tornar visível onde, quando e quem está emitindo gases do efeito estufa, para que tomemos medidas espe-cificamente para cada uma dessas oportunidades. Quarto: precisamos avançar nas rotas do desenvolvimento, ou seja, não é preciso ter um telefone fixo antes de se conseguir um celular. Assim como não preci-samos usar combustíveis fósseis para um bilhão de pessoas que não têm acesso à energia antes de recorrermos à energia limpa. Em quinto e último lugar, precisamos dividir a responsabilidade entre os gover-nos, empresas e a sociedade civil. Existe trabalho para todo mundo, e todos precisam se envolver.

Para terminar, acredito que o futuro não está pré-determinado, para o qual não existe escapatória. Precisamos ter a coragem de alterar a rota, investir em algo novo, e pensar que realmente podemos mudar o rumo. Acho que estamos fazendo isso com o desmatamento no Brasil, e espero poder fazer o mesmo para mudanças climáticas no mundo.Obrigado.

OáSIS . natura 51/51