OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL...

13
OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** Luiz A. Facchini** Cesar G. Victora** Fernando C. Barros** Jorge U. Béria** Ana M.B. Teixeira** LOMBARDI, C. et al. Operacionalização do conceito de classe social em estudos epidemiológicos. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 22:253-65, 1988. RESUMO: Procura-se demonstrar que é possível operacionalizar o conceito de classe social de for- ma a utilizá-lo em estudos epidemiológicos. Foi adaptado às características da formação social de Pelo- tas, RS (Brasil), modelo de classificação desenvolvido para o México e comparado com o desenvolvido para Ribeirão Preto, SP (Brasil). Mediu-se o poder discriminatório das duas classificações em termos do processo saúde-doença, tendo como variável dependente o crescimento de 5.384 crianças nascidas em 1982. As duas classificações estão associadas com diferenças significativas (P<0,001) no crescimento in- fantil, mas o modelo do México mostra melhor poder discriminatório do que a classificação de Ribeirão Preto. Quando ambas foram incluídas em uma análise multivariada do peso e da altura das crianças, o efeito do modelo do México foi altamente significativo (P<0,001), ao contrário do efeito da classifica- ção, modelo Ribeirão Preto. UNITERMOS: Classe social. Métodos epidemiológicos. Inquéritos epidemiológicos. Crescimento. Criança. * Investigação patrocinada pelo "International Development Research Centre" do Canadá e pelo "Overseas Develop- ment Administration" do Reino Unido. ** Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas Caixa Postal 464 — 96001 Pelotas, RS — Brasil. *** Centro de Estúdios Demográficos y de Desarrollo Urbano de El Colegio de México Camino al Ajusco, 20 — 01000 México, DF — México. 1. INTRODUÇÃO pelo menos vinte anos questiona-se o pa- radigma dominante da epidemiologia que con- ceitua a doença como um fenômeno biológico individual. Este questionamento implicou mo- dificações conceituais e metodológicas. Entre as primeiras destacam-se os estudos que utili- zam o conceito de classe social para explicar os fenômenos de saúde-doença, muitos dos quais realizados na América Latina 1,3-8,14 . Segundo Bronfman e Tuirán 5 , "a inserção de classe de- termina, em última instância, o acesso diferen- cial, entre outros, à infra-estrutura de saúde, à quantidade e qualidade de alimentos, à habita- ção e ao vestuário". Uma primeira dificuldade na incorporação do conceito de classe social em estudos epide- miológicos é o fato de que o mesmo tem recebi- do diferentes interpretações. Uma dificuldade adicional é a operacionalização desse conceito, a fim de classificar os indivíduos ou famílias através de questionários padronizados. A definição de classe social na qual se baseou foi a seguinte: "Las clases son grandes grupos de hombres que se diferencian entre sí por el lugar que ocupan en un sistema de produción históricamente determinado, por las relaciones en que se encuentran con respecto a los medios de produción (relaciones que en gran parte que- dan establecidas y formuladas por las leyes), por el papel que desempeñan en la organización social del trabajo y, consiguientemente, por el modo y la proporción en que perciben la parte de riqueza social de que disponen. Las clases son grupos humanos, uno de los quales puede apropiar-se del trabajo del otro, por ocupar puestos diferentes en un régimen determinado de economia social" (Lenin 9 ). O conceito de classe engloba, portanto, dife- rentes instâncias (econômica, jurídico-política e ideológica) que compõe o todo social 10 . As limi-

Transcript of OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL...

Page 1: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOSEPIDEMIOLÓGICOS*

Cintia Lombardi**Mario Bronfman***Luiz A. Facchini**Cesar G. Victora**Fernando C. Barros**Jorge U. Béria**Ana M.B. Teixeira**

LOMBARDI, C. et al. Operacionalização do conceito de classe social em estudos epidemiológicos. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 22:253-65, 1988.

RESUMO: Procura-se demonstrar que é possível operacionalizar o conceito de classe social de for-ma a utilizá-lo em estudos epidemiológicos. Foi adaptado às características da formação social de Pelo-tas, RS (Brasil), modelo de classificação desenvolvido para o México e comparado com o desenvolvidopara Ribeirão Preto, SP (Brasil). Mediu-se o poder discriminatório das duas classificações em termos doprocesso saúde-doença, tendo como variável dependente o crescimento de 5.384 crianças nascidas em1982. As duas classificações estão associadas com diferenças significativas (P<0,001) no crescimento in-fantil, mas o modelo do México mostra melhor poder discriminatório do que a classificação de RibeirãoPreto. Quando ambas foram incluídas em uma análise multivariada do peso e da altura das crianças, oefeito do modelo do México foi altamente significativo (P<0,001), ao contrário do efeito da classifica-ção, modelo Ribeirão Preto.

UNITERMOS: Classe social. Métodos epidemiológicos. Inquéritos epidemiológicos. Crescimento.Criança.

* Investigação patrocinada pelo "International Development Research Centre" do Canadá e pelo "Overseas Develop-ment Administration" do Reino Unido.

** Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas — Caixa Postal 464 —96001 — Pelotas, RS — Brasil.

*** Centro de Estúdios Demográficos y de Desarrollo Urbano de El Colegio de México — Camino al Ajusco, 20 — 01000México, DF — México.

1. INTRODUÇÃO

Há pelo menos vinte anos questiona-se o pa-radigma dominante da epidemiologia que con-ceitua a doença como um fenômeno biológicoindividual. Este questionamento implicou mo-dificações conceituais e metodológicas. Entreas primeiras destacam-se os estudos que utili-zam o conceito de classe social para explicar osfenômenos de saúde-doença, muitos dos quaisrealizados na América Latina1,3-8,14. SegundoBronfman e Tuirán5, "a inserção de classe de-termina, em última instância, o acesso diferen-cial, entre outros, à infra-estrutura de saúde, àquantidade e qualidade de alimentos, à habita-ção e ao vestuário".

Uma primeira dificuldade na incorporaçãodo conceito de classe social em estudos epide-miológicos é o fato de que o mesmo tem recebi-do diferentes interpretações. Uma dificuldadeadicional é a operacionalização desse conceito,

a fim de classificar os indivíduos ou famíliasatravés de questionários padronizados.

A definição de classe social na qual se baseoufoi a seguinte: "Las clases son grandes gruposde hombres que se diferencian entre sí por ellugar que ocupan en un sistema de produciónhistóricamente determinado, por las relacionesen que se encuentran con respecto a los mediosde produción (relaciones que en gran parte que-dan establecidas y formuladas por las leyes),por el papel que desempeñan en la organizaciónsocial del trabajo y, consiguientemente, por elmodo y la proporción en que perciben la partede riqueza social de que disponen. Las clasesson grupos humanos, uno de los quales puedeapropiar-se del trabajo del otro, por ocuparpuestos diferentes en un régimen determinadode economia social" (Lenin9).

O conceito de classe engloba, portanto, dife-rentes instâncias (econômica, jurídico-política eideológica) que compõe o todo social10. As limi-

Page 2: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

tações impostas pela técnica de entrevistas atra-vés de questionários e as dificuldades metodo-lógicas de delinear indicadores confiáveis sobrea consciência e a prática política das classes tor-nam praticamente impossível a tarefa de opera-cionalizar o conteúdo integral do conceito,obrigando a restringir o mesmo ao nível da ins-tância econômica. Assim, "os questionáriosnão permitem apreender as classes em sua tota-lidade, ou seja, em suas mutações internas e emsuas relações com as outras classes e com a suaestrutura social. No entanto, é possível identifi-car grupos sociais e assim definir a "situação declasse'' e a forma pela qual esta afeta o com-portamento dos indivíduos" (Bronfman e Tui-rán5).

Com base em estudo epidemiológico sobresaúde infantil realizado em Pelotas, RS15,16, opresente artigo objetiva mostrar que é possíveloperacionalizar o conceito de classe social parasua utilização em estudos epidemiológicos.

2. POPULAÇÃO E MÉTODOS

2.1 Trabalho de Campo

Entre dezembro de 1985 e abril de 1986, fo-ram visitados todos os domicílios da cidade dePelotas, RS (aproximadamente 77.000) para lo-calizar crianças nascidas em 1982. Foram iden-tificadas 5.384 crianças, com idade entre 35 e 52meses. Este estudo transversal corresponde auma das etapas do estudo longitudinal dascrianças nascidas em Pelotas, em 198215,16.

Nessas entrevistas, além de dados demográfi-cos, de morbidade, desenvolvimento psicológi-co, uso de medicamentos e de serviços de saúde,foram coletadas diversas informações só-cio-econômicas.

As crianças foram pesadas sem roupas combalanças tipo Salter com precisão até 100 g, esua estatura foi medida com antropômetrosportáteis. A análise estatística dos indicadoresde crescimento conforme a classe social foi feitaatravés de análise de covariância11.

2.2 Classificação das Famílias Conforme aClasse Social

2.2.1 Classificação de Barros1

Na primeira tentativa de operacionalizaçãodo conceito de classe social foi utilizado o es-quema elaborado por Barros1, baseado na aná-lise de Singer12. Nesse esquema, Barros1 utilizouas informações sobre posição na ocupação (co-mo por exemplo, empregado, empregador, au-

tônomo), tipo de ocupação (como por exemplo,pedreiro, motorista, ou empregada doméstica),renda e número de empregados.

Na utilização dessa classificação, foram en-contradas algumas dificuldades. O principalproblema diz respeito aos critérios de entradano esquema, que não são excludentes. Toman-do como exemplo os assalariados, cujo critériobásico de ingresso é a posição na ocupação, po-de-se classificá-los tanto de acordo com o tipode ocupação, como também de acordo com oramo de atividade (para aqueles que trabalhamna construção civil ou na agricultura), dandoassim margem a dúvidas. Um exemplo seria umassalariado permanente de empresa agrícolacom conhecimento de ofício (tratorista, opera-dor de máquina, ou mecânico), o qual seriaclassificado como subproletário, em função doramo a que pertence.

Outra dificuldade encontrada foi em relaçãoa autônomos sem estabelecimento, que sãoclassificados diretamente como subproletáriossem levar em conta sua formação ou conheci-mento de ofício. Assim, um profissional liberal(de nível universitário), sendo autônomo semestabelecimento próprio poderia ser considera-do como subproletário. Este seria também o ca-so de trabalhadores autônomos qualificados,como artesãos, mecânicos, serralheiros ou ele-tricistas, que prestem serviços e não possuamestabelecimento.

Uma terceira dificuldade diz respeito à classi-ficação dos indivíduos fora da População Eco-nomicamente Ativa (PEA) como subproletá-rios. Uma dona-de-casa ou um estudante quenão exerçam atividades remuneradas, e sejamsustentados por terceiros, podem ser na verda-de integrantes de qualquer classe, dependendoda inserção de classe do responsável pelo seusustento.

Tendo em vista as ambiguidades e contradi-ções resultantes da aplicação desse esquema,decidiu-se adotar uma nova classificação. Osproblemas com a classificação original fizeramcom que fosse posteriormente modificada2,mas versão anterior1 continua sendo utilizadaem levantamentos epidemiológicos por haverrecebido maior divulgação do que sua revisão.

2.2.2 Classificação proposta

Optou-se por adaptar uma classificação de-senvolvida por Bronfman e Tuirán5 em funçãoda "Encuesta Nacional Demográfica", Méxi-co, 1982, onde se buscou operacionalizar oconceito de classe social. Naquela investiga-ção5, coletou-se uma grande variedade de indi-

Page 3: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

cadores, permitindo, assim, a construção de di-versos grupos, classes ou agregados, agrícolas enão agrícolas. Para sua utilização em Pelotas,foi necessário adaptá-la tanto às característicassócio-econômicas locais quanto aos indicadoresdisponíveis no estudo.

A Tabela 1 resume a relação entre cada umadas dimensões contidas na definição de classesocial, as variáveis em que podem ser decom-

postas e os indicadores que, no estudo longitu-dinal de Pelotas15,16, foram usadas para me-di-las. A situação de classe da família foi defini-da através da inserção, nos processos de produ-ção, circulação ou coadjuvantes, de seu compo-nente que recebia a maior renda. Quando amaior renda provinha de um indivíduo que nãoconvivia com a família, a classe social deste eraa considerada.

Page 4: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

As famílias foram classificadas como perten-centes a uma das seguintes classes sociais:

a) burguesia;b) nova pequena burguesia;c) pequena burguesia tradicional;d) proletariado não típico;e) proletariado típico; ef) subproletariado.

A composição destas classes é descrita noAnexo 1 e os esquemas classificatórios sãoapresentados nas Figs. 1, 2, 3. O critério de en-trada nos esquemas é, fundamentalmente, a re-lação com os meios de produção, sendo as de-mais variáveis utilizadas a partir deste ponto.As alterações efetuadas em relação ao modelode Bronfman e Tuirán são comentadas no Ane-xo 2 e a definição dos termos utilizados consti-tui o Anexo 3.

Page 5: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

3. RESULTADOS

3.1 Comparação Entre as Duas Classificações

A Tabela 2 mostra as diferenças entre as duasclassificações. O grupo que mais sofreu altera-ções foi o subproletariado, que segundo a clas-sificação de Barros1 estaria superestimado, com1.451 famílias (27% do total), sendo reduzidona atual classificação e 541 famílias (10,1%).Ambos os esquemas classificaram como sub-proletários os serventes na construção, empre-gados domésticos, lenhadores, pescadores, con-dutores de veículos de tração animal (freteiros),trabalhadores com ocupações variadas (bisca-teiros) e outras categorias menos numerosas.Por outro lado, a classificação de Barros1 in-cluiu no subproletariado grupos que, a nossover, pertencem a outras classes sociais:

a) trabalhadores na agricultura (capatazes,operadores de máquinas, peões, etc.) e mes-tres e oficiais da construção civil, que, se-gundo a presente classificação, pertencemao proletariado não típico;

b) trabalhadores administrativos empregadosna construção civil e na agricultura; incluí-dos em proletariado não típico; e

c) trabalhadores autônomos, sem estabeleci-mento, que possuem conhecimento de ofí-cio, tais como artesãos, representantes devendas e trabalhadores em serviços de ma-nutenção (de veículos automotores, de apa-relhos elétrico-eletrônicos, etc.); classifica-dos como pequena burguesia tradicional.

A principal alteração ocorrida no proletaria-do diz respeito à distinção entre proletariado tí-pico e não-típico (Tabela 2), sendo este último

Page 6: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

mais numeroso. O proletariado como um todoaumentou devido, principalmente, ao ingressode indivíduos anteriormente classificados comosubproletários. Além disso, foi incluído na no-va pequena burguesia o grupo constituído porprofissionais de nível superior e por professoresuniversitários, que, ao se utilizar a classificaçãode Barros1 foi enquadrado em proletariado, jáque não parecia coerente classificá-los em bur-guesia gerencial.

Não houve alterações substanciais, em ter-mos numéricos, em relação à classificação dapequena burguesia, burguesia gerencial e bur-guesia empresarial. A pequena burguesia passaa denominar-se pequena burguesia tradicional,a burguesia gerencial passa a ser nova pequenaburguesia, e a burguesia empresarial, burgue-sia. Estas mudanças não representam apenas al-terações de nomenclatura, mas sim uma dife-rença de concepções teóricas.

A nosso ver, porém, tanto os indivíduos queexercem funções próprias do capital quanto osque ocupam postos de alto nível técnico devemser considerados como componentes da fraçãode classe denominada nova pequena burguesia,

pois como não são proprietários dos meios deprodução não podem estar incluídos na burgue-sia. Na utilização do modelo atual observou-seredução relativa na composição da burguesia de5,8% para 1,2%, proporção esta que parece es-tar mais em consonância com a atual etapa dealta concentração do capital.

3.2 Avaliação Empírica

Para testar empiricamente qual dos dois mo-delos possuiria maior poder discriminatório emtermos do processo saúde-doença na infância,decidiu-se comparar o crescimento de criançaspertencentes a famílias com diferentes situaçõesde classe. O crescimento foi escolhido por sinte-tizar a ação de diversos fatores — nutricionais,ambientais, e assistenciais — que em últimaanálise dependem da inserção de classe da famí-lia. As Tabelas 3 e 4 mostram os dados referen-tes ao peso e à altura das crianças estudadas,após ajuste para idade e sexo através de análisede covariância (a idade média das 5.384 crian-ças foi 43,1 meses e o desvio padrão 3,7 meses).

Page 7: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

As duas classificações estão associadas comdiferenças significativas (P< 0,001) no cresci-mento infantil, mas o esquema proposto mos-tra que as crianças do subproletariado e do pro-letariado típico apresentam crescimento infe-rior ao que seria estimado pela classificação deBarros1. Por exemplo, as crianças do subprole-tariado, segundo o presente modelo, têm emmédia 14,73 kg e 95,4 cm (erros-padrão 0,09 kge 0,23 cm), enquanto que de acordo com o mo-delo anterior teriam 15,02 kg e 96,2 cm (er-ros-padrão 0,06 kg e 0,13 cm). Embora estas di-ferenças possam parecer pequenas, os erros-pa-drão das estimativas são muito reduzidos.

As crianças que mudaram de categoria são,em geral, mais parecidas com aquelas de suanova categoria do que com as de sua categoriaanterior. Por exemplo, as crianças classificadaspor Barros como pertencentes ao subproleta-riado e por nós como da pequena burguesia tra-dicional possuem em média 15,82 kg e 98,1 cm,valores muito mais próximos aos da pequenaburguesia tradicional do que aos do subproleta-riado.

Esta comparação do poder discriminatóriodas duas classificações foi complementada atra-vés de uma análise de covariância (Tabela 5) emque, após o ajuste para idade e sexo, foram in-cluídas ao mesmo tempo as duas classificaçõesde classe social. Quando isto aconteceu, o efei-to da classificação de Barros1 deixou de ser es-tatisticamente significativo, enquanto que o

efeito da atual classificação foi altamente signi-ficativo (P<0,001) tanto para o peso quanto pa-ra a altura.

4. DISCUSSÃO

O presente artigo procura contribuir para odebate sobre a operacionalização do conceitode classe social. Embora este processo deixe delado as dimensões jurídico-política e ideológicado conceito e concentre-se na dimensão econô-mica, acredita-se que as vantagens de poder in-cluí-lo em estudos epidemiológicos superam,em muito, suas limitações.

Considera-se que, somente através do desen-volvimento cada vez mais rigoroso dos modelosde operacionalização de classe social, po-der-se-á captar a situação de classe dos grupossociais e a forma em que esta afeta a saúde dosindivíduos que a compartem em determinadaformação econômico-social. Isto por que os in-dicadores tradicionais de estratificação, comorenda e escolaridade, mesmo nas tentativas desua utilização a partir de uma perspectiva dialé-tica, configuram grupos humanos que nãocompartilham necessariamente a mesma situa-ção de classe, já que implicam cortes arbitráriosdo pesquisador que não refletem a complexida-de da estrutura social13. Neste contexto, consi-deramos que trabalhos como o de Singer12 e

Page 8: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

Barros1,2 representam um grande avanço no en-tendimento da composição de classes do Brasile na operacionalização deste conceito.

Neste procedimento, pelo menos três pontossão fundamentais: os aspectos teórico-concei-tual e o metodológico, e a adequação às carac-terísticas da formação sócio-econômica. Par-tindo-se do mesmo conceito pode-se chegar ainterpretações diferentes e portanto a distintosmodelos de operacionalização, como exemplifi-cam os vários estudos sobre o tema realizadosna América Latina1,3,8,14. Além dessas diferen-ças teórico-conceituais, devem ser consideradasas peculiaridades de cada estrutura social na es-colha e/ou na construção de um modelo. Por-tanto, ao ser utilizada classe social como cate-goria analítica, em estudos epidemiológicos,acredita-se que, levando-se em conta estes trêspontos, tornar-se-á possível passar do planoteórico para o empírico.

A comparação do poder discriminatório dasduas classificações ilustra a possibilidade de va-lidação empírica do processo de operacionaliza-ção. Em primeiro lugar, deve-se escolher um as-pecto do processo saúde-doença — como o

crescimento humano — em relação ao qual es-perar-se-ia encontrar importantes diferenciaisentre as classes. A seguir, é possível testar o po-der discriminatório de um ou mais esquemaspropostos e validá-los. Se os resultados foreminsatisfatórios, pode-se então retornar ao estu-do teórico para investigar possíveis equívocosna operacionalização do conceito. Sem desejarreduzir o entendimento do processo saú-de-doença a um enfoque meramente empírico,acredita-se que a presente proposta ilustra co-mo, a partir de uma discussão cuidadosa, é pos-sível testar uma proposta de operacionalização,e, se for o caso, retornar à discussão com a con-tribuição dos resultados obtidos.

Finalmente, cabe também salientar que, semo entendimento e a aplicação adequadas do mé-todo epidemiológico, a proposta validação em-pírica pode levar a resultados errôneos. Destaforma, a colaboração de profissionais com dis-tintas formações — sociólogos, epidemiologis-tas, economistas, entre outros — é fundamentalpara levar a cabo essas tentativas de operacio-nalizar o conceito de classe social na pesquisaepidemiológica.

Page 9: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

LOMBARDI, C, et al, [The operationalization of the concept of social class in epidemiological studies],Rev. Saúde públ., S, Paulo, 22:253-65, 1988,

ABSTRACT: The development of an operational classification of the Marxist concept of social classthat could be used in epidemiological studies is attempted. Although such a classification will necessarilybe restricted to the economic dimension of the concept, and leave aside its ideological and legal-politicalcomponents, it is believed that it may lead to a better understanding of the distribution of ill-health in agiven population. Two classifications are described — that developed in Ribeirão Preto, S. Paulo (Brazil),and a new classification based on work done in Mexico. These are compared in terms of how closely asso-ciated they are with the patterns of growth of 5,384 young children in the city of Pelotas in Southern Bra-zil. It is concluded that the proposed classification has greater power of discrimination in terms of childgrowth than that previously proposed.

UNITERMS: Social class. Epidemiologic methods. Health surveys. Growth. Child.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BARROS, M.B.A. A utilização do conceito de classesocial nos estudos dos perfis epidemiológicos: umaproposta. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 20:269-73,1986.

2. BARROS, M.B.A. Mortalidade e classe social: umaproposta de investigação. In: Seminário Lati-no-Americano sobre População e Saúde, Campinas1985.Anais. Campinas, Ed. Unicamp, 1986. v.1., p.357-67.

3. BEHM, H. Socioeconomic determinants of mortalityin Latin America. In: Meeting on Socioeconomic De-terminants and Consequences of Mortality, MexicoCity, 1979. Proceedings. New York, United Nations,1980. p. 140-65.

4. BREILH, J.; GRANDA, E.; CAMPAÑA, A.; BE-TANCOURT, O. Clase social y desigualdad ante lamuerte en Quito. In: Breilh, J.; Granda, E.; Campa-ña, A. & Betancourt, O. Ciudad y muerte infantil.Quito, CEAS, 1983. p. 83-124.

5. BRONFMAN, M. & TUIRÁN, R. La desigualdad antela muerte: clases sociales y mortalidad en la niñez.Cuad. méd.-soc., Rosario, (29/30):53-75, 1984.

6. CAMPANARIO, P. & SEGOVIA, M. Las clases so-ciales y el comportamiento reproductivo en Costa Ri-ca. San José, Centro Latinoamericano de Demogra-fía, 1978.

7. DIERCKXSENS, W. Capitalismo y población. SanJose, Ed. Universitária Centroamericana, 1982.

8. GÓMEZ, M. Fecundidad, anticoncepcion y clasessociales. In: Seminario Nacional de Demografía,7o, San José, 1979. San José, Universidad de CostaRica, 1979. p. 71-100.

9. LENIN, V.I. Una gran iniciativa. In: Obras completas.Moscou, Ed. Progreso, 1957. T. II. p. 162.

10. MARX, K. Introdución general a la critica de la econo-mia política. México, Ed. Pasado y Presente, 1982.

11. NORUSIS, M.J. SPSS/PC + — Statistical Packagefor the Social Sciences. Chicago, SPSS Inc., 1986.

12. SINGER, P.I. Dominação e desigualdade: estrutura declasses e repartição de renda no Brasil. Rio de Janei-ro, Ed. Paz e Terra, 1981.

13. STAVENHAGEN, R. Estratificação social e estruturade classes. In: Velho O.C.; Palmeira M.G.S.; Bertel-li, A.R., org. Estrutura de classes e estratificação so-cial. 9a ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. p. 133-70.

14. TORRADO, S. Clases sociales, familia y comporta-miento demográfico: orientaciones metodológicas.Demogr. Econ., México, 12:343-76, 1978.

15. VICTORA, C.G.; BARROS, F.C.; MARTINES,J.C.; BERIA, J.U.; VAUGHAN, J.P. Estudo longi-tudinal das crianças nascidas em 1982 em Pelotas,RS, Brasil: metodologia e resultados preliminares.Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:58-68, 1985.

16. VICTORA, C.G.; BARROS, F.C.; VAUGHAN, J.P.Epidemiologia da desigualdade — um estudo longi-tudinal de 6000 crianças brasileiras. São Paulo, CE-BES-Hucitec, 1988. [no prelo].

Recebido para publicação em 28/8/1987Reapresentado em 25/5/1988Aprovado para publicação em 6/6/1988

Page 10: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

ANEXO 1

COMPOSIÇÃO DAS CLASSES SOCIAIS UTILIZADA NO PRESENTE ESTUDO. VERSÃO MODIFICADA DAPROPOSTA DE BRONFMAN E TUIRÁN*

A burguesia está constituída por todos os proprietários de meios de produção que, sem estareles mesmos sujeitos à exploração, empregam força de trabalho assalariada, exercendo uma funçãode exploração de tipo capitalista que se expressa na apropriação de uma porção de tempo de traba-lho do operário. Os requisitos exigidos para pertinência a esta classe são:a) empregar cinco ou mais pessoas; eb) ter renda individual superior a quinze salários mínimos (pontos de corte arbitrário, porém com

base nas características sócio-econômicas de Pelotas).

A nova pequena burguesia engloba os agentes sociais que ocupam os postos de mais alto níveltécnico e de tomada de decisões, especificamente:

a) Os trabalhadores assalariados que desempenham, no plano econômico, funções próprias do ca-pital, como são as de direção, organização e vigilância do processo de trabalho e da produção,como, por exemplo, os diretores de empresas, os gerentes, administradores, chefes de departa-mentos, e outros, que cumprem a função de organizar a exploração da força de trabalho.

b) Os trabalhadores assalariados que exercem funções de direção dentro do setor público. Este gru-po é composto por agentes sociais que tem como função planejar, instrumentar e/ou executarpolíticas que contribuam para a reprodução das relações de produção capitalista. A alta oficiali-dade do exército e da polícia, os quadros diretivos da burocracia política, os legisladores, osagentes responsáveis pela execução da justiça nos tribunais, e outros, são exemplos destes agen-tes sociais.

c) Os trabalhadores assalariados que exercem funções as quais, apesar de não serem de direção, re-querem uma formação profissional de nível universitário. Neste grupo encontram-se os agentesque detêm o controle técnico dos meios de produção (engenheiros, cientistas, agrônomos, e ou-tros) e aqueles cuja função é servir de veículo transmissor da ideologia dominante (jornalistas,professores, publicitários, e outros).

d) Os profissionais autônomos que são portadores de práticas especializadas que lhes permitemvender seu trabalho, ainda que não sua força de trabalho. Pertencem a este grupo agentes taiscomo os profissionais e técnicos que trabalham por conta própria, como médicos, engenheiros,advogados, dentistas, e outros. Estes agentes podem até possuir meios de produção e contratarmão de obra assalariada, mas difereciam-se da burguesia por empregarem menos de cinco pes-soas e/ou por terem renda individual inferior a quinze salários mínimos.

A pequena burguesia tradicional é composta pelos agentes sociais que, sem possuir formaçãouniversitária, possuem a capacidade de reproduzir-se de maneira independente por disporem demeios de produção próprios. A reprodução desta classe baseia-se na utilização da força de trabalhodo grupo familiar. Podem contratar força de trabalho assalariada, mas diferenciam-se dos burgue-ses por contratarem menos de cinco empregados e/ou por sua renda individual ser inferior a quinzesalários mínimos.

Geralmente, as unidades de produção e comercialização que pertencem a esta classe operam emuma escala de reprodução simples, que lhes permite apenas recuperar o capital e o trabalho inverti-dos no processo. Desta forma asseguram, por uma parte, sua continuidade no processo econômicoe, por outra, a reprodução de sua força de trabalho e de sua família. Este grupo encontra-se integra-do pelos agentes da indústria artesanal, pelos pequenos comerciantes, e pelos proprietários indepen-dentes do setor serviços.

O proletariado inclui todos os agentes sociais que, estando submetidos a uma relação de explo-ração, não exercem eles mesmos nem direta nem indiretamente função de exploração. Trata-se detrabalhadores que: 1) não dispõem de meios de produção e de trabalho; 2) vendem sua força de tra-balho para poder sobreviver; 3) são objeto da extração de uma proporção do produto de seu traba-lho, e 4) não possuem formação de nível superior. De acordo com a natureza e forma concreta co-mo os indivíduos realizam seu trabalho, distinguem-se dois diferentes subconjuntos: a) proletariado

* Bronfman, M. & Tuirán, R. La desigualdad ante la muerte: clases sociales y mortalidad en la niñez. Cuad. méd. soc., Ro-sario, (29/30): 53-75, 1984.

Page 11: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

típico; e b) proletariado não-típico. No primeiro caso tratam-se de trabalhadores que desempenhamatividades diretamente vinculadas com a produção e o transporte de mercadorias (pedreiros, operá-rios, motoristas) enquanto que ao segundo grupo pertencem aqueles assalariados que somente têmrelação indireta com a produção (bancários, trabalhadores de escritório, funcionários públicos).

Por último, a classe denominada subproletariado inclui todos os agentes sociais que desempe-nham uma atividade predominantemente não assalariada, em geral instável, com a qual obtém salá-rios e/ou rendimentos inferiores ao custo mínimo da reprodução da força de trabalho. A esta classepertencem:

a) Os agentes que possuem simples artefatos ou instrumentos rudimentares para desempenhar seutrabalho. Este setor caracteriza-se por operar com uma produtividade marcadamente inferior àdos padrões vigentes, devendo vender sua escassa produção a preços que não alcançam, em ge-ral, a retribuir o trabalho invertido nem recuperar parte do valor — capital transferido às merca-dorias. Este grupo não forma parte da pequena burguesia tradicional, pois carece da solvêncianecessária para manter sua atividade econômica em uma escala de reprodução simples.

b) Os agentes sociais que não possuem meios de produção e que se inserem em ocupações não assa-lariadas, predominantemente instáveis, que não exigem qualificação alguma. Este grupo encon-tra-se integrado por vendedores ambulantes, trabalhadores em serviços domésticos, engraxates,e outros.

c) Os agentes sociais que não possuem meios de produção e que, pela natureza do ofício que desem-penham, transitam constantemente entre ocupações por conta própria e ocupações assalariadasnão qualificadas, como os serventes da construção e empregados domésticos.

Enquanto que a classificação de Bronfman e Tuirán5 inclui tanto as classes e frações agrícolascomo não-agrícolas, o presente estudo limitou-se a famílias urbanas, das quais apenas 3,2% depen-diam primariamente de agricultura. Estas foram incluídas nas classes ou frações não-agrícolas. Ou-tro aspecto a destacar é a inserção da classe dos trabalhadores na indústria da construção civil, quesofreu alterações em relação ao modelo utilizado no México, conforme está detalhado no Anexo 2.

Foram consideradas como não classificáveis, 74 famílias (1,4%), pois nos questionários cons-tava apenas que os chefes de família eram pensionistas, estudantes ou donas-de-casa.

Page 12: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

ANEXO 2

ALTERAÇÕES EM RELAÇÃO À PROPOSTA DE BRONFMAN E TUIRÁN*

As modificações realizadas no modelo de Bronfman e Tuirán5 são de natureza técnica e nãoteórico-metodológica, e referem-se, principalmente, a algumas variáveis que não estavam disponí-veis, já que a adaptação da classificação original foi feita após a coleta de dados do estudo longitu-dinal de Pelotas15,16. Outras modificações deveram-se às particularidades da formação econômi-co-social de Pelotas.

Ressalta-se que estas modificações não descaracterizam a proposta daqueles autores, nem in-troduzem vícios que levem a ambigüidades na discrição de classe da pessoa de maior renda na famí-lia. Ao contrário, o modelo adaptado tem a vantagem de evidenciar que com um menor número devariáveis é possível chegar a uma operacionalização mais concisa de classe social, mais facilmentereproduzível e utilizável. Portanto, o presente modelo mantém um alto poder de discriminação dediferenciais de saúde-doença na população, sem cair em simplificações.

A seguir, estão descritas as alterações realizadas,1. Em relação às variáveis.

Em Pelotas, não foram consideradas as seguintes variáveis:a. Para as pessoas que trabalhavam por conta própria:

localização e tamanho do estabelecimento, propriedade de máquinas, instrumentos e instala-ções de trabalho.

b. Para os assalariados: tamanho do estabelecimento e separação entre formação profissional etipo de posto de trabalho.

c. Para empregadores: nível de responsabilidade na função, tipo de ocupação e propriedade deestabelecimento, maquinaria e instrumentos.

2. Em relação às características da formação econômico-social. Em Pelotas, foi criado um fluxo es-pecífico para classificar os trabalhadores na construção civil. Isto ocorreu em função das carac-terísticas da indústria da construção civil em nosso meio, onde há uma alta rotatividade de mão-de-obra entre os serventes, que tanto podem trabalhar na construção como em outros setores deatividade, dependendo das oscilações do mercado. Por isso os serventes foram classificados co-mo subproletários. Já os oficiais (pedreiros, azuleijistas, encanadores, parqueteiros, mes-tres-de-obras, e outros) são profissionais bastante disputados no mercado, geralmente encon-trando-se em atividade durante todos os meses do ano, pois quando não estão empregados emobras de maior porte, trabalham em reformas ou em pequenas obras. Em função disso, foramclassificados como proletários típicos.

No México, esses trabalhadores foram agrupados juntamente com outros assalariados naindústria, sendo classificados como proletários típicos.

Além disso, em Pelotas não foi utilizado um esquema exclusivo para o setor agrícola, poreste apresentar um número inexpressivo, que não justificava sua classificação em separado. Osassalariados agrícolas foram incluídos no proletariado típico, pois, nessa região, as relações so-ciais de produção no campo são tipicamente capitalistas. Os pequenos proprietários agrícolas fo-ram incluídos na pequena burguesia tradicional, e os grandes proprietários na burguesia. Naclassificação utilizada no México, há um quadro específico para as classes sociais agrícolas.

3. Em relação aos critérios de adscrição de classe.a. Para os assalariados, no México, a distinção entre nova pequena burguesia e proletariado (tí-

pico e não típico) é feita com base na responsabilidade no serviço (alta/baixa), enquanto queem Pelotas considera-se a formação (universitária/não-universitária) e o tipo de função exer-cida (diretiva/não-diretiva).

b. Para os empregadores, em Pelotas, a distinção entre burguesia, nova pequena burguesia e pe-quena burguesia tradicional leva em conta apenas três variáveis (renda do chefe de família,número de empregados e formação). Ao passo que no México, a primeira variável não foiconsiderada, sendo usadas além das duas últimas, outras que não eram disponíveis em nossosdados.

4. Em relação a denominação das classes resultantes. "Subproletariados" foi a denominação utili-zada para o que foi chamado no México de "força de trabalho livre não-assalariada"

Em Pelotas, no "proletariado típico" está agrupado o proletariado típico tanto de estabeleci-mentos maiores quanto de estabelecimentos menores.

* Bronfman, M. & Tuirán, R. op. cit.

Page 13: OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE ... - … OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS* Cintia Lombardi** Mario Bronfman*** ... radigma dominante

ANEXO 3

DEFINIÇÕES DE TERMOS UTILIZADOS NA PRESENTE CLASSIFICAÇÃO

1. Estabelecimento. Foi definido como a existência de área construída que se destina exclusivamen-te ao exercício da atividade, podendo ser na residência ou não. Por exemplo, um armazém ouuma oficina mecânica que ocupam uma dependência da residência são considerados como esta-belecimentos. Por outro lado, doceiras que utilizam a cozinha da residência ou costureiras quetêm seus instrumentos de trabalho em dependências também utilizadas para outros fins, são clas-sificadas como sem estabelecimento. Além disso, os veículos automotores usados para o exercí-cio profissional, como táxis e caminhões de transporte de mercadorias, também são considera-dos estabelecimentos.

2. Conhecimento de ofício. A diferenciação entre indivíduos com e sem conhecimento de ofício foifeita tendo como base o tipo de ocupação. São incluídas aquelas que exigem anos de experiência,cujo aprendizado requer muito tempo, ou então cursos técnicos de nível médio. Como exemplode ocupações que exigem conhecimento de ofício podemos citar eletro-técnicos, marceneiros eazuleijistas. Exemplos de ocupações sem conhecimento de ofício seriam peões da construção ci-vil, trabalhadores na limpeza de vias públicas, ascensoristas, e outros.

3. Indivíduos com formação universitária. São aqueles que possuem curso univesitário completo eexercem funções relacionadas com sua área de conhecimento. Por exemplo, um engenheiro civil,que seja proprietário de um armazém ou cuja ocupação principal seja a de representação comer-cial, não será enquadrado nesta definição.